Desemprego nos países da OCDE: posições em debate *

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57 Carmem Aparecida Feijó . Paulo Gonzaga M. de Carvalho Desemprego nos países da OCDE: posiçıes em debate * Carmem Aparecida Feijó ** Paulo Gonzaga M. de Carvalho *** 1. Introduçªo Elevadas taxas de desemprego predominam atualmente nas economias capitalistas. Como todo fenômeno social, este apresenta diversas causas, cujo poder explicativo varia conforme o quadro econômico. Neste texto procuraremos sumariar posiçıes relevantes no debate sobre o aumento recente nas taxas de desemprego. Propomos uma resenha crítica das causas do desemprego nos países da OCDE. O emprego nos países desenvolvidos tem passado por grandes transformaçıes ao longo do tempo. Flutuaçıes na taxa de desemprego no curto prazo sªo um fato comum, associadas às flutuaçıes do nível de produto. O dado atual sobre o desemprego Ø que a capacidade de destruiçªo de velhos empregos nªo Ø acompanhada com a mesma velocidade pela criaçªo de novos empregos (ver tabela 1) ou, como veremos, por empregos de qualidade. Como resultado, cresce o desemprego estrutural e de longo prazo. 1 * Agradecemos a Claudio Salm as críticas e sugestıes e a Ernani Teixeira Filho pelo estímulo. Agradecemos tambØm a dois referees anônimos pelas sugestıes. Faz-se a res- salva de sempre acerca de imprecisıes e erros que ainda persistam. ** Economista do IBGE e professora da UFF. *** Economista do IBGE e Doutorando do IE/UFRJ. 1. Nªo vamos analisar a evoluçªo das taxas de desemprego dos diferentes países, mas cabe destacar alguns resultados. Apesar da relativa melhora dos indicadores nos œltimos anos, a taxa de desemprego do Japªo, o país do emprego vitalício, estÆ mais de 50% acima do nível de 1980 e a da Alemanha, principal economia europØia, mais de 200%. No conjunto dos países da OCDE observa-se uma queda na taxa de desemprego no período recente devido aos resultados dos países de língua inglesa (EUA, CanadÆ e Reino Unido). VOL. I Nº II DEZ.99 pp.57/78

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Carmem Aparecida Feijó . Paulo Gonzaga M. de Carvalho

Desemprego nos países da OCDE:posições em debate *

Carmem Aparecida Feijó * *

Paulo Gonzaga M. de Carvalho ***

1. Introdução

Elevadas taxas de desemprego predominam atualmente naseconomias capitalistas. Como todo fenômeno social, este apresenta diversascausas, cujo poder explicativo varia conforme o quadro econômico. Nestetexto procuraremos sumariar posições relevantes no debate sobre o aumentorecente nas taxas de desemprego. Propomos uma resenha crítica das causasdo desemprego nos países da OCDE.

O emprego nos países desenvolvidos tem passado por grandestransformações ao longo do tempo. Flutuações na taxa de desemprego nocurto prazo são um fato comum, associadas às flutuações do nível de produto.O dado atual sobre o desemprego é que a capacidade de destruição develhos empregos não é acompanhada com a mesma velocidade pela criaçãode novos empregos (ver tabela 1) ou, como veremos, por empregos dequalidade. Como resultado, cresce o desemprego estrutural e de longoprazo.1

* Agradecemos a Claudio Salm as críticas e sugestões e a Ernani Teixeira Filho peloestímulo. Agradecemos também a dois referees anônimos pelas sugestões. Faz-se a res-salva de sempre acerca de imprecisões e erros que ainda persistam.

** Economista do IBGE e professora da UFF.

*** Economista do IBGE e Doutorando do IE/UFRJ.

1. Não vamos analisar a evolução das taxas de desemprego dos diferentes países, mascabe destacar alguns resultados. Apesar da relativa melhora dos indicadores nos últimosanos, a taxa de desemprego do Japão, o país do �emprego vitalício�, está mais de 50%acima do nível de 1980 e a da Alemanha, principal economia européia, mais de 200%.No conjunto dos países da OCDE observa-se uma queda na taxa de desemprego noperíodo recente devido aos resultados dos países de língua inglesa (EUA, Canadá eReino Unido).

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Interpretações sobre as causas do desemprego, com fundamentonas hipóteses do equilíbrio geral, interpretam que no longo prazo não haveriadesemprego (involuntário), posto que a oferta e a demanda de trabalhoestariam em equilíbrio, a um dado nível de salário real. No curto prazo, setal não acontece, é porque existem imperfeições no mercado que mantêmos salários reais em níveis elevados. Imperfeições de mercado são associadasaos elevados encargos trabalhistas, à força dos sindicatos ou, ainda, à práticapelas empresas de salários eficientes, de contratos de longo prazo, devantagens dos insiders (empregados) sobre os outsiders (desempregados) nadeterminação do nível de salários. Esta é a razão para o deslocamentocontínuo da curva de Phillips para a direita, significando que para umadada inflação resultaria um patamar de desemprego mais elevado frente aomomento anterior.

Tabela 1Taxa de desemprego nos países da OCDE

Países 1980 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

EUA 7,2 5,6 6,8 7,5 6,9 6,1 5,6 5,4Japão 2,0 2,1 2,1 2,1 2,5 2,9 3,1 3,3

Alemanha 3,2 6,2 6,7 7,7 8,9 9,6 9,4 10,3

França 6,2 8,9 9,4 10,4 11,7 12,2 11,5 12,4Itália 9,6 9,1 8,6 8,8 10,2 11,3 12,0 12,1

Reino Unido 5,3 5,8 8,2 9,9 10,2 9,2 8,1 7,4

Canadá 7,5 8,1 10,4 11,3 11,2 10,4 9,5 9,7Total 5,3 5,6 6,5 7,1 7,3 7,1 6,8 6,9

Total OCDE 5,6 5,9 6,6 7,3 8,0 7,9 7,6 7,5

Fonte: OECD, Economic outlook, 1997.

