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Pátio do Colégio - SP em 1840

DIDÁTICA DOENSINO SUPERIOR

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DIREÇÃO GERAL Prof. Ms. Hércules Pereira

COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA

Diretoria Acadêmica Prof. Ms. Luiz Annunziata

COORDENAÇÃO DE MARKETING

Diretoria de MarketingLeeladhar

ORGANIZAÇÃO/REVISÃO

Profa. Eliana

PROJETO GRÁFICO / COORDENAÇÃO EDITORIAL

Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento InstitucionalIgor LessaMarcos MelloRosane FurtadoWallace Lírio

REVISÃO ORTOGRÁFICA Penha Faria

© 2008 Todos os direitos reservadosINSTITUTO DE GESTÃO EDUCACIONAL SIGNORELLI

Av. Geremário Dantas, 1286 - Freguesia - JacarepaguáCEP: 22760-401 - Rio de Janeiro - RJ

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EQUIPE DE ELABORAÇÃO

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APRESENTAÇÃO

Prezado Cursista,O módulo de estudo que você recebeu foi formulado a partir de uma bibliogra-

fi a especializada sobre o tema, com o objetivo de orientar suas pesquisas, análises e refl exões, bem como facilitar a fi xação dos conteúdos propostos. Desse modo, a metodologia empregada priorizou o estudo de casos como forma de aprendizagem, na qual são apresentadas ao aluno algumas situações problematizando diversos assuntos abordados, ao fi nal de cada unidade, objetivando sua compreensão, análise e solução. Tal abordagem faz com que o estudante avalie criticamente os conteúdos enfocados, desenvolvendo habilidades necessárias ao bom desempenho do profi ssional no mundo atual. Além disso, para contribuir ainda mais com seu auto-estudo, são indicados sites para pesquisa e leituras complementares, bem como propostas atividades práticas ao fi nal de cada unidade, não sendo necessária a correção do professor.

A disciplina é oferecida sob a forma de educação a distância, privilegiando o auto-estudo e sendo mediado por material didático e apoio da Orientação Acadê-mica a distância, com encontros e avaliações presenciais.

A metodologia do trabalho combina atividades teóricas e práticas com o objetivo de possibilitar aos participantes articularem momentos de refl exão com momentos de aplicação dos conhecimentos adquiridos à realidade. As técnicas adotadas obedecem a uma seqüência de atividades na qual as análises sobre fato-res, que contribuem ou difi cultem a integração dos programas de EAD, resultem na discussão e participação de todos.

A organização dos módulos defi ne um núcleo temático consistente e atual, diversifi cando as perspectivas de pesquisa e de análise históricas, sociológicas, fi losófi cas, pedagógicas e éticas, tendo em vistas questões que a LDB, Lei 9394/96, propõe, principalmente no seu Art. 64 sobre a formação de profi ssionais de edu-cação.

Ao fi nal do curso, você estará apto a realizar uma avaliação presencial como parte do processo de avaliação global da disciplina.

Lembre-se que o serviço de Orientação Acadêmica está disponível para solu-cionar possíveis dúvidas no decorrer de seus estudos.

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SUMÁRIO

UNIDADE IIntrodução à Didática

UNIDADE IIBreve Panorama Históricoda Educação Brasileira

UNIDADE IIIA Prática Pedagógica:Concepções e Tendências

UNIDADE IVAs Teorias do Conflitoe a Prática Docente

CONSIDERAÇÕES FINAIS

BIBLIOGRAFIA

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Paralelamente, vivencia-se também o desafio de se acatar novos projetos para a educação brasileira que dê conta dessa formação continuada dos profissionais como declara o texto legal, a NLDBEN, Lei Darcy Ribeiro(lei nº 9.394-96) , de formar novos profi ssionais, trabalha-dores e cidadãos, que devem estar atrelados e cientes do mundo científi co e tecnológico de que fazem parte, visando a construção de uma sociedade mais igualitária e justa para todos.

Este é o desafi o posto a todos nós, edu-cadores, enquan-to formadores de novos profi ssionais. É contribuir para a construção de um novo projeto educativo, uma nova for-mulação pedagógica à altura das exigências e carências do mundo contemporâneo. É papel, de todos aqueles, de fato, comprometidos com a melhoria e redesenhamento da nova ordem mundial, no contexto sócio-político-histórico-cultural e educacional do nosso País.

AINTRODUÇÃO

sociedade deste milênio vem sendo marcada por significativas transformações no mundo do trabalho, da produção e das relações sociais, apontando carên-cias de um novo perfi l de educadores capazes de ins-trumentalizar os cidadãos das diversas áreas do co-nhecimento humano para uma nova convi-vência participa-tiva e crítica nesta “nova” sociedade.

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A pergunta que não se quer calar, então, é que tipo de educação, que tipo de didática se requerem e possam contribuir para a formação de cidadãos trabalhadores, com o espelhamen-to que esta sociedade atual está a nos exigir? Que currículo deve garantir o desvelamento do ato educativo, como ato político, como nos diz Paulo Freire, isto é, transformador dos sujeitos inseridos no processo em rede de conhecimen-tos e saberes que possa assegurar efetivo enten-dimento histórico da época em que vivemos, do mundo contemporâneo e dos fundamentos teóricos da Educação hoje. Em outras palavras, que conteúdos privilegiar para que os sujeitos democráticos possam se apropriar/instrumen-talizar desses novos conhecimentos científi co- tecnológicos em rede e como esses saberes, enquanto fi os condutores dos conhecimentos se tecem? Que metodologias, métodos e recur-sos estão a nossa disposição para a preparação de profi ssionais, capazes de responderem aos novos paradigmas e perfi l profi ssional, que os levem a serem capazes de tomar decisões, de administrar confl itos oriundos dos cotidianos do mundo do trabalho, resolver e solucionar problemas, de serem gestores de situações no-vas, comunicarem-se com efi ciência diante das mídias existentes e atuarem com participação e autonomia da ação pedagógica?

O Curso foi organizado para você buscar e aprofundar entendimento dos elementos básicos de uma didática crítica, que parta do diálogo dos diversos componentes do ato pedagógico como processo de ensino (Pressu-postos e características da Didática; o Contexto no qual ocorre o ato pedagógico; ensinar e aprender como processo complementares na produção e construção em redes de conheci-mento; A comunicação docente e suas implica-

ções na prática do professor; o entendimento do projeto educativo e pesquisa.), sem perder o referencial com o tempo-espaço em que vi-vemos e atuamos.

Entendemos, pois, que a Educação é um processo em eterna discussão, logo não a concebemos que seja um produto pronto e acabado enquanto ponto de chegada. Ao contrário, defendemos que por se tratar de um Curso de Educação a Distância (EAD), toda a organização, estrutura, funcionamento e desenvolvimento desse tipo de modalidade de ensino, deverão por isto mesmo, ser alvo de avaliação contínua por todos os professo-res e cursistas envolvidos, para que se possa corrigir rotas, administrar pontos possíveis de estrangulamento e aperfeiçoamento. Seu produto fi nal será, sim, a signifi cativa contri-buição de todos os envolvidos para desvelar posturas pedagógicas ultrapassadas e apontar para novas refl exões, debates e proposições para projetos educativos que a escola do século XXI requer.

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PRESSUPOSTOS ECARACTERÍSTICAS DA DIDÁTICA

Como e o que levar em conta ensinar/aprender no Século XXI, ou qual é a Didática “ideal” que dê conta para este desafi o? Essa com certeza é uma questão complexa a ser respondida de imediato, pois seu objeto é difícil de ser delimitado, além do que a sua conceituação é polissêmica. Lemos, por exemplo, nas literaturas especializadas termos como didática geral, didática aplicada, didática teórica, didática tradicional, didática crítica etc., sem falar em didáticas outras – todas com objetos específi cos, como didática da Educação Física, da História , do Português, de Inglês e muitas outras áreas do conhecimento humano.

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A didática está inserida na pedagogia e tem a escola em todos os seus movimentos como “locus” para ação pedagógica. A pedago-gia, enquanto ciência da educação, necessita de outras ciências como a psicologia, a sociologia, a biologia, a fi losofi a, a história, entre outras, para completá-la; daí o seu “status” polissêmi-co, ou seja, a crise da disciplina didática.

Como pode se entender, então, a amplitu-de conceitual do termo Didática?

O texto que segue foi elaborado Baline ,profª da Universidade Federal do Rio de Janei-ro e que oportunamente apresenta uma análise interessante e introdutória ao entendimento do que é Didática, apresenta uma argumentação no sentido acima exposto e que pode esclare-cer você repensar sua futura prática docente: Didática

De modo geral, a pa-lavra Didática se associa à arrumação, ordem, logicida-de, clareza, simplificação e costuma, portanto também conotar rigor, bitolamento, limitação, quadratura. Se ela adquiriu significados nega-tivos, supõe-se que a origem deles esteja no práxis, ou seja, o exercício regular da Didática, em todos os níveis de ensino, seria responsável pelo seu desprestígio ou má fama. Realmente, muitos manu-ais de Didática estão cheios de itens e subitens, regras e conselhos: o professor deve, o professor não deve e fi cam, portanto, muito próximos dos receituários ou listagens de permissões e proibições, ten-tando inutilmente disfarçar o seu vazio atrás de excessivo formalismo.

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O momento pedagógico é dos piores, re-fl ete os problemas da sociedade doente, infl a-cionada, violenta, desigual. Não adianta, pois, esperar milagres da Didática. Conviria, ao contrário, tomar consciência dos seus limites e possibilidades e impedir que ela fosse mais um elemento de manipulação do homem, de violação dos seus direitos, de repetição do passado.

Enfrentar o amanhã com as armas de ontem é garantir, previamente, a derrota.

Desistir de lutar, sob o pretexto de falta de equipamento, é covardia. Não há verbas, não há material, mas o recurso humano, o mais válido, existe, e aí está a exigir um aceitamento interior, capaz de acioná-lo.De um professor de Didática espera-se que seja pelo menos um didata, não na acepção vulgar da palavra, mas no sentido de reconhecer que suas atitudes valem bem mais que suas técni-cas, que, trocando com seus alunos o que ele é, abrirá caminhos mais amplos do que se apenas trocar com eles o que sabe, tentando moldá-los a si, ao seu fazer didático. Do professor de Didática é natural que o aluno cobre um pouco mais do que de qualquer outro professor: em primeiro lugar, ele exige respeito ao que ele (aluno) é; em segundo lugar, que ele vivencie e comprove numa lição de autenticidade o que ele (professor) considera correto, mas que tenha também abertura para valorizar outras opções...

DDidátticcaa do EEnssino SSuuperioorDidática do Ensino Superior

Corroborando todas estas restritivas, fez-se popular o seguinte conceito de Didática-disciplina com a qual ou sem a qual tudo fi ca tal e qual.

De fato, convém perguntar como apren-deram os nossos antepassados, entregues a professores leigos, cuja preocupação maior era a competência conteudística, a manutenção do respeito à cátedra e a sua pessoa, que do alto do seu tablado despejava sobre os alunos seu saber irrefutável. Por outro lado, com tanta didática hoje em voga, enriquecida pela psi-cologia, pela análise de sistemas e por toda a tecnologia do ensino, como explicar que o en-sino continue piorando sempre, como a querer comprovar a inutilidade desses recursos?

Aliás estarão eles sendo utilizados? E se realmente estão, haverá em seu emprego uma dose mínima de consciência, de adequação, de espírito de busca e pesquisa? Ou tudo acontece na simples cópia ou transplante de modelos inadequados à realidade brasileira e, por isso, devidamente rejeitados?

Como saber também se o caos do ensino se-ria bem maior , sem as tentativas de reformulação, sem o esforço das Faculdades de Educação com licenciaturas, sem os cursos de reciclagem, sem as pós-graduações em Educação?

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Uma Didática de vida estaria à frente de qual-quer Didática legista ou receitante; a vivência didática seria preferível à permanência no exer-cício didático isolado ou atomizado. Ser o profes-sor é conseguir integrar, harmoniosamente e com amor, as habilidades an-tes treinadas em separa-do. Se em cada habilida-de ele se coloca, sua hu-manidade ultrapassará a técnica, conferindo-lhe espaços inusitados.

A Didática deve ampliar seu objeto de estudo, ampliando-a, libertando-a de padrões rígidos e estagnantes, abrindo-lhe perspectiva que possam redimensioná-la e torná-la um ins-trumento útil ao ensino. Uma Didática Crítica e Criativa tentaria responder aos constantes ataques de que a Didática não leva a nada e até colabora para o emperramento do sistema escolar.

Não se trata de negar as bases técnico-cien-tífi cas em que se assenta a Didática, mas de, em as mantendo, acrescentar-lhes uma possibili-dade a mais - a da ousadia, a do incomum, a do ilógico, a ênfase a tudo o que foge aos padrões cotidianos e rotineiros. Parte-se do pressuposto de que se a Didática se alicerça na psicologia da aprendizagem e se alimenta da tecnologia do ensino, nada impede o seu enriquecimento ou extrapolação na dinâmica da criatividade e no processo crítico da realidade.

Por certo, praticando a criatividade e incrementando o senso crítico, professores e alunos não se tornarão melhores, mas é possível que se preparem um pouco mais para o futuro, que transfi ram mais facilmente as aprendizagens de hoje para o contexto de amanhã e que possam tornar-se menos teme-rosos e mais felizes na superação de situações diversas e adversas.

A Didática deve alertar a todos os pro-fessores do Brasil, país de jovens, no sen-tido de que despertem para o fato de que o ensino está perdendo terreno, antes mesmo de adquiri-lo, pela cansativa repetição das mesmas mesmices, antes úteis, hoje irrisórias, na vida acelerada e imprevisível de séculos, que passaram a durar de cinco a dez anos no máximo.

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Opta-se pela crença de que a boa Di-dática é a que incentiva a produção e não a reprodução, a divergência muito mais que a convergência, a crítica em lugar da tranqüila aceitação, a dúvida em detrimento das certezas preestabelecidas, o erro provisório em lugar do acerto fácil. Propõe-se também que a essa Didática se chame DIDÁTICA CRÍTICA: além da fusão de princípios científi cos e recursos técnicos com a valorização da função criativa e busca do desvelamento da consciência crítica

do professor-aluno, ela “amplia” seu campo de atuação por aplicar-se a todos os níveis de ensino e por estar aberta a todas as contri-buições plausíveis que vieram subsidiá-la.” (Baline Bello Lima)

Para aprofundarmos a temática proposta para este módulo, traçamos a seguir a linha espaço-tempo histórico da Didática no pa-norama brasileiro para entendermos sua real evolução conceitual.

PREZADO(A) CURSISTA

Chegamos ao fi nal da Unidade I, cujo o tema foi Introdução a Didática.Espero que através do texto básico, você tenha iniciado uma análise critica do processo da Didática o seu desenvolvimento.

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HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DADIDÁTICA: 1549 AOS NOSSOS DIAS

A retrospectiva histórica da Didática abrange duas partes: na primei-ra é abordado o papel da disciplina antes de sua inclusão nos cursos de formação de professores a nível superior, compreendendo o período que vai de 1549 até 1930; a segunda parte procura reconstituir a trajetória da Didática a partir da década de 30 até os dias atuais.

São destacados os aspectos sócio-econômicos, políticos e educacionais que servem de pano de fundo para identifi car as propostas pedagógicas presentes na educação, bem como os enfoques do papel da Didática.

BREVE PANORAMA HISTÓRICODA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

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Primórdios da Didática: O período de 1549/1930

Sócrates quando perguntava aos discípulos: “pode-se ensinar a virtu-de?” ou na lectio e na disputatio medievais já havia uma idéia de Didática implícita. Mas o traçado de uma linha imaginária em torno de eventos — que caracterizam o ensino é fato do início dos tempos modernos, e revela uma tentativa —, de distinguir um campo de estudos autônomo.

A inauguração de um campo de estudos com esse nome tem uma característica que vai ser reencontrada na vida histórica da Didáti-ca: surge de uma crise e constitui um marco revolucionário e doutrinário no campo da Educação. Da nova disciplina espera-se refor-mas da Humanidade, já que deveria orientar educadores e destes, por sua vez, dependeria a formação das novas gerações

Justifi ca-se, assim, as muitas esperanças nela depositadas, acompanhadas, infelizmen-te, de outras tantas frustrações.

Constata-se que a delimitação da Didática constituiu a primeira tentativa que se conhece de agrupar os conhecimentos pedagógicos,

SÉCULO XVII: SURGIMENTO DA DIDÁTICA

atribuindo-Ihes uma situação superior à da mera prática costumeira, do uso ou não do mito. A Didática surge graças à ação de dois educadores, RATIOUIO (1571-1635) e COME-NIO ((1582-1670), ambos provenientes da Eu-ropa Central, que atuaram em países nos quais se havia instalado a Reforma Protestante.

COMÊNIO escreveu, entre outras obras, a Didática Magna (1633), instituindo a nova disciplina como “arte de ensinar tudo a todos”. Dessa ambição participa também RATÍQUIO, e ambos, pautados por ideais ético-religiosos, acreditam ter encontrado um método para cumprir aqueles desígnios de modo rápido e agradável. Na verdade, a instrução popular é

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crucial para a reforma religiosa, e a busca de procedimentos que propiciassem rendimento ao ensino torna-se importante. Obedecem à utopia da época: a idéia baconiana da atenção à natureza -esta é o modelo que os didatas su-põem imitar quando aconselham seguir sem-pre do fácil ao difícil, ir das coisas às idéias e do particular ao geral, tudo sem pressa. Numa época em que o latim dominava, propunham iniciar o ensino pela língua materna e por meio de livros ilustrados, como exemplifi cou COMÊNIO. Tem-se notícias de experiências educacionais realizadas conforme os princí-pios expostos, embora nem todas tivessem tido sucesso. Não existem fronteiras, na obra do século XVII, entre Educação e Ensino, pois o objeto da Didática abrange o ensino de co-nhecimentos, atitudes e sentimentos.

Essa etapa da gênese da Didática a faz ser-vir, com ardor, à causa da Reforma Protestante, e esse fato marca seu caráter revolucionário, de luta contra o tipo de ensino da Igreja Católica Medieval. Doutrinariamente, seu vínculo é com o preparo para a vida eterna e, em nome dela, com a natureza como “nosso estado primitivo e fundamental ao qual devemos regressar como princípio”. Observa-se, entre-tanto, que, na Europa Ocidental Católica, ou-tros pensadores também já haviam discutido,

como humanistas, a reforma de procedimentos educacionais.

Os jesuítas foram os principais educado-res de quase todo o período colonial, atuando, aqui no Brasil, de 1549 a 1759.

No contexto de uma sociedade de eco-nomia agrário-exportadora-dependente, explorada pela Metrópole, a educação não era considerada um valor social importante. A tarefa educativa estava voltada para a cate-quese e instrução dos indígenas, mas, para a elite colonial, outro tipo de educação era ofere-cido: o plano de instrução era consubstanciado no Ratio Studiorum, cujo ideal era a formação do homem universal, humanista e cristão. A educação se preocupava com o ensino huma-nista de cultura geral, enciclopédico e alheio à realidade da vida da Colônia. Esses eram os alicerces da Pedagogia Tradicional na vertente religiosa que, de acordo com SAVIANI (1984, p.12), é marcada por uma “visão essencialista de homem, isto é, o homem constituído por uma essencial universal e imutável”. A essên-cia humana é considerada criação divina e, assim, o homem deve se empenhar para atingir a perfeição, “para fazer por merecer a dádiva da vida sobrenatural”. (Ibid., p.12).

A ação pedagógica dos jesuítas foi marca-da pelas formas dogmáticas de pensamento, contra o pensamento crítico. Privilegiavam o exercício da memória e o desenvolvimento do raciocínio; dedicavam atenção ao preparo dos padres-mestres, dando ênfase à formação do caráter e sua formação psicológica para conhe-cimento de si mesmo e do aluno.

Dessa forma, não se poderia pensar em uma prática pedagógica e muito menos em uma Didática que buscasse uma perspectiva transformadora na educação.

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Os pressupostos didáticos diluídos no “Ratio” enfocavam instrumentos e regras me-todológicas compreendendo o estudo privado, em que o mestre prescrevia o método de estu-do, a matéria e o horário; as aulas ministradas de forma expositiva; a repetição visando repe-tir, decorar e expor em aula; o desafi o, estimu-lando a competição; a disputa, outro recurso metodológico era visto como uma defesa de tese. Os exames eram orais e escritos, visando avaliar o aproveitamento do aluno.

O enfoque sobre o qual o papel da Didá-tica, ou melhor, da Metodologia de Ensino, como é denominada no Código pedagógico dos jesuítas, está centrado no seu caráter me-ramente formal, tendo por base o intelecto; o conhecimento é marcado pela visão essencia-lista de homem.

A Metodologia de Ensino (Di-dática) é entendida como um conjunto de regras e normas prescritivas visando a orien-tação do ensino e do estudo. Como afirma PAIVA (1981, p. 11), é um conjunto de nor-mas metodológicas referen-tes à aula, seja na ordem das questões, no ritmo do desen-volvimento e seja, ainda, no próprio processo de ensino”.

