Design E-é Arte (Mônica Moura)

13
Design, Arte e Tecnologia 1 . Mônica Moura i Design e/é Arte. As relações, a proximidade, as fronteiras entre design, arte e tecnologia são discussões recorrentes e instigantes em um campo que, sendo interdisciplinar, estabelece um rico diálogo com estas questões. Muitas vezes encontramos em alguns discursos da área quase a necessidade de estabelecer arte e design como campos oponentes e contraditórios. Me parece também que esta discussão toma importância no Brasil e ocorre como uma necessidade de afirmação para a área de design ser respeitada como um campo independente. Talvez pela indicação histórica do surgimento da área do design a partir do campo da arte. Devemos lembrar a atuação dos liceus de artes e ofícios, a arte industrial como disciplina dos cursos de ensino básico e médio e o nascimento de muitos cursos de graduação em design nos departamentos de artes de várias universidades. Talvez, este seja o motivo principal do discurso separatista de design e arte. Porém, hoje o design já está mais do que estabelecido e respeitado como campo de conhecimento. Estas questões sempre me inquietaram, quanto mais dentro do campo do design mais ouvia o discurso renitente e a necessidade das justificativas e explicações do porque design não é arte. Ao mesmo tempo me defrontava com o discurso e a prática interdisciplinar e transdisciplinar que fala no rompimento de fronteiras e de barreiras que levam a uma troca positiva entre diferentes campos de conhecimento que se somam e resultam em propostas mais complexas e abrangentes. A preocupação deste texto não é a de estabelecer limites e nem delimitar os campos da arte e do design como oponentes e contraditórios e sim questionar como estes campos podem estabelecer relações de proximidades de modo a somar, contribuir e ampliar a ação da própria área. Ao invés de dividir e fragmentar, somar e possibilitar 1 Este texto já foi discutido/ apresentado em minha tese de doutorado e agora é apresentado de forma ampliada como resultado de minhas pesquisas e da vivência no campo do ensino em design.

description

As relações, a proximidade, as fronteiras entre design, arte e tecnologia são discussões recorrentes e instigantes em um campo que, sendo interdisciplinar, estabelece um rico diálogo com estas questões.

Transcript of Design E-é Arte (Mônica Moura)

Page 1: Design E-é Arte (Mônica Moura)

Design, Arte e Tecnologia1.

Mônica Mourai

Design e/é Arte.

As relações, a proximidade, as fronteiras entre design, arte e tecnologia são

discussões recorrentes e instigantes em um campo que, sendo interdisciplinar,

estabelece um rico diálogo com estas questões.

Muitas vezes encontramos em alguns discursos da área quase a necessidade de

estabelecer arte e design como campos oponentes e contraditórios. Me parece

também que esta discussão toma importância no Brasil e ocorre como uma

necessidade de afirmação para a área de design ser respeitada como um campo

independente. Talvez pela indicação histórica do surgimento da área do design a

partir do campo da arte. Devemos lembrar a atuação dos liceus de artes e ofícios, a

arte industrial como disciplina dos cursos de ensino básico e médio e o nascimento

de muitos cursos de graduação em design nos departamentos de artes de várias

universidades. Talvez, este seja o motivo principal do discurso separatista de design

e arte. Porém, hoje o design já está mais do que estabelecido e respeitado como

campo de conhecimento.

Estas questões sempre me inquietaram, quanto mais dentro do campo do design

mais ouvia o discurso renitente e a necessidade das justificativas e explicações do

porque design não é arte. Ao mesmo tempo me defrontava com o discurso e a

prática interdisciplinar e transdisciplinar que fala no rompimento de fronteiras e de

barreiras que levam a uma troca positiva entre diferentes campos de conhecimento

que se somam e resultam em propostas mais complexas e abrangentes.

A preocupação deste texto não é a de estabelecer limites e nem delimitar os campos

da arte e do design como oponentes e contraditórios e sim questionar como estes

campos podem estabelecer relações de proximidades de modo a somar, contribuir e

ampliar a ação da própria área. Ao invés de dividir e fragmentar, somar e possibilitar

1 Este texto já foi discutido/ apresentado em minha tese de doutorado e agora éapresentado de forma ampliada como resultado de minhas pesquisas e da vivência nocampo do ensino em design.

