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2 2 Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB Jornal Brasileiro de Psiquiatria vol. 52 - nº 2 Março - Abril 2003 DIA GRA PHIC ® volume volume volume volume volume 52 52 52 52 52 • mar/abr mar/abr mar/abr mar/abr mar/abr-200 200 200 200 2003 Publicação Publicação Publicação Publicação Publicação bimestral bimestral bimestral bimestral bimestral J.B. J.B. J.B. J.B. J.B. Sem título, 19/5/1986 Guache sobre papel Brazilian Journal of Psychiatry

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Jornal Brasileirode Psiquiatria

ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085ISSN 0047-2085CODEN JBPSAXCODEN JBPSAXCODEN JBPSAXCODEN JBPSAXCODEN JBPSAX

Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 2 •

Março - A

bril 2003

DIAGRAPHIC

E D I T O R A

®

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J.B.J.B.J.B.J.B.J.B.Sem título, 19/5/1986Guache sobre papel

Brazilian Journalof Psychiatry

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Jornal Brasileirode Psiquiatria

CORPO EDITORIAL

Naomar de Almeida FilhoMárcio AmaralThomas A. BanOthon BastosJ. M. BertoloteNeury José BotegaMarco Antônio Alves BrasilMax Luiz de CarvalhoRoosevelt M.S. CassorlaJuarez Oliveira CastroAristides CordioliJurandir Freire CostaPaulo DalgalarrondoCarlos Edson DuarteLuiz Fernando Dias DuarteWiiliam DunninghamClaudio Laks EizerickHelio ElkisEliasz EngelhardtRodolfo FahrerMarcos Pacheco de Toledo FerrazIvan Luis de Vasconcellos FigueiraJosimar Mata de Farias FrançaRicardo GattassWagner F. GattazValentim Gentil FilhoClarice GorensteinMauro GusLuiz Alberto HetemMiguel Roberto JorgeFlávio KapczinskiJulio LicinioCarlos Augusto de Mendonça Lima

Maurício Silva de LimaPedro A. Schimidt do Prado LimaAna Carolina LobiancoMário Rodrigues Louzã NetoTheodor S. LowenkronNelson MaculanJair de Jesus MariPaulo MattosCeline MercierEurípedes Constantino Miguel FilhoTalvane M. MoraisAntônio Egídio NardiIrismar Reis de OliveiraMarcos PalatinikAntônio Pacheco PalhaRoberto Ayrton PiedadeJoão Ismael PinheiroAna Maria Fernandes PittaJosé Alberto Del PortoBranca Telles RibeiroFábio Lopes RochaJane de Araújo RussoLuiz Salvador de Miranda Sá Jr.Benedetto SaracenoItiro ShirakawaJorge Alberto Costa e SilvaJoão Ferreira da Silva FilhoFábio Gomes de Matos e SouzaRicardo de Oliveira SouzaYves ThoretGilberto A. VelhoWalter ZinAntonio W. Zuardi

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ISSN 0047-2085CODEN JBPSAX

volume 52 • mar/abr 2003J.bras.psiquiatr. 52 (2): 87-160, 2003

Publicação bimestral

UNIVERSIDADE FEDERALDO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE PESQUISA

Av. Venceslau Brás, 71 Fundos22290-140 Rio de Janeiro RJ BrasilTel: (5521) 2295-2549Fax: (5521) 2543-3101www.ufrj.br/ipube-mail: [email protected]

DIRETOR

Márcio [email protected]

JORNAL BRASILEIRO DEPSIQUIATRIA

[email protected]

EDITORJoão Romildo [email protected]

EDITORA ASSISTENTEGláucia Azambuja de [email protected]

EDITORES ASSOCIADOSE. Portella Nunes [email protected]

João Ferreira da Silva [email protected]

EDITOR EXECUTIVONewton [email protected]

CIP-BRASIL-CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

071Jornal brasileiro de psiquiatria / Instituto de

Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. —V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed. Científica Nacional, 2000

v.50

MensalEditado pela Diagraphic a partir do V.49 (10-12), 2000Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998)ISSN 0047-2085

1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria

98-1981. CDD 616.89 CDU 616.89

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E D I T O R A®

Órgão Oficial do Instituto de PÓrgão Oficial do Instituto de PÓrgão Oficial do Instituto de PÓrgão Oficial do Instituto de PÓrgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Fsiquiatria da Universidade Fsiquiatria da Universidade Fsiquiatria da Universidade Fsiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro ederal do Rio de Janeiro ederal do Rio de Janeiro ederal do Rio de Janeiro ederal do Rio de Janeiro ––––– IPUB IPUB IPUB IPUB IPUB

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84 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003

Nossa Capa

J.BJ.BJ.BJ.BJ.B.....Sem título, 19/5/1986Guache sobre papel

Durante sua nona e mais longa internação no Ipub, J.B. apresen-

tou, ao lado de sintomas esquizofrênicos já conhecidos, “quadro

depressivo-ansioso com humor depressivo, idéias delirantes de culpa,

ausência de planos para o futuro e parcial consciência da doença”.

O relatório do monitor de praxiterapia assinala: “Paciente

participa pouco das atividades programadas, não demonstra

interesse por sua pintura, retraído e triste. Ao contrário de outras

internações, não orienta os colegas nem tenta explicar sua produ-

ção”.

Devido à seqüência de internações do paciente, torna-se difícil

inferir se este surto foi uma recaída ou recidiva, com episódio de

depressão pós-psicótica.

De qualquer modo, além dos antipsicóticos, adicionou-se ao esquema terapêutico associação de 100mg/dia de imipramina e

400mg/dia de carbamazepina. A partir daí, o paciente voltou a freqüentar as sessões de psicoterapia de grupo e seu rendimento na

praxiterapia melhorou, tornou-se comunicativo, voltou a ajudar os colegas, sugerir motivos para pinturas e passou a explicar aos

monitores o conteúdo daquilo que produzia. Quando questionado ou quando alguém fazia reparos à sua pintura, rasgava o papel,

limpava os pincéis e voltava imediatamente para a enfermaria.

O quadro foi evoluindo favoravelmente e, ao final da internação, em 21/7/1986, o paciente teve alta “melhorado, em condições

de permanecer em tratamento ambulatorial e continuar o grupo de psicoterapia do ambulatório”.

O importante a se notar nesta instância é a aparição de sintomas depressivo-ansiosos em paciente esquizofrênico cronificado,

após repetidas internações motivadas exclusivamente por sintomas esquizofrênicos e agitação psicomotora. O acerto das medidas

terapêuticas adotadas é confirmado pelo comportamento do paciente na praxiterapia e pela retomada de sua produção artística,

mais complexa, sem céu estrelado e arco-íris, tema recorrente em seus quadros que se encontram no acervo do Ipub.

É uma pena que, por falta de programas de reinserção, as internações seguintes de J.B. não tenham sido evitadas.

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Erikson Felipe Furtado

Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância: um modelo conceitual para apsicopatologia do desenvolvimentoInfant development of cognition and language: a conceptual framework in developmentalpsychopathology

Gabriel Ferreira Pheula; Cláudio Eduardo Müller Banzato; Paulo Dalgalarrondo

Mania e gravidez: implicações para o tratamento farmacológico e proposta de manejoMania and pregnancy: issues related to pharmacologic treatment and management proposal

Leconte de Lisle Coelho Júnior; Bernard Gontiès; Valdiney V. Gouveia

Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes (Posit): adaptaçãobrasileiraQuestionnaire to detect potential use of drugs among adolescents (Posit): an adaptation to the Brazilianreality

Marco Antônio Brasil; Julieta Mejia-Guevara

Hepatite C, interferon e depressão: uma revisão (da série Depressão Induzida porSubstâncias)Hepatitis C, interferon and depression: a review (from the Substance-Induced Depression series)

Flavio Jozef; Jorge Adelino Rodrigues da Silva

Doença mental e comportamento violento: novas evidências da pesquisaMental disease and violent behavior: new evidence from research

Douglas Dogol Sucar; Ewerton Botelho Sougey; Amaury Cantilino; Riane Marinho

Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicosDrug interactions of noradrenergic/serotonergic antidepressants

Lúcia Abelha Lima; Marina Bandeira; Sylvia Gonçalves

Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente (ILSS-BR) parapacientes psiquiátricosTranscultural validation of the Independent Living Skills Survey (ILSS-BR) for psychiatric patients

87-96

97-107

Sumário

109-116

117-126

127-135

KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts and SciencesLILACS – Index Medicus Latino-AmericanoNISC Pennsylvania, Inc.Periódica – CICH-UNAMPsychoinfo – American Psychological AssociationUlrich’s International Periodicals DirectoryUMI – University Microfilms International

Academia de Ciências da Rússia Biological AbstractsBLDSC – British Library Document Supply CenterCAS – Chemical Abstracts Service of American Chemical

Society Chemical AbstractsEmbase/Excerpta MedicaEMDOCS – Embase Document Delivery ServiceIBICT – Sumários Correntes BrasileirosINIST – Institute de L’information Scientifique et Technique

Fontes de referência e indexação:

137-142

143-158

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R e s u m o

O desenvolvimento da linguagem tem se tornado um tema muito importante para pesquisas no campo da psicopatologia dodesenvolvimento. Este artigo faz uma revisão extensa sobre os processos mais importantes que estão envolvidos nos mecanismosda aquisição da linguagem pela criança no seu primeiro ano de vida, seguida de uma discussão sobre a relação entre estesprocessos e a ocorrência de psicopatologia na infância. Alguns achados das pesquisas nesta área têm oferecido suporte à hipó-tese de uma continuidade, ao invés de uma descontinuidade, que parece existir entre os primeiros sinais comunicativos dolactente, tais como gestos, expressão facial e vocalizações pré-verbais, e os marcos mais conhecidos do desenvolvimento dalinguagem na criança. Os aspectos particulares concernentes à origem de um código simbólico – a origem da linguagem – sãoapresentados ao leitor.

Unitermosdesenvolvimento; linguagem; cognição; psicopatologia; infância

S u m m a r y

The issue of language development became a very important topic of research in the field of developmental psychopathology. Thepresent article makes a comprehensive review on the most important processes underlying the mechanisms of infant language acquisition inthe first year of life followed by a discussion on their relation to child psychopathology. Some research findings in this area have broughtsupport to the hypothesis of a continuity instead of a discontinuity, that seems to exist from the infant initial communicative signals, such asgesture, facial expression and preverbal vocalizations, to the best known milestones of the child language development. The particularaspects concerning the origin of a symbolic code – the origin of language – are introduced to the reader.

Unitermsdevelopment; language; cognition; psychopathology; infant development

Professor-doutor do Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de SãoPaulo (USP).

Recebido em: 25.09.02

Aprovado em: 11.12.02

Desenvolvimento da cognição e dalinguagem na infância: um modelo

conceitual para a psicopatologiado desenvolvimento

Infant development of cognition and language: a conceptualframework in developmental psychopathologyErikson Felipe Furtado

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 87-96, 2003

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Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Furtado

Introdução parte destas a produção de reações adequadas deacordo com as necessidades do bebê13, 63.

O conceito competência comunicativa, talcomo será usado neste texto, não exige uma es-trutura mental ou cognitiva que seja exclusiva eseparada das demais funções mentais. A compe-tência comunicativa deve ser compreendida muitomais como o resultado de um sistema, para o qualcontribuem processos sensoriais, motores ecognitivos, de tal forma que desta associação sedesenvolve uma função que serve ao estabeleci-mento da comunicação.

Comunicação supõe motivação, assim comointencionalidade, atenção e reatividade. Vistoque o conceito comunicação significa um in-tercâmbio de representações e/ou intenções en-tre pelo menos dois interlocutores, levanta-se aquestão de se os lactentes de fato participamda interação como interlocutores. O requisitopara isto é que as crianças reconheçam os es-forços comunicativos de seu parceiro. A lingua-gem é uma ferramenta da comunicação. Entre-tanto, bem antes de obtermos o seu domínio,já existe comunicação53. Linguagem, portanto,é uma designação que não indica somente umcanal vocal. Ela exige o conhecimento de umcódigo para as representações de idéias sobreo mundo através de um sistema convencionalde sinais atributivos57. Assim sendo, referimo-nos ao conceito de fala para designar as for-mas de comportamento motor relacionadas àcomunicação verbal. A linguagem ocorre tam-bém na ausência da fala, como, por exemplo,na linguagem de sinais usada por deficientesauditivos, em que a mímica e os gestos, ou seja,o canal visual, incluem em si o caráter da lin-guagem, a propriedade de um código.

Tem sido postulada uma continuidade entrea fase pré-lingüística, na primeira infância, e o pos-terior desenvolvimento da linguagem5. A fase pré-lingüística é caracterizada pela ausência de indi-cação objetiva de intencionalidade. Mais do queintencionalidade, esta fase é caracterizada por umapetite, uma ânsia de comunicar.

Do ponto de vista da psiquiatria infanto-ju-venil, para uma melhor compreensão dos pro-cessos psicopatológicos na infância, o desenvolvi-mento do uso da linguagem, ou o que seconvencionou chamar de pragmática, é o que

A relação entre distúrbios da comunicaçãoou da l inguagem e a ocorrência depsicopatologia na infância tem sido menciona-da com freqüência na literatura especializada.Entretanto os aspectos particulares do desenvol-vimento psicolingüístico envolvidos neste pro-cesso são menos conhecidos5. O nosso objetivocom o presente texto é apresentar uma revisãoextensa do conhecimento atual sobre o tema,com o intuito de discutir um modelo conceitualsobre o desenvolvimento precoce da competên-cia comunicativa humana e sobre os respectivosprocessos cognitivos relevantes associados aosurgimento de psicopatologia na infância.

Nosso tema ocupa-se principalmente com odesenvolvimento da competência comunicativano lactente, isto é, com o desenvolvimento pré-lingüístico nos primeiros doze meses de vida. Por-tanto os conceitos comunicação e competênciaque serão aqui utilizados devem ser primeiramen-te definidos de forma clara para o leitor:

• comunicação significa um intercâmbio de in-formações35;

• competência, por sua vez, representa uma ca-pacidade inata, a qual evolui diante de exigên-cias ambientais.

A competência comunicativa é decisiva paraos processos de socialização, pois já nos primei-ros estágios de vida o recém-nascido envia seusprimeiros sinais comunicativos que possibilitamo desencadeamento da interação entre o bebê ea pessoa que lhe presta cuidados.

Isto fica mais claro através da seguinte afir-mação feita por Brazelton: “Um bebê não é tãoindefeso quanto parece, e existem sinais e men-sagens de um bebê que podem guiar uma mãe eum pai iniciantes”11.

Brazelton afirma que bebês silenciosos e pas-sivos não têm sucesso em atrair a atenção dosadultos “cuidadores” e, portanto, apresentam umrisco elevado para adoecimento11. Isto nos leva àconsideração de que a competência comunicati-va possui um significado evolutivo, pois aumentaas chances de sobrevivência de um bebê. A com-petência comunicativa tem como sua incumbên-cia evolutiva obter, manter e assegurar a atençãodas pessoas “cuidadoras”, além de permitir da

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Furtado Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância

Pesquisas em primatas reforçam a hipótese dodesenvolvimento filogenético da competência co-municativa humana. Entretanto existe uma enormediferença entre a linguagem humana e os sinais co-municativos do repertório de primatas, tanto natu-ral quanto aprendido em laboratório50. Em resumo,a filogenia é responsável pela base da competênciacomunicativa humana, no entanto é a socializaçãono interior de uma determinada comunidade quedetermina o desenvolvimento posterior da compe-tência comunicativa. A questão do papel dos pro-blemas da interação entre forças filogenéticas eaprendizado social para a produção de distúrbiosda comunicação permanece como uma questãoaberta para futuros esforços de pesquisa.

Desenvolvimento da linguagemperceptiva

A avaliação da capacidade de percepção dafala pelo bebê é feita através das suas característi-cas isoladas, sobretudo pela sensibilidade sonora(capacidade de captação de ondas sonoras), e dacapacidade de diferenciação e de localização defontes sonoras.

Nos últimos meses da gestação o feto já ma-nifesta movimentos em resposta a estímulos so-noros suaves51. Vários estudos, apoiados nos re-sultados obtidos das modificações da freqüênciacardíaca ou da presença de potenciais acústicosevocados, têm indicado que já algumas semanasantes do nascimento o feto possui um sentido au-ditivo funcionante2.

Uma característica importante da percepçãoauditiva humana é demonstrada pelo bebê já nosprimeiros meses através de sua marcada preferênciapela voz humana. A discriminação entre ruídos doambiente e vocalizações de uma pessoa conhecidainicia-se cedo no desenvolvimento61. Pode-se dizerentão da existência de um apetite, de um desejodirecionado para as expressões vocais humanas, es-pecialmente das vocalizações maternas32. De fato,recém-nascidos demonstram um evidente interessepela voz humana, como também por alguma melo-dia a que tenham sido expostos antes ainda do nas-cimento20, 45. Mais tarde, a atenção do lactente seráalcançada e mantida através das característicasprosódicas ou melódicas da fala (tempo, duração efreqüência), quando sob a forma da fala de bebêpelo adulto19, 23, 27. Tem sido verificado que recém-

mais nos interessa. Portanto, associaremos aquio conceito de competência comunicativa com apragmática da linguagem.

Aquisição da linguagemno lactente

Esquemas sensório-motores precoces

A competência comunicativa pode ser postu-lada como uma capacidade primariamente inataem que esquemas sensório-motores interagempara propiciar o seu desenvolvimento diante dasdemandas ambientais. A capacidade de um lac-tente para comportamento conjunto (matchingbehavior), sobretudo para comportamento car-regado de significado comunicativo, sustenta-seem esquemas sensório-motores que pré-condicionam a comunicação. A capacidade paraatenção seletiva e para reação discriminativa, es-pecialmente dos canais auditivo e visual, é a basepara os esquemas que se desenvolverão a seguir48.Lactentes, já aos dois meses de idade, apresen-tam diferenças importantes quanto à suareatividade para pessoas e objetos58. Isto indicauma atenção seletiva para sinais visuais e auditi-vos de origem humana.

Em um estudo sobre comportamentoimitativo em recém-nascidos, foram observados40 recém-nascidos saudáveis com 72 horas devida, que apresentaram comportamento imitativopara movimentos de cabeça e movimentos da lín-gua. Os autores concluíram que mesmo recém-nascidos são capazes de produzir coordenaçãomotora e acoplamento de movimentos selecio-nados emsituações de comportamento conjunto (jointbehavior)41.

Em situações reais, entretanto, são as mães queparecem mais ser imitadoras de seus bebês. Aexpressividade e a reatividade comunicativa dacriança exigem uma alta complexidade da coor-denação sensório-motora correspondente. Assim,tem sido defendida a existência de padrões decomportamentos inatos pré-programados, neces-sários para o estabelecimento do comportamen-to comunicativo, os quais não se deixam esclare-cer somente pela l imitada capacidade deaprendizagem do recém-nascido59, 60.

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nascidos e lactentes possuem a capacidade de per-cepção auditiva categorial. Esta é a base para a ca-pacidade discriminativa para fonemas e sílabas decada idioma falado no ambiente imediato da crian-ça2, 22, 34, 42.

O que provocam as vocalizações humanasnos lactentes? Um estudo procurou investigaras reações corporais de 16 recém-nascidos di-ante de vocalizações de adultos18. Os autoresrelataram uma sincronização das vocalizaçõesdos adultos com a atividade motora da crian-ça. Este efeito pôde ser confirmado tanto nasituação em que a criança ouvia as vocalizaçõesa partir de uma fita gravada de audiocassete,na ausência de qualquer pessoa, quanto tam-bém, da mesma forma, se lhe apresentava umagravação de vocalizações em um idioma estran-geiro. O efeito não pôde ser confirmado, en-tretanto, diante de vocalizações isoladas18.

A reação do bebê a vocalizações de adultos semanifesta preponderantemente através de com-portamentos motores complexos e inter-relacio-nados. Estes são, sobretudo, a produção de sonsvocais, a mímica facial e os movimentos das mãos,ou, mais precisamente, vocalizações positivas, sor-riso, direcionamento do olhar e pointing (posicio-namento do dedo indicador na forma deapontar)16, 21, 28, 30, 40, 58, 60.

Sinais comunicativos provenientes de adultospodem provocar reações comportamentais nolactente, e estas podem ser interpretadas comosinais comunicativos do bebê, pela sua semelhan-ça com o repertório comportamental comunica-tivo humano. Isto possibilita a interação e fala afavor de uma função senso perceptiva básica devalor comunicativo.

As primeiras vocalizações

Quando nasce uma criança, esta é indefesa ecompletamente dependente de auxílio externo.Isto leva-nos à compreensão do significado da pri-meira vocalização inata humana: o choro. Da mes-ma forma que para outros seres vivos, os sinaisacústicos humanos são veículos de comunicaçãoque têm o poder de transmitir informações35. Cho-ro e gemidos são as vocalizações mais freqüentesdo recém-nascido, sinalizando para a mãe o esta-do de fome, dor ou desconforto do bebê. A fre-

qüência em que ocorre o choro inato reduz-selogo após as primeiras semanas de vida4. Suas ca-racterísticas (intensidade, ritmo, etc.) tornam-segradativamente diferenciadas com o tempo36.Mesmo que o choro inato do bebê e os ruídos fisio-ló- gicos pareçam contribuir pouco para o desen-volvimento posterior da linguagem44, eles perten-cem ao repertório comunicativo do bebê e têmum caráter comunicativo para os pais e demaisadultos. Tem sido verificado que a interpretaçãosubjetiva, feita por adultos, em relação ao signifi-cado do choro do bebê ocorre mesmo em adul-tos sem experiência anterior12.

De acordo com Herzka, as mães classificam a pro-dução vocal de seus bebês em três categorias:

• choros e gemidos;

• balbucios;

• gritos e risos36.

Os bebês produzem também ruídos fisiológi-cos tais como espirros, suspiros, soluços, arrotos,etc., e vocalizações motoras, ou seja, sons vocaisproduzidos durante o esforço físico.

As vocalizações do lactente podem ser classi-ficadas também segundo o seu caráter informati-vo do estado emocional do bebê. Desta forma,surge uma classificação que divide as expressõesvocais precoces da criança em vocalizações posi-tivas ou negativas, vocalizações de bem-estar oude desconforto36, 38, 62.

Tem sido verificado que, mesmo em bebêsde dois meses, as demais vocalizações diferen-tes do choro, especialmente as negativas, tam-bém recebem um valor comunicativo por partedos pais47. Em um estudo sobre a relação entrevocalizações de lactentes nos primeiros quatromeses de vida e as reações dos pais, foi verifica-do que diferentes vocalizações, já nas primeirasduas semanas de vida, eram interpretadas comoformas de expressão do estado emocional dobebê38. Sobretudo as vocalizações positivas dolactente revelaram-se capazes de provocar rea-ções vocais e verbais dos pais.

Enquanto que a freqüência dos sons vocaisnegativos e fisiológicos reduz-se drasticamente atéo fim do terceiro mês, são produzidas cada vezmais vocalizações positivas. Principalmente afetopositivo, estimulação verbal, o uso da fala de bebêe a correta colocação de pausas, por parte dos

Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Furtado

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pais, auxiliarão a criança a produzir mais sílabas econsoantes no terceiro mês de vida8, 9, 36. No ter-ceiro mês, o bebê demonstra surpresa com suaspróprias vocalizações e começa a brincar comelas46. Esta atenção dirigida à própria voz é vistapor muitos autores como um importante pré-re-quisito para o desenvolvimento da linguagem.

Antigos estudos supunham o desenvolvimentofonológico do lactente normal como relativamentesemelhante ao desenvolvimento de lactentes comdeficiências auditivas, pelo menos em sua fase inici-al. Pesquisas mais recentes33, 44 mostraram, no en-tanto, que a fase de lalação, ou balbucio, torna-seatrasada e prejudicada qualitativamente na presen-ça de deficiência do sistema sensorial auditivo. Osurgimento da produção canônica de sílabas(canonical babbling) apresenta, em lactentes sau-dáveis, uma variabilidade tão baixa, que foi recomen-dado como uma medida para o diagnóstico precocede deficiências auditivas44. Assim, verifica-se que,embora a competência comunicativa esteja funda-mentada em atributos inatos, a organização da fala éconseqüência de ambos, uma organização sensório-motora íntegra e um aporte de estímulos auditivosadequado.

Comunicação não-vocal através demímica e gestos

Padrões de movimentos musculares coorde-nados transmitem informações sobre o estadoemocional e sobre o estado de vigilância da cri-ança. Nossa atenção dirige-se, sobretudo, para aface, na busca dessas informações. Fronte, sobran-celhas, olhos, lábios e boca são os pontos de refe-rência a partir dos quais movimentos muscularescoordenados espelham e informam sobre o esta-do emocional de uma pessoa. Da mesma forma,os movimentos e o posicionamento da cabeça,das mãos e dos braços também podem auxiliarno reconhecimento de estados emocionais. Emindivíduos adultos, tais movimentos reforçam ounegam as expressões verbais. Isto é chamado demetacomunicação35.

As formas de comportamento comunicativonão-verbal durante o primeiro ano de vida, exce-tuando-se o sorriso inato, o choro e a direção doolhar, têm sido pouco estudadas, mesmo apesarda comprovação, desde já algum tempo37, da ca-pacidade do lactente de produção de expressões

faciais representativas de estados emocionais.

A capacidade do bebê de expressar emoçõestorna-se gradativamente mais diferenciada deacordo com o seu desenvolvimento cognitivo.Este processo pode ser descrito de maneira sucin-ta: a transição da expressão de dor, já presente aonascimento (e exclusivamente sendo uma reaçãovisceral), para uma expressão de desconsolo oufrustração no segundo ou terceiro mês ocorre emconseqüência do aparecimento dos processos dereação circular primária e antecipação simples29.Mais posteriormente, no primeiro ano de vida, aevolução algo tardia da primitiva expressão de dorem expressão de raiva decorre provavelmente dacrescente capacidade da criança de apreensão decausalidade e intencionalidade. Nesta mesma di-reção, em conseqüência do desenvolvimento doprocesso de permanência de objeto, evolui a ex-pressão de preocupação para incluir a expressãode medo. Entre o terceiro e o sexto mês de vida acriança já sorri ao ver sua mãe, mais freqüente-mente do que o faria ao observar objetos. Na ida-de de seis meses o sorriso acompanha os atos es-pontâneos e intencionais de busca e alcance deobjetos, e da mesma forma o sorriso passa a serutilizado regularmente no controle de interaçãosocial, ao provocar adultos trazendo-os para situ-ações de jogos, como, por exemplo, no ato deexperimentar objetos29.

Enquanto as formas de expressão não-verbaisocorrem preponderantemente diante de estadosemocionais positivos ou negativos, existem ou-tras formas de expressão que ocorrem especial-mente diante de estados neutros de vigilânciaatenta (attentional state), como, por exemplo, opointing, a extensão do dedo indicador no atode apontar. Lactentes mais velhos e crianças pe-quenas utilizam-se de outros gestos como auxíliopara diferentes propósitos de comunicação. Quan-do da ocasião do surgimento das primeiras pala-vras, a criança utiliza-se de gestos, que servempara que objetos e situações possam ser identifi-cados, descritos, solicitados, rejeitados ou, ainda,servem para atribuição de predicados1, 5, 6, 13, 14, 57.

O uso de mímica e gestos pode ser observadoem crianças surdas que desenvolvem espontane-amente uma linguagem de sinais, que, tal comoa linguagem verbal, está representada no hemis-fério cerebral esquerdo. Diante de uma lesão do

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hemisfério esquerdo pode ocorrer uma afasia paralinguagem de sinais. Lactentes saudáveis, tendoaprendido uma linguagem de sinais no primeiroano de vida, encontram-se em melhores condi-ções para a produção de mensagens com simbo-lismo1. Disto se infere, para alguns autores, queestes achados constituem-se em indicadores daprecondição temporal dos símbolos gestuais norepertório comunicativo da criança1.

Principalmente o pointing confirma-se como umahabilidade ou competência que, surgida precocemen-te, revela-se significativa para o posterior desenvolvi-mento da linguagem. Tem sido observado que a cri-ança começa, no segundo mês de vida, a produzirmovimentos coordenados de mãos, braços e dedosem situações de interação social58, 60.Semelhantemente, têm sido relatadas observaçõesdos movimentos de mãos e dedos, em interaçõessociais, de lactentes cegos desde o nascimento31. Aosdois e três meses de vida, o pointing ocorrefreqüentemente antes e após vocalizações e movi-mentos bucais (mouthing), e aos seis meses, diantede comportamento de orientação frente a um obje-to29. No último trimestre do primeiro ano de vida, opointing evolui como uma forma específica de no-meação e indicação gestual. A avaliação de algumasformas de comunicação não-verbal pode ser utiliza-da como meio diagnóstico auxiliar, com possível apli-cação prática57. Entre os gestos utilizados na comuni-cação é sobretudo o pointing o melhor preditor dodesenvolvimento da linguagem a partir do início dafase de palavras isoladas, aos nove meses de idade57.

Cognição e aquisição da linguagem noprimeiro ano de vida

A capacidade para discriminação de categoriase classes de fonemas é importante para o surgi-mento da competência lingüística. O desenvolvi-mento cognitivo encontra-se associado ao desen-volvimento da percepção seletiva visual e auditivaatravés do processo de construção de classescategoriais. Inicia-se cedo no desenvolvimento dobebê uma forma de ordenação e classificação defenômenos acústicos e visuais, que revela a pre-sença e a importância dos processos cognitivos parao desenvolvimento posterior da linguagem22.

Mesmo que não se possa falar propriamenteda ocorrência de linguagem nos primeiros mesesde vida, podem-se encontrar aí os seus primeiros

traços. Conforme Bruner, para o estudo dos pre-cursores da linguagem, devemos dirigir nossaatenção para o problema da construção das rela-ções entre sinais e objetos (referenceproduction)14, 15. O desenvolvimento de proces-sos para a apropriação e utilização de umataxonomia delimitada seria, a seu ver, o proble-ma psicológico principal do período pré-lingüístico. Estes processos são por ele denomi-nados de indicating, deixis e naming. Indicatingrefere-se aos gestos e vocalizações que produzemo direcionamento da atenção do interlocutor paraum objeto, uma ação ou um estado. Deixis refere-se à manipulação de contextos temporoespaciais,os quais contribuem para o surgimento de um sis-tema de referência conjunta (joint reference).Naming refere-se a um léxico padrão, o qual é uti-lizado no ambiente familiar da criança e de seucuidador. Conforme achados de observações,pode-se identificar a presença do processo deindicating em lactentes já aos quatro meses de ida-de14.

A fim de exemplificar melhor os conceitos aci-ma tomaremos a situação habitual de um bebêfaminto, o qual procura informar sua mãe de quetem fome através de movimentos do olhar emdireção à cozinha, alternando com curtas vocali-zações lamentosas (indicating). A mãe, ao acom-panhar o insistente olhar de sua criança, traz-lheentão algo para comer. Toda a situação em si ofe-rece um contexto global, no qual hora, local eobjetos contribuem para a referência ao horárioda comida e ao comer (deixis). Assim formam-seassociações entre comportamento, contexto e pa-lavras (sinais acústicos), fechando o processo donaming.

Resumindo, o papel do desenvolvimento cogni-tivo para o desenvolvimento da linguagem, nolactente, pode ser compreendido através do de-senvolvimento da capacidade de imitação ativa,da integração sensorial, da intencionalidade e daapreensão de causalidade, os quais conduzem acompetência comunicativa na direção do desen-volvimento da linguagem verbal.

Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Furtado

Desenvolvimento da linguageme psicopatologia

Tem sido discutida intensamente a questão darelação entre as formas de comportamento comu-

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nicativo que se iniciam nos primeiros meses de vidae o desenvolvimento de psicopatologia29. A compe-tência comunicativa de um bebê aos três meses deve,no entanto, sobretudo influenciar o seu momentoatual do desenvolvimento muito mais do que de-monstrar utilidade para qualquer outro momentono desenvolvimento futuro. As possíveis conseqü-ências futuras acontecerão através de um complexomecanismo de interação entre fatores individuais econdicionantes ambientais49.

O significado atual da interação social paralactentes aos três meses foi investigado atravésda observação experimental do desempenho delactentes em um exercício de contingência não-social, logo após uma interação com suas mães.Através disto foi confirmada uma relação entre aduração de episódios de diálogo vocal mãe–filhoe o desempenho do bebê21. Isto fala a favor deuma relação precoce entre operações comunica-tivas e favorecimento de competência cognitiva.

Durante a fase pré-lingüística, são encontra-dos problemas do desenvolvimento da linguagemjunto a determinados transtornospsicopatológicos precoces, sobretudo nos chama-dos transtornos globais do desenvolvimento52.Autismo é um exemplo extremo da relação entreprejuízo da competência comunicativa esurgimento de um complexo quadro deadoecimento psíquico. A produção de sílabas emcrianças portadoras da síndrome autista apresen-ta-se prejudicada qualitativa e quantitativamentejá no primeiro ano de vida53. Cerca de 15% dosirmãos de crianças autistas apresentam transtor-nos da linguagem, dificuldades de aprendizageme/ou um retardo52. Distúrbios da comunicação sãoencontrados com maior freqüência em famíliasque possuem um membro portador de autismo52.

O papel da competência comunicativa e da lin-guagem para o desenvolvimento de transtornospsicopatológicos pode ser reconhecido através daalta prevalência de problemas psiquiátricos em cri-anças com distúrbios da linguagem7. A maioria dosestudos que se ocuparam desta questão foi realiza-da com crianças em idade escolar e pré-escolar26. Seincluirmos também o grupo das crianças com trans-tornos cognitivos parciais ou específicos, os quaissão em boa parte caracterizados por apresentaremdistúrbios da fala e da linguagem, reconheceremosque não somente a psicopatologia atual, mas tam-

bém características de desempenho (as quais ser-vem corriqueiramente como preditores que prog-nosticam problemas psiquiátricos), incluemfreqüentemente transtornos da linguagem25. Trans-tornos da leitura e da escrita podem ser compreen-didos, da mesma forma, como problemas das fun-ções responsáveis pela linguagem39.

Em vista disto, tem-se um largo espectro emque os elementos da competência comunicati-va em evolução (a pragmática, a percepção, aexpressão, etc.) relacionam-se de alguma formacom o desenvolvimento de psicopatologia. Apresença de processos lingüísticos prejudicadosocorrendo em variados padrões de transtornos17

torna a nossa procura de uma relação direta en-tre ambos os fenômenos mais difícil. Entretantoé óbvio que com a progressão do desenvolvi-mento da criança as relações entre linguagem ecognição aumentam de forma crescente55. A lin-guagem incorpora-se como uma ferramenta pre-ciosa para o desenvolvimento cognitivo, influ-enciando o raciocínio, as concepções de tempoe espaço, a expressão de sentimentos e a forma-ção de conceitos. A linguagem participa aindacomo uma ferramenta fundamental para a for-mação de categorias mentais, idéias e concei-tos17, 53, 55.

Ao considerarmos os precursores da linguagem,através da avaliação da competência comunicativano bebê, poderemos mapear os processospsicopatológicos ao longo do desenvolvimento. Osfatores que contribuem para desvios do desenvolvi-mento normal da competência comunicativa no pri-meiro ano de vida podem ser classificados em pri-mários ou secundários, ou, ainda, condicionadoshereditariamente ou ambientalmente. No bebê, en-contramos variações normais do desenvolvimentocognitivo41, da reatividade diante de interação hu-mana, da sensibilidade social, da produção vocal,etc. Lactentes são parceiros ativos em uma interaçãoe, portanto, suas características de desempenho po-dem influenciar a qualidade da interação mãe–filho.Bebês que produzem mais vocalizações positivas re-cebem mais freqüentemente uma resposta verbal e,através disto, são conseqüentemente mais estimula-dos. Portanto as vocalizações positivas do bebê têmconseqüências para o desenvolvimento de uma boainteração mãe–filho e, por conseguinte, para o seupróprio bom desenvolvimento da linguagem38. A

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interação desses fatores, em situações de déficits, podecontribuir para o desenvolvimento de psicopatologia.

A constatação de uma continuidade dos elemen-tos pré-lingüísticos até a linguagem presente na ida-de escolar e pré-escolar5 e a sua relação compsicopatologia3, 10, 17, 24, 43 falam a favor de um maiorinvestimento em pesquisas no campo da comuni-cação e da psicopatologia no primeiro ano de vida.

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O investimento na investigação de processospatológicos do desenvolvimento, reconhecido hojecomo uma disciplina acadêmica autônoma,a psicopatologia do desenvolvimento, poderá con-tribuir ainda mais para o desenvolvimento de meiose instrumentos mais efetivos para o diagnóstico etratamento precoces de transtornos psiquiátricos dainfância e da adolescência54, 56.

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Endereço para correspondência

Erikson Felipe Furtado

Departamento de Neuropsiquiatria e PsicologiaMédica da Faculdade de Medicina de RibeirãoPreto – Universidade de São PauloAv. dos Bandeirantes 3.900 – Campus da USPCEP 14049-900 – Ribeirão Preto-SP

e-mail: [email protected]

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

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R e s u m oO tratamento de doenças psiquiátricas na gravidez é complexo, implicando decisões clínicas difíceis, sem contar-se com

dados da literatura que embasem amplamente estas decisões. O transtorno afetivo bipolar é comum em mulheres em idadefértil, e há alto risco de ocorrência de manifestações clínicas na gravidez e no período pós-parto. Os autores revisam o conheci-mento atual sobre o uso de psicotrópicos para episódio maníaco na gravidez e o efeito no desenvolvimento fetal e da criança.Enfatizam que, hoje, o uso de psicotrópicos na gravidez é apropriado em muitas situações clínicas, mas nenhuma decisão écompletamente isenta de risco. Também apresentam uma proposta de manejo da doença em relação ao uso de psicotrópicos nagravidez, para pacientes com transtorno bipolar, e para aquelas que desejam engravidar.

Unitermosmania; transtorno bipolar; gravidez; psicofarmacologia; manejo; tratamento

S u m m a r y

The management of psychiatric disorders during pregnancy is complex, including clinical decisions which are difficult, and there is nosufficient data regarding this management in medical literature. Bipolar disorder occurs commonly in women during childbearing years, andthere is high risk of recurrence during pregnancy and postpartum period. The authors review the existing data regarding the use of psychotropicagents in mania, and the impact on infant and childhood development. It is emphasized that nowadays the use of psychotropic medicationsduring pregnancy is appropriate in many clinical situations, but no decision is risk-free. Moreover, a guideline is presented for psychotropicdrug use during pregnancy and for bipolar women who wish to conceive.

Unitermsmania; bipolar disorder; pregnancy; psychopharmacology; management; treatment

1Pediatra; residente de Psiquiatria do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp).2Professor-assistente; doutor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.3Professor livre-docente do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Recebido em: 06.11.02

Aprovado em: 09.12.02

Mania e gravidez: implicaçõespara o tratamento farmacológico

e proposta de manejoMania and pregnancy: issues related to pharmacologictreatment and management proposalGabriel Ferreira Pheula1; Cláudio Eduardo Müller Banzato2; Paulo Dalgalarrondo3

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 97-107, 2003

Introdução tamental associado ao transtorno mental40. Estesefeitos incluem recusa a cuidados pré-natais, in-capacidade de seguir orientações médicas, des-nutrição, abuso e dependência de álcool e dro-gas, tabagismo, risco de suicídio e deauto-indução de parto, além de alteração da ca-

Transtornos psiquiátricos graves causam umasérie de riscos para a mulher gestante e para ofeto, sendo estes proporcionais a fatores como in-tensidade dos sintomas e do descontrole compor-

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pacidade de julgamento, incluindo risco de rela-ção sexual sem proteção. Desta forma, são relati-vamente previsíveis os riscos de uma gestante comtranstorno psiquiátrico grave sem tratamento1.

Existem poucos estudos a respeito da evolu-ção e do tratamento do transtorno bipolar na gra-videz, assim como sobre os quadros maníacos ehipomaníacos que eclodem especificamente du-rante a gestação. Dados iniciais indicaram que agravidez seria considerada fator de proteção paradoenças afetivas em geral, além de diminuir o ris-co de suicídio22. No entanto, atualmente estes da-dos são questionados, e há evidências de alto ris-co da ocorrência de transtornos de humor emmulheres em idade férti l, com o pico deprevalência ocorrendo entre 25 e 44 anos35.

A conduta médica padrão tradicionalmente in-cluía até há pouco tempo a suspensão da medica-ção3. Entretanto é sabido que pacientes psiquiátri-cos constituem população com alta prevalência degravidez indesejada40 devido à freqüente falta deinsight da doença, menor planejamento e controlecomportamental, além da possível interaçãomedicamentosa entre anticoncepcionais e psicotró-picos, reduzindo a efetividade daqueles35.

Preocupados com a carência de dados sobreeste tema, Viguera et al.40 estudaram a evoluçãoda doença bipolar em 101 pacientes divididas en-tre gestantes e não-gestantes, todas mantidas semmedicação por 40 semanas. Verificaram que o ris-co de recorrência foi igual entre as duas popula-ções durante a gravidez, mas foi maior no perío-do pós-parto do que nas pacientes não-grávidas.Também constataram que o risco de recorrênciafoi maior em pacientes que fizeram retirada rápi-da da medicação (menos de duas semanas) e empacientes que tiveram quatro ou mais episódiosde doença afetiva anterior. Desta forma, a retira-da abrupta da medicação pode contribuir paraum alto risco de recorrência.

Kastrup et al.18 verificaram um aumento deoito vezes nas admissões hospitalares de pacien-tes bipolares no primeiro mês de gestação. As-sim, considera-se que, em média, com a retiradalenta da medicação, o risco de recaída é igual entregestantes e controles nos primeiros seis meses,sendo de cerca de 50%39. Sharma et al. relataramos casos de três pacientes portadoras de transtor-no bipolar do tipo II que se mantiveram eutímicase sem medicação durante a gestação, sugerindoque, possivelmente, pacientes com transtorno

bipolar do tipo II talvez tenham uma melhor res-posta a esta conduta34.

A exposição a drogas psicotrópicas envolve umasérie de riscos ao feto, os quais incluemmalformações orgânicas decorrentes da exposiçãono período da embriogênese (primeiras 12 sema-nas), síndromes perinatais pelo uso da droga noperíodo próximo ao parto, além de alteraçõesneurocomportamentais de aparecimento tardio,geralmente no período escolar, surgindo na formade retardo de amadurecimento comportamental eproblemas de aprendizagem1, 3.

O objetivo deste estudo é fazer uma revisão deliteratura sobre o tema, apresentar alguns casosilustrativos e formular uma proposta de manejo demania na gestação, considerando o conjunto deevidências atuais à disposição na literatura.

Uso de psicotrópicos em episódiomaníaco na gestação

As drogas utilizadas em episódios maníacosincluem os estabilizadores do humor, que com-preendem o lítio e os anticonvulsivantes, nota-damente a carbamazepina e o ácido valpróico,além de outros mais recentes: a lamotrigina, otopiramato e a gabapentina. Também são utiliza-dos os antipsicóticos para controle de sintomaspsicóticos e agitações psicomotoras graves, alémde benzodiazepínicos em quadros de inquietudee agitação importantes33.

A Food and Drug Administration (FDA) nãoaprovou nenhuma das drogas psicotrópicas parauso na gestação, a despeito do uso freqüente35.Logo, constitui-se em um dilema, nestes casos,verificar a relação entre o risco de exposição aosefeitos teratogênicos de uma droga contra o im-pacto da doença não-tratada, em relação ao prog-nóstico materno e fetal. Baseada nesta premissa,a FDA elaborou um protocolo de estratificaçãode risco na gestação, a fim de auxiliar na decisãoclínica (Quadro 1Quadro 1Quadro 1Quadro 1Quadro 1).

Os estudos sobre as estimativas de risco ma-terno-fetal na gestação são, na sua maioria, dostipos caso-controle ou coorte retrospectivo e, de-vido à limitação metodológica inerente, apresen-tam maior freqüência de bias e fatores de confu-são, com menores validades interna e externa35.

Não há ensaios clínicos randomizados, do tipoduplo-cego, prospectivos e controlados sobre o as-

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sunto, devido ao imperativo ético. Considerando-se isto, tem-se discutido a real validade de uma estra-tificação de risco conforme a descrita acima, pois naépoca ainda não havia metanálises sobre o assunto,as quais aumentaram o poder estatístico destes es-tudos pelo aumento da amostra. Baseados nisto,Viguera et al.38 propuseram, em 2002, uma novaclassificação das drogas psicotrópicas conforme opotencial teratogênico. O Quadro 2Quadro 2Quadro 2Quadro 2Quadro 2 apresenta aspropostas de classificação das drogas utilizadas emquadros maníacos de transtorno bipolar, conside-rando as duas formas de estratificação citadas.

A seguir, é feita uma breve revisão das evidên-cias disponíveis sobre risco de uso dos principaispsicofármacos utilizados nos episódios maníacos

de transtorno bipolar. Neste trabalho, o risco deuso de um psicofármaco será muitas vezes expos-to utilizando-se o conceito de risco relativo (RR). Orisco relativo é a medida de associação comumenteutilizada nos estudos de coorte, compreendendo arelação entre a incidência de malformação, ou ou-tro desfecho clínico, em fetos expostos ou não aofármaco, e o fator em estudo. Desta forma, o valorexpressa a força ou magnitude da associação en-tre o fator e a resultante clínica. Assim, valoresmenores que 1 indicam que o fator confere prote-ção para o desfecho (a ocorrência demalformações). Caso o valor seja igual a 1, não hárelação entre os dois, e, se for maior do que 1, in-dica um risco maior para o evento clínico.

Quadro 1 – Estratificação de risco na gravidez, segundo o FDA3

A – Estudos controlados não mostram risco. Estudos adequados e bem controlados em mulheres grávidas nãodemonstraram risco no feto.

B – Não há evidência de risco em humanos. Os estudos em animais ou não mostram riscos, ou mostram, mas nãoem humanos.

C – Risco não pode ser descartado. Não existem estudos em humanos, e os estudos em animais ou mostram riscosno feto ou não existem. Entretanto os benefícios podem superar os riscos.

D – Evidência positiva de risco. Dados de investigação ou pós-comercialização mostram risco para o feto. Entretantoos benefícios podem superar os riscos.

X – Contra-indicada na gravidez. Estudos em animais ou humanos, ou dados de investigação ou pós-comercialização,mostram risco fetal que claramente supera qualquer benefício ao paciente.

Quadro 2 – Classificação das drogas utilizadas em episódios maníacos, segundo as formas de estratificação9, 38

Droga Classificação do FDA (2000) Classificação de Viguera et al. (2002)

Lítio D Risco moderadoCarbamazepina C Alto riscoÁcido valpróico D Alto risco

Anticonvulsivantes novosGabapentina C Risco desconhecidoLamotrigina C

BenzodiazepínicosClonazepam C Não-avaliadoAlprazolam DClordiazepóxido DDiazepam DLorazepam D

Antipsicóticos típicosHaloperidol C Baixo risco (preferir os de alta potência)Clorpromazina CLevomepromazina CTioridazina CTrifluoperazina C

Antipsicóticos atípicosRisperidona C Risco desconhecidoOlanzapina CQuetiapina CClozapina B

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Lítio e gravidez

Em relação ao lítio, os relatos iniciais do Inter-national Register of Lithium Babies revelaram ta-xas significativas de malformações cardíacas emfetos expostos no período pré-natal, principal-mente anomalia de Ebstein (má disposição dosfolhetos tricúspides, com decorrente insuficiên-cia tricúspide, dilatação de ventrículo direito e,ocasio- nalmente, defeito de septo ventricular),sendo o risco relativo (RR) de 40031. Estudos maisrecentes revelaram que houve limitaçõesmetodológicas, com superestimação dos efeitos,pois os dados analisados eram provenientes derelatos voluntários dos médicos25.

Cohen11 avaliou todos os estudos publicados até1994, com delineamento de coorte e caso-contro-le. Deste, o único estudo de coorte com validadeinterna foi o de Kallen17, que encontrou um RR de 3para malformações gerais e de 7,7 paramalformações cardíacas, sendo que os outros apre-sentaram baixa prevalência de casos. O outro estu-do, de Jacobson16, avaliou 148 usuárias de lítio noprimeiro trimestre, pareado com controles, tendoencontrado um feto com anomalia de Ebstein entreos casos e um lactente no grupo de controle comdefeito de septo ventricular. Na revisão de Cohen,os quatro estudos de caso-controle avaliadostotalizaram 200 crianças com anomalia de Ebstein,sendo que nenhuma delas apresentou mãe usuáriade lítio. Concluiu, então, que existe um maior RRcom o uso de lítio (incidência de 1/1.000-1/2.000)em relação à população geral (incidência de 1/20.000, ou seja, risco de 10 a 20 vezes). Desta for-ma, identificou-se que a prevalência de anomalia deEbstein em usuárias de lítio é de 0,05% a 0,1%, detal forma que o risco absoluto foi considerado pe-queno. O risco absoluto considera a magnitude dorisco relativo em termos populacionais, sendo pe-queno pela baixa prevalência do efeito teratogênico.Em termos gerais, considera-se que a melhor esti-mativa do risco de malformações congênitas maio-res em fetos de usuárias de lítio na gestação situa-seentre 4% e 12%, sendo de 2% a 4% na populaçãogeral11.

O uso de lítio não foi associado a alteraçõesneurocomportamentais. Existem dois relatos de as-sociação de poliidrâmnio com uso de lítio no se-gundo trimestre, possivelmente relacionados com aocorrência de diabetes insípido nefrogênico5. Em umdeles, o neonato apresentou sinais de intoxicaçãoao nascimento, conforme descrito abaixo. No en-tanto o uso no terceiro trimestre pode estar associa-

do, principalmente em níveis tóxicos, com bóciofetal, além de efeitos no neonato decorrentes de in-toxicação, incluindo cianose, hipotonia,hepatomegalia, sangramento gastrintestinal, convul-sões e alterações cardíacas (bradicardia, flutter atrial,inversão de onda T), os quais são reversíveis em setea 14 dias3.

Anticonvulsivantes usados comoestabilizadores do humor e gravidez

A carbamazepina, na gestação, está associada aum risco duas vezes maior de malformações, parti-cularmente espinha bífida35. Ocorre em 1% dos ca-sos, sendo que, na população geral, a incidência éde 0,03%35. Esta malformação, que ocorre após ex-posição nos dois primeiros trimestres, é ainda maisprevalente com o ácido valpróico, ocorrendo em 3%a 6% dos casos. Também há relatos de autismo as-sociado a exposição ao ácido valpróico no primeirotrimestre, além de malformações cardíacas e de os-sos longos42. Os dois fármacos podem causar a cha-mada face anticonvulsivante, antigamente relacio-nada apenas com a fenitoína. Esta caracteriza-se porhipoplasia de região média de face, com nariz cur-to, narinas evertidas e lábio superior longo. Não háevidências de alterações neurocomportamentais re-lacionadas a anticonvulsivantes usados para o trata-mento de doença bipolar, ao contrário da fenitoína,cujo uso na gestação está associado a retardo dedesenvolvimento neuropsicomotor no lactente1, 32.A carbamazepina, usada no terceiro trimestre, tam-bém pode causar uma deficiência reversível e transi-tória de fatores de coagulação dependentes de vita-mina K, com risco de hemorragia cerebral noneonato24. Além disso, uma paciente que usou, paraprofilaxia de doença bipolar na gravidez, 400mg/dia de carbamazepina na gestação, deu à luz umneonato apresentando neuroblastoma de supra-re-nal com metástases cutâneas, não sendo, entretan-to, encontrada possível relação causal entre as duascondições clínicas7.

Em uma recomendação publicada em 2002,a Academia Americana de Psiquiatria5 preconizaque mulheres que mantiverem o uso deestabilizadores de humor na gestação devem rea-lizar dosagem de alfafetoproteína para triagem dedefeitos do tubo neural antes da 20ª semana degestação, com realização de amniocentese emcaso de valores alterados. Também indica a reali-zação de ecocardiografia fetal de alta resoluçãoentre 16 e 18 semanas para detecção de anoma-lias cardíacas. Deve ser feita dosagem sérica fre-

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qüente da medicação, pois as alteraçõeshemodinâmicas da gravidez predispõem à into-xicação. A Academia Americana de Pediatria3 ori-enta o consumo diário de 0,4mg de ácido fólicoem mulheres em idade fértil, para prevenção dedefeitos de tubo neural. Se houver história de fetoanterior portador destes defeitos ou uso de medi-cação que os predisponha, aumentar a dosagempara 4mg/dia.

Como as drogas anticonvulsivantes estão as-sociadas a maior incidência de malformações doque o lítio, elas não são, em princípio, recomen-dadas na gravidez31. Além disso, em casos de reti-rada do lítio, não é recomendada a troca deestabilizador do humor em pacientes sem respostaa outras medicações, pois a gravidez não é, reco-nhecidamente, um momento para experimentarnovos fármacos35. Não existem estudos com usode anticonvulsivantes novos também usadoscomo estabil izadores do humor, comolamotrigina, gabapentina e topiramato35.

Antipsicóticos e gravidez

O uso de antipsicóticos pode ser consideradoem pacientes bipolares que apresentam piora clí-nica na gravidez, não estando em uso de esta-bilizador do humor, principalmente para episó-dios maníacos e para pacientes com história detranstorno bipolar e predomínio de episódios ma-níacos. Além disso, os antipsicóticos podem serconsiderados substitutos do lítio no tratamentode episódios maníacos na gestação5. No entantoestas drogas não têm eficácia na prevenção deepisódios depressivos. Os antipsicóticos são con-siderados classe C na escala do FDA, ao contráriodos estabilizadores de humor, que são, com ex-ceção da carbamazepina, classe D. Há um leveaumento de risco, não-específico, para malfor-mações induzidas por exposição, no primeiro tri-mestre, a antipsicóticos de baixa potência1. Esteestudo foi realizado com uso de clorpromazinapara gestantes com hiperêmese, cujas doses são,geralmente, menores do que para episódios ma-níacos27. Estudos retrospectivos e prospectivos nãorevelaram relação do haloperidol com ocorrên-cia de malformações. Existem dois relatos, comavaliação de alguns lactentes expostos, que nãomostraram evidência de malformações comrisperidona e clozapina21, 41.

Não há consenso sobre a ocorrência dealterações na avaliação neurocomportamental a

longo prazo. Desta forma, considera-se que osantipsicóticos sejam efetivos como substitutos dolítio no tratamento de episódios maníacos durantea gestação, com eficácia discutível na profilaxia5,

11. Entre eles, são preferidos os antipsicóticos dealta potência, pois, além de terem menores efeitosanticolinérgicos, anti-histamínicos e hipotensores,não há evidência de malformações com uso de halo-peridol, tiotixeno, trifluoperazina e flufenazina3, 5. Ouso de preparações de longa ação (depot) deveser evitado pelo risco de efeitos tóxicos no neo-nato3. Da mesma forma, o uso de antipsicóticosdeve ser evitado no terceiro trimestre, pelo riscode efeitos extrapiramidais no neonato.

Benzodiazepínicos e gravidez

Também os benzodiazepínicos têm sido pro-postos para o tratamento de episódios maníacos5.Os benzodiazepínicos foram, em estudos realiza-dos com o diazepam, tradicionalmente associa-dos com a ocorrência de anormalidades orofaciais,principalmente fenda palatina28. Uma metanáliseque examinou os estudos caso-controle realiza-dos mostrou um aumento do risco relativo de fen-da palatina, embora com risco absoluto peque-no12.

Entre os vários benzodiazepínicos, oalprazolam mostrou maior associação, com inci-dência de 0,7% em casos de exposição no pri-meiro trimestre contra 0,06% na população ge-ral1. No entanto dois estudos prospectivos, queavaliaram cerca de 250 gestantes usuárias dealprazolam no primeiro trimestre, não verificaramalterações no neonato30, 36. O clonazepam, um dosbenzodiazepínicos considerados de escolha empacientes maníacos, em virtude de sua maior po-tência para controle de ansiedade e agitação, é oúnico considerado classe C pelo FDA, devido àausência de estudos do tipo caso-controle emhumanos, sendo os outros da classe D9. Um estu-do com limitações metodológicas observou, em19 grávidas usuárias de clonazepam, a presençade malformações em três neonatos26. Desta for-ma, como verificou-se alguma evidência de rela-ção com malformações, pode estar indicada, emusuárias de clonazepam, triagem com ecografiafetal entre 18 e 20 semanas de gestação3.

Os benzodiazepínicos podem causar efeitosneonatais, incluindo a síndrome floppy infant(hipotonia, baixo escore de Apgar, hipotermia e baixatolerância ao frio), ocorrendo logo após o parto em

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lactentes que desenvolveram dependência intra-úte-ro da droga. Além disso, podem ser observados, noneonato, sintomas de abstinência, que geralmenteocorrem por até três semanas após o parto. A fim dediminuir a prevalência dos efeitos neonatais, suge-re-se retirada lenta da medicação nas duas semanasanteriores ao parto, sendo esta retirada mais lentaquanto mais grave for o transtorno de ansiedade dapaciente, de tal forma que, a pacientes graves oucom dependência importante da medicação, é re-comendada a manutenção da medicação, pelo altorisco de síndrome de abstinência ou retorno dos sin-tomas na gestante3.

Não há consenso sobre a ocorrência de alte-rações neurocomportamentais induzidas porbenzodiazepínicos3. Desta forma, os benzodia-zepínicos mais indicados na gestação são os demeia-vida curta e com ausência de metabólitosativos. Preenchem estes critérios o alprazolam eo lorazepam. Como o primeiro tem maior associ-ação com fenda palatina, além de, pela maior po-tência, estar associado à síndrome de abstinênciamais intensa, o lorazepam é preferido3. Em paci-entes portadores de transtornos de ansiedade, temse dado preferência ao uso de antidepressivostricíclicos ou inibidores de recaptação de sero-tonina, os quais não têm demonstrado relaçãocom a ocorrência de malformações20.

ECT e gravidez

Em virtude do exposto acima, que evidenciaa existência de poucos estudos a respeito do efei-to de medicações psicotrópicas em fetos expos-tos, tem ocorrido uma discussão referente ao usode ECT em gestantes em episódio maníaco. Con-siderando-se a teratogênese, o uso de anestési-cos de ação curta para o ECT pode trazer menorrisco ao feto do que o uso de estabilizadores dohumor, podendo ser considerado uma alternati-va para o caso de episódios graves de transtornodo humor na gravidez5.

Em relação às respostas hormonais na gravi-dez, um relato revelou aumento do nível séricode vários hormônios durante ECT, incluindoocitocina15. Teoricamente, então, poderia haverindução de contrações miometriais durante a cri-se convulsiva. No entanto, em uma revisão de 300casos de ECT na gestação, houve dois casos decontrações uterinas iniciadas logo após o ECT, semdesencadeamento de parto prematuro, além decinco casos de arritmias fetais transitórias29. Os

casos com precipitação de parto ocorreram noterceiro trimestre: em um, houve hipertensão tran-sitória após o ECT (180 x 90mmHg), com des-colamento prematuro de placenta em uma mãede 35 anos; no outro, houve contrações uterinase sangramento vaginal após o ECT, com parto sen-do desencadeado após realização de um enema.Este último relato data de 1948, quando as técni-cas de realização eram diferentes10, 29.

Não existem estudos controlados realizados so-bre o assunto, sendo todos relatos de caso, os quaistambém não encontraram malformações que pos-sam ter sido relacionadas ao procedimento, consi-derando a época e o tipo de anomalia. Desta forma,os relatos são favoráveis ao uso de ECT. Consideran-do-se os riscos do uso de psicotrópicos e a ausênciade tratamentos que sejam, simultaneamente, segu-ros e com alta eficácia na gravidez, pode ser um tra-tamento factível. Assim, a gestação é um fator rele-vante para a indicação de uso de ECT em episódiosmaníacos graves29. Atualmente, considera-se que,pelo fato de proporcionar uma resposta em curtoprazo, o ECT deve ser considerado em casos de ins-tabilidade importante da doença psiquiátrica, comrisco fetal imediato13.

Em 1990, a Academia Americana de Psiquia-tria elaborou uma série de recomendações sobreo uso de ECT na gestação6, que inclui avaliaçãoobstétrica prévia para verificação de fatores de ris-co materno e fetais, inclusão de obstetra na equi-pe do procedimento, decúbito lateral esquerdo eelevação do quadril em gestantes acima de 20 se-manas (diminui a compressão aortocava, commenor hipoperfusão uterina), fazer tocodina-mometria antes do ECT (para verificar a ocorrên-cia de contrações, em casos de difícil anamnese eexame físico), monitoração contínua da freqüên-cia cardíaca fetal durante o procedimento, hidra-tação prévia por via parenteral, realização em salade parto (com equipe preparada para desenca-deamento de trabalho de parto), administraçãode betametasona para maturação pulmonar fetal.Ressalta, também, que o consentimento informa-do é essencial, com participação ativa da famíliana decisão terapêutica.

Relato de casos ilustrativos

A seguir será relatado um caso da literatura queevidencia decisão clínica de tratamento de trans-torno afetivo na gravidez. Após, dois casos acom-panhados em nosso serviço são apresentados.

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Finnerty et al.14, em 1996, relataram um caso deuma paciente de 33 anos com diagnóstico de trans-torno bipolar do tipo I. A paciente usava, como ma-nutenção, valproato e lorazepam, sendo suspensosno quarto mês de gestação, quando esta foi desco-berta. Tinha história de sete hospitalizações por qua-dros de mania, dois dos quais se resolveram apenascom ECT. Logo após a retirada da medicação, come-çou com insônia e humor exaltado, sendo indicadahospitalização para manejo. Iniciou comuso de haloperidol 10mg/dia, sendo aumentadopara 20mg/dia após três dias, juntamente comclonazepam 2mg/dia. Paciente evoluiu com piora doquadro, com episódios freqüentes de agitaçãopsicomotora. Tentou-se a troca do antipsicótico paraclorpromazina 400mg/dia, por boa resposta em epi-sódios anteriores, mas a paciente desenvolveuhipotensão grave. A dose do haloperidol foi, então,aumentada até 28mg/dia e trocado o benzodia-zepínico para lorazepam 14mg/dia, sem melhora.Além disso, a paciente era portadora de diabetesmelito e, devido ao padrão irregular de dieta, houvepiora do controle glicêmico. Após dez dias de evolu-ção, foi indicado iniciar ECT, por piora clínica. Deci-diu-se que o ECT seria administrado em sala de par-to, com equipe obstétrica e neonatal presente, eadministração prévia de betametasona. No entantoa paciente, antes da primeira sessão, teve rupturaprematura de membranas e oligoidrâmnio grave, sen-do realizada cesariana com 29 semanas de gestação.No pós-parto imediato, foi iniciado haloperidol 28mg/dia, valproato 500mg/dia e lorazepam 4mg/dia. Hou-ve piora abrupta do quadro maníaco a partir do se-gundo dia do puerpério, sendo que na semana se-guinte foi aumentado o valproato até 1.000mg/dia,e trocado o antipsicótico para clorpromazina2.600mg/dia, em virtude de resposta em episódioanterior. Como se manteve a piora do quadro, foi ini-ciado ECT no 12º dia pós-parto. Foi submetida a 17sessões de ECT, com melhora do quadro. A pacientereiniciou o uso de valproato após, sendo necessárioaumento da dose até 2.000mg/dia para controle totaldo quadro. No seguimento, quatro meses após, a pa-ciente mantinha quadro estável, recebendo tratamen-to de manutenção com valproato 1.250mg/dia elorazepam 2mg/dia.