Após os jesuítas, não ocorrem no país grandes movimentos pedagógicos, como são poucas as mudanças sofridas pela sociedade colonial e durante o Império e a República. A nova organização instituída por Pombal,

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pedagogicamente, representou um retrocesso. Professores leigos começaram a ser admitidos para as “aulas-régias” introduzidas pela refor-ma pombalina.

Por volta de 1870, época de expansão cafeeira e da passgem de um modelo agrário-exportador para um urbano-comercial-ex-portador, o Brasil vive o seu período de “ilu-minismo”. Segundo SAVIANI (1984, p. 275), “tomam corpo movimentos cada vez mais independentes da infl uência religiosa”.

No campo educacional, suprime-se o en-sino religioso nas escolas públicas, passando o Estado a assumir a laicidade. É aprovada a reforma de Benjamin Constant (1890) sob a infl uência do positivismo. A escola busca disseminar uma visão burguesa de mundo e sociedade, a fi m de garantir a consolidação da burguesia industrial como classe dominante.

Os indicadores de penetração da Pedago-gia Tradicional em sua vertente leiga são os Pareceres de Rui Barbosa, de 1882 e a primeira reforma republicana, a de Benjamin Constant, em 1890.

Esta vertente da Pedagogia Tradicional mantém a visão essencialista de homem, não como criação divina, mas aliada à noção de natureza humana, essencialmente racional. Essa vertente inspirou a criação da escola pública, laica, universal e gratuita. (SAVIANI, 1984, p. 274).

A essa teoria pedagógica correspondiam as seguintes características: a ênfase ao ensi-no humanístico de cultura geral, centrada no

professor, que transmite a todos os alunos indistintamente a verdade universal e enciclo-pédica; a relação pedagógica que se desenvolve de forma hierarquizada e verticalista, onde o aluno é educado para seguir atentamente a exposição do professor; o método de ensino, calcado no cinco passos, formais de Hebart (preparação, apresentação, comparação, assi-milação, generalização e aplicação).

É assim que a Didática, no bojo da Pe-dagogia Tradicional leiga, está centrada no intelecto, na essência, atribuindo um caráter dogmático aos conteúdos; os métodos são princípios universais e lógicos; o professor se torna o centro do processo de aprendizagem, concebendo o aluno como um ser receptivo e passivo. A disciplina é a forma de garantir a atenção, o silêncio e a ordem.

A Didática é compreendida como um conjunto de regras, visando assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade docente é entendida como inteiramente autônoma face à política, dissociada das questões entre escola e sociedade. Uma Didática que separa teoria e prática.

A Pedagogia tradicionalista leiga refl etia-se nas disciplinas de natureza pedagógica do currículo das Escolas Normais desde o início de sua criação, em 1835.

A inclusão da Didática como disciplina em cursos de formação de professores para o então ensino secundário, ocorreu quase um século depois, ou seja, em 1934.

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A Didática nos Cursos deFormação de Professoresa partir de 1930

O período de 1930/1945: A Didática é tra-dicional, cumpre renová-la.

Na década de 30, a sociedade brasileira sofre profundas transformações, motivadas basicamente pela modificação do modelo sócio-econômico. A crise mundial da economia capitalista provoca no Brasil a crise cafeeira, instalando-se o modelo sócio-econômico de substituição de importações.

Paralelamente, desencadeia-se o movi-mento de reorganização das forças econômicas e políticas o que resultou em um confl ito: a Revolução de 30, marco comumente empre-gado para indicar o início de uma nova fase na história da República do Brasil.

No âmbito educacional, durante o gover-no revolucionário de 1930, Vargas constitui o Ministério de Educação e Saúde Pública. Em 1932 é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, preconizado a reconstrução social da escola na sociedade urbana e industrial.

Entre os anos de 1931 e 1932 efetivou-se a Reforma Francisco Campos. Organiza-se o ensino comercial; adota-se o regime universitário para o ensino superior, bem como organiza-se a primeira universidade brasileira. A Faculdade de Filosofi a Ciên-cias e Letras da Universidade de São Paulo foi o primeiro instituto de ensino superior que funcionou de acordo com o modelo Francisco Campos. A origem da Didática como disciplina dos cursos de formação de professores a nível superior está vin-culada à criação da referida Faculdade, em 1934, sabendo-se que a qualifi cação do

magistério era colocada como ponto central para a renovação do ensino. No início, a parte pedagógica existente nos cursos de formação de professores era realizada no Instituto de Educação, sendo aí incluída a disciplina “Me-todologia do Ensino Secundário”, equivalente à Didática hoje nos cursos de licenciatura.

Por força do art. 20 do Decreto-Lei n°. 1190/39, a Didática foi instituída como curso e disciplina, com duração de um ano. A legis-lação educacional foi introduzindo alterações para, em 1941, o curso de Didática ser con-siderado um caso independente, realizado após o término do bacharelado (esquema três + um).

Em 1937, ao se consolidar no poder com auxílio de grupos militantes e apoiado pela classe burguesa, Vargas implanta o Estado Novo, ditatorial, que persistiu até 1945.

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Devido à predominância da infl uência da Pedagogia Nova na legislação educacional e nos cursos de formação para o magistério, o professor absorveu o seu ideário.

Conseqüentemente, nesse momento, a Didática também sofre a sua infl uência, pas-sando a acentuar o caráter prático-técnico do processo ensino-aprendizagem, onde teoria e prática são justapostas.

O ensino é concebido como um processo de pesquisa, partindo do pressuposto de que os assuntos de que tratam o ensino são pro-blemas.

Para CANDAU (1982, p. 22), os métodos e técnicas mais difundidas pela Didática re-novada são:

“centros de interesse, estu-do dirigido, unidades didá-ticas, métodos dos projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de ensino, etc ”.

A Didática é entendida como um conjunto de idéias e métodos, privilegiando a dimensão técnica do processo de ensino, fundamentada nos pressupostos psicológicos e psicope-dagógicos e experimentais, cientifi camente validados na experiência e construídos em teoria, ignorando o contexto sócio-político-econômico.

A Didática, assim concebida, propiciou a formação de um novo perfi l de professor: o técnico.

Os debates educacionais são paralisados e o “prestígio dos educadores passa a condicio-nar-se às respectivas posições políticas”, como afi rma PAIVA (1973, p. 125).

O período situado entre 1930 e 1945 é marcado pelo equilíbrio entre as infl uências da concepção humanista tradicional (repre-sentada pelos católicos) e humanista moderno (representada pelos pioneiros). Para SAVIANI (1985, p. 276) a concepção humanista moderno se baseia em uma “visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade”. Há pre-domínio do aspecto psicológico sobre o lógico. O escolanovismo propõe um novo tipo de homem, defende os princípios democráticos, isto é, todos têm direito a assim se desenvol-verem. No entanto, isso é feito em uma socie-dade dividida em classes, onde são evidentes as diferenças entre o dominador e as classes subalternas. Assim, as possibilidades de se concretizar este ideal de homem se voltam para aqueles pertencentes à classe dominante.

A característica mais marcante do esco-lanovismo é a valorização da criança, vista como ser dotado de poderes individuais, cuja liberdade, iniciativa, autonomia e interesses devem ser respeitados. O movimento escola-novista preconizava a solução de problemas educacionais em uma perspectiva interna da escola, sem considerar a realidade brasileira nos seus aspectos político, econômico e so-cial. O problema educacional passa a ser uma questão de escolar e técnica. A ênfase recai no ensinar bem, mesmo que a uma minoria.

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O período de 1945/1960: o predomíniodas novas idéias e a Didática

Esta fase correspondente à aceleração e diversificação do processo de substituição de importações e à penetração do capital es-trangeiro. O modelo político é baseado nos princípios da democracia liberal com crescente participação das massas. É o Estado popu-lista — desenvolvimentista, representando uma aliança entre o empresariado e setores populares, contra a oligarquia. No fi m do período, começa a delinear-se uma polariza-ção, deixando entrever dois caminhos para o desenvolvimento: o de tendência populista e o de tendência antipopulista.

Neste contexto, insere-se a educação. A política educacional, que caracteriza essa fase, reflete muito bem a “ambivalência dos grupos no poder” como destaca FREITAG (1979, p. 54).

Em 1946, o Decreto-Lei n°. 9053 desobri-gava o curso de Didática e, já sob a vigência da Lei Diretrizes e Bases, Lei 4024/61, o esque-ma de três mais um foi extinto pelo Parecern°. 242/62, do Conselho Federal de Educação. A Didática perdeu seus qualifi cativos geral e especial introduzindo-se a Prática de Ensino sob a forma de estágio supervisionado.

Entre 1948-1961, desenvolvem-se lutas ideológicas em torno da oposição entre esco-la particular e defensores da escola pública.A disseminação das idéias novas ganha mais força com a ação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). As escolas católicas se inserem no movimento renova-dor, difundindo o método de Montessori e Lubienska.

Outros indícios renovadores começam a ser disseminados nessa década, entre os quais se destacam o Ginásio Orientado para o Tra-balho (GOT), os Ginásios Pluricurriculares, os Ginásios Vocacionais.

Paralelamente a essas iniciativas renova-doras que começaram a ser implantadas, um outro redirecionamento vinha sendo dado à escola renovada, fortemente marcada pela ênfase metodológica, que culminou com as reformas promovidas no sistema escolar bra-sileiro no período de 1968/1971.

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Pela força do convênio celebrado entre o MEC/Governo de Minas Gerais --- Missão de Operações dos Estados Unidos (PONTO IV) criou-se o PABAEE (Programa Americano Bra-sileiro de Auxílio ao Ensino Elementar), volta-do para o aperfeiçoamento de professores do Curso Normal. Nesses cursos, começaram a ser introduzidos os princípios de uma tecnologia educacional importada dos Estados Unidos. Dado o seu caráter multiplicador, o ideário renovador-tecnicista foi se difundindo.

É importante frisar que, nesta fase, o ensino de Didática também se inspirava no liberalismo e no pragmatismo, acentuando a predominância dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do conhe-cimento. A Didática se voltava para as variáveis do processo de ensino sem considerar o con-texto político-social. Acentuava-se desta forma, o enfoque renovador-tecnicista da Didática na esteira do movimento escolanovista.O período pós-1964: os descaminhos da Didá-tica. O quadro que se instalou no país com o movimento de 1964 alterou a ideologia políti-ca, a forma de governo e, conseqüentemente, a educação.

O modelo político-econômico tinha como característica fundamental um projeto desen-volvimentista que buscava acelerar o cresci-mento sócio-econômico do país. A educação desempenhava importante papel na prepara-ção adequada de recursos humanos necessá-rios à incrementação do crescimento econômi-co e tecnológico da sociedade de acordo com a concepção economicista de educação.

O sistema educacional era marcado pela infl uência dos Acordos MEC/USAID, que ser-viram de sustentáculo às reformas do ensino superior e posteriormente do ensino de 1° e 2°

graus. Por infl uência, também dos educadores americanos, foi implantada, pelo Parecer 252/69 e Resolução n°. 2/69 do Conselho Federal de Educação, a disciplina “Currículos e Progra-mas”, nos cursos de Pedagogia, o que, de certa forma, provocou a superposição de conteúdos da nova disciplina com a Didática.

O período compre-endido entre 1960 e 1968 foi marcado pela crise da Peda-gogia Nova e articu-lação da tendência tecnicista, assumi-da pelo grupo mili-tar e tecnocrata.

O pressuposto que embasou esta pe-dagogia está na neutralidade científica, inspirada nos princípios de racionalidade, efi -ciência e produtividade. Buscou-se a objetiva-ção do trabalho pedagógico da mesma maneira que ocorreu no trabalho fabril. Instalou-se na escola a divisão do trabalho sob a justifi cativa de produtividade, propiciando a fragmentação do processo e, com isso, acentuando as distân-cias entre quem planeja e quem executa.

A Pedagogia Tecnicista está relacionada com a concepção analítica de Filosofia da Educação, mas não como conseqüência sua. SAVIANI (1984, p. 179), explica que a concep-ção analítica “(...) não tem por objeto a reali-dade. Refere-se, pois, à clareza e consistência dos enunciados relativos aos fenômenos eles mesmos. (...) A ela cabe fazer a assepsia da

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linguagem, depurá-la de suas inconsistências e ambigüida-des. Não é sua tarefa produzir enunciados e muito menos práticas.”

A afi nidade entre as duas encontra-se, não no plano das conseqüências, mas no plano dos pressupostos de objetivi-dade, racionalidade e neutrali-dade.

O enfoque do papel da Di-dática a partir dos pressupostos da Pedagogia Tecnicista procura desenvolver uma alternativa não psicológica, situando-se no âm-bito da tecnologia educacional, tendo como preocupação básica a efi cácia e a efi ciência do pro-cesso de ensino. Essa Didática tem como pano de fundo uma perspectiva realmente ingênua de neutralidade científi ca.

Neste enfoque, os conteúdos dos cursos de Didática centram-se na organização racional do processo de ensino, isto é, no planejamento didático formal, e na elaboração de materiais instrucionais, nos livros didá-ticos descartáveis. O processo é que defi ne o que professores e alunos devem fazer, quando e como o farão.

Na Didática Tecnicista, a desvinculação entre teoria e prática é mais acentuada.O professor torna-se mero exe-cutor de objetos instrucionais,

de estratégias de ensino e de avaliação.

Acentua-se o formalismo didático através dos planos elaborados segundo normas pré-fi xadas. A Didática é con-cebida como estratégia para o alcance dos produtos previstos para o processo ensino-apren-dizagem.

A partir de 1974, época em que tem início a abertura gradu-al do regime político autoritário instalado em 1964, surgiram estudos empenhados em fazer a crítica da educação dominante, evidenciando as funções reais da política educacional, acobertada pelo discurso político-pedagógi-co ofi cial.

Tais estudos foram agru-pados e denominados por SA-VIANI (1983, p. 19) de “teorias críticas-reprodutivistas”, que, apesar de considerar a educação a partir dos seus aspectos so-ciais, concluem que sua função primordial é a de reproduzir as condições sociais vigentes. Elas se empenham em fazer a de-núncia do caráter reprodutor da escola. Há uma predominância dos aspectos políticos, enquanto as questões didático-pedagógi-cas são minimizadas.

Em conseqüência, a Didá-tica passou também a fazer o discurso reprodutivista, ou seja, a apontar o seu conteúdo ideo-

A Pedagogia Tecnicista es-tá relacionada com a con-cepção analítica de Filosofia da Educação, mas não como conseqüência sua. SAVIANI (1984, p. 179), explica que a concepção analítica “(...) não tem por objeto a realidade. Refere-se, pois, à clareza e consistência dos enunciados relativos aos fenômenos eles mesmos. (...) A ela cabe fazer a assepsia da linguagem, depurá-la de suas inconsistências e ambigüidades. Não é sua tarefa produzir enunciados e muito menos práticas.”

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lógico, buscando sua desmistifi cação de certa forma relevante, porém relegando a segundo plano sua especifi cidade.

CANDAU (1982, p. 28) afi rma que “(...) junto com esta postura de denúncia e de expli-citação do compromisso com o ‘status quo’ do técnico aparentemente neutro, alguns autores chegaram à negação da própria dimensão téc-nica da prática docente.”

Sob esta ótica, a Didática nos cursos de formação de professores passou a assumir o discurso sociológico, fi losófi co e histórico, secundarizando a sua dimensão técnica, com-prometendo, de certa forma, a sua identidade, acentuando uma postura pessimista e de des-crédito relativo à sua contribuição quanto à prática pedagógica do futuro professor.

Contudo, pode-se perceber que se, de um lado, a teoria crítico-reprodutivista contribuiu para acentuar uma postura de pessimismo, por outro lado, a atitude crítica passou a ser exigida pelos alunos e os professores procuram rever sua própria prática pedagógica a fi m de torná-la mais coerente com a realidade sócio-cultural. A Didática é questionada e os movimentos em torno de sua revisão apontam para a busca de novos rumos.

A década de 80: momentoatual da Didática

Ao longo dos anos 80, a situação sócio-econômica do país tem difi cultado a vida do povo brasileiro com a elevação da infl ação, elevação do índice de desemprego, agravado mais com o aumento da dívida externa e pela política recessionista, orientada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Na primeira metade da década de 80, instala-se a Nova República, iniciando-se, desta forma uma nova fase da vida do país. A ascensão do governo civil da Aliança Democrá-tica assinala o fi m da ditadura militar, porém conserva inúmeros aspectos dela, sob formas e meios diferentes. (FALCÃO, 1986, p. 27).

A luta operária ganha força, passando a se generalizar por outras categorias profi ssionais e, dentre elas, os professores.

É nessa década que os professores se em-penham para a reconquista do direito e dever de participarem na defi nição da política edu-cacional e na luta pela recuperação da escola pública.

A realização da I Conferência Brasileira de Educação foi um marco importante na história da educação brasileira. Constitui um espaço para se discutir e disseminar a concepção crí-tica de educação, pois, como afi rma SAVIANI (1984, p. 24), “a preocupação com a perspectiva dialética ultrapassa, na fi losofi a da educação, aquele empenho individual de sistematização e se torna objeto de um esforço coletivo.”

A concepção dialética ou crítica não foi dominante no nosso texto educacional. Ela se organizou com maior nitidez a partir de 1979.

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Para a concepção dialética de Filosofi a da Educação, não existe um homem dado “a prio-ri”, pois não coloca como ponto de partida uma determinada visão homem. Interesse-se pelo ser concreto. A tarefa da fi losofi a é explicitar os problemas educacionais e compreendê-los a partir do contexto histórico em que estão inseridos (SAVIANI, 1984, p.24)

A educação não está centrada no professor ou no aluno, mas na questão central da forma-ção do homem. A educação está voltada para o ser humano e sua realização em sociedade.

Nesse sentido, GADOTTI afi rma que, no bojo de uma Pedagogia Crítica, “a educação se identifi ca como o processo de hominização. A educação é o que se pode fazer do homem de amanhã”. (1983, p. 149) É uma pedagogia que se compromete com os interesses do homem das camadas desfavorecidas.

A escola se organiza como espaço de ne-gação da dominação e não mero instrumento para reproduzir a estrutura social vigente.

Nesse sentido, agir no interior da escola é contribuir para transformar a própria so-ciedade.

Ora, no meu entender, a Didática tem uma importante contribuição a dar em função de clarifi car o papel sócio-político da educação, da escola e, mais especifi camente, do ensino.

Assim, o enfoque da Didática, de acor-do com os pressupostos de uma Pedagogia Crítica, é o de trabalhar no sentido de ir além dos métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-for-ma, técnico-político, ensino-pesquisa. Ela deve contribuir para ampliar a visão do professor quanto às perspectivas didático-pedagógicas mais coerentes, com nossa realidade educa-cional, ao analisar as contradições entre o que é realmente o cotidiano da aula e o ideário pedagógico calcado nos princípios da teoria liberal, arraigado, na prática dos professores.

Na década de 80, esboçam-se os primeiros estudos em busca de alternativas para a Didá-tica, a partir dos pressupostos da Pedagogia Crítica.

A Didática no âmbito desta pedagogia auxilia no processo de politização do futuro professor, de modo que ele possa perceber a ideologia que inspirou a natureza do conhe-cimento usado e a prática desenvolvida na escola. Neste sentido, a Didática Crítica busca superar o intelectualismo formal do enfoque tradicional, evitar os efeitos do espontaneísmo escolanovista, combater a orientação desmobi-lizadora do tecnicismo e recuperar as tarefas especifi camente pedagógicas, desprestigiadas a partir do discurso reprodutivista. Procura, ainda, compreender e analisar a realidade social onde está inserida a escola.

É preciso uma Didática que proponha mudanças no modo de pensar e agir do pro-fessor e que este tenha presente a necessidade

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de democratizar o ensino. Este é concebido como um processo sistemático e intencio-nal de transmissão de conteúdos culturais e científi cos. É evidente que a Didática, por si, não é condição sufi ciente para a formação do professor crítico.

Não resta dúvida de que a tomada de consciência e o desvelamento das contradições que permeiam a dinâmica da sala de aula são pontos de partida para a construção de uma Didática Crítica, contextualizada e socialmente comprometida com a formação do professor.

Trocando-se a palavra “científi ca” por “educacional’” obtém-se uma afi rmativa que merece ser considerada. Qual o paradigma compar-tilhado, quanto à Didática? Como é que a comunidade educacional interpreta esse paradigma?

Considera-se que a difi culdade de res-ponder a essas questões encontra-se no fato de que não há um paradigma, mas talvez pa-radigmas em confl ito. Atreve-se dizer que boa parte dessa situação se deve a uma espécie de contaminação entre Didática – disciplina – e o conteúdo dos cursos. Explicando melhor, o continente didático acolhe diferentes conteú-dos, em termos de tendências doutrinárias ou teóricas. Ou seja, algumas obras ou cursos pri-vilegiam determinadas infl exões – sociológi-cas, psicológicas, fi losófi cas - , mas nem sempre as mesmas. Interpretam o Ensino de muitos modos. Há diferenças entre posições teóricas e diretrizes metodológicas ou tecnológicas. E condena-se o continente por seu conteúdo.

