Direito Constitucional Didático - Kildare Gonçalves Carvalho

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  • KILDARE GONALVES CARVALHO

    Juiz do Tribunal de Alada de Minas Gerais

    Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos

    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    6a EDIO

    REVISTA E ATUALIZADA

    DELREY

    Belo Horizonte - 1999

    Prefcio 6a edio

  • Kildare Gonalves Carvalho, formado em Direito pela UFMG e detentor do valioso Prmio Rio Branco, por ter sido o melhor aluno de sua turma, um jurista. Um

    publicista por excelncia. Auto-exigente, aplicado, trabalhador e muito srio no estudo e no exerccio do Direito, ele preferiu esperar alguns anos para, em 1990, lanar-se no mundo das letras jurdicas "editadas e encadernadas". Lera muito desde sua formatura; passara a lecionar Direito Constitucional na Faculdade de Direito Milton Campos e, depois, tambm na Faculdade Mineira de Direito da PUC-MG; escrevera muitos artigos em grandes jornais e revistas especializadas. Fora advogado de grandes empresas, consultor-chefe da Assessoria Tcnico-Consultiva do Governador do Estado e Secretrio de Estado. Ingressara no Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e no Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Mantinha seu escritrio de advocacia especializada e continuava exercendo o cargo de consultor da Procuradoria Tcnico-Legislativa do Governo do Estado.

    Com toda essa bagagem de peso, embora jovem, o professor Kildare entendeu

    acertadamente ser aquele o momento para publicar o seu Direito Constitucional Didtico. E deu-me a honra e o prazer - duas sensaes agradveis de se sentir, uma emocionando e a outra alegrando - de apresentar a sua obra. Naturalmente que a escolha deveu-se convivncia amiga que j vinha acontecendo h anos na Milton Campos, para onde ambos framos levados pelas mos do ilustre Desembargador Paulo Tinco, mestre de Direito Constitucional.

    Em trs dias, li os originais e gostei. Gostei muito! Dominando a lngua portuguesa, com estilo simples e claro (como deve ser), Kildare Gonalves Carvalho, didaticamente, ofereceu aos leitores um curso de Direito Constitucional em 16 captulos.

    O livro, como no poderia deixar de ser, fez sucesso imediato em todo o Brasil,

    passando a ser "brevirio" nas Faculdades de Direito e "manual" em concursos pblicos para Juiz de Direito, Promotor de Justia, Procurador do Estado e da Fazenda, Defensor Pblico, Tcnico Judicirio e outros cargos prprios do bacharel em Direito.

    Seguiram-se a segunda, a terceira e a quarta edies, sempre revistas e ampliadas.

    E agora, somando ao seu j valioso curriculum os elevados ttulos de Procurador-Geral do Estado, cargo que exerceu com brilho e eficincia, e de Juiz do Tribunal de Alada do Estado de Minas Gerais, Kildare Gonalves Carvalho nos traz a 6a edio de seu didtico curso e, mais uma vez, honra-me e alegra-me com o pedido de um novo prefcio.

    Esta presente edio tem 26 captulos, assim denominados: Direito Constitucional, Estrutura do Estado, Fins e Funes do Estado, Organizao do Poder Poltico, Estado e Direito, Regimes Polticos e Sistemas de Governo, Constituio, Constituies Brasileiras, Princpios Fundamentais, Direitos e Garantias Fundamentais, Nacionalidade, Direitos Polticos, Partidos Polticos e Grupos de Presso, Estado Federal, Administrao Pblica, Poder Legislativo, Processo Legislativo, Fiscalizao Contbil, Financeira e Oramentria, Poder Executivo, Poder Judicirio, Funes Essenciais Justia, Defesa do Estado e das Instituies Democrticas,

  • Tributao e Oramento, Ordem Econmica e Financeira, Ordem Social e Disposies Constitucionais Gerais e Transitrias, fechando-se a obra com uma valiosa bibliografia. (*)

    O texto todo mostra cultura e erudio (cada vez mais apuradas), sem pedantismo e exibicionismo. Suas definies so claras, precisas, didticas. Tomemos, por

    exemplo, o que ele diz sobre soberania. Para Kildare, "soberania indica o poder de mando de ltima instncia numa sociedade politicamente organizada. No plano

    interno, consiste na supremacia ou superioridade do Estado sobre as demais organizaes, e no plano externo quer dizer independncia do Estado em relao aos demais Estados".

    Alunos de bacharelado, de mestrado e de doutorado, candidatos a concursos

    pblicos, advogados, magistrados, membros do Ministrio Pblico, professores, assessores jurdicos e judicirios, servidores da Justia, enfim, todos os que militam na fascinante e dinmica rea do Direito Pblico tero, no livro, um guia seguro para o estudo terico e a aplicao prtica.

    Belo Horizonte, julho de 1999

    Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza

    Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito Milton Campos,

    Chefe de Gabinete do Presidente do Tribunal de Justia de Minas Gerais e Diretor-Adjunto da Escola Nacional da Magistratura

    (*) Tudo devidamente revisto luz das 6 emendas de reviso e das 22 emendas constitucionais aprovadas nos termos das regras do artigo 60 da Constituio.

    Nota 6a edio

    Ao longo de mais de dez anos de vigncia, a Constituio de 1988 vem sofrendo inmeras alteraes, que, nada obstante as presses sociais e econmicas contrrias complementao de vrias de suas normas, no lograram abalar as vigas-mestras e os fundamentos nela inseridos, reveladores da sua capacidade de favorecer mudanas na estrutura social.

    Se no h mais falar em Constituies imutveis, como no passado, o que leva

    at mesmo idia de que a estabilidade de uma Constituio reside justamente na capacidade de sua adaptao s mudanas ocorridas na realidade, qualquer alterao no texto constitucional deve estar associada e no dissociada da idia de Democracia e de Estado Democrtico de Direito. Decorre da que a concepo democrtica de Constituio faz com que o seu texto seja inteiramente passvel de reviso, dizer, de uma releitura luz das

  • mutaes extradas da realidade poltica, social, econmica e cultural, dentre outras, j que democracia no existe sem discusso e sem liberdade de expresso.

    Nessa ordem de idias que se concebe o Direito como um processo aberto,

    em constante evoluo, sem desconhecer, todavia, o fato de que falar em Constituio Democrtica no significa dizer niilismo valorativo ou procedimental, desde que a democracia no pode deixar de se relacionar com as idias de governo representativo, regra da maioria, com respeito aos direitos das minorias, separao de poderes e direitos fundamentais.

    A Constituio, portanto, como obra aberta, no h de se afastar das concepes de liberdade e de igualdade, e do propsito de assegurar a legitimidade e a

    validade de suas normas, impedindo que nela se operem transformaes mutiladoras

    e ilegtimas.

    Considerando tais diretrizes, que procuramos rever, aprimorar e atualizar

    esta 6a edio do nosso Direito Constitucional Didtico, de modo a acompanhar as

    modificaes introduzidas no texto constitucional de 1988 pelas mais recentes

    Emendas, em especial a de n. 19/98 (reforma administrativa) e a de n. 20/98, que

    modificou o regime de previdncia social, incluindo a Emenda de n.22 j 99.

    Reiteramos o propsito que nos levou elaborao deste trabalho, a partir de

    sua 1a edio, qual seja, o de servir de roteiro e subsdio para os que se dedicam ao estudo do Direito Constitucional como disciplina que d suporte aos demais ramos do Direito, e dispe sobre a organizao, controle e exerccio do poder poltico.