Page 2: Design E-é Arte (Mônica Moura)

a abertura de horizontes. Especialmente nestes tempos pós-modernos ou hiper-

modernos, como defende Lipovetsky (2005).

Sabemos que o design está relacionado à cultura e a produção de linguagem, fato

que aproxima este campo do universo de criação colocando-o muitas vezes como

um universo implícito e outras vezes como universo paralelo à arte. O design atua a

partir da relação com a arte enquanto processo de criação, de referência e também

a partir de interferências, influências e inter-relações entre estes dois campos.

Vamos nos remeter a alguns importantes autores que trazem esta discussão a tona

e evidenciam as relações entre arte e design.

Segundo o filósofo Vilém Flusser (1999) o design e a arte são derivados da arte e

da ciência e este “cruzamento fertilizado” leva a complementação criativa destas

duas áreas.

Enquanto o designer Bruno Munari (1993), no final dos anos de 1980, relacionava

tanto a arte quanto o design como ofícios. Neste sentido, acreditava que o design

deveria ser remetido à idéia de arte, onde o designer restabelecia o contato entre a

arte e o público, entre a arte viva, e o seu destinatário/observador/usuário. Uma

arte integrada a vida, rompendo com a separação de coisas belas para admirar (por

exemplo: uma pintura) e coisas feias (por exemplo: um eletrodoméstico) para

utilizar. Podemos perceber que para Munari a arte e a estética são importantes e

devem estar presentes nos objetos e produtos de design. Não é a arte destinada a

contemplação pura, a fruição estética e sim a arte para o cotidiano, para o uso nos

atos da vida, onde produtos são desenvolvidos com finalidades específicas e geram

prazer na utilização, povoando o nosso universo material, distantes e além do

supérfluo (que Munari denomina de acaso ou capricho).

Partindo deste princípio, para Munari, o designer é também um artista, artista do

nosso tempo, pois deve enfrentar e resolver as necessidades e exigências da

sociedade com humildade e competência. Isto é possível quando o designer conhece

Page 3: Design E-é Arte (Mônica Moura)

o seu ofício, as técnicas e os meios mais adequados para resolver qualquer

problema de design com total independência de qualquer preconceito estilístico.

Portanto, para Bruno Munari (1993), o designer é o profissional capaz de encontrar

as soluções para os problemas estéticos coletivos e o usuário quando utiliza um

objeto ou um produto projetado por um verdadeiro designer tem consciência da

presença de um artista que trabalhou para ele, melhorando as condições da vida

humana e favorecendo a relação com o mundo da estética.

O arquiteto e crítico de arte Giulio Carlo Argan (2000) também se refere aos

designers como artistas com conhecimento da esfera produtiva que atuam em

equipe e lidam com produções de caráter cíclico. Para Argan, a arte está no design

desde a tarefa criativa até a determinação de um ritmo estético e econômico dos

atos da vida cotidiana. “É a redução da arte a uma socialidade plena e integrada,

funcional e não hierárquica; e simultaneamente o modo de restituir um sentido e

uma alegria criativa a um fazer que o moralismo tradicional considerava condenação

e pena, porque através da propriedade estética do desenho industrial um valor de

conhecimento ou de experiência do real é positivamente religado aos atos práticos

do trabalho de cada dia” (Argan: 2000, 122 e 123).

Temos nos dois autores tratados acima a questão da arte presente no design não

apenas no ato de criação, mas uma arte destinada a sociedade, na construção da

cultura material de uma sociedade em uma determinada época.

Gillo Dorfles (1998), em seu texto As oscilações do gosto, trata o design como um

campo que dialoga com a arte especialmente pela questão do valor estético e

compara o design a um ‘tipo de arte popular’ pois acredita que o objeto criado em

série equivale a alguns objetos artesanais.