Final do século: a Didática oscila entre diferentes paradigmas “Um paradigma (ou um conjunto de paradigmas) é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e,inversamente, uma comunidade científi ca consiste em homens que partilham um para-digma”. (Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científi cas)

Na verdade há uma ação de “retorno” do segundo sobre o primeiro e pode-se acusar certas restrições à Didática (quando se torna somente uma série de técnicas docentes...) ou certas expansões da área (quando se expande até tornar-se uma sociopolítica do ensino). Há outros exemplos, facilitados pela complexida-de do fenômeno didático, por seus múltiplos aspectos, pelo comprometimento da sala de aula com a escola, com as comunidades, com a sociedade, com a cultura que interpreta a realidade da vida.

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METODOLOGIA DE CASOS:APRENDENDO COM A REALIDADE

1. “A capacidade de se auto-avaliar também depende da aprendizagem e por isso pode ser desenvolvida e aperfeiçoada.” Como um Chefe de Equipe deve trabalhar com seus profi ssionais para desenvolver a capa-cidade de auto-avaliação ?

2. “Pela autoridade de que está investido, o professor exerce uma grande infl uência sobre seus alunos. Por ele passa muito mais do que a infor-mação: a partir de sua autoridade e de sua postura dentro da sala de aula, os alunos aprendem todo o código de ética.”

Lídia R. Aratangy

Como você se posiciona diante desta fala da autora ?

LINKS DA INTERNET

www.bperj.rj.gov.br

www.bn.br

LEITURAS SUGERIDAS

GADOTTI, Moacir. Histórias das idéias pedagógicas. Rio de Janeiro: Ed. Ática S.A. 1993.

O autor faz uma trajetória das idéias pedagógicas elaboradas por diversos pensa-dores da Antigüidade aos dias de hoje, através de textos de autores que marcaram decisivamente suas épocas. Os textos estão agrupados por períodos e tendências e apresentam uma introdução, o contexto de cada período e informações biográ-fi cas sobre o tempo-espaço e as condições sócio-políticas em que os textos foram produzidos, além de apresentar algumas questões para refl exão.

HAIDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. São Paulo : Ed. Ática. 2003.

A autora parte das raízes mais profundas da Didática – suas ligações com a fi loso-fi a e a psicologia -, chegando progressivamente as grandes ramifi cações da ação

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didática:planejamentos de ensino, recursos e avaliação. Oferece, ainda, um capítulo sobre a Informática e a educação, tema bem atual e oportuno.

ATIVIDADES PRÁTICAS

1. A Didática varia conforme o tempo em que atua. Como deve ser o proceder do professorado hoje, com as várias mazelas de nosso tempo?

2. Faça um quadro-síntese da evolução do conceito de didática através dos tem-pos; para facilitar trace uma matriz analítica a partir do roteiro sugestivo que apresentamos: ano ou período; aspectos conceituais apresentados pelos autores nas diversas épocas.

Chegamos ao fi nal da Unidade II, cujo o tema foi Breve Panorama Histórico da Educação Brasileira.Para fi xar a Conteúdo realize os exercícios de auto-estudo.

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O A PRÁTICA PEDAGÓGICA:

CONCEPÇÕES E TENDÊNCIAS

UN

IDA

DE

III

objetivo desta unidade é fazer com que o cursista possa analisar as contradições existentes entre as diferentes concepções de educação e modo como tais concepções manifestaram concretamente nas práticas pedagógicas brasileiras.

Para analisarmos a Didática e o seu papel na prática pedagógica, faz-se necessário explicar quem é o educador e como ele concebe o fenô-meno educativo, tendo em vista as diretrizes que orientam sua atuação pedagógica.

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Entendendo educação no seu sentido mais amplo, podemos dizer que educadores são todos os mem-bros de uma sociedade. No entanto, a educação sistemática, planejada com objetivos defi nidos e realizada através do ensino, que é um tipo de prática educativa, exige um profi s-sional da educação com formação adequada. Mas, qual é a formação adequada? A resposta está no en-tendimento que temos do que é ser educador.

É interessante citar Rubens Alves que compara, de forma metafórica, o educador com o professor:

“Eu diria que os educadores são como velhas árvores. Pos-sui uma face, um nome, uma história a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alu-nos, sendo que cada aluno é uma entidade sui generis, por-tador de um nome, também de uma história sofrendo tristezas e alimentando esperanças. E a educação é algo para acon-tecer neste espaço invisível e denso, que se estabelece a dois. Espaço artesanal... Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde o educador pouco importa, pois o que interessa é um crédito cultural que o aluno adquire numa disciplina identifi cada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, ne-nhuma diferença faz aquele que a ministra. Por isso mes-mo, professores são entidades descartáveis, coadores de café descartáveis, copinhos plásti-cos de café descartáveis.”

Rubem Alves, 1983, p. 17-18

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O educador olha os seus alunos como pessoas com necessidades, difi culdades, fra-quezas e pontos fortes, procurando, com esta postura, contribuir para seu crescimento nos diferentes aspectos.

A importância da consciência política do educador é outro ponto a ser ressaltado. Como diz Freire (1988), a educação é um ato políti-co – um ato que sempre é praticado a favor de alguém, de um grupo, de algumas idéias e, conseqüentemente, contra outro alguém, contra outro grupo e contra outras idéias.

O educador é alguém que dei-xa sua marca na educação de seus alunos.

Dessa forma, entendemos que os diferen-tes posicionamentos pessoais e profi ssionais do educador envolvem diferentes modos de compreender e organizar o processo ensino-aprendizagem, e, por isso, a sua ação educativa

e a sua prática pedagógica retratam sempre uma opção política. Segundo Mizukami (1986), subjacente a esta prática estaria presente, im-plícita ou explicitamente, de forma articulada ou não, “um referencial teórico que compreen-desse os conceitos de homem, mundo e socie-dade, cultura, conhecimento etc...” (p. 4).

Cada tendência pedagógica está embasa-da em teorias do conhecimento advindas de pesquisas nas áreas de Psicologia, Sociologia ou Filosofi a e resulta de uma relação sujeito ambiente, isto é, deriva de uma tomada de posições epistemológicas em relação ao sujeito e ao meio.

No entanto, o educador pode adotar um ou outro aspecto das diferentes tendências, desde que seja coerente com a sua fi losofi a de educação. Ou seja, mesmo sendo um pro-gressista, o professor pode adotar uma meto-dologia própria de tendência escolanovista, considerando sempre as premissas básicas da abordagem que privilegia em sua práxis.

É importante ressaltar que até hoje não encontramos uma teoria que dê conta de todas as expressões e complexidades do comporta-mento dos indivíduos em situações de ensino-aprendizagem.

Daí nossa preocupação em ressaltar o caráter parcial deste estudo sobre as correntes pedagógicas que serão apresentadas, podendo outras abordagens teóricas virem a ser sugeri-das por outros autores.

Veja agora o papel que a Didática vem desempenhando nas principais teorias ou ten-dências pedagógicas que estão infl uenciando a formação do professor brasileiro.

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AS TENDÊNCIAS NÃO-CRÍTICAS

Se voltarmos muito longe no tempo, vamos encontrar a Didática Magna de Comênio, con-siderado o pai da Didática, que, no século XVII, procurou um método que pudesse ensinar tudo a todos. Esta é a Didática Tradicional,

“cuja grande contribuição é ter chamado a atenção para a organização lógica do proces-so ensino-aprendizagem, nos seus aspectos mais gerais” (Candau, 1998, p. 29).

A supervalorização do método, que foi peculiar na Teoria do Método Único, abstrato e formal, estava embasa em uma psicologia tipicamente racionalista. Comênio, Pestalozzi e Herbart formularam um método que acredi-tavam ser dotado de valor universal, ser capaz de imprimir ordem e unidade em todos os graus do saber.

Herbart estruturou um método tendo por base a ordem psicológica de aquisição do conhecimento. Este método foi organizado de acordo com as seguintes etapas: preparação, apresentação, associação, sistematização e aplicação.

Tal seqüência, apresentada por Herbart é, até hoje, seguida por muitos mestres. Alguns destes fazem parte do grupo que comunga da tendência tradicional de educação, entenden-do que a Didática deve estar voltada para a divulgação dos conteúdos de ensino, com fi m em si mesmo. É a valorização do conteúdo pelo conteúdo. Nesta tendência, o centro do

processo ensino-aprendizagem é o professor, que assume uma postura autoritária e privi-legia a exposição oral sobre qualquer outro procedimento de ensino.

Outros professores adaptam esta proposta de ensino em suas aulas, tendo em vista as possibilidades que esta oferece para a organi-zação e planejamento das mesmas. No Brasil, desde os jesuítas, cuja infl uência religiosa se deu até o fi nal do Império e o inicio de Primeira República, prevaleceu a tendência pedagógica tradicional.

A Didática, nessa tendência, está emba-sada na transmissão cultural, concebendo o aluno como um ser passivo, atribuindo um caráter dogmático aos conteúdos de ensino e percebendo o professor como fi gura principal do processo ensino-aprendizagem. Na ava-liação do aprendizado utilizam-se provas e argüições, apenas para classifi car o aluno.

Já nos anos de 1920, a tendên-cia tradicional começa a sofrer criticas com o despontar da tendência Liberal Renovada Progressivista (Escola Nova) que lhe faz oposição, apesar de a tendência tradicional ainda prevalecer na pratica da maioria dos professores brasileiros.

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1840NO FINALDO SÉCULO XIXE INÍCIO DOSÉCULO XX, a Psicologia desponta como ciência indepen-

dente, dando grandes contribuições à educa-ção. Traz como grande novidade a seguinte afi rmação: é o individuo que aprende, a apren-dizagem se dá na pessoa. Portanto, o processo ensino-aprendizagem tem de estar centrado no aluno, e não no professor.

Ora, se o processo ensino-aprendizagem deve estar centrado no aluno, este aluno deve ser ativo, participar diretamente do seu proces-so de aprendizagem. Sendo assim, em vez da “exposição oral”, deve-se dar preferência aos “métodos ativos”, os conteúdos devem ser os meios para o desenvolvimento de habilidades e os sentimentos também devem ser trabalha-dos, fato justifi cado pela grande infl uencia da Psicologia. A avaliação passa a ter conotação qualitativa e começa a ser considerada pelo professor, que passa a valorizar não mais a quantidade de conhecimento. A auto-avaliação surge na prática escolar como conseqüência da visão do aluno como pessoa e da valorização dos aspectos qualitativos que ele demonstra na apreensão dos conhecimentos.

Para Mizukami (1986), a abordagem Li-beral Progressivista ou Escolanovista (Escola Nova) poderia ser denominada didaticista, em virtude da grande importância atribuída aos aspectos didáticos.

Educadores como Anísio Teixeira, Lou-renço Filho e Fernando de Azevedo, retornan-

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do dos Estados Unidos, onde a Escola Nova estava bastante difundida, passam a preco-nizar esta tendência, criticando de maneira contundente a tendência radicional.

Mesmo sendo 1932 o ano que ocorreu o grande alarde em torno da Escola Nova em nosso país, foi somente em 1960 que ela atingiu o auge, refl uindo logo depois. É importante frisar que esta tendência trouxe informações indiscutíveis para a pratica pedagógica, como as modifi cações nos papéis do professor e do aluno, em conseqüência da compreensão de que a aprendizagem se dá na pessoa; é o indi-viduo que aprende, dentre outras. Entretanto, aluno ativo implica escola equipada com labo-ratórios e salas-ambiente, recursos didáticos que geram custos. Sendo a nossa escola pública carente de recursos, a implantação dessa pro-posta educativa tornou-se difícil. A maioria dos professores não estava bem preparada e se sentia insegura, ainda que a nova tendência marcasse o tom dos cursos de formação.

Sobre este momento, costuma-se dizer que os docentes não só se sentiam desprepara-dos para assumir uma nova prática, condizente com a Nova Escola, mas também não queriam ser “tradicionais”. Isto fez com que eles dei-xassem de fazer , na prática pedagógica o que sabiam e fi zessem mal feito o novo.

Podemos dizer que a Didática da Escola Nova centra-se na preocupação de como facili-tar o processo ensino-aprendizagem de forma a possibilitar ao aluno uma participação ativa neste processo, respeitando suas característi-cas, seus interesses, seus sentimentos, para que a escola seja um local prazeroso e que retrate a vida da maneira mais fi dedigna possível.

A grande infl uência da Psicologia na Edu-cação fez com que os educadores apresentas-

sem uma proposta educacional não-diretiva, de liberdade para aprender, estimulado pelos trabalhos de Carl Rogers, psicólogo norte-americano que desenvolvia um trabalho terapêutico na linha não diretiva, centrada na pessoa.

Nesta proposta, o trabalho pedagógico acaba por confundir-se com o psicológico e torna-se secundário; o importante é ajudar o aluno a se conhecer, a se relacionar, a se auto-realizar.

Assim, o professor passaria a ser um especialista em relações humanas, mais preo-cupado com as questões psicológicas do que com as pedagógicas e sociais, ou seja, mais um psicólogo do que um educador. Por isso, se essa tendência, num primeiro momento, se-duziu os educadores, num segundo momento passou a cargo dos orientadores educacionais e psicólogos escolares.

Na segunda metade do século XX, com o crescimento da so-ciedade industrial, fortemen-te calçada na tecnologia, des-ponta uma outra tendência: a Tecnicista.

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Outra vez a Psicologia faz-se muito pre-sente na educação, mostrando, agora, que todos são capazes de aprender qualquer coisa desde que estimulados. A tendência tecnicista se adequa perfeitamente a uma sociedade in-dustrializada que precisa aumentar, cada vez mais, a sua produção e, nesse sentido, tornar os indivíduos mais produtivos.

No inicio de 1960, o Brasil chega ao fi nal de um modelo econômico intitulado “substi-tuição de importações” com a implantação de indústrias de grande porte, como as automo-bilísticas. Isso signifi cou a nossa entrada no mundo capitalista, que, naquela ocasião, era movido pela produção industrial.

O bom desempenho alcançado pelas in-dústrias devia-se, em grande parte, ao avanço tecnológico. Isto levou todos os setores sociais a se tornarem “tecnologizados”, inclusive a educação, com a adoção pela escola da sepa-ração entre o pensar e o fazer. Foi o momento em que surgiram novas profi ssões na área edu-cacional: o administrador escolar, o orientador educacional e o supervisor escolar, este último pensado bem à moda da indústria. Estes pro-fi ssionais formavam a equipe que planejava o processo didático a ser colocado em prática pelos professores. Evidentemente, este modelo

Na tendência tradicional, o processo ensino-aprendizagem estava centrado no professor, ao passo que na Escola Nova centrava-se no aluno. Agora, na tendência tecnicista, os meios passam a ser o foco, como forma de garantir os resultados do processo ensino-aprendizagem, e os métodos de ensino tornam-se sofi sticados.

não funcionou, gerando nos professores, ver-dadeiro horror em relação aos planejamentos de ensino.

O professor sempre planejou as aulas à sua maneira, relacionando os conteúdos que “daria” e se organizando em função disto. No modelo tecnicista, esta forma de planejar já não servia, pois havia uma equipe responsável por isto, alij ando o professor se seu próprio fazer. Este passou a achar que o planejamento não servia para nada.

O planejamento didático, com base neste modelo fabril, estabelecia objetivos de forma bem operacionalizada. A idéia era que, ao se organizar o trabalho aos poucos, isto é, dando pequenos passos de cada vez, a possibilidade de sucesso era bem maior. A metodologia sofreu grande sofi sticação pois agora ela pas-sou a ser o foco principal do processo ensino-aprendizagem.

Nas escolas, surgiram os métodos indivi-dualizados, como a instrução programada e o módulo instrucional, entre outros, tendo como principais características o respeito ao ritmo próprio do aluno e às diferenças individuais. Nesta tendência, a avaliação voltou-se para toso o processo de ensino, utilizando procedi-mentos extremamente técnicos. Os conteúdos

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valorizados eram os de caráter científi co, exi-gidos para a capacitação profi ssional em uma sociedade industrial e tecnológica.

A legislação brasileira, nesse momento, admitia a possibilidade de qualifi car o profes-sor em nível superior e o conteúdo dos cursos de formação de professores não seria mais que a versão do tecnicismo educacional.

A didática, na tendência tecnicista, enfa-tizou o caráter prático-técnico do ensino, des-considerando, como as tendências anteriores, os condicionantes sociais.

A vida dos professores fi cou mais com-plicada quando a tendência tecnicista foi implantada ofi cialmente com a promulgação da Lei nº 5.692/71 para o ensino de 1º e 2º graus (denominação da época). O tecnicis-mo exigia a aplicação de uma metodologia extremamente sofi sticada e distante da reali-dade da maioria dos professores das escolas brasileiras. Além do que, a ênfase na técnica, no processo de ensino, gerou um grande

esvaziamento nos conteúdos, o que contri-buiu enormemente para a desestruturação da educação no nosso país.

As teorias apresentadas até então, segundo a Psicologia, apóiam-se em diferentes concep-ções do homem e do modo como ele constrói o conhecimento. Esse processo de apropriação do conhecimento enfatiza ora os fatores de in-teração internos (endógenos), ora os externos (exógenos), o que os estudiosos denominam de abordagens inatistas (importância dos fatores endógenos) ou ambientalistas (ação do meio e da cultura sobre a conduta humana).

Poder-se-ia dizer que, até o advento do tecnicismo, a Didática enfatizava mais o processo de ensinar do que o contexto. Daí a denominação não-critica que se dá as tendên-cias tradicionais, liberal escolanovista, liberal não-diretiva e liberal tecnicista, pois elas não se ocupam da realidade, não relacionam as questões educacionais às sociais, não se perce-bendo, portanto, condicionadas por estas.

AS TENDÊNCIAS CRÍTICAS

A década de 1980 se inicia ainda sob a efervescência e ansiedade do restabelecimento do estado democrático de direito no Brasil, após um longo período de ditadura militar. A partir de então, movimentos sociais ganham força em todo país. A classe operária se une aos professores na luta pela participação nas decisões político-educacionais, pela recuperação da escola pública e pela democratização do ensino.

A Didática passa a sofrer grande infl uência das teorias críticas da edu-cação. Esta orientação se deu a partir dos diferentes enfoques e confrontos de seus pesquisadores, em um pluralismo de idéias e de inquietudes que norteava sua trajetória em novos rumos.

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Espaços para troca de sabe-res entre educadores aconteciam em todo país.

Buscava-se repensar a didá-tica a partir da ênfase da compe-tência política dos educadores, contrapondo-se a anterior visão técnica da Didática como disci-plina instrumental. Essa busca resultou então na historização da Didática com a educação premente para o novo projeto histórico que emergia no Brasil, uma Didática Fundamental.

Algumas das preocupações que orientaram as investigações na área giravam em torno das seguintes questões: ideologia, poder, alienação, conscientiza-ção, reprodução, contestação do sistema capitalista, classes so-ciais, emancipação, resistência, relação teoria-prática, educação como prática social, o educador como agente de transformação, articulação do processo educa-tivo com a realidade.

Sobressaiu, nas posições dos educadores progressistas, a infl uência marxista em suas várias interpretações.

AS PEDAGOGIASPROGRESSISTAS

No Brasil, a pedagogia crítica libertadora de Paulo Freire atribuiu à educação o papel de denúncia das con-dições alienantes do povo, passando a fundamentar as críticas dos professores que apontavam os mecanismos de opressão da sociedade de classes.

A teoria pedagógica de Paulo Freire não tem uma proposta explí-cita para a Didática. Há, no entanto, uma didática implícita na orientação do trabalho escolar, cujo ensino é centrado na realidade social, ou seja, é uma didática que busca desenvolver o processo educativo como tarefa que se dá no interior dos grupos sociais e por isso o professor é coordenador das atividades que se organizam sempre pela ação conjunta dele e dos alunos.

A preocupação de Freire girava em torno da edu-cação das classes populares, inicialmente de caráter extra-escolar, não formal. Seus princípios e práticas, tornaram-se pontos de referência para professores no mundo todo. Para citar alguns:

Paul

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1. a valorização do cotidiano do aluno;

2. a construção de uma práxis educativa que estimula a sua consciência crítica, tornando-se o sujeito de sua própria história;

3. o diálogo amoroso entre professor e aluno;

4. o professor como mediador entre o aluno e o conhecimento;

5. o ensino dos conteúdos desvelando a rea-lidade.

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Tais princípios e ações contribuíram para uma concepção própria e política do ato de educar, numa postura fi losófi ca que infl uen-ciou a forma didática de atuar de muitos pro-fessores que trabalham também na educação formal.

Outras correntes anti-autoritárias apare-cem no Brasil contrapondo-se ao sistema de exploração e dominação ideológica, tais como a Pedagogia Histórico-Crítica e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos.

A Pedagogia Histórico-Crítica fundamenta-se em uma teoria crítico-pedagógica capaz de orientar a prática cotidiana dos professores, assumindo a pedagogia como ciência da educação e para a educação.

A Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos atribuiu grande importância à Didática, considerando que esta tem como objetivo a direção do processo de ensinar, tendo em vista as fi nalidades sociopolíticas e pedagógicas e as condições e meios formativos, convergindo para promover a auto-atividade dos alunos que é a aprendizagem.

Para Libâneo, um dos principais expoentes dessa teoria, o que importa é que os conhecimentos sistematizados sejam confrontados com as experi-ências socioculturais e com a vida concreta dos alunos, de forma a assegurar o acesso aos conhecimentos sistematizados a todos como condição para a efetiva participação do povo nas lutas sociais.

Para o autor, os professores não devem, de maneira nenhuma, perder de vista o conteúdo da sua disciplina, contextualizando e orientado o aluno para aplicá-lo na sua vida prática. Para tanto, a seleção do conteúdo deve ser feita considerando a sua utilidade e seu caráter cientifi co. O autor de-fende os conteúdos que, por sua natureza, possibilitam maior capacidade de intervenção e analise da realidade.

Nesse sentido, a Didática – corpo de conhecimentos teóricos e práticos – medeia o pedagógico e a docência. Isto signifi ca que ela faz a ligação entre o “para quê” (opção político-pedagógica) e o “como” da prática escolar (a prática docente).

A partir dessa fase, percebe-se na educação de todo o país uma releitura de autores como Freire, da Pedagogia Libertadora, e Freinet, da Pedagogia Libertária, de Piaget e Vygotsky considerados construtivistas, num tipo de Pedagogia ainda à procura de uma denominação.

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A PEDAGOGIA DE CÉLESTIN FREINET

A pedagogia de Célestin Freinet (1896-1966) tinha como preceito a refl exão, a experi-mentação e o compromisso com uma escola de-mocrática e popular, procurando proporcionar aos fi lhos do povo os instrumentos necessários à sua emancipação, através da “autogestão e educação pelo trabalho”. Propunha como atividade para os alunos a produção de textos livres, a imprensa escolar, a correspondência inter-escolar, a biblioteca de trabalho, o fi chário escolar cooperativo, a horta, o uso do tear, os ateliês de artes. Esse conjunto de técnicas tinha como objetivo dar condições aos indivíduos para exercerem a cidadania. O autor organizou junto com os alunos o “livro da vida”, no qual eram registrados os fatos mais interessantes vivenciados no cotidianos escolar.

OS ESTUDOS DE PIAGET

Os estudos de Jean Piaget (1896-1980) tinham como preocupação a epistemologia (teoria do conhecimento) em uma perspectiva interdisciplinar e construtivista. O autor ela-borou a teoria psicogenética, que procurava mostrar por quais mudanças qualitativas a criança passa, desde o estágio inicial de uma inteligência prática até o pensamento formal. Para o autor, o conhecimento resulta de uma interação do sujeito que conhece (cognoscente) com o objetivo a ser conhecido. A aprendiza-gem depende do estágio de desenvolvimento atingido pela criança. Ela – criança – é ativa em todas as etapas de sua vida e procura compreender o que passa a seu redor através de esquemas mentais (assimilação, ação, ope-rações) e se modifi ca como resultado da ma-turação biológica, das experiências, das trocas interpessoais e das transmissões culturais.

A TEORIA DE VYGOTSKY

A teoria de Vygotsky baseou-se no vínculo histórico-cultural, em uma nova relação entre sujeito e objeto no processo de construção do conhecimento. Ele e sua equipe utilizaram-se de uma abordagem interdisciplinar e construtivista para investigar o refl exo que o mundo exterior exerce no mundo inte-rior dos indivíduos, a partir da interação destes com a realidade. Para o grupo, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das funções mentais e começa desde que a criança nasce.

O conhecimento se dá a partir da ação ativa e interativa da criança sobre a realidade. A aprendizagem escolar deve favorecer o desenvolvimento real (possibilidades que os alunos têm para realizarem sozinhos as tarefas) e o desenvolvimento proximal (possibilidades que as crianças revelam quando

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as atividades são mediadas por um professor ou um colega experiente). Para o teórico, as mudanças que ocorrem com as pessoas decorrem da interação destas com a própria história, cultura e sociedade.

As teorias anteriormente referidas passaram a revigorar o cenário da educação brasileira, tendo em vista a então necessidade de defesa da ação libertadora do sujeito humano silenciado pela realidade objetiva de mer-cado. Para a Didática, essas teóricas auxiliaram a refl exão dos professores, sobre o processo de ensino-aprendizagem, no que dizia respeito à relação professor-aluno, às operações mentais dos alunos, ao conhecimento, à importância das atividades socializadas e de interação na sala de aula, à utilização de atividades do interesse e produção dos alunos, à organização dos conteúdos, à avaliação do aluno, etc.

DA PERSPECTIVA DA INCERTEZAÀ INCERTEZA DE PERSPECTIVAS

A partir de 1990, passamos a vivenciar a era das incertezas na vida da sociedade brasi-leira e na educação. Há uma consolidação do projeto neoliberal, ampliam-se as formas de exclusão social e cultural e uma intensifi cação da globalização econômica e da mundialização da cultura com o processo de globalização e a crise de paradigmas no nível das diferentes ciências.

Ao mesmo tempo que se verifi cava uma valorização acentuada da educação, nos En-contros Nacionais de Didáticas e Prática de Ensino (ENDIPEs), debatiam-se vários temas: o saber e o trabalho docente, a profi ssionali-zação, a qualidade do ensino a partir da sala de aula, a nova lei, as práticas desumaniza-doras e a produção do conhecimento na área de Didática. Questionavam-se os valores do neoliberalismo e as formas instituídas da ra-cionalidade econômica. Considerando a falta de perspectivas, os educadores mostravam a necessidade de se trabalhar pelas práticas

didático-pedagógicas transformadoras à luz do materialismo histórico-dialético.

A partir de então, as pesquisas na área da Didática Crítica, em geral, voltaram-se para o interior da escola de ensino fundamental, com o objetivo de compreender melhor o seu cotidiano e o fazer pedagógico.

Outros educadores e profissionais das áreas da Sociologia, Psicologia e Filosofia colaboraram na investigação sobre a prática pedagógica escolar. Diversas experiências educacionais ocorreram em todo o país, defl a-grados pelo espírito da nova Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 9.394/96; reformas curriculares forma realizadas e orientadas, na maioria das vezes, por políticos educacionais vindos de fora, ditados, muitas vezes, por organismos internacionais tais como o FMI e o Banco Mundial. Ao mesmo tempo, cada vez mais, as ciências questionavam o paradigma científi co até então utilizado como base da produção e divulgação do conhecimento. Afi rmavam

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que o mundo e o sujeito histórico também são construções culturais e os conhecimentos não devem ser tratados de forma compartimenta-lizada, propondo o paradigma holístico para se trabalhar os saberes, isto é, propondo-se que se estudassem as diferentes áreas do conheci-mento de forma interligada, como o todo que as formam. A educação também inclinava-se para essa visão holística, enfatizando cada vez mais a integração de conteúdos e a percepção do aluno não só como um ser intelectual, mas considerando também os aspectos emocional, físico, cultural, social e de gênero.

Repercutiram no Brasil, nesse período, pesquisas realizadas na Europa e nos Estados Unidos sobre a formação docente cuja pers-pectiva era o ensino como prática refl exiva. O ensino, por esta perspectiva, era encarado como uma forma de investigação e experi-mentação.

Outras contribuições para a didática co-meçavam a surgir nesse período, vindas de outras áreas do conhecimento, entre elas a pre-ocupação com os aspectos culturais. A escola é então percebida como espaço de produção

cultural e de política cultural. Questões como a diversidade cultural e a pedagogia da diferen-ça constituíram temas do multiculturalismo, da educação e de um currículo multicultural.

Ainda há de se considerar o grande de-senvolvimento tecnológico no campo da in-formação e da comunicação, passando a exigir dos educadores preparo para a sua utilização, o que reacende o “aprender a aprender” da Escola Nova.

Atualmente surgem novas exigências. O aluno deve ser capaz de buscar informações em diferentes mídias e transformá-las em conhecimento. Faz-se necessária a formação continuada de professores, como conseqüência dos desafi os impostos pela área tecnológica.

Finalmente, poderíamos dizer que o mun-do “pós-moderno” esta difi cultando a crítica às questões sociais em educação. A insegurança desse período passa a exigir uma relação cons-tante sobre os fi ns dessa sociedade, de forma a fundamentar científi ca, técnica e fi losofi camen-te a própria prática didática, reformulando-a quando for o caso.

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PEDAGOGIA PROGRESSIVA

DISCRIMINAÇÃO LIBERTADORA LIBERTÁRIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS

PAPEL DA ESCOLA Objetiva uma• transformação social

Atuar na transformação • da personalidade do

Aluno, contaminando • todo o sistema

Preparação do aluno para o mundo adulto e • suas contradições

CONTEÚDOS DE ENSINO São extraídos da proble-• matização da prática de vida dos educandos

Resultam de neces-• sidades e interesses manifestos pelo grupo

Não basta que os conteúdos sejam apenas • ensinados, ainda que bem ensinados, é preciso que se liguem de forma indissociá-vel, à sua signifi cação humana e social

MÉTODOS Através de diálogos• Vivência grupal• Vai-se da ação à compreensão e da• compreensão à ação, até a síntese(unidade entre a teoria e a prática)

RELACIONAMENTOPROFESSOR/ALUNO

Relação horizontal•

Educando e educador se • posicionam como sujeito do ato do conhecimento

Relação não-diretiva• Participação ativa do aluno•

PRESSUPOSTOS DA APRENDIZAGEM

O que é aprendido não • decorre de uma impo-sição ou memorização, mas, do nível crítico de conhecimento

Aprendizagem• informal via-grupo

Verifi cação da bagagem cultural do aluno•

MANIFESTAÇÕES NA PRÁTICA ESCOLAR

Confunde-se com “edu-• cação popular”

Interação conteúdos/realidades sociais•

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PEDAGOGIA LIBERAL

DISCRIMINAÇÃO TRADICIONALRENOVADA

PROGRESSISTARENOVADA NÃODIRETIVA TECNICISTA

PAPEL DA ESCOLAPreparação intelectual e moral do aluno

Adequar as necessidades individuais à sua realidade social

Mudança na educação.Momento de psicologismo da educação

Modeladora do compor-tamento humano, através de técnicas específi cas

CONTEÚDOSDE ENSINO

São separados da experiência dos alunos e da realidade social

Conteúdos, estabelecidos através de experiências e situações-problemas e desafi os cognitivos

Facilitar os estudantes a buscar por si mesmo os conhecimentos

Ciência objetiva elimi-nando qualquer subjeti-vidade

MÉTODOSExpositivo e memorização

Aprender fazendo

Prevalecendo quase ex-clusivamente o esforço do professor, através de sua criatividade

Preocupação com a tele educação

RELACIONAMENTO PROFESSOR/ALUNO

Predomina a autorida-de do Professor: Aluno passivo

O professor não ocupa lugar de destaque. É um auxiliar de desenvolvi-mento.

Não há rigidez nas normas disciplinares

O professor é o elo de ligação entre a verdade científi ca e o aluno

PRESSUPOSTOS DA APRENDIZAGEM

Repassar os conheci-mentos para o espírito da criança

A motivação depende do estímulo.Aprender: ativida-de de descoberta

Auto-avaliação do aluno

O ensino é um processo de condicionamento, através do uso de reforço das respostas que se quer obter

MANIFESTAÇÕES NA PRÁTICA ESCOLAR

Predominantemente autoritária

Choque com uma prática pedagógica tradicional

Prática não pedagógicaAtravés das leis:5540/68 e 5692/71

A prática escolar consiste na concretiza-ção das condições que asseguram a realiza-ção do trabalho docente. Tais condições não se reduzem ao estritamente “pedagógico”, já que a escola cumpre funções que lhe são dadas pela sociedade concreta que, por sua vez, apresenta-se como constituída por classes sociais com interesses antagônicos. A prática escolar, assim, tem atrás de si condicionantes sócio-políticos que configuram diferentes concepções de homem e de sociedade e, con-seqüentemente, diferentes pressupostos sobre

o papel da escola, aprendizagem, relações professor-aluno, técnicas pedagógicas etc. Fica claro que o modo como os professores realizam seu trabalho, selecionam e organi-zam o conteúdo das matérias. ou escolhem técnicas de ensino e avaliação tem a ver com pressupostos teórico-metodológicos, explícita ou implicitamente.

Uma boa parte dos professores, prova-velmente a maioria, baseia a sua prática em prescrições pedagógicas que viraram senso comum, incorporadas quando de sua passa-

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gem pela escola ou transmitidas pelos colegas mais velhos; entretanto. essa prática contém pressupostos teóricos implícitos. Por outro lado, há professores interessados num trabalho docente mais conseqüente, professores capazes de perceber o sentido mais amplo de sua prá-tica e de explicitar suas convicções. Inclusive há aqueles que se apegam à última tendência da moda, sem maiores cuidados em refl etir se essa escolha trará, de fato, as respostas que procuram.

Deve-se salientar. ainda, que os conteúdos dos cursos de licenciaturas, ou não, incluem o estudo das correntes pedagógicas. ou giram em tomo de teorias de aprendizagem e ensino que quase nunca têm correspondência com as situações concretas de sala de aula, não aju-dando os professores a formar um quadro de referência para orientar a sua prática.

Em artigo publicado em 1981, Saviani descreveu com muita propriedade certas confusões que se emaranham na cabeça de professores. Após caracterizar a pedagogia tradicional e a pedagogia nova. indica o apare-cimento, mais recente, da tendência tecnicista e das teorias crítico-reprodutivistas, todas incidindo sobre o professor. Ele escreve: “ Os professores têm na cabeça o movimento e os princípios da escola nova. A realidade, porém,

não oferece aos professores condições para instaurar a escola nova, porque a realidade em que atuam é tradicional. (...) Mas o drama do professor não termina aí. A essa contradição se acrescenta uma outra: além de constatar que as condições concretas não correspondem à sua crença, o professor se vê pressionado pela pedagogia ofi cial que prega a racionalidade e a produtividade do sistema do seu trabalho. isto é. ênfase nos meios {tecnicismo), (...) Aí está o quadro contraditório em que se encon-tra o professor: sua cabeça é escolanovista, a realidade é tradicional; (...) rejeita o tecnicismo porque sente-se violentado pela ideologia. ofi -cial; não aceita a linha crítica porque não quer receber a denominação de agente repressor”. 1 É necessário esclarecer que as tendências não aparecem em sua forma pura.

1 SAVIANI, Dermeval. “Tendências pedagógicas contemporâne-as”, p.65.

Nem sempre são mutuamente exclusivas. Nem conseguem captar toda a riqueza da prá-tica concreta.

São, aliás, as limitações de qualquer tenta-tiva de classifi cação. De qualquer modo, a clas-sifi cação e a descrição das tendências poderão funcionar como instrumento de análise para o professor avaliar sua prática de sala de aula.

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METODOLOGIA DE CASOS: APRENDENDO COM A REALIDADE

1. A prática e a refl exão têm sido tratadas, freqüentemente, como atividades separadas. Apesar de muitos profi ssionais interessarem-se mais pela prá-tica, desprezando o valor da teoria, e outros estarem mais voltados para a refl exão teórica minimizando a prática, essas duas dimensões da atividade humana são inseparáveis, uma alimentando a outra.

Comente esta afi rmação diante dos desafi os enfrentados por um profi s-sional em seu dia-a-dia., em pleno século XXI.

2. A perspectiva histórico-cultural da aprendizagem considera a avaliação como fonte de informação para novos procedimentos a serem tomados a cada instante, no processo educacional. Que comentários você tece sobre o exposto?

LINKS DA INTERNET

bve.cibec.inep.gov.br pt.wikipedia.org./wiki/

LEITURAS SUGERIDAS

1. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro. : Paz e Terra, 1996. Neste livro, Paulo Freire faz uma profunda refl exão sobre a formação docente ruma à autono-

mia discente. Segundo Moacir Gadott i, na busca permanente de aprendizado, poucas vezes encontramos textos apropriados como este. Nele Paulo Freire nos ensina a ensinar partindo do ser professor. Numa linguagem acessível e didática ele refl ete sobre saberes necessários à prática educativo-crítica fundamentados numa ética pedagógica e numa visão de mundo alicerçadas em rigorisidade, pesquisa, criticidade, risco, humildade, bom senso, tolerância, alegria, curiosidade, esperança, competência, generosidade, disponibilidade... molhadas pela esperança.

2. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez / autores associados, 93. Neste livro, Saviani reúne quatro textos que tiveram papel fundamental nos debates em torno

da educação, na década de 80 e que continua fundamentando a prática de uma pedagogia crítica até os dias atuais. O referido autor associa as teorias da educação e o problema da

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marginalidade com o fenômeno da escolarização. Nos estudos – Escola e democracia – são abordados e discutidas os fundamentos da pedagogia histórico-crítica e o papel da educação na sociedade de um saber construído ao longo da História. O último texto Onze teses sobre educação e política – tem por objetivo encaminhar, de modo explícito, a discussão das relações entre educação e política, que atravessa, de ponta a ponta, o conteúdo da obra.

ATIVIDADES PRÁTICAS

1. Faça uma comparação em linhas gerais entre a pedagogia liberal e a pedago-gia Progressista.

2. Segundo Paulo Freire, seria o diálogo - o confronto entre as experiências dos sujeitos com os saberes acumulados que proporcionaria ao educando uma vida menos fragmentada e ingênua do mundo em que vive. Você concorda com esse posicionamento do autor?

Chegamos ao fi nal da Unidade III, cujo o tema foi A Prática Pedagógica:Concepções e Tendências. Realize os exercícios de auto-estudo.

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OU

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s objetivos desta unidade podem ser assim formulados:

1. Relacionar as teorias do confl ito à problemática da reprodução e da ideologia subjacente no campo da prática docente;

2. Distinguir e descrever as três posições dominantes nas teorias do con-fl ito, revelando os seus vínculos com a natureza do trabalho docente;

3. Descrever as lacunas existentes pelas teorias do confl ito a partir do exame de suas semelhanças com as teorias do consenso.

AS TEORIAS DO CONFLITOE A PRÁTICA DOCENTE

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Segundo Petitat (2002), a oposição exis-tente entre as teorias do consenso e as teorias do conflito ainda constitui um dominante debate intelectual no campo da Sociologia. O debate entre essas teorias coloca em questão a seguinte contradição: enquanto as teorias do consenso estão centradas na problemática da integração social e do equilíbrio, as teorias do confl ito colocam os confl itos de classe no cerne da explicação da realidade social, na qual se circunscreve o espaço da educação.

Portanto, o conjunto dessas teorias apresenta diferentes interpretações da sociedade como um todo. Para as teorias do consenso, a sociedade é concebida como um sistema integrado ou em vias de integração de elementos que são complementares. Já para as teorias do confl ito, a sociedade é concebida como uma unidade confi gurada por elemen-tos contraditórios cuja estabilidade é garantida pela manutenção das relações de dominação. Para as primeiras teorias (as do consenso), o conceito-chave é o de ordem, enquanto para as teorias do confl ito é o de controle.

Assim sendo, a oposição existente entre o conjunto dessas teorias é bas-tante profundo e refl ete no modo de interpretação da escola, de sua gênese, de suas funções e de suas relações com a sociedade como unidade contraditória de elementos.

No interior da corrente confl itualista, há diferentes posições teóricas; todavia, destaca-remos nesta aula três posições, a saber: 1. a reprodução social; 2. a teoria da correspondência; 3. a reprodução cultural. Iniciaremos nosso

estudo examinando as concepções marxis-tas de Louis Althusser e de Bowles-Gintis; em seguida examinaremos a teoria de Bourdieu-Passeron.

A TEORIA DA REPRODUÇÃOSOCIAL E A PRÁTICA DOCENTE

Louis Althusser, no seu trabalho Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, publicado pela primeira vez em 1969, apresenta-nos uma interpretação da instituição escolar claramente política e, mais concretamente, marxista. O seu meritório trabalho propõe um modelo explica-tivo do modo como se reproduzem as relações de produção nas sociedades capitalistas.

Todas as formações sociais devem, ao mes-mo tempo que produzem, e precisamente para poderem produzir, reproduzir as condições da sua produção. Necessitam, por isso, re-produzir as forças produtivas e as relações de produção existentes. Althusser vai concentrar mais atenção na última questão, na reprodução das relações de produção.

Althusser (1989) concebe a forma de ar-ticulação de uma sociedade constituída por duas instâncias: a infra-estrutura ou base econômica; e a superestrutura, composta por sua vez por dois níveis, o jurídico-político (o direito e o Estado) e a ideologia (as diferentes ideologias: religiosa, moral, jurídica, política etc.). E, para isso, não hesita em recorrer a uma

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metáfora especial, a de compa-rar a sociedade com um edifício com diversos andares, na base, a infra-estrutura, e sobre esta dois andares, a superestrutura, mostrando assim uma conside-rável rigidez conceitual, pois, segundo as suas próprias pa-lavras, “os andares superiores não poderiam sustentar-se no ar por si próprios, se não se apoiassem, precisamente, sobre a sua base” (p. 77).