    O autor.

    Sumrio

    Captulo 1 - DIREITO CONSTITUCIONAL ... 21

    1 Direito Constitucional - Conceito, objeto e contedo cientfico ... 23

    2 Direito Constitucional - Teoria Geral do Estado e Cincia Poltica ... 26

    Captulo 2 - ESTRUTURA DO ESTADO ... 31

    1 Sociedade e Estado ...33

  • 2 Sociedades pr-estatais, infra-estatais e supra-estatais ... 36

    3 Conceito de Estado ... 36

    4 Natureza do Estado ... 38

    4.1 Teorias sociolgicas ...38

    4.2 Teorias deontolgicas ... 41

    4.3 Teorias jurdicas ... 41

    4.4 Teorias polticas ... 42

    5 Evoluo histrica do Estado ... 43

    6 Origem e justificao do Estado ... 48

    7 Processos de formao e extino do Estado ... 54

    8 Elementos do Estado - Consideraes iniciais ... 56

    8.1 Povo ... 57

    8.2 Territrio ... 60

    8.2.1 Princpio da territorialidade das leis ... 61

    8.2.2 Direito do Estado sobre o seu territrio ... 61

    8.2.3 Composio e limites do territrio ... 62

    8.3 Poder poltico ... 67

    8.4 Poder poltico e soberania ... 69

    9 Personalidade do Estado ... 72

    10 Formas de Estado - Conceito ... 75

    10.1 Estados simples e compostos ... 76

    10.2 Estado unitrio centralizado e descentralizado - O Estado Regional ... 76

    10.3 Estado composto - Unio Real - Unio Pessoal - Confederao de Estados - Estado Federal ... 78

    Captulo 3 - FINS E FUNES DO ESTADO ... 83

    1 Fins do Estado - Consideraes iniciais ... 85

    2 Classificao dos fins do Estado ... 85

  • 3 Sntese conclusiva ... 86

    4 Funes do Estado - Noo e classificao ... 87

    Captulo 4 - ORGANIZAO DO PODER POLTICO ... 91

    1 Noo de rgo do Estado ... 93

    2 Separao de Poderes - Consideraes iniciais ... 94

    3 A separao de Poderes no pensamento poltico ... 94

    4 Origem histrica da separao de Poderes ... 95

    5 A separao de rgos e funes ... 96

    Captulo 5 - ESTADO E DIREITO ... 99

    1 Relaes entre o Estado e o Direito ... 101

    2 Teoria monstica ... 101

    3 Teoria dualstica ... 102

    4 Teoria do paralelismo ... 102

    5 Teoria tridimensional do Estado e do Direito ... 102

    6 Teoria da autolimitao do Estado ... 103

    Captulo 6 - REGIMES POLTICOS E SISTEMAS DE GOVERNO ... 105

    1 A dificuldade terminolgica ... 107

    2 Tipologia dos regimes polticos ... 109

    3 Democracia - Fundamentos - Condies da democracia ... 112

    3.1 Tipos de democracia ... 115

    3.1.1 Democracia representativa ... 116

    3.1.2 Democracia participativa ... 118

    3.2 A opinio pblica ... 119

    4 Sistemas de governo - Consideraes gerais ... 120

  • 4.1 Parlamentarismo ... 120

    4.2 Presidencialismo ... 123

    4.3 Apreciao crtica dos sistemas de governo ... 125

    Captulo 7 - CONSTITUIO ... 127

    1 Constituio - Conceito ... 129

    2 Classificao das Constituies ... 130

    3 O constitucionalismo ... 132

    4 Poder constituinte ... l34

    5 Controle de constitucionalidade ... 136

    6 Classificao e eficcia das normas constitucionais ... 144

    7 Interpretao das normas constitucionais ... 147

    8 Lacunas da Constituio ... 149

    9 Aplicao das normas constitucionais no tempo ... 149

    Captulo 8 - CONSTITUIES BRASILEIRAS .... 151

    1 Constituio de 1824 ... 153

    2 Constituio de 1891 ... 154

    3 Constituio de 1934 ... 156

    4 Constituio de 1937 ... 157

    5 Constituio de 1946 ... 157

    6 Constituio de 1967 e sua Emenda n. 1, de 1969 ... 158

    7 Constituio de 1988 ... 159

    Captulo 9 - PRINCPIOS FUNDAMENTAIS ... 163

    1 Introduo ... 165

    2 Acepes do termo "princpio" ... 166

  • 3 Princpios e normas constitucionais ... 167

    4 Classificao dos princpios constitucionais ... 168

    5 Princpios fundamentais e prembulo constitucional ... 169

    6 Princpios fundamentais do Estado brasileiro ... 173

    7 Repblica ... 174

    8 Estado Federal ... 175

    9 Estado Democrtico de Direito ... 177

    10 Separao de Poderes ... 179

    11 Soberania ... 180

    12 Cidadania ... 181

    13 Dignidade da pessoa humana ... 182

    14 Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ... 183

    15 Pluralismo poltico - Interesses coletivos e difusos ... 183

    16 Objetivos fundamentais do Estado brasileiro ... 184

    17 Princpios da ordem internacional ... 184

    18 Consideraes finais ... 189

    Captulo 10 - DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ... 187

    1 Histrico ... 189

    2 Valor jurdico das declaraes de direitos ... 194

    3 Classificao ... 194

    4 Limites dos direitos fundamentais ... 198

    5 Direitos e garantias fundamentais na Constituio de 1988 ... 198

    5.1 Abrangncia ... 199

    5.2 Direito vida ... 201

    5.3 Direito privacidade ... 203

    5.4 Liberdades constitucionais ... 205

  • 5.5 Direito de igualdade ... 212

    5.6 Direito de propriedade - Fundamentos ... 215

    5.6.1 Funo social da propriedade ... 215

    5.6.2 Desapropriao ... 217

    5.7 Garantias constitucionais - Explicao inicial ... 217

    5.7.1 Garantias das relaes jurdicas ... 218

    5.7.2 Garantias criminais ... 219

    5.7.3 Garantias jurisdicionais ... 220

    5.7.4 Garantias processuais ... 221

    5.7.5 Garantias tributrias ... 222

    5.7.6 Garantias civis ... 222

    5.7.7 Garantias polticas ... 225

    5.8 Mandado de injuno ... 226

    5.9 Direitos sociais ... 228

    5.9.1 Direitos sociais dos trabalhadores ... 229

    5.9.2 Liberdade sindical ... 232

    5.9.3 Greve ... 232

    5.9.4 Garantias dos direitos sociais ... 233

    Captulo 11 - NACIONALIDADE ... 235

    1 Nacionais e estrangeiros ... 237

    2 Aquisio da nacionalidade - Jus soli e jus sanguinis ... 237