Interpretações que enfatizam o papel da demanda associam apersistência do desemprego à tendência da economia em gerar insuficiênciade demanda agregada. A relação de causalidade é da determinação do nívelde produto para a determinação do volume de emprego, e não vice-versa.O salário nominal é fixado nas negociações entre empresários e sindicatosde trabalhadores. Assim, a causa última do desemprego estrutural é a

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insuficiência de demanda efetiva, e não um custo salarial �artificialmente�elevado. Nesta concepção, o desemprego pode persistir por longos períodos.

A rigidez no mercado de trabalho provocaria também uma elevaçãoda taxa natural de desemprego (NAIRU), que é a menor taxa de desempregopossível que não acelera a inflação (Bean, 1994).2 O processo de elevação,por inércia, da taxa natural de desemprego é denominado hysteresis.3

Na seqüência do texto, com o objetivo de sistematizar a discussãosobre as causas do desemprego nos países da OCDE no período recente,recorreremos a diferentes interpretações, onde diversos aspectos do problemasão identificados. Na seção 3, resumimos nossas considerações.

2. As diferentes interpretações

Há inúmeras questões que não são respondidas pela simples leiturados dados e, muitas vezes, nem mesmo pelos estudos empíricos maisdetalhados. Bean (1994), em seu survey sobre o desemprego europeu, concluique os resultados da literatura empírica sobre o tema são muitofragmentados. Se aliarmos a esta constatação as diferentes correntes dopensamento econômico e político teremos diferentes e conflitantesinterpretações para o fenômeno.

Mattoso (1995), nas tabelas que reproduzimos, mostra a estruturado desemprego em 1989 e a tendência à flexibilização nas formas de trabalhopara os países da OCDE.

Na tabela 2, abaixo, observa-se uma tendência ao aumento doemprego em tempo parcial. Freeman e Soete (1994) interpretam que ocrescimento relativo na oferta de empregos em tempo parcial, temporário eindependente resulta de um processo de restruturação produtiva por partedas firmas, que demandam relações de trabalho mais flexíveis. O crescimento

2. Esta é apenas umas das possíveis definições da NAIRU. Rogerson (1997) lista outrasnove, o que mostra como o tema é controverso. Há também divergências sobre como aNAIRU deve ser mensurada e se é possível mensurá-la (Galbraith, 1997).

3. A teoria da hysteresis sugere que a taxa natural de desemprego é influenciada pela histó-ria do desemprego: recessões aumentam a taxa de desemprego acima da taxa natural nocurto prazo e aumentam também a taxa natural de desemprego no longo prazo, reduzin-do a significância do conceito de taxa natural.

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na oferta deste tipo de emprego, contudo, é visto como uma precarizaçãonas relações de trabalho.4 O desemprego de longa duração � de mais de umano � chega a representar 70% do desemprego na Itália, 49% na Alemanhae 33,7% no total da OCDE (tabela 3); o seu aumento acompanha a tendênciaà flexibilização na oferta de trabalho.

Tabela 2Proporção do emprego em tempo parcial, do emprego temporário e do

emprego independente 5

Países Parcial Temporário Independente

1979 1990 1983 1989 1979 1989Alemanha 11,4 13,2a 10,0c 11,0 7,7 8,4EUA 14,4 16,9 � � 7,1 7,5França 8,2 12,0 3,3 8,5 10,6 10,5Itália 5,3 5,7b 6,6 6,3 18,9 22,4Inglaterra 16,4 21,8 5,5 5,4 6,6 11,5Japão 15,4 17,6b 10,3 10,8 14,4 12,0Suécia 23,6 23,2 � � 4,5 7,1

Obs.: a - dados de 1988; b - dados de 1989; c - dados de 1985Fonte: Mattoso, 1995, p. 89

Na tabela 3, abaixo, observa-se que, embora as tendências geraissejam claras, há significativas diferenças entre países, mesmo dentro degrupos mais homogêneos como, por exemplo, a Comunidade Européia. Odesemprego entre os jovens na Alemanha é de 8,1%, na França de 19,1% ena Inglaterra de 33,6%. A realidade muito heterogênea dificulta umaexplicação única do fenômeno, sem levar-se em conta as particularidadeslocais.

4. Estes empregos tidos como �precários� às vezes são os preferidos pelas mulheres ejovens ao entrarem no mercado de trabalho. Nesse período há um significativo aumentona participação feminina na força de trabalho. A questão, portanto, é complexa.

5. Dadas as diferenças de definições de trabalho parcial e da determinação das horastrabalhadas, a OCDE recomenda cautela na comparação entre os países. O trabalhotemporário compreende os trabalhadores assalariados temporariamente e os emprega-dos por jornada. O emprego independente não agrícola compreende os trabalhadorespor conta própria e os empregadores (foram excluídos os trabalhadores familiares nãoremunerados).

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Baseando-nos nas diversas ênfases que são privilegiadas pelos tantosautores que estudam o desemprego, dividimos as interpretações sobre ascausas deste em quatro correntes que denominaremos de neoclássica,keynesiana, neo-schumpeteriana e neomercantilista.

