DESENVOLVIMENTO MORAL E FORMAÇÃO … Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1...
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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
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DESENVOLVIMENTO MORAL E FORMAÇÃO DOCENTE
DEOLINDO, Karina Luciane Silva (UEM)
CAETANO, Luciana Maria (Orientadora/UEM)
Quando tratamos da formação universitária, estamos nos referindo a um
momento muito importante, pois se diferencia da prática isolada, descontextualizada ou
da mera aplicação de técnicas. Tal formação deve ser, portanto, integral, e não apenas
instrucional, particularmente, pensando em nossos futuros professores. Goméz (1992
apud CUNICO FURLANETTO, 2010) ressalta que de acordo com a concepção de
escola, currículo, ensino, aprendizagem e formação, o professor pode ser considerado
como um transmissor de conhecimentos, um modelador de comportamentos, um
técnico, um planejador, ou alguém que resolve problemas. As transformações do mundo
e da sociedade exigem que a concepção de homem seja revista e que a complexidade e
incerteza sejam levadas em conta.
E quando pensamos no processo da educação, a compreensão do educador a
respeito do que significa a formação moral é fundamental, que sua prática esteja
associada a um objetivo final. Dessa forma que sua prática não esteja vinculada ao
autoritarismo, ou seja de fazer com que as crianças e adolescentes respeitem as regras
mediante a presença de um adulto “mais forte” e pelo medo do castigo e da punição,
mas sim com que construam princípios coerentes sobre a existência das regras e o
porquê de seu cumprimento e que atuem segundo esses princípios internos.
Para Piaget (1932/1994), a moral é “um sistema de regras e a moralidade
consiste no respeito que o indivíduo adquire por essas regras” (p.7). A partir daí já fica
anunciada a relevância de se discutir a reflexão a respeito de regras instituídas, ou seja,
não basta a obediência ao sistema de regras existente para se falar em autonomia moral,
mas a reconstrução das regras no indivíduo.
Piaget (1932/1994) afirma que o desenvolvimento moral, é um processo de
construção, ou seja, é preciso que a criança construa para si as regras, e não adianta a
acumulação de informações a respeito de regras e deveres, dessa forma, é preciso que
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cada um possa construir, a partir de sua interação com o meio, seus princípios morais. A
moralidade não é ensinada, mas sim vivida e experimentada pelos indivíduos. Para tanto
não devemos encarar a moralidade como ensino verbalista, traduzindo para a criança o
que é certo ou errado dentro de determinada sociedade. Vinha (2000, p.40-41) considera
que: É somente a partir da troca do sujeito com o meio no qual está inserido, que ele vai, aos poucos, construindo os seus próprios valores morais. Portanto, o sujeito não internaliza passivamente os valores como crêem os empiristas, quando afirmam que a autonomia moral é conseguida a partir da interiorização de regras, normas e valores exteriores. O individuo é ativo na construção de seu desenvolvimento.
O caminho de construção da autonomia passa por etapas necessárias que devem
ser compreendidas. As primeiras relações do bebê e da criança pequena são relações de
respeito unilateral, de obediência às regras e ordens vindas de uma autoridade (pais ou
responsáveis). O respeito aqui é mais pela pessoa que dita as regras do que pelas regras
em si. Esse respeito deve aos poucos ser transferido para as próprias regras, e os
princípios devem ser, também aos poucos, construídos internamente.
Nas palavras do próprio Piaget, “a regra coletiva é inicialmente exterior ao
indivíduo e sagrada. Pouco a pouco vai se interiorizando e aparece como livre resultado
do consentimento mútuo e da consciência autônoma” (PIAGET, 1932/1994, p.34).
Segundo Piaget, há dois tipos de moralidade: a heterônoma, em que a regra é externa,
imposta pelos adultos, na qual o autoritarismo e a obediência cega se encontram; e a
autônoma, ligada à cooperação e à responsabilidade subjetiva que considera além das
aparências, as intenções e motivos dos sujeitos. Como a criança passa da anomia
(ausência de regras) para a heteronomia e autonomia? Em que medida o ambiente
escolar pode ou não contribuir com isso? Desde a educação infantil, quando a criança
ingressa nas instituições secundárias, devemos pensar nessa educação moral que em
nada se assemelha ao ensino de uma moral específica ou a doutrinação. Devemos
analisar o desenvolvimento da criança em seus aspectos cognitivo, afetivo e social para
entender como melhor intervir.