Casos do serviço da Unicamp

Caso 1

Paciente com 26 anos, casada, do lar, primei-ro grau completo, com diagnóstico de transtor-

no afetivo bipolar do tipo I. O diagnóstico foi fei-to quando a paciente teve um episódio maníacocom sintomas psicóticos há dois anos e meio, ten-do melhora com lítio 600mg/dia, haloperidol10mg/dia e clonazepam 4mg/dia. Manteve amesma dosagem de lítio como tratamento de ma-nutenção. Há um ano e meio, teve um episódiodepressivo moderado, com uso de fluoxetina20mg/dia por 30 dias. Há seis meses, a pacientereferiu atraso menstrual, sendo feita a retirada ime-diata do lítio e solicitado teste de gravidez, cujoresultado foi positivo. A paciente manteve-seeutímica até 18 semanas de gestação, quando ini-ciou com quadro de insônia, distratibilidade, maiscomunicativa que o usual, aumento da auto-esti-ma e elação (dizia que falava sete línguas, quepodia curar as pessoas). Foi iniciado haloperidol3mg/dia e, em 14 dias, aumentado para 5mg/diapor ausência de resposta. Em nova avaliação apósduas semanas, a paciente mantinha o mesmo qua-dro, sendo indicada internação. Nesta, a dose dehaloperidol foi aumentada até 10mg/dia, sendoque após cinco dias a paciente começou a termelhora do padrão de sono e melhora da capaci-dade de concentração. Evoluiu com remissãocompleta do quadro, estando, atualmente, com34 semanas de gestação, com plano de manter adose de antipsicótico até o terceiro trimestre degravidez (atualmente, usando 2,5mg/dia, complano de suspensão em sete dias).

Caso 2

Paciente com 32 anos, casada, nível educaci-onal universitário, secretária executiva, com di-agnóstico de transtorno bipolar do tipo I. Apre-senta desde a adolescência períodos de apatia,inapetência e descuido consigo mesma, alterna-dos com períodos de loquacidade, gasto excessi-vo de dinheiro e redução do sono. Ambos os pe-ríodos duravam duas a quatro semanas, comremissões espontâneas. Desde os 18 anos de ida-de foi diagnosticado hipotireoidismo, fazendo elauso de Puran T4 com controle adequado dos sin-tomas. Há cinco anos, com 27 anos de idade, apre-sentou um episódio com diminuição progressivae marcante da necessidade de sono, agitaçãopsicomotora intensa, logorréia, ideação deliróide(afirmava estar grávida, sem atraso menstrual eos testes sendo negativos) e ouvia a voz da mãemorta há um ano. O episódio durou cerca de trêsmeses e remitiu com o uso de risperidona eclonazepam. Após o episódio, passou a fazer

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psicoterapia de orientação analítica duas vezes porsemana. Foi introduzido o carbonato de lítio, masela não tolerou os efeitos colaterais, nem tolerouantidepressivos tricíclicos prescritos. Desde há cer-ca de quatro anos passou então a fazer uso decarbamazepina (CBZ) 1.200mg/dia, tolerando bemesta medicação. Há três anos teve um quadrodepressivo leve após a morte de um irmão. Inten-sificou-se a psicoterapia e o quadro remitiu semmedicação psiquiátrica. Há um ano e meio mani-festou desejo de engravidar e de suspender a me-dicação, pois afirmava ser extremamente preocu-pada com possíveis danos da medicação ao bebê.Foi então retirada gradativamente, em um mês, amedicação. Engravidou há cerca de um ano. Pas-sou a gestação completamente eutímica, sem o usodo estabilizador do humor. Cinco dias após o par-to passou a sentir-se progressivamente irritada, comredução do sono, agitação psicomotora, cada vezmais ansiosa e preocupada. Passou a apresentaridéias de morte e descuido com o bebê, além dedesinibição social. Nos dias seguintes se intensifi-cou o quadro com ideação paranóide e confusa,labilidade afetiva e idéias agressivas em relação ao

bebê. Foi suspensa a amamentaçãoe introduziu-se CBZ 800mg/dia, olanzapina10mg/dia e clonazepam 1mg/dia. Em um mês apaciente apresentou remissão completa de seus sin-tomas e voltou ao estado eutímico. A olanzapina eo clonazepam foram retirados em um mês e meioapós a remissão. Manifesta nas consultas atuais fortedesejo de voltar a amamentar o bebê. Em acordocom o pediatra, tentou-se, sem sucesso,reintroduzir a amamentação com a manutençãode CBZ.

Proposta de manejo

Resumindo o que foi exposto acima, os auto-res elaboraram uma proposta de manejo de pa-cientes portadoras de transtorno bipolar que de-sejam engravidar, além de diretrizes em relaçãoao uso de psicofármacos em episódio maníacona gravidez, conforme já feito por outros auto-res1-4, 8, 19, 23, 31, 37.

Desta forma, os autores elaboraram quadros,cujo objetivo é servir como guia prático e de con-sulta rápida, a fim de facilitar o manejo do trans-torno bipolar na gravidez (Quadros 3 a 9Quadros 3 a 9Quadros 3 a 9Quadros 3 a 9Quadros 3 a 9).

Quadro 4 – Recomendações gerais para pacientes bipolares grávidas

1 – Suplemento nutricional adequado.

2 – Orientação sobre risco de álcool, tabagismo e cuidados pré-natais irregulares.3 – Intensificação de manejo psicoterápico, a fim de abordagem precoce de estressores.4 – Acompanhamento psiquiátrico com maior proximidade, com retornos ambulatoriais mais freqüentes.5 – Atenção para a recomendação universal de que, na gravidez, são preferíveis medicações mais antigas, com

maior experiência no uso e conhecimento dos possíveis efeitos no feto.6 – Também é importante considerar o bom senso de minimizar a exposição, com o uso de menores doses, no

menor tempo possível.

Quadro 3 – Recomendações para pacientes bipolares que desejam engravidar

1 – Fornecer aconselhamento genético, incluindo esclarecimento sobre a hereditariedade da doença.2 – Verificar a gravidade da doença e a capacidade de tolerância a sintomas leves com manejo psicoterápico,

a fim de indicar ou não a possibilidade de gravidez.

3 – Reavaliar padrão sazonal da doença, para planejamento da época da concepção.4 – Iniciar uso de 0,4mg/dia de ácido fólico. Se em uso de carbamazepina ou ácido valpróico ou história de

feto anterior com defeito de tubo neural, aumentar a dose para 4mg/dia.

5 – Discutir, com o paciente e a família, os riscos e benefícios do uso de medicação para gravidez. Enquantoos benefícios incluem a prevenção de recaída de quadros depressivos e maníacos, os riscos compreendema maior probabilidade de intoxicação materno-fetal pelo lítio, além do potencial teratogênico dos estabilizadoresde humor. Desta forma, prefere-se a ausência de medicação ou o uso de medidas alternativas, incluindo oemprego de antipsicóticos ou ECT.

6 – Em pacientes com transtorno bipolar do tipo II, preferir a suspensão da medicação, pelo baixo risco de recaídada doença.

Mania e gravidez Pheula et al.

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Quadro 5 – Recomendações quanto à manutenção do uso de estabilizador do humor na gravidez

1 – Em pacientes com períodos longos de eutimia, fazer retirada gradual da medicação, preferentemente noperíodo pré-concepção.

2 – Em pacientes às quais a retirada de medicação confere um risco alto de recaída, manter sem medicação,no mínimo, durante o período da embriogênese (entre quatro e 12 semanas). Constitui uma estratégiacontinuar a medicação até a ausência do primeiro período menstrual, fazendo retirada gradual da medicaçãoapós a presença de um teste de gravidez positivo.

3 – Em pacientes para as quais a retirada da medicação representa um risco muito alto de recaída, considerarmanutenção, com substituição pelo uso de antipsicóticos de alta potência no período da embriogênese.Retornar o uso do estabilizador de humor no segundo e terceiro trimestres, no caso do lítio, ou apenas noterceiro trimestre, no caso dos anticonvulsivantes.

4 – Em pacientes sem medicação e que apresentam recaída do quadro, preferir, para episódios maníacos, o usode antipsicóticos e/ou benzodiazepínicos e, para episódios depressivos, o uso de antidepressivos. Em ambosos casos, considerar o uso de ECT na hipótese de deterioração clínica grave da mãe (como desnutrição ouextrema recusa à medicação) ou risco grave para o feto.

5 – Não há indicação clínica de retirada abrupta de medicação, pois o elevado risco de recaída, nestes casos,supera qualquer benefício.

Quadro 6 – Recomendações para pacientes usuárias de lítio na gravidez

1 – Atentar precocemente para sinais de intoxicação por lítio, como tremor, diplopia, náusea, vômitos, diarréia,disartria e ataxia.

2 – Fazer ecocardiografia fetal entre 16 e 18 semanas de gestação, para triagem de anomalias cardíacas e, se houverpresença de alterações, amniocentese.

3 – Preferir preparações de liberação lenta, com o menor nível sérico possível para controle dos sintomas.4 – No segundo e terceiro trimestres, monitorizar funções endócrinas materna e fetal (verificar presença de

hipotireoidismo), além de função renal fetal, e realizar ecografia para triagem de poliidrâmnios (relacionadosà ocorrência de diabetes insípido nefrogênico).

5 – No terceiro trimestre, pela maior hemodiluição da gravidez, podem ser necessárias doses mais altas de lítio.No período periparto, as doses devem ser reduzidas em 30%, pois as perdas de líquido nesta fase predispõemà intoxicação materno-fetal. Reiniciar em doses terapêuticas no pós-parto imediato, sendo contra-indicada aamamentação, pelo alto risco de recaída no primeiro ano após o parto.

6 – No neonato, observar sinais de intoxicação e fazer dosagem de função tireoidiana (para verificar ocorrênciade hipotireoidismo).

Quadro 7 – Recomendações para pacientes usuárias de carbamazepina e ácido valpróico na gravidez

1 – Considerar, se houver necessidade de uso de estabilizador de humor, a troca para lítio, caso haja históriade resposta anterior a este, pois já poderia ser utilizado a partir do segundo trimestre, além de evidênciade melhor relação custo/benefício.

2 – Diminuir para a dose mínima necessária, pois o risco de espinha bífida está, no caso do ácido valpróico,relacionado à dose.

3 – Lembrar que o risco de malformações do sistema nervoso central e do tubo neural ocorre com o uso destasmedicações no primeiro e segundo trimestres. Portanto recomenda-se o uso apenas no terceiro trimestre.

4 – Administrar 4mg/dia de ácido fólico, iniciando quatro semanas antes da concepção até, no mínimo, o finaldo primeiro trimestre.

5 – Fazer triagem ultra-sonográfica entre 16 e 19 semanas de gestação, além de dosagem de alfafetoproteínapor volta de 20 semanas, ambas para detecção de defeitos de tubo neural.

6 – Usar vitamina K no neonato, caso haja doença hemorrágica do recém-nascido relacionada ao uso decarbamazepina.

Pheula et al. Mania e gravidez

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Quadro 8 – Recomendações para pacientes usuárias de antipsicóticos na gravidez

1 – Os antipsicóticos são preferidos, em relação ao uso de estabilizadores de humor, em casos de recaída na gravidez,principalmente no primeiro e segundo trimestres. Tal fato se deve à eficácia no tratamento, principalmente,de episódios maníacos.

2 – Preferir o uso de antipsicóticos de alta potência (haloperidol, flufenazina e trifluoperazina), pela ausência deefeitos teratogênicos.

3 – É indicada a retirada no terceiro trimestre, pelo risco de efeitos extrapiramidais no neonato.4 – Evitar o uso de preparações de depósito.5 – Existem poucos estudos em relação ao uso de antipsicóticos atípicos na gravidez, sendo considerados de risco

desconhecido, portanto não-indicados.

Quadro 9 – Recomendações para pacientes usuárias de benzodiazepínicos na gravidez

1 – A princípio, não é recomendado o uso no primeiro trimestre, em virtude de alguma evidência de associaçãocom fenda palatina.

2 – Também é indicado evitar o uso no final do terceiro trimestre, pelo risco de sintomas de abstinência e de síndromedo lactente frouxo (floppy infant).

3 – A redução da dose na gestante deve ser mais lenta quanto maior for a intensidade dos sintomas de ansiedadeou da dependência da droga, sendo indicado manter a medicação em casos graves.

4 – Preferir o uso de medicações que tenham meia-vida curta e sem metabólitos ativos, como o lorazepam.O alprazolam deve ser usado como segunda opção, em virtude do maior risco de fenda palatina e de causaruma síndrome de abstinência mais intensa.

5 – Se em uso de clonazepam, fazer triagem ecográfica entre 18 e 20 semanas de gestação, em virtude de algunsrelatos demonstrarem associação com malformações.

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Paulo Dalgalarrondo

Departamento de Psicologia Médica e PsiquiatriaFaculdade de Ciências MédicasUniversidade Estadual de CampinasCaixa Postal 6111CEP 13081-970 – Campinas-SP

Tel.: (19) 3788-7206Fax: (19) 3289-4819

e-mail: [email protected]

Pheula et al. Mania e gravidez

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R e s u m o

A presente pesquisa teve como objetivo a adaptação brasileira do Posit (Problem Oriented Screening Instrument for Teenagers),que indica a potencialidade do futuro consumo (tendência ao consumo) de bebidas alcoólicas e de outras drogas entre apopulação adolescente. Especificamente, pretendeu-se comprovar a validade de construto desta medida. Participaram 1.531jovens, estudantes do ensino médio de escolas públicas e particulares da cidade de João Pessoa, sendo a maioria do sexofeminino (59,8%), com uma média de idade de 17 anos. Como era teoricamente esperado, foram encontrados sete fatores deprimeira ordem, os quais explicaram conjuntamente 27,7% da variância total. Seus índices de consistência interna (Alfas deCronbach) variaram de 0,65 a 0,8. A extração de um único fator geral permitiu explicar 12,1% da variância total, apresentandoum Alfa de Cronbach de 0,85. Concluiu-se que o Posit pode ser útil na população adolescente brasileira como um instrumentode triagem, identificando potenciais consumidores de drogas. Recomendam-se, porém, estudos futuros que comprovem outrosparâmetros métricos (por exemplo, validade preditiva) e estabeleçam suas normas diagnósticas.

Unitermosdrogas; álcool; maconha; consumo; adolescência; Posit

S u m m a r y

This present research aimed the adaptation of Posit (Problem Oriented Screening Instrument for Teenagers) to the Brazilian reality. Thisinstrument indicates the future potential (tendency to the consumption) use of alcohol and other drugs among adolescent population. Thespecific intention of this study is to confirm the construct validation of this measure. The sample accounted the participation of 1,531 youngstudents of private and public high schools located in the city of João Pessoa; most of them were women (59.8%) with average age of 17years old. As it was theoretically expected, seven high order factors which together explained 27.7% of total variance were found. Theirinternal consistence index (Cronbach’s Alpha) ranged from .65 to .80. The extraction of a sole factor permitted to explain 12.1% of totalvariance, presenting a Cronbach’s Alpha of .85. The conclusion was that the Posit as an assigning instrument may be useful for the Brazilianadolescent population once it can identify potential drug users. Nonetheless, further studies are recommended to confirm other measuresparameters (e.g.: predictive validation) and to establish its diagnostic norms.

Unitermsdrugs; alcohol; grass; consume; adolescence; Posit

1Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); professor do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê).2Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).3Coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade Federal da Paraíba (UFPB); pesquisador do CNPq, 2B.O presente artigo corresponde a parte da dissertação do primeiro autor, sob a orientação dos outros dois autores. Contou com apoio da Capes,através de bolsa de mestrado concedida ao primeiro autor. Os autores agradecem a esta instituição.

Recebido em: 24.01.03

Aprovado em: 27.01.03

Questionário para detectar potencialuso de drogas entre adolescentes

(Posit): adaptação brasileiraQuestionnaire to detect potential use of drugs amongadolescents (Posit): an adaptation to the Brazilian realityLeconte de Lisle Coelho Júnior1; Bernard Gontiès2; Valdiney V. Gouveia3

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 109-116, 2003

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Considerações gerais acercado consumo de drogas entreadolescentes

drogas (principalmente as ilícitas) possam tentar vis-lumbrar uma melhor perspectiva para si, tendo emvista que a sociedade não lhes dá oportunidades.Embora possa esta ser uma explicação para o consu-mo de drogas entre os adolescentes, certamente acrise de identidade vivenciada nesta fase do desen-volvimento e a orientação ao hedonismo que a ca-racteriza5 contribuem para fazer este um aspecto crí-tico. Os adolescentes, embora possa isto parecerabsurdo, apresentariam uma tendência natural aoconsumo de drogas, sendo impedidos ou tolhidos emfunção da adesão a valores humanos mais tradicio-nais (por exemplo, conformidade, tradição)3, 5, 8, 15.

A partir destas considerações gerais sobre oconsumo de substâncias psicoativas na juventu-de, percebe-se um problema social iminente, cujadimensão é especulada, mas raramente delimita-da. Um aspecto preponderante para tanto é a es-cassez de indicadores objetivos de consumo dedrogas entre tais jovens, o que motivou o presen-te estudo. Seu objetivo principal foi adaptar parao contexto brasileiro uma medida de potenciaisadolescentes com problemas de consumo de dro-gas, lembrando-se de que o termo potencial temo mesmo significado que tendência a, seguindouma perspectiva que entende a importância doaspecto preventivo do consumo de drogas1-3.

As drogas em geral podem ser divididas emdois grandes grupos: as chamadas lícitas, como oálcool e o tabaco, por exemplo, e as ilícitas, comoa maconha e a cocaína. As drogas lícitas são maisaceitas pela sociedade e têm um consumo muitomaior que as ilícitas, pois estas últimas não têmamparo legal para serem produzidas e seus con-sumidores geralmente são hostilizados pela soci-edade por sustentarem tal hábito2, 12.

As substâncias químicas que são aceitas legal-mente na sociedade, diferente do que alguns po-dem pensar, têm um poder acentuado de provocardanos entre os adolescentes. Isto é especial- menteválido pela facilidade de acesso desses jovens, tor-nando social e/ou culturalmente aceito o seu con-sumo, principalmente em eventos festivos. Contra-riamente, quando se trata das drogas ilícitas, parecehaver uma necessidade ímpar de mostrar seu cará-ter maléfico, sendo destacadas como prejudiciais àsaúde em geral, provocando um estado de deca-dência psíquica, física e moral. Neste sentido, evi-dencia-se uma grande guerra pelo mercado de con-sumo entre os produtores de drogas lícitas e ilícitas,tendo os adolescentes como personagens principaisno centro deste embate.

Newcomb e Bentler (1989) entendem que amídia é uma das principais culpadas pelo aumen-to do consumo de substâncias psicoativas entreos jovens, induzindo-os para que façam uso des-tas. Por exemplo, como assinalam estes autores,isto é evidente no homem da Marlboro e na mu-lher do Virgínia Slim, os quais são vistos comomodelos, sendo as drogas lícitas o remédio paraos males que podem sofrer, como o estresse, adepressão, o cansaço físico, entre outros. Ora,quando a mídia mostra personagens perfeitos queassim o são por causa do consumo de substânci-as lícitas, evidentemente ela está promovendo esteconsumo que tanto condena. Em outras palavras,os adolescentes ficam, com muita razão, confu-sos quando a mídia (representando a sociedade)promove a permissividade para o consumo dedrogas lícitas ao mesmo tempo em que dá umaenfática negativa com relação às drogas ilícitas.

Hurrelmann e Engel (1992) acentuam que as dro-gas servem de objeto para uma transcendência dasnormas e dos valores que regem a sociedade com afinalidade de que os adolescentes que consomem

Medidas de potenciais usuários dedrogas: a proposta do Posit

Embora existam medidas adaptadas ao con-texto brasileiro sobre o uso de drogas4, 7, estascompreendem índices simples, com poucos itens,em geral abaixo de dez, onde se pergunta direta-mente sobre o seu consumo. Estes aspectos im-põem maior possibilidade de erro na estimaçãode potenciais usuários de drogas, fazendo comque o próprio pesquisador não se sinta segurosobre os resultados obtidos. Neste sentido, a ava-liação do consumo de drogas tem se fundamen-tado algumas vezes em entrevistas, procurandoperguntar diretamente se o respondente usa ounão uma série de drogas6, 10.

Diante deste contexto, parece apropriado con-tar com uma medida como o Questionário de Tria-gem de Problema de Adolescentes (Posit). Este foioriginalmente criado pelo National Institute ofDrugs Abuse (Nida), órgão do governo dos Esta-dos Unidos. Nesse momento constava de 139itens de forma interrogativa, aos quais os

Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes Coelho Júnior et al.

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respondentes deveriam dizer sim ou não. Mariño,González-Forteza, Andrade e Medina-Mora (1998)realizaram sua adaptação ao contexto mexicano,procurando eliminar os itens que não discrimina-vam, de modo estatisticamente satisfatório e nadireção esperada, aqueles jovens adolescentescom e sem problemas relacionados ao consumode drogas. Deste total de itens, 81 foram manti-dos por serem satisfatórios.

A versão mexicana avalia sete áreas principaisda vida dos adolescentes, as quais podem indicarpotenciais usuários de drogas. Tais áreas, com exem-plos de itens entre parênteses, são identificadas aseguir: uso e abuso de substâncias (Teve alguma di-ficuldade porque consome drogas ou bebidas alco-ólicas na escola? Tem dificuldade em sua relação comseus amigos devido às bebidas alcoólicas ou às dro-gas que consome?), saúde mental (Age impulsiva-mente sem pensar nas conseqüências dos seus atos?Sente-se nervoso a maior parte do tempo?), relaçõesfamiliares (Seus pais ou responsáveis discutem de-masiado? Seus pais ou responsáveis sabem na mai-oria das vezes onde você está ou o que está fazen-do?), relações com os amigos (Seus amigos faltam àescola sem autorização com muita freqüência? Temamigos que roubaram?), nível educativo (Sabe lerbem? Tem boa ortografia?), interesse vocacional(Teve algum trabalho eventual com salário? Faltouou chegou atrasado ao trabalho com freqüência?),conduta agressiva e delinqüência (Você é arrogan-te? Ameaça outras pessoas dizendo que lhes farádano?). Como na versão original, os itens apresen-tam duas alternativas de respostas: sim vs. não, asquais receberam as pontuações 1 e 2, respectiva-mente.

Além de demonstrar que os 81 itens do Positapresentam poder discriminativo satisfatório, oestudo de Mariño et al. (1998) revelou índices deconsistência interna (Alfas de Cronbach) aceitá-veis para o conjunto de fatores/áreas da vida dosadolescentes. Estes foram os seguintes: interessevocacional (0,64), relações com os amigos (0,64),conduta agressiva/delinqüência (0,7), níveleducativo (0,73), relações familiares (0,74), saú-de mental (0,8) e uso e abuso de substâncias(0,87). Apesar destes parâmetros métricos, nãose comprovou empiricamente a estrutura fatorialdesta medida; isto poderia auxiliar na avaliaçãoda sua validade de construto, acrescentando pro-vas de sua adequação.

Considerando os aspectos antes mencionados,decidiu-se comprovar a viabilidade de extrair os

sete fatores (áreas temáticas) sugeridos para oPosit. Se este instrumento apresentasse realmen-te validade de construto, seria viável esperar queos seus 81 itens fossem agrupados nestes fatoresteorizados, com Alfas de Cronbach similares aosapresentados na sua versão mexicana11. A propó-sito, decidiu-se utilizar esta versão do Posit poruma presumível maior proximidade cultural en-tre Brasil e México. Além do mais, os dados espe-cíficos sobre os parâmetros desta medida podemser encontrados mais facilmente na amostra me-xicana. O estudo sobre a adaptação desta medi-da é descrito a seguir.

Adaptação brasileira do Posit

As bebidas alcoólicas e a maconha estão en-tre as substâncias psicotrópicas mais consumidaspelos jovens adolescentes brasileiros2, 16. Apesardeste aspecto, muito pouco tem sido efetivamentefeito para estimar o seu potencial consumo. Nes-te contexto, a adaptação do Posit à realidade bra-sileira pode se constituir num primeiro passo nes-ta direção. A seguir se descreve o estudo realizadopara a comprovação da sua validade de construto.

Método

Amostra

Participaram do estudo 1.531 alunos de dezescolas do ensino médio (antigo 2º grau). Estasforam escolhidas aleatoriamente a partir de umalista cedida pela Secretaria de Educação do Esta-do da Paraíba. Seguindo o critério de proporcio-nalidade, considerando que em João Pessoa exis-tem 23 escolas públicas e 37 privadas,selecionaram-se quatro e seis destas escolas, respe-ctivamente. De cada uma foi retirada uma amos-tra acidental de aproximadamente 150 sujeitos(de ambos os sexos), sendo que nenhuma dasescolas dos dois grupos foi do mesmo bairro.

Decidiu-se escolher sujeitos do ensino médiopor duas razões: 1) na época da realização do es-tudo, não havia em João Pessoa instituições pró-prias para indivíduos adolescentes que tivessemproblemas com bebidas alcoólicas e/ou maconha;2) devido à complexidade e à extensão do questio-nário Posit, muito provavelmente os adolescen-tes que vivem na rua teriam dificuldade de ler ecompreender os seus itens. É importante igual-mente frisar que neste nível educacional se en-

Coelho Júnior et al. Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes

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contram as pessoas na faixa etária ou de desen-volvimento que interessa ao presente estudo, istoé, jovens adolescentes.

Os participantes foram em sua maioria do sexofeminino (59,8%), com a média de idade de 17anos (DP = 3,5). Quanto à escola onde estuda-vam, a maioria dos sujeitos era do turno da ma-nhã (43,4%) e matriculada na rede pública deensino (53,2%).

Instrumentos

Os participantes responderam a um bloco dequestionários descritos a seguir.

Questionário de TQuestionário de TQuestionário de TQuestionário de TQuestionário de Triagem de Prriagem de Prriagem de Prriagem de Prriagem de Problema de Ado-oblema de Ado-oblema de Ado-oblema de Ado-oblema de Ado-lescentes (Posit) – lescentes (Posit) – lescentes (Posit) – lescentes (Posit) – lescentes (Posit) – Utilizou-se sua versão mexica-na11, como antes descrito. Assumiu-se o mesmo con-junto de itens e alternativas de respostas. Suatradução foi inicialmente levada a cabo por um psi-cólogo bilíngüe, sendo posteriormente revisada pordois professores universitários também bilíngües.

Questionário dos valores básicos – Questionário dos valores básicos – Questionário dos valores básicos – Questionário dos valores básicos – Questionário dos valores básicos – Compõe-sede 24 valores humanos específicos, cada um dosquais com etiqueta correspondente e dois itens queevidenciam o seu conteúdo (por exemplo, Poder:ter poder para influenciar os outros e controlar de-cisões; ser o chefe de uma equipe. Tradição: seguiras normas sociais do seu país; respeitar as tradiçõesda sua sociedade)8. Inicialmente o respondente pre-cisa considerar cada valor e avaliar o seu grau deimportância como um princípio que guia a sua vida,utilizando uma escala de sete pontos, com os extre-mos 1 = nada importante e 7 = muito importante.Posteriormente, precisa indicar o valor menos e maisimportante de todos, os quais recebem os pesos 0 e8, respectivamente. Esta medida não será analisadano presente artigo.

Informações demográficasInformações demográficasInformações demográficasInformações demográficasInformações demográficas – – – – – Os participantes res-ponderam a uma lista com dez perguntas (por exem-plo, sexo, idade, religiosidade, escolaridade dos pais,etc.). Entre tais perguntas figurava o quanto eles sesentiam identificados com nove pessoas e/ou gruposde pertença, a saber: pai, mãe, irmãos, familiares, vi-zinhos, namorada/esposa, amigos e professores. Suasrespostas eram dadas em uma escala de cinco pon-tos, com os seguintes extremos: 0 = nada identifica-do; 4 = totalmente identificado.

Procedimento

Os questionários foram contrabalançados e apli-cados coletivamente em sala de aula. Informou-se aos

estudantes que a sua participação era voluntária, eque suas respostas seriam tratadas em seu conjunto,assegurando o caráter de anonimato do estudo. Eratambém enfatizado que as respostas deveriam ser in-dividuais, que não deixassem nenhum item em bran-co e que respondessem o mais honestamente possí-vel. Uma média de 50 minutos foi suficiente paraconcluir sua participação.

Análise de dados

Utilizou-se o pacote estatístico SPSS paraWindows, versão 10. Foram computadas estatísti-cas descritivas (média, desvio padrão, freqüência,etc.), bem como foi efetuada uma análise de com-ponentes principais (PC) com os itens do questio-nário Posit. Neste caso, decidiu-se adotar uma rota-ção varimax, estabelecendo o critério de extraçãode sete componentes, correspondendo às sete áreastemáticas teoricamente cobertas por esta medida.

Resultados

No presente estudo se procurou verificar a es-trutura fatorial (validade de construto) do Posit.Inicialmente, comprovou-se a adequação de seefetuar este tipo de análise estatística, tendo sidoobtidos os seguintes indicadores: KMO = 0,82,teste de esfericidade de Bartlett, χ2 = 20162,70,p < 0,001, os quais dão prova de ser esta umadecisão aceitável. Neste sentido, realizou-se pri-meiro uma PC, com rotação varimax, sem fixar onúmero de fatores a serem extraídos. O resultadoindicou a presença de até 23 fatores ou compo-nentes com valor próprio (eigenvalue) igual ousuperior a 1. Estes explicaram conjuntamente51,1% da variância total. Considerando os obje-tivos deste estudo, fixou-se a extração de sete fa-tores; os resultados a respeito podem ser vistosna TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1, que compreende um resumo dosresultados. Nela constam o conteúdo e a cargafatorial dos três itens que saturaram mais forte-mente em cada um dos sete fatores, bem comoos indicadores de adequação destes, isto é, por-centagem de variância total explicada, Alfa deCronbach, etc. Uma tabela completa com os re-sultados desta análise poderá ser obtida median-te solicitação aos autores deste artigo. A identifi-cação de cada um dos fatores é realizada a seguir:

Fator I: Potencial consumo de álcool e maco-Fator I: Potencial consumo de álcool e maco-Fator I: Potencial consumo de álcool e maco-Fator I: Potencial consumo de álcool e maco-Fator I: Potencial consumo de álcool e maco-nha – nha – nha – nha – nha – Este fator reúne 18 itens que tocam direta-mente a questão do consumo, uso/abuso de dro-

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gas pelo respondente (por exemplo: Começou aconsumir maior quantidade de álcool ou droga paraobter o efeito que deseja? Seus familiares ou ami-gos lhe disseram alguma vez que deve diminuir ouso de bebidas alcoólicas ou drogas? As bebidas al-coólicas ou as drogas o induziram a fazer algo quenormalmente não faria, como desobedecer a algu-ma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa oumesmo a ter relações sexuais com alguém?). Seueigenvalue foi 8,66, explicando 10,7% da variânciatotal das pontuações no questionário; observou-seuma consistência interna (Alfa de Cronbach) de 0,8.

Fator II: Delinqüência juvenil comparti lha-Fator II: Delinqüência juvenil comparti lha-Fator II: Delinqüência juvenil comparti lha-Fator II: Delinqüência juvenil comparti lha-Fator II: Delinqüência juvenil comparti lha-da –da –da –da –da – Um total de dez itens apresentou satura-ções aceitáveis neste fator, isto é, igual ou mai-or que ± 0,3 (por exemplo: Tem amigos queintencionalmente causam danos ou destruição?Tem amigos que bateram ou ameaçaram al-guém sem justificativa? Tem amigos que rou-baram?). O eigenvalue deste fator foi de 3,93,correspondendo à explicação de 4,8% da

variância total, sendo seu Alfa de Cronbachde 0,71.