Tabela 3Estrutura do desemprego em 1989 (%)

Países Total Jovensa Mulheres Longa +de 45duração anos

1979 1989 1979 1989 1979 1989 1979b 1989 1988

Alemanha 3,2 5,6 3,4 8,1 7,9 8,8 � 49,0 47

EUA 5,8 5,2 11,3 10,5 6,8 5,3 5,9 5,7 30

França 5,9 9,4 13,3 19,1 7,9 12,6 27,1 43,9 22

Itália 7,6 10,9 25,6 33,6 13,3 18,7 � 70,4 43

Inglat. 5,0 7,1 10,3 8,6 3,9 4,2 � 40,8 34

Japão 2,1 2,3 3,4 4,5 1,9 2,3 16,0 18,7 54

Suécia 2,1 1,4 5,0 3,0 2,3 1,4 6,0 6,5 �

CEE 5,7 9,0 � � � � � 53,7 �

OCDE 5,1 6,2 � � � � � 33,7 �

Obs.: a - de 15 a 24 anos, salvo a Itália (14 a 24), a Suécia, Inglaterra e EUA (16 a 24); b

- média 1975-80 ou anos adjacentes.Fonte: Mattoso, 1995, p. 85.

2.1. Argumentos neoclássicos � mercado de trabalho rígido

Para os neoclássicos, a causa do desemprego está no mercado detrabalho pouco flexível, o que provoca salários (ou custo de trabalho)elevados e, conseqüentemente, baixo nível de emprego (para uma discussãosobre desemprego europeu veja Siebert, 1997 e Nickell, 1997). Em particular,a rigidez imposta ao mercado de trabalho por leis trabalhistas e a presençade sindicatos nas negociações coletivas são tópicos de discussão para explicara persistência do desemprego.6

6. Os modelos de salário-eficiência, do tipo insiders/outsiders, dentre outros, podem serenquadrados na corrente neoclássica, à medida que buscam explicar como o salário realpode ser muito elevado para equilibrar o mercado de trabalho e tal comportamento nãosignificar uma �perda de oportunidade de lucro� para empresas.

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Os Estados Unidos representam o paradigma para esta corrente deinterpretação, devido ao mercado de trabalho flexível 7 e ao baixodesemprego. O custo desta flexibilidade, contudo, tem sido o aumento dadesigualdade social. A concentração de renda tem aumentado recentemente,pois a maior parte dos empregos gerados é de baixa qualificação eremuneração e, no caso do setor terciário, os empregos gerados podem atéser um tipo de desemprego disfarçado.8

Em contraposição a este argumento, de que mercado de trabalhoflexível gera baixo desemprego, pode-se apontar Portugal e Espanha, quetêm mercados de trabalho rígidos e, ao mesmo tempo, níveis de desempregomuito diferentes � alto na Espanha e baixo em Portugal (Blanchard e Katz,1997).

A existência de um salário mínimo e de indenizações quando dadispensa de empregados são os exemplos mais citados de regulamentos quedão rigidez ao mercado e, conseqüentemente, causam desemprego. Noentanto, Bean, em sua já citada resenha, assinala que os estudos realizados,tanto para a França como para os EUA, mostram que o impacto do aumentodo salário mínimo sobre o nível de desemprego é praticamente zero. Ainfluência das indenizações, aparentemente, é maior e pode explicar partedo aumento da taxa de desemprego, embora se deva considerar as limitaçõesmetodológicas que reduzem o impacto das conclusões dos estudos empíricos.Há países na OCDE em que o desemprego aumentou, apesar da legislaçãosobre indenizações não se ter alterado.

Vale mencionar que no pós-guerra, apesar do welfare state, que dariarigidez ao mercado de trabalho, o emprego cresceu na Europa. Comoassinalou Bean (p. 591), não é fácil fazer uma comparação internacional debenefícios pagos aos desempregados, dadas as evidências disponíveis: �uma

7. O mercado de trabalho nos EUA é tido como flexível pelo fato de serem baixos oauxílio-desemprego, a regulamentação, o salário mínimo e o nível de sindicalização damão-de-obra.

8. Nos EUA, apesar do intenso progresso técnico, a produtividade no setor terciáriopouco aumentou, o que sugere que este está �inchado�, talvez até com rendimentosdecrescentes em alguns segmentos. É de se supor que parte de sua mão-de-obra esteja�sobrando� numa situação de subemprego ou desemprego disfarçado. Para uma dis-cussão do conceito de desemprego disfarçado nesse quadro ver UNCTAD ( 1995).

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explicação simples para as diferenças de comportamento do desempregoem termos das diferenças na generosidade dos regimes de benefícios pagosaos desempregados não parece muito plausível.�

Outro fator de rigidez do mercado de trabalho seria a existência desindicatos fortes. No entanto, os países onde as negociações salariais sãocentralizadas nacionalmente tendem a ter maior flexibilidade no ajustamentodo nível de emprego em face das variações salariais.9 Pela teoria neoclássicaestes países deveriam ter um mercado de trabalho mais rígido, devido àintervenção dos sindicatos, e portanto maior desemprego, mas não é isso oque se verifica na realidade. Amadeo e Estevão (1994, p. 215) assinalam que

[...] há uma curva em U invertido entre grau de centralização esalários reais e, portanto, uma curva em U entre centralização eemprego. Vale dizer, os salários tendem a ser mais baixos e a taxade emprego mais alta em países com estruturas muito centralizadas,como os países nórdicos e a Áustria, ou em países com estruturasmuito descentralizadas, como o Japão, os EUA, o Canadá e oReino Unido. Em países com grau intermediário de centralização(Holanda, Bélgica, Alemanha), os salários reais tendem a ser maisaltos e o nível de desemprego mais alto.