Piaget e Heller (1958, p. 11) afirmam que a criança “antes de interiorizar as leis
do mundo social, considera que o grupo existe e funciona em torno dela própria, em vez
de situar-se entre os outros em um sistema de relações recíprocas e impessoais”. Fica
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claro que a criança não tem a intenção de não se colocar na posição do outro, pelo
contrário, ela não consegue fazer isso (VINHA, 2000). O aspecto cognitivo dessa
criança egocêntrica leva à ausência de reversibilidade, ou seja, ela não entende o
pensamento do outro dissociado do dela.
Vinha (2000, p. 66) explica que,
(...) o egocentrismo inconsciente e espontâneo de toda criança está presente nos aspectos morais, intelectuais e afetivos, implicando em dificuldades de cooperação e de comunicação, todavia, não se opõe à sociabilidade. Não é que a criança esteja voltada para si mesma, pelo contrario, ela tem grande interesse pelo mundo e pelos outros, entretanto assimila-o de modo deformado.
Outra característica infantil bastante evidente é a responsabilidade objetiva, ou
seja, a criança se baseia no ato em si, e não na sua intencionalidade. Quanto maior for a
consequência, maior deve ser a punição, de forma que a sua intencionalidade não é
colocada em foco. Podemos notar que muitos adultos agem com as crianças dessa
maneira, punindo-as com maior rigidez quando quebram um objeto grande ou de valor.
Lukjanenko (1995, p. 16) afirma que os adultos se utilizam “de muito rigor contra os
desajeitamentos infantis, não compreendem as situações e punem em função da
materialidade do ato, por isso a criança adota essa mesma maneira de ver e aplicar as
regras ao pé da letra”.
Vinha (2000), descreve que é na descentração que a criança operatória concreta,
começa a substituir o jogo simbólico “de faz-de-conta”, característico da fase pré-
operatório, pelo jogo de regras, em que são envolvidas as relações sociais. Essa
descentração faz com que ocorra uma diminuição nos jogos simbólicos, e um aumento
nos jogos de regras. Nesse momento em que a criança deixa de lado o jogo simbólico e
então passa para o jogo de regras, podemos ver “a evolução da prática e da consciência
da regra, está muito ligada ao desenvolvimento da criança e às interações sociais que ela
estabelece com seu mundo” (Lukjanenko, 1995, p. 14)
Vemos aqui a importância da atuação do professor quando ele passa
conjuntamente com as crianças a construir as regras da sala, regras de convivência, para
que assim a criança possa entendê-las como construção própria, e que não as vejam
somente como algo imposto e planejado sem sua colaboração.
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Menin (1996, p. 54) acentua que “(...) precisamos viver, também, relações de
igualdade com os outros para que saibamos construir ou compreender regras já
construídas, mais do que, somente, obedecer a regras impostas”. É preciso que saibamos
viver em relação de igualdade com o nosso próximo, e construamos junto com esses
nossas regras, porque é a partir da compreensão das regras, que temos mais chance de
conviver harmonicamente, legislando sobre as regras inclusive, ao invés de apenas
obedecer, dessa forma com essas compreendidas possamos viver em harmonia sem a
obediência cega.
Outro conceito que podemos ressaltar, devido sua importância para a teoria do
desenvolvimento moral segundo Piaget, é a noção de justiça. Piaget (1932/1994)
elencou três noções de justiça, que são a justiça imanente, a justiça retributiva e a justiça
distributiva. Na justiça imanente, a criança costuma acreditar que sua desobediência ou
infração será punida por um ser superior, como se isso fosse algo automático a sua ação.
Já na justiça retributiva, a noção se relaciona a escolha da retribuição e ao grau em que a
retribuição pelo ato é feita. A infração acarreta assim uma sanção que pode ser
expiatória ou por reciprocidade. Por fim, na justiça distributiva, o que está em jogo é a
igualdade ou equidade na distribuição de recompensas ou punições.
