Desejo de Status, Botton

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esejo de status' apresenta uma argumentação bem estruturada que identifica e ataca os pilares fundamentais das sociedades atuais, criadoras de multidões de pessoas infelizes, decepcionadas consigo mesmas e com a posição social que ocupam. O ponto central do livro é o conceito de desejo de status. São cinco as causas apontadas pelo autor como as criadoras desse desejo de subir a qualquer custo na hierarquia social - a falta de amor, o esnobismo dos outros, as expectativas muito elevadas que temos, a estrutura meritocrática da sociedade e a dependência de fatores externos para a conquista do sucesso profissional. Depois de analisar esses fatores, revelando sua origem histórica e suas conseqüências, Alain de Botton mostra que existem remédios para atenuar esse mal. A filosofia, a arte, a política, a boemia e o cristianismo podem se tornar armas importantes contra as frustrações decorrentes do desejo de status. Sem oferecer soluções simples e miraculosas, o autor procura compreender a questão em toda a sua complexidade, relativizando o valor do sucesso e mostrando que a vida é muito mais do que ser financeiramente bem-sucedido.

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  • 5Sumrio

    CAUSAS

    I. Falta de amor ...............................................................13II. Esnobismo ..................................................................19III. Expectativa ................................................................29IV. Meritocracia ..............................................................62V. Dependncia ...............................................................89

    SOLUES

    I. Filosofia ......................................................................109II. Arte............................................................................123III. Poltica .....................................................................172IV. Cristianismo ............................................................210V. Boemia ......................................................................255

  • 7DEFINIES

    Status

    Posio de uma pessoa na sociedade; a palavra de-riva do latim, statum.

    Em sentido estrito, refere-se ao estado civil ou situao profissional de uma pessoa em um grupo (casa-do, um tenente etc.). Mas, em um sentido mais amplo e mais relevante aqui , o valor e a importncia de uma pessoa aos olhos do mundo.

    Diferentes sociedades conferiram status a diferen-tes grupos: caadores, guerreiros, dinastias antigas, cate-quizadores, cavaleiros, mulheres frteis. Desde 1776, a noo de status no Ocidente (o territrio indefinido mas abrangente que est em discusso aqui) tem sido cada vez mais associada realizao financeira.

    As consequncias de ter um status elevado so agrad-veis. Incluem recursos, liberdade, espao, conforto, tempo e, talvez to importante tanto quanto tudo isso, a conscincia de que se valorizado e digno de receber cuidados o que demonstrado atravs de convites, adulaes, risos (mesmo quando a piada no tem graa), deferncia e ateno.

    Ter um status elevado considerado por muitos (mas poucos admitem abertamente isso) um dos bens terrenos mais valiosos.

    Desejo de status

    Uma preocupao to perniciosa que capaz de destruir grande parte das nossas vidas. Movidos por ela,

  • 8arriscamo-nos a nos conformar aos ideais de sucesso es-tabelecidos pela sociedade. Como resultado, podemos perder o respeito prprio e a dignidade. A preocupao de que no momento ocupamos um lugar social modesto demais ou de que estamos prestes a cair para um nvel mais baixo na hierarquia social.

    O desejo por status provocado pela recesso, pela sensao de que se desnecessrio, por promoes, aposentadoria, conversas com colegas da mesma rea de trabalho, perfis de pessoas proeminentes nos jornais, pelo sucesso dos nossos amigos, entre outras coisas. Da mes-ma forma que confessar a inveja (com a qual esta emoo est relacionada), revelar a extenso de qualquer desejo pode ser socialmente imprudente, e, por conseguinte, so incomuns as evidncias de um drama ntimo, o qual costuma limitar-se a um olhar preocupado, a um sorriso amarelo ou a uma pausa mais longa ao tomarmos conhe-cimento das realizaes do outro.

    Se nossa posio social o cerne desse desejo, porque a concepo que temos de ns mesmos depende muito do que os outros pensam de ns. Excetuando-se uns raros exemplos (Scrates, Jesus), precisamos de sinais de respeito do mundo para nos considerarmos tolerveis.

    Ainda mais lamentvel o fato de que o status difcil de se alcanar e ainda mais difcil de se manter por toda a vida. Exceto nas sociedades onde ele determi-nado ao nascimento e temos sangue azul correndo nas veias, uma posio elevada depende do que podemos rea-lizar; e podemos fracassar devido estupidez ou falta de autoconhecimento, ou devido macroeconomia ou malevolncia.

    E ao fracasso segue-se a humilhao: uma cons-cincia corrosiva de que fomos incapazes de convencer o mundo de nosso valor e de que, por causa disso, estamos

  • 9condenados a tratar os bem-sucedidos com despeito e a ns mesmos com vergonha.

    Tese

    O desejo de status possui uma capacidade excep-cional de inspirar sofrimento.