Para Alexandre Wollner o designer é a evolução do artesão e do artista. Segundo

este designer: “(...) o artista sofre uma metamorfose evolutiva que parte do artesão

essencialmente inspirado e intuitivo, passando gradativamente a integrar a

tecnologia (gráfica, tipográfica) e a ciência (gestalt, semiótica), nos sistemas das

redes de comunicação e, hoje, a estruturar e organizar todo um sistema de

Page 4: Design E-é Arte (Mônica Moura)

informações, via multimídia. O artista desenvolve um equilíbrio entre a sua

inspiração/ intuição e o seu conhecimento técnico-científico. Esses suportes são

necessários para a sua criatividade” (Wollner: 1998, 224).

Ainda segundo Wollner(1998), ao longo da história da arte o artista passa a ser

solicitado para a elaboração de produtos, tais como cartazes, jornais, revistas,

integrando conhecimentos que se estabelecem além do universo das artes e dos

ofícios e exemplifica dizendo que nos anos pós-guerra, especificamente na década

de 50, na Europa, quando surge a denominação programador visual, que pode ser

definida como o artista com o treinamento de designer, um planejador dos meios de

comunicação visual, com formação altamente técnica, científica e social – econômica

– política”.

Podemos, assim, perceber que a relação arte e design é explicada por vários autores

a partir de comparações entre o papel do artista e o do designer, bem como com o

papel e a função da arte e do design. Onde o designer é visto como um profissional

que associa arte, técnica, tecnologia, planejamento e conhecimento para as esferas

culturais e produtivas.

Também o designer é considerado um artista contemporâneo, onde suas produções

- objetos da cultura material e imaterial - são importantes e presentes na vida

cotidiana do ser humano.

O design é visto como o cruzamento, a relação entre arte e ciência; a partir da

integração das artes e ofícios e também como arte popular no sentido da arte

prática presente no cotidiano destinada ao homem na sociedade da cultura material

e imaterial.

Estas questões são polêmicas no meio do design profissional, tanto que percebemos

que muitos autores não as enfrentam profundamente. No máximo, as discussões a

este respeito, quando aceitas, resumem-se a pequenas comparações, chegando-se

ao absurdo de estabelecer que a maioria dos profissionais não têm condições de

Page 5: Design E-é Arte (Mônica Moura)

dominar a matéria desta discussão. Então a saída mais simples e prática é dizer que

design não é arte e ponto final.

Entretanto, falta a reflexão e a discussão mais profunda das relações e inter-relações

estabelecidas entre o universo da arte e o do design. Muitos artistas são designers e

muito designers são artistas ou transitam entre estas duas áreas e praticam as

experimentações típicas da atividade artística. Portanto, há estreitas relações entre

estes universos de limites tênues.

Agnaldo Farias (1999) em seu texto Design é Arte? publicado na revista da ADG

(Associação dos Designers Gráficos/Brasil) exemplifica muito bem esta relação

dizendo que este fato ocorre devido a sedimentação do “mito da objetividade” e das

poéticas racionalistas que atravessam “a arquitetura e artes gráficas como o sol por

uma vidraça...”. E continua sua argumentação dizendo que esta atitude

sedimentada e estabelecida nega a discussão e a abertura para novas posições

estéticas. Ao se estabelecer uma análise mais profunda, sem ranços tradicionalistas,

podemos perceber que o design gráfico contemporâneo se abre a experimentações

de toda a natureza, em poéticas densas e ruidosas.

Farias nos remete aos trabalhos de dois designers brasileiros: Rico Lins e Gringo

Cárdia e também aos internacionais: Tibor Calman e David Carson que são

profissionais de grande relevância no campo do design, mas que estabelecem uma

relação evidente de seus trabalhos com as artes visuais. Também aqui a relação com

as artes, “chamando a atenção às propostas que, a despeito do imperativo de

legibilidade tão cara aos racionalistas, rondavam perigosamente a incompreensão, o

que não as impedia de serem absorvidas e mesmo estimuladas pelo mercado”

(Farias: 1999, 27-28).

Como vimos, o design estabelece relações com a arte ora mais distantes e ora

próximas, mas a discussão nesta área profissional sempre remete ao fato de que na

contemporaneidade, apesar do design pertencer à esfera produtiva ainda guarda

relação e interface com a arte (vide Villas Boas: 1998).