Novamente, a possibilidade dada pelo ambiente leva a criança a questionar o que
é justiça em cada uma das acepções acima. Dessa forma Vinha (2000, p. 83), afirma
que,
(...) é importante ressaltar que são as relações sociais entre as próprias crianças, entre os iguais, que constituem o meio mais apropriado ao desenvolvimento da justiça distributiva e as formas mais evoluídas da justiça retributiva, que é a equidade. Já nas relações dos adultos com as crianças geram as formas primitivas de justiça retributiva, que são as sanções expiatórias e as reações de vingança, tipo ‘olho por olho, dente por dente’.
Segundo Piaget (1932/1994), de início a criança confunde justiça com
autoridade, depois com o igualitarismo progressivo, e por fim, no último estágio, a
justiça valoriza a equidade. Do mesmo modo, a justiça retributiva valoriza mais
inicialmente a sanção expiatória e depois a sanção por reciprocidade. A justiça imanente
diminui de frequência, mas vemos que persiste em muitos adultos, especialmente ligada
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a questões místicas ou supersticiosas.
Vinha (2000, p. 87), esclarece que,
ao propiciar inúmeras oportunidades para que as crianças cooperem umas com as outras o educador está favorecendo muito mais a construção da autonomia do que quando ensina “as verdades”, demonstra a solução de um problema ou dá respostas prontas (...).
Portanto, não adianta que os professores apenas trabalhem conteúdos morais,
como histórias, cantigas, lendas e projetos, se estes não vivenciam dentro da sala de aula
conjuntamente com seus alunos momentos de reflexão sobre as práticas que estes têm
com seus colegas, a reflexão sobre infrações vale muito mais do que “respostas
prontas”. Essa oportunidade que o professor oferece ao seu aluno num ambiente de
cooperação, auxilia em que nesse ambiente os alunos vivenciem o respeito mútulo em
detrimento ao respeito unilateral.
Piaget influenciou diversos pesquisadores, com suas pesquisas e descobertas, e
dentre esses pesquisadores podemos ressaltar, Lawrence Kohlberg, que com seus
estudos, apresentou um estudo mais minucioso de estágios de desenvolvimento moral,
que perpassam desde a heteronomia até a autonomia. O autor relata em suas pesquisas,
que as pessoas evoluem em níveis morais, com o decorrer do tempo, a partir de suas
experiências e vivencias, se defrontando assim com problemas, que a mesma terá que
resolver.
Por isso é necessário que as crianças tenham um desenvolvimento intelectual,
para então desenvolver o moral, mas o primeiro não garante o segundo, de forma que o
desenvolvimento intelectual se constitui como condição necessária, mas não suficiente
para o desenvolvimento moral. O que encontramos muitas vezes nas escolas é uma
preocupação grande com o desenvolvimento intelectual das crianças, e um muito
pequeno, quase inexistente com o desenvolvimento moral destas.
A evolução da capacidade de juízo moral se dá a partir dos chamados conflitos
cognitivos, que determinam a necessidade de elaboração de novas estruturas cognitivas
que viabilizem respostas às novas situações. Assim, para os teóricos deste referencial,
uma das funções do aparelho escolar seria provocar esses conflitos cognitivos, que são
condição senão suficiente, pelo menos necessária ao desenvolvimento moral dos
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indivíduos.
Quando Lawrence Kohlberg se propôs a compreender a elaboração do juízo
moral, apoiado em Piaget, realizou estudos que o fizeram perceber que o indivíduo
moralmente maduro é aquele que não apenas reconhece as regras e as respeita, mas
também percebe que justiça não é o mesmo que lei, e que algumas leis, por diversos
motivos, podem estar moralmente erradas. Essa percepção muda com o tempo e com o
tipo de sociedade em que o indivíduo está inserido, sendo também um processo
evolutivo.
É preciso salientar que o juízo moral, não se relaciona necessariamente à ação
moral, de forma que o sujeito pode pensar moralmente, mas não agir. Araújo (1996, p.
110) afirma que somente “quando o sujeito se sentir obrigado racionalmente, por uma
necessidade interna, a agir moralmente, de acordo com os princípios universais de
justiça e de igualdade”, é que será possível identificar tanto o juízo moral, quanto a ação
moral.