Pressupõe, dessa forma, um total determinismo, em última instância, por parte da base econômica; a superestrutura não teria, por conseguinte, qualquer autonomia, não desempenharia qualquer papel de relevo como motor de transformação da so-ciedade.

Na superestrutura, a dife-renciação dos dois níveis atrás referidos (o jurídico-político e o ideológico) vai ter também duas funções diferentes. Assim, os aparelhos repressivos de Es-tado (o governo, o ministério, a polícia, os tribunais, as prisões etc.) ocupar-se-ão em conservar o poder de uma forma mais direta e visível; “funcionam me-diante a violência – pelo menos em última instância (já que a repressão, por exemplo admi-nistrativa, pode revestir-se de formas não físicas)” (Althusser, 1989, p. 84).

Por outro lado, os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE)são integrados pelo conjunto das seguintes instituições:1. AIE religioso (o sistema das diferentes igrejas);2. AIE escolar;3. AIE familiar;4. AIE jurídico (este pertence simultaneamente aos aparelhos repressivo e ideológico de Estado);5. AIE político (o sistema político com os diferentes partidos políticos);6. AIE sindical;7. AIE da informação (imprensa, rádio, televisão etc.);8. AIE cultural (as belas-artes, desportos, literatura etc).

Todos os aparelhos acima funcionam em primeiro lugar mediante a ideologia e em segundo lugar também através da repressão. Os aparelhos repressivos de Estado nem sempre funcionam apenas mediante a violência, antes deixando tam-bém um pequeno espaço à ideologia, embora esta seja neles muito secundária. Na realidade, a diferença entre os dois aparelhos está no peso diferente que atribuem à violência e à repressão.

Também é diferente o peso de cada um dos diversos aparelhos ideológicos de Estado de acordo com o período histórico vigente; assim, na etapa pré-capitalista era a Igreja o principal, uma vez que concentrava não só as funções re-ligiosas, mas também as escolares e grande parte da função de informação e de cultura. Pelo contrário, nas sociedades capitalistas desenvolvidas é a escola o principal AIE.

A escola como aparelho ideológico de Estado, segundo a teorização de Althusser, passa a desempenhar uma função prioritária na manutenção das relações sociais e econômicas existentes.

A instituição educativa é, de todos os aparelhos ideoló-gicos de Estado, aquele que cumpre a função dominante na reprodução das relações de exploração capitalistas, já que é, além disso, o que dispõe de mais anos de audiência obrigató-ria e, inclusivamente, gratuita para a totalidade das crianças e jovens da sociedade.

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A importância da escola, segundo Althusser, ser-nos-ia dada por características como as seguintes: recebe as crian-ças de todas as classes sociais, obrigando-as a freqüentarem indefectivelmente as suas insta-lações durante um considerável número de anos, e prepara-as e classifi ca-as para desempenha-rem na sociedade diferentes tipos de funções. Destas, as principais seriam:

• a função de explorados (com consciência profi ssional, mo-ral, cívica, nacional e apolíti-ca altamente desenvolvida);

• a função de agentes da ex-ploração (saber dirigir e falar aos operários);

• a função de agentes da re-pressão (saber mandar e fazer-se obedecer ou saber utilizar a demagogia da retórica dos dirigentes polí-ticos);

• a de profi ssionais da ideolo-gia (sabendo tratar as cons-ciências com a demagogia oportuna, acomodando-se ao discurso da Moral, da Virtude, da Transcendência, da Nação etc.).

Esta função seria levada a cabo tanto com as novas me-todologias pedagógicas como com as mais tradicionais, e boa parte do êxito dever-se-ia ao fato de as escolas trabalharem com crianças precisamente du-rante os anos em que estas são mais vulneráveis, dependendo ainda do aparelho de Estado familiar. A instituição acadê-mica tem, assim, como tarefa fomentar o desenvolvimento de diversas competências imersas na ideologia dominante. Na escola aprendem-se técnicas e conhecimentos, mais ou menos rudimentares ou profundos, de cultura científica ou literária diretamente utilizáveis nos dife-rentes postos da produção (uma instrução para operários, outra para os técnicos, uma terceira para os engenheiros, uma última para os quadros superiores).

Ao mesmo tempo que faz essa aprendizagem, o conjun-to dos estudantes adquire na instrução acadêmica as regras do bom comportamento, isto é, da atitude adequada que deve observar, de acordo com o pos-to para o qual está destinado. A educação moral, a instrução cívica e a filosofia seriam as disciplinas que, de forma mais direta, estariam encarregadas de socializar ideologicamente os alunos.

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É através da reprodução das qualifi cações e da reprodu-ção da submissão às regras da ordem estabelecida, ou

seja, à ideologia dominante, que se consegue a reprodução da força de trabalho.Todos os materiais e práticas que estruturam a vida cotidiana de professores e estudantes na instituição escolar contribuem para refor-çar as relações de poder existentes em cada sociedade específi ca.No pensamento althusseriano, a escola é vista como uma caixa negra onde na realidade não se passa nada; tudo segue uma linearidade perfeita; não existem verdadeiras possibili-dades de analisar e modifi car esses objetivos e conteúdos da educação. A escola, como tal, não pode contribuir em nada na luta pela transformação das estruturas de produção e das relações sociais existentes. Isto quer dizer que a ideologia tem de distribuir os indivíduos pelos diferentes postos da divisão do trabalho e convencê-los da justeza e da inevitabilidade dessa mesma distribuição. Neste sentido, em Alhtusser, é muito difí-cil o aparecimento de um pensamento e de práticas contra-hegemônicas. O pensamento althusseriano cai assim num determinismo de base econômica.

Autores como Gramsci (1990) e Poulantzas (1990) criticam o economicismo e a idéia de que a economia é, em última instância, o fator condicionante e determinante, pois atribuem um papel prioritário à luta política e ideológica a diversos níveis dentro do aparelho ideológico de Estado.O estruturalismo althusseriano tem a grande vantagem de plasmar a vinculação causal existente entre as relações e as práticas sociais nas diversas instituições com as ideologias. No entanto, o seu modelo apresenta uma série de inconvenientes, pressupõe uma política de conspiração por parte do Governo e dos responsáveis da política educativa com vista a planifi car de antemão o sucesso e o insucesso escolar dos diferentes membros da comunida-de estudantil.

Professores e estudantes são concebidos como pessoas obedientes e, no fundo, passi-vas, dominadas por ideologias que atuam de maneira tão inconsciente que é quase impossí-vel desvendá-las e submetê-las a uma análise refl exiva. Parece que a reprodução ideológica não é suscetível de apresentar falhas facilmen-te. De igual modo, em nenhum momento, se explica de que forma tanto os alunos como o coletivo docente poderiam alterar a situação estabelecida.

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A TEORIA DA CORRESPONDÊNCIA E A PRÁTICA DOCENTE

Um passo à frente para desvendar o in-terior dessa “caixa negra” que é a instituição escolar na perspectiva da reprodução é dado por Samuel Bowles e Herber Gintis com a sua elaboração da teoria da correspondência (1981), a partir de uma fundamentação teórica com fortes semelhanças com a althusseriana.

Bowles e Gintis realizam uma descrição claramente politizada da vida cotidiana das sa-las de aula, captando imediatamente a crucial importância política do currículo oculto, espe-cialmente da forma do currículo como recurso para a reprodução, coesão e estabilidade das relações sociais de produção e distribuição.

As indagações de Bowles e Gintis, embora totalmente dominadas pelo quantitativismo, destinam-se a procurar de modo prioritário pontos de união entre o âmbito escolar e outras esferas e lugares sociais, em especial com as es-truturas derivadas dos modelos econômicos de caráter capitalista e, mais concretamente, com as necessidades dos grupos sociais nos quais reside uma maior concentração do poder e do controle. Como resultado disso, os seus estudos vão provocar uma mudança muito signifi cativa nas teorias pedagógicas existentes até o mo-mento, que tem entre as suas peculiaridades a defesa de um maior radicalismo político.

Tal radicalismo vai levá-los a duvidar de posicionamentos mais reformistas e a não aceitar estratégias destinadas a conseguir mu-danças parciais ou progressivas como meio de fazer frente aos numerosos problemas sociais de sociedades como a dos Estados Unidos. Consideram que a política de remendos é inaceitável, dado que, no caso de ser posta em

prática, vai levar necessariamente ao fracasso e, inclusivamente, irão muitas vezes existir fortes pressões e obstáculos que impossibilitarão a sua entrada em vigor.

O radicalismo teórico defendido por ambos os investigadores força-os a adotarem e a comprometerem-se com vias de transfor-mação prática. Desta forma, como dedução dos seus diagnósticos, concluem que apóiam o desenvolvimento de um movimento socia-lista revolucionário nos Estados Unidos por considerar uma alternativa socialista capaz de proporcionar o único acesso a um futuro progresso real em termos de justiça, libertação pessoal e bem-estar social. As mudanças revo-lucionárias, segundo Bowles e Gintis (1981), mesmo as violentas, desencadearam forças progressistas maciças no passado. O desen-volvimento e a articulação da visão de uma alternativa socialista, assim como a capacidade de enfrentar necessidades humanas concretas e atuais, para os autores, exigem um partido baseado nas massas, capaz de ajudar nas lutas diárias dos trabalhadores e empenhado numa transformação revolucionária da economia estado unidense.

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Para Giroux (1986), uma espe-cifi cação tão clara desse com-promisso pode, de fato, vir a ter efeitos contraditórios e acabar por servir para reforçar as estruturas escolares atuais à espera de outros tempos e de outros ventos. É possível que chegue a provocar nos professores uma sensação de inutilidade no trabalho que desenvolvem cotidianamen-te nas escolas, ou é provável que crie neles a sensação de estarem a serviço das forças opressoras da classe capitalis-ta. Com isso, teoricamente, as modalidades de ação através de um trabalho profi ssional são anuladas.

As suas análises funcionalistas das rela-ções entre o sistema educativo e a economia le-vam-nos a pensar por alto o papel das pessoas, ao considerá-las como seres passivos, incapa-zes de fazer frente a um destino irremediável. A base econômica determina inexoravelmente a superestrutura.

Bowles e Gintis, no momento de realizar a sua proposta teórica da correspondência, recorrem a um teste de confrontação e valida-

ção como é o de comparar as mudanças nas instituições educativas através dos tempos com as transformações na estrutura da produção e distribuição de cada sociedade concreta. A importância dessa estratégia metodológica de caráter comparativo é óbvia, uma vez que podemos constatar que quase metade da sua obra-chave, “A instituição escolar na América capitalista”, é dedicada a esse assunto.

Ambos os autores chegam ao seu modelo teórico após terem analisado aquilo que pode-mos denominar como a tradição do pensamen-to liberal educativo. Essa teoria liberal vinha e vem atribuindo um papel determinante ao sistema educativo como motor de transforma-ção da sociedade; a escolarização como cami-nho para uma sociedade mais humana, uma sociedade em que as relações de exploração não tenham lugar.

A partir do Iluminismo, vai-se generalizar a atribuição de um papel preponderante à edu-cação como motor de transformação e avanço da produção e da hominização.

O debate escolar vai se concentrar à volta de duas tendências liberais: por um lado, o pensamento de Dewey e o movimento da Escola Democrática, e, por outro, o derivado da economia neoclássica e do funcionalismo, a que tem vindo sido chamada Escola Tecno-crática e Meritocrática.

Essas tendências vão defender o pressu-posto de que todos somos iguais por nasci-mento, que a herança genética não tem grande importância porque, de qualquer forma, pode

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ser compensada, e que é possível também compensar os condicionantes sociais e econô-micos.

Portanto, é o esforço pessoal, os suces-sos de cada indivíduo e, portanto, os níveis educativos alcançados que determinam em última instância os horizontes das aspirações individuais. São os méritos individuais, fruto do esforço pessoal, que vão decidir o acesso à estrutura ocupacional.

Assim sendo, as diferenças sociais são fruto da diferente dedicação ao estudo por parte de cada pessoa. Deste modo, seguindo este posicionamento teórico, se desejarmos uma sociedade mais igualitária teremos de nos preocupar em garantir a igualdade de oportu-nidades; neste caso, oferecer a possibilidade, ou melhor, a obrigatoriedade da educação a todos os cidadãos.

Por conseguinte, do ponto de vista do modelo tecnocrático e meritocrático, as desi-gualdades econômicas são fruto das escolhas individuais ou de insufi ciências pessoais, e não o resultado de determinada estrutura econô-mica e das relações sociais vigentes.

Bowles e Gintis constatam o fracasso da política liberal e dos modelos educativos dela derivados. Servindo-se de uma ampla varie-

dade de fontes estatísticas, descritivas e his-tóricas, conseguem confi rmar que a educação nas sociedades capitalistas atuais é uma das principais estratégias que se utilizam para a reprodução deste modelo de sociedade e, portanto, da desigualdade.

Assim, segundo os representantes da teoria da correspondência, a desigualdade econômica e os níveis educativos de desen-volvimento alcançados por cada homem ou mulher são desde logo condicionados e de-fi nidos em primeira instância pelo mercado, pela propriedade e pelas relações de poder que defi nem o sistema capitalista.

As críticas que esta posição teórica recebe ao cair num excessivo reducionismo economi-cista vão ser bastante numerosas. Ainda que em diversos momentos de sua obra pareçam optar por estabelecer certas relações entre a base e a superestrutura, em termos marxis-tas, no fundo acabam por cair numa posição mais próxima das teorias funcionalistas. Em momento algum se apresentam claras pos-sibilidades de contestar e, portanto, de criar grandes contradições ao sistema de produção e distribuição capitalista que conduzam ao seu desaparecimento.

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A T E O R I A D A C O R R E S P O N D Ê N C I AE A P R Á T I C A D O C E N T E

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A TEORIA DA REPRODUÇÃOCULTURAL E A PRÁTICA DOCENTE

Outro modelo que também pretende explicar a função da instituição escolar como repro-dutora da ordem social e cul-tural estabelecida é o de Pierre Bourdieu. Inclusivamente, uma das suas obras mais importan-tes, realizada em colaboração com Jean-Claude Passeron, tem por título A reprodução. Ambos os autores se dedicam nesse trabalho a elaborar uma teoria do funcionamento do sistema educativo e a explicar de que forma este desempenha um papel decisivo na perpetuação da sociedade capitalista, do seu modo de produção e da sua es-tratifi cação social.

A análise teórica que reali-zam parte do pressuposto de que as sociedades humanas estão di-vididas de forma hierárquica em classes e que esta hierarquização se mantém e perpetua através daquilo que denominam como a violência simbólica. Este termo, segundo especifi cam ambos os investigadores, indica expres-samente a ruptura com todas as representações espontâneas e concepções espontaneístas da ação pedagógica como ação não violenta e a sua incorporação como parte de uma teoria geral

da violência, mas da violência legítima. Daí que a sua pro-posta teórica seja conhecida também por outros autores como teoria da violência simbólica (Saviani, 1998).

Esta teoria tem como pretensão compreender e dar res-posta a três questões decisivas:

Como é que a educação garante que alguns grupos ▪sociais possam manter uma posição dominante;

Por que é que só determinados grupos sociais podem ▪participar na defi nição da cultura dominante;

Através de que mecanismos a natureza arbitrária de ▪certas normas, costumes, conteúdos e valores obtém um forte grau de consenso e, por conseguinte, a sua legitimação, condicionando decisivamente, desta forma, os processos de socialização, em especial das gerações mais jovens.

Desde a década de 60 que a instituição escolar vem sendo objeto de análises diversas, coincidentes ao apontar, por um lado, que o insucesso escolar e o abandono das instituições de ensino afetam em percentagens muito superiores as crianças de determinadas classes e grupos sociais, as que na estrutura hierárquica de cada sociedade ocupam os escalões de menor poder e prestígio; e por outro lado, que o conjunto de estu-dantes que chegam aos níveis superiores do sistema educativo e às especialidades mais prestigiosas dos estudos universitá-rios é descendente das famílias que gozam de maior poder e prestígio social. No respeitante à França, no momento em que Bourdieu constrói a sua proposta teórica, os trabalhos de Baudelot e Establet (1976) vieram dar um grande contributo com dados decisivos de caráter quantitativo.

Não devemos esquecer a permanência na cultura fran-cesa e, em geral, em todas as sociedades ocidentais, de uma ideologia que denuncia as desigualdades de oportunidades

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de que são alvo muitos grupos sociais, mas, por sua vez, deposita uma excessiva confi ança nas instituições escolares como compensado-ras dessas desigualdades sociais. Na opinião de Bourdieu, esta é uma das razões que nos impedem de ver a educação institucionalizada como conservadora e realmente injusta, ainda que de um modo formal se mostre equitativa. Desta forma, embora nos encontremos perante uma ideologia que aparentemente critica um modelo de sociedade e o seu sistema político, no fundo os seus resultados não fazem outra coisa senão legitimá-los. Os produtos das re-formas educativas que essas políticas levam a cabo, por mais de uma vez, continuam sem modifi car de forma decisiva os valores que as instituições acadêmicas fomentam; os conteú-dos culturais que impõem, os métodos peda-gógicos que adotam, os critérios de seleção e controle, os processos de orientação etc., con-tribuem para que se continue a benefi ciar os grupos sociais mais favorecidos e a prejudicar os mais desfavorecidos.

A equidade formal do sistema de ensino traduz-se numa falsa neutralidade da escola ao tratar todos os membros do corpo estudantil como iguais em direitos e deveres, apesar das desigualdades de fato. A teoria da violência simbólica tem procurado uma explicação para esta desigualdade nos êxitos e fracassos nas instituições educativas. Pretende investigar através de que processos objetivos os estudan-tes das classes e grupos sociais mais desfavo-recidos são negativamente sancionadas e vão sendo continuamente excluídas do sistema de ensino.

A formulação dessa teoria, cuja apresen-tação é excessivamente formalista, consta de cinco proposições principais, com numerosas

subproposições e escólios. Tudo isso estrutu-rado de forma hierárquica e unidirecional, tal como indica o próprio plano elaborado pelos autores. Para Bourdieu e Passeron (1982), as proposições são as seguintes:

Proposição 0: ▪refere-se à defi nição de violência simbólica;

Proposição 1: ▪refere-se à ação pedagógica;

Proposição 2: ▪refere-se à autoridade pedagógica;

Proposição 3: ▪refere-se ao trabalho pedagógico;

Proposição 4: ▪refere-se ao sistema de ensino.

Esta teoria considera que as divisões em classe e grupos sociais e as configurações ideológicas e materiais sobre as quais elas se apóiam são transmitidas e reproduzidas atra-vés da violência simbólica (0). Ou seja, o poder detido por uma classe social é utilizado para impor uma defi nição de mundo, para defi nir signifi cados e apresentá-los como legítimos, dissimulando o poder que essa classe tem para o fazer e escondendo, além disso, que essa in-terpretação da realidade coincide com os seus próprios interesses de classe. Assim, a violên-cia simbólica reforça com o seu próprio poder as relações de poder nas quais ela se apóia e contribui, dessa forma, como sublinha Weber (1989), para a domesticação do dominado. A cultura encontra-se, portanto, dominada pelos interesses de classe.

A violência simbólica vai exercer-se muito diretamente através da ação pedagógica (1).

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De fato, Bourdieu e Passeron declaram de forma explícita que toda ação pedagógica é ob-jetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de uma arbitrariedade cultural. Dentro da concepção de ação pedagógica entram todas as tentati-vas de instrução, quer as que são levadas a cabo pela própria família e outros grupos da sociedade que não têm intenção expressa de educar, quer a que se desenvolve no quadro da educação escolar.

Esta ação é rotulada como violenta, visto que se exerce numa relação de comunicação em que as inter-relações são do tipo desigual; existe uma classe ou grupo social que tem maior poder e que o utiliza para realizar uma seleção arbitrária que vai precisar de recorrer a uma maior ou menor coação, uma vez que os signifi cados que impõe não correspondem a princípios universais.

Dado que estamos perante uma situação defi nida como de imposição, é preciso, por isso mesmo, tratar de a dissimular. Entre as estratégias válidas para levar a cabo o trabalho de ocultação está a de lançar mão do conceito de autoridade. Se a ação pedagógica quiser ter êxito na distribuição do capital cultural terá de recorrer à autoridade pedagógica (2). O reconhecimento da legitimidade de inculcar vai condicionar a recepção da informação nos seus destinatários, ou seja, a possibilidade de transformar essa informação em formação. Em virtude da autoridade pedagógica, qualquer agente ou instituição pedagógica surge auto-maticamente como digno de transmitir aquilo que transmite e, portanto, fi ca autorizado a impor a sua recepção e a controlar a sua men-sagem mediante um sistema de recompensas e sanções que goza da aprovação dessa cole-

tividade. Mas também é preciso não esquecer em momento algum que a autoridade pedagó-gica é fruto de uma delegação de autoridade; dispõe desta na qualidade de mandatária das classes ou grupos sociais cuja arbitrariedade

Uma vez que se trata de um trabalho de inculcar, a ação pedagógica implica também um trabalho pedagógico (3), com uma duração temporal sufi ciente para produzir nos destina-tários uma formação capaz de deixar marcas persistentes.