Economistas liberais propõem também uma distinção sobre aqualificação da mão-de-obra. Argumentam eles que, com mão-de-obra maisqualificada, o mercado de trabalho ficaria mais flexível, com mais opções, oque facilitaria a geração de empregos. Tal fato estaria confirmado pelasestatísticas, segundo as quais os trabalhadores com maior educação tendema ter maiores salários e correm menos risco de ficarem desempregados. Noentanto, os dados também têm mostrado que o desemprego entre a mão-de-obra mais qualificada tem aumentado nos últimos anos (ver OECD,1994a). Ou seja, simplesmente investindo-se em qualificação, corre-se orisco de ter-se uma mão-de-obra desempregada mais qualificada.9. As negociações sindicais centralizadas nacionalmente tendem a se pautar por critériosmacroeconômicos, ao contrário das descentralizadas ao nível das empresas (como porexemplo nos EUA), que tendem para uma visão mais microeconômica, setorizada e decurto prazo. Há autores que defendem a tese de que as negociações mais flexíveis emrelação ao trade-off entre aumento de emprego e de salário estão localizadas nas situaçõesextremas, ou muito centralizadas ou muito descentralizadas. Para uma resenha dessadiscussão ver Amadeo e Estevão (1994).

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Uma questão importante, debatida por autores que defendem aflexibilização do mercado de trabalho, é que a relação inversa entre nível dedesemprego e de inflação, que remonta à curva de Phillips, atualmente nãoexplica porque nos EUA o desemprego está em queda e a inflação não seacelera. Segundo Galbraith (1997), hoje formou-se um consenso de que aprincipal causa do crescimento da inflação nas décadas de 1970 e 1980 nosEUA foram os choques externos provocados pela elevação dos preços dopetróleo e não o aquecimento da economia. Mesmo defensores da NAIRU,como Stiglitz (1997), reconhecem que ela só explica, com certeza, 20% davariação da inflação. A explicação, segundo o mainstream, estaria na quedado patamar da NAIRU nos EUA. O problema é que parte das explicaçõesdadas, ou seja a subestimação do crescimento da produtividade e a aberturada economia, se aplicam também à Europa, onde a NAIRU está crescendo.10

Por último, é importante assinalar que, �por definição�, os paíseseuropeus têm que ter, em média, taxas de desemprego superiores às dosEUA. Como na Europa a presença do welfare state é forte, os auxílios aosdesempregados são mais generosos e estes têm tempo para selecionar asofertas de emprego. Nos EUA não há esta opção, e o desocupado tem queaceitar o trabalho precário, o que reduz a taxa de desemprego.

2.2 - Argumentos keynesianos - insuficiência de demanda agregada

Para economistas que seguem a tradição keynesiana, o desempregodeve-se à insuficiência de demanda agregada, ou seja é devido ao baixonível de consumo, investimento, gastos do governo e exportações líquidas.As políticas neoliberais que privilegiam o combate à inflação em detrimentodo crescimento econômico seriam as causadoras da insuficiência da demandaagregada (UNCTAD, 1995 e Medeiros, 1995).

Essas políticas, ao elevarem a taxa de juros, desregulamentarem osetor financeiro e diminuírem o investimento público, acabam por contrairo consumo e o investimento privado, reduzir a capacidade de planejamentodo Estado e gerar instabilidade financeira. Esta última é agravada ainda

10. As mudanças demográficas podem ser consideradas um fator específico dos EUA,país que tem população mais jovem.

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pela instabilidade cambial provocada pelo fim das paridades fixas decâmbio.11

Segundo esta corrente, haveria uma forte correlação negativa entrecrescimento do PIB e desemprego e bastaria que estas economias se livrassemdas políticas monetaristas restritivas e passassem a crescer para que oemprego também crescesse (UNCTAD, 1995).

Para os seguidores da tradição de Keynes, a relação de causalidadeentre produto e emprego parte da determinação do volume de demandapara a determinação do nível de emprego e não ao contrário, como naargumentação neoclássica. O volume de emprego é decidido por firmasque ofertam postos de trabalho com base em suas expectativas de demanda.A política econômica sempre pode proteger o emprego, mas se for tal quecompense o aumento de custos das empresas, estas têm menos razão pararesistir a aumentos de salário. Assim sendo, o risco de se gerar inflaçãoestará sempre presente.

Esta é, na visão pós-keynesiana, a dificuldade das políticas deadministração da demanda. À medida que o governo �valida� pressões poraumento de salário, firmas e trabalhadores se empenham em antecipar ganhosfuturos. A distinção é que trabalhadores antecipam o que podem obter dasfirmas, mas estas estimam qual será a resposta do mercado a aumentos depreços, ajustando assim as quantidades ofertadas.12 (ver Chick, 1983, p.280.)

11. Para alguns analistas as economias capitalistas estariam com um sério problema deinstabilidade sistêmica, devido à globalização financeira. Ver UNCTAD (1995).

12. O instrumento para a discussão keynesiana sobre políticas macroeconômicas deemprego foi, por muito tempo, a curva de Phillips. O trade off entre inflação e desempre-go, observado empiricamente por Phillips, estava posto como uma escolha da socieda-de por políticas mais ou menos restritivas de demanda agregada. A introdução, porMilton Friedman, no final da década de 1960, da função expectativa, tornando a inflaçãodependente do desemprego e das expectativas passadas, abre espaço para a crítica deque a teoria macroeconômica até então seria pouco rigorosa, pois não possuía funda-mentos macroeconômicos adequados. Chick critica a curva de Phillips argumentando:�The Phillips curve is a reduced form, compatible with cost-push, demand-pull andmonetarist theories of inflation. As a reduced form it has the appeal of simplicity, but inthat very simplicity lies the danger of looking only at labour-market factors asdeterminants of wages and/or prices.� (Chick, 1983, pp. 282-3.)

