Diego Araújo - Inteligência militar uma percepção de ... · O QUE É INTELIGENCIA? QUAL É SUA...

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1 INTELIGÊNCIA MILITAR: UMA PERCEPÇAO DE CONCEITOS E GUERRA Diego Henrique dos Reis e Araújo 1 Rafael Oliveira de Ávila 2 RESUMO Este artigo trabalhará os conceitos em torno dos estudos sobre inteligência e fará um paralelo entre estes conceitos centrais correlacionando-os com o estudo sobre inteligência militar. Para isso fará uso, ao longo deste trabalho, de exemplos pautados no contexto histórico da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mais especificamente utilizando-se do exemplo alemão de inteligência neste período da guerra. Ao decorrer deste artigo, o autor trabalhará conceitos centrais sobre a temática da inteligência que são: O que é inteligência; quais são os mecanismos de captação de informação; o que significa o trabalho da análise de informação; e o que pode ser gerado após o tratamento e a análise das informações. Por fim, com o estudo deste tema, este artigo visa compreender qual é a capacidade e o alcance dos serviços de inteligência em um contexto bélico, e qual é relação entre serviço secreto e a derrota na guerra. Palavras-chave: inteligência, inteligência militar, espionagem, captação, análise, Alemanha, Segunda Guerra. ABSTRACT This article will work around the concepts of the studies on intelligence and make a parallel between these core concepts correlating them with the study of military intelligence. For this it will be used in this work, examples in the context of World War II (1939-1945), more specifically using the case of German intelligence. In the course of this article, the author will work with central concepts of intelligence, such as: what is 1 Graduando em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI BH. E-mail: [email protected] 2 Professor orientador mestre em Engenharia de Produção (Estudos Estratégicos) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005). Coordenador do curso de Relações internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI BH. E-mail: [email protected]

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INTELIGÊNCIA MILITAR: UMA PERCEPÇAO DE CONCEITOS E GUERRA

Diego Henrique dos Reis e Araújo1

Rafael Oliveira de Ávila2

RESUMO

Este artigo trabalhará os conceitos em torno dos estudos sobre inteligência e fará um paralelo entre estes conceitos centrais correlacionando-os com o estudo sobre inteligência militar. Para isso fará uso, ao longo deste trabalho, de exemplos pautados no contexto histórico da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mais especificamente utilizando-se do exemplo alemão de inteligência neste período da guerra. Ao decorrer deste artigo, o autor trabalhará conceitos centrais sobre a temática da inteligência que são: O que é inteligência; quais são os mecanismos de captação de informação; o que significa o trabalho da análise de informação; e o que pode ser gerado após o tratamento e a análise das informações. Por fim, com o estudo deste tema, este artigo visa compreender qual é a capacidade e o alcance dos serviços de inteligência em um contexto bélico, e qual é relação entre serviço secreto e a derrota na guerra.

Palavras-chave: inteligência, inteligência militar, espionagem, captação, análise, Alemanha, Segunda Guerra.

ABSTRACT

This article will work around the concepts of the studies on intelligence and make a parallel between these core concepts correlating them with the study of military intelligence. For this it will be used in this work, examples in the context of World War II (1939-1945), more specifically using the case of German intelligence. In the course of this article, the author will work with central concepts of intelligence, such as: what is

1Graduando em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI BH.

E-mail: [email protected]

2Professor orientador mestre em Engenharia de Produção (Estudos Estratégicos) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005). Coordenador do curso de Relações internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI BH.

E-mail: [email protected]

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intelligence, what are the mechanisms of gathering information, what means the work of information analysis, and what can be generated after the treatment of information. Finally, this article seeks to understand what the intelligence is able to in a context of war, and what is the relationship between secret service and the defeat in war. Keywords: intelligence, military intelligence, espionage, gathering, analysis, Germany, Second World War

INTRODUÇÃO:

Há muito tempo a curiosidade sobre espionagem povoa o imaginário humano. A

concepção da idéia do espião como um indivíduo extremamente discreto, esperto e,

acima de tudo, oculto a todos os olhos está presente ao longo da história em muitas

obras literárias de romance, contando também como pano de fundo de inúmeras

filmografias3 (KEEGAN, 2003, p.19-23). Muitas vezes, devido às proposições citadas

anteriormente, ocorre confusão no entendimento entre espionagem e serviço de

inteligência, sendo assim buscaremos o entendimento do que realmente seja a definição

de espião e de inteligência ao longo deste artigo.

Este trabalho buscará, também, discutir a relação entre os conceitos de inteligência

pautados por um “quadro” que toma como exemplo o serviço de inteligência alemão na

Segunda Guerra Mundial (1939- 1945). O artigo, então, focará na inteligência como

fonte de informação militar que auxilia o tomador de decisão a solucionar ou

compreender melhor determinadas incertezas sobre as ações do inimigo e como reagir a

estas incertezas. Tem-se aqui o que é para este artigo o seu ponto central, que é a

tentativa de entender e responder qual é relação entre serviço secreto e a derrota na

guerra? Existe esta relação? Se sim, qual é esta relação?

No que tange o acervo bibliográfico que trata da área de inteligência, pode-se dizer

que se encontra em um estado “embrionário” no Brasil, e no que se refere a literatura

estrangeira o estudo da inteligência já possui algumas discussões mais avançadas sobre

conceitos, estruturas e métodos de ação. Apesar da quantidade de estudos produzidos e

da importância que a literatura estrangeira proporciona, como destaca Keegan (2006, p.

19) na seguinte afirmação “A julgar pelo o volume da literatura existente sobre o

3 Pode-se citar alguns filmes tais como: 007, A Rede, Nação do Medo, Supremacia Bourne, Jogo de Espiões, O Alfaiate do Panamá, entre outros.

3

assunto [inteligência], sua importância é realmente grande”, as fontes sobre

inteligência muito raramente buscam adentrar no estudo de inteligência militar4.

Partindo desta observação, este artigo contará com produções que, apesar de não serem

pautadas no estudo militar, auxiliaram para o entendimento da dinâmica dos serviços

secretos e, assim, a discussão pode ser transposta para o objeto deste artigo que é o

estudo da inteligência militar.

É importante ressaltar o possível “desinteresse” da academia brasileira no

tratamento dos estudos de inteligência militar. Segundo Antunes (2002), a abordagem

sobre tal tema está, ainda, sobre efeitos de uma memória de opressão militar pautada

pelo estigma do medo que perdurou do inicio dos anos de 1960 até fim dos anos de

1980. Além disso, como aponta Antunes (2002), as fontes e a documentação nacional

sobre tal assunto é escassa e pouco acessível ao domínio público5. A respeito da

bibliografia nacional, além de Antunes (2002), o artigo contará com a obra de Cepik

(2003), que busca fazer relação entre inteligência e democracia, e apesar de seu foco

não estar no âmbito militar, seu trabalho será de grande valia para articulação de alguns

conceitos6.

O trabalho contará com a base conceitual das Relações Internacionais, pois este

artigo parte do entendimento weberiano de Estado, que pressupõe que o Estado tem

plenos poderes e atributos sobre monopólio legitimo do uso de força. Sendo assim, uma

das formas do Estado sobreviver no ambiente internacional anárquico, competitivo e

tendenciosamente agressivo é através do bom domínio de informação.

Ao escolher fazer uso do exemplo da inteligência alemã este trabalho, pauta-se do

exemplo de um período histórico que foi crucial para evolução das técnicas e que

representa, provavelmente, a gênesis para os estudos mais modernos no campo. Este

momento histórico foi de tamanha importância de tal modo que autores, como Keegan

(2006), dizem que os serviços de inteligência contribuíram de forma significativa na

4 O autor toma a liberdade de fazer tal afirmação partindo dos resultados obtidos na pesquisa de uma revisão bibliográfica sobre o assunto: inteligência militar.

5 Sobre uma análise histórica pautada por acesso à raras documentações oficiais- do processo de formação do serviço secreto brasileiro ver: “Ministério do Silencio: a história do serviço secreto brasileiro de Washington Luis a Lula”. (FIGUEIREDO, 2005)

6 A revisão da literatura realizada para a feitura deste artigo se baseou predominantemente em produções em língua inglesa, principalmente de origem norte americana. Este fator foi crucial para se fazer as considerações sobre a produção brasileira de conhecimento na área de inteligência que comparativamente ainda é muito insipiente.

4

condução e desfecho da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Isso gera a necessidade

de se entender o papel que os serviços secretos podem exercer em períodos beligerantes.

A importância dada à área de conhecimento da inteligência militar é muito pequena

nos atuais estudos da área, sendo que, sua devida relevância emerge somente em

momentos de guerra, assim como é colocado por James F. Dunningan: “It´s easy to

forget in peacetime how crucial good inteligence is during wartime”. (DUNNINGAN,

2003, p. 325)

Ao longo das discussões este trabalho estará pautado pelo entendimento que a

inteligência se diferencia de todas as outras formas de obtenção de informação a partir

de um ponto de vista operacional. Assim como aponta Cepik (2003):

“Do ponto de vista operacional, os critérios mais importantes para a distinção

entre inteligência e outros tipos de aquisição de informações são o grau de

intervenção humana requerido para a análise e a disseminação dos dados

obtidos, associados ao grau de vulnerabilidade das fontes de informação às

contramedidas de segurança e à conseqüente necessidade de segredo para a

proteção das atividades de inteligência”. (CEPIK, 2003, p.36)

Na busca de produzir conhecimento na área referente aos estudos sobre inteligência

militar, e pautado pelos breves conceitos pontuados nesta introdução, este artigo

articulará conceitos como: 1) O que é inteligência?; 2) Mecanismos de Capitação

Informação - neste tópico do texto será explanado tanto características e conceitos das

formas humanas de obtenção de informação quanto os meios técnicos de obtenção de

informação; 3) Análise de Informação; 4) Pacote Final- quais são os resultados obtidos

pelo processo de Análise e como se dá a distribuição do produto final da análise; 5)

Conclusões Finais.

Este artigo ao propor um estudo sobre inteligência militar com respaldo de

exemplos do serviço secreto nazista está fadado a questionamentos iniciais como: Foi o

serviço de inteligência alemão um dos fatores ou se não o principal fator para a derrota

nazista? Há relação entre o fracasso alemão e seu serviço de inteligência? o que se pode

aproveitar de um serviço secreto de uma potência derrotada? Tais questionamentos é

5

que fizeram aflorar o interesse e a curiosidade do estudo sobre a espionagem e seus

principais conceitos para a produção deste artigo7.

Para então entendermos um pouco destas indagações e das relações entre os

conceitos de inteligência e os exemplos do serviço de inteligência alemão, deve-se

iniciar esta discussão em torno de: O que é Inteligência?

O QUE É INTELIGENCIA? QUAL É SUA FUNCÃO NA GUERRA?