Fator III: Desequilíbrio emocional – Fator III: Desequilíbrio emocional – Fator III: Desequilíbrio emocional – Fator III: Desequilíbrio emocional – Fator III: Desequilíbrio emocional – Neste fa-tor apresentaram-se oito itens com saturaçõesiguais ou maiores que ± 0,3 (por exemplo: Sente-se triste a maior parte do tempo? Sente desejo dechorar freqüentemente? Sente-se só na maiorparte do tempo?). O eigenvalue deste fator foi de2,29, explicando 2,8 % da variância total e apre-sentando um Alfa de Cronbach de 0,72.

Fator IVFator IVFator IVFator IVFator IV: Conduta anti-social – : Conduta anti-social – : Conduta anti-social – : Conduta anti-social – : Conduta anti-social – Saturaram comcarga igual ou superior ao preestabelecido 13 dos81 itens do Posit (por exemplo: Tem mau gênio?Briga muitas vezes? Age impulsivamente com fre-qüência?). Seu eigenvalue foi de 2,2, represen-tando a explicação de 2,7% da variância total. OAlfa de Cronbach deste fator foi de 0,72.

Fator VFator VFator VFator VFator V: Dificuldades no r: Dificuldades no r: Dificuldades no r: Dificuldades no r: Dificuldades no relacionamento comelacionamento comelacionamento comelacionamento comelacionamento comos pais/responsáveis – os pais/responsáveis – os pais/responsáveis – os pais/responsáveis – os pais/responsáveis – Este fator reuniu oitoitens que possuem saturações aceitáveis (ai.t • ±0,3) (por exemplo: Seus pais ou responsáveis pres-

Tabela 1 – Estrutura fatorial da medida de potencial uso de drogas (Posit)

Itens FatoresI II III IV V VI VII

P57 Pedidos para diminuição 0,56*P62 Perda de controle 0,53*P33 Obtenção de efeitos desejados 0,52*P77 Amigos que roubaram 0,59*P67 Amigos que são violentos 0,53*P19 Amigos que causam danos 0,51*P55 Sente-se triste 0,59*P75 Desejo de chorar freqüente 0,56*P10 Sente-se só 0,54*P31 Tem mau gênio 0,52*P30 Briga muito 0,47*P40 Impulsivo com freqüência 0,47*P32 Atenção dos pais 0,6*P52 Pais conversam com os filhos 0,57*P71 Os pais concordam com a educação dos filhos 0,56*P79 A escola é difícil 0,52*P61 Dificuldade com trabalho escrito 0,46*P72 Dificuldade em se organizar 0,45*P36 Já teve trabalho 0,82*P16 Teve trabalho remunerado 0,78*P44 Trabalho remunerado por 1 mês 0,72*

Número de itens: 18 10 8 13 8 11 4Eigenvalue 8,66 3,93 2,29 2,2 2,07 1,71 1,63% da variância 10,7 4,8 2,8 2,7 2,6 2,1 2Alfa de Cronbach 0,8 0,71 0,72 0,72 0,66 0,66 0,65

*Saturação considerada satisfatória (ai.t > ± 0,3).

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tam atenção quando você fala? Seus pais ou res-ponsáveis gostam de conversar ou de estar comvocê? Seus pais ou responsáveis estão de acordoa respeito da forma que devem lidar com você?).As pontuações para estes itens são invertidas. Oeigenvalue deste fator foi de 2,07, o quecorresponde à explicação de 2,6% da variânciatotal, sendo o seu alfa de Cronbach de 0,66.

Fator VI: Dificuldades na aprFator VI: Dificuldades na aprFator VI: Dificuldades na aprFator VI: Dificuldades na aprFator VI: Dificuldades na aprendizagem – endizagem – endizagem – endizagem – endizagem – Talfator reuniu onze itens possuindo saturações queatendem ao critério previamente estabelecido (porexemplo: A escola é difícil? Tem dificuldade comtrabalhos escritos? Tem dificuldade de organizarplanos ou atividades?). O eigenvalue deste fatorfoi de 1,71, sendo responsável pela explicação de2,1% da variância total, com um índice de con-sistência interna de 0,66.

Fator VII: TFator VII: TFator VII: TFator VII: TFator VII: Trabalho e desempenrabalho e desempenrabalho e desempenrabalho e desempenrabalho e desempenho – ho – ho – ho – ho – Este fatorconcentrou quatro itens que apresentam satura-ções iguais ou maiores que ± 0,3 (por exemplo:Teve alguma vez ou tem atualmente um trabalho?Teve algum trabalho eventual com salário? Tevealguma vez um trabalho remunerado que durouao menos um mês?). O eigenvalue de tal fator foide 1,63, correspondendo à explicação de 2% davariância total, sendo seu Alfa de Cronbach de 0,65.

Conhecida a estrutura fatorial de primeira or-dem, decidiu-se comprovar em que medida os fa-tores resultantes estariam correlacionados entresi. Neste sentido, procedeu-se ao cálculo de cor-relações de Pearson para as pontuações totais decada um dos fatores do Posit. Os resultados sãoapresentados na TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2.

Como é possível observar na tabela anterior, seisdos sete fatores estão significativamentecorrelacionados entre si (p < 0,01), com coeficien-tes de correlação variando de 0,12 (fator I – poten-cial consumo de álcool e maconha e desequilíbrioemocional) a 0,47 (fator II – delinqüência juvenil

compartilhada e fator IV – conduta anti-social). Aúnica exceção foi o fator VII (trabalho e desempe-nho), que apresentou correlação significativa uni-camente com os fatores I, II e V (dificuldades no re-lacionamento com os pais/responsáveis); taiscorrelações foram, no entanto, baixas, variando de- 0,09 a 0,15. Este último fator se correlacionou ne-gativamente com todos os demais fatores, reforçan-do a necessidade de se inverter sua pontuação.

Analisados os resultados acima, parece emi-nente a presença de um grande fator subjacenteao Posit. Neste sentido, decidiu-se realizar umanova análise de componentes principais, ondese fixou a extração de um único fator. Com ex-ceção dos itens que saturaram com exclusivida-de no fator VII, dos quais foram eliminados to-dos os pertencentes, os demais fatores foramconsiderados nesta análise.

Este fator geral apresentou um eigenvalue de7,88, explicando 12,1% da variância total das pon-tuações neste instrumento. Considerando o critériode carga fatorial igual ou superior a ± 0,3, foramreunidos neste fator 49 itens. Deste total, a maioriapertence ao fator I (12 itens), sendo que todos osdemais fatores considerados apontaram pelo me-nos cinco itens. Tendo em conta as maiores satura-ções dos itens (referência ait • ± 0,4), tal fator podeser denominado Índice de Potencial Uso de Drogas(por exemplo: o uso de álcool ou das drogas pro-duz em você mudanças repentinas de humor, comopassar de estar contente a estar triste ou vice-versa?Começou a consumir a maior quantidade de álcoolpara obter o efeito que deseja? As bebidas alcoóli-cas ou as drogas o induziram a fazer algo que nor-malmente não faria, como desobedecer a algumaregra ou lei, ou a hora de chegar em casa ou mes-mo a ter relações sexuais com alguém?). Seu alfa deCronbach, considerando a amostra de 12 itens, foide 0,74; com todos os 49 itens, este índice de con-sistência interna ficou em 0,85.

Tabela 2 – Correlação entre os fatores de primeira ordem do Posit

FatoresI II III IV V VI

II 0,45**III 0,12** 0,16**IV 0,27** 0,47** 0,43**

V - 0,24** - 0,3** - 0,32** - 0,33**VI 0,24** 0,29** 0,41** 0,41** - 0,23**VII 0,15** 0,14** 0,02* 0,05* - 0,09** 0,03*

*p < 0,01; **p < 0,001 (teste bicaudal, eliminação pairwise de missing).

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Discussão (fator VII – trabalho e desempenho, α = 0,65)corresponde àquela área cuja confiabilidade foi amenor entre as sete áreas funcionais (interesselaboral, α = 0,64).

O conjunto dos resultados apresentados su-gere que o Posit apresenta validade de construtono Brasil, tendo demonstrado estrutura fatorial eíndices de consistência interna que corroboramos achados com amostras mexicanas11. Nãoobstante, é impossível deixar de assinalar duas dasprincipais limitações desta medida:

Amostra de itens utilizados – Amostra de itens utilizados – Amostra de itens utilizados – Amostra de itens utilizados – Amostra de itens utilizados – O Posit é com-posto por muitos itens, 81 no total, inviabilizandoestudos de triagem que poderiam ser feitos tantono âmbito ambulatorial como no clínico, ou mes-mo no educacional. Alguns dos itens que o com-põem são também extensos (por exemplo: O usodo álcool ou das drogas produz em você mudan-ças repentinas de humor, como passar de estarcontente a estar triste, e vice-versa? As bebidasalcoólicas ou as drogas o induziram a fazer algoque normalmente não faria, como desobedecer aalguma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa,ou mesmo a manter relações sexuais com al-guém?). Isto dificulta a compreensão dos jovense torna praticamente inviável sua aplicação empopulações com baixa escolaridade.

Natureza do conteúdo abordado – Natureza do conteúdo abordado – Natureza do conteúdo abordado – Natureza do conteúdo abordado – Natureza do conteúdo abordado – Emboraoutros estudos nesta área considerem de modoindiferenciado as drogas lícitas e ilícitas, tendo emvista que estas podem igualmente causar um malde saúde nos jovens adolescentes3, 14, em termosde uma medida de triagem de potencial consu-midores, pareceria fundamental não misturar osdiferentes tipos de drogas. Certamente seria maisapropriada uma medida que tratasse separada-mente o álcool e a maconha e outros tipos dedrogas. Não necessariamente o consumo de umaestá atrelado ao consumo da outra, sendo quesua junção em um mesmo item pode produzirambigüidade nas respostas dos jovens.

Apesar do que antes se comentou, Mariño etal.11 apresentam suficientes provas de que o Positpermite eficazmente diferenciar não-usuários deusuários de drogas. No caso da população brasi-leira, será preciso comprovar este aspecto no fu-turo. A propósito de estudos que deveriam ser re-alizados, além do que já foi sugerido, seria interes-sante averiguar em que medida as pontuações noPosit estariam correlacionadas aos valores huma-nos adotados pelos jovens ou mesmo à sua iden-

O objetivo principal do presente estudo, lem-brando, foi comprovar a validade de construtopara a medida Posit, utilizada para estimar o po-tencial consumo de drogas pelos jovens. Este foicumprido. Corroborando a classificação deMariño et al. (1998), o instrumento em pautademonstrou poder ser representado por diferen-tes áreas da vida dos adolescentes, as quais sãoimportantes para o estudo dos comportamentosde risco referentes ao consumo de drogas, comoo álcool e a maconha. Não obstante, comprovou-se também que é possível trabalhar com umamedida unidimensional, correspondendo a umfator geral de potencial consumo de drogas.

Em termos da estrutura fatorial encontrada noBrasil e a classificação que Mariño et al.11. realiza-ram no México, os resultados denotam bastantecorrespondência. Uma análise do conteúdo dos setefatores e das sete áreas releva o seguinte: o fator I(potencial consumo de álcool e maconha)corresponde à primeira área funcional (uso e abusode substâncias) do Posit; o fator II (delinqüência ju-venil compartilhada) se relaciona com a área funci-onal relações com os amigos; o fator III (desequilí-brio emocional) é bastante equivalente à áreafuncional saúde mental; o fator IV (conduta anti-social) se assemelha à área funcional conduta agres-siva/delinqüência; o fator V (dificuldade de relacio-namento com os pais/responsáveis) corresponde àárea funcional relacionamento com os familiares; ofator VI (dificuldade na aprendizagem) representa amaioria dos itens que figuram na área funcional ní-vel educativo; e, finalmente, o fator VII (trabalho edesempenho) traduz o significado da área funcio-nal denominada de interesse laboral. Percebe-se,portanto, bastante similaridade entre as duas classi-ficações, com a diferença de que a aqui apresentadafoi comprovada empiricamente, através das respos-tas dos jovens.

Quanto aos índices de consistência interna,alfas de Cronbach (α), os encontrados no presenteestudo também são similares aos que relataramMariño et al.11. No Brasil, o fator que demons-trou maior confiabilidade foi potencial consumode álcool e maconha (fator I, α = 0, 8),correspondendo à primeira área funcional noMéxico, denominada uso e abuso de substânci-as, que também apresentou o maior índice deconsistência, α = 0,87. Do mesmo modo, o fatorque apresentou a menor confiabilidade no Brasil

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tificação com os diversos grupos que os cercam.Segundo Petraitis, Fly e Miller (1995), o compro-misso com os valores convencionais, que garan-tem a manutenção do status quo, e o apego àfamília são fatores preponderantes que inibem apossibilidade de uso de substâncias psicoativas.

Finalmente, procurou-se considerar aqui umaamostra representativa de jovens escolarizados dacidade de João Pessoa. O tamanho da amostra foisuficientemente grande (n = 1.531), considerandoo tamanho da população, que se situa em aproxi-madamente 500 mil habitantes. Contudo deve-sereconhecer que este número não torna possível ge-neralizar os resultados para além dos limitesamostrais. Portanto novos estudos deverão ser em-preendidos, considerando sujeitos de outras cida-des e fazendo um esforço por incluir aqueles quenão estão atualmente em sala de aula ou com umtrabalho fixo. Sobre este aspecto é importante lem-

brar que duas áreas funcionais que definem o po-tencial usuário de drogas, como estimado porMariño et al.11, são nível educativo e interesse laboral.Possivelmente só então se poderiam estabelecernormas diagnósticas de aplicação mais ampla.

Finalizando, tentou-se neste espaço trazer umacontribuição ao tema das drogas, porém de umamaneira mais preventiva, lançando vistas a umaexplicitação da tendência ao consumo de drogasna faixa etária da adolescência. Tal tendência nãodeve ser assumida como tabu; deve, sim, ser dis-cutida a fim de que se otimizem os esforços detriagem no que concerne aos problemas vividospelos jovens adolescentes.

Na medida do possível, tal estudo se caracte-riza pela tentativa de lançar luz sobre a necessi-dade de se trabalhar mais ainda na prevenção doconsumo a fim de que os esforços sobre a cessa-ção da dependência sejam minimizados.

Referências

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Endereço para correspondência

Leconte de Lisle Coelho Júnior

Av. Tabelião José Ramalho Leite 1.212/403Cabo BrancoCEP 58045-230 – João Pessoa-PB

e-mail: [email protected]

Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes Coelho Júnior et al.

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R e s u m o

Objetivo: Numa revisão bibliográfica sobre hepatite C foi feita uma avaliação dos critérios utilizados para o diagnóstico dedepressão em cada artigo revisado. Método: A pesquisa inicial no Silver Platter Medline, para os idiomas inglês, espanhol efrancês no período compreendido entre 1991 e 2001 forneceu dados e permitiu a seleção de artigos. Usamos as palavras:depressão e interferon. Cada artigo foi lido procurando-se o número de pacientes que participaram, o método de diagnóstico, asescalas de intensidade dos sintomas usadas e qual o profissional que fez a avaliação psíquica. Resultados: Inicialmente, na décadade 1980, foram descritos sintomas depressivos, como relatos de casos, em pacientes utilizando interferon. Posteriormente, foramdescritos casos de suicídio entre estes pacientes, motivo pelo qual se procurou fazer uma pesquisa sistematizada para determinardados que permitissem estabelecer quais pacientes poderiam vir a desenvolver depressão ou ideação suicida. O resultado foi aexclusão dos pacientes com histórico psiquiátrico do tratamento, já que não valeria a pena correr o risco, levando-se em contaque a resposta terapêutica ao interferon seria de apenas 20% (considerando resposta virológica mantida como: nível indetectávelde vírus C, RNA – menos de cem cópias/ml). Quando se adicionou ao tratamento um nucleosídeo análogo sintético, a ribavirina,o índice de resultados positivos do tratamento aumentou (aproximadamente 50%); com a melhora da resposta a longo prazo,uma tentativa de tratamento para estes pacientes passou a ser justificada. Os artigos mais recentes relatam que é possívelmonitorar estes pacientes e incluí-los em protocolos de tratamento usando medicação antidepressiva. Atualmente, trabalha-secom a sugestão de que estes pacientes deveriam ser avaliados por equipe psiquiátrica para acompanhar e tratar, se for o caso,para, assim, não os excluir do uso de interferon. Conclusão: A incidência de depressão para pacientes em uso de interferon variaentre valores de 3% até 57%. Poderíamos atribuir esta oscilação à seleção da população, como, por exemplo, quando incluímosusuários de drogas, ou, dependendo de qual doença em estudo, já que a incidência de depressão é maior na hepatite C e naesclerose múltipla, mesmo sem tratamento. O método de estudo, a sensibilidade do instrumento empregado e o treinamento doentrevistador também explicariam números tão divergentes. Os estudos comparativos entre os diversos tipos de interferonmostram que há uma diferença de incidência de depressão entre eles.

Unitermosinterferon; depressão; hepatite C

S u m m a r y

Objective: A bibliographical review on hepatitis C, evaluating the diagnostic criteria for depression in each of the articles. Method: Asearch of the Silver Platter Medline, 1991-2001, for English, Spanish and French furnished the data from which the articles were selected.The key-words used were depression and interferon. Each article was read to find how many patients were studied, which diagnosticmethodology and scales of symptom intensity were used, and the name of the professional responsible for the psychiatric evaluation.

1Doutor em Psiquiatria; professor-adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).2Mestre em Psiquiatria.

Recebido em: 16.12.02

Aprovado em: 05.01.03

Hepatite C, interferon e depressão:uma revisão (da série Depressão

Induzida por Substâncias)Hepatitis C, interferon and depression: a review (from theSubstance-Induced Depression series)Marco Antônio Brasil1; Julieta Mejia-Guevara2

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Introdução fecções virais, interrompem vias essenciais para areplicação viral15. O interferon é uma citocina quepode pertencer a três famílias de moléculasproteínicas: alfa, beta e gama. A maioria das célu-las no corpo pode ser estimulada para produzirestas proteínas. Estas moléculas unem-se aos re-ceptores de superfície nas células-alvo e induzema síntese de proteínas intracelulares ou para mo-dificar vias de replicação viral ou para prolongaro ciclo de multiplicação de células neoplásicas por-que depletam a célula de metabólitos essenciais,como o triptofano, ou porque promovem a lisede células tumorais por meio da ativação de res-posta imune.

Os tipos de interferons alfa avaliados em pacien-tes infectados com hepatite C incluem interferon alfa2-b, alfa 2-a, alfa n-1 (interferon alphan 1 oulinfoblastóide), interferon consensual alfacon 1(C-interferon) e o interferon pegilado (Peg IFN alfa2-a) que, na realidade, é um interferon ao qual foiagregada uma molécula de polietilenoglicol, confe-rindo-lhe uma média de vida maior com adminis-tração permitida uma vez por semana11, 35.

Mesmo com as diferenças de cada um dos an-teriores, todos foram incluídos com eficácia com-parável para o tratamento da hepatite C crônicapela conferência do National Institutes of Health1.

Além do interferon alfa, existe o beta, usadopara esclerose múltipla desde 1995 e, ainda, ogama, aprovado em 1990 para doença granulo-

Este artigo revisa a relação entre a hepatite C,seu tratamento e a depressão. Uma prevalênciamaior de depressão tem sido encontrada empacientes com hepatite C6, 18, 33. O porquê destarelação e a natureza da mesma estão sendopesquisados. Quando as citocinas, como ointerferon, começaram a ser usadas na hepatite,os relatos de caso na literatura sobre um aumen-to da incidência de transtorno do humordepressivo e de sintomas relacionados se fizerammais freqüentes. A depressão é freqüentementeapontada como causa de exclusão para pacientescandidatos a usar interferon alfa ou de suspensãoem relação àqueles que já o usavam.

As terapias imunomoduladoras que usamcitocinas como interleucinas ou interferon estãoaumentando sua freqüência de uso. A toxicidadepsiquiátrica destes agentes é ainda pouco com-preendida, e o diagnóstico correto do transtornopsíquico detectado e o seu tratamento se fazemcada vez mais necessários. As citocinas, mediado-ras solúveis secretadas pelo tecido imune, são pro-missoras para o tratamento de uma ampla varie-dade de neoplasias, doenças infecciosas eneurodegenerativas. São usadas com sucesso emcâncer de células renais, melanoma maligno eleucemias, promovendo resposta imune contra ascélulas neoplásicas via alteração de eventosbioquímicos no ciclo de replicação celular. Em in-

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Results: Initial data from the eighties describe depressive symptons as part of the case histories of patients using interferon. After that, casesof suicide within this patient group were seen. This led to more systematic research to identify factors which might predict which patientscould eventually develop depression or suicidal ideation. Consequently, patients with prior psychiatric histories were removed from the study.This considers a therapeutic response to interferon as barely 20% (defining an undetectable viral response as maintenance of fewer than100 copies/ml of virus C, RNA). When ribavirin, an analog nucleoside, was added to the treatment, the rate of positive results from thetreatment increased by approximately 50%; this improvement in the long-term response justified its use as a viable treatment option forthese patients. More recent articles report that it is now possible to monitor these patients and include them in treatment protocols usingantidepressant medication. To avoid ruling out interferon as a treatment option, patients should be evaluated by a psychiatry beforeinitiating treatment. This allows for follow-up and treatment, when necessary. Conclusion: The incidence of depression in patients treatedwith interferon varies from 3% to 57%. We can attribute these variations to several factors, including the selection of the population, whendrug-users were included in the studies, the disease being studied (the incidence of depression is greater in hepatitis C than in multiplesclerosis, even when untreated). The method of study, differing sensitivities of the instruments used and variations in interviewer trainingalso help to explain the divergent numbers reported. Comparative studies between varying types of interferon show that variations in theincidence of depression among them do exist.

Unitermsinterferon; depression; hepatitis C

Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al.

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matosa crônica. A terapia com interferon ocasionasintomas depressivos, mas o quadro depressivomaior com tentativa de suicídio ou suicídio com-pleto seria apenas de 4% do total dos relatos dereação adversa à medicação18. Em um estudo, ondese compararam dois diferentes tipos de interferonna mesma população de pacientes de hepatite C,detectou-se que os sintomas depressivos forammais freqüentes no subtipo alfa em comparaçãoao beta18. O estudo de Malaguarnera et al.17 apon-tou que o interferon alfa, derivado dos leucócitos,seria o que menos produziria sintomas depressivos,comparado a outras citocinas de origem diferente,administradas na mesma dose por seis meses.

Existem várias teorias a respeito de como po-deria ser produzida a depressão quando umacitocina está sendo usada. Uma delas é adesregulação do eixo hipotálamo-hipófise15 (au-mentando a secreção de hormônio liberador decorticotropina); a outra se refere ao interferon alfa,que pode alterar a regulação do sistema dedopamina fronto-subcortical através do mecanis-mo associado a opiáceos, quando se une a recep-tores opiáceos cerebrais18, 32,. Sua ação no siste-ma nervoso central pode ser revertida peloantagonista opióide naltrexona. Existe algumaevidência pré-clínica de que o óxido nítrico po-deria mediar a toxicidade em nível central.

A síndrome clínica observada na neuro-toxicidade do interferon alfa (lentidãopsicomotora, disfunção cognitiva e disforia) é se-melhante à clínica de algumas doenças associa-das à depleção de dopamina6, 15, 18. O transtornodo humor permanece como uma das causas maisfreqüentes para a suspensão do tratamento cominterferon, e não é sempre resolvido com a sus-

pensão do mesmo. Infelizmente, a maioria dasdepressões não é reconhecida nem tratada pormédicos não-especializados em psiquiatria.

As indicações mais freqüentes para ointerferon são a esclerose múltipla cujas exacer-bações estejam sendo freqüentes, ou a esclerose,onde se faz necessário tornar o processo de progres-são da doença mais lento, nas diversas neoplasias ena hepatite C. Nos dois grupos, o interferon é apon-tado como causador da depressão. Por este motivo,os pacientes com algum histórico de depressão vêmsendo excluídos deste tipo de tratamento. Desde oinício da década de 1990, diversas referências fo-ram feitas em forma de relato de caso pelas equipesde gastroenterologistas. Nesta época, a única op-ção de tratamento era suspender o interferon.

Os estudos conjuntos com psiquiatras são maisfreqüentes a partir de 1997, quando se iniciou aaplicação de instrumentos e entrevistas semi-estruturadas na avaliação da alteração do humor,pensando-se em esquematizar, a fim de buscaruma forma de tratamento. Introduzir a citocinajunto à terapia com antidepressivos foi uma op-ção lógica. Foram usados diversos antidepressivosnesses grupos de pacientes10, 16, 34. Faremos umarevisão do material publicado recentemente a res-peito.

Tabela 1 – Doses aprovadas pelo FDA para a terapia com interferon na hepatite C crônica

Nome da substância Laboratório Dose aprovada

IFN alfa 2-b (Intron A®) Schering Plough 3MU 3x/semana x 18-24 meses

IFN alfa 2-a (Roferon A®) Roche 3MU 3x/semana x 12 meses

IFN alfacon 1 (Infergen®) Amgem 9-15MU 3x/semana x 6 mesesC IFN

IFN alpha n-1 (Wellferon®) Glaxo-Wellcome Feito por subtipos múltiplos de IFN alfaLinfoblastóide

IFN alfa 2-b + ribavirina (Rebetron®) Schering Plough IFN 3MU 3x/semana +ribavirina 1.000-1.200mg/dia x 12 meses

Peg IFN alfa 2-a (Peg Intron) Schering Plough 180µg SC 1x/semana22

FDA: Food and Drug Administration; MU: million units; IFN: interferon.Ahmed A, Keeffe E. Clinics in Liver Disease, 1999.

Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão

Revisão histórica

Levenson e Fallon16, em 1993, publicaram umrelato de caso de um paciente de 40 anos tratadocom fluoxetina 20mg/dia para depressão. Fizeramtambém uma breve revisão bibliográfica onde apon-taram que a incidência média para efeito colateral

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psiquiátrico foi de 17% nos pacientes tratados cominterferon alfa. Neste caso em particular, tratava-sede um paciente com longo histórico de abuso deálcool, cuja anamnese nega depressão ou tratamentopsiquiátrico anterior, exceto por vários meses deaconselhamento matrimonial. Na sua família haviacasos de transtorno do humor e alcoolismo. A dosede fluoxetina teve uma redução para 20mg três ve-zes por semana, porque apresentou leve discinesiaoral e anorexia importante. Os pesquisadores agru-param os efeitos psiquiátricos produzidos pelointerferon em três: depressão, delirium e mudançaorgânica da personalidade.

Dusheiko8 publica uma revisão, em 1997, so-bre os efeitos colaterais do interferon alfa, na qualfaz referência aos efeitos colaterais neuropsi-quiátricos como sendo imprevisíveis. Compara ointerferon alfacon (um composto sintético que foiformado pela combinação das posições deaminoácidos mais comuns em vários subtipos não-alélicos do interferon alfa para originar uma seqüên-cia consensual, por isso é dado o nome de alfacon1)nas doses de 3µg e 9µg ao interferon alfa 2-b emdose de 15µg. Foi relatado maior número de casosde depressão, nervosismo, fadiga, ansiedade elabilidade emocional para as doses maiores doalfacon. O próprio Dusheiko recomenda adminis-trar a dose à noite para reduzir a freqüência destesefeitos. Ele considera grave a depressão, e, dianteda ideação suicida, recomenda que o tratamentodeva ser suspenso. O autor levanta a possibilidadede que a ideação suicida possa ser mais freqüenteem pacientes com histórico positivo para depres-são; mostra também que foi reportada em pacien-tes sem história psiquiátrica anterior. Não existe re-ferência no artigo se foi feito um acompanhamentopsiquiátrico destes pacientes durante ou depois dotratamento com interferon.

Nesse mesmo ano, foi apresentada uma revi-são sobre o uso de interferon beta em pacientescom esclerose múltipla24, comparando-se ossubtipos beta 1-a e beta 1-b. A própria doençatem sido freqüentemente vinculada à depressão,mas o grupo de pacientes que usou o interferonbeta 1-b mostrou maior incidência de depressãoem relação ao grupo do subtipo 1-a. Os autoresassociam ao tratamento da depressão uma satis-fação maior do paciente no seu tratamento cominterferon. É mencionado dentro do artigo o usodo inventário de Beck para os dois grupos depacientes, mas não determinam os métodos di-agnósticos usados.

Numa carta publicada em dezembro de 1998,Monji e Yoshida22 relataram o caso de um homemde 40 anos sem história pessoal ou familiarpsiquiátrica que desenvolveu sintomas diagnosti-cados como transtorno bipolar quando usouinterferon alfa para hepatite C. O tratamento foiiniciado em maio de 1993, sendo suspenso emmarço de l994, pouco antes de ser internado navigência de crise maníaca. Estabilizou-se em 1997com lítio e amitriptilina. Não existem dados sufi-cientes dentro deste relato para determinar se nãoé uma co-morbidade na qual o paciente de qual-quer maneira iria desenvolver a oscilação do hu-mor compatível com o diagnóstico acima. É umcaso onde se sugere uma relação de causalidadeentre mania e interferon. Nas publicações do iní-cio da década de 1990, associavam-se delirium eencefalopatia15, 16, 18 com doses altas de interferon.

Posteriormente começaram a aparecer os ar-tigos com relatos de transtorno orgânico do hu-mor em doses mais baixas do mesmo10, 33, 34. Yatese Gleason34, dois dos autores que mais publicamsobre o assunto, num artigo sobre cinco casosonde usaram diferentes antidepressivos junto aotratamento da citocina, empregaram sertralina,imipramina e paroxetina com bom resultado emtrês dos pacientes que precisaram de medicação.Acompanharam 72 pacientes com hepatite C, dosquais 14 estavam recebendo interferon e 7 che-garam já deprimidos na primeira entrevista. Nes-te artigo, eles não fazem referência a materiais ea métodos empregados na avaliação do quadrodepressivo, como também não excluem abuso dedrogas recente e só um dos cinco não tinha his-tória pessoal para problemas psiquiátricos. Ao lon-go da discussão os autores fazem referência a umaincidência de depressão de 24% na população depacientes com hepatite C.

Apresentaram um pôster no congresso ame-ricano da Associação Americana em 2000 ondeavaliaram a qualidade de vida, a depressão e a me-lhora após introdução do antidepressivo em 11 pa-cientes em um estudo aberto de quatro semanas10.

Borras e Rio2, na unidade de neuroimunologiaem Barcelona, avaliaram pacientes com esclerosemúltipla e uso de interferon beta 1-b. Usaram aescala Hamilton e o inventário Beck junto a outroinventário para ansiedade e traço de ansiedade.Questionaram a exclusão de pacientes deprimidosda oportunidade de usar interferon e, por conside-rar que faria falta uma avaliação longitudinal, fize-ram dois anos e meio de seguimento. As entrevis-

Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al.

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tas foram feitas pelo neuropsicólogo da unidadeno dia anterior à primeira dose, no final do primei-ro ano e um ano depois (24 meses). Oito por cen-to dos pacientes não retornaram no primeiro anoe 64% de 90 pacientes forneceram dados psicoló-gicos. Mencionaram dois pacientes que foram in-cluídos usando fluoxetina e amitriptilina, medica-ções que foram mantidas até o final do estudo. Apontuação obtida para a escala Hamilton em 97,8%dos pacientes foi de menos de 18 pontos usando-se a escala de 23 itens.