    3 Brasileiro nato e naturalizado ... 238

    4 Perda da nacionalidade ... 241

    5 Situao jurdica do estrangeiro no Brasil ... 241

    Captulo 12 - DIREITOS POLTICOS ... 243

  • 1 Consideraes gerais ... 245

    2 Sufrgio ... 245

    3 Elegibilidade ... 246

    4 Inelegibilidade ... 247

    5 Suspenso e perda dos direitos polticos ... 250

    6 Sistemas eleitorais ... 250

    Captulo 13 - PARTIDOS POLTICOS E GRUPOS DE PRESSO ... 255

    1 Consideraes gerais ... 257

    2 Classificao dos partidos polticos ... 258

    3 Funes dos partidos polticos ... 259

    4 Os partidos polticos na Constituio de 1988 ... 259

    5 Grupos de presso ... 260

    Captulo 14 - ESTADO FEDERAL ... 263

    1 Introduo ... 265

    2 A federao no Brasil - Evoluo ... 267

    3 Estrutura da federao ... 268

    4 Repartio de competncias ... 268

    5 Unio - Natureza jurdica ... 272

    5.1 Competncias da Unio ... 272

    5.2 Bens da Unio ... 278

    6 Estados federados - Autonomia ... 280

    6.1 Contedo das Constituies Estaduais ... 280

    6.2 Competncias dos Estados federados ... 282

    7 Municpios - Posio na federao ... 283

    7.1 Lei orgnica dos Municpios ... 283

  • 7.2 Competncias dos Municpios ... 285

    7.3 Fiscalizao financeira e oramentria dos Municpios ... 287

    8 Distrito Federal - Natureza ... 287

    8.1 Autonomia ... 287

    8.2 Competncias ... 288

    9 Territrios ... 288

    10 Interveno federal ... 289

    11 Interveno nos Municpios ... 292

    11.1 Falta de pagamento da dvida fundada ... 293

    11.2 No-prestao de contas ... 294

    11.3 Inaplicao do percentual constitucional da receita de impostos na manuteno e desenvolvimento do ensino ... 294

    11.4 Inobservncia dos princpios indicados na Constituio

    Estadual, descumprimento de lei, ordem ou deciso judicial ... 295

    Captulo 15 - ADMINISTRAO PBLICA ... 299

    1 Princpios e normas gerais ... 301

    2 Agentes e cargos pblicos ... 306

    3 Servidores pblicos ... 309

    3.1 Estabilidade ... 310

    3.2 Aposentadoria ... 311

    4 Militares ... 313

    Captulo 16 - PODER LEGISLATIVO ... 315

    1 Introduo ... 317

    2 Funes do Poder Legislativo ... 318

    3 Organizao do Poder Legislativo ... 319

    3.1 Cmara dos Deputados ... 320

  • 3.2 Senado Federal ... 321

    4 Sesses conjuntas do Congresso Nacional ... 323

    5 Auto-organizao e regimento interno ... 323

    5.1 Direo e funcionamento dos trabalhos legislativos ... 324

    5.2 Abertura e trmino das sesses legislativas ... 325

    5.3 Comisses parlamentares ... 325

    5.4 Poder de polcia ... 329

    6 Atribuies do Congresso Nacional ... 329

    7 Garantias legislativas ... 332

    8 Incompatibilidades parlamentares e perda do mandato ... 335

    9 Consideraes finais ... 337

    Captulo 17 - PROCESSO LEGISLATIVO ... 339

    1 Introduo ... 341

    2 Noo de processo legislativo ... 341

    3 Atos do processo legislativo ... 342

    3.1 Iniciativa ... 342

    3.2 Emenda ... 344

    3.3 Votao ... 344

    3.4 Sano ... 345

    3.5 Veto ... 345

    3.6 Promulgao ... 346

    3.7 Publicao ... 348

    4 Espcies normativas ... 348

    4.1 Emendas Constituio ... 348

    4.2 Leis complementares ... 350

    4.3 Leis ordinrias ... 351

  • 4.4 Leis delegadas ... 352

    4.5 Medidas provisrias ... 352

    4.6 Decretos legislativos ... 354

    4.7 Resolues ... 355

    5 Leis oramentrias ... 355

    6 Plebiscito e referendo ... 356

    7 Processo legislativo nos Estados e Municpios ... 356

    8 Processo legislativo e controle da constitucionalidade ... 357

    9 Procedimento legislativo ... 358

    10 Consideraes finais ... 363

    Captulo 18 - FISCALIZAO CONTBIL, FINANCEIRA E ORAMENTRIA ... 365

    1 Sistemas de controle - Externo e interno ... 367

    2 O Tribunal de Contas da Unio ... 367

    3 Composio do Tribunal de Contas da Unio ... 370

    4 Tribunal de Contas nos Estados e Municpios ... 370

    5 Sistema de controle interno ... 371

    Captulo 19 - PODER EXECUTIVO ... 373

    1 Poder de contedo incerto ... 375

    2 Chefia de Estado e chefia de governo ... 375

    3 Poder regulamentar ... 376

    4 Presidente da Repblica - Elegibilidade, eleio, mandato, posse e exerccio ... 377

    5 Vice-Presidente da Repblica ... 379

    6 Vacncia da Presidncia ... 379

    7 Atribuies do Presidente da Repblica ... 380

    8 Responsabilidade do Presidente da Repblica ... 380

  • 9 Ministros de Estado ... 383

    10 Conselho da Repblica ... 384

    11 Conselho de Defesa Nacional ... 384

    Captulo 20 - PODER JUDICIRIO ... 387

    1 Funo jurisdicional ... 389

    2 Monoplio da jurisdio ... 389

    3 O devido processo legal ... 390

    4 Garantias da magistratura ... 390

    5 Competncia dos Tribunais ... 391

    6 Os magistrados e seu estatuto ... 392

    7 Organizao do Poder Judicirio ... 395

    8 Supremo Tribunal Federal ... 395

    9 Superior Tribunal de Justia ... 398

    10 Justia Federal Comum ... 400

    11 Justia do Trabalho ... 402

    12 Justia Eleitoral ... 404

    13 Justia Militar ... 405

    14 Juizados Especiais e Justia de Paz ... 406

    15 Justia dos Estados ... 407

    Captulo 21 - FUNES ESSENCIAIS JUSTIA ... 409

    1 Ministrio Pblico - Posio constitucional ... 411

    1.1 Princpios, autonomia e garantias ... 411

    1.2 Funes do Ministrio Pblico ... 412

    1.3 Os diversos Ministrios Pblicos ... 413

    2 Advocacia Geral da Unio ... 414

  • 3 Defensoria Pblica ... 415

    4 Advocacia ... 416

    Captulo 22 - DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIES DEMOCRTICAS ... 417