De um modo mais amplo, inteligência consiste na obtenção de informação sobre seu

oponente de maneira mais ágil e oportuna, e ao mesmo tempo prevenindo-se de que tal

oponente faça o mesmo (DUNNINGAN, 2003, p.316). Isso quer dizer, segundo

Shulsky (2002), que inteligência refere-se a toda informação relevante para governos e

tomadores de decisão, tanto políticos quanto militares, em concomitância com as

potenciais ameaças de um adversário8.

A estrutura organizacional e como é hierarquizado desde o requerimento sobre

determinado assunto até a entrega da informação é o que molda os serviços secretos.

Esta estrutura é conhecida na literatura sobre intel9 como ciclo de inteligência.

O ciclo de inteligência consiste basicamente num conjunto de passos ou etapas, que

dependendo da situação se apresentam mais ou menos burocratizadas10, exercendo

funções específicas no interior dos serviços de inteligência. Segundo Cepik (2003,

p.32), é possível destacar até dez etapas que caracterizam o ciclo de inteligência: 1)

requerimentos informacionais; 2) planejamento; 3) gerenciamento dos meios técnicos

de coleta; 4) coleta a partir de fontes singulares; 5) processamento; 6) análise das 7 O autor busca apenas descrever um importante momento histórico na busca de uma boa ilustração sobre o assunto tratado no artigo. O autor, também, buscará uma neutralidade ao passo que possíveis exaltações não exprimem ligações às ideologias difundidas no período nazista, visto que não há possibilidade de se santificar uma ideologia moralmente repudiante.

8 Inteligência, no entanto, pode ser definida de forma mais precisa do que foi apontado por Dunningan (2003) e por Shulsky (2002), de acordo com Cepik (2003, p.27) inteligência é toda informação coletada, organizada ou analisada para atender às demandas de um tomador de decisões qualquer. Percebe-se, então que, a atividade de inteligência envolve a coleta, análise e tratamento de dados, de forma que a partir do momento que existe esses três elementos no tratamento da informação ela passa assim a ser considerada conhecimento e conseqüentemente inteligência.

9 O campo de estudo de inteligência é também referido como Intel na literatura

10 O grau de burocratização do ciclo de inteligência é variável de acordo com as capacidades e necessidades temporais dos serviços secretos, do Estado ou do valor que os tomadores de decisão dão a este órgão.

6

informações obtidas de fontes diversas; 7) produção de relatórios, informes e estudo; 8)

disseminação dos produtos; 9) consumo pelos usuários; 10) avaliação (feedback)11 .

Percebemos então que o ciclo de inteligência caracteriza-se por ser uma “descrição

do processo no qual as informações coletadas principalmente pelas agências de

inteligência são postas à disposição de seus usuários” (ANTUNES, 2002, p.31). Esse

processo pode ser basicamente, definido em duas etapas principais que são: a coleta e a

análise.

A coleta é feita por agências especializadas que são responsáveis por adquirir tipos

específicos de dados. Pode-se citar, por exemplo, diferentes agências com

especialidades técnicas tais como foto-reconhecimento, espionagem e criptoanálise. No

âmbito dos serviços secretos as atividades de coleta são provavelmente as mais

custosas12 e são as responsáveis por gerar inúmeras informações que serão filtradas pela

área de análise.

No que tange os estudos referentes aos serviços secretos e ao seu ciclo de

inteligência, a literatura várias vezes busca exemplificar seu funcionamento através de

diagramas. Faz-se importante destacar, então, o estudo sobre como pode-se dar o fluxo

informacional no âmbito do ciclo de inteligência e a interação entre agências

especializadas. Por Behrman (2003): (ver Figura 1.)

Apesar de ser um experimento virtual da dinâmica do fluxo de informação entre as

agências de inteligência feito por Behrman (2003)13, este diagrama auxilia na

11 De forma mais simples pode-se entender alguns desses processos a partir das definições dadas por Keegan (2003 p.35-36): Aquisição, que pode ser obtida de inúmeras formas, desde a aquisição de informações que circulam livremente como jornais, publicações acadêmicas e mapas, a meios clandestinos; Entrega este talvez seja um dos elementos mais complicados, pois, aquele que está transmitindo o material coletado pode estar sendo vigiado ou pode estar sendo interceptado. Além disso, o transmissor está sempre sobre a pressão do envio de informação de forma mais urgente, principalmente porque a informação pode ser perecível e se não enviada rapidamente pode ser ultrapassada pelos acontecimentos; Aceitação, a informação recebida deve possuir credibilidade, assim sendo os agentes que oferecem seus serviços devem possuir credenciais adequadas, pois, ao contrario, podem-se configurar como agentes duplos; Interpretação, como já dito anteriormente, a informação chega em fragmentos que devem ser unidos e interpretados de forma mais eficiente possível; Implementação, não só a interpretação deve ser feita de forma confiável mas também deve convencer aos superiores que aquelas informações são relevantes e confiáveis, pois apenas assim que ações mais concretas vão ser tomadas pelos tomadores de decisão.

12 “As atividades especializadas de coleta absorvem entre 80 a 90% dos investimentos governamentais na área de inteligência nos países centrais do sistema internacional” (Cepik apud Jonhson, 1985, p. 181-198)

13 Behrman (2003, p.4-6) define: “Decision maker’ nodes are responsible for tasking intelligence organization assets to collect needed information. In the figure above, each agency has a decision maker responsible or tasking actors, processors, databases, and collectors controlled by its agency or another agency. Collectors represent the input stream of data into the organization. Collectors can respond to

7

compreensão das possibilidades da dinâmica informacional tanto do ponto de quem as

necessita (tomadores de decisão) quanto do ponto de quem coleta e responde (coletores

e analistas) às necessidades dos tomadores de decisão.

É interessante salientar que a aquisição de informações sobre o adversário nem

sempre se caracteriza por informações extremamente ocultas. Tais informações, apesar

de não serem muito protegidas, são de importante valia como, por exemplo, a aquisição

specific tasks or generate random reports (to represent organization perception of environmental events) corresponding to their criteria parameter. Processors represent the analytic functions of intelligence organizations. In the simulation, processors condense various reports into single reports that contain more information (and are thus more valuable for decision makers to read) Databases represent organizational memory – processors or decision makers can task databases to send stored or outdated reports should organizational parameters, routing rules, or interagency cooperation rules require.”

Figura 1. Simulação da Dinâmica do fluxo de Informação. Fonte: BEHRMAN, Robert. CARLEY, Kathlenn. Modeling the Structure and Effectiveness of Intelligence Organizations: Dynamic Information Flow Simulation. Pittsburg: Carnegie Mellon University, 2003)

8

de informações a respeito de desenvolvimentos sociais, estatísticas econômicas,

estatísticas demográficas e também políticas adotadas em âmbito interno. (CEPIK,

2003)

No estudo de inteligência o termo utilizado para referir-se a estas informações de

obtenção relativamente simples é chamado de “open sources” (ou fontes abertas).

Assim, para a inteligência obter estas informações pode não ser tão simples como se

parece, como ressalta Shulsky (2002) ao dizer que, a obtenção de informações a partir

de um Estado democrático demonstra-se muito mais simples e acessível do que em um

Estado dominado por um sistema de poder totalitário ou autoritário, pois estes últimos

esforçam-se freqüentemente para esconder assuntos como suas políticas internas,

desenvolvimento econômico ou mesmo tendências sociais14.

Pode-se dizer que, atualmente, o campo de atuação da inteligência compromete-se

com atividades de longo alcance, ou seja, são atividades que buscam compreender um

largo espectro de obtenção de informação sendo eles tanto através de ações nos mais

variados pontos geográficos quanto as mais vastas possibilidades de aquisição

informacional. Para a verificação de tal afirmação pode-se citar vários métodos

utilizados para a coleta de informação como, por exemplo, a espionagem, fotografia

aérea e interceptação de comunicações (SHULSKY, 2002).

Além da coleta, a inteligência necessita desenvolver outras atividades tão

importantes quanto à obtenção de informação, e uma dessas atividades, é a técnica de

análise do conteúdo obtido pelos meios de captação de informação. A relevância de tal

atividade no serviço secreto é consideravelmente grande, pois, é a análise que vai fazer

as ligações de fragmentos de informações que chegam através de várias fontes com o

objetivo de formar um “pano de fundo coerente”, e assim gerar conhecimento àqueles

que fizeram o requerimento informacional, que são os tomadores de decisão. Sendo

assim o intérprete de informação tem a responsabilidade de julgar a relevância e a

conexão entre informações que chegam de várias fontes15. Pode-se perceber então que

em vários momentos este profissional deverá contar com elementos menos técnicos para

14 Os meios de aquisição de informação serão tratados mais adiante neste artigo.

15 As fontes de inteligência serão estudadas mais adiante neste texto.

9

exercer sua função como, por exemplo, o uso de sua intuição em relação a um contexto

um pouco mais obscuro. (KEEGAN, 2003)16.

É importante, também, compreender, através de um breve relato histórico, como

evoluíram os processos em relação à captação de informação para o auxilio em fins

militares17. “Desde os tempos mais remotos, os líderes militares sempre procuraram

obter informações sobre o inimigo, seus pontos fortes e suas debilidades, suas intenções

e sua organização bélica” (KEEGAN, 2003, pag.25). Pode-se destacar, em princípio,

Alexandre, o Grande, que conquistou inúmeras terras durante suas campanhas.

Alexandre, ainda menino, insistentemente perguntava aos visitantes estrangeiros a

respeito do tamanho da população em seus países, da produtividade do solo, da direção

dos rios e estradas que os atravessavam, da localização das cidades, baías e praças

fortificadas e da identidade dos cidadãos importantes (KEEGAN, 2003). O futuro rei da

macedônia coletava o que se chama hoje de inteligência estratégica18.

Ainda relativo a este processo pode-se explicar o grande interesse romano em

coletar informações, assim como Alexandre. César buscou fazer, aliado ao seu poderio

bélico, o melhor uso possível das informações. César com as aquisições de informação

“acumulou conhecimento etnográficos pormenorizados sobre as características e as

dissensões tribais de seus adversários, os quais utilizou de forma impiedosa para

derrotá-los” (KEEGAN, 2003, P. 26). O imperador romano, astutamente, elaborou um

sistema de inteligência que pautava-se em “batedores de médio e curto alcance para

fazer o reconhecimento de até trinta quilômetros adiante do corpo principal de marcha,

a fim de espionar o território e a disposição militar do inimigo” durante suas

campanhas. (Idem). O exército romano utilizava dos batedores e também fazia uso de

informantes locais, prisioneiros de guerra, desertores e civis seqüestrados. (Keegan

apud N. Austin e N. Rankov, 2003, p.28)

16 Este artigo dará uma maior atenção em relação ao processo de análise e ao staff desta área e suas características mais adiante neste artigo.