    A fome de status, como todos os apetites, tem l as suas utilidades: incita-nos a fazer valer nossos talentos, incentivando a excelncia, coibi-nos de cometer excentri-cidades prejudiciais e une os membros de uma sociedade em torno de um sistema de valores comum. Mas, como todos os apetites, em excesso tambm pode matar.

    A forma mais proveitosa de lidar com o problema talvez seja tentar entend-lo e discuti-lo.

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    PartE uM

    CAUSAS

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    I. FALTA DE AMOR

    O Desejo de Status

    1Existem suposies comuns sobre os motivos que nos le-vam a procurar um status elevado; entre eles, a nsia por dinheiro, fama e influncia.

    Como alternativa, pode ser melhor resumir o que estamos buscando em uma palavra raramente utilizada em teoria poltica: amor. Com a garantia de alimento e abrigo, o impulso que subjaz ao nosso desejo de sucesso na hierarquia social pode no estar tanto nos bens que possamos adquirir ou no poder que possamos exercer, mas no amor que recebemos como consequncia do nos-so status elevado. Dinheiro, fama e influncia podem ser avaliados mais como provas de amor e um meio de se chegar a ele do que como fins em si mesmos.

    De que modo essa palavra, em geral usada apenas em relao ao que queremos de nossos pais ou de um parceiro romntico, pode ser aplicada a algo que pode-mos querer e obter no mundo? Talvez possamos definir amor, em suas manifestaes familiares, sexuais e mun-danas, como uma espcie de respeito, uma sensibilidade existncia do outro. Ser objeto de amor sentir-se objeto de preocupao. Nossa presena notada, nosso nome registrado, nossas opinies so ouvidas, nossos fracassos so tratados com indulgncia e nossas necessidades so atendidas. E, com esses cuidados, prosperamos. poss-vel que haja diferenas entre o amor romntico e o amor social este ltimo no tem dimenso sexual, pode no terminar em casamento, aquele que o oferece geralmente

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    nutre motivos secundrios e ainda assim o objeto do amor, no campo social, desfrutar de proteo, como muitos amantes romnticos, sob o olhar benevolente dos outros.

    comum descrever uma pessoa que ocupa uma posio importante na sociedade como algum e cha-mar o seu oposto de ningum termos que no fazem sentido, porque todos somos necessariamente indivduos com identidade e direito existncia comparveis. Mas essas palavras conseguem transmitir as diferenas na qualidade do tratamento conferido a diferentes grupos. Pessoas com status social baixo continuam despercebi-das, so tratadas com grosseria, suas idiossincrasias so menosprezadas e suas identidades, ignoradas.

    O impacto de um status baixo no deve ser inter-pretado somente em termos materiais. Raras vezes a punio, pelo menos acima dos nveis de subsistncia, est somente no desconforto fsico. Ela tambm reside, principalmente, no desafio que ter status baixo impe ao senso de respeito prprio. Pode-se enfrentar o des-conforto sem queixas por um longo perodo quando ele no acompanhado de humilhao, como o caso de soldados e exploradores que enfrentaram de bom grado privaes que superavam em muito as de indivduos nas piores condies de pobreza, mas as suportaram por te-rem conscincia de que eram estimados pela sociedade.

    Da mesma forma, os benefcios de ter um status ele-vado raramente se limitam riqueza. J no causa surpre-sa encontrar indivduos ricos que continuam a acumular somas que superam o que cinco geraes poderiam gas-tar. Seu empenho s estranho se insistirmos em um raciocnio estritamente financeiro por trs da criao de riqueza. Eles procuram no s o dinheiro, mas o respeito que supostamente advm da acumulao. Poucos entre ns so estetas ou hedonistas convictos, mas quase todos

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    ns ansiamos por dignidade, e, se uma sociedade futura oferecesse amor como recompensa ao acmulo de discos de plstico, no demoraria muito para que tais itens sem valor assumissem um lugar de destaque entre as nossas aspiraes e ansiedades mais ardorosas.

    2Adam Smith, A teoria dos sentimentos morais (Edimbur-go, 1759):

    Que propsito tm toda a labuta e a afobao des-te mundo? Qual a finalidade da avareza e da ambio, da busca de riqueza, poder e preeminncia? Ser suprir as necessidades naturais? O salrio do trabalhador mais medocre pode supri-las. Quais so, ento, as vantagens desse grande propsito da vida humana a que chamamos de melhorar nossas condies de vida?

    Ser notado, ser atendido, ser visto com simpatia, complacncia e aprovao so as vantagens que supos-tamente derivam disso. O rico ufana-se de sua riqueza porque sente que atraiu naturalmente para si a ateno do mundo. O pobre, ao contrrio, envergonha-se de sua pobreza. Sente que ela o coloca longe dos olhos da hu-manidade. Sentir que no recebemos ateno decepciona os desejos mais ardentes da natureza humana. O pobre permanece negligenciado e, no meio da multido, con-tinua na obscuridade, como se confinado a seu prprio casebre. O homem nobre e distinto, ao contrrio, no-tado por todo o mundo. Todos os olhares se voltam para ele. Seus atos so objeto de preocupao pblica. Rara a palavra, raro o gesto dele que ser desprezado.