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Uma questão a ser levantada na argumentação keynesiana é se oPIB e o emprego têm necessariamente a mesma trajetória. Dedecca (1996)mostra, com dados desagregados para seis países (França, Itália, Alemanha,Inglaterra, Suécia, EUA), que apenas na Suécia e, de forma menos nítida,nos EUA e na Inglaterra, o PIB e o emprego evoluem aproximadamente namesma direção.13 Portanto as diferenças regionais assinalam que não bastacrescer para se gerar empregos.

Em segundo lugar, o argumento de que o desemprego diminuicom o aumento do PIB deve levar em conta que isto pode ser um problema,caso a economia esteja perto do pleno emprego. Como assinalou Krugman(1996) um crescimento de 3,5% a 4% ao ano nos EUA deveria gerar pressõesinflacionárias, pois a taxa de desemprego é muito sensível ao crescimentoeconômico.14 Isso, no entanto, pode não ocorrer se o crescimento daeconomia for acompanhado de uma elevação da produtividade, como vemocorrendo atualmente nos EUA.

Por último, não basta crescer, deve-se promover também um ajusteestrutural na economia, privilegiando os setores-chave da 3ª RevoluçãoIndustrial (como por exemplo a eletrônica e a informática). A geração deempregos está fortemente correlacionada com esta mudança na estruturada economia (The Economist, 1995).

2.3. Argumentos neo-schumpeterianos - desemprego, mudança tecnológica e instituições

Para esta corrente, a principal causa do aumento do desemprego éo inevitável descompasso entre as mudanças tecnológicas do recente ciclode inovações, que é caracterizado por alguns autores como sendo uma 3a.

13. Esta conclusão é também corroborada pelos dados de Ormerod (1997), sobre ocrescimento do PNB e do emprego em oito países europeus (França, Itália, Alemanha,Inglaterra, Suécia, Noruega, Áustria e Espanha) e nos EUA após 1970.

14. É possível diminuir a taxa de desemprego com pouco crescimento econômico seforem baixas as taxas de incremento da população em idade ativa e pequeno o aumentodas taxas de participação.

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Revolução Industrial,15 e as instituições vigentes. Segundo Freeman e Soete(1994, p. 41) �o alcance da totalidade dos benefícios econômicos e sociais(incluindo a geração de emprego) da tecnologia da informação depende deum processo similar de experimentação social e aprendizado em relaçãoaos quais ainda estamos nos estágios iniciais.� 16

O desemprego seria, portanto, eminentemente tecnológico e similarao que ocorreu nos ciclos inovadores de outras épocas (como na 1ª RevoluçãoIndustrial). Inevitavelmente, nessa fase inicial em que as inovações aindanão se difundiram,17 ocorre o mismatch entre a oferta e a demanda de mão-de-obra com diferentes qualificações. Na sua variante conservadora, essateoria afirma que não há muito que o Estado possa fazer, além de estimularo crescimento, promover a flexibilidade do mercado de trabalho e investirem educação e treinamento, medidas que levariam as forças de mercado,com o tempo, a solucionar o problema do desemprego. Autores consideradosneo-schumpeterianos, ao contrário, propõem uma política ativa do Estadopara difundir o novo paradigma tecnoprodutivo e minorar os desníveissociais.18 Dentre as medidas propostas destacam-se o investimento emeducação, em treinamento e na infra-estrutura de telecomunicações.

Os neo-schumpeterianos podem ser considerados otimistas, poisacreditam que �historicamente é forte a evidência de que com novosprodutos e serviços surge um �círculo virtuoso� de alto crescimento do

15. Segundo Tavares (1992) não se estaria agora numa 3ª Revolução Industrial e sim numnovo padrão de acumulação. Esta posição diverge de boa parte dos autores que escre-vem sobre esse assunto, como Coutinho (1992). Para uma resenha desse debate, verMattoso (1995).

16. Como bem afirmou Nelson (1994, p. 58) �o ponto básico é que as novas tecnologiasgeralmente não se acomodam bem nas estruturas institucionais vigentes e requerem umareforma institucional para efetivamente se desenvolverem.�

17. Com a difusão das inovações criam-se empregos nos setores de bens de capital,componentes eletrônicos, comércio, assistência técnica etc. Além disso, com o aumentoda produtividade, os preços tendem a cair, o que provoca um aumento geral do consu-mo (Schmitz, 1988).