17Segundo Cepik (2003, p.95), relatos sobre o uso de espiões militares remontam ao velho testamento da bíblia, assim como figuram prescritivamente no manual Sun Tzu sobre a arte da guerra escrito no começo do século IV a.C. Sobre discussão da inteligência em contexto bíblico ver: Allegretti, (2005, p.59-74)

18 De uma forma mais simplista inteligência estratégica é a união e análise de informações obtidas de todas as fontes de informação militar para a montagem uma percepção clara sobre as situações e futuras projeções para a condução da guerra. Este conceito será melhor explanado mais adiante neste artigo. (DUNNINGAN, 2003)

10

Segundo Keegan (2003), o sistema de aquisição de informação pouco muda nos

séculos seguintes ao apogeu romano (entre os séculos I a.c e IV d.C). A base de

obtenção de informação sobre o inimigo continua a ser pautada por reconhecimento de

terreno que era feito por observação visual, comunicação oral ou despachos escritos, e

com uma velocidade relativa a um cavalo rápido.

Segundo Cepik (2003, p.95), “foi somente com as mudanças radicais introduzidas

na área militar durante o período da Revolução Francesa e de Napoleão Bonaparte

que começou a mudar o significado de inteligência para o comando [militar]”.

Napoleão implantou um sistema móvel de quartel-general, possuindo um bureau de

estatísticas encarregado da inteligência estratégica sobre os inimigos, bem como um

bureau topográfico, encarregado por recolher informações das mais variadas fontes e

prepará-las, inclusive em formas cartográficas para que fossem as estudasse

diariamente. Napoleão fez uso da inteligência de tal forma como nunca havia sido feita

antes na história, fazendo uso de envio de agentes em missões especiais, implantação de

seus bureaux moveis, etc. Porém, deve-se destacar que as tecnologias disponíveis para o

uso de captação de inteligência no período napoleônico permaneciam em grande medida

as mesmas da antiguidade.

Segundo van Creveld (apud Cepik, 2003, p. 96), Napoleão era seu próprio oficial de

inteligência, e tinha como característica uma enorme capacidade para analisar e

processar informações. Tais características acarretavam na eliminação de muitos passos

e camadas organizacionais intermediárias, sendo este fator que, provavelmente, ajude a

explicar a velocidade, sua forma única de tomar decisões e de fazer guerra. Segundo o

próprio Creveld (1985) esta característica de Napoleão pode ser entendida como uma

fragilidade de seu processo de comando, visto que tais características poderiam induzir

a tomadas de decisões repentinas, baseadas mais em desejos do que na análise de

informações. No entanto, apesar dos problemas, “a mudança na utilização da

inteligência foi parte integrante da revolução nas estruturas de comando iniciadas

pelas guerras napoleônicas e que duraria praticamente até o fim da I Guerra Mundial

”(CEPIK, 2003, p.96)

De acordo com Creveld (apud CEPIK, 2003, p. 96), até o começo do século XX não

existia uma especialização completa de funções divididas entre as seções de operações,

doutrina e inteligência. Somente com a experiência da I Guerra Mundial é que surgiu

uma maior especialização, principalmente em relação às funções de inteligência

11

exercidas pelos bureaux militares de estatística e topografia. Em relação às disputas

pelo controle sobre os fluxos de informações, a precária especialização e coordenação

de equipes de analistas configuraram-se como problema em relação à Intel militar até a

II Guerra Mundial. (CEPIK, 2003). A partir daí, passa-se a sistematizar de forma mais

concreta a organização da inteligência para o uso na guerra.

Informação imediata e a longo prazo na guerra

Ao tratar de serviço de inteligência, é necessário entender que a dinâmica

informacional pode provocar determinadas tomadas de decisões que podem gerar

alterações significativas na condução da guerra.. Um exemplo que pode ser dado em

relação à possibilidade de alterações na condução da guerra é quando se detecta o

surgimento de alguma nova potente arma, de algum equipamento mais avançado

tecnologicamente ou movimentação inesperada do oponente.

No que se refere à dinâmica de informações na guerra podemos destacar três

camadas distintas que cercam os serviços de inteligência. Primeiramente, destaca-se a

inteligência estratégica, esta camada tem por objetivo cobrir sobre tudo que o inimigo

seja capaz de fazer. As informações que chegam a este nível devem ser simplificadas e

generalizadas para os oficiais senior, isso implica que todas as informações coletadas

em outros níveis passam pela inteligência estratégica para serem analisadas de acordo

com suas devidas implicações. Isso quer dizer que, as informações que chegam nesta

camada têm por objetivo influenciar na tomada de decisão da condução de toda a

guerra. Entende-se, então, que a formulação de um quadro claro sobre determinadas

situações, neste nível, só é possível depois de um considerável tempo coletando e

analisando inúmeras informações que chegam dos níveis inferiores. (DUNNINGAN,

2003, p.316-317)

A respeito da inteligência estratégica podemos ilustrar como ela ocorre tomando o

exemplo da organização alemã na guerra. As agências especializadas de inteligência da

Alemanha na Segunda Guerra recebiam um volume relativamente grande de material

proveniente de fontes tais como diplomatas em missões estrangeiras, transmissões de

rádio, fotografias, relatórios, documentos e jornais dos mais variados lugares. O grande

volume de material que chegava era diariamente traduzido e depois era usado como

fonte de análise para formulação de relatórios das mais diversas agências de

12

inteligência. Os relatórios dessas agências eram passados para o comandante

responsável de cada agência que os lia e formulava um memorando que era enviado

para o comando geral da inteligência alemã, este ultimo produzia um relatório mais

simplificado sobre os resultado obtidos nas mais variadas agências da inteligência e o

enviava para o comando geral das forças armadas da Alemanha e finalmente a Hitler. O

material que chegava às mãos de Hitler era muito reduzido, pois, os relatórios diários

vindos da inteligência tinham que ser breves na medida em que ele os lia em apenas

alguns minutos19. Era então com esses relatórios que Hitler junto a seus Comandantes

chefes, formulava as prospecções para a guerra.

Em segundo lugar, tem-se a inteligência operacional. Nesta camada tende-se a tratar

as informações com maior detalhamento, principalmente porque tem como função

abranger regiões mais específicas. (Ex: Continente Europeu, Oceano Atlântico, leste da

África.). Freqüentemente estas informações são divididas por atividades como:

operações aéreas, navais, terrestres; econômia, política, etc. Por conter tais

características, as equipes da inteligência estratégica sempre mantêm contato com a

equipe da inteligência operacional. Percebe-se então que este nível se assemelha muito

com o nível anterior, mas com pretensões mais detalhistas e específicas de determinadas

áreas, tendo então que ter uma atualização de informações mais freqüente do que o nível

estratégico.

Por fim, destaca-se a inteligência tática. Conhecida, também, como inteligência do

campo de batalha. Este nível caracteriza-se por obter informações muito detalhadas e de

necessidade de uso imediato. A aquisição de informação neste nível é feita pelo menos

algumas vezes ao dia para que ela possa ser útil. Este nível coleta informações como

número de baixas em campo de batalha, equipamentos utilizados pelos inimigos,

movimentação de tropas, etc. Tais informações analisadas são transmitidas o mais

rápido possível para os níveis operacional e estratégico para que em resposta eles

analisem as implicações de cada situação tática. Sendo assim pode-se perceber que a

agilidade é um dos fatores principais para o bom funcionamento deste nível, visto que

as informações são altamente perecíveis ou altamente mutáveis.

19 Segundo Kahn (2000), os relatórios e reuniões que eram feitas com Hitler com o objetivo de esclarecer o quadro geral da situação da guerra muito raramente mencionava informações vindas de prisioneiros de guerra. Percebe-se então o grau de refinamento de informações que chegavam a suas mãos.

13

A inteligência alemã possuía dois braços principais em relação à obtenção de

informação no campo de batalha, que se diferenciavam em relação a atuação dos teatros

de operações sendo um responsável pelo front leste e outro a oeste. Os meios de

obtenção de informação nos campos de batalha se diversificavam de acordo com as

necessidades informacionais. O primeiro exemplo é o uso de agentes que eram lançados

através do uso de pára-quedas em pleno campo inimigo para a coleta de informação

sobre movimentação, quantidade e qualidade (tipos de equipamentos usados) do

exército, e se possível coletava-se alguns equipamentos (rádios, armas, equipamento de

carros, uniformes, etc)

Outro meio de aquisição era através do interrogatório de prisioneiros ou desertores.

Durante a captura, os soldados alemães desarmavam seus prisioneiros, separava os

oficiais dos demais homens e tomavam seus documentos. No posto da divisão, os

prisioneiros já eram questionados sobre qual divisão eles pertenciam, onde estavam

localizados os campos minados, onde estavam posicionadas as metralhadora e armas

antitanque, quantos tanques possuíam, entre outras questões relativas à situação de

batalha. Se as informações fossem muito importantes o posto enviava o prisioneiro e

seus documentos diretamente para a divisão. Somente no momento em que o prisioneiro

era enviado para a divisão é que entrava, pela primeira vez, o trabalho do oficial de

inteligência. (KAHN, 2000)

Em relação às técnicas utilizadas pelos oficiais nos interrogatórios, estas variavam

de acordo com o teatro de operações. No leste nenhuma técnica de interrogação era

necessária a princípio, pois o medo fazia este trabalho. Os russos sabiam que a

Convenção de Genebra não os protegia das atrocidades de seu agressor, devido a isto

cerca de 97 % dos prisioneiros falavam abertamente na esperança de obter clemência

dos nazistas20. Já no teatro de operações a oeste, os prisioneiros, após serem capturados,

tinham o medo dissipado por obterem um tratamento mais humano. Os alemães, por

possuírem uma afinidade maior com a percepção ocidental, mantinham um certo

20 Somente em 1943 com a mudança dos rumos da guerra é que fez muito dos prisioneiros russos permanecerem em silencio, e só a partir daí que os Alemães cultivaram suas técnicas de interrogação. Kahn (200)

14

respeito com os prisioneiros, que eram obrigados, apenas, a fornecer seus nomes e

patentes, podendo recusar-se a dar maiores informações21. (KAHN, 2000)

A grande contribuição dos prisioneiros de guerra para o alto comando foi o fato de

simplesmente saber sobre a identificação das unidades. Esse tipo de informação

individualmente significa muito pouco, mas o conjunto de inúmeras identificações de

unidades ajudaram a construir uma lógica da ordem de batalha inimiga.

Por fim, o processo de conhecimento a respeito do inimigo durante a guerra é

destacado por Cepik (2003) como um processo continuum entre informações de

combate e inteligência. Cepik (2003) aponta que algumas especificidades marcam a

atividade de inteligência, sendo a mais obvia o grau de controle que as organizações

possuem sobre cada tipo de fluxo informacional. Destaca, também, que os dados

obtidos em batalha são, geralmente, controlados pelos Staffs de operações22 das

estruturas de comando das forças e que tais informações poucas vezes compõem-se

como elementos de relatórios de inteligência, principalmente porque as informações de

batalha podem ser muito perecíveis e demandarem uma resposta imediata por parte do

exército. As chamadas informações de combate permanecem, praticamente, como uma

atividade distinta das atividades de inteligência segundo Cepik (2003).