    1 Estado Democrtico de Direito e crise ... 419

    2 Sistema constitucional das crises - Flexvel e rgido ... 420

    3 Estado de defesa ... 423

    4 Estado de stio ... 425

    5 Foras Armadas ... 427

    6 Segurana pblica ... 429

    Captulo 23 -TRIBUTAO E ORAMENTO ... 431

    1 Sistema Tributrio Nacional - Consideraes gerais ... 433

    2 Tributos ... 433

    2.1 Impostos ... 434

    2.2 Taxas ... 434

    2.3 Contribuio de melhoria ... 435

    2.4 Emprstimos compulsrios ... 436

    2.5 Contribuies sociais ... 436

    3 Limitaes constitucionais do poder de tributar ... 437

    4 Discriminao constitucional de rendas ... 440

    4.1 Impostos da Unio ... 441

    4.2 Impostos dos Estados ... 442

    4.3 Impostos dos Municpios ... 445

    5 Repartio das receitas tributrias ... 446

    6 Finanas pblicas ... 446

    7 Oramento - Noo, natureza e elementos ... 447

  • 8 Caractersticas do oramento ... 448

    9 Modalidades de oramento ... 449

    10 Lei complementar e oramento ... 450

    11 Vedaes constitucionais oramentrias ... 451

    12 Processo legislativo das leis oramentrias ... 452

    Captulo 24 - ORDEM ECONMICA E FINANCEIRA ... 453

    1 Fundamentos da ordem econmica - Liberalismo, intervencionismo e dirigismo econmico - O neoliberalismo ... 455

    2 Princpios da ordem econmica ... 456

    3 Atuao do Estado no domnio econmico ... 458

    4 Planejamento ... 459

    5 Servios pblicos. ... 460

    6 Regime das jazidas, minas, riquezas minerais e potenciais de

    energia hidrulica ... 460

    7 Poltica urbana ... 460

    8 Poltica agrcola, fundiria e reforma agrria ... 461

    9 Sistema Financeiro nacional ... 463

    Captulo 25 - ORDEM SOCIAL ... 465

    1 Consideraes gerais ... 467

    2 A seguridade social ... 467

    2.1 Sade ... 468

    2.2 Previdncia social ... 468

    2.3 Assistncia social ... 470

    3 Educao e cultura ... 470

    4 Desporto ... 471

    5 Cincia e tecnologia ... 471

  • 6 Comunicao social ... 472

    7 Meio ambiente ... 472

    8 Famlia ... 473

    9 Criana, adolescente e idoso ... 474

    10 ndios ... 474

    Captulo 20 - DISPOSIES CONSTITUCIONAIS GERAIS E TRANSITRIAS ... 477

    1 Disposies gerais - Natureza ... 479

    2 Servios notariais e de registro ... 479

    3 Disposies transitrias - Natureza e forma ... 479

    Sumrio

    '! Direito Constitucional - Conceito, objeto e contedo cientifico

    2 Direito Constitucional - Teoria Geral do Estado e Cincia

    Poltica

    1 DIREITO CONSTITUCIONAL - CONCEITO, OBJETO E CONTEDO

    CIENTIFICO

    O , Direito Constitucional estuda a Constituio. Para os que admitem a

    dicotomia do Direito em Pblico e Privado, o Direito Constitucional o ramo or

    p

    excelncia do Direita Pblico.

    A diviso do Direito em Pblico e Privado prende-se utilidade e necessida-

    de, sobretudo didticas, pois, do ponto de vista da cincia jurdica, tm sido falhos,

    insuficientes e obscuros os critrios distintivos. No so poucos esses critrios. Anali-

  • sando-os, destaca-se inicialmente o critrio do interesse ou da utilidade contido no

    Direito Romano: o Direito Pblico versa sobre o modo de ser do Estado; o Privado,

    sobre o interesse dos particulares. Com efeito, alguma.s coisas so teis publicamen-

    te, outras privadamente. falho esse critrio, porque no h como separar o interesse

    indimdual do pblico, j que ambos se interpenetram. Assim, a norma jurdica no

    visa apenas ao nteresse do Estado ou do particular. Tome-se como exemplo o Direi-

    to de Familia, cujas normas, notadamente as que se referem ao casamento, interes-

    sam tanto ao individuo quanto ao Estado, quando se trata da estabilidade familiar.

    Tambm o ensino privado, que, no obstante situar-se no mbito do Direito Privado

    ,

    interessa igualmente ao Direito Pblico.

    Buscou-se ento o fundamento da distino no interesse predominante. Se a

    norma objetiva garantir diretamente o interesse privado e indiretamente o da sociedade, trata-se de Direito Privado; na hiptese contrria, estaramos diante de

    norma

    de Direito Pblico. A mesma dificuldade antes apontada, qual seja, a de assinalar o

    interesse predominante numa determinada norma jurdica, pela interpenetrao do

    interesse pblico e individual, impede a aceitao desse critrio.

    Outros fatores fundamentam a diviso na qualidade dos sujeitus (critrio subjetivo) mostrando que, no Direito Pblico, o titular de direitos o Estado, dotado de

    imprio ou poder de supremacia, e, no Privado, titulares so as pessoas fsicas ou

    jurdicas (particulares). No satisfaz tambm essa distino, pois o Estada comparece, e at com freqncia, em contratos de locao, compra e venda, situando-se

    no

    mesmo nvel do particular, sem aquela posio de supremacia.

    Finalmente, mencione-se o critrio formal, baseado na forma externa das

    relaes jurdicas, vale dizer, ser privada a norma que tratar de relao jurdica de

    coordenao (contratos de compra e venda), com igualdade das partes na relao

    23

  • KILDARE GONALVES CARVALHO

    jurdica, e ser pblica a que versar relao urdica de subordinao, protegendo

    interesses preponderantemente pblicos. TaI critrio questionvel, pois deixaria

    margem o Direito Internacional Pblico, que regula relaes de coordenao com

    igualdade jurdica dos Estados que tm interesses de igual valor no mbito das

    relaes internacionais.

    No sendo satisfatrias as solues para a distino do Direito Pblico e Privado, nern por isso h de se desprezar a dicotomia, por ser ela til e necessria do

    ponto

    de vista didtico, e por contribuir para a formao de uma mentalidade pblica ou

    privada que tem sido responsvel pela elaborao e aperfeioamento do Direito ao

    longo dos sculos.

    O Direit onstitucinal .onstitui, princil r_amo do Direita Pblica,--p.O-is

    ttata da.Qrganizao e atividade do Estado considerd em si mesmo=

    Intimamente relacionado com o conceito de Constituio, o Direito Constitucional ter reduzida ou ampliada sua matria, segundo se entenda a Constituio em

    sentido jurdico ou poltico.

    Os conceitos, pois, de Direito Constitucional, formulados pelos mais autorizados constitucionalistas, relletem a viso de cada um deles sobre o significado de

    Constituio. Afonso Arinos de Melo Franco sustenta que "o Direito Constitucional o estudo metdico da Constitufo do Estado, da sua estrutura institucional

    poltico-jurdica".1 Para Paulino Jacques, "Direito Constitucional o ramo do Direito Pblico que estuda os princpios e normas estruturadoras do Estado e garantidoras

    dos direitos e liberdades individuais".2 Manoel Gonalves Ferreira Filho diz

    que o Direito Constitucional como cincia " o conhecimento sistematizado das

    regras jurdicas relativas forma do Estado, forma do governo, ao modo de

    aquisio e exerccio do poder, ao estabelecimento de seus rgos e aos limites de

    sua ao".3 Pinto Ferreira o conceitua como "a cincia positiva das Constituies".4

    J o consagrado constitucionalista Jos Afonso da Silva afirma que o Direito Cons-

  • titucional "o ramo do Direito Pblico que expe, interpreta e sistematiza os

    princpios e normas fundamentais do Estado".5 Rosah Russomano considera o

    #

    Direito Constitucional "como o sistema de princpios e de normas positivas que

    estruturam o Estado de Direito".6 IdentiFicando o Direito Constitucional com o

    Direito Poltico, Marcelo Caetano o conceitua como "o conjunto de normas jurdi-

    cas que regula a estrutura do Estado, designa as suas funes e define as atribui-

    es e os limites dos supremos rgos do poder poltico".

    1 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Direito constitucional, p.4.

    2 JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional, p. 2.

    3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional, p. 4.