Page 6: Design E-é Arte (Mônica Moura)

Retornamos a Agnaldo Farias, que nos lembra que, tendo em vista o avanço da

produção cultural, cada área do conhecimento humano deve ser aberta a debates, e

exemplifica: “retomam-se exposições de design gráfico porque é anacrônico

prosseguir mantendo a oposição entre arte e design, pois um produto resultante de

um projeto de design, tal como um logotipo, pode ter a mesma força de um haikai;

não tem fundamento estabelecer que aquilo que se destina ao mercado e a uma

empresa deva ser rigidamente separado do que é produzido artisticamente, fosse

assim a capela Sistina não deveria ter a importância que tem por ter sido

encomendada pela Igreja” (Farias: 1999, 29).

Ainda, segundo este autor, arte “(...) não é uma questão de assunto, mas de

tratamento formal de um determinado assunto. Ademais, desde que Marcel

Duchamp realizou o primeiro ready-made, ficou patente que um dos aspectos

basilares da produção artística era o questionamento de suas fronteiras. Vale dizer

que muito do que hoje se faz em nome da arte é contra as compreensões correntes

do que seja arte. Vai daí que discutir se design gráfico é arte ou não é perder-se em

uma falsa questão. Discute-se a pertinência de um rótulo e, em contrapartida,

perde-se de vista a densidade da dimensão estética de um determinado produto,

uma dimensão que jamais poderá ser reduzida às demandas funcionais, sob pena de

perder seu interesse no âmbito da cultura” (Farias: 1999, 29).

Design é (também) Tecnologia

Anteriormente dissemos que o design tem relações de proximidade, de referência e

diálogo com a arte. Design é produção de cultura e de linguagem, porém um projeto

não existe, isto é, não pode ser materializado sem a tecnologia.

Considerando que a principal característica do design é a reprodução de uma

comunicação ou das informações, deve-se lembrar que os meios de reprodução se

estruturam e ocorrem no universo da tecnologia e das relações, dos sistemas e dos

procedimentos técnicos e tecnológicos.

Page 7: Design E-é Arte (Mônica Moura)

Por este motivo, outro aspecto recorrente e muito enfocado nas definições de design

é o da tecnologia ser e estar implícita a este universo e, por isso, muitas vezes este

campo é definido assim: design é tecnologia.

Entretanto, dizer que design é somente tecnologia não traduz plenamente a

definição e o conceito deste campo, pois esta área não se sustenta apenas pela

tecnologia. Ela se faz a partir dela; antes da tecnologia ser aplicada, há de se ter um

projeto, este se estabelece a partir das questões de criação, de pesquisa e de

conceituação e também por meio da tecnologia. Ou seja, antes da tecnologia ser

aplicada, empregada, deve existir um projeto com conceito e propostas indicando a

aplicação, a sistematização e a utilização da tecnologia.

Podemos afirmar, então, que o design tem uma estreita relação com a tecnologia,

sendo esta, um dos pilares do design e podemos dizer o mesmo com relação à arte.

Não há como se desenvolver um projeto sem a tecnologia, e também sem os

procedimentos de criação, invenção e de inovação que advém da arte. Mas, é

importante lembrar, que um projeto não é apenas e tão-somente a tecnologia, ou

puro tecnicismo e nem tão somente pura arte contemplativa ou vivencial (como as

instalações e sites specifics da arte contemporânea). É a integração da tecnologia e

da arte que dão sustentação aos aspectos culturais, estéticos, funcionais e de

linguagem do projeto que serão refletidas no produto que foi desenvolvido.

A este respeito e respondendo as definições que apontam design como tecnologia, a

designer Ana Escorel questiona este fato dizendo que esta definição lhe parece como

uma tentativa não somente de apaziguar “(...) uma ansiedade classificatória, mas

também como se a tecnologia pudesse ser vista como um terreno defendido, imune

aos riscos representados pela intuição, pelo aleatório, pelo arbitrário” (Escorel, 2000:

63) e completa dizendo que se este aspecto fosse tomado como único, o design,

assim como qualquer outra atividade, poderia se inserir apenas em uma ‘unidade

tecnológica’.