ABWEHR23

A estrutura organizacional do período de Hitler sobre o comando da Alemanha

caracterizou-se por ser uma estrutura de comando hierárquica na qual todos os setores

tinham de obedecer aos desejos de um chefe maior que era o próprio Hitler. Dentro

desta estrutura hierárquica encontravam-se as agências de inteligências da Alemanha

nazista. (Ver Figura do anexo)

A grande estrutura de inteligência alemã era controlada por um organismo chamado

Abwehr. O termo “Abwehr” não se refere de forma alguma a conceitos de inteligência

ou informação. O primeiro elemento a se destacar é “wehr” que remonta a uma forma

21 Para os primeiro anos da guerra a inteligência alemã baseava seus interrogatórios em um simples roteiro de perguntas. Essas perguntas eram relativas à: nome, patente, participação política, regimento, divisão, rota do regimento até o front, armamento, roupas, suprimentos. (KAHN, 2000)

22 Isso significa que o controle informacional no campo de batalha é feito por oficiais das forças e não pelo serviço de inteligência propriamente dito. (CEPIK, 2003, p.30-31)

23 Nome do serviço de secreto do exército alemão, ativo de 1925 a 1944. (KAHN, 2000)

15

lingüística indo-européia que significa barragem, essencialmente isso singnifica “defesa,

proteção”. Já o termo ab- é um cognato da palavra “de” ou “originário de”,

essencialmente isso significa “distante” ou “fora”. Segundo Kahn (2000, p.224), essa

união de termos remonta a idéia de “desvio”, termo segundo o autor que seria melhor

empregado se utilizado como o nome para o serviço de contra-espionagem somente.

Mas o Abwehr consistia não só como organismo de proteção, mas também como

organismo de aquisição de informação, sendo que seu campo de atuação era

basicamente fora das fronteiras da Alemanha.

O Abwehr era um órgão mantenedor de algumas “ramificações” que consistia em

agências especializadas do serviço secreto, mas com subordinação ao comando geral do

Abwehr24. Essas ramificações ou sub-agências eram responsáveis por controlar e

expandir os postos e sub-postos de inteligência sobre os territórios ocupados, sendo que

cada ramificação era responsável por algum tipo específico de inteligência. A

espionagem militar era de responsabilidade do Abwehr I, sendo que cada setor militar

(marinha, aeronáutica e exército) possuía sua própria inteligência. Já questões sobre

sabotagem e levantes de minorias eram de responsabilidade do Abwehr II. Por fim a

ramificação responsável pelo controle de contra-espionagem era a Abwehr III25.

(KAHN, 2000)

Percebemos então que o Abwehr I era a ramificação responsável por uma ação mais

ofensiva em relação às outras ramificações da inteligência alemã, principalmente porque

era ela a responsável por envio de agentes ao exterior e pelo controle da inteligência

militar. Outra ramificação que auxiliará na compreensão deste trabalho é a Abwehr III

que busca a defesa através do uso da contra-inteligência, dentro território alemão, contra

forças inimigas que tentam obter as mais diversas informações.

24

É válido salientar a figura de Canáris, controlador e chefe maior das organizações de inteligência no período da Segunda Guerra Mundial. Canaris, figura relativamente conhecida por ter sido um ex-combatente da I Guerra Mundial, tomou controle da organização de inteligência alemã antes da guerra estourar (1934) e desde então foi responsável pela estruturação de todo o mecanismo de inteligência alemão conhecido na II Guerra Mundial. (KAHN, 200, p. 223-250)

25 Kahn (2000) ao longo de seu livro nos auxilia a entender como se organizava a inteligência alemã. Sobre as funções mais especificas das ramificações do Abwehr (I, II, III). Ssegue abaixo:Abwehr: I. Foreign Intelligence Collection (further subdivided by letter eg. I-Ht);G - false documents, photos, inks, passports, chemicals; H West - army west (Anglo-American Army intelligence);H Ost - army east (Soviet Army intelligence);Ht - technical army intelligence; i - communications- design of wireless sets, wireless operators; L - air intelligence; M - naval intelligence; T/lw - technical air intelligence; Wi - economic intelligence. II. Sabotage .III. Counter-intelligence division- responsible for counter-intelligence operations in German industry, planting false information, penetration of foreign intelligence services and investigating acts of sabotage on German soil.

16

MECANISMOS DE CAPTAÇÃO DA INFORMAÇÃO

O estudo de inteligência, em relação à captação de informação, está respaldado por

disciplinas muito bem definidas e especializadas e que são freqüentemente abordadas,

segundo a literatura internacional, através de uma terminologia derivada do uso norte-

americano (CEPIK, 2003). Os organismos secretos contam com um leque considerável

de disciplinas que possibilitam a obtenção de dados, mas que, apesar desta aparente

“facilidade” de aquisição de informação tais organismos enfrentam obstáculos que lhes

põem à prova sua relativa utilidade, eficiência, confiabilidade e agilidade.

As pontuações que se seguirão nesta seção do artigo buscarão o esclarecimento

conceitual sobre quais são as disciplinas de Intel e, em concomitância, buscar-se-á, na

medida do possível, promover paralelos em relação a determinadas ações adotadas pelo

do serviço secreto alemão no período da II Guerra Mundial.

Inteligência Humana (humint)26

“A fonte de informação mais antiga e barata consiste nas próprias pessoas que têm acesso aos temas sobre os quais é necessário conhecer.” (CEPIK, 2003, p.36)

Nos estudo sobre inteligência o uso do termo humint é feito devido ao forte valor e o

alto custo aplicado sobre a terminologia “espionagem”, visto que ao se usar o termo

humint questões políticas e legais são “aliviadas”. Além dos fatores citados, a utilização

do termo tem como propósito indicar que a inteligência obtida a partir de fontes

humanas está além das interpretações sobre espionagem. (CEPIK, 2003)

No que diz respeito às fontes da inteligência humana, podemos utilizar a noção de

grau ou pirâmide de sensitividade, quantidade e valor informacional desenvolvida por

Michael Herman (1996)27. Na base da pirâmide de humint encontram-se as fontes com

acesso às informações de menor sensitividade e valor isoladamente. Apesar disto,

26 Termo pautado a partir do uso norte-americano para designar a disciplina: “Human intelligence”. Que é o uso de recursos humanos como fonte de capitação de informação.

27 Entende-se por sensitividade o grau de interferência que a informação pode sofrer e quão límpida e transparente é esta informação. Já a quantidade, refere-se ao volume de informação que uma determina fonte é capaz de transmitir. E por fim, valor entende-se por quão importante são as informações, transmitidas por determinado tipo fonte, para auxilio na produção de conhecimento. (CEPIK, 2003)

17

transmitem com abundância e com informalidade os dados captados ajudando, assim, a

montar o quebra-cabeça representado por um alvo ou problema. Os serviços secretos

constantemente utilizam-se de entrevistas com pessoas que tem acesso a países ou áreas

“negadas” 28; geralmente essas pessoas são turistas, especialistas acadêmicos, contatos

de negócios ou até mesmo refugiados ou indivíduos oriundos de minorias oprimidas. No

que cerca esta classificação pode-se destacar que em períodos de guerra uma importante

fonte de informações são as próprias populações de áreas ocupadas e os prisioneiros de

guerra29 (POWs - Prisoners of War) interrogados pelas unidades de inteligência das

Forças Armadas.

Uma forma muito comum de adquirir informantes para o serviço secreto alemão era

através de viajantes, simpatizantes e possuidores de nacionalidade dupla, que visitavam

a Alemanha. Estes eram treinados, principalmente a respeito das técnicas de

comunicação, e reenviados aos seus países de origem, tornando-se assim informantes

sob o comando alemão.

Geralmente estes indivíduos transmitiam informações de conteúdo mais aberto e

acessível à população do país investigado. No período da segunda guerra as vezes

enviar os jornais ou artigos impressos do inimigo era muito complicado sendo muitas

vezes obrigado a usar meios não ortodoxos de envio dessas informações. Um exemplo

deste tipo de situação era o recebimento de informações advindo da Inglaterra e Estado

Unidos que tinham de ir primeiro para Portugal por meio de pescadores para que só

assim pudessem ser enviadas para os quartéis generais da inteligência alemã.

A segunda camada da pirâmide caracteriza-se por uma passagem de obtenção de

informação através de formas mais passivas para uma exploração das fontes de forma

mais ativa. Isso significa que as fontes encontram-se em informantes ad hoc, exilados

políticos, partidos de oposição, etc. O grau de clandestinidade com os contatos com esse

tipo de fonte, segundo o autor, pode sofrer variações, indo desde uma abordagem formal

para o provimento de informações especificas até a manipulação das fontes e a obtenção

de dados sem que o alvo tenha sequer consciência da ligação com um órgão secreto,

várias vezes disfarçado de contato jornalístico ou comercial.

28Áreas negadas são geralmente áreas de difícil penetração e conseqüentemente de difícil atuação de serviços secretos. (SHULSKY, 2002)

29Segundo Dunningan (2003, p.319): “Com os prisioneiros de guerra, você pode promover uma verificação cruzada sobre suas histórias para verificar se realmente ele está falando a verdade”.

18

O serviço secreto alemão (Abwehr) antes mesmo do início da guerra fazia o

recrutamento de espiões estrangeiros, esse recrutamento era feito de forma praticamente

aberta, pois, ofereciam, nos mais variados jornais estrangeiros, ofertas de empréstimos

ou empregos no serviço público alemão. As pessoas que pegavam os empréstimos

anunciados eram submetidas a altos juros e curtos prazos para pagar, assim muitos não

conseguiam pagar ao governo alemão, e era a partir daí que a inteligência alemã

aproveitava-se da situação, oferecendo lhes maiores prazos para o pagamento dos

empréstimos em troca de informações. Já os contratados para o serviço público tinham a

função de enviar informações em troca de um razoável salário. (KAHN, 2000)

O esforço alemão para o recrutamento de agentes era em torno da procura de

agentes com determinado estereótipos específicos, que era pautado em um agente

inteligente, emocionalmente estável e de bons nervos, fisicamente fortes e que

possuíssem conhecimento sobre a geografia do país alvo, costumes e língua. Porém os

agentes que eram recrutados, em sua maioria, possuíam apenas duas qualificações: eram

jovens ( tinham entre 20 e 30 anos) e vontade em servir a Alemanha. (KAHN, 2000)

Aqueles agentes recrutados para servir como fonte de informação em um país

estrangeiro muitas vezes enfrentavam um grande problema que era: como entrar no país

inimigo sem ser pego? Talvez a forma mais comum utilizada pelo Abwehr para inserção

de espiões de nacionalidade alemã em um país inimigo era o uso dos U-Boats

(submarinos alemães). Os agentes que eram introduzidos, por exemplo, na Inglaterra

eram transportados por submarinos até uma área menos vigiada e próxima à costa, se a

situação se apresentasse tranqüila os agentes pegavam um barco e remavam até a terra

firme. O maior problema enfrentado pelos espiões era de não saber exatamente onde

exatamente tinha desembarcado, outro problema era com a preocupação se eles não

haviam sido avistados por ninguém ou, também, se existia alguma emboscada para eles

ao chegarem à terra firme. (KAHN, 2000)

Por fim, no topo da pirâmide, encontram-se as fontes mais secretas. Estas fontes são

as que transmitem regularmente informações que podem não ser muito numerosas, mas

que tendem a ser de grande valor agregado e de alta sensitividade nos termos apontados

por Cepik (2003). Tais fontes são agentes regulares, conscientes de que espionam seu

próprio governo ou organização e fornecem informações, mais ou menos vitais para a

segurança nacional, para o serviço secreto estrangeiros. Este tipo de fonte pode se

caracterizar por serem tanto agentes recrutados pelos oficiais de inteligência quanto

19

pessoas que se voluntariam para desempenhar este papel (também conhecidos na

terminologia internacional como Walk-ins). O autor ressalta também os agentes

conhecidos como defector-in-place, que são aqueles agentes com posição privilegiada

como oficial de um governo ou líder de uma organização que decide mudar de lado e

permanece em suas funções fornecendo informações para seus novos controladores até

que seja apanhado ou possa evadir-se. (Herman apud Cepik, 2003, p.36-38)

O serviço de inteligência alemão investia no recrutamento de agentes duplos,

visando obter valiosas informações de dentro da estrutura da inteligência britânica.