    4 PINTO FERREIRA, Luiz. Manual de direito constitucional, p. l.

    S SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 34.

    RUSSOMANO, Rosah. Curso de direito constitucional, p. 17.

    7 CAETANO, Marcelo. Direito constitucional, v. I, p. 62.

    24

    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    Verifica-se, dentre todos esses conceitos, que o Direito Constitucional cuida de

    _matria referente estrutura, fins e funes do Estado, titularidade e_ organizao

    do poder poltico e aos limites de sua atuao (direitQs fundamentais. Q controe d

    constitucionalidade).

    O Direito Constitucional abrange as seguintes disciplinas:

    Direito Constitucional Positivo, Particular ou Especial, cujo objeto a interpretao, crtica e sistematizao das normas constitucionais vigentes em determinado

    Estado (Espanha, Portugal, Brasil, por exemplo);

    Direito Constitucional Comparado, que "analisa no uma, mas diversas

    Constituies, ou tipos de Constituio, para obter da comparao dessas normas positivas dados sobre semelhanas ou diferenas que so igualmente teis

  • ao estudo jurdico",8 podendo a comparao abranger Constituies consideradas em sua dimenso espacial ou temporal, destacando-se, na atualidade, a comparao entre

    Constituies prximas no tempo, mas geograficamente distantes.

    O Direito Constitucional Comparado revela a existncia de duas principais vertentes: o Direito Constitucional democrtico clssico e o Direito Constitucional

    do socialismo totalitrio. O primeiro compreende diversas formas polticas,

    como parlamentar, presidencial, liberal e autoritria, capitalista, neocapitalista

    (Estado social) e socialista na modalidade social-democrata. O segundo abrange

    os regimes comunistas (marxistas, maostas e outros) e formas de transio denominadas democracias populares. Com a extino, no entanto, da Unio das Repblicas

    Socialistas Soviticas (URSS), a criao, em seu lugar, da Comunidade

    de Estados Independentes (CEI) e a transformao dos Estados do Leste Europeu, novas regras constitucionais devero surgir para a ordenao de uma forma

    poltica emergente e, por isso mesmo, ainda no def nida, o que certamente ir

    enriquecer o Direito Constitucional Comparado;

    Direito Constitucional Geral, que "utiliza as determinaes positivas, peculiares ao Direito Constitucional de diversos Estados, estabelecendo conceitos, formu-

    lando princpios e apontando tendncias gerais".9 Constituem objeto do Direito

    Constitucional Geral, segundo Jos Afonso da Silva, "o prprio conceito de Direito

    Constitucional, seu objeto genrico, seu contedo, suas relaes com outras discipli-

    nas, suas fontes, a evoluo do constitucionalismo, as categorias gerais do Direito

    Constitucional, a teoria da Constituio (conceito, classificao, tipos, formao,

    mudanas, extino, defesa, natureza de suas normas, estrutura normativa, etc.),

    hermenutica, interpretao e aplicao das normas constitucionais, a teoria do po-

    der constituinte, etc.)".lo

    8 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Op. cit., p. 6.

    9 RUSSOMANO, Rosah. Op. cit., p. 20.

    10 SILVA,jos Afonso da. Op. cit., p. 36.

    KILDARE GONALVES CARVALHO

  • 2 DIREITO CONSTITUCIONAL - TEORIA GERAL DO ESTADO E CINCIA

    POLTICA

    So fronteirias as zonas entre estas disciplinas que tm por fim ltimo 0

    estudo do fenmeno poltico e o prprio fenmeno poltico. As relaes entre o

    Direito Constitucional e as outras cincias polticas se intensificaram a partir do

    momento em que o Estado deixou de ser considerado como instituio parte da

    sociedade. de Bidart Campos a observao de que "qualiEca-se como poltica

    toda cincia que tenha por objeto o Estado, sua natureza, sua estrutura, seu

    funcionamento, suas relaes com outros grupos sociais coletivos, tanto no inte-

    rior como no exterior, suas relaes com os indivduos, assim corno tambm os

    fatores humanos, econmicos e sociais que condicionam ou determinam sua

    existncia"."

    Podemos, no entanto, demarcar as fronteiras de cada uma dessas disciplinas,

    sem perder de vista a observao de que todas elas se qualificam de polticas, e seus

    objetos se superpem.

    A Teoria Geral do Estado cincia terica, especulativa, que se prope a estudar o Estado em si mesmo, no que tem de essencial e permanente no tempo. Carlos

    S. Fayt, contudo, defende a tese de que a Teoria Geral do Estado estuda o fenmeno

    estatal tanto em sua generalidade como em sua realidade concreta atual, assinalando

    que essas duas perspectivas de investigao cientfica do Estado no so excludentes

    - ou seja, o exame do que comum a todos os Estados ao longo de seu desenvolvimento histrico-social, do que vlido para qualquer tempo e para todo tipo de

    Estado, no se ope investigao da realidade concreta da entidade estatal - mas se

    integram reciprocamente.'z

    A Teoria Geral do Estado cincia enciclopdica, pois se utiliza de conhecimentos da Sociologia, da Histria, da Economia, da Matemtica (teoria dos jogos),

    dentre outras cincias. Constitui ainda a Teoria Geral do Estado uma cincia de

    sntese, pois, como pensa Groppali, que prefere cham-la de Doutrina do Estado

    (segundo ele, no h teoria que no seja seno geral), "enquanto resume e integra,

  • em uma sntese superior, os princpios fundamentais de vrias cincias sociais,

    jurdicas e polticas, as quais tm por objeto o Estado considerado em relao a

    determinados momentos histricos, estuda o Estado de um ponto de vista unitrio

    na sua evoluo, na sua organizao, nas suas funes e nas suas formas mais

    tpicas, com a inteno de determinar suas leis formativas, seus fundamentos e

    seus fins".'3 Compreende, assim, a Teoria Geral do Estado, na viso do citado

    autor, trs partes distintas: a) a teoria sociolgica do Estado, que estuda a gnese e

    evoluo do Estado; b) a teoria jurdica do Estado, que trata da organizao e

    I1 CAMPOS, German Jose Bidart. Derecho poltzco, p. 50.

    12 FAY'T, Carlos S. Derecho poltlco, p. 117.

    13 GROPPALI, Alexandre. Doutrina do Estado, p. 8-9.

    26

    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    personificao do Estado; e c) a teoria justificativa do Estado, que cuida dos funda-

    ,

    mentos e fins do Estado.

    Tambm Miguel Reale entende que "a Teoria Geral do Estado recebe os

    dados das diferentes cincias particulares, e depois os reelabora, para chegar a

    uma sntese de elementos constantes e essenciais, com excluso do acessrio e

    secundrio. O Estado aparece, ento, como uma pirmide de trs faces, a cada

    uma delas correspondendo uma parte da cincia geral: uma a social, objeto da

    `Teoria Social do Estado', na qual se analisam a formao e o desenvolvimento da

    instituio estatal em razo de fatores socioeconmicos; a segunda a jurdica,

    objeto da `Teoria Jurdica do Estado', estudo normativo da instituio estatal, ou

    seja, 'de seu ordenamento jurdico; a terceira a poltica, de que trata a `Teoria

    Poltica do Estado', para explicar a finalidade do governo em razo dos diversos

    sistemas de cultura. '4

  • A Cincia Poltica, em sentido amplo, concebida como o conglomerado de

    conhecimentos, da mais diversa natureza, destinados a explicar e a descrever, sistemati-

    zando, os fenmenos polticos. A Cincia Poltica "estuda os fenmenos relacionados

    com o fundamento, organizao, exerccio, objetivos e dinmica do poder na

    sociedade"(Pablo Lucas Verd). Engloba todos os conhecimentos, seja qual for o mto-

    do empregado na sua obteno, relativos compreenso, explicao e fundamento

    racional dos fatos polticos, ordenados e sistematizados em funo de seu objeto.