18. Segundo Freeman e Soete (1994, p. 145), �Não há dúvidas sobre o estímulo persua-sivo das tecnologias de informação sobre a economia. A extensão e duração desse estí-mulo vai depender, no entanto, das políticas públicas a serem adotadas nos próximosanos.�

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produto, alto crescimento do emprego e alto crescimento da produtividadedo trabalho, dado que essas variáveis tendem a caminhar juntas e a sereforçarem mutuamente�. (Freeman e Soete, 1994, p. 59) Por outro lado,são muitas as mudanças institucionais necessárias para adaptar a sociedadeao novo paradigma tecnoprodutivo: novas relações de trabalho, novos estilose estruturas gerenciais, novas formas de relacionamento entre as firmas,etc. (ver Freeman e Perez, 1988) 19

Uma pergunta a ser feita diz respeito à produtividade. Se odesemprego é tecnológico, será que o aumento da produtividade foicondizente? A revolução da microeletrônica até agora não ocasionou, porexemplo, nenhum aumento expressivo da produtividade nos EUA, que éonde tem havido maiores investimentos nessa área.20 Esta questão éconhecida na literatura econômica como o Paradoxo de Solow.21 Nasindústrias intensivas em conhecimento e mão-de-obra qualificada, o aumentoda produtividade só se acelerou, perante as demais indústrias, no final dadécada de 1980, quando o desemprego já estava elevado. ( UNCTAD, 1995)

Outra questão que contesta a tese do desemprego tecnológico éque se isso realmente existisse, o desemprego no Japão e nos EUA, os

19. Rifkin (1996) chega a afirmar que o avanço tecnológico é tão avassalador, atingindofortemente o setor terciário, que o próprio emprego está em extinção. Observar que areferência feita aqui a Rifkin é devida à sua presença no debate sobre desemprego. Em-bora destaque a questão do desemprego tecnológico, não pode ser considerado umautor neo-schumpeteriano, dentre outros motivos, por enfatizar a diminuição da jorna-da de trabalho e o crescimento do terceiro setor (ONGs) como saídas para a crise doemprego, e não o investimento em educação e infra-estrutura. Observar ainda que dimi-nuir a jornada de trabalho para aumentar o nível de emprego é algo difícil de ser obtidosem impactos negativos sobre a inflação e a competitividade, caso não haja aumento daprodutividade. Mesmo que os salários diminuam proporcionalmente, os custos dasempresas aumentam devido aos gastos fixos com seleção, treinamento etc. Caso os salá-rios não diminuam, há o risco de inflação de demanda. Existem evidências empíricaspara a Europa de que não há uma correlação positiva entre diminuição da jornada detrabalho e do desemprego.

20. Para alguns analistas, a tecnologia de informação teve um impacto lento na produti-vidade dos EUA.

21. Ficou célebre a frase de Solow �os computadores estão em todos os lugares menosnas estatísticas�. Sobre este tema ver Oliver e Sichel (1994).

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países que mais investiram nas novas tecnologias, deveria ser muito elevado,mas ao contrário, os índices são mais baixos nestes países. O Japão é o paísque usa mais intensivamente robôs na produção e foi pioneiro na adoçãoda �fábrica enxuta� que utiliza poucos operários, mas sua taxa de desempregoé a menor da OCDE.

Estudos de firmas e indústrias apresentam resultados contraditórios.Alguns não encontram um impacto significativo das novas tecnologias nacriação ou destruição de emprego (UNCTAD, 1995). Outros chegam aconclusões opostas (Rifkin, 1996). Há os que encontram um impacto positivoda tecnologia sobre a criação de emprego, mas pequeno até o momento(OECD, 1994a). E outros afirmam que, apesar de a tecnologia gerardesemprego, é difícil estimar o macroefeito líquido dessas informaçõessetoriais (Schmitz, 1988).22 Provavelmente, a elevação da produtividade e aconseqüente queda de preços, aliada a inovações nos produtos, deve terocasionado estímulos à demanda que acabam por gerar empregos, emborao montante seja difícil de quantificar. Como veremos abaixo foram asindústrias de high-skill goods as únicas que, em conjunto, geraram empregonos países da OCDE.

Por último, cabe assinalar que no pós-guerra ocorreu uma onda dedifusões de inovações bem mais intensa que a atual, que ainda está nos seusprimeiros passos, e nem assim o nível de desemprego aumentou.

2.4. Argumentos neomercantilistas � desemprego e importação dos países em desenvol-vimento

Na literatura econômica, esta linha de pensamento é sempre criticada,mas nem sempre é claramente identificada com um autor ou autoresespecíficos e sim �aos políticos� ou aos �não economistas� (Bean, 1994).Esta posição ganhou evidência com o debate sobre a criação do NAFTA.O argumento dos neomercantilistas é simples: a causa do desemprego naOCDE são as crescentes importações industriais dos países emdesenvolvimento, de baixo custo e sofisticação, e, em menor medida, os

22. É importante ressaltar que os efeitos positivos e negativos do progresso tecnológicosobre o emprego não coincidem no tempo e no espaço e que fatores institucionais esistêmicos afetam a capacidade dos países de gerar emprego por meio do desenvolvi-mento, aquisição e difusão de tecnologias (OECD, 1994b).

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investimentos diretos no exterior � �transferências de fábricas� para estesmesmos países. A solução, portanto, seria a adoção de barreiras àsimportações.

Esta proposição baseia-se implicitamente na teoria de Heckscher-Ohlin que tem como ponto de partida a Teoria das Vantagens Comparativas,de Ricardo. Os países se especializam no comércio internacional naquelasmercadorias que utilizam intensivamente o fator de produção maisabundante e, conseqüentemente, de menor custo no país. Portanto, partindo-se da existência de livre comércio, as indústrias intensivas em mão-de-obranos países desenvolvidos não teriam como enfrentar a concorrência dosbaixos salários dos países mais pobres.

O relatório da UNCTAD (1995) critica de forma incisiva aargumentação dos neomercantilistas (ver também Krugman, 1994). Emprimeiro lugar, diz a UNCTAD, deve-se analisar esta questão em termosde saldo comercial e não apenas de importações, pois se estas últimas podemprovocar desemprego, as exportações podem gerar emprego. No pós-guerrao saldo comercial tem sido favorável aos países da OCDE. OECD (1994a)apresenta uma resenha de estudos sobre este tema e conclui que tanto asperdas de emprego de baixa qualificação devido às importações quanto osganhos de postos de trabalho por mão-de-obra qualificada obtidos pelasexportações tiveram impacto muito pequeno sobre o nível de emprego dospaíses da OCDE.