Para o questionário auto-administrado deBeck, com 21 perguntas, consideraram depres-são mínima (pontuação de 10-15); leve (pontua-ção de 16-19); moderada (20-29) e severa (30-63). Dentro destes parâmetros, deduziram que18% teriam sinais de depressão mínima; 6,7%corresponderiam à depressão leve e 4,4%, à mo-derada. Na escala de ansiedade, apontaram queas mulheres tiveram pontuação maior que a doshomens. Esta escala considera ansiedade e traçode ansiedade, sendo maior a percentagem paratraço do que para ansiedade propriamente dita.Após a análise estatística, não observaram piorano estado emocional e, pelo contrário, relataramuma melhora significante durante o tratamento.Na discussão, consideraram que deveriam ter usa-do controles, mas optaram por não ferir a éticaincluindo pacientes sem tratamento. Finalizaramconsiderando que os sintomas físicos poderiaminfluir na avaliação subjetiva dos pacientes, sen-do que, no início do tratamento, eles usaramesteróide para evitar o mal-estar físico ocasiona-do pelo interferon. Os autores analisaram os da-dos do segundo ano encontrando uma percenta-gem de 22,6% na ansiedade do grupo femininoem comparação a 15,1% relatados no primeirodia. O estudo não prosseguiu após este tempo, enão foi determinado o método pelo qual foi esta-belecido o diagnóstico do estado mental. Brasil34,em uma revisão sobre efeitos psiquiátricos das me-dicações clínicas, comenta o efeito estimulanteque o corticóide pode ter em alguns pacientes.Este poderia ser um fator contribuinte para nãoencontrar maior incidência de depressão mode-rada a grave.

O estudo de Mohr21, realizado em 1997, usouum questionário de quatro perguntas,contactando os pacientes pelo correio num en-saio clínico realizado em pacientes com esclerosemúltipla. Observaram um aumento da adesão aotratamento com interferon beta naqueles pacien-

tes com queixas depressivas que receberam tra-tamento antidepressivo, terapia de suporte ouambos. No comentário final, apontaram que adepressão encontrada na esclerose múltipla qua-se nunca preenche critérios para o diagnóstico detranstorno depressivo maior do DSM-IV. Eles es-clareceram que seu estudo não foi desenhado paradeterminar se os sintomas depressivos refletem ahistória natural da esclerose múltipla ou uma rea-ção ao interferon beta-1b ou, talvez, um desa-pontamento nas expectativas criadas antecipada-mente ao tratamento. Os resultados sugerem quea adesão ao tratamento com a citocina pode sermelhorado com a identificação e tratamento dospacientes com sintomas subjetivos de depressão.Mohr acompanha os pacientes que não comple-taram o tratamento de um estudo e pesquisa oporquê. Em 1998, aponta novamente a depres-são como causa de descontinuação do interferonbeta 1-a20.

Lerner15, em um artigo sobre a toxicidade dascitocinas, aponta que o hipotireoidismo aconte-ce com freqüência duas a três vezes maior que ohipertireoidismo. Vincula a depressão à alteraçãoda tireóide, apontando como obrigatório avaliarfunção tireoidiana, porque a citocina induz auto-anticorpos por volta do segundo ao quarto mêsde tratamento.

Okanue et al.25, num estudo usando-se altasdoses de interferon para hepatite C crônica, du-rante um percurso de três anos (1992-1995), es-tudaram 987 pacientes, sendo que um terço dospacientes (310) teve a dose reduzida por causade efeitos colaterais como: leucopenia, trombo-citopenia, diabetes melito e problemastireoidianos. Concluíram que a severidade dos sin-tomas é diretamente relacionada à dose e à fre-qüência da administração, mas existe uma acen-tuada variabilidade individual. Neste estudo, 23pacientes apresentaram sintomas depressivos; seisdeles receberam diagnóstico de depressão. Nãofoi especificado o tratamento, mas consta no re-lato que se recuperaram de seu transtorno psico-lógico. Dois dos pacientes tentaram suicídio e nadiscussão os pesquisadores enfatizaram a neces-sidade de monitorar cuidadosamente este aspec-to entre os efeitos colaterais. Consideraram que atoxicidade do interferon para o sistema nervosocentral foi relacionada à dose e aumentou juntocom a duração do tratamento. Também observa-ram uma freqüência mais alta em pessoas da ter-ceira idade.

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Em um artigo sobre hepatite C, em um hospi-tal de nível III, com 500 pacientes, Lee et al.14 en-contraram uma incidência de 24% para sintomasdepressivos em pacientes com hepatite C sem tra-tamento. Sugeriram como assunto para uma pes-quisa futura que as manifestações extra-hepáti-cas são dependentes do genótipo da doença –atualmente se considera que a progressão paracirrose e a falha hepática são mais freqüentes nogenótipo 1a do que no 1b. Trata-se de um estudoretrospectivo onde 60% dos pacientes que apre-sentaram sintomas estavam recebendo tratamen-to antidepressivo quando foram vistos pela pri-meira vez. Consideram que a alta aparição desintomas depressivos poderia ser atribuída à rea-ção depressiva porque estavam lidando com umnível de fadiga incomum e/ou preocupados coma saúde. Na discussão final apontam que fadiga edepressão são comuns em hepatite C e poderiamser variáveis dependentes. Avaliaram casos de pa-cientes, de 1975 a 1995, revisando seus prontuá-rios médicos. Este é um dos estudos, cuja revisãoabrange um prazo mais longo, no qual sugeremque a hepatite C sozinha poderia ter uma inci-dência maior de sintomas depressivos14, 29. Nãoencontraram relação entre idade e depressão, nemos pacientes com histórico de dependência quí-mica apresentaram uma incidência maior de sin-tomas depressivos. Não mencionaram os méto-dos usados para o diagnóstico da depressão nemcomo estabeleceram a diferença entre a mesma ea reação depressiva.

A relação entre usuários de droga, interferone hepatite C foi revisada por Johnson e Fisher13

em um artigo realizado no Departamento de Psi-cologia da Universidade de Alaska. Na introdu-ção do artigo, os autores comentaram que a lite-ratura deveria avaliar se a depressão é preexistenteà introdução do interferon ou se é um efeitocolateral do mesmo ou ainda seria uma caracte-rística comum a usuários de drogas. Examinaram310 usuários de drogas com pelo menos 30 diasde abstinência comprovada por exame físico eanálise em urina de metabólitos para morfina,cocaína ou anfetamina. O objetivo do estudo eradeterminar o tipo de intervenção que ajudaria osusuários de drogas a prevenir a disseminação dovírus do HIV e, como parte de sua participação,deveriam preencher o questionário CES-D: escalado centro para estudos epidemiológicos de de-pressão. Este instrumento, preenchido pelos pró-prios pacientes, consta de 20 itens, cada um com

quatro opções, oscilando entre zero – nunca – atétrês – quase todo o tempo. Avalia também qua-tro subescalas: somática/retardo na atividade; afe-to deprimido; afeto positivo e interpessoal. Den-tro dos resultados, não encontraram diferençaestatística na pontuação para depressão entrepacientes com o vírus C e aqueles sem ele. Quan-do aplicaram Manova, usando as subescalas doCES-D como variáveis dependentes e a hepatiteC como variável independente, encontraram al-guma diferença nas duas primeiras subescalas(qualidade deprimida do afeto e retardo na ativi-dade/somática). Devemos levar em conta que ahepatite C produz fadiga como sintoma. Na dis-cussão, colocaram uma série de dúvidas sobre acomplexa relação existente entre a depressão, ahepatite C e o uso de drogas mesmo sem o usodo interferon.

Em uma carta aos editores, Capuron e Ravaud4

relataram que em dez pacientes com melanomaem uso de interferon alfa como terapia coadju-vante à imunoterapia, três aumentaram a pontu-ação da escala Montgomery Asberg Rating Scale(Madrs) após quatro semanas de uso da citocina,entre os que apresentaram pontuação maior naescala no primeiro dia do estudo. Postularam queo estado do humor no início do tratamento po-deria nos predizer como o mesmo evoluiria juntoao tratamento com interferon. Excluíram pacien-tes com histórico positivo para depressão e acom-panharam o grupo por quatro semanas.

Segundo a mesma linha de raciocínio, Cotlere Wartelle5 mencionaram que os efeitos colateraispodem ser uma exacerbação de sintomaspreexistentes. Numa tentativa de predizer a res-posta ao tratamento com interferon, acompanha-ram 222 pacientes avaliados na linha de base e,seis meses depois, para sintomas como fadiga,mialgia, artralgia, depressão, febre, náusea, cala-frios, vômito e cefaléia. Acompanharam pacien-tes na França e nos Estados Unidos. Propuseramaumentar a dose do interferon no quarto mês casoa prova para detecção do vírus C (RNA) no soropelo PCR (polimerase chain reaction) fossedetectável. Consideraram que a piora dos sinto-mas estava relacionada à quantidade dointerferon, mas não ao regime de administração.No uso diário, os pacientes toleravam-no melhordo que na administração de três vezes por sema-na. Não aplicaram escalas de acompanhamentoda intensidade da depressão; usaram medicaçãoantidepressiva apoiada nos sintomas relatados

Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al.

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pelos pacientes e na avaliação clínica dos investi-gadores. Perguntaram sobre o uso atual de dro-gas ou álcool, mas não o padrão de uso anterior.

Mulder e Ang23 seguiram 63 pacientes em seismeses de tratamento, os quais, na primeira entrevis-ta, foram avaliados pela psiquiatria, usando SCID peloDSM III-R. Posteriormente, foram vistos mensalmen-te pela enfermagem, receberam uma escala para pre-enchimento (SCL-90: Hopkins Symptom Checklist),que foi respondida por 49 pacientes. Relataram ain-da que 75% dos pacientes da amostra teriam feitouso de drogas endovenosas. Avaliaram depressão,ansiedade e raiva, não encontrando um aumento sig-nificativo até o final do estudo. Naqueles que tiverampontuação alta nos sintomas depressivos no início doestudo, a pontuação continuou alta, mas não mudousignificativamente. Os dez pacientes que apresenta-ram sintomas depressivos ou depressão não foramrelacionados diretamente com o tratamento cominterferon. Cinco dos pacientes foram tratados paradepressão sem ser especificado com qual medicamen-to. Não existe referência a nenhum seguimento psi-quiátrico posterior.

Miyaoka e Otsubo19 compararam dois tiposdiferentes de interferon em 66 pacientes pelo es-paço de um ano. Fizeram avaliação psiquiátricaao ingressar no estudo, antes de iniciar qualquertratamento e depois, no final do primeiro mês,após um ano e dois anos. Usaram os critérios doDSM III-R e a escala Hamilton, encontrando que:27,1% dos pacientes satisfaziam critérios paraepisódio depressivo; dois dos pacientes apresen-taram ideação suicida, mas nenhum tentou de fatoo suicídio.

Sobre o interferon pegilado, Zeuzem e Feinman35

publicaram um artigo recente onde 531 pacientesterminaram o acompanhamento demonstrandouma eficácia superior ao interferon alfa 2-a sozinho,com incidência de 16% de depressão. Deste grupo,os autores consideraram que seis tiveram efeito ad-verso psiquiátrico grave: quatro com depressão gra-ve, um com psicose e outro que morreu de overdosede heroína, porém, como já tinha histórico de usoEV de drogas, foi uma morte considerada não-rela-cionada à citocina.

Taruschio30, 31 apresentou um trabalho no con-gresso de gastroenterologia, em 1996, onde ana-lisou 30 pacientes com hepatite C aplicando asseguintes escalas BDI, Madrs, Stai, Hama, BPRS,Staxi, CGI. Encontrou que 20% teriam diagnósti-co de ansiedade generalizada e 10%, de transtor-

no do humor. Considerou que a astenia, a cefaléia,a dor muscular, as dificuldades de concentraçãoe as alterações da libido poderiam ser sintomasda depressão não-diagnosticada. No resumo nãodeterminaram o tempo do estudo nem se foi fei-to algum seguimento depois.

Já Taruschio, Sica e Migliorini31, do departa-mento de psiquiatria de Bologna, publicaram umareferência aos efeitos psiquiátricos do interferoncomo sendo mais freqüentes em idosos com neo-plasias após uso endovenoso de doses altas. So-bre a terapia para o vírus da hepatite C fazem trêsrelatos de caso onde foram feitos os diagnósticosde: psicose, pânico e depressão. Não relataram ouso de nenhuma entrevista semi-estruturada nemdeterminaram se essas manifestações teriam apa-recido antes da entrada da citocina.

Em outro estudo, os italianos Fattovich eGiustina9 fizeram uma retrospectiva usandointerferon alfa, dividindo sua toxicidade em he-pática e extra-hepática. Em uma amostra de11.241 pacientes de 73 centros italianos, menci-onam dois casos onde detectaram depressão quelevou a tentativa de suicídio. Dez pacientes de-senvolveram psicose, não especificando o trata-mento utilizado para a remissão do quadro. Con-cluem que os efeitos colaterais do interferontiveram uma incidência considerada baixa (0,04%para efeitos fatais e 0,07% para efeitos colateraisde longo prazo).

Heeringa e Honkoop12 relatam seis casos psi-quiátricos de depressão e de psicose ou deliriumdesenvolvidos após o começo do interferon alfa2b. Dois dos pacientes teriam tido sintomas des-critos como psíquicos previamente. Depois de pa-rar a medicação, quatro se recuperaram. Umpaciente cometeu suicídio e outro não foi possí-vel acompanhar.

Em outro estudo com interferon alfa para 18pacientes com uveíte auto-imune, Sanchez Romane Pulido Aguilera27 colocaram depressãoendógena entre os critérios de exclusão. Mesmoassim, encontraram depressão em três casos, aqual melhorou após a suspensão do tratamentocom a citocina. O tempo de tratamento foi deum ano. Não mencionaram acompanhamentoposterior nem se os pacientes foram avaliadosantes pela psiquiatria.

Dieperink, Willenbring e Ho6, em um artigosobre sintomas neuropsiquiátricos, em pacientes

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com uso de interferon em hepatite C, fizeram umarevisão da doença, da história natural, do trata-mento, da qualidade de vida e dos efeitoscolaterais. Focalizaram os mecanismos das mu-danças neuropsiquiátricas associadas ao interferone propuseram tratamentos a partir de cuidadosarevisão bibliográfica. Apontaram que os sintomasneurológicos associados à citocina seriam:parestesias, confusão, afasias, cegueira cortical,delirium, síndromes extrapiramidais como ataxiase acatisias. Fizeram referência a dois artigos quedocumentam ondas lentas na atividade

eletrofisiológica do EEG e estes sintomas seriammais comuns na velhice e nos pacientesoncológicos. Documentam, numa tabela, os es-tudos, o instrumento usado e os achados quantoà depressão ou ansiedade (TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2).

Dentro do corpo do artigo fazem uma divisãodos sintomas produzidos pelo interferon como:cognitivos, afetivos e o componente comporta-mental.

Rifflet26 reportou cinco casos de efeitos psiquiá-tricos em pacientes tratados com interferon alfa para

Tabela 2 – Alterações psiquiátricas em pacientes com hepatite C, com ou sem interferon alfa

Estudo Ano n Instrumentos Tratamento Resultados

Renault et al. 1987 58 SCL-90-R IFN-α Efeito colateral neuropsiquiátrico em 17%Cons. psiquiátrica

Davis et al. 1989 166 Relato subjetivo Placebo/IFN-α Sem diferenças entre os grupos quanto a depressão, fadigae irritabilidade: depressão em 8%-14%

Poynard et al. 1996 303 Relato subjetivo IFN-α Astenia em 50%, depressão em 9%

Okanue et al. 1996 677 Relato subjetivo IFN-α Desordens psicológicas em 24 (3,5%), tentativa de suicídioem dois (0,3%)

Fattovich et al. 1996 11.241 Entrevista retrospectiva IFN-α Psicose em dez pacientes, tentativa de suicídio em dois

Lee et al. 1997 359 Medical Chart Review Dados iniciais Depressão em 24% dos pacientes não-tratados; dois terçosprecisaram de antidepressivos

Otsubo et al. 1998 85 DSM-III-R, HDRS (1) Dados iniciais Depressão maior em dois; média da Hadrs: 3IFN-α Pontuação da HADRS e 37,3% (31 dos 83)

desenvolveram depressãoMalaguarnera et al. 1998 114 Zung Self Rating Dep. Scale IFN-α Média de pontuação > 50 (depressão moderada)

Aumentou a pontuação para todo o grupo tratado com IFN

Maunder et al. 1998 3 Série de casos IFN-α Originou sintomas de PTSD (5)Davis et al. 1998 345 Relato subjetivo IFN-α Depressão em 11%, insônia em 23%

IFN-α/ribavirina Depressão em 16%, insônia em 20%McHutchinson et al. 1998 912 Relato subjetivo IFN-α Ansiedade em 13%, piora da concentração em 14%,

depressão em 37%, labilidade emocional em 8%, insôniaem 27%, irritabilidade em 32% e fadiga em 70%

IFN-α/ribavirina Ansiedade em 18%, piora na concentração em 14%,depressão em 36%, labilidade emocional em 11%,fadiga em 70%, insônia em 39% e irritabilidade em 32%

Pariante et al. 1999 50 SCID for DSM-III-R (2) Dados iniciais Diagnóstico psiquiátrico atual em 16 (32%)IFN-α Dos pacientes com hepatite B e/ou C, 11 (22%)

desenvolveram condições psiquiátricas: depressão (n = 5),depressão sem especificação (n = 3), severa disforia (n = 2),t. de ansiedade generalizada (1)

Singh et al. 1997 82 Beck Dep. Sem tratamento Pacientes na fila do transplante com hepatite CInventory (BDI) apresentaram níveis de depressão significativamente

maiores do que aqueles sem o vírus CHunt et al. 1997 38 BDI, HADS (3) Sem tratamento HADS: 7% (2 de 28) possivelmente deprimidos, 4%

(1 de 28) deprimidos BDI: 30% (9 de 28) moderadamentedeprimidos

Johnson et al. 1998 309 CES-D Scale (4) Sem tratamento Sintomas depressivos em 57,2% dos usuários de drogascom hepatite C e em 48,2% daqueles sem hepatite C

(1) Hamilton Depression Rating Scale; (2) Structural Clinical Interview for DSM-III-R non patient edition; (3) Hospital Anxiety and Depression Scale; (4) Center for EpidemiologicalStudies Depression Scale; (5) Posttraumatic Stress Disorder.Dieperink E, Willenbring M, Ho S. American Journal of Psychiatry, 2000.

Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al.

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hepatite viral C. No primeiro dos casos, em um paci-ente com ideação suicida, ainda sem tentativa, foipossível retornar ao tratamento com interferon. Nosegundo e no terceiro caso, a depressão aconteceudurante o tratamento com a citocina, mas não desa-pareceu depois da parada do interferon. No total,houve duas mortes em quatro tentativas de suicídiodepois da retirada do interferon. A prevalência de ten-tativas de suicídio nos primeiros seis a 12 meses detratamento com interferon foi zero comparada a 1,3%durante os seis meses após a terapia em 306 pacien-tes com hepatite C crônica. Concluiu-se que a de-pressão não desaparece após a retirada do interferon,justificando um seguimento clínico especializado atémais freqüente após a suspensão do tratamento.

Durelli e Bongioanni7 apontaram a depressãocomo efeito colateral de interferon alfa 2-a(Roferon-A da Roche) num total de 46 pacientes comdiagnóstico de esclerose múltipla. Schwid28, em ou-tro estudo feito por neurologistas sobre o interferonbeta 1-b em esclerose múltipla, enfatiza a apariçãode hipertireoidismo sintomático em dois dos casos,os quais já faziam uso de imipramina, sem apontarno comentário porque foi indicado o tricíclico.

DiscussãoQuando se relacionam sintomas depressivos

com a hepatite C, devemos nos lembrar de que aprincipal via de contaminação é o uso de drogasendovenosas. Entre os usuários de drogas, incluin-do álcool, existe uma grande co-morbidade comtranstornos do humor. A contaminação com ví-rus do HIV dar-nos-ia particularidades diferentesda população exposta ao risco, assim como dasmedicações necessárias para o seu tratamento,sem contar as infecções oportunistas às quais osportadores do vírus já estão expostos.

Dependendo da população em estudo, esta-belece-se um viés de seleção quando focalizamosno interferon, já que a esclerose múltipla e a he-patite C foram relacionadas, mesmo sem medi-cação com a depressão, fazendo-se necessário es-

tabelecer um grupo de controle, sem usarinterferon, para determinar a incidência do trans-torno afetivo na doença de base. O paciente querecebe um diagnóstico de neoplasia pode fazeruma reação depressiva que só será diferenciadade um episódio depressivo maior por um especi-alista da área. Um outro médico pode nem notara mudança de humor. A depressão induzida pelointerferon começou a ser mais intensamentepesquisada após os relatos de suicídio que apare-ceram na literatura. Todos os artigos são unâni-mes em afirmar a necessidade de um trabalhoconjunto para melhor avaliação. Anteriormente,as recomendações para pacientes com históricode transtorno psiquiátrico eram as de suspendero tratamento ou excluir pacientes com anamnesepositiva para depressão da terapia com a citocina.Trata-se de um problema complexo, mas não épor isso que não poderá ser tentado um atendi-mento conjunto para o benefício de todos os pa-cientes. Na literatura mais recente, são comunsos relatos de tratamentos simultâneos da citocinacom antidepressivo, obtendo-se bons resultados.

É importante o subtipo do interferon a ser usa-do no estudo, e sua comparação com outro seriade valor, para ver se faz diferença na aparição dedepressão ou não. Alguns dos estudos comparan-do as diversas classes de interferon mostramprevalência diferente para o transtorno afetivo,sendo que o tipo alfa é o mais vinculado à de-pressão. Finalmente, o desenho do estudo, casoseja prospectivo, poderá definir as ferramentasusadas para coletar a informação. Por exemplo,uma entrevista semi-estruturada para padronizaros dados, mesmo com entrevistador experiente,aumentará a confiabilidade no diagnóstico do sin-toma observado dentro do estudo. As escalas de-terminam só a intensidade da depressão. Se o es-tudo for retrospectivo, não se tem nenhumcontrole sobre as variáveis a serem analisadas. Sópoderá ser um estudo descritivo, confiando queo quadro diagnosticado como depressivo venhaa se confirmar caso seja feito um acompanhamen-to depois do estudo.

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Endereço para correspondência

Marco Antônio Brasil

R. Voluntários da Pátria 455 – BotafogoCEP 22270-000 – Rio de Janeiro-RJ

Tel.: (21) 2527-3996

e-mail: [email protected]

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Hepatite C, interferon e depressão Brasil et al.

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R e s u m oFoi efetuada uma revisão crítica da literatura pertinente, distribuindo-se os estudos por suas três vertentes principais: os de

prevalência de comportamento violento em doentes mentais, os de prevalência de doenças mentais em populações violentas eestudos baseados na comunidade. Independentemente da linha de investigação, boa parte dos estudos atuais aponta para apresença de uma associação significativa entre doença mental e comportamento violento. Há, portanto, evidências de umaimportante associação entre doença mental e comportamento violento, comparativamente a populações normais, qualquer queseja a vertente estudada. A presença de co-morbidade com uso/abuso de álcool/drogas aumenta o risco de tais comportamen-tos.

Unitermosdoença mental; comportamento violento; criminosos; homicídio

S u m m a r y

A critical review of the literature was conducted on this subject and studies were divided in three categories: studies on the prevalencerate of violent behavior among psychiatric patients, studies of psychiatric illness among violent populations, and also community-basedstudies. Irrespective of the line of investigation, the review of the literature suggests that violent behavior is significantly associated withmental illness. So, there is evidence that a strong association exists between mental illness and violent behavior. Comorbidity with substance/alcohol use/abuse raises significantly the risk of violence.

Unitermsmental disease; violent behavior; offenders; homicide

1Doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Programa de Estudo e Assistência em Psiquiatria Forense, Instituto dePsiquiatria da UFRJ.2Professor-adjunto de Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Este artigo foi elaborado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) (processo E-26/ 170.129/2001) e fazparte do Projeto de Estudo da Violência Criminal e Psicopatia na Cidade do Rio de Janeiro.

Recebido em: 04.02.03

Aprovado em: 10.03.03

Doença mental e comportamentoviolento: novas evidências

da pesquisaMental disease and violent behavior: new evidence fromresearchFlavio Jozef1; Jorge Adelino Rodrigues da Silva2

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 127-135, 2003

Introdução um médico, no Rio de Janeiro, cometido por umpaciente seu, doente mental, bem como com fa-tos posteriores, ocorridos em São Paulo, envol-vendo um estudante de medicina, então sob tra-tamento psiquiátrico, e que se revelou um massmurder. Como acontece nestas ocasiões, estabe-leceu-se o debate sobre a questão da (eventual)

Freqüentemente, quando ocorrem episódiosde violência com grande repercussão na mídiaenvolvendo pacientes psiquiátricos, coloca-se emquestão a relação entre violência e doença men-tal. Assim se passou com o recente homicídio de

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periculosidade dos doentes mentais. Assim, pen-samos ser adequado tentar contribuir para o es-clarecimento da questão empreendendo uma re-visão da pesquisa relevante ao tema.

Nos últimos anos, porém, qualquer que seja adefinição empregada para comportamento violen-to*, sofreu uma radical modificação a visão, antesamplamente difundida e aceita, de que doença men-tal não está relacionada a qualquer aumento no ris-co de comportamento violento34. . . . . Os principais arau-tos desta opinião foram Monahan e Steadman30,considerados os decanos da epidemiologia criminal.Em seu clássico estudo, de 1983, estes autores,tranqüilizadoramente, asseguravam que, uma vezajustados estatisticamente, com relação às caracte-rísticas demográficas, dados que já apontavam parauma maior prevalência de criminalidade em doen-tes mentais tenderiam, então, a nivelá-los à popula-ção geral. Eles concluíam “não haver evidência con-sistente de que a prevalência real de comportamentocriminoso entre ex-pacientes psiquiátricos” excedes-se tal “prevalência na população geral, pareada parafatores demográficos e criminalidade prévia”. Po-rém esta opinião chocava-se com a de inúmeros psi-quiatras, que se baseavam em sua prática clínica.Posteriormente, Monahan28 retificou sua posição,considerando-a prematura e incorreta, ao concluirque estabelecer controles para classe social einstitucionalização seria um equívoco, pois, sendoestes fatores altamente relacionados a doença men-tal, atenuar-se-ia, artificialmente, esta relação.

Efetivamente, com o passar do tempo, em fe-nômeno raro na história da medicina, não só estavisão prévia foi perdendo apoio, como foi-se con-solidando outra, diametralmente oposta: a de que,de fato, existe uma ligação entre grandes psico-ses e comportamento violento. A respeito,Marzuk25 considerou cegueira** a dificuldade demuitos psiquiatras em aceitar a existência destarelação, lembrando que, para o público em ge-ral, este fato há muito já havia sido reconhecido.Para este novo consenso concorreram, basicamen-te, recentes pesquisas epidemiológicas, que vie-ram coroar uma série de estudos, analisados aseguir.

Método

*Definimos comportamento violento como o uso intencional de força ou ação física contra uma pessoa, seja como coação, sejacomo um fim em si, provocando dano físico ou moral na vítima, sendo que, necessariamente, este comportamento será criminoso.**“Ironically, it is only in recent years that we, mental health professionals and advocates for the mentally ill, have begun to appreciatethe association between violence and mental illness, a link that has been recognized by the general public for centuries. What took usso long? Why were we so blind?” (Marzuk PM, op. cit., p. 481).

Na presente revisão foram incluídos trabalhosrepresentativos de diversas fases da pesquisa so-bre o tema, selecionados por sua relevância, deautores universalmente considerados referênciasobre o tema, com artigos publicados em revistasimportantes e de grande repercussão. Adicional-mente, foi consultada a base de dados eletrônicaMedline, que forneceu 258 trabalhos, empregan-do as palavras-chave violence e mental disease.

Detenção de pacientespsiquiátricos

Uma das primeiras estratégias empregadas noestudo da questão foi a avaliação das taxas de de-tenção policial de ex-pacientes psiquiátricos. Nadécada de 1970, Steadman et al.37 apontaram,pela primeira vez, para um incremento nos nú-meros, apesar de equivocarem-se nas explicaçõespara este achado. Segundo Asnis et al.4, a maioriados estudos revela taxas (de detenção de ex-paci-entes) muito maiores do que as da população ge-ral, variando entre 1,2 e 29 vezes. Para Rabkin35,adicionalmente, esta diferença se acentuaria aoestudarmos especificamente as detenções polici-ais por crimes violentos.

Um problema destes estudos, especialmenteos iniciais, dizia respeito ao não-pareamento,quanto às características sociodemográficas, depacientes psiquiátricos e população geral. Estu-dos posteriores23, 50 preocuparam-se em corrigiresta deficiência, confirmando a presença de taxasde detenção policial significativamente mais ele-vadas para ex-pacientes psiquiátricos.

Exemplificando, Wessely et al.50 identificaramos pacientes com diagnóstico de esquizofrenia,parafrenia e outras psicoses não-orgânicas(n = 583), residentes na área de Camberwell, Lon-dres, atendidos pelo Maudsley Hospital, entre1975 e 1984. Eles foram comparados a grupo-controle de pacientes não-esquizofrênicos (n =583), pareado por idade, sexo e data da primeiraconsulta. Todos os diagnósticos foram revistos,

Doença mental e comportamento violento Jozef & da Silva

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empregando-se critérios do DSM-III-R. O períodode tempo sob risco de detenção criminal foi cal-culado subtraindo-se os períodos sob internaçãopsiquiátrica. Não houve diferenças entre os doisgrupos no que diz respeito às taxas de detençãoem geral. Porém, quanto a detenções por agres-são e outras formas de violência graves, homenscom esquizofrenia obtiveram taxas três vezesmaiores do que o grupo controle. Para mulherescom esquizofrenia, tanto as taxas de detenção emgeral quanto as por violência foram maiores. Osíndices do grupo-controle foram similares aos dapopulação geral. Uma limitação, porém, que podeser apontada neste estudo, é o fato de considerarapenas crimes que levaram a detenções. Porémele tem a vantagem de, controlando gênero, ida-de e data da primeira consulta, afastar fatoresgeneracionais, que influenciam sabidamente aconduta.

Uma crítica que tem sido feita a tais estudosdiz respeito à chamada criminalização dos doen-tes mentais, que consistiria em uma tendência doaparato jurídico-policial no sentido de deter maisdoentes mentais29. Ocorre que, inúmeras vezes,tais pacientes seriam internados em hospitais psi-quiátricos, ao invés de detidos, ao cometer atosviolentos. Na realidade, há indicações de que apolícia, na maior parte dos casos, estaria poucoinclinada a deter doentes mentais, especialmentesendo os delitos cometidos de pequena gravida-de8. Também, argumenta-se, ocorreria umapsiquiatrização do comportamento criminal27, ouseja, uma tendência a um maior influxo de indi-víduos com passado criminal para os hospitais psi-quiátricos.

Assim, gradativamente, tornou-se claro que amelhor forma de a pesquisa escapar dos sofismasinerentes a tais críticas, bem como de vieses cau-sados por processos de seleção, seria a realizaçãode estudos epidemiológicos mais amplos,especialmente os baseados na comunidade.

firmado em nosso meio por Silva36, pesquisandodelinqüentes juvenis. A visão de Guze e de seugrupo, de St. Louis, era a tradicional, ou seja, ade que não haveria entre os criminosos detidosqualquer excesso de doentes mentais.

Novamente, porém, isto não é o que pareceser observado usualmente na prática. Importan-tes estudos foram empreendidos a partir da dé-cada de 1980 por Pamela Taylor, na Prisão deBrixton, Grã-Bretanha. Dos indivíduos para látransferidos, 9% apresentavam algum quadropsicótico e 6%, esquizofrenia, que estava, por-tanto, super-representada nesta amostra. Entreos homicidas, particularmente, 8% apresenta-vam esquizofrenia43.