Segundo Bourdieu (1992), esse processo de socialização vai criar em cada pessoa um ha-bitus. Este é produto de uma interiorização de princípios da cultura dominante, das suas categorias de percepção e de apreciação da realidade e vai ter efeitos reprodutores. Através das práticas dele de-rivadas perpetua-se a arbitra-riedade cultural de que é fru-to, e o modelo social do qual depende a ação pedagógica. O habitus se constrói através de um processo educativo e constitui a garantia da sobre-vivência de uma cultura, pois é equivalente, no âmbito da cultura, à transmissão do ca-pital genético no âmbito da Biologia.

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Não obstante, o trabalho pedagógico con-tribui para produzir e reproduzir a integração intelectual de uma sociedade. É assim que po-demos explicar, segundo Bourdieu (1990),que cada cultura detenha um código comum e que os utilizadores desse código possam associar o mesmo sentido às mesmas palavras, aos mes-mos comportamentos e às mesmas obras.

Cada cultura pressupõe pontos de con-vergência, problemas similares e maneiras comuns de abordar esses problemas.

O trabalho pedagógico não só contribui para dar referências sobre como deve ser in-terpretada a realidade como também defi ne itinerários, formas e métodos de resolução de problemas que se colocam às pessoas que possuem um mesmo habitus.

Uma condição fundamental para que este habitus se forme é a de que o trabalho pedagó-gico que lhe vai dar origem seja contemplado como legítimo pelos seus destinatários; isso facilitará não só a construção de um habitus duradouro, mas também um interesse cres-cente pelo consumo dessa arbitrariedade cul-tural. É desta forma que se legitima a cultura dominante e que os dominados a interiorizam, lhe conferem o seu reconhecimento e que, simultaneamente, aprendem a não conferir valor a outras formas culturais diferentes ou incompatíveis com a legítima. Os próprios setores sociais cuja cultura é marginalizada ou desprezada convertem-se em aliados dos seus inimigos. Tudo aquilo que não se identifi car com a arbitrariedade cultural que a ação peda-gógica impõe fi ca automaticamente excluído, vê negada a sua existência.

Por conseguinte, é preciso que o sistema de ensino (4) se auto-reproduza, para o que é necessário contar com profi ssionais ou agentes

da reprodução, formados e qualifi cados para garantir um trabalho pedagógico específi co e regulamentado, ou seja, um trabalho escolar. Os próprios profi ssionais da reprodução escolar necessitam receber uma formação homogênea a fim de serem dotados de instrumentos e técnicas que facilitem o seu futuro trabalho de homogeneizadores das populações a seu cargo. Além disso, o fato de se lhes conceder um reco-nhecimento público por este tipo de capacitação – converte-os, por exemplo, em funcionários públicos do sistema de ensino – leva a que não necessitem de conquistar e confi rmar continu-amente a sua autoridade pedagógica.

A teoria da reprodução cul-tural não explica de forma clara como o capital cultural com o qual se sai do sistema educativo é negociado nos próprios locais de trabalho; em que condições é que o ha-bitus concreto – uma vez que a pessoa se afasta do sistema escolar – sofre variações ou mudanças profundas, fruto de outras experiências refl e-xivas na práxis social; ou de que modo é que as disfunções na esfera da produção podem provocar contradições que levem à transformação ou, in-clusivamente, à substituição desse modelo de produção e distribuição, apesar dos siste-mas de ensino vigentes.

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A teorização que Bourdieu leva a cabo, se-gundo autores como Giroux (1986) e McLaren (1997), cai na rigidez das teorias estruturalistas e funcionalistas da socialização e da reprodu-ção, nas quais não é fácil ver possibilidades de resistência e de contestação por parte dos estudantes ou do professorado. No entanto, não podemos deixar de destacar a importante contribuição que Bourdieu realiza no âmbito da educação institucionalizada ao colocar em destaque a relevância dos sistemas simbólicos no momento de considerar, analisar e planifi -car os sistemas escolares.

A DIDÁTICA CRÍTICA E PLURAL

As sociedades contemporâneas se trans-formam mudando as nossas formas de agir, pensar e sentir. Muitas situações que presencia-mos hoje na educação indicam que caminha-mos para uma nova etapa na confi guração de um novo cenário. Diante de tal constatação, o acesso à informação, o acesso ao conhecimento e à qualidade do ensino nas escolas nos desa-fi am, visto que as respostas, prontas e seguras que tínhamos, necessitam hoje ser revisadas à luz de um novo homem, de um novo mundo e de uma nova sociedade. Todas as áreas do conhecimento, como a própria Didática, bus-cam novas formas de atualização, de modo a compreender seu papel para a melhoria da qualidade do ensino.

O novo século é também denominado por alguns autores de “pós-modernidade”, com as diferentes interpretações que o termo sugere. Ele já aponta diversas conseqüências no âmbito do comportamento das sociedades globais, nas relações com a cultura dos grupos e no trabalho rotineiro dos professores. Estes,

ao mesmo tempo em que se sentem ameaçados pela nova confi guração, tem que lidar com a exploração da informação, com as questões da subjetividade humana, das diferenças, da diversidade cultural, da linguagem digital, além de outras questões cotidianas de traba-lho. Nesse sentido, entendemos que a Didática caminha para a investigação da produção dos saberes docentes e como estes se aplicam na ro-tina escolar. Quaisquer que sejam os signifi ca-dos e os problemas sinalizados pela educação brasileira na atualidade, devemos considerar as articulações e os compromissos assumidos pela Didática Crítica dos anos 1980 em sua perspectiva emancipatória. Da mesma forma, não podemos nos certifi car dos rumos futuros da Didática. O que tentamos nesta unidade é caminhar pelas trilhas abertas no cotidiano escolar, através do diálogo com alunos e pro-fessores dos cursos de formação de professores e dos estudos desenvolvidos até então na área, e de leituras de outras áreas afi ns.

Sabemos que a realidade exerce grande

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infl uência na prática pedagógica, seja em con-texto “macro”, externo (histórico, sociopolítico e cultural), seja em contexto “micro” (coti-diano das escolas, relações e trabalho). Dessa forma, os professores devem estar preparados para discutir essas relações e outras ligadas à aprendizagem, aos processos internos da aqui-sição do conhecimento, do aperfeiçoamento e das competências profi ssionais. Por outro lado, é também importante compreender o cruzamento de saberes que se dá no cotidiano escolar: o saber docente, os saberes sociais de referência e os saberes já construídos pelos alunos, ou desenvolver competências neces-sárias à formação continuada de professores (Perrenoud, 1999).

O que buscamos aqui, ao propor uma Di-dática Crítica e Plural, é possibilitar a refl exão dos professores sobre algumas proposições que encaminhamos em seguida, de forma a ajudá-los a enfrentar os desafi os da prática pedagógica.

O saber social do professor

Para muitos educadores, não existe sujeito coletivo fora da realidade autônoma os indiví-duos e de suas consciências individuais. Tra-balhar a consciência e a autonomia não é uma tarefa fácil no âmbito pessoal e profi ssional, em qualquer função ou nível de ensino. Quem atua no magistério sabe das difi culdades que algumas escolas enfrentam com determinados profi ssionais, seja no trato individual diário, seja em assuntos que envolvam a convocação dos profi ssionais para determinados com-promissos pedagógicos, ou então, quando tentam a integração mais coletiva de todos os profi ssionais na instituição. Para algumas

escolas, é sempre um processo muito des-gastante solicitar a participação de determi-nadas pessoas, mesmo que seja em reuniões pedagógicas ou de pais, em discussão sobre o projeto político-pedagógico, ou ainda em um projeto de aprendizagem interdisciplinar. Alguns dos professores alegam falta de tempo e de salário.

Sabemos que a crítica à atuação dos pro-fi ssionais não é simplista como parece. Ela demanda outras análises sobre a atual situação dos professores no país, o que transcende a própria discussão do seu envolvimento nas escolas. Porém, é preciso trazer para o debate dos professores a idéia de “pertença social”, a importância de “vestir a camisa da escola” tendo em vista a realização profi ssional e co-letiva. Um grupo unido e participativo é mais confi ante diante dos seus saberes, dos seus desafi os profi ssionais, e não hesita diante das adversidades.

Defendemos com isso a necessidade de o grupo sair da condição de simples agrupa-mento nos locais de trabalho, que caracteriza determinadas posturas profi ssionais, em de-trimento de ações mais coletivas, visando à tomada de decisões e o desenvolvimento das lideranças nas escolas, seja na elaboração do projeto educativo, seja na organização dos pla-nos de curso, seja nos debates sobre temáticas de interesse para a coletividade escolar. Preci-samos entender a importância da confrontação (positiva) de idéias para o enriquecimento do grupo no contexto escolar.

Essa dialética precisa ser estimulada a partir da premissa de que o embate de idéias não signifi ca o embate das pessoas. O que propomos é a discussão salutar que admite e respeita as diferenças individuais e, a partir

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dela, ajudar o grupo a crescer. Dessa forma, o desenvolvimento dessa habilidade propicia o respeito às particularidades do outro, fortalece as relações individuais e coletivas criando um novo grupo de referência mais forte e deter-minado.

As possibilidades de trocas de saberes na escola e na prática pedagógica são muitas, entre as quais destacamos:

1. os centros de estudos de temas rele-vantes eleitos pelos professores;

2. a discussão dos conteúdos disciplina-res, do projeto político-pedagógico;

3. as trocas de experiência;

4. a utilização de diferentes técnicas para melhoria da aprendizagem a partir de experiência no relaciona-mento inter-pessoal nas turmas;

5. a organização pedagógica de reunião de pais.

Assim sendo, de grupo-dependente ou grupo-objeto, propomos um grupo-dialético nas escolas que visa, a partir das contradições reais da prática , dialogar com seus partícipes, de forma a construir as fi nalidades de ação da escola.

A diversidade cultural

É dever da educação dar conta das dife-renças, seja no âmbito escolar institucional da sala de aula, seja no âmbito mais pulverizado das diferenças individuais.

A perspectiva de trabalho inter-cultural crítico na escola possibilita articulações de ações pedagógicas entre diferentes profi ssio-nais, em torno das questões dos universos culturais dos alunos, e a elaboração de estra-tégias para a minimização das desigualdades culturais.

Forquin (1993) sugere um entendimento interessante para o emprego da palavra cul-tura: “palavra-chave, palavra-guia, palavra interseção do vocabulário da educação”.(p. 12). O referido autor comenta a diferencia-ção entre cultura escolar e cultura da escola como fundamental para aprofundar as relações entre escola e cultura (s). para ele, a cultura da escola é representada por seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus mo dos próprios de regulação e de transgressão; já a cultura escolar é entendida como conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos e como objeto de transmissão no contexto escolar.

A questão cultural vem sendo apontada por educadores críticos como valiosa fonte de enriquecimento para o processo de ensino na sala de aula e na escola, visto que a socialização e a humanização decorrentes dessas práticas são funções educativas básicas da escola. As praticas pedagógicas precisam ser cada vez mais plurais, articulando a igualdade e a diferença no trabalho escolar, além do inter-cultural, do pluralismo de vozes e idéias, dos estilos e dos sujeitos socioculturais no enrique-cimento dos debates em sala.

Nessa perspectiva, muitas são as trocas e os conhecimentos construídos a partir da ex-periência de integração dos próprios alunos, dos alunos com os professores, pelo uso de materiais e meios tecnológicos e didáticos, nas atividades concretas desenvolvidas. Na cultura

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escolar e na cultura da escola, comportamentos e valores são constantemente trocados.

Na literatura atual, encontramos inúmeros suportes teóricos buscando compreender as atividades concretas de sincronizar a cultura escolar e a cultura da escola com a cultura da família, a partir da colaboração de diversas práticas, tais como:

Considerando os resultados de muitas pesquisas (inclusive no exterior) sobre a de-ficiência dos professores junto aos alunos oriundos de minorias, chegou-se à conclusão que havia a necessidade:a) da crença dos professores em que todos

os alunos podem ser bem-sucedidos e que deviam comunicar isto a eles;

b) do empenho profi ssional diário em torno do progresso dos alunos;

c) da criação de um ambiente na sala de aula propício para que os alunos se sintam va-lorizados e sejam capazes de obter sucesso nos seus estudos.

Zeichner (1993) fornece a seguinte in-formação sobre os resultados das pesquisas desenvolvidas por Knapp e Turnbul sobre fatores associados ao sucesso escolar de crian-ças em desvantagem social, relevando alguns princípios de atuação docente que fi zeram a diferença para o sucesso da aprendizagem:a) os professores conhecem e respeitam a

formação cultural e lingüística dos alunos e lhes comunicam esse respeito de forma pessoal;

b) o programa escolar possibilita e incentiva os alunos a desenvolverem experiências e outras maneiras de pensar que lhe são pouco familiares;

c) as suposições, as expectativas e as formas de fazer as coisas na escola são dados a conhecer aos alunos na medida em que os professores explicam e modelam estas dimensões da aprendizagem escolar.

Estes princípios criam um laço pessoal de acolhimento do professor pelos alunos. Con-tudo, há necessidade de um elo entre a cultura

a) o ensino com monitoria;b) a orientação e distribuição das tarefas

de casa;c) a avaliação;d) o estudo em grupos;e) as festividades culturais;f) a narração de histórias;g) a organização de projetos e pesquisas

cujas temáticas estejam relacionadas aos interesses e às necessidades da comunidade.

O ensino é culturalmente relevante quan-do as experiências dos alunos, suas vivências, são utilizadas não só como uma forma de man-ter sua cultura, mas também como uma forma de se aprender a superar os efeitos negativos da cultura dominante.

Devido às múltiplas identidades micro-culturais e às características específi cas dos alunos presentes em uma sala de aula (sexo, raça, classe social, língua, religião), cada indi-víduo é afetado diferentemente pelas ações e relações que se constroem nos grupos: familiar, social e escolar. Por isso, precisamos valorizar a dimensão afetiva, física, social, ética, artística de cada pessoa, fortalecendo sua auto-estima e, com isso, ampliando as possibilidades reais de novas expressões culturais.

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escolar, da escola e a da família, isto é, de aju-dar os alunos a aprender a cultura escolar e a da escola, mantendo simultaneamente a sua identidade cultural.

Trabalhar, levando em consideração a cul-tura escolar, a da escola e o contexto do aluno, parece ser a chave das afi rmações contempo-râneas sobre o sucesso do ensino e da apren-dizagem escolar de qualquer estudante.

A DIDÁTICA E ALINGUAGEM DIGITAL

Com a velocidade dos avanços tecnológi-cos e o desenvolvimento da sociedade infor-matizada das últimas décadas, proliferaram os meios tecnológicos com fi nalidade, graus e complexidades diferenciadas. Lévy (1993) reconhece que a terceira forma de apropriação do conhecimento se dá pela linguagem digital, no espaço das novas tecnologias eletrônicas de comunicação e informação.

A tecnologia digital caracteriza-se pela velocidade. É um fenômeno descontínuo. Ela representa um novo tempo, redimensionando o espaço, revolucionando nossa maneira de ver, compreender e sentir.

Os novos paradigmas tecnológicos são de-terminados de vários campos do conhecimen-to, inclusive do mercado de trabalho, e estão presentes em todo o mundo, chegando até a países como o Brasil, em que as desigualdades sociais e regionais são ainda muito grandes.

Na educação brasileira, as possibilidades de utilização da linguagem digital nas escolas, para um estudante com novos interesses e capacidades, ainda precisam ser mais inves-tigados.

Reconhecemos hoje a importância da

educação diante da cultura da mídia para a organização das relações sociais e das subjeti-vidades. Visto que o conhecimento televisivo possibilita, muitas vezes, através dos seus apelos e seduções, a canalização da conduta de crianças e jovens. A televisão entra somente nos quartos da juventude, bem como atua na formação do gosto e da personalidade.

Outras características marcantes dessa nova geração são a compulsão para a mú-sica em detrimento da leitura e o interesse maior pelo mundo virtual. Para ele o tempo se desnaturaliza. O momento presente está desconectado de qualquer história. Muitos estudos mostram que os alunos fi cam mais horas frente à TV e ao computador do que na sala de aula. Cada geração de jovens “cyborg” está associada às características de velocidade do ecossistema digital na qual ela nasceu.

Nossas escolas sabem lidar com esses novos estudantes? São eles diferentes dos de épocas anteriores? Quem são os alienígenas na sala de aula?

Tendo em vista as novas formas de subje-tividade, a responsabilidade dos professores aumentou diante das escolhas variadas que precisam fazer para mediar essa relação no processo de ensino. Isto porque a atual geração de alunos se relaciona com as novas mídias de forma diversa, e já se reconhecem sinais de um novo processo de produção de conhecimento, ainda praticamente desconhecido na escola.

A prática docente precisa, portanto, ser revisada, porque há o risco de ser o professor o alienígena na sala de aula. As metodologias até então adotadas precisam relacionar outras áreas do conhecimento afi ns a esses novos estudos sobre a tecno-cultura contemporânea, considerando as constantes alterações da lin-

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guagem digital, dos procedimentos didáticos do professor, bem como da dinâmica da sala de aula; sem perder o rigor, nada é fi xo. O pro-fessor atua como mediador do conhecimento, admite as possibilidades do ensino além do presencial e escolar; do semi-presencial, a distancia, ou em outros espaços, o que circula é a informação.

Os trabalhos de equipe, o ensino tutoriado e a pesquisa são fortes aliados metodológicos desde que planejados, coordenados e avaliados sob a orientação do professor. Da perspectiva linear da metáfora arbórea, caminhamos para um trabalho didático-pedagógico em redes de trocas e conhecimentos; de negociações perma-nentes capazes de desenvolver a inteligência coletiva.

Uma vez que vivemos o tempo das emer-gente culturas audiovisuais, ao contrário de outros tempo em que muitos professores fo-ram condicionados a pensar como um livro, caminhamos para um novo aluno que pensa através de imagens em movimento, em mun-dos virtuais.

Considerando essa realidade, somos obrigados a reavaliar nossas prioridades indi-viduais para o ensino-aprendizagem, investir em trocas mais coletivas de informação e de praticas de trabalho, retomar nossos compro-missos com as diferenças individuais, sociais e culturais, tendo em vista o desejo de eman-cipação de alunos.

AS FUNÇÕES DIDÁTICASO PROFESSOR

No tocante às funções didáticas do pro-fessor, podemos estabelecer quatro categorias, segundo a literatura na área:1. Responsabilidade no processo ensino-

aprendizagem:criação de um clima de trabalho positivo ▪seleção de conteúdos adequados e relevantes ▪seleção e organização de recursos e facilidades ▪atuação moderadora de interação no processo ▪avaliação e feedback ▪

2. Responsabilidade de ação tutorial:facilidade na comunicação entre componentes ▪do grupoorientação ao aluno ▪desenvolvimento pessoal do aluno ▪melhoria profi ssional do aluno ▪favorecimento às relações inter-pessoais e de ▪grupofavorecimento da comunicação com o grupo ▪

3. Responsabilidade em atividades de desen-volvimento profi ssional:

participação em atividades profi ssionais (con- ▪gresso, seminários, encontros)elaboração e compartilhamento de materiais ▪e experiênciasparticipação em entidades e instituições pro- ▪fi ssionais

4. Serviços na comunidade:assessoria às instituições públicas e privadas ▪serviço de consultoria ▪cooperação com a administração ▪

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As funções didáticas do professor voltam-se tanto para o processo ensino-aprendizagem com responsabilidade do docente como para o seu desenvolvimento profi ssional e a incum-bência de prestar serviços à comunidade.

Partindo da tese de que o professor é um profi ssional refl exivo, crítico, competente na sua disciplina, que realiza atividades de inves-tigação e de participação como um membro da instituição, podemos agrupar as funções didá-ticas do professor em três grandes blocos:

1. função docente2. função investigadora3. função gestora

Na função de docência, que se caracteriza por sua complexidade, representa um cenário psicossocial vivo em contínua transformação, na qual existe interação das múltiplas variáveis e condições internas e externas da aula. Os problemas nessa função, de natureza eminen-temente prática, quase nunca são previsíveis. Assim, como investigador, o professor deve buscar a explicação para os fenômenos que ocorrem nesse contexto.

A função investigadora deve atuar como elemento gerador da docência. É através da investigação que são planifi cadas e desenvol-vidas as inovações. A investigação deve ocorrer no âmbito de disciplina e da própria atividade docente para ter condições de transformar os processos de ensino-aprendizagem e produzir inovação e melhorias.

A função gestora se caracteriza pela res-ponsabilidade de que o professor tem em par-ticipar do bom funcionamento da circulação da informação, tomada de decisões e aplicações de política institucional.