    Em sentido estrito, na Cincia Poltica avulta a construo de sistemas e modelos tericos relativos aos fenmenos polticos, como fenmenos ligados estrutura,

    ao exerccio e ao controle do poder poltico nas suas diversas formas. a disciplina

    que "estuda as manifestaes, as formas e as regularidades dos fatos polticos, em si

    mesmos ou atravs do comportamento dos indivduos, mediante mtodos de observao"( Marcelo Caetano).

    O poltico no se identifica com o estatal, para as teorias sistmicas, que recorrem noo de sistema poltico e no de Estado como centro das anlises polticas.

    O poltico pode existir independentemente do Estado, como, a propsito, considera

    o sociologismo.

    A Cincia Poltica tem por fim o estudo do poder poltico e por conseqncia

    as instituies polticas como instrumentos deste poder sob todos os seus aspectos.

    Ela estuda a origem, os fundamentos e a natureza do poder poltico, depois

    sua organizao e seu funcionamento.

    Examina os fenmenos de competio inevitveis entre as foras e os homens

    que desejam tomar o poder e depois conserv-lo, os meios e o comportamento daqueles que o detm, a fim de conservar e de atender a certos fins, e as oposies que o

    combatem e de que alguns sero algum dia vitoriosos.

    14 REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado, p. 123 -124.

    27

    KILDARE GONALVES CARVALHO

    Examina os fenmenos de toda a natureza e notadamente os fenmenos sociais

  • que tratam do poder e de sua natureza, sua extenso, sua orientao e sua organizao ( Jacques Cadart).

    A etapa verdadeiramente positiva da Cincia Poltica alcana-se quando se

    transferem para a anlise dos fenmenos polticos os requisitos do conhecimento

    cientfico (verificabilidade, sistema, generalidade).

    H o estabelecimento de um sistema, concebido como um conjunto de variveis ou de elementos interdependentes que permite estabelecer as relaes ou conexes entre os fatos, e adotar um modelo ou paradigma terico, dizer, um conjunto

    coerente de conceitos claramente definidos e relacionveis entre eles, na linguagem

    de Gomes Canotilho.

    O poltico designa um campo social de interesses contraditrios ( reais, imaginrios ou simblicos) mas tambm de convergncias e agregaes parciais, regulado

    por um Poder que dispe do monoplio da coero legtima.

    Se na sociedade global no houvesse conflito de racionalidades entre patres e

    operrios, entre produtores e consumidores, entre jovens procura de trabalho, e

    adultos empregados, entre a cidade e o campo, entre militares e civis, e tantos outros,

    se apenas houvesse complementaridade e convergncia, no haveria qualquer necessidade de um poder de coero para obrigar quem quer que fosse.

    A relao governantes-governados (mando e obedincia) alcana globalmente

    s sociedade, d modo que nenhum indivduo escapa ao seu domnio. Esta relao

    imprescindvel para a existncia da realidade poltica. Se todos mandassem e ningum obedecesse, ou vice-versa, no haveria poltica.

    A seu turno, um poder se torna poltico, desde que disponha efetivamente do

    monoplio da coero, da sua capacidade de ditar o Direito, seja exercendo-o direta-

    mente, seja por delegao (Philippe Braud).

    Em sntese; pode-se afirmar que, em sentido estrito, a Cincia Poltica cincia

    do sculo XX (Political Science dos anglo-saxes), embora com razes em Aristteles,

    descritiva, neutral, e no-normativa (estuda o ordenamento jurdico como um fato).

    Na Cincia Poltica d-se nfase ao poder, estruturas sociais e econmicas e ao pro-

    cesso poltico (grupos de presso, partidos polticos), com vistas construo de

  • sistemas polticos.

    Como esclarece Sanches Agesta, na lembrana de Ivo Dantas, h tendncia, na

    Cincia Poltica, de se afastarem as consideraes jurdicas do Estado, "uma realidade que est em crise ou transformao, para dar nfase ao poltica, ao poder, ou

    s tarefas concretas, ou objetivos que o Poder realiza, e se presta ateno,

    preferentemente, realidade social que envolve, apia ou condiciona essa ao poltica, ou esse poder, relegando a segundo plano o estudo jurdico do Estado e de sua

    Constituio".'s

    15 DANTAS, Francisco Ivo Cavalcanti. Teoria do Estado, p. 417.

    28

    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    A compreenso da Cincia Poltica e de seu universo pressupe a necessidade

    de se conhecer e identificar alguns conceitos:

    a) fato poltico - todo o acontecimento ligado instituio, existncia e exerccio do Poder Poltico;

    b) relao poltica - " aquela posio em que se encontram vrios elementos

    relacionados com a organizao, exerccio e objetivos do Poder Poltico de que se

    deduzem determinados resultados"( Verd). Exemplos de relaes polticas: os parti-

    dos polticos, que se encontram na posio de governantes referentemente aos que

    esto na oposio, de maneira que suscitam a relao poltica governo-oposio. Os

    grupos sindicais, a igreja, as sociedades e associaes de intelectuais influenciam,

    mediante o voto, a imprensa, as discusses, crticas e advertncias, presses a favor

    ou contra determinadas polticas do governo, configuram a relao de participao

    poltica em grau diferente de intensidade, e com maior ou menor xito, nas decises

    governamentais;

    c) estrutura poltica - conjunto de elementos interdependentes que configuram,

    organizam e direcionam, com relativa permanncia, os diferentes processos polticos.

    O Estado a mxima estrutura da convivncia poltica enquanto a comunidade internacional no adquirir caractersticas morfolgicas mais consolidadas e eficazes.

  • Para Carlos S. Fayt, "toda organizao poltica tem uma estrutura constituda

    por elementos essenciais e no essenciais ou secundrios e uma forma, como confi-

    gurao das relaes que se do no interior da estrutura. A forma poltica a confi-

    gurao lgica que resulta das relaes entre os elementos de uma estrutura poltica.

    Como exteriorizao ou contorno de uma realidade poltica, a compreende em sua

    unidade substancial, proporcionando-lhe sentido e singularidade";

    d) processo poltico - "a concreo peridica e formal do dinamismo polti-

    co, dentro, entre e em torno das estruturas polticas"( Verd).

    So processos polticos a institucionalizao, personalizao do poder, orien-

    tao, participao, oposio poltica, integrao das foras polticas, politizao e

    despolitizao;

    e) instituio - noo vaga que designa realidades sociolgicas muito variadas

    #

    e vivas, mas cujes contornos permanecem fluidos. Etimologicamente, a palavra insti-

    tuio significa aquilo que estabelecido e por conseqncia o que estabelecido por

    uma vontade humana. Uma instituio uma criao da vontade do homem que se

    ope a um dado natural, a uma criao natural. O governo de um pas uma instituio fruto da vontade humana, a vontade de um chefe com poder ou a vontade dos

    cidados. Entretanto, tudo o que o homem estabelece por sua vontade no instituio. O homem estabelece quantidades de coisas efmeras: uma palavra no ar, uma

    conversao, uma reuro de amigos, que no podem ser consideradas instituies.