Vinha (2000, p. 111) afirma que:
(...) para Kohlberg, quanto mais elevado for o raciocínio moral, ou o estágio de consciência moral, mais estes sujeitos tendem a apresentar a ação moral coerente com esses juízos, ou seja, tendem a um comportamento democrático, que respeita ao outro, recíproco e justo.
Biaggio (2002) ressalta que quem deveria atuar como líder e agente de
transformação social, seriam aqueles que possuem uma capacidade de crítica e
questionamento das leis vigentes, de forma que possam mudar com eficácia a situação
atual em que vivemos. Piaget (1948/1975, p. 71) lembra que:
(...) pretende-se formar consciências livres e indivíduos respeitadores dos direitos e das liberdades de outrem, isto é, relações entre indivíduos fundamentadas na autonomia e reciprocidade, é evidente que nem a autoridade do professor, nem as melhores lições que ele possa dar sobre o assunto serão o bastante.
Beluci e Shimizu (2007) estudaram a percepção dos vários atores da escola
(alunos, pais, professores e funcionários) a respeito de ocorrências de injustiça no
cotidiano de uma escola pública de ensino fundamental e médio. É decepcionante
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concluir a partir dos dados coletados que a escola é vista como um ambiente repleto de
injustiças por todos os segmentos. Como o ambiente que socializa a criança e possibilita
a construção do cidadão pode exercer seu papel se ele próprio (ambiente escolar) é fonte
de injustiças? Isso é consoante com o que acontece em outras esferas sociais, indicando
segundo La Taille (2002, p. 215) que “muitas pessoas não possuem um freio moral que
lhes impediria cometê-las”.
Kohlberg se ocupou dessas questões do ambiente escolar, das construções de
justiça ao desenvolver o projeto da Comunidade Justa reproduzida no Brasil e explicada
por Barreto, Oliveira, Andrade e Dias (2009) como:
A “comunidade justa” defende que a educação moral deve enfrentar problemas morais com consequências para o sujeito e para os outros. Também deve levar em conta o contexto social no qual os sujeitos tomam decisões e agem. A moralidade é, por natureza, social e o desenvolvimento de sujeitos morais nunca pode ser atingido sem o desenvolvimento de uma sociedade moral (p.215).
Nas escolas, é frequente encontrarmos uma preferência pelo currículo
tradicional, deixando-se até certo ponto em segundo plano a educação moral.
Professores e pais sentem dificuldades em transmitir os princípios e valores morais por
eles considerados importantes, e essa transmissão pode não garantir que as crianças e
adolescentes se comportem de acordo com o esperado, apesar de conhecerem os valores
e regras. Para tanto, é necessário que esses alunos adquiram competências e habilidades
que os capacite a por em prática esses ideais.
As competências morais são entendidas por Kohlberg (1964 apud LIND, 2000),
como a capacidade do individuo tomar decisões morais com base em seus princípios
internos, que foram constituídos, por suas ideias e vivencias (aspecto afetivo) no
decorrer de sua vida. Nesse sentido o aspecto emocional do individuo, do seu
comportamento moral, está estreitamente ligado aos seus princípios morais, regras,
normas, dentre outras determinações internas que este desenvolveu. Já o aspecto
cognitivo do comportamento moral está interligado com o motivo moral particular. É
essa estrutura do processo de julgamento, que é definido por Lind como competência de
juízo moral.
Lind (2006, p. 404) cita que para Kohlberg (1984), como Piaget (1976), a
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moralidade não é apenas um problema de ideais morais ou atitudes, mas que tem um
forte aspecto cognitivo ou aspecto de competência. A moralidade é muito mais do que
saber quais são as regras, leis e normas corretas, moralidade é saber refletir sobre elas, e
a partir daí decidir se devemos ou não segui-las. Deve haver o respeito por si e pelos
outros nas relações e as regras devem ser seguidas de forma que sustentem essas
relações e não impostas sobre as relações.
Para Lind (2006), o mundo atual apresenta sérios desafios para os indivíduos
com relação ao comportamento moral. Segundo o autor, uma democracia pode perecer
caso seus membros não saibam viver em grupo, aceitando opiniões diversas das
próprias, recorrendo a métodos não violentos de solução de problemas e participando
ativamente das demandas da sociedade. É, portanto, dever dos pais e educadores
auxiliar as crianças e os adolescentes nesta difícil tarefa, para que não se detenham
inutilmente em conflitos não solucionados.