Apesar dos esforços do Abwehr no recrutamento de espiões, o sucesso na utilização

deste recurso foi baixo. Segundo Kahn (2000, 367-370), a grande maioria dos agentes

que se passavam por agentes que trabalhavam em favor da Alemanha, na verdade

estavam sob o controle inglês e conseqüentemente manipulavam as informações que

eram enviadas aos quartéis de inteligência alemães.

O Agente Oficial e o Agente Espião

Primeiramente, deve-se entender qual é a raison d’être dos serviços de inteligência,

para isso podemos, de forma mais generalista, destacar a seguinte posição de Cepik

(2003):

Idealmente, os responsáveis pela tomada de decisão, sejam eles políticos eleitos, ministros, altos burocratas civis, comandantes militares ou chefes de polícia, identificam lacunas e necessidades informacionais, estabelecem prioridades e as transmitem para os dirigentes da área de inteligência. Estes, por sua vez, transformam aquelas necessidades percebidas pelos usuários em requerimentos informacionais para os setores responsáveis pela coleta e análise. (CEPIK, 2003, p.33)

Percebe-se então que o trabalho de todo o serviço secreto é pautado pelas

necessidades informacionais de um ou mais tomadores de decisão. Ao perceber as

necessidades dos tomadores de decisão, os serviços secretos calculam quais as melhores

formas de obter as informações necessárias, e, certamente, um dos meios mais

utilizados é o uso de fonte humana. Esta disciplina, que dispõe de seres humanos como

fonte de informação está envolvida por dois tipos de indivíduos que exercem papéis

diferentes: o “intelligence officer” (oficial de inteligência), que é aquele indivíduo

20

empregado por uma agência de serviço secreto, e a fonte30 que é o individuo que

fornece informação para o oficial para que este último possa assim transmitir dados para

o quartel general de inteligência. Geralmente, o intelligence officer, também conhecido

como manipulador (“handler”), mantém um grau de comunicação com o “source” a fim

de passar as instruções que chegam diretamente dos quartéis generais31. (SHULSKY,

2002, p.11-13)

O oficial de inteligência está sob uma grande tensão visto que eles precisam evitar

ao máximo chamar a atenção do governo em que está operando, sendo assim, o oficial

de inteligência não pode simplesmente divulgar livremente que está disposto a pagar

por informações secretas. Para que tal situação não aconteça e que nem o agente e nem

a missão fique evidenciada é necessário a utilização de “cobertura”32 (cover); no jargão

dos estudos de inteligência a cobertura significa um motivo plausível para se estar no

país com o pretexto de se ter contato direto com pessoas que possuem acesso a

informações sensíveis, assim sendo, justificando qualquer suporte financeiro a este

indivíduo. (SHULSKY, 2002)

A cobertura oficial é o ato de disfarçar um oficial de inteligência como, por

exemplo, um agente diplomático ou qualquer outro tipo de representação governamental

que normalmente seria alocado no exterior. Já a cobertura não-oficial diz respeito a

qualquer outro tipo de disfarce podendo ser representado como um empresário,

jornalista, turista, entre outros. É muito freqüente que aqueles sobre cobertura não-

oficial disfarcem sua nacionalidade e finja ser de alguma nacionalidade diferente

daquela que realmente é. (SHULSKY, 2002)

São muitas as vantagens quando se trata da utilização de cobertura oficial. Quando

o serviço secreto utiliza de uma ação de cobertura oficial, ele esta relativamente bem

protegido visto que possui o respaldo da imunidade diplomática sobre seu “espião”, e

caso ocorra a detecção das atividades de espionagem o país poderá, geralmente, contar

apenas com o respaldo do direito internacional de declarar o espião como persona non

30 Referidas também algumas vezes como “sources”

31 Atualmente o uso do termo “agente” para designar estes dois tipos de indivíduos é muito comum. Vide a nota feita por Shusky (2002, p.181) “Unfortunately, the commonly used term “agent” is ambiguous: it is usually refers to the source, although sometimes, as in the lexicon of the U.S Federal Bureau of Investigation (FBI), it refers rather to the intelligence officer”

32 Na terminologia americana é posta uma distinção entre os indivíduos que recebem cobertura em suas ações, essa distinção é feita entre cobertura “oficial” e “não-oficial”.

21

grata e assim extraditá-lo. Mas em situações de guerra, o respaldo legal pode ser, e

muitas vezes é, desobedecido, podendo gerar assim, conseqüências maiores para os

agentes sobre cobertura oficial se capturados. (Idem)

O oficial sobre o respaldo diplomático tem menores receios sobre a entrega de suas

informações ao quartel general, pois o envio do material recolhido pode ser feito através

de postal ou comunicação direta sem interferência ou violação por parte do país em que

se está instalada a embaixada. (SHULSKY, 2002)

O em relação àqueles agentes que são integrados ao corpo diplomático podemos

destacar a figura do attaché. Os attachés estão sob um respaldo de proteção similar ao

dos diplomatas, pois são funcionários oficiais do governo de que eles representam e

estão integrados a missão diplomática. Geralmente os attachés são experts em assuntos

militares e, por estarem atrelados ao corpo militar, possuem contato direto com as fontes

mais precisas de informação33. Os attachés são fontes de observação de movimentação e

treinamento do exército, campos de pouso, equipamentos, etc. (SHULSKY, 2002)

Antes de estourar a guerra, os diplomatas e attachés alocados nos países inimigos

obtinham informações sobre o seus exércitos através de formas abertas, isso significa

que eles tinham acesso a divulgações sobre as forças armadas, observavam as paradas

militares e conversavam com os oficiais. De acordo com Kahn (2000), no período

anterior a guerra, o que auxiliou o exército e a inteligência alemã a calcular o possível

poder de combate inimigo foram as informações provenientes dos attachés alocados

antes da guerra estourar em países inimigos. (KAHN, 2000, p.73).

Mas porque os diplomatas fazem este tipo de trabalho? Os diplomatas muitas vezes

são a única fonte de informações mais significativas sobre o inimigo. Quando se estoura

a guerra, as relações diplomáticas entre os Estado beligerantes cessam, porém existe

uma situação em que os diplomatas ainda conseguem obter, apesar de não tão

abundantes, informações sobre o inimigo. Essa situação caracteriza-se na manutenção

de relações diplomáticas com um terceiro país em que os Estados beligerantes ainda

mantêm contatos. Fica clara essa situação ao vermos que a Alemanha fez uso da

alocação de attachés e diplomatas na Espanha na busca de informações sobre Inglaterra,

Estados Unidos e Rússia. Sendo assim, o pessoal diplomático tem a oportunidade de

andar nas ruas, comprar roupas e comida, estar nas estações de trens, irem ao teatro, e

33 Os attachés podem ser experts de outras áreas como tecnologia, economia e cultura por exemplo.

22

conversarem com políticos e intelectuais na intenção de obter as maiores e mais valiosas

informações a respeito do inimigo. (KAHN, 2000, p.68-69).

Em contrapartida, o ponto fraco na utilização de diplomatas é que geralmente o

oficial sobre o respaldo diplomático está constantemente na mira do serviço de contra-

inteligência34 do país em que se está atuando e freqüentemente a contra-inteligência é

precisa sobre quais “diplomatas” são oficiais de inteligência e quais não são. Outro

problema enfrentado pela cobertura oficial é quando ocorre, por motivos de intensa

crise ou por guerra, a quebra de relações diplomáticas ocasionando a interrupção de

contatos diretos com fontes importantes como oficiais do governo, outros diplomatas e

burocratas. (SHULSKY,2002)

No que diz respeito à cobertura não-oficial pode-se dizer que esta é largamente

utilizada pelos serviços secretos, porém sua importância é ressaltada principalmente

quando a utilização de agentes sobre cobertura oficial se torna impossível. A utilização

de agentes sobre cobertura não-oficial (NOCs) é considerada mais abrangente em

relação ao seu maior contato com potenciais fontes de informação, já que os NOCs

podem ser alocados em várias estratificações da sociedade e exercendo os mais variados

tipos de profissões. Assim sendo, a descoberta de agentes sobre cobertura não-oficial se

apresenta muito mais complicada de ser identificada pelos serviços de contra-

inteligência. (SHULSKY, 2002)

As dificuldades de inserção e atuação destes agentes é relativamente alta, pois, em

muitas ocasiões, deve-se persuadir uma corporação ou uma organização privada a

permitir um oficial de inteligência se insira como um de seus membros de staff ou,

alternativamente, o estabelecimento de negócios que seja uma justificativa plausível

para a sua presença no país alvo. A comunicação entre oficial e quartel é ainda mais

difícil, pois os NOCs não têm as facilidades da comunicação feita pela embaixada,

podendo assim levantar suspeitas e tornando-se assim vulnerável. (SHULSKY, 2002)

Segundo Shulsky (2002), assim como se pode fazer distinção entre cobertura oficial

e não-oficial pode-se também fazer distinção entre os sources. A distinção básica está

entre a fonte na qual o intelligence officer, após preparar o terreno, ativamente o recruta

34 Contra-inteligência são as operações do serviço secreto nacional que buscam descobrir e impedir a “espionagem” promovida por serviços secretos estrangeiros. Este assunto será melhor retratado mais adiante neste artigo.

23

para o serviço na agência de inteligência e os Walk-ins, que são indivíduos que

voluntariosamente dão suporte ao serviço de inteligência estrangeiro.

As fontes recrutadas são geralmente consideradas mais confiáveis, já que o

oficialato da inteligência teve a oportunidade de estudar o caráter e a motivação antes

mesmo da tentativa de recrutamento desta fonte. Além deste esforço promovido pelos

recrutadores, as fontes recrutadas aparentemente são mais confiáveis visto que são

escolhidas por possuírem um contato ou acesso direto a importantes informações.