    Uma instituio estabelecida de maneira durvel, permanente, em virtude da unio de

    vontades individuais visando uma emresa comum: esta unio de vontades cria uma

    organizao

    29

    KILDARE GONALVES CARVALHO

    social, rgos sociais e notadamente uma autoridade dirigente dessa organizao social, que so durveis. Essa convergncia de diversas vontades cria ademais

    os mecanismos de funcionamento desta organizao social.

  • H duas categorias de instituies:

    a) instituies-rgos: so os organismos sociais criados pela vontade humana

    de maneira durvel e unindo homens. So inumerveis: a famlia, a governo, os

    partidos polticos,etc.;

    b) instituies-mecanismos: trata-se de mecanismos institucionais que regem

    esses mesmos rgos. So as regras s quais os rgos obedecem, suas regras de

    funcionamento, como por exemplo, a responsabilidade poltica do governo diante

    do parlamento. Na famlia, instituio-rgo, o ptrio poder instituio-mecanismo. H uma estreita relao entre as duas categorias de instituio (Jacques Cadart).

    A respeito da teoria que considera o Estado como instituio, cf. o Captulo 2, n. 4.1.

    Note-se ainda que a Cincia Poltica e a poltica se distingem. A primeira estu-

    da objetivamente os dados de sua matria, a fim de estender seu conhecimento e

    permitir aos atores da vida poltica melhor conduzir e melhorar as instituies e a

    sorte dos homens que devem ser dela beneficirios. A poltica uma atividade e uma

    luta, e no uma cincia.

    O Direito Constitucional, a seu turno, tem por objeto uma realidade normativa,

    formada por normas jurdicas, e no uma realidade fatual, como ocorre com a Cincia

    Poltica.

    No se perca de vista, no entanto, que contemporaneamente o Direito Constitucional tem-se ocupado do exame dos aspectos polticos, socioeconmicos e histri-

    cos subjacentes ao ordenamento jurdico do Estado, sob uma perspectiva no-

    normativa. Tende, portanto, o Direito Constitucional a ser cada vez menos o Direito

    da Constituio, para converter-se cada vez mais no Direito das instituies e dos

    regimes polticos (Segundo Linares Quintana), falando-se ento em politizao do

    Direito Constitucional.

    30

    Captulo 2

  • ESTRUTURA DO ESTADO

    Sumrio

    1 Sociedade e Estado

    2 Sociedades pr-estatais, infra-estatais e supra-estatais

    3 Conceito de Estado

    4 Natureza do Estado

    5 Evoluo histrica do Estado

    6 Origem e justificao do Estado

    7 Processos de formao e extino do Estado

    8 Elementos do Estado - Consideraes iniciais

    9 Personalidade do Estado

    10 Formas de Estado - Conceito de forma de Estado

    & 1 SOCIEDADE E ESTADO

    O Estado compe a substncia e a essncia da Constituio. A realidade da Constituio inseparvel da realidade do Estado. Da a necessidade de se considerar o

    Estado como matria objeto da Constituio.

    Neste Captulo so abrangidos temas referentes Teoria Geral do Estado e ao

    Direito Constitucional, mas tambm prprios de uma Teoria da Constituio, por

    revelar a Constituio a realidade do Estado, dando-lhe estrutura e conformao

    jurdicas.

    O estudo do Estado pressupe o conhecimento das formas de relaes humanas.

    O homem, como ser insuficiente, percebe a existncia do outro que lhe proporciona abertura para a convivncia e a coexistncia, surgindo a sociedade.

    No h, todavia, unanimidade de pensamento quanto ao conceito de sociedade. Em seu sentido mais amplo, a sociedade refere-se totalidade das relaes sociais

    entre os homens. Mas a fim de evitar a ambigidade deste conceito lato, que parece equiparar a sociedade a qualquer grupo social, tem-se entendido por sociedade

  • o maior dos grupos a que um indivduo pertence, ou o grupo dentro do qual os membros compartilham dos elementos e condies bsicas de uma vida comum.

    Os fundamentos da sociedade podem ser reduzidos a duas teorias: a teoria orgnica e a teoria mecnica.

    Para os organicistas, o homem, como ser eminentemente social, no pode viver

    fora da sociedade. A sociedade , assim, um organismo composto de vrias partes,

    com funes distintas, mas que concorrem para a vida do todo. So organicistas,

    dentre outros, Aristteles, Plato, Comte, Bluntschli, Savigny.

    Os mecanicistas afirmam que a base da sociedade o consentimento e no o

    princpio da autoridade. A vontade livre e autnoma do indivduo constitui um valor que a sociedade deve legitimar. Os mecanicistas partem da existncia de um estado

    de natureza (apenas lgico e no histrico) anterior ao estado de sociedade, para explicar o seu fundamento com base na vontade livre dos indivduos (Locke e Rousseau).

    Ao se relacionar com o outro, o homem trava relaes sociais que podem revestir-se de vrias modalidades.

    Num primeiro grupo esto as relaes sociais espontneas e organizadas, que

    do origem comunidade e sociedade.,

    33

    KILDARE GONALVES CARVALHO

    Comunidade e sociedade so categorias sociolgicas puras relacionadas com a

    convivncia social. Foram formuladas pelo socilogo alemo F. Tnnies (l855-1936).

    A base de distino entre comunidade e sociedade psicolgica, e parte de uma oposio entre dois tipos de vontade - a vontade natural e a vontade reflexiva.

    A distino entre as duas vontades leva s duas maneiras pelas quais os homens formam grupos sociais: comunidade (gemeinschaft), baseada na vontade orgnica, e sociedade

    (gesellschaft), baseada na vontade reflexiva.

    A comunidade atende s necessidades da vida orgnica, e tem suas razes no

    estado primitivo e natural do indivduo, no agrupamento da sua vida elementar: as relaes entre me e filho, homem e mulher, irmos e irms.

    Essas relaes originrias se traduzem na vida comum, na convivncia, na

  • reciprocidade ou solidariedade pelo mtuo auxlio de vontades. No seio destas

    relaes orgnico-corporais h uma ternura instintiva e espontnea do forte para

    com o mais fraco, um prazer de ajudar e proteger intimamente relacionado com o

    prazer de possuir ou com a satisfao que causa o poder prprio. A comunidade de

    sangue, como unidade de essncia, se desenvolve e especializa na comunidade de

    lugar, que tem sua imediata expresso na convivncia local, que, a seu turno, passa para a do esprito.

    A comunidade de lugar tem por vnculo a vida sedentria, enquanto que a de

    esprito aquela propriamente humana, o tipo mais elevado de comunidade. H,

    portanto, trs tipos de comunidade: a) de sangue; b) de lugar ou local de vizinhana; c) de esprito ou de amizade. Esta ltima surge de aes e concepes coincidentes.

    As relaes de amizade e companheirismo se estendem em sua forma espiritual pelo

    fato de se pertencer a uma mesma localidade, cidade ou assemblia, e se fundam em relaes de carter orgnico e necessrio.