Esses conflitos interferem largamente no aprendizado, pois uma criança que se
sente injustiçada pelos pares ou professores terá mais dificuldade em reter o que está
sendo ensinado.
Tradicionalmente, a ênfase no ensino universitário tem sido sobre teoria versus
prática como duas áreas separadas. A nova alquimia necessária aos profissionais no
presente é, segundo Durand (1998, apud FLEURY; FLEURY, 2000), tão necessária e
valiosa quanto a alquimia dos tempos medievais de transformar metal em ouro: a
alquimia moderna é a competência que transforma em prática a teoria aprendida.
Competência segundo Perrenoud (1997) é uma capacidade de agir eficazmente
em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a
eles. A competência segundo o parecer 16/99 do Conselho Nacional de Educação,
implica a mobilização de conhecimentos para a consecução de algo (BRASIL, 2006). A
competência, compreendida como o que vai além da teoria e da técnica, uma vez que
não se resume ao conhecimento nem tão pouco à execução mecânica, mas é criativa,
descobre novas formas de agir tendo como base o contexto presente, parece ser
condição necessária para a formação do profissional, qualquer que seja sua área de
atuação.
Quando pensamos especificamente na formação do educador (aquele que
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promove a formação do outro), a importância da dimensão competência torna-se ainda
maior. Para o profissional docente que tem como fundamento de sua prática a relação
com o outro como base do processo de construção do ensino-aprendizagem, é
fundamental a reflexão a respeito da esfera ética. O vínculo que se estabelece entre
professor e aluno que subsidia todo o processo de ensino-aprendizagem é baseado na
confiança entre ambos, na coerência entre princípios anunciados e prática.
Segundo Schillinger (2006), a teoria de Lind é diferente das outras quando o
autor não difere no desenvolvimento, o afetivo e o cognitivo; Lind acredita que estes
são inseparáveis, mas distintos aspectos do comportamento, que devem ser investigados
como tais, pois os dois fazem parte do desenvolvimento moral do indivíduo.
Como Lind (1985 apud SCHILLINGER, 2006, p. 21) afirma:
(...) por um lado, o comportamento moral pressupõe uma estrutura cognitiva: princípios, normas e valores têm de ser equilibrados uns contra os outros e à luz das circunstâncias específicas de uma situação de decisão moral. Por outro lado, a competência de juízo moral — isto é, a capacidade de integrar e diferenciar os princípios morais e aplicá-las a decisões todos os dias — tem um caráter de desenvolvimento e por isso deve ser colocado em referência à experiência de vida do indivíduo e às estratégias socialmente desenvolvidas para resolver problemas (tradução minha).
O desenvolvimento moral não para na infância e nem na adolescência, como era
pensado anteriormente, mas chega também à idade adulta. Segundo Schillinger (2006),
Lind (1999), Kohlberg e Higgins (1984), a interação com o ambiente em que as pessoas
vivem, influenciam os seus processos de desenvolvimento, mesmo o sujeito estando na
idade adulta. Uma questão importante a ser levantada é: será que os alunos são
influenciados moralmente dentro da universidade? Será que eles percebem um ambiente
cooperativo? Ou coercitivo? A questão que se coloca é se o ambiente acadêmico seria
capaz de desenvolver a competência moral dos alunos.
Schillinger (2006) considera que para o sujeito continuar a se desenvolver
moralmente e cognitivamente, dentro da universidade, é preciso que este tenha dentro
do seu “currículo escolar”, oportunidades de assunção de responsabilidade. A autora usa
a expressão role taking, a partir dos trabalhos de Sprinthall e Thies-Sprinthall (1993),
Reiman (2000), Lind (1996) e Herberich (1996) que se baseiam em considerações de
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Kohlberg e Selman sobre a importância de atividade para o desenvolvimento moral
(SCHILLINGER, 2006). Sendo assim, o aluno deve ter oportunidade de “tomadas de
responsabilidade”, ou seja, o discente deve ter dentro do seu quadro de atividades como
aluno, a oportunidade de se colocar no lugar do outro, para então discutir e refletir sobre
problemas e dificuldades que poderá ou não encontrar em sala de aula. Um outro fator
importante é a reflexão dirigida, ou seja, ir para a prática profissional (estágios, por
exemplo) e voltar para a universidade com relatos para reflexão. Dessa forma, buscar
um ambiente “saudável” para se vivenciar oportunidades de cooperaçã
o, faria toda a diferença para o desenvolvimento moral.