Com viés algo diverso, na mesma época ou-tros autores avaliaram o aumento relatado nasdetenções de doentes mentais. Para Teplin44, o altoíndice de detenções de ex-pacientes psiquiátricosverificado em uma grande cidade norte-america-na envolveria, freqüentemente, situações de ris-co para os pacientes (como perambular por viasexpressas, exposição, enfim, a situações perigo-sas). Porém estudo posterior da mesma autora,em 199045, avaliou, por meio do DIS, uma amos-tra de 627 detidos em fase de pré-julgamento, naCook County Jail, comparada a dados da popula-ção geral, obtidos na pesquisa da ECA(Epidemiological Catchment Area Study), e de-monstrou prevalência duas a três vezes maior paradepressão maior, mania e esquizofrenia entre osdetidos. À medida que neste estudo foram con-troladas as diferenças demográficas entre os doisgrupos, afastaram-se quaisquer dúvidas sobre aefetiva ocorrência do fenômeno. Andersen et al.2,estudando 228 presos na Dinamarca, com em-prego do PSE, PCL-R e DIS (Diagnostic InterviewSchedule), encontraram as presenças elevadas de8% de espectro esquizofrênico, 11% de transtor-nos afetivos, 18% de transtornos psiquiátricosmenores e 53% de abuso de substâncias. Sessen-ta e seis indivíduos receberam mais de um diag-nóstico, abuso de substâncias era co-mórbido em61 casos e personalidade anti-social foi encontra-da em 26. Investigações recentes de amostras re-presentativas de presos canadenses e norte-ame-ricanos6, 31 também revelaram taxas de prevalênciade doença mental, particularmente esquizofreniae transtornos afetivos maiores, mais elevadas quena população geral. Este último estudo, deHodgins e Côté16, avaliou, por meio do DIS, amos-tra de 456 presos de uma penitenciária de

Doença mental em prisões

Outra abordagem da questão foi o estudo daproporção de doentes mentais nas chamadas po-pulações violentas, como, por exemplo, crimino-sos detidos por crimes violentos. Guze et al.13, emseu estudo pioneiro, de 1969, examinou crimi-nosos detidos, encontrando grande prevalênciade sociopatia, alcoolismo e drogadicção, bemsuperior à população geral, achado que foi con-

Jozef & da Silva Doença mental e comportamento violento

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Quebec. Destes, 107 receberam diagnóstico dedoença mental grave (major mental disease –MMD) e 71 também foram diagnosticados comosofrendo de transtorno de personalidade anti-so-cial. A prevalência para transtornos squizofrênicosfoi sete vezes maior do que a da população gerale, para depressão maior, duas vezes. Outro estu-do, realizado com mulheres detidas31, encontrouuma prevalência significativamente maior deesquizofrenia e depressão maior, diversamente detranstornos ansiosos. Em nosso meio, estudo comhomicidas normais (em princípio, isentos de do-ença mental), detidos em delegacia policial no Riode Janeiro, indicou a presença, em 79,3% dos in-divíduos, de diagnósticos psiquiátricos, sendo55% de transtornos de personalidade e 53% dediagnósticos ligados a álcool/drogas (31% pos-suíam mais de um diagnóstico)21.

Questiona-se, porém, o chamado viés de sele-ção, mecanismo pelo qual o aparelho jurídico-cri-minal promoveria a chamada criminalização dosdoentes mentais. Pode-se ponderar ser pouco pro-vável que tanto as estruturas policiais quanto as pe-nais em diferentes países (lembrando-se que ambassão, geralmente, bastante independentes entre si)sofressem deste viés em comum. Para Hodgins etal.17, tal possibilidade seria “possível, embora alta-mente improvável”. Ademais, os números evidenci-ados em estudos mais recentes não dão margem adúvidas. Para Wessely49, é incontestável o fato deque indivíduos psicóticos, na realidade, tendem aser menos detidos, processados e aprisionados, ape-sar de serem os mesmos mais fáceis de apreender,no sentido literal da expressão. Ele considera tal fatodesejável, evidentemente, do ponto de vista huma-nitário, mas problemático no que tange à realizaçãode estudos epide- miológicos fidedignos.

Outra forma de enfocar o problema foi o exa-me do seguimento de ex-pacientes psiquiátricos,ou, ainda, do passado criminal violento depacientes internados. Hodgins et al.17 afirmamque, revendo 12 estudos norte-americanos eescandinavos de seguimento de pacientes psi-quiátricos após alta, comparados a pessoas dacomunidade, todos apontavam para uma pro-porção maior de ex-pacientes sendo condena-dos por crimes violentos.

Grossman et al.11 investigaram o passado cri-minal de 172 pacientes internados com doençasmentais graves. Destes, 27% haviam cometido cri-mes violentos. Comportamento violento associou-se, de forma decrescente, aos diagnósticos detranstorno esquizoafetivo (40%), esquizofrenia(28%), transtorno bipolar (24%), transtorno uni-polar (12,5%). Pacientes com psicose em ativida-de eram mais inclinados a possuir um históricode crimes violentos do que os demais.

Modestin et al.26 examinaram um universo de282 esquizofrênicos hospitalizados em um perío-do de três anos, em Berna, comparados a grupocontrole, pareado por idade, sexo, situação mari-tal e status social. Trinta e quatro por cento dospacientes e 35% dos controles possuíam regis-tros criminais, comparados a 15% da populaçãogeral masculina. Os pacientes masculinos possuí-am uma maior proporção de detenções por cri-mes violentos que os controles. Separadamente,os resultados para esquizofrenia e transtornosafetivos não alcançaram significância estatística,mas, ao se somarem, o risco (odds ratio) para de-tenções por violência atingiu 4,53 comparativa-mente aos controles.

*“...Several important findings emerge here. First, people who assaulted others were indeed significantly more likely to have psychiatricdisorders, with odds ratio typically in the range of 2.5 to 4. This pattern held up irrespective of which index was usedto identify violence or mental illness” (Swanson JW. op. cit., p. 109).

Estudos na comunidade

Empregando outra estratégia, epidemiológica,pesquisadores tentaram verificar, na comunidade, aocorrência comum de violência e transtornos men-tais. De forma pioneira, Swanson40 utilizou dadosda ECA nesta investigação. Por influência de LeeRobins, um dos coordenadores da ECA, haviam sidoincluídas no mesmo questões relativas a comporta-mento violento. Das pessoas saudáveis entrevista-das, 2% admitiram ter se comportado violentamen-te no ano anterior, contra 12% dos esquizofrênicos.Surpreendentemente, também houve uma associa-ção importante entre mania/depressão e violência,mas a associação mais forte foi para abuso de álco-ol/drogas. Tais dados levaram Swanson à conclusãode que haveria uma associação entre doença men-tal e comportamento violento maior do que a espe-rada. Para Swanson, doença mental adquiria o valorde fator significativo para a ocorrência de violên-cia*. Segundo Volavka48, este estudo, particularmen-

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te, foi responsável por uma ruptura, na medida emque demonstrou, pela primeira vez, que a associaçãoentre doença mental e comportamento violento nãoera um mero artefato, criado por vieses envolvidosna seleção de amostras ou em procedimentos polici-ais*. Isto se deu, como ressalta Hodgins15, apesar delimitações que têm sido atrubuídas ao estudo da ECA,tais como o emprego de um instrumento diagnóstico,o DIS, que subestima a prevalência dos grandes trans-tornos mentais, bem como a sub-representação deindivíduos com sintomas paranóides, menos incli-nados a participar da entrevista diagnóstica, ou ain-da o sub-registro dos sem- teto. Também, comomostram Eronen et al.8, pessoas oriundas da comu-nidade mas residindo em instituições no momentodo estudo ficam excluídas, o que pode ter descartadojustamente doentes e indivíduos violentos de formagrave. Já os estudos citados a seguir contornaram esteproblema baseando-se em registros de nascimento eincluindo tanto indivíduos em residências particula-res quanto em instituições como prisões ou hospitais.

Exemplificando, Link et al.23 compararam umaamostra de moradores de um bairro de Nova York,Washington Heights, com um grupo de pacientespsiquiátricos em tratamento ambulatorial na mes-ma localidade. Foram controlados fatores socio-demográficos, tais como situação econômica e edu-cacional, bem como os étnicos, mantendo-se, aindaassim, o grupo de pacientes como bem mais incli-nado a cometer violências do que o grupo-contro-le, resultando significativamente em mais deten-ções por crimes violentos. Foram examinadosdados oficiais, bem como informações de auto-re-lato, tais como participação em disputas físicas,emprego de armas ou provocação de lesões. Emtodas as medidas de violência os pacientes psiqui-átricos apresentavam, consistentemente, participa-ção maior – em alguns casos, duas ou três vezesmaior. A presença de atividade delirante, especial-mente delírio de cunho persecutório, de controleou de inserção de pensamentos, correlacionava-sepositivamente com comportamento violento, in-dependentemente de diagnóstico ou vinculação atratamento. O fato de pacientes mais psicóticos se-rem os mais perigosos significou uma confirma-ção adicional da hipótese de que estapericulosidade devia-se a sintomas psicóticos, e nãoa quaisquer outros fatores, como idade, classe so-cial ou gênero.

Estudo posterior utilizando a mesma meto-dologia foi realizado em Israel39. Os transtornospsiquiátricos foram divididos em cinco categorias:1) transtornos psicóticos incluindo esquizofrenia,transtorno esquizoafetivo ou psicose funcional ines-pecífica e depressão maior com psicose; 2) trans-torno bipolar; 3) depressão maior sem psicose; 4)transtorno de ansiedade generalizada; 5) fobias.Encontrou-se que o risco relativo de comportamen-to violento para indivíduos apresentando transtor-no psicótico de qualquer tipo, após ser feito con-trole para abuso de substâncias, transtorno depersonalidade anti-social e características demo-gráficas, era de 3,3 para disputas físicas e de 6,6para emprego de armas. De forma contrastante,entre os diagnosticados com depressão não-psicótica, transtorno de ansiedade generalizada oufobias não houve aumento discernível do risco paraviolência, em comparação à população geral.

Finalmente, o clássico estudo levado a efeitopor Hodgins et al.17 examinou a prevalência edistribuição de criminalidade e doenças mentaisem uma coorte de nascimentos, não-seleciona-da, na Dinamarca, grupo este seguido do nasci-mento até a idade de 43 anos e incluindo358.180 indivíduos. O grande número de indi-víduos envolvidos e a faixa etária ampla, englo-bando as faixas de risco para criminalidade e paraas grandes psicoses, mas excluindo as enfermi-dades envolvidas no envelhecimento, foram al-gumas das vantagens do desenho deste estudo,realizado em um país com detalhados registros,tanto criminais quanto de saúde da população.Este estudo indicou que os indivíduos com his-tória de hospitalização psiquiátrica e com diag-nóstico de transtorno mental maior, tanto ho-mens quanto mulheres, estavam mais inclinadosa terem uma condenação por crime. Já mulhe-res com um transtorno mental maior apresenta-vam um risco para violência especificamente,maior do que para criminalidade em sentido am-plo. Com relação à faixa etária, chamou a aten-ção dos autores o fato de que 34% dos pacien-tes masculinos e 67% dos femininos comtranstorno mental maior que delinqüiram fize-ram-no pela primeira vez entre 30 e 46 anos, oque indicaria uma subestimação da violência emestudos voltados para populações jovens (a

*Volavka J. Neurobiology of violence. Washington: Am Psychiatric Press; 1995. p. 224.

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exemplo de Eronen et al.9), abarcando a faixaaté 25 anos. Adicionalmente, os autores comen-taram haver um bom número de delitos nãoconduzindo a processo ou prisão devidos ao es-tado psicótico dos perpetradores.

Posteriormente, Hodgins15 especulou, com re-lação aos cinco grandes estudos epidemiológicoscom coorte de nascimentos pós-Segunda GuerraMundial, que o maior risco de comportamentocriminal, violento ou não, apontado por todosestes estudos, para pessoas com transtorno men-tal maior aplicar-se-ia apenas às gerações estuda-das, indivíduos nascidos entre o final da décadade 1940 e as décadas de 1950 e 1960, especu-lando que tais pacientes teriam recebido cuida-dos psiquiátricos inadequados e inapropriados eque incluiriam indivíduos com comportamentoanti-social constante, desde a infância até a ma-turidade, de uma forma inédita, tanto em relaçãoàs gerações prévias quanto às posteriores.

esquizofrênicos do que a população geral. Con-cluíram os autores que esquizofrenia aumentavaa taxa de risco (odds ratio) para o cometimentode violência homicida em oito vezes para homense 6,5 vezes para mulheres. A realização deste es-tudo foi facilitada pela elevada taxa de esclareci-mento de homicídios por parte da polícia daque-le país, bem como pela realização rotineira deexame psiquiátrico em homicidas detidos. Paraos autores, os dados encontrados apoiavam osresultados de um estudo preliminar51, com amos-tra de um ano, de homicidas finlandeses.

O mesmo grupo avaliou o risco para o come-timento de homicídios em um grupo de 281 ex-pacientes psiquiátrico-forenses47. Para os esquizo-frênicos, o risco detectado foi 50 vezes maior doque para a população geral.

A avaliação de 21 homicidas recidivistas sue-cos1 demonstrou que a maioria apresentava trans-tornos de personalidade, muitos possuíam diag-nósticos ligados a álcool/drogas e 10% sofriamde esquizofrenia. Estudo similar realizado na Fin-lândia46 (n = 13) demonstrou que todos sofriamde transtornos mentais, 11 apresentavam trans-tornos de personalidade associados a alcoolismoe dois eram esquizofrênicos.

Para Gottlieb et al.10, a taxa para o aumentodo risco (odds ratio for the risk increase) em ho-micídio cometido por psicóticos foi de seis parahomens e de 16 para mulheres.

Naturalmente, a etapa seguinte da pesquisaseria a investigação dos mecanismos que mediari-am este maior risco. Os estudos apontam para ossintomas delirantes42, especialmente os relacio-nados a vivências de ameaça (sintomas perse-cutórios) ou de perda de controle24 (idéias de con-trole ou inserção de pensamentos, por exemplo).....Nestor et al.32 delinearam o perfil clínico de homi-cidas internados em manicômio judiciário. Umagrande proporção de tais pacientes possuía con-vicções delirantes sistematizadas, relacionadas apessoas específicas, como, por exemplo, familia-res. Outra revisão do tema22 confirmou a grandeproporção de atos violentos cometidos por paci-entes psiquiátricos motivados por crenças deliran-tes voltadas para alvos específicos. Com efeito, jáo estudo de Hafner e Boker14 apontava para o fatode que mais de dois terços dos homens e 71% dasmulheres que mataram (ou quase) haviam estabe-lecido uma relação delirante com suas vítimas naocasião do crime.

Homicídio e doença mental

Uma estratégia que tem a vantagem de per-mitir uma focalização mais precisa do problemaé o estudo da relação entre homicídio e doençamental19. Homicídio, neste contexto, torna-se umparadigma de comportamento violento, sua for-ma mais visível e grave, a ponta do iceberg domontante de violência de uma dada sociedade.Seu grande impacto psicológico e social faz comque as estatísticas que a ele se referem tendam aser as mais precisas, com conseqüências inesti-máveis para a pesquisa.

Diversos autores têm defendido a presença deuma associação entre esquizofrenia e comportamen-to violento5, 33, 41. O estudo clássico de Hafner eBoker14, de 1973, avaliou os registros de todas astentativas de homicídio por doentes mentais em umperíodo de dez anos na então República Federal Ale-mã. Eles concluíram de forma otimista que as doen-ças mentais maiores e esquizofrenia não aumenta-vam o risco de criminalidade violenta. Contudo, umareanálise de seus dados14 demonstrou que osesquizofrênicos efetivamente possuíam um maiorrisco para o cometimento de violência criminal.

Eronen et al.9 reviram dados relativos a todosos homicídios cometidos na Finlândia entre 1984e 1991, sendo os 693 homicidas avaliados e acom-panhados por oito anos. Estatisticamente ajusta-do para idade, este grupo continha oito vezes mais

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Discussão homicídio (termômetro da violência universal-mente adotado), descrito na década de 1980, naDinamarca10, é fato preocupante, por deixartransparecer as repercussões que uma sociedadeglobalmente violenta poderia produzir em seusdoentes mentais desinstitucionalizados. Afinal, elesseriam submetidos aos mesmos fatoressocioculturais que os seus concidadãos saudáveis.Analisando esta questão, Gudjonsson12 apontoudiretamente a desinstitucionalização como res-ponsável por um incremento na violência porexpor pacientes a um maior número de situaçõesde risco. Sendo este um fenômeno recente e emcurso, abre-se a possibilidade de evoluções des-favoráveis. Sociedades mais violentas tenderiama expor os seus doentes mentais a mais situaçõesde risco, e isto, em um país sabidamente violentocomo o nosso18, merece cuidadosa reflexão.

Assim, número crescente de autores foi sendo le-vado a aceitar a existência de uma relação consisten-te entre comportamento violento e doença mental.Justapondo-se os achados de diferentes estudos,malgrado os diferentes procedimentos ou estratégiasmetodológicas, surge quadro similar com resultadossurpreendentemente semelhantes. A hipótese nega-tiva foi contraditada, especialmente pelos estudos maisrecentes, com menos falhas metodológicas econceituais, referentes tanto à abrangência das amos-tras estudadas quanto aos grupos-controle e àoperacionalização de variáveis-chave38. Alguns auto-res são taxativos, afirmando, por exemplo, que “háevidências convincentes de que comportamento vio-lento/homicida está associado, de forma significati-va, à doença mental”23 ou ainda que “a relação entreviolência e doença mental existe”*.

Podemos citar revisão empreendida porArboleda-Flórez3, que integrou as três categoriasde estudos (estudos de comportamento violentoe criminoso entre pacientes psiquiátricos, estudossobre a incidência de doença mental em crimino-sos e estudos epidemiológicos, baseados na co-munidade, correlacionando doença mental e vi-olência). Malgrado seu viés diverso, este autortambém se viu forçado a admitir a existência deuma associação entre doença mental e violência,ressaltando, porém, as incertezas quanto à suaprevisibilidade, devido às inúmeras co-variáveisque interfeririam na equação.

No entanto coloca-se a questão da efetiva par-ticipação dos doentes mentais na violência glo-bal em uma dada sociedade. Para Link et al.23, estacontribuição seria trivial, quase irrelevante.Swanson40 estimou que somente 3% da violênciana comunidade seria produzida por doentes men-tais. Afinal, mesmo sendo mais violentos, eles sãorelativamente poucos. Por outro lado, devido àincidência constante das principais psicoses atra-vés das diversas sociedades (o que contrasta coma forma como a violência se distribui), seria de seesperar uma maior participação relativa da vio-lência produzida por doentes mentais nas socie-dades menos violentas. Porém o aumento na par-ticipação de doentes mentais nos índices de

*“... Since epidemiological methods have improved, more reliable and scientifically valid data on the possible association betweenviolence and mental illness have been obtained, indicating that such a relationship exists” (Eronen M, Hakola P, Tihonen J. Mentaldisorders and homicidal behavior in Finland. Arch Gen Psychiatry 1996; 53: 497-501).

Conclusão

A valorização do fator doença mental, no quediz respeito à violência, é fato que deve ser en-frentado pela psiquiatria. Isto não significa quequalquer doente mental esteja inclinado a come-ter crimes violentos: a vasta maioria não o fará.Lem- bremos, também, que outros grupos exis-tem bem mais perigosos para a sociedade, comoos psicopatas violentos20. E nunca é demais repe-tir que o grande problema de saúde pública daatualidade, envolvendo psiquiatria e violência, dizrespeito ao abuso de álcool.

Devemos também lembrar que a resposta paraos riscos de comportamento violento no âmbitodas doenças mentais não está no retorno a práti-cas antigas, ao isolamento ou estigmatização, masna melhoria do cuidado, em apoio e tratamentosdispensados, sendo que a atenção prioritária devese voltar para aqueles de alto risco, os pacientespsiquiátricos avaliados como potencialmente vi-olentos. Aí, abordagens clínicas, socioambientais,bem como técnicas atuariais de previsão, devemser empregadas de uma forma integrada. Estespacientes devem receber, prioritariamente, ma-nejo amplo e intensivo7, sob pena de vir a sofrerconseqüências indesejáveis como uma maior car-ga de violência a ser suportada pela sociedade.

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Endereço para correspondência

Flávio Jozef

Instituto de Psiquiatria da UFRJAvenida Venceslau Brás 71 – FundosCEP 22290-140 – Rio de Janeiro-RJTel.: (21) 2295-2549

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

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R e s u m oO objetivo do presente estudo foi identificar, descrever e correlacionar com o quadro clínico as principais interações medica-

mentosas da venlafaxina, da mirtazapina e do milnaciprano, antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos mais específicoscomercializados no Brasil. Com esta finalidade, foi realizada uma revisão da literatura baseada em relatos de casos bem docu-mentados e em estudos farmacológicos selecionados a partir das monografias dos produtos. Uma tabela contendo as principaisinterações e os seus mecanismos, elaborada para permitir consultas rápidas, reforça a importância desta revisão, no sentido depermitir ao clínico uma maior segurança e um melhor manuseio desta nova classe de antidepressivos, principalmente quandoestes forem utilizados em associação com outros medicamentos da clínica médica. As interações mais importantes foram com osanti-hipertensivos, antianginosos, metildopa, depressores do sistema nervoso central e com a digoxina. As interaçõesmedicamentosas ainda não são suficientemente valorizadas pelos clínicos no momento do planejamento terapêutico, devendo omédico estar atento, principalmente em relação a esta nova classe de antidepressivos, pela possibilidade de provocarem interaçõescom graves efeitos indesejáveis, que poderão causar conseqüências clínicas danosas ao paciente.

Unitermosinteração medicamentosa; venlafaxina; mirtazapina; milnaciprano

S u m m a r yThis study intended to identify the principal possibilities of drug interactions of venlafaxine, mirtazapine and milnacipran, the main

selective serotonin/noradrenaline antidepressants traded in Brazil. For this purpose, a bibliographical review was made based onpharmacological studies selected from the monographs of the products and from good case reports. A table for quick consultation thatcontains the drug interactions and their mechanisms was prepared. This table permits a safer and better use of these antidepressants by thephysician, especially when they are used in association with other drugs of internal medicine. The most important interactions were withantihypertensives, drugs used to angina, metildopa, digoxin and central nervous system depressants. Drug interactions aren’t enoughappraised by physicians when they plan their treatment. Physicians must be aware that this new group of drugs can have interactions withharmful outcomes.

Unitermsdrug interactions; venlafaxine; mirtazapine; milnacipran

1Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Utad/Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); mestre em Neuropsiquiatria pelaUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE).2Departamento de Neuropsiquiatria; mestrado em Neuropsiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).3Mestre em Neuropsiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).4Residência em Psiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Recebido em: 07.10.02

Aprovado em: 19.12.02

Interações medicamentosas dosantidepressivos noradrenérgicos/

serotoninérgicosDrug interactions of noradrenergic/serotonergic antidepressantsDouglas Dogol Sucar1; Ewerton Botelho Sougey2; Amaury Cantilino3; Riane Marinho4

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 137-142 , 2003

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Introdução

Há uma grande preocupação, no momentoatual, em se descobrirem novos medicamentosantidepressivos que combinem o máximo de efi-cácia com um mínimo de efeitos adversos. Tal fatose justifica pelo motivo de a depressão ser umadoença de alta incidência e prevalência, além dese constituir em fator significativo de morbidade,que vem acometendo uma população cada vezmais jovem e em fase produtiva4.

Nesta perspectiva foram sintetizados osantidepressivos com atuação simultânea e maisse let iva sobre dois s i s temas deneurotransmissão: o serotoninérgico e onoradrenérgico, uma vez que os conhecimen-tos mais recentes indicavam uma interligaçãodos dois sistemas na constituição dos transtor-nos depressivos26, 35. Entretanto até o momen-to nenhuma teoria baseada exclusivamente nosneurotransmissores foi capaz de abranger e jus-tificar os vários achados clínicos e farmaco-lógicos. Os três principais representantes destaclasse de antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos comercializados no Brasil sãoa venlafaxina, a mirtazapina e o milnaciprano.

A venlafaxina é muito bem absorvida por viaoral, principalmente na sua formulação de libera-ção controlada, uma vez que proporciona umamenor velocidade de absorção, diminuindo tan-to a incidência quanto a intensidade da náuseacomumente vista com o comprimido de libera-ção imediata, além de permitir uma maior estabi-lidade em suas concentrações plasmáticas, tendocomo resultante uma melhor tolerabilidade e umamelhor eficácia clínica21, 34. Sua ligação às proteí-nas plasmáticas é muito baixa, em torno de 30%.Sofre intenso metabolismo logo após sua absor-ção. Seu principal metabólito ativo é a O-desmetil-venlafaxina (ODV), que tem perfil semelhante àvenlafaxina, embora tenha menor potência. Avenlafaxina é metabolizada pelo sistemacitocromo P450, preferencialmente pelaisoenzima 2D6, e o seu metabólito ODV, pela 34A.Sua rota primária de excreção é a via renal18, 20.

Seu principal mecanismo de ação consiste nainibição seletiva da recaptação de serotonina(5-HT) e de noradrenalina (NA), podendo, prin-cipalmente em função de suas concentrações maiselevadas, inibir a recaptação de dopamina (DA),não apresentando efeito farmacológico significa-

tivo sobre receptores colinérgicos, histaminérgicose alfadrenérgicos. Apresenta, de um modo geral,uma eficácia clínica bem diferenciada em funçãode uma resposta clínica mais precoce e proporci-onal à dose empregada3, 17.

A mirtazapina é bem absorvida por via oral, li-gando-se em torno de 85% às proteínasplasmáticas; é intensamente metabolizada no fí-gado através do sistema CP450, preferencialmentepela isoenzima 2D6, seguida pela 1A2 e 3A4, e oseu principal metabólito, a desmetilmirtazapina,praticamente não apresenta efeito biológico e éexcretada por via renal11, 16.

Seu principal mecanismo de ação consiste emaumentar de modo específico a neurotransmissãonoradrenérgica através do bloqueio dos auto-re-ceptores alfa-2. O aumento da transmissão nora-drenérgica conduz à estimulação, pela NA, dosreceptores alfa-1 pós-sinápticos dos neurôniosserotoninérgicos, produzindo aumento na libe-ração de serotonina, que é potencializada aindamais, pela capacidade da mirtazapina de bloque-ar os heterorreceptores alfa-1, e com isto inibir arecaptação da serotonina. A mirtazapina, comoparte do seu efeito terapêutico, bloqueia os re-ceptores 5HT2 e 5HT3 pós-sinápticos8.

Apresenta baixa afinidade pelos receptoresalfadrenérgicos, colinérgicos e dopaminérgicos,não apresentando efeito farmacológico significa-tivo, porém possui alta afinidade pelos recepto-res histaminérgicos H1

10. De um modo geral, semostra eficaz no tratamento da depressão, prin-cipalmente em doses mais elevadas, provavelmen-te pelo aumento da transmissão noradrenérgicasuperar o efeito sedativo H1

16, 26, 36.

O milnaciprano é muito bem absorvido porvia oral, com uma biodisponibilidade em tornode 90%. Sua concentração plasmática de equilí-brio é alcançada em torno do terceiro dia de usoe apresenta uma meia-vida plasmática em tornode oito horas. Apresenta um excelente perfil paraassociações com outros medicamentos, por apre-sentar uma baixa ligação às proteínas plasmáticas,em torno de 13%, e não ter metabólitos ativos25.Aproximadamente 60% da dose ingerida sãoexcretados na urina sem nenhuma alteração; orestante sofre um processo de conjugação e deN-desalquilação.

Apresenta potente ação inibidora da recap-tação de noradrenalina e serotonina, aparente-mente de forma equivalente. Não apresenta, em

Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Sucar et al.

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doses usuais, nenhum efeito clinicamente signifi-cativo em outros receptores15.

O fato de o clínico, no seu planejamento te-rapêutico, ainda não valorizar o suficiente asinterações medicamentosas propicia com maiorfreqüência associações incompatíveis ou poucoadequadas de medicamentos, que terminam porconduzir ao aparecimento de efeitos indesejáveisque poderão causar danos ao paciente e, em al-guns casos, até conduzir ao óbito.

Neste sentido, o objetivo deste estudo foi o deidentificar, descrever e estabelecer correlações como quadro clínico das principais interações medi-camentosas desta nova classe de antidepressivoscom outros medicamentos da clínica médica (TTTTTa-a-a-a-a-belabelabelabelabela). Para atender a este objetivo, foi realizadauma revisão da literatura fundamentada em rela-tos de casos e em estudos farmacológicos que fo-ram selecionados a partir das monografias destesprodutos. Tal conhecimento torna-se um impor-tante instrumento de referência para que o clínicopossa utilizar estes antidepressivos de forma maissegura e mais eficaz.

Principais possibilidadesde interações

Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos

Sítio de absorção

A venlafaxina e o milnaciprano, mais raramen-te, e a mirtazapina, de forma mais constante e in-tensa, produzem, através de um mecanismo ain-da não conhecido, ressecamento da cavidadeoral9, 16. Muito embora não haja nenhum relatona literatura, o clínico deve estar atento, pois épossível que o ressecamento da cavidade oral di-minua a velocidade de absorção de medicamen-tos administrados por via sublingual, como é ocaso dos nitratos, da nifedipina e do captopril.Tal fato poderá retardar o início do efeitofarmacológico destes medicamentos em uma si-tuação clínica que exija um rápido início de ação,principalmente nas crises de angina pectoris.

Sítio de ligação às proteínas

Este é um sítio que praticamente não apresentanenhuma possibilidade de interação medica-

Tabela – Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos mais específicos

Medicamento A Medicamento B Desfecho da interação

Milnaciprano (+) Nitratos A resseca a cavidade oral e retarda a absorção de BMirtazapina (+++) NifedipinaVenlafaxina (+) Captopril

Milnaciprano (++) Anti-hipertensivos A neurotransmissão noradrenérgica e antagoniza BMirtazapina (++)Venlafaxina (+++)

Milnaciprano (++) ISRSs acentuado de serotonina poderáMirtazapina (++) Sibutramina ocorrer síndrome serotoninérgicaVenlafaxina (+)

Mirtazapina (+++) Clozapina Somação dos efeitos sedativos

Venlafaxina Clozapina Potencialização dos efeitos antipsicóticos de B

Mirtazapina Clonidina A bloqueia os receptores alfa-2 pré-sinápticos eMetildopa antagoniza os efeitos de B

Milnaciprano (++) Simpatomiméticos A potencializa os efeitos pressores de BMirtazapina (++)Venlafaxina (++)

Mirtazapina Levodopa Aumento da probabilidade de surto psicótico

Venlafaxina (+) Cimetidina recíproco de suas concentrações plasmáticas

Mirtazapina Tabaco B o metabolismo de A e ¬ seu efeito terapêutico

Milnaciprano (+++) Digitálicos hipotensão ortostática

Milnaciprano Diuréticos B excreção de A e ¬ seu efeito terapêutico+ Pequena intensidade; ++ média intensidade; +++ alta intensidade; aumenta; ¬ diminui.ISRSs: inibidores seletivos da recaptação de serotonina.

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mentosa, uma vez que a venlafaxina, o milnacipranoe a mirtazapina se ligam pouco às proteínasplasmáticas: a venlafaxina em torno de 30%, omilnaciprano, 13%, e a mirtazapina, um pouco mais,em torno de 85%. Não é esperado, em condiçõesusuais, que estes medicamentos desloquem outrosdos seus pontos de ligação às proteínas e, ao con-trário de serem deslocados por outros medicamen-tos, o aumento de suas concentrações livres nestascondições praticamente não teria importância clíni-ca, em função da margem de concentração/ligaçãopermitir um suficiente equilíbrio, uma vez que ha-veria também um aumento do metabolismo,excreção e distribuição.