Por outro lado, os walk-ins são fontes de confiabilidade extremamente duvidosa, já

que sua predisposição voluntariosa pode ser de fato um disfarce sobre o comando da

agência de inteligência de seu próprio país com a intenção de transmitir informações

enganosas. Além disso, podem transmitir ao seu próprio governo os métodos de

operação ou armar uma armadilha para o serviço secreto em que se voluntariou. Este

indivíduo que trabalha para dois serviços secretos com intenção de prejudicar a um

destes serviços secretos é conhecido como agente duplo (double agent).

Após esta breve definição deve-se então, de acordo com Cepik (2003), diferenciar

os dois tipos de atores, o oficial de inteligência e suas fontes. Muito freqüentemente

tende-se a chamar ambos os atores de espiões. Cepik esclarece tal confusão:

“Embora a espionagem seja considerada crime grave no ordenamento jurídico contemporâneo, as penalidades para um oficial de inteligência estrangeiro dirigindo operações em território nacional são muito diferentes do que a pena por traição, aplicada a um cidadão ou residente permanente que esteja passando informações secretas para uma potencia estrangeira.” (CEPIK, 2003, p. 36)

Percebemos então que os walk-ins são aqueles agentes fornecedores de informações

que os estudos sobre inteligência considera, então, como espiões.

Mas o que leva o indivíduo a fornecer informações cruciais a respeito de seu

próprio país? Qual o motivo que leva o indivíduo a sofrer tamanho risco? Para

responder tais perguntas Shulsky (2002) nos auxilia a distinguir as razões pelas quais os

indivíduos se submetem a tal esforço. Segundo este autor tais indivíduos podem ser

movidos por motivos ideológicos, étnicos, ou religiosos, motivações estas que são

maiores e mais fortes que seus laços com o seu próprio país; são às vezes, também,

desiludidos por ações ou ideologias de seu próprio país; pode caracterizar por um

indivíduo ganancioso; podem, também, buscar através do auxílio ao serviço secreto

24

inimigo algum tipo de vingança ou até mesmo a busca por algum tipo de aventura ou

excitação para sua própria vida. Sendo assim, os motivos que levam a pessoa a trair seu

próprio país são muito subjetivos ao indivíduo que se voluntaria e conseqüentemente

muito nebulosos para àqueles que fazem uso de seus serviços.

Contra Espionagem

É constante a disputa entre aqueles que buscam esconder preciosas informações35

com aqueles que buscam, também, de alguma forma obter tais informações que podem

ser de grande valia ao seu Estado e aos seus tomadores de decisão. A forma de impedir

que o inimigo obtenha informações cruciais dentro de seu próprio território é adotar um

eficiente serviço de contra espionagem.

A contra espionagem consiste em:

“... adotar formas mais ativas na tentativa de entender como o serviço secreto inimigo trabalha e a partir disto busca-se frustrar ou perturbar suas atividades e finalmente objetiva-se manipular as ações do serviço secreto inimigo em [detrimento de] sua própria vantagem” (SHULSKY, 2002, p.108)

O trabalho de contra espionagem tem como elemento primordial a vigilância em

relação aos oficiais e às possíveis atividades promovidas pelo serviço secreto inimigo. O

motivo de uso constante do elemento “vigilância” consiste na tentativa de determinar

como e aonde os oficiais inimigos vão e, também, com quem tais oficiais se

comunicam; e muitas vezes tais contatos podem ser alvos para a condução de novas

investigações.

Apesar de ser um conceito simples, a operação de contra espionagem consiste em

uma tarefa muito complexa visto que a vigilância deve ser feita de forma muito

cautelosa, pois se o inimigo perceber que está sendo vigiado ele pode manipular ou

abortar determinadas missões.

35 É importante ressaltar a discussão levantada por Priscila Antunes (2002) em relação as consideração sobre o uso do termo segredo e informação. A autora demonstra a relevância que pode se incidir em determinada informação e as medidas que são tomadas em relação a manter esta informação menos acessível possível para que assim se torne fonte de proteção ou investigação por meio dos serviços secretos. A partir do momento em que medidas de segurança e proteção são aplicadas a determinadas informações no pretexto de que esta informação se torne inacessível, esta deixa de ser apenas uma informação qualquer e passa a ser classificada como um segredo.

25

Os métodos mais comumente utilizados pela contra espionagem são o uso de

desertores ou de agentes duplos. Segundo Cepik (2003), os desertores são, geralmente,

aqueles oficiais de um governo ou até mesmo líderes (ministros, membro da inteligência

adversária, comandante das forças armadas, etc.) de uma organização que decidem

mudar de lado e ao mesmo tempo permanecem em suas funções fornecendo

informações para seus novos controladores. Já o uso de agente duplo, que é talvez o

método mais comum de contra espionagem, consiste em agentes que simulam espionar

para o serviço secreto inimigo, mas na verdade estão sob o controle do serviço secreto

nacional no qual supostamente deveria estar espionando.

A característica mais relevante do agente duplo é a capacidade deste indivíduo de

penetrar nos mecanismos de cobertura do serviço secreto inimigo e assim, identificar os

oficiais que atuam como agentes secretos. Desta maneira, as atenções em relação às

investigações se convergem naquele oficial que opera como agente secreto e

conseqüentemente diminui a atenção sobre aqueles que são realmente diplomatas ou

qualquer outro tipo de representante oficial. No uso de agentes com função de contra

espionagem, o serviço secreto pode obter algumas informações muito valiosas,

principalmente em relação aos métodos operacionais utilizados pelos adversários. O uso

de agentes duplos permite compreender claramente como os “handlers” passam

instruções para os “sources” e como recebem as informações destes últimos; pode-se

saber também quais são os locais preferenciais para seus encontros, quais as precauções

que eles tomam para não serem detectados. Assim, ao conhecer os métodos

operacionais da “ espionagem” inimiga, muitas vezes, é possível detectar quais são suas

prioridades de coleta informacional e relativamente entender quais são seus objetivos.

Problemas da captação por Humint

Alguns problemas chaves circulam na orbita da captação de informação por meio

de utilização de recursos humanos. Shulsky (2002), no segundo capítulo de seu livro

apresenta alguns problemas centrais em relação à captação de informação através do uso

de humint, segundo ele “os problemas da captação humana são inerentes ao

empreendimento, enquanto os outros problemas são mais específicos à natureza do

alvo da inteligência” (p.18).

26

O mais sério problema de “controle de qualidade" surge da possibilidade de que um

agente pode ser um agente duplo. Isso que dizer que o agente está trabalhando, na

verdade, para o suposto alvo (inimigo) e assim, as informações que ele alimenta aos

supostos empregadores na verdade são informações com intenção de enganá-los. Outro

problema que pode se apresentar está relacionado à natureza do alvo, pois “quanto mais

eficaz e penetrante o aparato de segurança interno do país [alvo], maiores são as

dificuldades que ele representa ao trabalho de inteligência humana”. Este tipo de ação

pode ser vista naqueles Estados que mantêm um grande controle sobre as viagens

internacionais como também sobre a atividade econômica e comunicação de sua

população, significando uma grande dificuldade para a implementação e articulação de

ações que fazem uso de cobertura não-oficial por exemplo. (idem, p.18-19)

Por fim, outra dificuldade que se apresenta é a infiltração em grupos em que, por

exemplo, é necessário um vinculo forte entre seus integrantes e um longo período de

convívio e confiança36 para que se possa integrar a este grupo e se tornar, assim um

“infiltrado” 37.

INTELIGÊNCIA TÉCNICA

Ao se tratar de situação bélica as disciplinas38 centrais em relação à inteligência

técnica, segundo Dunningan (2003), são: o “reconhecimento eletrônico” e o

“reconhecimento fotográfico”. O reconhecimento eletrônico originalmente era apenas a

coleta de informação através da escutas de transmissão de rádio inimiga39.

36 Atualmente as células terroristas representam muito bem tais dificuldades aos serviços secretos. Visto que para se infiltrar em uma organização terrorista na qual para se tornar integrante demanda ter vínculos familiares ou relações construídas pela confiança, se apresenta extremamente difícil. (SHULSKY, 2002, p.18-19)

37 Jargão utilizado no âmbito da inteligência

38 Atualmente dentro do campo de estudos sobre inteligência pode-se citar, além da humint (human intelligence) informações coletadas de fontes humanas, as seguintes disciplinas que atuam nos organismos secretos: sigint (signals intelligence) informações coletadas através da interceptação e decodificação de comunicações e sinais eletromagnéticos; imint (imagery intelligence) captação de informação através da produção e da interpretação de imagens fotográficas e multiespectrais; masint (mesurement and signature intelligence) informações obtidas através da mensuração de outros tipos de emanações (sísmicas, térmicas, etc.) e também na identificação de sinais característicos de veículos, plataformas e sistemas de armas. (CEPIK, 2003, p. 35-52)

39 Atualmente o reconhecimento pode ser feito por uso de aparelhos de infravermelho que permitem

detectar pessoas e objetos, sendo capaz de determinar a diferença entre materiais. O uso de técnicas que utilizam o som como fonte de detecção inimiga, também são muito comuns atualmente, permitindo

27

No período da Segunda Guerra Mundial, as fontes tecnológicas em relação a

comunicação eram muito restritas e o serviço secreto alemão dispunha apenas do uso do

radio como tecnologia para interceptar as comunicações inimigas e para fazer suas

próprias comunicações. Para fazer as transmissões de informação tanto os agentes sem

cobertura quanto os diplomatas e attachés faziam grande parte de suas comunicações

através do uso de rádio. Outros setores que a comunicação se dava basicamente por

comunicação por rádio era o setor que fazia aquisição de informação por meio aéreo e

por meio marítimo.

Os agentes que faziam transmissões por rádio tinham que seguir um plano de

conduta previamente estabelecido. Este plano continha os horários que a transmissão

deveria ser efetuada, as cifras chaves e os sinais de chamadas. Porém, os agentes que

não possuíssem nada importante a transmitir na hora e data marcada não deveriam

recorrer ao radio, pois, suas comunicações deveriam ser feitas da forma mais breve

possível para evitar o monitoramento inimigo. (KAHN, 2000, p.292)

Em termos de interceptação, a inteligência alemã buscou instalar uma grande

quantidade de postos de detecção de informações de rádio, estações estas que buscavam

abranger os mais variados segmentos de transmissão sendo eles aéreo, marítimo,

terrestre podendo ser este último tanto militar quanto civil em suas transmissões de

programas de rádio. Os submarinos alemães (os U-Boats) faziam a varredura na busca

de informações cruciais na movimentação marítima dos inimigos. Já em terra, alguns

postos de interceptação eram dispostos próximos às fronteiras dos países inimigos

devido a uma característica própria do rádio que é ser propagado por freqüências de

ondas sendo assim não havia como controlar muito as informações que pudessem

ultrapassar as fronteiras. (KAHN, 2000)

O uso do rádio tanto pela Alemanha quanto por seus inimigos contou com um fator

peculiar para a dinâmica da inteligência que foi a implantação do uso de mensagens

cifradas. As cifras eram utilizadas para impossibilitar que o inimigo descobrisse

importantes informações que estavam sendo transmitidas, e devido a esta variável na

guerra, foi travada uma corrida na busca dos livros de codificações tanto alemã quanto

inglês e russo. Segundo Kahn (2000), essa dinâmica ficou tão acirrada que algumas

monitorar objetos que viajam tanto por terra quanto por uso da água, esta capacidade atual se dá principalmente pelo avanço tecnológico e por exércitos mais bem equipados contarem com um avançado sistema de potentes computadores.