Segundo Schillinger (2006, p. 39- 40):
Lind (1999) defende a ideia de que, para atingir o nível de desenvolvimento moral autossustentável, o indivíduo tem de adquirir um nível crítico de competência de julgamento moral chamado "autonomia moral" por Piaget (1965). Indivíduos que chegaram à autonomia moral têm habilidades e competências para lidar bem com conflitos morais e aprender através dessa situação. Eles não precisam simulação externa adicional e contínua para manter ou melhorar os seus níveis de competência moral, por outro lado, os que não conseguiram este ponto crítico, tendem a evitar conflitos morais e não são capazes de desenvolver algo a mais. Na verdade, muitas vezes tendem a declinar seus níveis de competência moral. (tradução minha)
Dessa forma pessoas competentes moralmente são as que agem de acordo com
seus princípios morais, aquelas que são autônomas, como descreve Piaget. Pois para ter
uma autonomia moral, o sujeito deve ter competência moral e cognitiva desenvolvida. No entanto, a realização de autonomia moral parece estar intimamente relacionada com a qualidade do ensino recebido. Particularmente no processo de aprendizagem, autonomia moral está relacionada às oportunidades de role-taking combinado com reflexão dirigida (SCHILLINGER, 2006, p. 40). (tradução minha)
Logo, pensamos que é importante que os estudantes das universidades tenham
acesso a essa educação de qualidade que visa muito mais, do que passar conteúdos.
Uma educação fomentada na ideia de ensino-pesquisa-extensão, em que o aluno não
seja mero coadjuvante, mas sim ator principal, que faz as mudanças acontecerem de
forma real na sua vida. O role-taking, não busca apenas uma tomada de perspectiva, ele
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busca proporcionar ao aluno, momentos de participação ativa, onde ele possa expressar
suas opiniões e questionamentos, que possa tomar decisões, e que seja responsável pela
criação de um ambiente propício ao desenvolvimento intelectual dos alunos.
A universidade deve proporcionar aos seus alunos, nos estágios, por exemplo, a
reflexão dirigida, para que esses alunos possam se apoiar no professor para então
refletirem conjuntamente, sobre as situações assistidas dentro das escolas visitadas. Esse
momento de reflexão dirigida deve ocorrer realmente, não somente nos estágios, mas
em todos os momentos da relação ensino-aprendizagem dentro da universidade.
Como assinala Lind (1985, apud SCHILLINGER, 2006, p. 41-42):
(...) é muito esperado, com base no senso comum, que é o papel da Universidade no que diz respeito aos alunos desenvolver ’pensamento crítico, capacidade de julgamento e responsabilidade social’ e contribuir para a melhoria das competências profissionais. No entanto, parece haver até uma incongruência entre o que é esperado em termos de efeitos de socialização do ensino superior e resultados empíricos. Lind resume esta constatação de investigação: "ao contrário a esta expectativa institucionalmente cobrada, no entanto, alguns pesquisadores concluíram que a socialização da universidade não tem nenhum efeito sobre tais habilidades, ou, pelo menos, nenhum efeito geral e duradouro" (p. 173). (tradução minha)
Matérias, conteúdos, não formam professores qualificados, e muito menos
competentes moralmente. O que forma esses professores são momentos de reflexão
dirigida, conjunta entre alunos e professores, de cooperação dentro da sala de aula, de
estudos e observações que determinam um bom aprendizado.
A ausência de reflexão a respeito de teorias e conceitos cria entre os alunos um
indiferentismo moral. Por outro lado, a forma como estes são transmitidos impõe todo
um cuidado para que não assumam um caráter ideológico e, consequentemente,
induzam os futuros professores à alienação e à heteronomia. O educador, como
orientador e mediador em relação à disseminação de conteúdos e desenvolvimento da
competência moral, deve se constituir membro de um contrato social democrático e se
inserir na comunidade acadêmica não só com a função de transmitir informações aos
alunos, mas, sobretudo, comprometer-se com o desenvolvimento da capacidade
reflexiva.