    3Pode-se dizer que a vida adulta definida por duas gran-des histrias de amor. A primeira a da busca por amor sexual bem conhecida e bem representada, suas

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    peculiaridades formam a matria-prima da msica e da literatura, ela socialmente aceita e celebrada. A segunda a histria da nossa busca pelo amor do mundo mais secreta e infame. Se mencionada, tende a ser em termos custicos, debochados, como algo que interessa princi-palmente a almas invejosas ou imperfeitas, ou ento o impulso por status interpretado somente no sentido econmico. No entanto, a segunda histria de amor no menos intensa que a primeira nem menos complicada, importante ou universal, e seus reveses no so menos dolorosos. Aqui tambm h desiluso, sugerida pelos olhares distantes e resignados de muitos daqueles que o mundo elegeu para desprezar por serem ningum.

    A importncia do amor

    1William James, Os princpios da psicologia (Boston, 1890):No se poderia pensar numa punio mais demonaca, se tal coisa fosse fisicamente possvel, do que estar numa sociedade e passar totalmente despercebido por todos os seus membros. Se ningum se volta quando entramos, nem responde quando falamos ou se importa com o que fazemos, e se cada um que encontramos vira as costas e age como se no existssemos, uma espcie de raiva e desespero impotente brota em ns, e a tortura fsica mais cruel um alvio comparada a isso.

    2Como somos afetados pela ausncia de amor? Por que ser ignorado pode nos levar a sentir uma espcie de raiva e desespero impotente, que so piores do que a prpria tortura fsica?

    Pode-se dizer que receber a ateno dos outros im-portante principalmente porque somos afetados por uma

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    incerteza congnita em relao ao nosso prprio valor e, como resultado disso, o que os outros pensam de ns vem a ter um papel determinante no modo como conseguimos nos ver. Nosso senso de identidade torna-se cativo da opi-nio daqueles com quem convivemos. Se eles se divertem com as nossas piadas, ganhamos confiana em nosso po-der de divertir. Se eles nos elogiam, desenvolvemos uma impresso de grande mrito. E se eles evitam o nosso olhar, quando entramos em uma sala, ou parecem impacientes depois que revelamos a nossa ocupao, podemos ser viti-mados por sentimentos de insegurana e indignidade.

    Em um mundo ideal, seramos mais impermeveis. No nos abalaramos sempre que fssemos ignorados ou notados, elogiados ou zombados. Se algum nos dirigis-se falsos elogios, no nos deixaramos seduzir sem razo. E se fizssemos uma autoavaliao justa e nos conven-cssemos de nosso valor, no nos deixaramos magoar se outra pessoa sugerisse nossa irrelevncia. Estaramos conscientes do nosso valor. Em vez disso, carregamos in-ternamente vises conflitantes quanto ao nosso carter. Temos provas de inteligncia e estupidez, humor e tdio, importncia e inutilidade. E, nessas condies inconstan-tes, a atitude da sociedade passa a definir o quanto somos importantes. O desprezo acentua a avaliao negativa que fazemos de ns mesmos, enquanto um sorriso ou um cumprimento rapidamente revelam o contrrio. Parece que dependemos da afeio dos outros para nos suportar. Nosso ego, ou a concepo que temos de ns mesmos, pode ser comparado a um balo com vazamento, exigin-do sempre o hlio do amor exterior para no murchar, e vulnervel s menores alfinetadas do desprezo. H algo de preocupante e absurdo em como somos encorajados pela ateno e magoados pela desconsiderao. Nosso humor pode se tornar sombrio porque um colega nos re-

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    cebeu distraidamente e nossos telefonemas no foram re-tornados. E somos capazes de achar que vale a pena viver porque algum se lembrou de nosso nome e nos mandou uma cesta de frutas.

    3Portanto, no surpreendente que, tanto do ponto de vista emocional quanto material, o lugar que ocupamos no mundo nos cause aflio. Esse lugar determinar o amor que recebemos e, por consequncia, se podemos gostar de ns mesmos ou se devemos perder a confiana. Ele a chave para algo cuja importncia no tem prece-dentes para ns: um amor sem o qual o nosso carter no inspira confiana nem firmeza.

    As consequncias do desprezo

    ATITUDE DOS OUTROS AUTOIMAGEM Voc um fracasso. Eu sou uma desgraa. Voc no importante. Eu no sou ningum. Voc maante. Eu sou estpido. Eu sou inteligente. Eu sou aceitvel. Eu tenho valor.

    As consequncias do amor

    ATITUDE DOS OUTROS AUTOIMAGEM Voc inteligente. Eu sou inteligente. Voc importante. Eu sou aceitvel. Voc bem-sucedido. Eu tenho valor. Eu sou uma desgraa. Eu no sou ningum. Eu sou estpido.