A queda do saldo comercial com os países em desenvolvimentodiminuiu na década de 1980, chegando a ser negativo nos EUA, mas istonão foi provocado por uma maior redução salarial nos países emdesenvolvimento, o que aumentaria a sua competitividade, e sim devido àcrise da dívida externa, que fez com que muitos países não tivessem divisaspara importar, e ao catching up dos tigres asiáticos, onde os salários, de modogeral, têm crescido.23 A maior parte dos postos de trabalho perdidos na

23. Os tigres asiáticos foram os grandes responsáveis pelo crescimento das importaçõesna OCDE. Nesses países, via de regra, a vantagem competitiva não está apoiada nosbaixos salários e sim numa estratégia de desenvolvimento liderada pelo Estado que,dentre seus vários elementos, inclui o investimento massivo em educação. Dado o nívelda concorrência no mercado internacional é difícil hoje sustentar exportações apenas nabase de baixos salários (Reich, 1994).

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indústria dos países da OCDE foi anterior a 1985, portanto foi em boaparte antes do crescimento das importações dos países em desenvolvimento.É importante ressaltar também que o aumento das importações só geradesemprego se substitui demanda interna e não quando apenas atende aparte do crescimento da procura, o que também se verificou no período.

As diferenças regionais são grandes, o que desmente qualquerassociação direta entre crescimento das importações e queda no emprego.O Canadá teve queda nas exportações líquidas de 1,4% no período 1970-93para os países em desenvolvimento, mas ao mesmo tempo teve aumento doemprego (3,6%). A Inglaterra registrou uma enorme perda de empregosindustriais no mesmo período (45,7 %) e apenas uma queda de 1,9% desaldo líquido exportado, conforme a tabela 4 abaixo.

Tabela 4Emprego e comércio líquido de manufaturados entre os países do G7 �

Variação 1970 - 1993 *

País Emprego (mil) (%) Exportação líquida para paísesem desenvolvimento (% do PIB)

Canadá 59 3,6 -1,4

França -1205 -23,2 -0,5

Alemanha -1147 -14 -0,9Itália -592 -18 -0,1

Japão 44 0,4 0,7

Reino Unido -3637 -45,7 -1,9Estados Unidos -1811 -9,9 0,7

Total G7 -8290 -15 -0,3

Fonte: UNCTAD, 1995.* Para a Alemanha e o Reino Unido, 1992.

Há diferenças também dentro do mesmo grupo de indústrias. Noperíodo 1970-93, nos países da OCDE, aumentou em 1,5% o emprego nasindústrias de high-skill, enquanto as de medium skill e low-skill registraramquedas de 9,4% e 27%, respectivamente. No entanto, os setores de plásticose borracha, que são considerados low-skill tiveram um aumento de empregode 36,3 %, enquanto química e farmacêutica, que são high-skill, assinalaram

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queda de 15,6 % (UNCTAD, 1995). Portanto, os comportamentos dasindústrias dentro de seus grupos não são homogêneos, o que relativizauma associação direta com o movimento do comércio exterior e o empregonos ramos low-skill, que seriam os mais afetados pela concorrência dasimportações.

As grandes perdas de postos de trabalho na OCDE foram naindústria têxtil e de vestuário, onde as barreiras tarifárias são elevadas. Estaqueda no emprego, no entanto, é anterior ao crescimento do desempregoagregado e do aumento das importações dos países em desenvolvimento.Por exemplo, as perdas de postos de trabalho nestes setores ocorreuprincipalmente na primeira metade da década de 1980, enquanto o aumentoda penetração das importações foi mais intenso na segunda metade da mesmadécada. Portanto, tudo leva a crer que estes setores já estavam fragilizadoshá muito tempo e que a elevação das importações teve importância secundáriano processo de aumento do desemprego.

Quanto aos investimento diretos nos países em desenvolvimento,estes são pouco intensivos em mão-de-obra e, pelo menos no primeiromomento, acarretam aumento das exportações por parte dos países da OCDEno setor de máquinas e equipamentos. As indústrias intensivas em mão-de-obra em geral são pouco globalizadas. Não há clara evidência de que asempresas multinacionais sejam responsáveis por uma significativatransferência de empregos dos países do norte para o sul, devido àglobalização produtiva. (UNCTAD, 1995)

A já citada resenha da OCDE (1994a) constatou que o comércioentre a OCDE e países fora da OCDE e da OPEC têm um impacto negativosobre o emprego dos países desenvolvidos em algumas indústrias específicas,inclusive nas que empregam mão-de-obra qualificada (como por exemplorádio e televisão), mas o efeito sobre o conjunto da força de trabalho équantitativamente pequeno.

Por último, cabe assinalar que nos �trinta anos gloriosos� do pós-guerra houve intenso investimento direto das multinacionais no exterior,bem como grande penetração das importações do Japão e da Itália naComunidade Européia e nos Estados Unidos (tabela 5) e, mesmo assim, odesemprego neste período foi muito baixo (UNCTAD, 1995). O coeficiente

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de penetração de importações provenientes dos países em desenvolvimento,embora tenha aumentado depois de 1970, ainda é muito pequeno,24 deapenas 3,1% em 1992 (tabela 6). A marca mais elevada é de têxtil e vestuário,com 16,3% (tabela 7). Estes índices estão muito longe de caracterizar umadesindustrialização dos países centrais devido às importações.