Felizmente, podemos observar que algumas escolas já perceberam a importância
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de se incluir a educação em valores e para a democracia em seus programas. Nestas
escolas, os alunos se mostram mais participativos e cooperativos, mais interessados no
currículo tradicional e com melhor aproveitamento geral (ARAUJO, 2002). Para os
alunos, viver em sociedade, e mais ainda em uma sociedade democrática, significa ser
respeitado como ser humano, ser visto como um indivíduo capaz de participar no
processo de tomada de decisões e na resolução de conflitos.
É só analisando, criticando e repensando os valores e o mundo de modo geral
que o sujeito poderá se descolar do sistema e isso levará à possibilidade de
sobrevivência do sistema social. Nesse ponto, deve-se lembrar do papel que o educador
tem no processo de construção da racionalidade comunicativa.
Como educadores precisamos acreditar em possibilidades de mudança, e, no âmbito de nossa ação profissional, tentar abrir espaços para a emergência de uma nova racionalidade, que favoreça a reconstrução da sociedade e a reinvenção da cultura. Esse processo somente será viável no desenvolvimento de uma ética de responsabilidade social, que embase ações que visem ao bem coletivo, isto é, que tenham por objetivo a criação de possibilidades de vida a todos, incluindo as gerações futuras. (GONÇALVES, 1999, p. 131)
A preocupação fundamental desse trabalho foi relacionar o desenvolvimento
moral dos alunos com a sua formação docente, de modo a salientar a importância do
desenvolvimento moral em sua esfera global de construção de conhecimento. Ou seja,
avaliar em que medida o discurso acadêmico se realiza em prática de modo a
transformar a realidade. Colocamos assim a importância do desenvolvimento moral para
que os professores consigam trabalhar de modo mais coerente com o princípio da
educação moral com seus futuros alunos.
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Meta: Avaliação. Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.208-219, mai./ago. 2009. BELUCI, Thaise; SHIMIZU, Alessandra de Morais. Injustiças no cotidiano escolar: percepções de membros de uma escola pública. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Volume 11, Número 2, Julho/Dezembro 2007, 353-364. BIAGGIO, A. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. São Paulo: Moderna, 2002. CUNICO FURLANETTO, Ecleide. Processos de (Trans)formação do professor: diálogos transdisciplinares. Eccos Revista Científica, vol. 12, núm. 1, enero-junio, 2010, pp. 85-101. FLEURY, A. C. C. FLEURY, M. T. L. Estratégias empresariais e formação de competências. São Paulo: Atlas, 2000. GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Teoria da ação comunicativa de Habermas: Possibilidades de uma ação educativa de cunho interdisciplinar na escola. Educação & Sociedade, ano XX, nº 66, Abril/99. HIGGINS, A.; POWER, C.; KOHLBERG, L..The relationship of moral atmosphere to judgments of responsibility. In Bill Puka (Ed.) New research in moral development. Moral development: A compendium, Volume 5. (pp. 190-222). New York, NY: Garland Publ., 1994. KOHLBERG, L. Essays on moral development. San Francisco: Harper&Row, 1984. (volume 1: The philosophy of moral education: moral stages and the idea of justice) LA TAILLE, Y. Vergonha, a ferida moral. Petrópolis: Vozes, 2002. LIND, G. O significado e medida da competência moral revisitada: um modelo de duplo aspecto da competência moral. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 13, n. 3, p. 399-416, 2000. LIND, G. La moral se puede enseñar - Un manual de teoría y práctica de la formación moral y democrática. Ciudad del Mexico: Trillas; 2006. LUKJANENKO, Maria F.S.P. Um estudo sobre a relação entre o julgamento moral do professor e o ambiente escolar por ele proporcionado. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP, Faculdade de Educação Unicamp, 1995. MENIN, Maria S. S. Desenvolvimento moral: refletindo com pais e professores, in Lino de Macedo (org). Cinco estudos de educação moral. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1996.
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
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