Page 8: Design E-é Arte (Mônica Moura)

Porém, em outro texto2 de sua autoria, esta designer relaciona o design com “(...)

uma forma de expressão fantástica, absolutamente sintonizada com a tecnologia

mutante de nosso tempo e de dispor de um método de trabalho capaz de resolver

as mais diversas questões através do projeto ou das atividades de assessoria e

planejamento” (Escorel, 2000: 73). Destaca, ainda, que, sendo o design uma

linguagem, as renovações tecnológicas não bastam “(...) para que uma linguagem

alargue seus limites. É necessário, também, que sua cota de informação não seja

dissolvida, pois não há criatividade que resista ao temor do novo, ao compromisso

com o já feito e experimentado” (Escorel, 2000: 68).

Sem o projeto não há como o design estabelecer uma relação com a tecnologia e

com a arte, a não ser como um exercício aleatório repleto de puro tecnicismo ou do

livre fazer criativo. Por conseqüência, a tecnologia; que é de suma importância, pois

todo o projeto para se materializar, para tomar forma necessita do emprego da

tecnologia; estabelece estreita relação com o design, mas não o define

completamente. A tecnologia, assim como a arte, estabelece relações com o campo

do design e sempre estas áreas são encontradas no universo e nas definições do

design. Flusser nos lembra que a palavra grega “techne significa ‘arte’ e está

relacionada a tekton, um ‘carpinteiro’. A idéia básica aqui é que a madeira (hyle em

grego) é um material sem forma ao qual o artista, o técnico, dá a forma, fazendo

com que ela apareça em primeiro lugar. A objeção básica de Platão à arte e à

tecnologia era que elas traíam e distorciam formas teoricamente inteligíveis (‘Idéias’)

quando transferiam isso para dentro do mundo material” (Flusser: 1999, 17).

Podemos observar que há certas palavras e definições que sempre estão presentes

na pesquisa de uma definição de design. Flusser diz que esta situação se deve ao

fato de estas palavras estarem ligadas a este campo e também ligadas umas às

outras, configurando um campo comum de conhecimentos e de ações.

“As palavras design, máquina, tecnologia e arte estão relacionadas uma com as

outras, um termo é impensável sem os outros, e todos eles derivam da mesma visão

existencial do mundo. Entretanto, essa ligação interna tem sido negada por séculos

2 Carta a um jovem designer

Page 9: Design E-é Arte (Mônica Moura)

(pelo menos desde a Renascença). A cultura burguesa moderna fez uma divisão

entre o mundo das artes e o da tecnologia e máquinas; assim a cultura dividiu-se

em dois ramos exclusivos: um científico, quantificável e ‘duro’, o outro estético,

avaliável e ‘flexível’. Essa divisão infeliz começou a tornar-se irreversível no final do

século dezenove. Na lacuna, a palavra design formou uma ponte entre os dois. Ela

pôde fazer isso porque expressa a ligação interna entre arte e tecnologia” (Flusser:

1999, 17).

E o mesmo ocorre quando se fala de beleza, de estética e de senso estético. Por

exemplo, Bruno Munari (1993) se refere à beleza no campo do design como beleza

aplicada à técnica e à tecnologia, e não como beleza entendida no sentido abstrato

do termo. Para ele, a beleza presente no campo do design contém uma coerência

formal. Assim Munari expõe sua crença de como a beleza deve ocorrer em um

projeto, o sentido estético associado ou talvez subordinado à forma e à função de

determinado produto.

O design é o campo, a área por excelência que surge e atua a partir da relação com

a tecnologia. Devemos lembrar que foram as mudanças que ocorreram no processo

de industrialização que incentivaram as mudanças tecnológicas no momento em o

design foi impulsionado e desenvolvido, sendo apontado também como o momento

de seu surgimento por muitos autores. Giulio Carlo Argan, em um artigo de sua

autoria, escrito em 1961 e publicado em 2000, diz que: “O homem moderno, o

homem das grandes cidades, não identifica seu ambiente com a natureza, mas com

o mundo das coisas artificiais, feitas pelo homem para o homem mediante uma

tecnologia da qual sente orgulho como de uma criação própria: ele quer, portanto,

inserir o objeto no contexto de um mundo não natural, mas social” (Argan: 2000,

127).