28

vezes determinadas transmissões feitas por uso de cifras eram feitas apenas para causar

uma ilusão ao adversário e para detectar o grau de conhecimento dele a respeito das

cifras que estavam sendo utilizadas.

Já o reconhecimento feito através de fotografia detém uma característica crucial

para a qualidade das informações que chegam aos quartéis generais, que é a obtenção,

com precisão, da localização que qualquer objeto. Dunnigan (2003)40 aponta que o

trabalho de inteligência começa a mudar durante a I Guerra Mundial (1914-1918) com o

uso, já em grande escala, do reconhecimento aéreo provendo assim uma boa visão dos

territórios inimigos. Mas foi somente com a Segunda Guerra Mundial que os avanços de

inteligência obtidos anteriormente puderam ser refinados, podendo assim o uso mais

amplo e efetivo da fotografia aérea e da análise fotográfica41.

Assim como no exército, a força aérea alemã mantinha unidades de inteligência no

campo de batalha. Segundo Kahn (2000, p.53), um em cada sete aviões da força aérea

alemã era utilizado como “reconhecedor”. O reconhecimento aéreo se distinguia por sua

abrangência de atuação sendo classificado como de longo alcance e de curto alcance. O

reconhecimento aéreo de curto alcance era feito por observações a olho nu42, já o

reconhecimento de longo alcance era promovido por intermédio de uso de câmeras. O

reconhecimento fotográfico detinha duas grandes limitações, a primeira condizia à

capacidade limitada das câmeras em questão de suas resoluções e zoom, a segunda

limitação estava na capacidade do avião de não ser avistado e para isso apenas os mais

experientes e valentes aviadores eram mandados para exercer tal função. O perigo de

sobrevoar o campo inimigo era grande, principalmente porque as aeronaves emitiam um

som muito alto proveniente dos motores podendo assim expor rapidamente os aviadores

às linhas antiaéreas, e a única solução para que não fossem pegos era sobrevoar o mais

40 É válido salientar que as classificações que Dunnigan (2003) faz em relação às disciplinas relacionadas à inteligência no âmbito da guerra tende a ser simplista ao passo que, ao se utilizar apenas dois níveis de análise em relação meios de captação de inteligência técnica ele subjuga a importância da analise e estudo mais profundos dos mais variados métodos de captação de informação, principalmente quando relacionamos aos métodos mais recentes. 41 Já atualmente, todo tipo de tecnologia que possa fornecer uma imagem, segundo Dunnigan (2003), podendo ela ser obtida por satélite, por câmeras que captam padrões de calor, radiação e campos magnéticos se enquadra dentro da classificação de “reconhecimento fotográfico”.

42 O reconhecimento a olho nu por ser caracterizado por vôos de altitudes baixas permitia ao aviador ver claramente quais equipamentos e armas o exercito inimigo estava usando naquela determinada área. (KAHN, 2000)

29

alto possível, levando o avião ao limite de suas capacidades, para que assim se

tornassem silenciosos e pudessem tirar as fotos.

Apesar de limitado o uso de reconhecimento aéreo significou muito para as

observações da capacidade e movimentações inimigas durante a guerra gerando

informações sobre quais armas estão utilizando, onde exatamente seria feita a próxima

investida de ataque e onde estavam as principais fábricas para que fossem destruídas.

ANÁLISE DE INFORMAÇÃO

Esta seção tem por objetivo expor qual é a importância do processo de análise

referente a todo material obtido pelos serviços secretos e como determinadas

características, se presentes, podem influenciar a qualidade, a rapidez, o poder de

assertividade, e a dinâmica informacional do organismo secreto. Como já visto, após ser

coletada a informação, esta passa a integrar o ciclo de inteligência e dentro deste ciclo a

informação receberá um tratamento especial pela a área de análise. É exatamente neste

momento, que uma simples informação pode se tornar peça chave para a formulação de

conhecimento e para a construção de um entendimento maior sobre determinada

situação ou intenção inimiga.

O trabalho promovido pelo setor de análise é complexo a partir do momento em

que entendemos que o montante de informação que chega aos analistas é extremamente

grande e fragmentada, exigindo deste setor grande especialização e rapidez. Cepik

(2003) relata sobre a função de funil que é exercida pelo setor de análise visto o grande

volume de informações que lhes chegam através das mais variadas fontes: “O Volume

de dados brutos e informações primárias coletadas é muito maior do que os relatórios

efetivamente obtidos pelos os usuários finais.” (JOHNSON apud CEPIK, 2003, p.35)

No que tange a análise da inteligência podemos definir que: “análise é a difícil

tarefa de descobrir quais são as intenções do inimigo” 43. (DUNNINGAN, 2003,

p.320). Já segundo Shulsky (2002, p.41) , a análise define-se não apenas pela tarefa de

descobrir quais são as intenções no inimigo, mas também no processo em que “pedaços

de informação que são coletadas - independente da forma - e são transformados em

algo útil para os ‘policy makers’ e para comando militar ”.

43 Tradução livre

30

O processo de análise é bastante complicado pois, seu sucesso depende do quão

bom é seu staff de analistas. A dificuldade encontra-se porque o analista deve unir as

peças de um quebra-cabeça e, geralmente, este quebra-cabeça está faltando peças, assim

sendo, o analista deve “adivinhar” corretamente o que é a figura. (Moore apud Wheaton,

2002). O analista, segundo Moore (2002), é mais do que um profissional da informação,

o analista tem a função de selecionar e filtrar a informação; são responsáveis por

interpretar evidências, colocar no contexto e “costurar” tudo isso de acordo com as

necessidades do consumidor final. Para Moore (2002, p.6), “em resumo, analistas e

somente analistas, criam ‘inteligência’”.

O analista de inteligência é peça fundamental para uma boa dinâmica e bom nível

assertivo na construção do produto final. E em relação às qualidades necessárias a um

processo de análise destaca-se o trabalho de Moore (2002) intitulado “Species of

Competencies for Intelligence Analysis”, que visa abordar a relação entre características

[pessoais], habilidades, competências e conhecimento necessários a um bom analista.

Moore (2002) aponta que, característica são decisões de valores, crenças e cultura

analítica; já habilidades são aptidões que emergem de forma natural e inata ao analista;

competências, segundo o autor, são os conhecimentos identificados como um

aprendizado superior (expertise) ou proficiência; e por fim, conhecimento consiste na

familiaridade ou entendimento adquirido através da experiência ou estudo.

O diagrama proposto por Moore (2002) ilustra bem o que engloba todas essas

características citadas anteriormente. (ver Figura 2.)

Diante tais necessidades requeridas a um analista percebe-se que, para que esta

função seja exercida de forma a buscar um “resultado ótimo”, não se pode recrutar

analistas de inteligência apenas por fatores únicos, sendo necessário levar em

consideração um conjunto de fatores para que tal função seja exercida de forma correta.

É possível perceber que o peso que se posa sobre o âmbito da análise é muito grande e é

devido a este fato, que os serviços secretos devem “fortalecer” esta área, pois pode

representar uma fissura estrutural que pode levar, até, ao colapso de todo trabalho da

31

inteligência.

Por fim, é importante ressaltar a colocação de Antunes (2002, p.37) sobre a

relevância do analista em:

“Os coletores obtêm as informações requeridas, que são transformadas pelos analistas em produto de inteligência. Esse produto final é distribuído para o consumidor e para os chefes das agencias, que formulam novas necessidades e fazem ajustes necessários de maneira a prover a atividade de inteligência de mais eficácia e efetividade”.

Assim sendo, o fluxo e a análise das informações devem ser feitas da forma mais

eficiente possível, e para tanto a análise tem a necessidade de ser produzida de forma

rápida e precisa para que não se torne um gargalo das funções da inteligência.

Figura 2. Funções e competências centrais para análise de inteligência. Fonte: MOORE, David T..

Species of Competencies for Intelligence Analysis. 2002.

32

O PACOTE FINAL

O resultado produzido pelo setor de análise da inteligência, que será entregue aos

usuários finais nos prazos e nos formatos necessários, é denominado de pacote final,

produto final ou simplesmente inteligência. Dentro da dinâmica proposta pelo ciclo de

inteligência, a partir do momento em que o setor analítico disponibiliza seu produto

para os consumidores finais este processo passa-se a se chamar de disseminação. Os

procedimentos de disseminação são muito importantes para o complemento do ciclo,

pois são os responsáveis pela distribuição e entrega da inteligência aos usuários finais.

(ANTUNES, 2002, p.35)

Segundo Shulsky (2002, p.57), a definição de produto de inteligência é: “... o

processo [que] pode acorrer através de qualquer meio, desde um relatório formal a

uma rápida conversa, na qual o analista transmite a informação processada ao policy

maker ou ao comando militar”. Partindo desta definição o autor ilustra uma divisão de

três possibilidades de produto de inteligência, são elas: inteligência atual; inteligência

básica; e inteligência estimativa.

A inteligência atual caracteriza-se por fornecer inteligência (produto final) com

função básica de informar aos tomadores de decisão, através da entrega de artigos

contendo informações principais que poderiam, de alguma forma, afetar a política.

Shulsky (apud Kent 2002, p.57) posiciona este tipo de produto produzido pela

inteligência como algo similar a função da mídia. Percebe-se então que são informações

breves com caráter mais informativo do que explicativo e que buscam relatar alguns

pontos relevantes para o tomador de decisão.

Outro tipo de produto e reportagem, também generalista, é denominado de

inteligência básica. O tipo de relatório produzido nesta classificação caracteriza-se por

tentar dar um retrato completo de uma determinada situação possível, feito com base em

dados disponíveis publicamente e utilizando de informações relevantes captadas de

todas as fontes de inteligência. Na arena militar tais produtos podem representar uma

ordem de batalha. (idem)

Por fim, a inteligência estimativa caracteriza-se por ser “o mais ambicioso produto

de inteligência no qual não somente descreve uma situação atual, mas também busca

predizer como tal situação irá evoluir” (Shulsky apud Kent 2002, p.57). As estimativas

e suposições feitas por este tipo de produto têm como característica buscar a mais ampla

33

visão do assunto e da situação atual na busca de produzir uma projeção mais assertiva

sobre o futuro.

Ao entregar o produto produzido pela análise de inteligência de acordo com as

necessidades do usuário final, termina assim as funções e interferências informacionais

promovidas pelos serviços secretos.

A ESTRUTURA ALEMÃ

A estrutura de comando de Hitler, como já dito anteriormente, foi pautada por

uma rígida hierarquia de controle, na qual o próprio Hitler comandava todas as

estruturas do governo44. Esta organização estrutural, idealmente, permitia um controle

maior sobre as ações de seus órgãos de inteligência e sobre uma linha de ação integrada.