Sítio de ação

A venlafaxina, apesar de não apresentar pratica-mente nenhum risco de efeito cardiotóxico indesejá-vel, pelo menos nas doses usuais recomendadas, entre75mg/dia e 150mg/dia, poderá elevar a tensão arteriale até antagonizar o efeito hipotensor dos medicamen-tos anti-hipertensivos. Sua ação farmacológica de ini-bir principalmente a recaptação de noradrenalina au-menta acentuadamente e de forma crescente, com adose utilizada, a neurotransmissão noradrenérgica cen-tral, com anulação do principal mecanismo de suaregulação, que é a recaptação22, 29.

Na literatura especializada, os relatos sobre aspossibilidades de esta interação vir a ocorrer indicama necessidade de doses elevadas de venlafaxina, emtorno de 300mg/dia7, 13; entretanto documentamosno nosso serviço a antagonização do efeito hipotensordo captopril pela venlafaxina, com doses em tornode 100mg/dia29, 30. Deve-se evitar o uso da venlafaxinaem associação com os antidepressivos inibidores se-letivos de recaptação da serotonina (ISRSs), outrosmedicamentos que também possam elevar os níveisde serotonina na fenda sináptica, e os IMAOs, pelapossibilidade de ocorrer a síndrome serotoninérgica,convulsões e picos hipertensivos23, 24, 28.

Numa situação clínica específica, e estando opaciente acometido por um transtorno depressivograve, resistente aos tratamentos usuais, uma as-sociação com um ISRS poderá ser feita, de prefe-rência com o paciente internado em um hospitalgeral, iniciando-se com as menores doses possí-veis, principalmente de venlafaxina, já que osISRSs poderão diminuir seu metabolismo. Fazer,quando necessário, aumentos gradativos das do-ses e manter rigoroso controle das funções vitais.

Uma outra associação que poderia ser benéficaseria com a clozapina, pelo fato de se produzir um

incremento na neurotransmissão noradrenérgicaatravés de dois mecanismos diferentes: a clozapinapelo bloqueio do receptor alfa-2 pré-sináptico, e avenlafaxina pelo bloqueio de recaptação danoradrenalina, com possibilidade de acentuar amelhora dos sintomas negativos e a socialização dopaciente. Entretanto os cuidados com as doses em-pregadas e a monitorização dos sinais vitais deverãoser rigorosos, pela possibilidade de elevação da TA,que poderia ser compensada pelo efeito alfa-1adrenérgico da clozapina e pelo risco aumentadopara ocorrer agranulocitose.

A mirtazapina teoricamente poderá tambémantagonizar o efeito hipotensor dos anti-hiper-tensivos de um modo geral; entretanto haverámenor possibilidade de este fato ocorrer, uma vezque não interfere no mecanismo de recaptação danoradrenalina e tem algum efeito bloqueador alfa-1adrenérgico9, 26. Por bloquear o receptor alfa-2 pré-sináptico, poderá antagonizar o efeito hipotensorda metildopa e da clonidina, que atuam estimulan-do estes receptores10, 16. De um modo geral, deveráser evitada ou administrada sob rigorosa supervisãoe monitoramento dos valores pressóricos.

A mirtazapina, quando associada com aclozapina ou com outros medicamentos que te-nham ação depressora sobre o sistema nervosocentral, poderá apresentar somação dos efeitossedativos por conta do seu fortíssimo efeitobloqueador histaminérgico H1. Entretanto o seuefeito sedativo poderá ser suprimido pelo efeitoestimulante de doses mais elevadas8, 16, 26, desdeque o paciente possa tolerar. Além do mais, doponto de vista farmacológico, o mais provável éque se mantenha ou se eleve ainda mais o efeitosedativo, em função do maior bloqueio H1.

Assim como a venlafaxina e o milnaciprano, amirtazapina não deve ser associada com a sibu-tramina, pela possibilidade de se elevarem acentua-damente as concentrações sinápticas de noradre-nalina e serotonina, com risco de ocorrer síndromeserotoninérgica, convulsão e psicoses, entre outrosefeitos5, 6, 27, 31. Ainda em relação ao sítio de ação, éprovável que a mirtazapina, a venlafaxina e omilnaciprano potencializem os efeitos pressores dossimpatomiméticos, com possibilidade devasoconstrição acentuada no cérebro, diversos ór-gãos e taquicardia, podendo conduzir a conseqü-ências clínicas graves, com risco de vida.

Abo-Zena et al.1 relataram um caso de urgênciahipertensiva que ocorreu quando um paciente, comseu quadro clínico estabilizado com o uso da

Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Sucar et al.

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clonidina, começou a fazer uso da mirtazapina. Osautores concluíram que provavelmente o bloqueiodos receptores alfa-2 pré-sinápticos pela mirtazapina,com conseqüente aumento de liberação danoradrenalina na fenda sináptica, angonizou o efei-to hipotensor da clonidina, por impedir ou diminuira sua ligação e estimulação destes receptores.

Em outro relato de caso, Norman et al.19 des-crevem a ocorrência de um transtorno psicóticoem um paciente logo após a mirtazapina ter sidoadicionado ao seu tratamento, que constava an-teriormente do uso crônico de levodopa. Segun-do os autores, este parecia ter sido, até então, oprimeiro caso publicado sobre a interação medica-mentosa da mirtazapina com a levodopa, e o se-gundo caso relatado de psicose induzida por umantidepressivo desta classe. Os autores concluí-ram que este fenômeno provavelmente ocorreuem decorrência da hipersensibilização dos recep-tores serotoninérgicos pós-sinápticos em pacien-tes com doença de Parkinson em tratamento.

Entretanto Kunsman et al.14 relataram o casode uma mulher de 52 anos com história préviade ameaças e tentativas de suicídio por monóxidode carbono e corte dos pulsos, tendo sua últimatentativa êxito letal, através da ingesta de umaoverdose de verapamil e venlafaxina. A morte, se-gundo os autores, foi atribuída em última instân-cia aos efeitos tóxicos do verapamil sobre o apa-relho cardiovascular, levando a um infarto daparede posterior do ventrículo esquerdo. Aindasegundo os autores, a gravidade do verapamil foiprovavelmente agravada pela associação com al-tas doses de venlafaxina, que nesta situação es-pecial seria capaz de inibir a isoenzima CP450 –3A3/4, responsável pela metabolização doverapamil.

Ainda em relação ao sítio de ação, há uma reco-mendação na monografia do produto no sentidode não se fazer uso do milnaciprano nos pacientesem tratamento com digitálicos, pela possibilidadede ocorrer acentuada hipotensão ortostática32.

Sítio de metabolismo

De um modo geral não parece haver possibili-dades, em condições usuais, de interações medi-camentosas de significado clínico no nível deste sí-tio. A venlafaxina, mais do que a mirtazapina, podeinibir o metabolismo mediado pela isoenzima 2D6;entretanto este efeito não parece ser significativo33.O mais provável é que o metabolismo da venlafaxina

e o da mirtazapina possam ser diminuídos porquinidina, verapamil, diltiazem e ISRSs, com aumen-to de suas concentrações e possibilidades maiores paraocorrer efeitos indesejáveis35. Deve ser lembrado queo cigarro, por estimular a isoenzima 1A2, poderá au-mentar o metabolismo da mirtazapina e diminuir seuefeito terapêutico; entretanto o fato de sermetabolizada por várias isoenzimas, quase que namesma intensidade, poderá fazer com que não se te-nha nenhuma repercussão clínica importante2, 11, 20.

A utilização conjunta de venlafaxina e cime-tidina conduziu ao aumento recíproco de suasconcentrações plasmáticas, pela inibição mútuados seus metabolismos, com a potencialização dosseus efeitos terapêuticos e tóxicos12.

Sítio de excreção

Até o presente momento não é possível estabe-lecer possibilidades de interações medicamentosas,neste sítio, com a venlafaxina e a mirtazapina. Sen-do a via renal um importante meio de excreção, oclínico deverá estar atento, pois diminuições no vo-lume excretado poderão elevar as concentraçõesplasmáticas destes antidepressivos. O principal cui-dado deverá ser com o milnaciprano, que é total-mente excretado pela via renal, sendo 60% de for-ma inalterada. É provável que os diuréticos possamaumentar sua excreção e, por conseguinte, diminuirsua concentração plasmática e efeito terapêutico.

Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos

Conclusão

A venlafaxina, a mirtazapina e o milnacipranoapresentam um bom perfil em relação às interaçõesmedicamentosas, podendo ser associados com se-gurança a diversos outros medicamentos. Entretantoalgumas associações devem ser evitadas, entre asquais se destacam: venlafaxina com anti-hipertensivos, IMAOs e cimetidina; a mirtazapinacom antianginosos administrados por via sublingual,metildopa, clonidina, medicamentos depressores dosistema nervoso central e levodopa. E omilnaciprano, apesar de ainda carecer de mais estu-dos, deverá ser evitado com anti-hipertensivos,simpatomiméticos, digitálicos e diuréticos.

Deve ser considerado ainda que os estudos so-bre as possibilidades de interações medicamentosascom estes antidepressivos ainda são bastante escas-sos, e a sua fundamentação ainda é, na sua maiorparte, teórico-hipotética, carecendo ainda de umconteúdo prático fundamentado em um maior nú-mero de relatos bem documentados.

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Endereço para correspondência

Douglas Dogol Sucar

Rua Açu 419 – TirolCEP 59020-110 – Natal-RN

Tel./fax: (84) 217-2696

e-mail: [email protected]

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Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Sucar et al.

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R e s u m o

Este artigo apresenta os resultados referentes à análise psicométrica da versão brasileira da escala Independent Living SkillsSurvey (ILSS), que avalia a autonomia de pacientes crônicos em diversas áreas do funcionamento social. O estudo de tradução eadaptação dos questionários foi realizado pelo Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira(IMASJM), no Rio de Janeiro, e a coleta de dados foi feita nas unidades assistenciais do IMASJM. A análise das qualidadespsicométricas das escalas foi realizada pelo Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental da Universidade Federal de São João del-Rei (Funrei/MG). O Inventário de Habilidades de Vida Independente foi submetido a uma tradução e a uma retrotradução, assimcomo um estudo piloto, e foi avaliado por uma comissão de especialistas, a fim de adaptá-lo ao contexto brasileiro. O ILSS-BR semostrou uma escala com qualidades psicométricas de validade e fidedignidade satisfatórias no que se refere à consistênciainterna das suas subescalas, assim como à sua validade discriminante e validade de construto. A validade concomitante sópoderá ser verificada após a validação, para o Brasil, de uma escala que avalie um construto semelhante ao do ILSS. Estudosfuturos deverão aprofundar a investigação das qualidades psicométricas da presente escala no que se refere à sua estabilidadetemporal, assim como à consistência interna da escala global e à estrutura fatorial dos seus itens, embora estas análises nãotenham sido realizadas para a versão original. A escala ILSS-BR é um instrumento de medida que poderá ser importante para oplanejamento e a avaliação de programas relacionados à reabilitação psicossocial de pacientes psiquiátricos.

UnitermosILSS; validade e fidedignidade; habilidades de vida independente; avaliação de serviços de saúde mental; pacientes psiquiátricos

S u m m a r y

This article describes the psychometric properties of the Brazilian version of the Independent Living Skills Survey (ILSS) scale, developedto provide global assessments of functional living skills in chronically mentally ill individuals. The Instituto Municipal de Assistência à SaúdeJuliano Moreira/RJ (IMASJM) has conducted the questionnaires translation and adaptation and the data collection took place in the health

1Psiquiatra; pesquisadora do Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM); doutora em SaúdePública pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).2Psicóloga; pesquisadora e docente da Universidade Federal de São João del-Rei (Funrei); doutora pela Université de Montréal; pós-doutora peloPsychosocial Research Centre da McGill University e pelo Centre de Recherche Fernand Séguin, Canadá.3Psicóloga; pesquisadora do Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM); especialista em SaúdeMental pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).

Recebido em: 28.09.02

Aprovado em: 24.01.03

Validação transcultural do Inventáriode Habilidades de Vida

Independente (ILSS-BR) parapacientes psiquiátricos

Transcultural validation of the Independent Living Skills Survey(ILSS-BR) for psychiatric patientsLúcia Abelha Lima, Ph.D.1; Marina Bandeira, Ph.D.2; Sylvia Gonçalves3

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 143-158, 2003

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Introdução biente, a diminuição do estresse, acrescidos doestímulo à aprendizagem das habilidades indivi-duais, podem contribuir para um melhor funci-onamento dos pacientes12.

Um número considerável de instrumentos demedida foi desenvolvido para avaliar o funcio-namento dos pacientes, a maioria deles destina-da a pacientes agudos23. Dentre as escalas de-senvolvidas para avaliar pacientes crônicos, aIndependent Living Skills Survey (ILSS)20, 21 foicriada para medir as habilidades de vida inde-pendente dos pacientes com doença mental gra-ve e persistente, em diversas áreas do seu funci-onamento na vida cotidiana.

Há uma escassez de instrumentos de medidavalidados no Brasil para avaliar a autonomia dospacientes. A adaptação de instrumentosinternacionais à nossa cultura e à nossa realidadeé de fundamental importância para subsidiar asaída dos pacientes do hospital para alternativasde atendimento na comunidade e para a compa-ração de estudos brasileiros com estudos feitosem outros países.

A partir da década de 1960, com o movimen-to de desinstitucionalização psiquiátrica, váriospaíses passaram por uma reforma no setor de saú-de mental, dando prioridade ao tratamento nacomunidade. Apesar dos avanços obtidos com areforma psiquiátrica, no que diz respeito à reinte-gração do paciente na comunidade, às melhoriasna qualidade de vida e aos direitos de cidadania,o tratamento do paciente crônico ainda representaum dos maiores desafios da reforma, pois, devi-do às suas deficiências persistentes, estes pacien-tes necessitam de suporte social, assim como deassistência e acompanhamento intensivos e cons-tantes2, 3, 8, 10, 13. A saída dos pacientes graves dohospital demanda a existência de residências tera-pêuticas na comunidade, com diversos níveis deproteção. A qualidade e a intensidade da assis-tência fornecida aos pacientes nestas residênciascontribui para sua reinserção social e diminui suasreospitalizações1. Além disso, estes pacientes pre-cisam de programas de reabilitação psicossocialatravés do treinamento das habilidades da vidadiária, principalmente nas áreas em que apresen-tem maior dificuldade11.

Esta mudança no local de tratamento vemexigindo uma avaliação do impacto das inter-venções, ao mesmo tempo em que a avaliaçãoda autonomia passa a ter um papel fundamen-tal, não só na escolha do nível de proteção quea moradia deverá oferecer ao paciente mas tam-bém nas decisões sobre o tipo de programa dereabilitação psicossocial em que ele deverá serinserido. O aumento de oportunidades no am-

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care units of IMASJM. The Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental of Funrei/MG has conducted the analysis assessing the scale psychometricproperties. The scale was submitted to a translation, a backtranslation and was evaluated by an expert committee. A pilot study was madein order to implement its adaptation to the Brazilian context. The results showed good psychometric properties of reliability and validity interms of the internal consistency of the sub-scales, construct validity of the scale and its discriminant validity. The concomitant validity willonly be assessed after the validation, in Brazil, of a scale with a similar construct. Future studies should investigate the temporal stability, theinternal consistency of the global scale and the scale factorial structure, although this analysis has not been done in the original version. TheILSS-BR scale is an important instrument for planning and evaluating psychosocial rehabilitation programs for psychiatric patients.

UnitermsILSS; validity and reliability; independent living skills; evaluation of mental health services; psychiatric patients

Método

Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

Local de estudo

O Instituto Municipal de Assistência à SaúdeJuliano Moreira (IMASJM) é um hospital psiquiá-trico localizado em Jacarepaguá, RJ, fundado em1924, e tem como clientela 905 pacientes institu-cionalizados por muitos anos e que perderam seusvínculos familiares e sociais devido aos longosanos de institucionalização. O IMASJM tem a ca-

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racterística de um pequeno bairro, pois atualmen-te residem no seu perímetro cerca de 20 mil mo-radores, fruto de invasões das terras da antigaColônia Juliano Moreira6.

O instituto é composto por seis unidadesassistenciais: 173 (19%) pacientes no Núcleo Fran-co da Rocha (NFR); 169 (19%) no Núcleo UlissesViana (NUV); 344 (38%) no Núcleo TeixeiraBrandão; 102 (11%) no Núcleo Rodrigues Cal-das e 64 (7%) no Pavilhão Agrícola (PA) e 53 (6%)no Centro de Reabilitação e Integração Social(Cris). As diversas unidades do IMASJM oferecematividades em oficinas, atendimento terapêutico,acompanhamento no Programa de Recursos In-dividuais, Residências Terapêuticas e Lares de Aco-lhimento e atividades de lazer.

População

Os pacientes participantes da presente pesqui-sa consistem na população total do IMASJM. Estapopulação é constituída de 530 (58,6%) mulherese 375 homens (41,4%), com idades que variamde 24 a 98 anos, sendo a média de idade de 65,6anos e o tempo médio de internação de 36,9 anos.O nível de escolaridade é baixo, com 342 (38,3%)pacientes analfabetos e 202 (22,6%) apenas alfa-betizados. A maior parte da clientela não recebevisitas e não possui vínculo empregatício, embora391 (43,4%) tenham renda fixa proveniente debolsa auxílio do IMASJM e previdência social.

Quanto ao perfil diagnóstico, 568 (63%) têmdiagnóstico de esquizofrenia, transtornos esqui-zotípicos ou transtornos delirantes; 173 (19%)têm retardo mental e 55 (6%) têm epilepsia; 109(12%) têm outros diagnósticos.

Instrumento de medida original

A versão original da escala Independent LivingSkills Survey (ILSS) foi elaborada por Wallace,Kochanowicz e Wallace (1985) e relatada porWallace (1986). Esta escala foi feita para avaliaras habilidades de vida independente de pacientespsiquiátricos com distúrbios graves e persisten-tes. A escala possui duas versões: uma delas foiconstruída para ser aplicada diretamente aos pró-prios pacientes e a outra para ser aplicada a uminformante, seja ele um membro da equipe desaúde mental envolvido no atendimento ao paci-ente ou um membro da família do paciente. A

versão analisada no presente trabalho foi aquelaa ser aplicada ao informante.

A escala original contém 112 itens que ava-liam o funcionamento dos pacientes psiquiátri-cos em nove áreas da vida cotidiana, em termosda freqüência em que eles apresentam as habili-dades básicas para funcionar de forma indepen-dente na comunidade. As nove áreas avaliadaspelo ILSS se referem a atividades relacionadas a:alimentação, cuidados pessoais, atividades do-mésticas, preparo e armazenamento dos alimen-tos, saúde, lazer, transporte e emprego. Estas áre-as foram selecionadas pelos autores com basena avaliação de 15 escalas de medida do funcio-namento de pacientes psiquiátricos e na infor-mação obtida através de entrevistas realizadaspor cinco assistentes sociais e cinco coordena-dores de residências comunitárias21.

O ILSS avalia, em uma escala do tipo Likert de 5pontos (nunca, algumas vezes, com freqüência, namaioria das vezes, sempre), a freqüência com que opaciente realizou, no último mês, as atividades coti-dianas necessárias ao seu funcionamento indepen-dente na comunidade. Quando o paciente não teveoportunidade de apresentar a habilidade em ques-tão, marca-se NO (nenhuma oportunidade).

A escala original na língua inglesa apresenta pro-priedades psicométricas adequadas de consistênciainterna, uma vez que os coeficientes alfa deCronbach variaram de 0,67 a 0,84. A avaliação dafidedignidade pelo método da correlação entre asduas metades das subescalas apresentou coeficien-tes de correlação entre 0,63 e 0,89. A escala originalapresenta igualmente resultados positivos no quese refere à sua validade concomitante, tendo sidocorrelacionada positivamente com as subescalas defuncionamento social da escala Nosie9, a qual avaliao funcionamento e sintomatologia de pacientes psi-quiátricos21.

Procedimento

Esta pesquisa envolveu duas etapas visando àvalidação transcultural da escala ILSS-BR. A pri-meira etapa da pesquisa incluiu a tradução e aadaptação das questões da escala original para ocontexto brasileiro, assim como um estudo pilo-to visando a ajustar a formulação das questões àpopu- lação-alvo. A segunda etapa envolveu o es-tudo das propriedades psicométricas da versão

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adaptada para o contexto brasileiro e o reajustefinal da escala em função das análises estatísticas.

Etapa I: adaptação transcultural da escala

Foi utilizada a versão original de língua ingle-sa da escala ILSS para se fazer a tradução para oportuguês e a retrotradução (backtranslation), vi-sando a obter uma primeira versão brasileira daescala. No processo de adaptação das questõespara o contexto brasileiro foi igualmente consul-tada a versão franco-canadense do ILSS1, 4.

A adaptação transcultural da presente escala parao contexto cultural brasileiro foi realizada segundoos procedimentos recomendados pela OMS (1996)e por Vallerand (1989) para a adaptação transculturalde instrumentos de medidas. Este procedimentoconsta das seguintes etapas: 1) tradução; 2) revisãoda tradução por um grupo bilíngüe; 3)retrotradução; 4) avaliação da retrotradução; 5) es-tudo piloto I; 6) revisão das questões a partir do es-tudo piloto; 7) teste de campo ou estudo piloto II.

Tradução, retrotradução e adaptação para ocontexto brasileiro

O primeiro procedimento realizado foi a tradu-ção da escala, revisada por dois psiquiatras e umpsicólogo bilíngües. A retrotradução da escala foifeita por um epidemiologista bilíngüe, tendo sidoavaliada em seguida por um grupo de profissionaisbilíngües com experiência na área: quatro psiquia-tras, três psicólogos e um antropólogo.

Na discussão de avaliação da retrotraduçãoda escala, quatro itens foram suprimidos: nasubescala relacionada à saúde, foi eliminado oitem que dizia respeito ao uso adequado de pla-nos ou seguros saúde pelo paciente; na subescalarelacionada à administração do dinheiro, foi reti-rado o item que dizia respeito à requisição de tí-tulo de eleitor pelo paciente; na subescala relati-va a transporte, foi retirado o item relativo acontatos do paciente com companhias de ônibuspara perguntar sobre itinerários; e na subescalarelativa a lazer, foi retirado um item relativo a lei-tura de livros e revistas. Os itens foram suprimi-dos por não se ajustarem à nossa realidadesociocultural. Houve ainda uma modificação nasubescala relativa a cuidados pessoais, no item quediz respeito ao banho: a freqüência foi modifica-da de duas vezes por semana para todos os dias.

A primeira versão da escala adaptada brasileiraficou com 108 itens.

Estudo piloto

O estudo piloto visou a ajustar a formulaçãodas questões da versão preliminar do ILSS-BR, emfunção da população-alvo para a qual a escala se-ria aplicada, a fim de se assegurar uma boa com-preensão e precisão do texto.

Este estudo foi feito com uma amostra de 20pacientes, sendo dez homens e dez mulheres deduas diferentes unidades do IMASJM. As entrevis-tas foram realizadas por uma psiquiatra e uma psi-cóloga que participaram dos grupos de revisão datradução e avaliação da retrotradução da escala.Foram entrevistados técnicos das unidades que co-nheciam bem a rotina de vida diária dos pacientes.

A partir do estudo piloto, realizou-se umareunião com representantes dos técnicos dasunidades e um representante da associação defamiliares dos pacientes, onde foram discutidasmodificações na redação e em alguns termos daescala que facilitassem sua compreensão. As modi-ficações feitas foram as seguintes: na subescalarelativa a atividades domésticas, os três itens quediziam respeito a usar aspirador de pó, tirar poeirade superfícies e usar esfregão no chão foram trans-formados em um único item relativo à arrumaçãode sua moradia; na subescala relativa a atividadesdomésticas, nos itens que dizem respeito àcolocação de roupas sujas na máquina de lavarfoi acrescentado o tanque. Na subescala relativaa lazer, no item que diz respeito a jogos, o bolichefoi substituído por futebol. A escala utilizada nasegunda etapa da pesquisa continha 106 itens.

Etapa II: estudo das propriedades psicométricasda escala

A segunda etapa desta pesquisa envolveu aaplicação da versão adaptada da escala em todaa população do Instituto Municipal de Assistên-cia à Saúde Juliano Moreira (IMASJM), com o ob-jetivo de verificar suas propriedades psicométricase de reajustar a escala em função dos resultadosdas análises estatísticas.

O procedimento de aplicação da escala foi ini-ciado após o projeto ter sido aprovado pela co-missão de ética em pesquisa do IMASJM, garan-tindo-se o consentimento, o sigilo e o anonimato

Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

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das respostas. A aplicação da escala foi realizadano período de um mês por dez pesquisadores gra-duados em psicologia, contratados pela Secreta-ria Municipal de Saúde para essa atividade e trei-nados por uma psiquiatra e uma psicóloga, co-au-toras deste estudo. O treinamento foi constituídode três módulos e teve a duração de 12 horas:1) discussão da escala, 2) aplicação piloto da es-cala; 3) painéis de discussão.

Os entrevistadores foram alocados nas seisunidades do IMASJM e supervisionados pela mes-ma equipe do treinamento. Em cada unidade, asentrevistas foram realizadas com os técnicos daunidade que mais conheciam os pacientes nas suasatividades diárias. As instruções sobre as respos-tas (constantes no início do questionário) e cadaum dos itens foram lidos pelo entrevistador paracada respondente e as respostas foram anotadaspelo entrevistador no próprio questionário.

suas nove subescalas. Para isto, foi feita a análiseestatística do coeficiente alfa de Cronbach paracada subescala. A TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2 apresenta os dadosreferentes aos coeficientes alfa e às correlaçõesitem/total obtidas.

Os resultados da Tabela 2 mostram que todasas subescalas do ILSS-BR apresentaram coeficien-tes elevados de alfa de Cronbach. Os valores varia-ram de 0,753 a 0,959, o que indica uma boahomogeneidade e consistência dos itens de cadasubescala, pois estes valores se situaram acima docritério estabelecido (critério mínimo = 0,7) paraescalas contendo mais de dez itens, tal como su-gerido por Gullikesen3 e por Martinez Arias5. Assubescalas que apresentaram os coeficientes maiselevados de consistência interna foram as de cui-dados pessoais, atividades domésticas, preparo emanutenção de alimentos, transporte e adminis-tração do dinheiro. As demais apresentaram va-lores de alfa abaixo de 0,9.

Estes resultados demonstram que a consistên-cia interna da escala ILSS-BR é satisfatória. Devi-do a este resultado, todas as nove subescalas ori-ginais foram retidas, indicando assim que os noveaspectos da vida cotidiana avaliados na escala ori-ginal são igualmente relevantes no contexto bra-sileiro e que contribuem, portanto, para a avalia-ção do nível de habilidades de vida independentede pacientes psiquiátricos.

A consistência interna da subescala cuidadospessoais foi calculada separadamente para os su-jeitos dos sexos masculino e feminino, devido aofato de que os itens respondidos por estes dois sub-grupos não eram os mesmos nesta subescala emparticular.

Tabela 1 – Médias e desvios padrões dos escores dos sujeitos nasnove subescalas e na escala global do ILSS-BR

Subescala Média Desvio padrão n

Alimentação 3,09 0,95 887Cuidados pessoais 1,98 1,38 893

Atividades domésticas 1,63 1,51 628Preparo de alimentos 1,29 1,41 649Saúde 2,07 0,89 779Administração do dinheiro 1,16 1,25 421

Transporte 1,13 1,16 722Lazer 0,67 0,66 876Emprego 0,29 0,69 724

Escala globalEscala globalEscala globalEscala globalEscala global 1,51 0,76 873

Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos

Resultados

Freqüência das habilidades de vidaindependente

O nível de habilidades de vida independenteapresentado pelos pacientes pode ser avaliadoatravés dos seus escores médios obtidos em cadasubescala do ILLS-BR e através do seu escore mé-dio global. A TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1 apresenta as médias e des-vios padrões obtidos na presente amostra.

Pode-se observar, na Tabela 1, que o nível defuncionamento independente dos pacientes nasnove áreas da vida cotidiana variou de uma áreapara a outra. As médias mais baixas obtidas nassubescalas se referem às habilidades relacionadas aotrabalho (0,29) e ao lazer (0,67). Por outro lado, asmédias mais elevadas se referem às habilidades rela-cionadas à alimentação (3,09) e à saúde (2,07). Oescore médio global obtido pelos sujeitos foi bas-tante baixo (1,51), considerando-se que a escala declassificação varia de 0 a 4, o que indica uma baixafreqüência das habilidades de vida independente.

Os valores de n variaram de uma subescalapara a outra, devido à eliminação de sujeitos, emfunção do excesso de respostas em branco, quefoi diferente entre as diversas subescalas.

Consistência interna

A fidedignidade da presente escala foi avalia-da a partir da análise da consistência interna de

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Para se fazer a análise do coeficiente alfa deCronbach foi necessário eliminar os itens que apre-sentavam excesso de respostas em branco, de for-ma que a estatística pudesse ser calculada pelo me-nos com uma amostra acima de 100 sujeitos, o queresultou em valores variados de n nas subescalas.Outros itens foram eliminados em cada subescalacomo resultado da análise estatística de consistên-cia interna, quando suas correlações item/total sesituavam abaixo do critério mínimo requerido (r =0,2) para uma consistência interna adequada, talcomo sugerido por Gullikesen7 e por Martinez Arias14.Itens que não atingiram este critério não eramcongruentes com os demais itens da sua subescalae, portanto, não estavam contribuindo para a medi-da do conceito de habilidades de vida independen-te daquela subescala. Apresentaremos abaixo o con-teúdo de todos os itens que foram eliminados naanálise de Cronbach, devido aos motivos expostosacima.

Na subescala relacionada à alimentação foi eli-minado apenas um item que visava a avaliar se opaciente usava guardanapo, quando necessário, aofazer suas refeições. Na subescala de cuidados pes-soais foram eliminados, para o sexo masculino, qua-tro itens que visavam a avaliar se o paciente trocavaa roupa de baixo todos os dias, se não usava as rou-pas combinadas de modo grotesco, se não trocavaexcessivamente as roupas e se não usava roupas emexcesso umas sobre as outras. Estes três últimos itensforam igualmente eliminados no caso das mulhe-res, além de dois outros itens que visavam a avaliar

se elas usavam maquiagem apropriada, sem exces-so e se cuidavam de sua higiene íntima durante amenstruação. Na subescala de atividades domésti-cas foi eliminado apenas um item relacionado à uti-lização adequada da máquina de lavar. Na subescalareferente ao preparo de alimentos foi eliminado oitem que visava a avaliar se o paciente não usavainapropriadamente as coisas dos outros. Nasubescala referente à saúde foram eliminados doisitens que visavam a avaliar se o paciente contatavaas pessoas apropriadas para renovar a receita de seumedicamento e se fumava apenas em locais apro-priados.

Na subescala de administração do dinheiro,foram eliminados seis itens, visando a avaliar se opaciente comprava os medicamentos receitados,levava documentação apropriada para descontarcheque, descontava cheques apropriadamente,pagava contas com ordens de pagamento, faziadepósitos e saques em bancos e não usava inapro-priadamente o telefone. Na subescala relaciona-da ao transporte foi eliminado apenas um itemque visava a avaliar se o paciente possuía carteirade habilitação válida. Na subescala de lazer fo-ram eliminados quatro itens visando a avaliar seo paciente freqüentava cultos religiosos e se secomportava adequadamente nestes locais, se iasozinho ao cinema ou teatro e se praticava espor-tes. Na subescala referente às atividades de traba-lho não foi necessário eliminar nenhum item.