O International Council of Societies of Industrial Design (ICSID) 3, desde sua

fundação, sempre apontou a tecnologia e a técnica como um dos fatores

3 O ICSID – International Council of Societies of Industrial Design foi fundado em 1957 e seuprimeiro congresso ocorreu em 1959, em Estocolmo. O ICSID mantém suas atividades até osdias atuais.

Page 10: Design E-é Arte (Mônica Moura)

determinantes no campo do design, consideradas também um saber e fazendo parte

de um conjunto de conhecimentos que o profissional desta área deve ter.

Em 1957, a definição do design foi realizada por essa instituição e ratificada em

1959, tendo sido utilizada durante doze anos e dizia: “um designer industrial é uma

pessoa que se qualifica por sua formação, seus conhecimentos técnicos, sua

experiência e sua sensibilidade visual para a tarefa de determinar os materiais, as

estruturas, os mecanismos, a forma, o tratamento de superfície e a decoração dos

produtos fabricados em série, por meio de procedimentos industriais. Segundo as

circunstâncias, o designer poderá se ocupar de um ou de todos estes aspectos. Pode

se ocupar também dos problemas relativos à embalagem, à publicidade, as

exposições e ao marketing, e no caso das soluções destes problemas, além disto de

um conhecimento técnico e de uma experiência técnica, requerendo também uma

capacidade de valorização (apreciação) visual” (texto elaborado pelo ICSID apud

Bonsiepe: 1978, 20).

A definição a seguir, revista e substituída por uma proposta de Tomás Maldonado,

foi utilizada até os anos 70:

“O desenho industrial é uma atividade projetual que consiste na determinação das

propriedades formais dos objetos produzidos industrialmente. Por propriedades

formais não se deve considerar unicamente aquelas exteriores, mas, sobretudo a

relação funcional e estrutural que fazem com que um produto tenha uma unidade

coerente seja do ponto de vista do produtor ou do usuário. Pois, enquanto a

preocupação exclusiva com as características exteriores de um objeto nascem do

desejo de fazê-lo mais atraente ou ainda mascarar alguma fraqueza constitutiva, as

propriedades formais de um objeto – pelo menos tal como está entendido aqui – são

sempre o resultado da integração de diversos fatores, sejam estes do tipo funcional,

cultural, tecnológico ou econômico. Dito de outra maneira, assim como as

características exteriores fazem referência a qualquer coisa como uma realidade

estranha, quer dizer, não ligada ao objeto e que não foi desenvolvida com ele, de

maneira contrária as propriedades formais constituem uma realidade que

Page 11: Design E-é Arte (Mônica Moura)

corresponde a sua organização interna, vinculada a ela e desenvolvida a partir dela"

(Maldonado apud Bonsiepe: 1978, 21).

No Congresso do ICSID ocorrido em 1973, a definição de design é tida como “(...)

uma atividade no extenso campo da inovação tecnológica. Uma disciplina envolvida

nos processos de desenvolvimento de produtos, estando ligada a questões de uso,

função, produção, mercado, utilidade e qualidade formal ou estética de produtos

industriais, com a ressalva de que a definição de design se daria de acordo com o

contexto específico de cada nação” (Niemeyer: 1997, 24).

Atualmente, o ICSID assim define o design: “o design é uma atividade criativa cujo

alvo é o de estabelecer as qualidades multifacetadas dos objetos, dos processos, dos

serviços e dos seus sistemas de vida em ciclos completos. Conseqüentemente, o

design é o fator central da humanização e da inovação das tecnologias e o fator

crucial da troca cultural e econômica” (texto ICSID, site ICSID, 2003).

Podemos perceber que também na definição de outra importante organização

profissional, a ICOGRADA (International Council of Graphic Design Associations), o

design é apontado como uma área relacionada à técnica e à tecnologia.