Tabela 5Influência da importação pela Itália e Japão nos mercados de manufaturas da

Comunidade Econômica Européia e Estados Unidos � 1958-1975 � (%)

Anos Importações da Comunidade Importações dos EUAEonômica Européia

Itália Japão Total Itália Japão Total1958 0,4 0,1 0,5 0,2 0,1 0,31960 0,7 0,1 0,8 0,4 0,1 0,51965 1,7 0,3 2,0 0,6 0,1 0,71970 2,4 0,5 2,9 1,0 0,2 1,21975 2,9 0,8 3,7 1,5 0,3 1,8

Fonte: UNCTAD, 1995, p. 139.

Tabela 6Influência das importações dos países em desenvolvimento e da China no

mercado de manufaturas da OCDE � 1970-1992 � (%) a

Países de origem das importações da OCDEAnos Todos os países em Dentre os países em Outros China

desenvolvimento b desenvolvimento1º NIEc 2º NIEd

1970 0,4 0,2 0,0 0,2 0,01975 0,7 0,4 0,0 0,3 0,01978 1,2 0,6 0,1 0,5 0,01980 1,3 0,7 0,1 0,5 0,11985 2,0 1,1 0,2 0,7 0,11990 2,7 1,4 0,3 1,0 0,41992 3,1 1,5 0,5 1,1 0,6Fonte: UNCTAD, 1995, p. 138.

a Importação de manufaturados como percentagem do consumo aparente. b ExclusiveChina. c Hong Kong, República da Coréia, Cingapura, Taiwan (província da China). d

Indonésia, Malásia, Tailândia, Filipinas.

24. O coeficiente de penetração das importações é dado pela participação das importa-ções no consumo aparente.

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Tabela 7Penetração das importações de vestuário e têxtil por países em desenvol-

vimento nos mercados da OCDE � 1978-1992Anos Destino das importações dos Origem das importações

países em desenvolvimento da OCDE

EUA União Total 1º NIEs 2º NIEs OutrosEuropéia OCDE

1978 8,1 6,5 6,6 3,9 0,3 3,81980 8,8 7,7 7,7 4,5 0,4 3,91985 14,3 9,7 11,2 6,7 0,8 6,91990 20,1 14,2 15,0 6,8 1,8 11,51992 20,9 17,5 16,3 6,3 2,6 12,0

Fonte: UNCTAD, 1995, p. 142.

3. Observações finais

Discutimos neste texto as causas do desemprego contemporâneonos países da OCDE, segundo estudos empíricos recentes. Como apontadopor Bean, as evidências são muito fragmentadas, o que torna difícil identificarcausas dissociadas do contexto histórico-institucional de cada região. Paraeste autor, a questão é complexa e ele, em sua resenha, conclui que �nãoparece existir uma causa única para o aumento do desemprego na Europa�.(Bean, 1994, p. 614)

Reforçando a conclusão de Bean, pesquisa realizada por Fuchs,Krueger e Porteba, (1998, p. 1389) nos Estados Unidos, através de umquestionário aplicado junto a especialistas em economia do trabalho e emeconomia do setor público, conclui que é baixo o grau de concordância deeconomistas em relação a questões relevantes para a definição de políticasem cada uma das áreas pesquisadas.

Observamos neste texto que, de uma forma geral, estudosconduzidos pela OCDE subordinam políticas de criação de emprego aoestabelecimento e manutenção da estabilidade de preços.25 Tendem assim a

25. Uma revisão das recomendações de políticas e procedimentos para redução da taxade desemprego pelos países membros, feita pelo Economic and Development Review Committeeda OCDE, reforça a necessidade de se continuar implementando [continua na pag. 75]

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privilegiar argumentos mais neoclássicos e estudos da UNCTAD argumentosmais keynesianos. Estudos tomando por base empírica o desempenho defirmas e indústrias e teorias da inovação são a referência para a argumentaçãoneo-schumpeteriana. Os argumentos neomercantilistas de que asimportações do Terceiro Mundo causam desemprego claramente não sesustentam.

Os argumentos neoclássicos explicam o baixo desemprego nos EUA,mas não discutem a precarização do emprego. Os argumentos de fundamentokeynesiano e neo-schumpeteriano parecem estar cada um com uma parteda razão, pois é nitidamente mais difícil gerar empregos quando a economianão cresce e quando está em meio a uma mudança estrutural por conta denovas tecnologias. No entanto, estudos empíricos não são conclusivos emfavor de nenhuma das duas correntes de argumentação. Assim, o quepodemos concluir com segurança é que o debate está longe de gerar umconsenso e resume muito das idéias em confronto no debate acadêmicocontemporâneo mais amplo.

medidas econômicas visando aumentar a flexibilidade dos mercados de produtos e detrabalho, melhorar habilidades e aumentar a capacidade de inovação das economias. Emrelação às políticas macroeconômicas, �As regards macroeconomic policy, most [OECD]countries were judged to be in need of further fiscal consolidation and many also of taxreductions. This should be pursued within a medium-term framework and be built onconcrete, identified measures, so as to be both credible and sustainable. Many countrieswere judged to have achieved or to be close to price stability. Where this was combinedwith considerable slack, monetary policy should continue to support activity withoutundermining the primary goal of achieving and sustaining price stability, whereas incountries with little or no slack there was a need to prevent the re-emergence of inflationarypressures.� (OECD, 1997, p. 13.)

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