Mas como aponta Kahn (2000), o Estado monolítico alemão na área de inteligência não

possuía nenhum controlador especialista de alto nível, assim as agências de inteligência

seguiam suas próprias políticas, e “seus resultados eram tidos como coordenados

apenas na mente de Hitler” (p.42).

O aparato de inteligência alemão era muito variado, possuindo agências com

funções internas, outras com funções externas e outras até mesmo para o controle do

partido nazista, mas essa variedade era assolada por um grande problema: as agências

muitas vezes possuíam a mesma função, o que gerava uma competição de uma contra a

outra. O problema era tão grande, e a aparente organização era tão mal estruturada, que

muitas vezes uma agência que pertencia a um comando enviava seus resultados para

outra agência gerando assim uma duplicação de esforços e distorção das funções destes

órgãos. (KAHN, 2000)

Hitler acreditava que a desunião e rivalidades entre os órgãos de inteligência,

provocadas pela desordem da instituição, era sinônimo de controle, e com isso, entendia

que poderia fazer livremente suas avaliações e julgamentos de acordo com seu

entendimento pessoal. Vemos já a principio, um ponto de retrocesso histórico neste

exemplo, ao percebermos que esse elemento individualista de comando e julgamento

pessoal da informação retoma às práticas do comando de Napoleão. Este tipo de atitude

44 O grande movimento final de Hitler para ter todo o controle da estrutura organizacional alemã em suas mãos se deu em 1938 quando o ele aboliu o poder do ministro de guerra e tomou o controle de todas as forças armadas sob seu comando. (KAHN, 2000, p.42)

34

adotada por Hitler é falha, pois o julgamento feito por informações que chegam de

fontes nas quais impera a rivalidade entre elas, e que no final apenas um individuo é o

responsável pelo julgamento das implicações destas informações, está repleto de

lacunas informacionais e pautado por um julgamento sobre percepções pessoais

limitadas. (KAHN, 2000)

Apesar de erros serem comuns aos serviços secretos, devido ao fato de que muitas

vezes os produtos produzidos pela inteligência são pautados por análises de informações

incompletas e que estas necessitaram da intuição do analista para montar um panorama

geral da situação analisada. O exemplo alemão de inteligência militar ilustra muito bem

como a união de vários fatores erroneamente estruturados são capazes de construir um

serviço secreto relativamente ineficiente e operacionalmente descoordenado. Pode-se

pontuar alguns desses fatores, que são: 1) a estrutura de autoridade do governo, que

pautava-se por um comando único e subjetivo gerando decisões muitas vezes pautadas

mais pelos desejos de Hitler do que pela razão ou análise da situaçao; 2) A estrutura de

autoridade gerava, também, reflexos comportamentais nas camadas inferiores de

comando alemão, onde cada indivíduo buscava aproximar-se ao máximo da figura de

Hitler na busca de ascensão ou realização de interesses próprios; 3) os chefes nomeados

para comandar as estruturas de inteligência não tinham conhecimento algum, a priori ,

sobre inteligência e suas dinâmicas. Podemos destacar a figura de Canaris, comandante

principal da inteligência alemã, que quando nomeado para o cargo era apena um ex-

combatente da marinha na I Guerra Mundial e nunca tinha ao menos trabalhado na área

de inteligência até então; 4) muitas agências exerciam as mesmas funções; 5) não

coordenação de ação com serviços secretos de países aliados, existindo situações, por

exemplo, em que Alemanha espionava dentro de território italiano e não dividia as

informações com o serviço secreto italiano; 6) crescimento desordenado da estrutura de

inteligência durante a guerra gerou a contratação de analistas e espiões sem

conhecimento, especialização ou treinamento adequado. De acordo com Kahn (2000),

antes da guerra estourar a estrutura de inteligência alemão era muito menor do que nos

momentos mais exaltados da guerra, e devido as necessidades de inserção cada vez

maior e mais rápida de espiões em territórios inimigos, os processos de treinamento

tornou-se de pouca qualidade, visto que em períodos anteriores a guerra o espião era

treinado durante alguns meses e nos momentos mais exaltados da guerra em

pouquíssimas semanas o espião era considerado preparado para exercer suas funções; 7)

35

técnica de comunicação e criptografia descoberta e manipulada pelo inimigo, como foi

o caso da manipulação do super código secreto alemão ENIGMA45, pelos ingleses,

permitindo assim o conhecimento prévio das ações da Alemanha por parte do inimigo.

(KAHN, 2000)

É possível perceber, que inúmeros erros em um sistema de inteligência pode causar

grandes danos à condução da guerra, no entanto, apesar da quantidade de erros

apresentados, a vitória ou a derrota na guerra não são geradas por fatores mono causais.

Assim podemos dizer que a inteligência por si só não é capaz de trazer a vitória ou a

derrota na guerra, visto que o sucesso ou o fracasso dependem de vários outros

elementos tais como quantidade de soldados, armas, veículos de transporte, organização

das estruturas de comando, qualidade de pessoal, etc. Porém percebe-se a grande

importância da inteligência e sua influência em um possível sucesso e vitória na guerra,

caso essa inteligência seja organizada, especializada e bem gerenciada. Esses fatores

que levaram a derrota do serviço secreto alemão na batalha da busca constante da

obtenção de informação entre serviços de inteligência durante a II Guerra. Foi notório

que a preocupação com a especialização, organização e bom gerenciamento é o que

levou os serviços de inteligência dos Aliados a obterem sucesso, por exemplo, na

decifração da ENIGMA, situação que não ocorreu no interior do serviço secreto alemão.

Evidencia-se então a importância da utilização dos serviços secreto e como ele pode

auxiliar no desenrolar dos acontecimentos de uma guerra. É importante então destacar

os argumentos e razões que fazem da inteligência um fator vantajoso aos tomadores de

decisão que decidem fazer uso desta em momentos beligerantes, são eles: 1) é somente

com o trabalho da inteligência que os tomadores de decisão poderão planejar um ataque

ou defesa sobre o inimigo, pois, só com inteligência eles são capazes de calcular a

quantidade e predizer a qualidade do exército inimigo; 2) é só com a inteligência que se

45

A ENIGMA foi uma máquina eletro-mecânica de criptografia com rotores, utilizada tanto para criptografar como para descriptografar mensagens secretas. O uso intensivo da ENIGMA como fonte de comunicação, foi feito pelos serviços secretos alemães durante a II Guerra Mundial. Esta máquina de criptografar foi a grande arma alemã na Segunda Guerra, pois, era considerada indecifrável e assim, durante todo o tempo as forças germânicas confiaram suas mensagens à ENIGMA. No entanto a maquina considerada “indecifrável” é decifrada pelos britânicos, juntamente com polacos e franceses, na qual reuniram as mais brilhantes mentes matemáticas destes países no esforço de decifrar o poderoso código alemão, e isso foi feito com sucesso. Após quebrar toda a lógica de comunicação secreta alemã, as forças Aliadas fizeram uso desta vantagem para conhecer as intenções alemãs e para promover ataques estratégicos contra as forças germânicas. Os Aliados astutamente não transpareceram conhecer a solução do código alemão permitindo-lhes assim obter, por um bom período de tempo, valiosas informações sobre o inimigo, dando-lhes enormes vantagens na guerra.

36

permite planejar o avanço de tropas sobre um espaço geográfico antes desconhecido; 3)

é só com a inteligência que se pode montar um quadro de ações do inimigo e ter a

possibilidade de entendimento da lógica destas ações; 4) é só com a inteligência que se

consegue coordenações de proteção às informações vitais ao seu país; 5) e por fim, é só

com a inteligência que o tomador de decisão tem a possibilidade predizer as ações do

inimigo de forma mais assertiva.

A inteligência se configura então como um elemento extremamente vantajoso na

guerra quando utilizado e organizado corretamente. Após o tratamento dos conceitos

sobre a temática, o autor acredita que a inteligência é um elemento fundamental ao

Estado que vai a guerra, porque é apenas através do conhecimento gerado pela

inteligência que os generais e tomadores de decisão podem formular as prospecções de

suas ações e podem fazer os cálculos sobre o potencial poder de vitória ou derrota no

combate entre forças.

CONCLUSÃO

Este trabalho se propôs compreender qual é a capacidade e o alcance dos serviços

de inteligência em um contexto bélico, e qual é a relação entre o serviço secreto e a

derrota na guerra. Para tanto, foi usado de uma bibliografia não especifica da área de

inteligência militar, mas que apesar da falta de especificidade do tratamento do assunto

pelas fontes, permitiu a articulação de conceitos para o entendimento da dinâmica de um

serviço secreto militar. Foi remetendo aos exemplos da inteligência alemã no período da

Segunda Guerra Mundial que a ilustração dos conceitos considerados pertinentes ao

tema foram apresentados.

Ao fazer uso dos conceitos de inteligência e de tais exemplos, foi possível

demonstrar a relação entre inteligência e guerra, e através desta relação o trabalho teve

condições de articular e concluir que a inteligência não se apresenta como fator mono

causal da derrota ou da vitória de uma potência na guerra, mas que a ausência ou grande

debilidade desta tende a uma eminente derrota.

Esta tendência se justifica uma vez que é somente através da inteligência que

tomadores de decisão são capazes de exercer grande parte de seu trabalho, que é

articular ações e políticas pautadas por um conhecimento prévio sobre um determinado

37

assunto, pois sem o conhecimento o tomador de decisão pode permanecer imóvel ou

tomar decisões extremamente equivocadas.

O autor acredita que mais estudos sobre a área de inteligência militar devem ser

pesquisados e aprofundados, tanto por militares quanto por civis, pois, é só assim que

este campo de conhecimento se tornará mais robusto e menos inacessível ao grande

público. Com uma maior valorização do campo, a inteligência pode se tornar fonte de

discussões mais complexas que toquem e questionem assuntos mais delicados dentro

desta temática. O autor acredita que algumas dessas delicadas questões são: por que

praticamente não existe limites nas ações de inteligência? Porque os serviços de

inteligência, muitas vezes, não têm receio de promover ações que vão contra ao direito

internacional? Quais são as possibilidades de civis e especialistas terem o controle da

inteligência militar em períodos de guerra? Quais são os reflexos da inteligência civil

sobre a inteligência militar? e vice-versa? A inteligência militar pode auxiliar em

questões relativas ao combate de grupos armados nacionais e ao combate ao

narcotráfico?

O autor, por fim, acredita que a busca por respostas para estas perguntas poderão

auxiliar no desenvolvimento deste campo de conhecimento e promover discussões mais

complexas em torno da temática de inteligência.

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ZABECK, David T. World War II in Europe: an encyclopedia. Routledge, New

York. 1999

39

ANEXO A

Figura3. Principal Agencies of German Intelligence at End of 1943. Fonte: KAHN, David. Hitler´s Spies: German Military Intelligence in Wor ld War II . Da Capo Press.2000