"O projeto gráfico é uma atividade intelectual, técnica e criativa, relacionada não

simplesmente com a produção das imagens, mas com a análise, a organização e os

métodos da apresentação de soluções visuais para problemas de comunicação. A

informação e a comunicação são a base da vida interdependente da rede mundial,

seja nas esferas comerciais, culturais ou as sociais” (site ICOGRADA, 2003).

Este texto não tem como propósito apresentar conclusões definitivas, mas sim de

apontar temáticas presentes no universo do design como questões a serem

ampliadas, desenvolvidas, discutidas. Questões que devem ser analisadas,

observadas através das interfaces que estas áreas – design, arte e tecnologia

estabelecem, modificam e constroem o design contemporâneo. Fica aqui o convite

para a análise da arte e da tecnologia e suas conseqüências para a cultura e para a

sociedade contemporânea por meio da vivência do design.

Page 12: Design E-é Arte (Mônica Moura)

Referências Bibliográficas

ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino. São Paulo: Ática, 2000.

COUTO, Rita Maria. e OLIVEIRA, Alfredo Jefferson. Formas do Design. Rio de

Janeiro: 2AB, 19

DORFLES, Gillo. As Oscilações do Gosto. Lisboa: Horizonte, 1989.

__________. O Desenho Industrial. História da Arte, Tomo 10, São Paulo: Salvat

Editora, 1978, pp. 101 -127.

ESCOREL, Ana Luisa. O Efeito Multiplicador do Design. São Paulo: Senac, 2000.

FLUSSER, Vilém. The Shape of Things: A Philosophy of Design. Londres,

Reaktion Books, 1999.

LIPOVETSKY, Gilles. Os Tempos Hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2005.

MALDONADO, Tomás. El Diseño Industrial Reconsiderado. México: Gustavo Gili,

1993.

MUNARI, Bruno. A Arte como Ofício. Lisboa: Editorial Presença, 1993.

_________. Das Coisas Nascem as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

_________. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

PEVSNER, Nikolaus. Os Pioneiros Do Desenho Moderno – De Williams Morris aWalter Gropius. 2a Ed. São Paulo: Martins Fontes,1994.

VILLAS-BOAS, André. O Que é e o Que Nunca foi Design Gráfico. Rio de Janeiro:

2AB, 1998.

_____________. Utopia e Disciplina. Rio de Janeiro: 2AB, 1998.

WOLLNER, Alexandre. Textos Recentes e Escritos Históricos. São Paulo: Ed.Rosari, 2002.

___________. A Emergência do Design Visual In: AMARAL, Aracy (org). ArteConstrutiva no Brasil. São Paulo: Melhoramentos e DBA Artes Gráficas, 1998,pp. 223-259.

Periódicos e Revistas

ARGAN, Giulio Carlo. A História na Metodologia do Projeto In: Caramelo, n.6, SP,

FAU/USP, 1992, pp.157-170.

Page 13: Design E-é Arte (Mônica Moura)

BOMFIM, Gustavo Amarante. A Morfologia dos Objetos de Uso: UmaContribuição para o Desenvolvimento de uma Teoria do Design. In: Anais do

P&D Estudos em Design, v.1, RJ, Aend-BR, 1996, Teoria & Design pp.27-41.

_____________. Fundamentos de uma Teoria Transdisciplinar do Design:morfologia dos objetos de uso e sistemas de comunicação In: Estudos em

Design, n.2, v.5, RJ, Aend-BR, 1997, pp. 27-41.

COUTO, Rita Maria. Contribuição para um Design Interdisciplinar. In: Estudos

em Design, n. 1, v. 7, RJ, AEND, 1999, pp. 79-90.

FARIAS, Agnaldo. Design é Arte? In: Revista da ADG, n. 18, SP, ADG, 1999, pp.

25-29.

i Mônica Moura é doutora em comunicação e semiótica com tese sobredesign de hipermídia, bacharel e licenciada em artes com atuaçãoprofissional em design, ensino e pesquisa. Atua como coordenadora,pesquisadora e professora na área de design e no grupo de pesquisadesign: criação e novas mídias da Universidade Anhembi Morumbi.