Podemos, ainda, também destacar as seguintes funções que o professor deve de-senvolver:

estudo e investigação (pesquisa) ▪ensino, sua organização e aperfeiçoamento ▪comunicação de sua investigação ▪inovação e comunicação das inovações ▪pedagógicastutoria e avaliação dos alunos ▪participação responsável na seleção de ▪outros professoresavaliação da docência e da investigação ▪(pesquisa)participação na gestão acadêmica ▪estabelecimento de relações com o exterior, ▪mundo do trabalho e da culturapromoção de relações e intercâmbio interde- ▪partamental e interinstitucionalcontribuição para criar clima de colaboração ▪entre professores

A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES E O PROCESSO DIDÁTICO

Ultimamente, muito tem sido divulgado sobre o professor. São realizados, anualmente, em nível nacional e internacional, conferên-cias, congressos, seminários e debates sobre as funções, profi ssionalização, desvaloriza-ção, preparação técnica e comprometimento político do docente, que na maioria das vezes está acoplado ao projeto neoliberal que vem se alastrando aceleradamente tanto nos países do primeiro como nos do terceiro mundo.

A formação inicial e continuada do pro-fessor constitui um dos grandes desafi os a serem avaliados e redimensionados para que o profi ssional possa analisar criticamente o projeto econômico, político e social e atuar

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satisfatoriamente nesse contexto de contra-dições, desacertos, desafios, ensaios e até perspectivas.

A formação inicial do professor é aque-la que antecede o ingresso profi ssional. É a preparação que o individuo obtém através do curso de formação de professores (licen-ciatura) e, quando o caso, a pós-graduação, e tem como objetivo habilitá-lo ao exercício do magistério.

A formação continuada do professor reali-za-se de forma permanente após o ingresso no exercício profi ssional e tem como imperativo principal atualizar a formação inicial.

A formação profi ssional do professor não pode ser compreendida pelo somatório da formação inicial mais o acúmulo de cursos, de conhecimentos específi cos e técnico-pedagógi-cos. É um processo de refl exão critica sobre a pratica pedagógica.

A formação inicial do professor deve capacitar o futuro docente para assumir a tarefa educativa em toda a sua complexidade e fl exibilidade. É necessário estabelecer uma preparação que proporciona ao professor conhecimentos e gere atitude que valorize a necessidade de atualização permanente em função das mudanças que se produzem. É indispensável que os professores estejam preparados para entender as transformações que vão surgindo nos diferentes campos, e que sejam receptivos e abertos a concepções pluralistas. É mister introduzir na formação inicial uma metodologia que esteja presidida pela investigação-ação-refl exão e que vivencie o contraste entre teoria e prática. A prática deverá ser o centro de formação do professor, permitindo interpretar, reinterpretar e siste-matizar a experiência.

A formação inicial do professor deverá acompanhar a transformação histórica das exigências das demais profi ssões. O docente terá que possuir uma sólida formação inicial.

Nóvoa (1991) sugere que a formação con-tinuada do professor considere as cinco teses seguintes:

1º alimentar-se de perspectivas ino-vadoras que tenham a escola como referência;

2º valorizar as alternativas participativas e de formação mútua;

3º alicerçar-se numa refl exão na prática sobre a prática, valorizando os saberes dos professores;

4º incentivar a participação de todos os docentes;

5º investir na transformação qualitativa em vez de instaurar novos dispositi-vos de controle.

Avançando na discussão, apresentamos os cinco modelos assinalados por Imbernón (1994) para a formação continuada do profes-sor. O termo modelo, para o referido autor, refere-se ao marco organizador e de gestão de processos de formação em que se estabelecem diversos sistemas de orientação, organização, intervenção e avaliação de formação.

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MODELO 1: FORMAÇÃO ORIENTADOINDIVIDUALMENTE

Nesse modelo, o próprio professor planeja as atividades de formação que ele crê satisfazer suas necessidades. Fundamenta-se na crença de que o professor, no decorrer das suas ati-vidades, aprende muitas coisas por si mesmo através da leitura, conversa com colegas, na aplicação de novas metodologias de ensino, na refl exão de sua prática e por fi m, com sua própria experiência profi ssional.

O modelo de formação continuada orien-tado individualmente tem referência nas idéias de Rogers e Dewey, e principalmente nas investigações sobre os processos de aprendi-zagem de adultos. Esse modelo é sem dúvida extremamente importante e oportuno, porém a formação permanente deve ser compartilhada e não simplesmente transferida, como se fosse responsabilidade unicamente do docente.

MODELO 2: OBSERVAÇÃO/AVALIAÇÃO

Muitas vezes o professor recebe poucas devoluções sobre sua atuação nas aulas, e em certas ocasiões, manifesta a necessidade de saber como está sua prática no cotidiano. O modelo de observação/avaliação objetiva co-nectar essa necessidade e pode ser realizado entre pares e coordenadores. Tal modelo mui-tas vezes fracassa, pois o professor considera sua aula um lugar privado e não o vê como ajuda, crescimento, formação.

Esse modelo se apóia na referência de que a refl exão e a analise são meios fundamentais para o desenvolvimento profissional e na premissa de que a refl exão individual sobre uma prática pode melhorar a observação de outras.

MODELO 3: DESENVOLVIMENTO E MELHORA

Esse modelo tem lugar quando o professor está envolvido em tarefas de desenvolvimento curricular mediante projetos didáticos. Esses conhecimentos podem ser obtidos através de leituras, discussões, observações e ensaio e erro. O fundamento desse modelo está na concepção de que os adultos aprendem de maneira mais efi caz quando têm necessidade de conhecer algo concreto ou têm de resolver um problema.

Outra perspectiva que apóia esse modelo é a de que as pessoas adultas que estão próximas de seu trabalho têm uma melhor compreensão do que se requer para melhorar. Esse modelo observa determinados passos:

1. identifi cação da situação-problema;2. planejamento;3. execução;4. avaliação / replanejamento.

MODELO 4: TREINAMENTO

Nesse modelo, o organizador seleciona as estratégias mercadológicas formativas que se supõe irão ajudar o professor a obter os resulta-dos esperados. O modelo se apóia na concepção básica de que há uma série de comportamentos e técnicas que merecem ser reproduzidos na sala de aula e os docentes podem mudar sua maneira de atuar e aprender a reproduzir com-portamentos em suas classes que não tenham sido aprendidos previamente. Para que esse modelo alcance seus objetivos, é indispensável a elaboração de um diagnóstico para detectar as reais necessidades dos professores.

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MODELO 5:INVESTIGAÇÃO OU INDAGATIVO

Esse modelo requer que o professor iden-tifi que uma área de interesse, recolha infor-mações, interprete-as e realize as mudanças necessárias no ensino. Essa atividade pode ser realizada em pequenos ou grandes grupos ou individualmente.

Esse modelo se fundamenta na capacidade do professor em formular questões válidas sobre sua própria prática e marcar objetivos que tratem de responder às questões e realizar uma investigação. A utilização desse modelo requer determinados passos:

1. identifi cação da situação-problema.2. planejamento da coleta de informações sobre o problema;3. análise dos dados;4. realização das mudanças pertinentes; análise dos efeitos da intervenção e conti- nuidade do processo.

IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS NACOMUNICAÇÃO DOCENTE-DISCENTE

A Profª Maria Isabel Cunha fez uma pes-quisa entre alunos de Ensino Médio e do En-sino Superior, no tocante ao que consideram um “bom professor”, identifi cando em seus resultados, que os aspectos afetivos que per-meiam a relação professor-aluno foram mais enfatizados pelos entrevistados.

A autora, apresenta a situação pesqui-sada e discute os resultados do seu trabalho, através de uma análise que extrapolando os aspectos afetivos citados pelos alunos, destaca a Escola como instituição capaz de promover condicionamentos que interferem nos papéis desempenhados por professores e alunos.

“A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO”2

Ao pesquisar com os alunos de 2º e 3º graus sua percepção de bom professor, percebo que, entre as justifi cativas apresentadas, mui-tas aparecem dizendo respeito às relações professor-aluno. Compre-endo que é difícil dicotomizar a imagem do bom professor. Na idéia dos alunos, as coisas se entrelaçam e certamente possuem infl uências semelhantes e recíprocas. Com isso quero dizer que difi cilmente um aluno apontaria um professor como bom ou melhor de um curso, sem que este tenha as condições básicas de conhecimento de sua matéria de ensino, ou habilidades para organizar suas aulas, além de manter relações positivas. Entretanto, quando os alunos verbalizam o porquê da escolha do professor, eles enfatizam os aspectos afetivos.

Entre as expressões usadas estão “é amigo”, “é compreensivo”, “é gente como a gente”, “se preocupa conosco”, “é disponível mesmo fora da sala de aula“, “coloca-se na posição do aluno“, “é honesto nas observações“, “é justo“, etc. Estas expressões caracterizam que a idéia de bom

2 CUNHA, Maria Isabel. A relação professor-aluno. In: Re-pensando a didática. 4ª ed. São Paulo: 1990. p.145-158.

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estimula a gente a ter dúvidas”. – “O professor y é o melhor porque ele transmite para a gente o gosto que ele tem pela Matemática. Ele nos mostra o prazer de aprender”.

Para mim está muito claro, nestes depoi-mentos, que a relação professor-aluno passa pelo trato do conteúdo de ensino. A forma com que o professor se relaciona com a sua própria área de conhecimento é fundamental, assim como sua percepção de ciência e de produção de conhecimento. E isto interfere na relação professor-aluno, é parte desta relação.

Outro aspecto que se entrelaça é a meto-dologia do professor. Um professor que acre-dita nas potencialidades do aluno, que está preocupado com sua aprendizagem e com seu nível de satisfação, exerce práticas de sala de aula de acordo com esta posição. E isto é tam-bém relação professor-aluno. Dizem os alunos que, entre as características de seus melhores professores, estão “ toma as aulas agradáveis e atraentes”, “ estimula a participação do alu-no”, “sabe se expressar de forma que todos entendam”, “ induz à crítica, à curiosidade e à pesquisa”, “procura formas inovadoras de desenvolver a aula”, “faz o aluno participar do ensino”, etc.

Parece conseqüência natural que o profes-sor que tem uma boa relação com os alunos preocupe-se com os métodos de aprendizagem e procure formas dialógicas de interação.

É importante dizer que os alunos não apontam como melhores professores os cha-mados “bonzinhos“. Ao contrário. O aluno valoriza o professor que é exigente, que cobra participação e tarefas. Ele percebe que esta é também uma forma de interesse, se articulada com a prática cotidiana da sala de aula.

Entretanto, vale também chamar a atenção

professor, presente hoje nos alunos de 2º e 3º graus, passa, sem dúvida, pela capacidade que o professor tem de se mostrar próximo, do ponto de vista afetivo.

Entretanto, é interessante observar que é quase impossível, a não ser para fi ns didáticos e de pesquisa, tentar depurar, distinguir atitudes do professor que se referem especifi camente a este lado da relação professor-aluno.

O comportamento do professor como um todo depende, certamente, da cosmo-visão que ele possui. Não sei até que ponto é impor-tante ou possível classifi car os professores. Até porque também eles, como fruto da contradi-ção social, nem sempre apresentam compor-tamentos lineares e totalmente coerentes com uma corrente fi losófi ca. É inegável, porém, que a forma de ser e agir do homem revela um compromisso. E é esta forma de ser que demonstra, mais uma vez, a não-neutralidade do ato pedagógico.

Mas fi ca a questão: quais os limites da idéia da relação professor-aluno? O que nós concebemos quando tentamos exercitar esta conceituação? Restringe-se o mesmo conceito a aspectos afetivos, tais como os citados pelos alunos? Parece que não. As virtudes e valores do professor que consegue estabelecer laços afetivos com seus alunos repetem-se e intrin-cam-se na forma como ele trata o conteúdo e nas habilidades de ensino que desenvolve.

Assim, novamente valho-me da palavra dos alunos, para demonstrar minhas idéias. Dizem eles: - “Escolho este professor como o melhor pela forma com que nos faz pensar; co-locando o conteúdo teórico não como verdade acabada, mas questionando-o” - “O que me agrada no professor X é que ele está sempre pronto a responder as nossas dúvidas, ele até

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para um aspecto muito signifi cativo: quando os alunos hoje apontam o bom professor, só em situações raras referem-se ao posicionamento político do professor. Isto signifi ca dizer que esta não é uma dimensão apreendida pelos alunos e que não faz parte fundamental da sua percepção do bom professor. É claro que sabemos que comportamento do professor manifesta uma postura política. Mas ao que parece este não é um dado consciente para os alunos e talvez sequer seja para o professor.

Analisando a amostra dos vinte professo-res escolhidos como melhores pelos alunos, a questão posicionamento político expresso não é uma constante. Em alguns casos acontece, mas em muitos outros não. Para os nossos alunos atuais, o bom professor é aquele que domina o conteúdo, apresenta formas ade-quadas de apresentar a matéria e tem bom relacionamento com o grupo. Entre os alunos universitários há, inclusive, ressalvas escritas, como: “ Apesar de não ter posições políticas mais avançadas, escolho este professor por-que...”. Isto demonstra que alguns alunos de-sejariam que às boas qualidades citadas sobre o professor se somasse um posicionamento político claro. Mas esta ainda não é uma idéia formada na expectativa dos alunos.

Um último aspecto a considerar na fala dos alunos é o valor que eles dão ao prazer de aprender, algo que se poderia traduzir como um clima positivo na sala de aula. O senso de humor do professor, “o gosto de ensinar “, “o tomar a aula agradável, interessante” são as-pectos que eles apontam como fundamentais.

A análise destes dados encaminha-me para algumas questões : por que é esta a ex-pectativa dos alunos atuais sobre o bom pro-fessor? Como pesa a defi nição de papéis para o

professor e o aluno? Que ideologia está susten-tando estas expectativas? Qual a interferência do institucional nas expectativas dos alunos Como o cotidiano da relação professor-aluno resulta numa prática pedagógica?

A EXPECTATIVA E A IDEOLOGIA

Não há dúvida de que existe entre os alunos e professores um jogo de expectativas relacionadas ao respectivo desempenho. A Es-cola como instituição social determina aos seus próprios integrantes os comportamentos que deles se espera. Por outro lado, mas também por ser instituição social, ela é determinada pelo conjunto de expectativas que a sociedade faz sobre ela.

Este fl uxo é que reproduz a ideologia do-minante.

Segundo CHAUÍ ( 1980, p. 92 ), “ a ideolo-gia resulta da prática .social, nasce da atividade social dos homens no momento em que estes representam para si mesmos essa atividade” (...) “No entanto”, continua a autora, “ as idéias dominantes em uma sociedade numa época determinada não são todas as idéias existen-tes na sociedade, mas são apenas as idéias da classe dominante, dessa sociedade nessa época, ou seja, a maneira como ela representa para si mesma sua relação com a o natureza, com os demais homens, com a sobre-natureza (deuses), com o Estado, etc.”.

Por certo, então, os papéis escolares estão defi nidos ideologicamente também na socie-dade, identifi cados com a classe dominante, passando pelas formas de produção e distri-buição do conhecimento.

As condições de classe social dos alunos determinam um rol de expectativas sobre o

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seu desempenho. E em muitos casos a escola serve apenas para ratifi car esta expectativa, para convencer os jovens a aceitar o fracasso, ou seja, para aceitação da sua situação na sociedade.

Analisar, pois, as relações que acontecem entre professor-aluno puramente no campo psicológico ou afetivo é, no mínimo, um com-portamento ingênuo. Elas acontecem no palco de uma sociedade e, portanto, são profunda-mente marcadas pelas contradições sociais.

Os professores vivem num ambiente com-plexo onde participam de muitas interações sociais por dia. São eles também frutos da re-alidade cotidiana das escolas e, muitas vezes, são incapazes de fornecer uma visão crítica aos alunos, porque eles mesmos não a têm, porque se debatem no espaço de ajustar seu papel à realidade imediata da escola, perdendo a di-mensão social mais ampla da sociedade.

Além disso, sobre o professor e o aluno há todo o peso das relações institucionais.

Segundo BERGER e LUCKMANN (1983, p. 80), “as instituições controlam a conduta humana estabelecendo padrões previamente defi nidos de conduta, que a canalizam em uma direção por oposição a muitas outras que se-riam teoricamente possíveis (...) As instituições têm sempre uma história, da qual são produtos e isto implica em controle”.

A instituição interfere na expectativa tanto dos professores, como do aluno. Na análise do depoimento dos alunos, perce-bi que havia aspectos diferenciados, por exemplo, entre os alunos de 2º e 3º graus. Apesar da visão geral do bom professor ser semelhante, percebi que entre os alunos de 2º grau há muitas expectativas de maior direcionamento do processo ensino-apren-

dizagem por parte dos professores.Eu poderia dizer que os alunos de 2º

grau requerem um professor mais diretivo. Se analisarmos, porém, a escola de 2º grau como instituição, veremos que ela é toda mais diretiva (horários dos alunos e professores, defi nição de conteúdos, calendário escolar, movimentação dos alunos no espaço escolar etc.). O ambiente institucional passa esta idéia de ordem aos integrantes de sua comunidade, e estes valores passam a ser parte das expectati-vas dos alunos. Poderia, também, ser levantada a hipótese de que o aluno de 2º grau ainda representa um extrato de classe social mais baixa, ou com idade inferior em relação ao 3º grau e, portanto, .mais habituado a obedecer e a receber a ordem institucional com mais facilidade. Um professor que atua nos dois graus de ensino chegou a expressar:

“Na Universidade mudo meu compor-tamento em algumas coisas. Lá sou mais independente e os alunos são mais ma-duros. A escola de 2º grau tem ainda de preocupar-se com a formação de certos hábitos que requerem mais rigidez (...)”.

“Na Universidade mudo meu comportamento em algumas coisas. Lá sou mais independente e os alunos são mais maduros. A escola de2º grau tem ainda de preocupar-se com a for-mação de certos hábitos que requerem mais rigidez (...)”.

Este exemplo é a tentativa de expressar o valor institucional na defi nição dos papéis. A história da instituição também parece im-portante nos valores que passa para os pro-fessores e alunos. Quando a análise destas

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relações acontece no ambiente de uma escola técnica industrial, por exemplo, senti que não se poderia explicar o processo interativo sem entender a história e os valores da instituição. A infl uência do modelo empresarial encon-trou plena ressonância neste tipo de escola. A obediência, a hierarquia e a disciplina sempre foram valores privilegiados na organização escolar. Entretanto, há uma combinação de uma disciplina severa com um ambiente de cordialidade e participação que reina na Esco-la. Há uma proposta de harmonia e consenso ao invés de trabalhar com o confl ito. Para isto, muito contribuíram a idéia de neutralidade da ciência e da tecnologia, e a visão positivista liberal da formação da sociedade.

Alunos e professores que convivem numa escola deste tipo recebem as infl uências insti-tucionais e passam a exercer comportamentos de acordo com a expectativa formada.

Modifi car esta situação é possível, mas, sem dúvida, com muito mais esforço do que num ambiente onde o questionamento é lugar-comum ou em que a expectativa não seja , primordialmente o mercado de trabalho.

BERGER e LUCKMANN (1983, p.104) dizem que toda conduta , institucionalizada envolve um certo número de papéis. Assim, eles participam do caráter controlador da instituição.

Dizem, ainda, que, “em virtude dos papéis que desempenha, o indivíduo é introduzido em áreas específi cas do conhecimento socialmente objetivado, não somente no sentido cognitivo, mas também no sentido do’ conhecimento’ de normas, valores e mesmo ações”.

Portanto, parece que ser professor e ser aluno extrapola a relação de ensinara/prender e os conteúdos de ensino. Mas envolve uma

absorção de aprendizagens valorativas muito intensa. O importante é que haja consciência deste processo, para que os protagonistas do processo pedagógico não sejam manipulados por idéias que nem sempre gostariam de servir. O professor e o aluno não podem ser engoli-dos pelo ritual escolar. Precisam ser sujeitos conscientes, defi nidores deste ritual.

O professor: intervenientesno seu desempenho

O professor nasceu numa época, num local, numa circunstância que interferem no seu modo de ser e de agir. Suas experiências e sua história são fatores determinantes do seu comportamento.

O conhecimento do professor é construí-do no seu próprio cotidiano, mas ele não é só fruto da vida na escola. Ele provém, também, de outros âmbitos e, muitas vezes, exclui de sua prática elementos que pertencem ao do-mínio escolar. A participação profi ssional, ou em movimentos sociais, religiosos, sindicais, políticos e comunitários, pode ter mais infl u-ência no cotidiano do professor, que a própria formação acadêmica.

A prática e os saberes que podem ser observados no professor são o resultado da apropriação que ele fez da prática e dos sa-beres histórico-sociais. A apropriação é uma ação recíproca entre os sujeitos e os diversos âmbitos ou integrações sociais. Só que elas são diferentes nos sujeitos, isto é, eles se apropriam de diferentes coisas em função de seus interesses, valores, crenças, etc. Isto é demonstrado pelo diferenciamento existente entre o comportamento dos professores que seguem propostas pedagógicas distintas,

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refletindo e antecipando sua história.A questão principal está em desvendar o

que acontece com o professor que determina que ele assuma uma postura pedagógica.

