Desidério Murcho - O Erro de Leibniz

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    21/01/2016 O erro de Leibniz

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    O erro de Leibniz

    Desidrio Murcho

    Universidade Federal de Ouro Preto

    Num texto de 1697, Leibniz formula uma pergunta radical: "Por que halgo em vez de nada?" O seu objectivo sustentar a existncia de um

    deus que seria a origem da realidade. Esta ideia, contudo, precisa de ser

    cuidadosamente formulada, para no dar origem ao absurdo de sustentar

    que h algo porque Deus, que no algo, o criou. Ao invs, a ideia

    sustentar que Deus, que algo, eterno e no poderia no existir, pelo

    que assim est explicado por que h algo: porque sempre houve e no

    poderia no haver.

    No decurso da sua argumentao, contudo, Leibniz comete um erro

    crucial. Quando se faz a pergunta radical por ele formulada, as

    alternativas bvias de resposta so as seguintes:

    1. Cada acontecimento ou objecto do universo tem a sua origem noutro

    acontecimento ou objecto anterior, que a sua explicao e razo de

    ser, ad infinitum

    2. Os objectos e acontecimentos formam um crculo explicativo, de modo

    que A explica B que explica C que explica A

    3. H um algo especial Deus que fez tudo o resto.

    Leibniz favorece 3, mas para isso tem de se livrar de 1, que pelo menos

    primeira vista no mais implausvel. 2, evidentemente, no

    particularmente atraente como modelo terico da razo de ser da

    realidade. Alm disso, Leibniz pensa ter um argumento que refutasimultaneamente 1 e 2. Acontece que o argumento est errado.

    Matematicamente errado.

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    Imaginemos que temos uma explicao da realidade nos moldes de 1. A

    analogia bvia a fazer com a srie infinita dos nmeros. Do mesmo

    modo, os objectos e acontecimentos do universo estender-se-iam para

    sempre, infinitamente. Dado cada objecto ou acontecimento da srie de

    objectos e acontecimentos que constituem a realidade ter uma explicao

    apelando ao objecto ou acontecimento anterior parece que tudo

    est explicado.

    Mas no est, argumenta Leibniz. Fazendo uma analogia com o

    livro Elementos de Geometria, Leibniz argumenta que podemos explicar a

    existncia de cada exemplar apelando ao exemplar anterior do qual foi

    copiado e caso essa srie fosse infinita, teramos sempre explicao

    para a existncia de cada exemplar do livro mas no podemos explicar

    por que razo h a prpria srie dos livros, em vez de outra ou nenhuma.

    Assim, apesar de podermos explicar todos os acontecimentos e objectos

    do mundo apelando a acontecimentos e objectos anteriores, resta aindaexplicarpor que h algo em vez de nada, resta explicar por que existe a

    srie de acontecimentos e objectos, em que cada membro explicado

    por outro membro.

    Este argumento est inequivocamente errado, pois exige uma explicao

    depois de tudo ter sido explicado. Isto compreende-se melhor sedeixarmos de falar no infinito e passarmos a falar de um conjunto finito e

    muito pequeno, pois apesar de a mente de Deus ser supostamente

    infinita e sbia, a dos seres humanos finita e dada a erros elementares.

    Tome-se um conjunto de quatro pessoas, em que a primeira me da

    segunda, esta da terceira e esta da quarta. Se perguntarmos por que

    existe cada uma delas, a resposta que a sua me a gerou. Claro que

    num modelo finito no temos explicao para a primeira delas. A ideia de

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    um modelo infinito , precisamente, haver desse modo explicao para

    todas, pois nunca falta uma me anterior para explicar a existncia da

    pessoa posterior. O argumento de Leibniz ento admitir que numa srie

    infinita cada membro est plenamente explicado pelo membro anterior,

    mas exigir explicao para a srie em si. Aplicando o seu argumento ao

    modelo com quatro pessoas, Leibniz considera que depois de explicar a

    existncia de cada uma delas com base na sua me, temos de explicar a

    existncia da srie. A resposta a este argumento que nada h para

    explicar agora, excepto apelar noo matemtica de conjunto. Nada h

    num conjunto excepto os membros do conjunto, e como os membros no

    podem existir sem que exista o conjunto, explicar a existncia dos

    membros eo ipsoexplicar a existncia do conjunto. A pergunta de

    Leibniz o mesmo que, depois de se ter explicado a existncia de cada

    uma das trs bananas em cima da mesa, exigir que se explique a

    existncia do conjunto das trs bananas. A resposta bvia que j

    explicmos a existncia do conjunto das trs bananas depois de termos

    explicado a existncia de cada uma das bananas. Mais: nada pode

    explicar a existncia do conjunto das trs bananas excepto o que explica

    a existncia de cada uma das trs bananas. No como se Deus

    pudesse criar trs bananas em sucesso e depois pudesse decidir no

    criar o conjunto das trs bananas. Criar cada uma das bananas eoipso criar o conjunto das trs bananas, e explicar a existncia de cada

    uma das trs bananas explicar a existncia do conjunto das trs

    bananas.

    A estratgia de Leibniz, note-se, admitir a possibilidade de uma srie

    infinita na qual cada membro explicado por outro membro anterior. Aideia mostrar que mesmo admitindo tal possibilidade, no teramos uma

    explicao da realidade alternativa explicao supostamente dada por

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    Deus. Dado que o seu argumento est errado, resta-lhe negar a

    possibilidade de uma srie infinita na qual cada membro seja explicado

    por outro membro anterior. Mas isso exige um argumento diferente.

    Desidrio Murcho

    [email protected]

    mailto:[email protected]