Os itens eliminados pelas razões descritas aci-ma em geral se referiam a situações que não eram

Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

Tabela 2 – Consistência interna do ILSS-BR: valores dos coeficientes alfa de Cronbach, correlações item/total,número de itens e número de sujeitos para cada subescala

Subescala Valor de alfa Número de itens Correlação item/total n

Alimentação 0,836 8 0,35-0,69 832

Cuidados pessoais (homem) 0,959 13 0,36-0,89 145

Cuidados pessoais (mulher) 0,918 13 0,34-0,84 278

Atividades domésticas 0,946 12 0,63-0,8 193

Preparo de alimentos 0,917 7 0,68-0,8 153

Saúde 0,675 8 0,2-0,69 260

Administração do dinheiro 0,949 12 0,36-0,89 227

Transporte 0,943 7 0,43-0,89 153

Lazer 0,753 9 0,28-0,57 222

Emprego 0,895 8 0,63-0,65 128

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pertinentes à realidade cotidiana dos pacientes,ao contexto brasileiro ou às condições de vida domeio institucional onde os pacientes viviam.

Validade de construto

A validade de construto da escala ILSS-BR podeser avaliada constatando-se a presença de umconstruto comum subjacente às nove subescalas.A presença de um construto comum se observaquando a correlação obtida entre cada subescalae o escore total é mais elevada do que a correla-ção observada entre as subescalas. Para efetuaresta comparação foram calculadas as correlaçõesde Pearson entre as nove subescalas, assim comosuas correlações respectivas com o escore global.A TTTTTabela 3abela 3abela 3abela 3abela 3 apresenta os coeficientes de correla-ção obtidos entre as subescalas e a escala global.

Os resultados da Tabela 3 mostram primeira-mente que as nove subescalas apresentam corre-lações entre si altamente significativas (p = 0). Esteresultado indica que, embora avaliem aspectosdistintos das habilidades de vida cotidiana, as di-versas subescalas do ILSS-BR apresentam uma re-lação entre elas. Além disso, os resultados mos-tram também que houve, em geral, correlaçõessignificativas mais elevadas de cada subescala coma escala global, variando de r = 0,519 a r = 0,869,do que das subescalas entre si. A única exceçãose refere à subescala referente ao trabalho.

Estes resultados confirmam, portanto, a hi-pótese inicial, demonstrando que as subescalasdo ILSS-BR, embora representem dimensões dis-

tintas, compartilham um construto subjacentecomum, presente na escala global de habilida-des de vida independente.

Validade discriminanteA validade discriminante da escala ILSS-BR foi

verificada comparando-se os escores obtidos pe-los pacientes das seis diferentes unidades existen-tes no instituto psiquiátrico estudado. Uma vezque estas unidades abrigavam grupos de pacien-tes que diferem em termos de seu grau de auto-nomia, a presente escala deveria ser sensível paradetectar diferenças entre eles, em termos de suashabilidades de vida independente, o que atesta-ria a validade discriminante do ILSS-BR. Esta com-paração foi feita através da análise de variância(Anova). A TTTTTabela 4abela 4abela 4abela 4abela 4 apresenta as médias e desvi-os padrões obtidos pelos seis grupos em cadasubescala do ILSS-BR e no escore total.

Os resultados indicaram que os grupos de pa-cientes das seis unidades do instituto apresenta-ram diferenças estatisticamente significativas en-tre elas no escore total (F = 32,962; p = 0) e emtodas as nove subescalas do ILSS-BR, sendo estadiferença maior em oito subescalas: administra-ção do dinheiro (F = 32,25; p = 0), atividades do-mésticas (F = 13,63; p = 0), preparo e manuten-ção dos alimentos (F = 10,09; p = 0), cuidadospessoais (F = 21,97; p = 0), emprego (F = 113,82;p = 0), lazer (F = 30,33; p = 0) e transporte (F =41,45; p = 0). A menor diferença entre os gruposfoi observada para as atividades referentes àsubescala de alimentação (F = 3,058; p = 0,01).

Tabela 3 – Coeficientes de correlação de Pearson entre as nove subescalas e a escala global do ILSS-BR

Subescala A B C D E F G H I

A 1 B 0,413* 1

C 0,362* 0,714* 1 D 0,341* 0,661* 0,826* 1 E 0,364* 0,622* 0,599* 0,567* 1 F 0,249* 0,484* 0,656* 0,633* 0,581* 1

G 0,237* 0,487* 0,54* 0,596* 0,522* 0,67* 1 H 0,122* 0,497* 0,498* 0,471* 0,495* 0,554* 0,602* 1 I 0,112* 0,359* 0,413* 0,422* 0,412* 0,53* 0,601* 0,385* 1 J 0,519* 0,808* 0,869* 0,845* 0,76* 0,808* 0,764* 0,656* 0,589*

A: alimentação; B: cuidados pessoais; C: atividades domésticas; D: preparo de alimentos, E: saúde; F: administração do dinheiro, G: transporte; H:lazer; I: trabalho; J: global.*p = 0.

Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos

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A Tabela 4 mostra que o grupo de pacientesdo Cris apresentou os resultados mais elevadosna maioria das áreas da vida cotidiana, com exce-ção da subescala que se refere às atividades dealimentação. Ao contrário, os pacientes do NTBapresentaram os escores mais baixos em quatroáreas da vida cotidiana, relacionadas às subescalasde administração do dinheiro, atividades domés-ticas, lazer e transporte. Os pacientes do NRC apre-sentaram os escores mais baixos nas duassubescalas de cuidados pessoais e emprego. Paraa subescala de preparo e manutenção dos alimen-tos o grupo do NUV apresentou os escores maisbaixos. Na subescala alimentação os resultadosforam menos divergentes entre os grupos, o es-core mais elevado sendo observado no NUV e omenos elevado, no Cris. O escore total mais ele-vado de habilidades da vida independente (2,44)foi o dos pacientes que habitavam no Cris, e oescore menos elevado (1,25) foi o do NTB.

Foi feita, em seguida, uma análise discriminantedas seis unidades de pacientes, a fim de se identifi-car as subescalas que mais discriminavam os gru-pos. Esta análise evidenciou uma função significati-va diferenciando os grupos (qui-quadrado =385,713; p = 0; lambda = 0,235; eigenvalue = 1,35),o que explicava 66% da variância dos dados. As cor-relações mais elevadas encontradas entre assubescalas e a função discriminante canônica padro-nizada foram referentes às atividades de emprego,transporte, administração e lazer (respectivamente855, 587, 544, 455). Este resultado indica que fo-ram estas quatro subescalas do ILSS-BR que maisdiferenciaram os grupos de pacientes das várias uni-dades da amostra.

Os resultados descritos acima são coerentes comas diferenças de nível de autonomia apresentadaspelos seis grupos de pacientes na sua vida cotidianana instituição. Os resultados obtidos aqui indicamque a escala ILSS-BR apresenta validade discriminanteadequada, uma vez que foi sensível para detectardiferenças significativas nos diversos grupos de pa-cientes da presente amostra.

Avaliação do nível de habilidades da vidacotidiana independente

Ao se utilizar o ILSS-BR para avaliar os pacien-tes de um dado serviço de saúde mental, deve-seseguir o procedimento de aplicação descrito nes-te artigo. Assim, a aplicação da escala deve serfeita em entrevista com a pessoa que mais conhe-ce as atividades cotidianas do paciente, e o entre-vistador deve ler as instruções e as questões daescala para esta pessoa e anotar as suas respostasno questionário, segundo as instruções que cons-tam no início do questionário.

Na correção dos resultados, para se avaliar onível de funcionamento dos pacientes em rela-ção às nove áreas de habilidades da vida cotidia-na independente, calcula-se o escore médio dasrespostas obtidas em cada uma das novesubescalas do ILSS-BR. Esta média, que pode vari-ar de 0 a 4, indicará um nível mais elevado dehabilidades de vida independente quanto maispróxima ela estiver do valor máximo 4.

O nível de funcionamento global dos pacien-tes nas habilidades da vida cotidiana pode ser es-timado calculando-se a média das respostas obti-das nos 84 itens que compõem a escala ILSS-BR.

Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

Tabela 4 – Médias e desvios padrões dos escores de habilidades de vida independente apresentados pelos seisgrupos de pacientes da amostra em cada subescala e no escore global do ILSS-BR

GrupoSubescala NFR NUV NTB NRC CRIS PA p

Administração do dinheiro 1,78 (1,2) 1,53 (1,15) 0,56 (1,02) 1,37 (1,44) 2,34 (0,93) 0,71(0,85) 0

Alimentação 3,02 (0,89) 3,33 (0,86) 3,05 (1,07) 2,98 (0,93) 2,92 (0,67) 3,12 (0,82) 0,01Atividades domésticas 1,98 (1,65) 1,32 (1,39) 1,31 (1,45) 2,66 (1,25) 2,7 (1,07) 1,55 (1,41) 0Preparo de alimentos 1,23 (1,36) 1,08 (1,23) 1,14 (1,49) 1,45 (1,37) 2,43 (1,03) 2,26 (1,33) 0Cuidados pessoais 2,37 (1,2) 1,88 (1,36) 1,89 (1,32) 1,02 (1,47) 3,02 (0,76) 2,28 (1,44) 0

Emprego 0,21 (0,44) 0,45 (0,69) 0,004 (0,18) 0,008 (0,34) 1,91 (1,35) 0,87 (0,65) 0Lazer 0,81 (0,68) 0,93 (0,66) 0,42 (0,56) 0,54 (0,69) 1,32 (0,55) 0,59 (0,54) 0Transporte 1,03 (1,03) 1,5 (1,19) 0,81 (0,95) 0,84 (1,03) 2,89 (0,85) 0,89 (1,01) 0

GlobalGlobalGlobalGlobalGlobal 1,64 (0,66) 1,65 (0,8) 1,25 (0,64) 1,28 (0,77) 2,44 (0,64) 1,65 (0,68) 0

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Antes de se calcular a média dos escores de cadasubescala e a média global, é necessário inverter osescores de alguns itens cujo sentido difere dos de-mais itens da escala, de modo que todos os escoresda escala possam ser indicativos de maior indepen-dência dos sujeitos quanto maior o escore médio forpróximo de 4. Os escores a serem invertidos se refe-rem aos seguintes itens: os itens 5 e 8 da subescalaalimentação; o item 13 da subescala de cuidados pes-soais e o item 8 da escala de saúde. Nas demaissubescalas não há itens a serem invertidos.

escala no que se refere à sua estabilidade tempo-ral, assim como a consistência interna da escalaglobal e a estrutura fatorial dos seus itens, embo-ra estas análises não tenham sido realizadas paraa versão original. Estas duas últimas análises re-querem amostras que não forneçam excesso derespostas em branco ou não-aplicáveis, as quaisinviabilizam as análises estatísticas, razão pela qualnão foram realizadas no presente trabalho.

A análise da estrutura dimensional da presen-te escala foi feita através da análise de consistên-cia interna dos itens das subescalas identificadasno estudo original, desta forma retendo apenasos itens que se mostraram consistentes em rela-ção às subescalas. Além disso, a análise compara-tiva das correlações das subescalas como o esco-re total e suas intercorrelações nos forneceu umbom indício da validade de construto desta esca-la. Quanto à validade concomitante da presenteescala, ela só poderá ser verificada após a valida-ção, para o Brasil, de uma escala que avalie umconstruto semelhantes ao do ILSS. No caso da ver-são original do ILSS21, a validade concomitante foianalisada através de sua correlação com umasubescala da escala Nosie, que ainda não foi vali-dada para o Brasil.

A escala ILSS-BR é um instrumento de medidaque poderá ser importante para o planejamentoe a avaliação de programas relacionados à rein-serção social de pacientes psiquiátricos. Uma ava-liação prévia dos pacientes com esta escala pode-rá fornecer informações básicas sobre seu nívelde funcionamento cotidiano que são relevantespara o planejamento dos recursos necessários parasua reinserção na comunidade, tanto em termosde tipo de moradia e tipo de suporte social ne-cessário quanto das intervenções e atividades aserem implementadas para a sua integração soci-al. Além disso, avaliações posteriores dos pacien-tes com esta escala poderão servir para monitorara sua evolução quanto ao nível de funcionamen-to cotidiano, evidenciando assim seu grau deadaptação aos programas de reinserção socialimplementados1.

Do mesmo modo, esta escala poderá ser útiltambém em ensaios clínicos, visando a avaliar osefeitos de novos tratamentos medicamentosos,uma vez que ela poderá fornecer informações so-bre o impacto dos medicamentos no nível de fun-cionamento dos pacientes nas atividades cotidia-

Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos

DiscussãoO Inventário de Habilidades de Vida Indepen-

dente, adaptado para o contexto brasileiro (ILSS-BR), se mostrou uma escala com qualidades psico-métricas de validade e fidedignidade satisfatóriasno que se refere à consistência interna das suassubescalas, assim como a sua validade discrimi-nante e validade de construto. Sua elevada con-sistência interna (a = 0,753 a 0,959), acima docritério requerido, indica um índice de fidedigni-dade ainda superior ao obtido para a versão ori-ginal do ILSS (a = 0, 67 a 0,84). Devido a estesíndices adequados todas as nove subescalas daversão original foram retidas na versão brasileira,que poderá, portanto, avaliar as habilidades devida independente dos pacientes nas mesmas áre-as de atividades cotidianas da versão original.

Os resultados positivos obtidos para a valida-de discriminante desta escala indicam tambémque ela é sensível para discriminar grupos distin-tos de pacientes psiquiátricos. Como na versãooriginal da escala este tipo de análise não foi efe-tuada21, não podemos fazer uma comparação dospresentes resultados com o estudo original paraeste aspecto em particular.

A adaptação transcultural do ILSS-BR, tendoseguido as recomendações estabelecidas na lite-ratura para este tipo de procedimento, através daparticipação de um grupo de especialistas e daaplicação de um estudo piloto na população-alvo,favoreceu a obtenção de itens cuja formulaçãofosse mais clara e de fácil entendimento e cujoconteúdo garantisse uma equivalência com a ver-são original, assegurando entretanto suapertinência para o contexto cultural brasileiro.

Estudos futuros deverão aprofundar a investi-gação das qualidades psicométricas da presente

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Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

nas, de modo a indicar em quais áreas de habi-lidades da vida cotidiana eles apresentam umamelhora com a introdução de um determinadomedicamento e também se algumas delas sofremuma deterioração em função de efeitos colaterais.A concepção sobre a avaliação dos efeitos de trata-mentos medicamentosos tem se ampliado nos úl-timos anos, de modo a incluir não somente umaavaliação da redução dos sintomas mas tambémdo impacto dos medicamentos em diversos aspec-tos da vida dos pacientes, entre outros, o seu nívelde funcionamento independente na vida cotidia-na, que contribui para sua qualidade de vida15, 16.

A presente escala poderá ser relevante igualmen-te para fornecer informações pertinentes à avaliaçãode serviços de saúde mental, evidenciando o impactodestes serviços no nível de habilidades de vida inde-pendente dos pacientes. Os próprios objetivos dosserviços de saúde mental devem incluir, segundoMercier (1994), não só responder às necessidadesdos pacientes mas também desenvolver suas habili-

dades de modo a aumentar sua funcionalidade noseu meio ambiente.

A Organização Mundial de Saúde tem estimula-do a prática da avaliação contínua dos serviços desaúde mental com o objetivo de promover uma me-lhor qualidade destes serviços22. Entretanto uma talavaliação requer o desenvolvimento de instrumentosde medida válidos e fidedignos, capazes de fornecerinformações confiáveis e pertinentes. Alguns autorestêm questionado a generalidade e validade dos resul-tados de avaliações de serviços que utilizaram questi-onários não-validados, muitas vezes apenas traduzi-dos, cujas propriedades psicométricas não foraminvestigadas e que não foram submetidos a procedi-mentos padronizados de adaptação transcultural17, 18.

No nosso contexto há uma carência de instru-mentos de medida válidos e fidedignos para avaliaro impacto dos serviços, em particular no nível defuncionamento dos pacientes psiquiátricos com dis-túrbios graves e persistentes. A escala ILSS-BR certa-mente servirá para preencher esta lacuna.

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Endereço para correspondência

Lúcia Abelha Lima

Núcleo de Pesquisa – Centro de EstudosInstituto Municipal de Assistênciaà Saúde Juliano MoreiraEstrada Rodrigues Caldas 3.400CEP 22713-370 – Rio de Janeiro-RJ

e-mail: [email protected]

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Angeles VA Medical Center, Rehabilitation Medicine Service(Brentwood Division), Los Angeles, CA, 1985.

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Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos

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Anexo – Inventário de Habilidades de VidaIndependente (ILSS-BR)

Este questionário tem como finalidade obter seu ponto de vista sobre o ajustamento social de seu filho, parente ou residente em sua casa

ou em serviços assistenciais. O ajustamento social pode ser avaliado pela maior ou menor capacidade de uma pessoa cuidar de si mesma e de

seus interesses, como, por exemplo, alimentar-se, arrumar-se, realizar atividades domésticas e cuidados com a saúde, gerenciar suas finanças,

utilizar transporte, realizar atividades de lazer e trabalhar. Este questionário abrange todas essas áreas de vida independente.

Por favor, utilize a escala abaixo para marcar cada item. Observe com atenção enquanto você realiza sua classificação de cada um dos

84 itens listados neste questionário. Classifique cada um dos 84 itens de acordo com a freqüência de ocorrência deste comportamento,

em particular durante o último mês.

Cada item escolhido será marCada item escolhido será marCada item escolhido será marCada item escolhido será marCada item escolhido será marcado no questionário pelo entrcado no questionário pelo entrcado no questionário pelo entrcado no questionário pelo entrcado no questionário pelo entrevistadorevistadorevistadorevistadorevistador.....

Nome da pessoa que está sendo avaliada

Nome da pessoa entrevistada

Relação entre o entrevistado e a pessoa que está sendo avaliada

Data

Escala: Freqüência da ocorrência do comportamentoEscala: Freqüência da ocorrência do comportamentoEscala: Freqüência da ocorrência do comportamentoEscala: Freqüência da ocorrência do comportamentoEscala: Freqüência da ocorrência do comportamento

Para cada item deste questionário, por favor, registre na coluna à direita do questionário a freqüência da ocorrência de cada compor-

tamento durante o último mês, segundo a escala abaixo. Se não houve oportunidade para o indivíduo se comportar de determinada

forma (por exemplo, utilizar o ônibus quando não houve disponibilidade desse serviço), registre NA (não se aplica). Se não houve

necessidade de que o indivíduo se comportasse desta forma (isto é, o parente ou encarregado das instalações, por exemplo, realiza as

tarefas domésticas), também registre NA.

0_____________________1_____________________2_____________________3_____________________4

nunca algumas vezes com freqüência na maioria das vezes sempre

I. Alimentação Freqüência do co Freqüência do co Freqüência do co Freqüência do co Freqüência do compmpmpmpmportamento no último mêsortamento no último mêsortamento no último mêsortamento no último mêsortamento no último mês

1. Alimenta-se asseadamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

2. Usa utensílios adequados para se alimentar 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

3. Alimenta-se em ritmo normal, sem engolir às pressas nem 0 1 2 3 4demorar demais (sem necessidade de orientação)

4. Mastiga com a boca fechada (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

5. Tira comida dos pratos de outras pessoas sem permissão 0 1 2 3 4

6. Come a quantidade de alimento apropriada 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

7. Demonstra ter bons hábitos nutricionais (isto é, tem uma dieta 0 1 2 3 4bem equilibrada – não vive de doces e refrigerantes)(sem necessidade de orientação)

8. Come comida que foi descartada (por exemplo, 0 1 2 3 4do chão ou do lixo)

Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

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II. Cuidados pessoais1. Toma banho usando sabonete todos os dias 0 1 2 3 4

(sem necessidade de orientação)

2. Lava os cabelos pelo menos uma vez por semana 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

3. Usa desodorante diariamente (sem supervisão) 0 1 2 3 4

4. Escova ou penteia os cabelos diariamente 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

5. Homem: barbeia-se quando necessário ou mantém 0 1 2 3 4sua barba aparada (sem supervisão)

6. Providencia o corte ou o penteado dos cabelos quando 0 1 2 3 4necessário (sem necessidade de orientação)

7. Escova os dentes ou dentadura ou faz higiene bucal pelo menos 0 1 2 3 4uma vez ao dia (sem necessidade de orientação)

8. Despe-se em horas e locais apropriados 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

9. Veste-se em horas e locais apropriados 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

10. Conserva-se limpo(a) e arrumado(a) o dia todo 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

11. Separa apropriadamente roupas sujas para serem lavadas por 0 1 2 3 4ele (ela) ou por outras pessoas (sem necessidade de orientação)

12. Veste-se apropriadamente quanto ao clima ou eventos 0 1 2 3 4sociais (sem necessidade de orientação)

13. Quebra a etiqueta social em geral (por exemplo, coça partes 0 1 2 3 4inadequadas do corpo em público, arrota em públicosem se desculpar)

III. Atividades domésticas1. Arruma sua cama diariamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

2. Mantém o quarto ou espaço individual limpo 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

3. Troca a roupa de cama sempre que necessário 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

4. Recolhe objetos que caem no chão 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

5. Limpa líquidos derramados (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

6. Ocupa-se da arrumação de sua moradia quando necessário 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

7. Realiza tarefas domésticas que lhe foram atribuídas 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

8. Coloca a roupa suja no tanque ou na máquina de lavar 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

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Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

9. Usa a quantidade correta de sabão para lavar a roupa 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

10. Coloca as roupas para secar (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

11. Guarda as roupas limpas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

12. Dobra e/ou pendura as roupas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

IV. Preparo e armazenamento dos alimentos1. Prepara refeições simples que não precisem ser misturadas 0 1 2 3 4

ou cozidas (por exemplo, sanduíches, saladas ou cereal com leite)

2. Prepara e cozinha refeições simples (por exemplo, ovos fritos, 0 1 2 3 4macarrão, etc.) (sem necessidade de orientação)

3. Guarda os alimentos apropriadamente 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

4. Pode identificar e jogar fora alimentos estragados 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

5. Limpa a mesa (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

6. Lava e enxuga a louça e os utensílios de cozinha (caneca, prato, etc.) 0 1 2 3 4ou usa máquina de lavar louça (sem necessidade de orientação)

7. Guarda os utensílios de cozinha (caneca, prato, etc.) 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

V. Saúde1. Relata apropriadamente seus problemas físicos 0 1 2 3 4

(sem exagerar ou omitir)

2. Cuida de seus próprios problemas físicos mais leves 0 1 2 3 4de forma apropriada

3. Consegue ajuda de serviços públicos adequados (INSS, bombeiros, 0 1 2 3 4polícia, vigilância ou outros recursos), assistente social, médico,dentista, família, quando necessário

4. Segue a orientação dos serviços acima citados 0 1 2 3 4

5. Fuma respeitando as regras de segurança 0 1 2 3 4

6. Aceita tomar a medicação que lhe é administrada 0 1 2 3 4

7. Toma seu medicamento sem supervisão (horários e dosagens) 0 1 2 3 4

8. Contata serviços públicos (por exemplo, polícia, bombeiros, 0 1 2 3 4instituições para desabrigados) para fazer queixas ou pedidosimpróprios (por exemplo, entra na delegacia para pedir uma caronapara casa, telefona diariamente para instituições para desabrigadospara relatar variados problemas sem importância)

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Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos

VI. Administração do dinheiro1. Compra a quantidade adequada de mercadorias 0 1 2 3 4

(sem necessidade de orientação)

2. Compra suas próprias roupas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

3. Compra objetos de uso pessoal (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

4. Providencia o conserto de roupas e objetos 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

5. Paga contas (inclusive aluguel, alimentos, roupas, transporte, 0 1 2 3 4atividades de lazer e bens pessoais) (sem necessidade de orientação)

6. Administra adequadamente seu orçamento (isto é, planeja suas 0 1 2 3 4despesas de acordo com seus recursos financeiros)

7. Procura ajuda ou informação, quando necessário, para planificação 0 1 2 3 4de seu orçamento (sem necessidade de orientação)

8. Compreende os termos tutela ou curadoria (se for aplicável ao caso) 0 1 2 3 4

9. Compra itens essenciais antes de gastar dinheiro com supérfluos 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

10. Utiliza o relógio para organizar sua programação diária 0 1 2 3 4

11. Devolve material defeituoso ou troca mercadorias em lojas 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

12. Confere troco em lojas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

VII. Transporte1. Anda de ônibus (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

2. Lê itinerários de ônibus (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

3. Vai a pé a locais da vizinhança (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

4. Respeita as normas para pedestres (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

5. Informa-se e segue as indicações de um trajeto 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

6. Faz viagens de longa distância (de ônibus, trem ou avião) 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

7. Comporta-se apropriadamente em ônibus, trens ou aviões 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

VIII. Lazer1. Ocupa-se regularmente com um passatempo 0 1 2 3 4

(sem necessidade de orientação)

2. Passeia fora de seu local de residência 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

3. Cuida do jardim ou quintal (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

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Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Lima et al.

4. Ouve rádio ou vê televisão (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

5. Escreve cartas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

6. Assiste a atividades esportivas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

7. Joga cartas ou outros jogos de mesa (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

8. Lê jornais habitualmente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4

9. Vai a reuniões de organizações cívicas ou outras 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

IX. Emprego1. Procura emprego através de anúncios classificados 0 1 2 3 4

2. Contata empregadores em potencial para avaliar possíveis 0 1 2 3 4oportunidades de trabalho (sem necessidade de orientação)

3. Contata amigos/outros pacientes/assistente social/agência para 0 1 2 3 4indicações de empregos (sem necessidade de orientação)

4. Participa de entrevistas de seleção para obter emprego 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

5. Tem aspirações realísticas de emprego 0 1 2 3 4

6. Sai na hora certa para os compromissos 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

7. Sai na hora certa para o emprego 0 1 2 3 4(sem necessidade de orientação)

8. Chega na hora certa em seu emprego e respeita o horário 0 1 2 3 4de almoço (sem necessidade de orientação)

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Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos

Instruções aos autores

No Jornal Brasileiro de Psiquiatria são publicados artigosrelevantes em português, inglês ou espanhol. Os requisitospara apresentação de manuscritos foram estabelecidos deacordo com Uniform requirements for manuscripts submittedto biomedical journals do International Committee of MedicalJournals Editors – Grupo de Vancouver – publicado em AnnIntern Med 1997:126:36-47, disponível em versão digital emhttp://www.acponline.org.

Manuscritos e correspondências devem ser enviados para:

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal doRio de JaneiroAv. Venceslau Brás, 71 Fundos22290-140 Rio de Janeiro RJ BrasilTel: (5521) 2295-2549Fax: (5521) 2543-3101www.ufrj.br/ipube-mail: [email protected]

Uma vez aceito para publicação, torna-se o trabalho pro-priedade permanente da Diagraphic Editora Ltda., que re-serva todos os direitos autorais no Brasil e no exterior.

Carta de autorização• Os manuscritos devem estar acompanhados de carta de

autorização assinada por todos os autores.

Modelo

“Os autores abaixo assinados transferem à DiagraphicEditora Ltda., com exclusividade, todos os direitos depublicação, em qualquer forma ou meio, do arti-go..............., garantem que o artigo é inédito e nãoestá sendo avaliado por outro periódico e que o estu-do foi conduzido conforme os princípios da Declara-ção de Helsinki e de suas emendas, com o consenti-mento informado aprovado por comitê de éticadevidamente credenciado.” (incluir nome completo, en-dereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de to-dos os autores).

Avaliação por pareceristas(peer review)• Todos os manuscritos submetidos ao JBP serão avaliados

por dois pareceristas independentes.

Estrutura do manuscrito• Os manuscritos devem ser enviados em formato eletrôni-

co, acompanhados de quatro cópias impressas na últimaversão, e não serão devolvidos em nenhuma hipótese.

• Todas as páginas devem estar numeradas, indicando naprimeira o total de páginas.

• A primeira página deve conter o título do trabalho, nomecompleto dos autores e filiação científica.

• Os resumos devem ser apresentados no idioma do tex-to e em inglês, inclusive títulos, com, no máximo, 200palavras.

• Os unitermos, entre três e 10, devem ser apresentadosnos dois idiomas. Recomenda-se o uso de termos da listadenominada Medical Subject Headings do Index Medicusou da lista de Descritores de Ciências da Saúde, publicadapela BIREME, para trabalhos em português.

• Tabelas e ilustrações devem estar numeradas e prepara-das em folhas separadas, com as respectivas legendas emformato que permita sua reprodução e incluídas nodisquete. Os locais sugeridos para inserção deverão serindicados no texto, com destaque.

• Ilustrações não serão aceitas em negativo e impressão defotos em cores será cobrada do autor.

• Agradecimentos deverão ser mencionados antes dasReferências.

ReferênciasDevem ser numeradas e apresentadas em ordem alfabé-

tica. Deve ser usado o estilo dos exemplos que se seguem:

Artigos

• Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, KellerM, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

L ivro

• Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. NewYork: Oxford University Press; 1990.

Capítulo de livro

• Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, HopeDA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosisassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p. 261-309.

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Instructions for authors

The Jornal Brasileiro de Psiquiatria will consider for publi-cation relevant articles in Portuguese, English or Spanish. Thefollowing guidelines for the submission of manuscripts arein accordance with the Uniform requirements for manuscriptssubmitted to biomedical journals of the InternationalCommittee of Medical Journal Editors – Vancouver Group –published in the Ann Intern Med 1997; 126:36-47, alsoavailable in http:/www.acponline.org.

Send all manuscripts and correspondence to the followingaddress:

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal doRio de JaneiroAv. Venceslau Brás, 71 Fundos22290-140 Rio de Janeiro RJ BrasilTel: (5521) 2295-2549Fax: (5521) 2543-3101www.ufrj.br/ipube-mail: [email protected]

Once accepted for publication, the manuscript becomespermanent property of the Diagraphic Editora Ltda. whichreserves all the rights in Brazil and in any other foreigncountry.

Authorizing letter• Manuscripts should be accompanied by a letter

authorizing the publications signed by all authors.

Le t te r

“The undersigned authors transfer to Diagraphic Edi-tora Ltda., with exclusiveness, the copyright of thepublication by any means of the manuscriptentitled...................., guarantee that this article is notbeing evaluated by another periodical and that thestudy has been conducted according to the Declarationof Helsinki and its amendments with informed consentduly approved by an independent review board (IRB).”(include the complete name, addresses, telephone, fax,e-mail and signature of all authors).

Peer review• All manuscripts submitted to this Journal will be reviewed

by two independent reviewers.

Structure of the manuscript• The articles should be sent in electronic format plus four

printed copies of the latest version, which will not bereturned to the authors in any instance.

• All pages must be numbered, indicating in the first pagethe total numbers of pages.

• The first page must have: title of the manuscript, comple-te name of the authors and scientific affiliation.

• Abstracts should be presented in the languages of the textand in english with the maximum number of 200 words.

• Key words should be presented in two languages, the oneof the text and in english (between 3 and 10). For thechoice of terms, the list entitled Medical Subject Headingsof the Index Medicus or the Lista de Descritores de Ciên-cias da Saúde of BIREME, for portuguese scientificliterature, are recommended.

• Tables and illustrations should be numbered and placedin separate individual pages, with the legends, in a formatthat allows its reproduction, and its inclusion in a diskette.Places for insertion in the text should be highlighted.

• Illustration in negative will not be accepted and theprinting of coloured material will be charged to the author.

• Acknowledgements should be placed prior to theReferences.

ReferencesShould be numbered and listed in alphabetical order. The

following styles for the references should be employed.

Ar t i c l es

Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, KellerM, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

Book

Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. NewYork: Oxford University Press; 1990.

Book chapter

Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, HopeDA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosisassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p. 261-309.