Levanto a hipótese de que é através da produção do conhecimento que melhor se favorece o crescimento da consciência crítica, e não pela tentativa de passar, unicamente, com a palavra, a crítica aos outros. Produzir conhecimentos signifi ca colocar os sujeitos da aprendizagem numa perspectiva de inda-gação que leve’ ao estudo e à refl exão. Estes podem tomar possíveis, de forma coletiva, a construção do conhecimento sobre a própria realidade. A pesquisa, nesta perspectiva, passa a ter um sentido especial e uma função polí-tica. E preciso envolver o professor na tarefa de investigar e analisar o seu próprio mundo. Somente quando o professor se sentir sujeito da História, consciente de sua prática, capaz de estabelecer relações entre a sua e as demais condições sociais, é que poderá agir em dire-ção à modifi cação das relações pedagógicas e sociais.

A compreensão da dimensão política da educação interferiu muito na forma de com-preender o papel do professor e, por conse-guinte, suas características, competências e compromissos. O professor passou a ser visto situado no seu tempo e se percebeu com niti-dez que, como diz , GOFFMAN (1985, p.29), o papel social é a formulação de direitos e deve-res ligados a uma determinada situação social. Desta forma, o papel do professor não pode ser deslocado do contexto onde se manifesta.

E a concepção que temos de nosso papel é um fator muito importante, chegando até a ser percebido como uma segunda natureza, parte integral de nossa personalidade. Ele se

forma como resultado da interação dos indi-víduos com os demais, com seu grupo social, com a sociedade a que pertence. BERGER e LUCKMANN lembram, ainda, a importância da identidade, conceito já desenvolvido na linha psicológica. Só que alertam sobre o fato de que a identidade é também um produto social construído na relação dialética entre indivíduo e sociedade.

O educador é um ser do mundo. Não pode ser pensado independentemente desta perspectiva; “não é um indivíduo isolado, uma individualidade à parte que emite pareceres limitados numa relação unívoca com a escola e a sociedade” (FRANCO, 1984, p.12). É inde-pendente e expressa uma contínua interação e infl uência com outros sujeitos, com a escola e a sociedade.

Assim sendo, não se pode analisar as rela-ções que o professor - estabelece com o aluno, senão a partir de situações concretas de sua história e de sua vida.

As pesquisas têm mostrado que os pro-fessores afi rmam que sua prática cotidiana tem mais importância no seu modo de ser, do que a formação acadêmica que porventura tiveram.

E, ainda, que o seu comportamento docen-te é inspirado em professores que marcaram a sua própria trajetória educacional. Estes dados reforçam a necessidade de tratar os processos pedagógicos de forma contextualizada. Mos-tram que a relação professor-aluno é funda-mental, capaz de deixar marcas no indivíduo por grande parte da existência. É preciso resgatá-la, compreendê-la e redimensioná-la.

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COMO MELHORAR A COMUNICAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

O texto a seguir é a parte introdutória do 8º capítulo do livro Estratégias de Ensino-Apren-dizagem, escrito por Juan Díaz Bordenave e Adair Martins Pereira. Bordenave é paraguaio e doutorado em Comunicação pela Universidade do Estado de Michigan. Há muitos anos trabalha no Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas. Adair Pereira é mineira e pós-graduada em Planejamento Educacional, na PUC-Rio. É professora de Metodologia de Ensino na Universidade Federal de Minas Gerais.

A intenção dos autores, neste texto, é a de provocar uma sadia inquietação em seus leitores, fazendo-lhes um convite para resolver um problema que todo professor enfrenta diariamente: como melhorar a comunicação professor-aluno frente às difi culdades presentes nesta relação.

I. O problema

No atual sistema de ensino centralizado no professor e na matéria, a tarefa de transmi-tir conhecimentos é a maior carga que o pro-fessor carrega sobre os ombros. Por sua vez, o aluno que deseja passar de ano vê-se obrigado a absorver uma considerável e cada dia maior quantidade de informações: conceitos, nomes, fatos, datas, cores, relações, quantidades, fór-mulas, processos, normas etc., a maioria das quais ele recebe “via professor “.

A emissão, transmissão e recepção de informação, entretanto, é apenas uma das funções da comunicação entre professor e alu-nos. Da boa comunicação, dependem não só a aprendizagem, mas também o respeito mútuo, a cooperação e a criatividade.

Vamos tentar identifi car os principais pro-blemas que atualmente atrapalham a comuni-

“A efi cácia máxima da comunicação não é alcançada senão quando a mensagem é compreendida pelo receptor”.

Abraham Moles

cação professor-aluno, visando a descobrir os pontos de estrangulamento:— O problema fundamental, a nosso ver, con-

siste no fato de que o professor em geral não percebe que é um mau comunicador, da mesma maneira que são poucos os pa-dres que acham ruins seus sermões.

— O professor está mais preocupado em ex-por sua matéria, isto é, em falar, que em comunicar, isto é, despertar atenção e inte-resse, mobilizar a inteligência do aluno, ser entendido por este, e induzi-lo à expressão e ao diálogo. O professor acha que sua fun-ção consiste em transmitir conhecimentos e que é obrigação do aluno ouvir e com-preender. Não percebe que a atenção e a aprendizagem são processos psicológicos que, às vezes, devem ser provocados.

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— Às vezes, o professor tem suas idéias tão mal, ou tão perfeitamente organizadas, que não há nelas lugar para a imaginação cria-tiva dos alunos. Ambos os extremos pro-duzem uma comunicação falha: quando as idéias do professor estão desorganizadas, sua mensagem é confusa e insegura, e os alunos não conseguem perceber a estrutura do assunto. Quando estão demasiadamen-te organizadas, o professor em geral não gosta de ser interrompido, nem de aceitar contribuições dos alunos. Ele evita tudo o que ameaça desorganizar o belo edifício mental que traz preparado.

— O professor expõe, partindo da premissa de que, se os alunos mais inteligentes da primeira fila entendem o que ele fala, to-dos os demais também entenderão. E não se preocupa em verificar se isto ocorreu ou não.

— O professor utiliza conceitos ou termos que ainda não existem na experiência dos alunos. Ou, se existem, é provável que cada um lhes atribua um signifi cado diferente. Vejamos um exemplo: o professor emprega o termo “conjuntura”. Se perguntasse aos alunos o que entendem por “conjuntura”, ficaria surpreendido com respostas tão variadas, como “acontecimentos de curto prazo”, “situação em um período dado”, “articulação de ossos”, “contexto”, “in-terseção de estradas”, “coincidência de opiniões”, etc.

— O professor não se preocupa em aumentar o vocabulário dos alunos, o que poderia ser feito, explicando o signifi cado e diversas aplicações dos novos termos.

— O professor coloca tantas idéias em cada exposição, que somente algumas delas

são compreendidas e retidas. Pela pressa em dar a maior quantidade de matéria possível, o professor não repete as idéias principais, nem se detém o tempo necessá-rio, para que os alunos de raciocínio mais lento as assimilem.

— Alguns professores falam tão rápido ou articulam as palavras tão mal, que muitas das idéias não são percebidas pelos alunos. Outros professores falam em voz tão baixa ou em tom tão monótono, que não conse-guem manter a atenção dos alunos.

— O professor não utiliza meios visuais para comunicar conceitos ou relações que exigem apresentação gráfi ca. Assim, um professor de Entomologia descreve ape-nas verbalmente os insetos do algodão : tamanho,forma, cor etc., características todas que exigem visualização objetiva.

— O professor utiliza os meios visuais de uma forma inadequada: por exemplo, emprega o quadro-negro sem planejamento algum, escrevendo e desenhando ora aqui, ora ali, com muita confusão e desordem. As letras muito pequenas ou pouco claras são mal decifradas pelos alunos das últimas fi leiras. Outro exemplo: o álbum-seriado é em-pregado por alguns professores como um roteiro de aula, e não como uma série de estímulos para o pensamento dos alunos. Outros projetam fi lmes, como substituto da aula, sem justifi car seu papel na estratégia didática.

— Mas, de todas essas defi ciências, a pior é a tendência do professor ao monólogo, à “salivação4 sem diálogo, o que traduz sua falta de interesse pela participação ativa dos alunos.Quanto mais passivos e “bem disciplina-

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dos “ forem os alunos, mais felizes são alguns professores.

Entretanto, não é justo atribuirmos toda a responsabilidade das deficiências da co-municação ao professor. Os alunos também contribuem com sua importante quota de problemas:— O aluno tem uma forte tendência a não pres-

tar atenção ao que o professor está dizendo. Por diversas razões (a força competitiva de outros estímulos atuantes em sua vida: namoradas, esportes, trabalho, família, saúde; as suas atitudes negativas contra fi guras de autoridade; o seu desinteresse pela matéria em pauta), o aluno pode passar consideráveis períodos na classe, pensando ou fazendo qualquer outra coisa, em lugar de atender às palavras do professor.

— Muitos alunos têm preguiça de pensar e, aplicando a lei do menor esforço, adotam uma atitude de passividade e desligamento. (É verdade que esta atitude pode ser um produto de experiências escolares ante-riores, em que justamente se estimulava a passividade).

— O aluno que, por preguiça, quer confi ar em sua memória, não toma notas das idéias expostas pelo professor. Depois, percebe que esqueceu mais da metade.

— O aluno pode manter uma atitude antagô-nica de rejeição e revolta contra um deter-minado professor. Essa disposição mental gera um bloqueio inconsciente contra a assimilação da matéria ensinada.

— Certas matérias difíceis e abstratas, como Matemática, Estatística, Teoria Econômica etc., exigem do aluno exercitar uma ativida-de intelectual fora do comum. Por falta de prática do pensamento operatório abstrato - (J. Piaget), o aluno não acompanha o ra-ciocínio e apenas memoriza as equações e teoremas, sem realmente compreender sua estrutura e alcance.

Esse é um produto típico da educação “bancária”: o professor pensa pelo aluno e, quando este se vê obrigado a pensar por sua conta, sua falta de prática o trai.

— O aluno, às vezes, pensa que entendeu o que o professor está falando e não pede esclarecimentos. Porém, mais tarde, com-prova que não entendeu realmente.

“Salivação” é o termo criado pelo Prof. Lauro de Oliveira Lima, para referir-se pejorativamente à exposição oral.

— A causa mais séria da inefi ciência comu-nicativa do aluno, entretanto, é a sua falta de desejo de aprender: quando existe esse desejo, todos os demais obstáculos de ordem física ou psicológica são vencidos pelo aluno. Mas, muitos nunca vão além de uma atitude de “aceitar serem ensinados”, sem jamais chegar a um desejo positivo e entusiasta de aprender.

Apesar disto ser, em parte, um problema o qual o professor deve ajudar a resolver, cabe ao aluno a decisão pessoal de sua própria modifi cação.

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METODOLOGIA DE CASOS:APRENDENDO COM A REALIDADE

1. Eis uma anedota contada por Celso An-tunes e que retrata a realidade de nosso ensino.

“Quatro jovens estudantes viajam em um automóvel e, em meio a essa excursão, o veículo quebra.

O primeiro, estudante de Mecânica, ime-diatamente imagina o problema e pro-clama: – Deve ser a caixa de marchas! O segundo, muito bom em química, protesta: – Que nada, deve ser a mistura colocada no combustível! O terceiro, especialista por sua vez, em conhecimentos eletrônicos, descarta a hipótese dos colegas, e confi ante, proclama: - Ora, ora, deixem disso , deve ser a bateria descarregada!

Com discussões não resolvem problemas e uma solução era necessária, o quarto estudante, especialista em computação, propôs sua alternativa usual: Por que não experimentamos sair todos do carro e de-pois entrarmos novamente ?”

Celso Antunes. A anedota retrata com cla-reza a “especialização” perversa e doentia que tomou conta do ensino brasileiro por volta dos anos 1970 e que ainda persiste em muitas escolas. Existe uma verdadeira obsessão em fazer com que o aluno aprenda saberes inerentes a esta ou àquela área.

Posicione-se quanto a este problema, le-vando em consideração que a construção de nosso conhecimento não é separado em caixinhas ou links.

2. No Brasil do século XXI , temos uma lei que determina a inclusão de alunos e profi ssionais portadores de necessidades especiais nas escolas e nas empresas. Con-tudo, os funcionários e gestores não estão preparados para tal, as equipes não foram orientadas a trabalharam com esta cliente-la, a escola e a empresa não estão equipadas para acomodá-los. Convido você a discutir com outros profi ssionais este assunto.

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LINKS DA INTERNET

1. PANORAMA ATUAL DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASILhtt p://www.aquifolium.com.br/educacional/artigos/panoread.html

2. O VOCÁBULO DIDÁTICA htt p://www.centrorefeducacional.pro.br/didat.htm

LEITURAS SUGERIDAS

1. REYZÁBAL, Maria Victoria. A comunicação oral e sua didática. Bauru: São Paulo: EDUSC, 1999.

A obra trata de discutir os mais signifi cativos tipos de discursos orais., a busca da recuperação e do aperfeiçoamento da oralidade (postura tão necessária nos dias atuais), com apresentação pormenorizada de técnicas e procedimentos didáticos, que incorporados ao dia-adia escolar, podem constituir um instru-mental extremamente valioso, principalmente para professores.

2. VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Técnicas de ensino: por que não? – 2ª ed – Campinas, SP: Papirus, 1998 – (Coleção magistério: Formação e trabalho pe-dagógico).

Imprimir tecnicidade ao trabalho pedagógico-escolar sempre esteve no ho-rizonte humano. A obra assenta-se na discussão sobre as técnicas de ensino nessa perspectiva, algumas questões afl oram: que relações a técnica de ensino guarda com a experiência de ensinar? É a técnica de ensino algo mecânico, no sentido de que ele determina e condiciona uma série de fases a serem seguidas no processo de ensinar? Ou constituem as técnicas de ensino um conjunto de orientações normativas, por meio das quais se consegue algo? Tais questões e similares são discutidas pelos diversos autores participantes da obra.

3. DEMO, São Paulo: Autores Associados. 1996

O que melhor distingue a educação escolar e universitária é sua instrumenta-ção pela pesquisa. Por outro lado, se esta não aparecer , fi cará sem distintivo próprio, não se diferenciando de outros lugares educativos na sociedade. Edu-car pela pesquisa do conhecimento. Este é o meio, educação é o fi m. Signifi ca também não separar os dois componentes do mesmo todo hierárquico, ou seja, a pesquisa não se basta em ser princípio educativo. Não se faz antes pesquisa, depois educação, ou vice-versa, mas, no mesmo processo, educação através da pesquisa.

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Chegamos ao fi nal da Unidade IV, cujo o tema foi As Teorias do Confl ito e a Prática Docente. Para fi xar a Conteúdo realize os exer-cícios de auto-estudo.

VIDEO

O Homem Cinzento (Sistema de Tele-Ensino) – UFRJ/CEP

ATIVIDADES PRÁTICAS

1. Baseado em nas leituras feitas ao longo deste módulo de estudo, identifi que as condições que caracterizam o “bom professor”, segundo as seguintes ca-tegorias:

• Conteúdos • Métodos • Relação professor-aluno

2. Na sua avaliação, por que o aluno não consegue perceber na metodologia do professor seu caráter político-pedagógico determinantes de seu trabalho edu-cativo?

3. Descreva em breves palavras, quais as principais causas e possíveis efeitos, no tocante a aprendizagem do aluno, com relação ao desempenho do professor em sala de aula?

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Opercurso feito, do século XVII até nossos dias, indicou alguns marcos no desenvolvimento histórico da Didática. Viu-se que seu primeiro objeto, o Método, correspondendo ao modo de agir sobre o educando, recuou ao fundo do palco quando sua outra face, o próprio educando ou aprendiz reclamou seus direitos. Um reviver metodológico, no século XIX, pôs em relevo as características de ordem e seqüência, no processo didático, antes que a Escola Nova, retornando ao puerocentrismo, em sua aspiração cien-tífi ca, recorresse à psicologia da criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O panorama do fi nal do século XX e iní-cio do Século XXI não é simples. A Didática está impregnada de todas as inquietações da época e, entre as muitas frentes de pesquisa e exploração, ora requer auxílio da psicologia profunda de origem freudiana, ora recorre às correntes neomarxistas. A oscilação entre uma tendência psicológica que acentua a relevân-cia da compreensão da inteligência humana e sua construção e outra que se apóia na visão sociológica das relações escola-sociedade, pa-rece dominar o conteúdo da disciplina. Esta, em conseqüência, vai-se familiarizar com teo-rias de origem epistemológica e social, sem perder, no entanto; seu compromisso com a prática do ensino. Nos programas de Didáti-ca, essa fermentação ideológica nem sempre consegue um resultado harmônico: os novos temas ainda não tiveram função aglutina-dora e vêem-se programações enviesadas com exclusividade, de um lado ou de outro. Não se entenda, entretanto, que defendo a possibilidade de uma “Didática Marxista” ou “Didática Sociológica” ou “Didática Cog-nitivista” ou qualquer outra adjetivação que indique um ponto de vista exclusivo sobre seu campo de estudos. Pois ocorre que, por constituir-se a Didática numa disciplina que pode ser desmembrada em vários pla-nos (exemplifiquei com os planos humano, técnico e cultural), vê-se que, em cada um deles, contribuições de áreas diferentes se tornam úteis e mesmo necessárias: Sua dupla dimensão (vertical e horizontal) e o ciclo didático sempre recomeçado, por outro lado, vinculam-na diretamente à prática e esta, em sua complexidade, exige recursos e técnicas, cuja eficiência é objeto de pesquisa e experimentação. Mas não existem duas

Didáticas, uma teórica e outra prática: são duas faces da mesma moeda, e, como elas, interdependentes.

Um esclarecimento fi nal, sobre o conceito foco da Didática: o Ensino. Revela uma inten-ção: a de produzir aprendizagem; é palavra-ação, palavra-ordem, palavra-prospectiva, pa-lavra que revela um resultado desejado. Mas, depois de PIAGET, não se pode mais entender o ensino como a simples apropriação de um conteúdo: uma informação, um conhecimento ou uma atitude, por exemplo. O ato assimila-dor, essência da aprendizagem legítima, cor-respondente ao ensino que merece esse nome, terá como subproduto (sub ou super?) alguma mobilização da inteligência redundando em progresso cognitivo, em capacidade ampliada para conhecer ( ou aprender). É desse fenôme-no que trata a Didática: do ensino que implica desenvolvimento, melhoria. E mais: não se limita o bom ensino ao avanço cognitivo inte-lectual, mas envolverá igualmente progressos na afetividade, moralidade ou sociabilidade, por condições que são do desenvolvimento humano integral.

Deixamos claro que a Didática, como dis-ciplina e campo de estudos, parece acelerar o progresso no sentido de uma autoconsciência de sua identidade -encontrada em seu núcleo central -e de sua necessária interdisciplinari-dade. Conseguir plenamente a autonomia, sem prejudicar suas fecundas relações com discipli-nas afi ns, é um projeto que, a meu ver, depende tanto de um esforço teórico e refl exivo, quanto de um avanço no campo experimental. Creio que é tarefa para o século XXI.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MERCADO, Luís Paulo Leopoldo. Utilização das Novas Tecnologias nos Espaços de Aprendizagem. Maceió, p. 14.

MOREIRA, Daniel A. (org.) Didática do Ensino Superior. Técnicas e Tendências. São Paulo: Pioneira, 1997.

MOURA, Tânia Maria de Melo. Planejamento de Ensino: fundamentos teórico-práticos. Texto mimeo, Maceió, abr. 2000.

PERRENOUD, Philippe. 10 Novas Competências para Ensinar. Convite à viagem. Tradução: Patrícia Chitonni Ramo. Porto Alegre: Artmed, 2000.

PIMENTA, S. O professor refl exivo no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002

TAVARES, Maria das Graças M. Extensão Universitária: Novo paradigma de universidade? Maceió: EDUFAL, Natal EDUFRN, 1997.

VERÇOSA, Elcio de Gusmão. História do Ensino Superior em Alagoas: Verso & Reverso. Maceió: EDUFAL, 1997.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR (APROFUNDAMENTO)

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COLL, César e Derek Edwards (orgs.) Ensino, Aprendizagem e Discurso em Sala de Aula. Tradução: Beatriz Aff onso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1998.

CONTRERAS, J. A. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 2002

MASETTO, Marcos Tarciso. Didática: a aula como centro. 4. ed., São Paulo: FTD, 1997.

MEIRIEU, Philippe. Aprender... Sim, mas como? 7. ed. Tradução: Vanise Pereira Dresch. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

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MIZUKAMI, Maria da Graça Nicolett i. Ensino: As Abordagens do Processo. São Paulo: EPU, 1986.

MOURA, Tânia Maria de Melo. A Prática Pedagógica dos Alfabetizadores de Jovens e Adultos. Contribuições de Freire, Ferreiro e Vygotsky. Maceió: EDUFAL/INEP, 1999.

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ZABALA, Antoni. A prática educativa. Como ensinar. Trad. Ernani F. Rosa – Porto Alegre: ArtMed, 1998.

WACHOWICZ, Lílian Anna. O Método Dialético na Didática. Campinas; São Paulo: Papirus, 1989.

VASCONCELOS, Maria Lúcia M. Carvalho. A formação do professor de terceiro grau. São Paulo: Pioneira, 1996.