    A sociedade, ao contrrio, , por natureza, artificial. Nela, as relaes sociais fundamentam-se no clculo e na representao. dominada pela razo abstrata. O

    reflexivo prevalece sobre o espontneo, o artificial sobre o orgnico e natural. Baseia-se quase sempre em convenes contratuais.

    As formas de relaes sociais no se esgotam na distino entre comunidade e

    sociedade. Do origem a outras classificaes de sociedades:

    a) sociedades necessrias, em que ocorrem vinculaes que se impem aos

    indivduos, como fundamentais e imprescindveis - sociedade familial, sociedade

    religiosa e sociedade poltica;

    b) sociedades contingentes, em que ocorrem relaes meramente acidentais e

    circunstanciais que aprimoram e facilitam o convvio humano - sociedades esportivas, sociedades econmicas, sociedades filantrpicas, etc.;

    c) sociedades de fins particulares, cuja finalidade definida e voluntariamente

    escolhida por seus membros;

    34

  • DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    d) sociedades de fins gerais, cujo objetivo, indefinido e genrico, o de criar as condies necessrias para que os indivduos e os demais grupos sociais que nela

    se acham integrados, consigam atingir seus fins particulares. A participao nelas quase sempre independe de um ato de vontade.

    Das vrias formas de sociedade, a sociedade poltica aquela que permite a

    realizao da totalidade do ser humano, e concilia os objetivos dos demais grupos sociais, ainda que conflitantes, em funo de um fim comum a atingir.

    Nesta ordem de idias que examinaremos o Estado como sociedade poltica.

    O Estado manifestao do poltico. Mas o que o poltico? Todo o estatal

    poltico e todo o poltico estatal? H organizaes polticas no estatais?

    A resposta a todas essas indagaes leva necessariamente reduo do homem

    como ser constitutivamente social e poltico, porque individualmente incompleto.

    Mas o social no lhe basta, pois parcial, setorial e conflitivo. J o poltico lhe imanente e essencial. A convivncia e a coexistncia no podem realizar-se

    sem forma poltica. Assim, o social no se mantm sem o poltico, modo de ser do homem, necessrio para a convivncia com seus semelhantes.

    O poltico o global. equilbrio, organizao, plenitude. Equilbrio porque o

    poder social que se torna poltico permite a harmonia total, dentro dos grupos sociais; organizao porque preside a todos os grupos, encabea-os, ordena-os e os

    planifica; plenitude porque esses poderes equilibrados e organizados permanecem enquadrados num mbito total e geral, que exige lealdade de todos eles (1).

    O Estado aparece ento como a organizao poltica, a estrutura, a forma poltica que acompanha a convivncia: o Estado , assim, produto da essncia poltica do

    homem.

    A convivncia e a coexistncia reclamam direo, ordenao e governo, sob pena de se transformarem no caos, na anarquia e na desordem. Desta forma, a convivncia

    social no pode dispensar chefia e direo, encarnadas num governo que dever naturalmente buscar o que comum totalidade da convivncia social.

    Tal organizao poltica hoje o Estado. Mas ele sempre existiu? Para muitos a

    resposta positiva: Estado e sociedade poltica identificam-se e aquele tomado como fenmeno humano permanente e universal (2); para outros, no entanto, a variedade

  • com que se apresentam as sociedades polticas acarreta diferenciaes e classificaes que levaro a considerar o Estado como uma forma especfica de organizao

    poltica (3).

    Revela-se, assim, o Estado como fenmeno historicamente situado.. O Estado

    que estuda tem suas origens no Estado moderno de origem europia, que surgiu no

    Renascimento (Hermann Heller sustenta que o Estado moderno que corresponde aos

    (1) CAMPOS, German Jose Bidart. Derecho poltico, p. 37.

    (2) CAMPOS, German Jose Bidart. Op. cit., p. 191-216

    (3) MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, t. 1, P. 46.

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    KILDARE GONALVES CARVALHO

    - estudos da Teoria do Estado)(4), havendo at mesmo quem determine a data de seu aparecimento: o ano de 1648, com a assinatura da paz de Westflia, pondo fim

    guerra dos Trinta Anos (Balladore Palliere, e, entre ns, Ataliba Nogueira).

    _Mencione-se, no entanto, que, j no sculo XIII, Frederico II organizou na

    Siclia um Estado com as caractersticas do Estado moderno: Corte centralizada,

    burocracia complexa, com superao da disperso feudal.

    Caracteriza-se Estado moderno pela ocorrncia de duas notas que o distinguem de outras organizaes polticas: o poder poltico soberano e a territorialidade,

    os quais examinaremos adiante, ao cuidarmos dos elementos do Estado.

    & 2 SOCIEDADES PR-ESTATAIS, INFRA-ESTATAIS E SUPRA-ESTATAIS

    Antes do aparecimento histrico do Estado, houve sociedades pr-estatais,

    como a famlia patriarcal; o cl ("diviso exgama de uma tribo, cujos membros so aparentados uns com os outros por meio de um lao qualquer comum, ou a posse

    comum de totem, ou a moradia em territrio comum"); a tribo, que, composta de

    cls, o grupo social de espcies simples, cujos membros tm um governo nico e

  • agem em conjunto para certos propsitos, como a guerra (5); a gens romana; o senhorio feudal.

    H, ainda, as sociedades que contm os elementos mais prximos do Estado, como os esquims, os bosquimanos e os pigmeus.

    Finalmente, mencione-se as sociedades infra-estatais, como as regies ou as

    provncias autnomas, e as sociedades supra-estatais, como a comunidade internacional e as associaes de Estado.

    & 3 CONCEITO DE ESTADO

    Na Antigidade romana, a palavra Estado denotava situao ou condio de

    uma coisa ou pessoa.

    Assim, eram utilizados: a) status civitatis, para classificar os indivduos em romanos e estrangeiros, segundo sua posio na sociedade poltica; b) status libertatis,

    para classific-los em livres, libertos e escravos, atendendo o grau de autonomia pessoal; c) status familiae, para classific-los em sui juris e alieni juris, capazes

    ou incapazes de exercer seus direitos (6).

    (4) HELLER, Hermann. Teoria do Estado, 1968.

    (5) CARVALHO, Orlando Magalhes. Resumos de teoria geral do Estado.

    (6) SALVETTI NETTO, Pedro. Curso de teoria do Estado, p. 37.

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    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    Na Idade Mdia, "Estado" eram os estamentos, corpos sociais segundo rgida

    hierarquia, que seriam posteriormente o clero, a nobreza e o povo.

    O terceiro Estado (burguesia) foi mencionado na Revoluo Francesa.

    Bodin, em sua obra Os seis livros da repblica, ( 1576) utilizou a expresso Repblica dos Latinos para designar o Estado como unidade total.

    Mas foi Maquiavel quem empregou o termo Estado (stato) com o sentido de

  • - unidade poltica total, em sua obra II prncipe, escrita em 1513: "Todos os Estados, todos os domnios que tiveram e tm imprio sobre os homens so Estados e

    so ou repblica ou principados".

    Para se chegar a um conceito de Estado (provisrio, insistimos), deve-se considerar a existncia de trs elementos que o integram: povo, territrio e poder poltico,

    que sero adiante examinados.

    Alexandre Groppali entende por Estado "a pessoa jurdica soberana, constitu-

    da de um povo organizado sobre um territrio sob o comando de um poder supre-

    mo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social (7)".

    Darcy Azambuja o conceitua como "a organizao poltico-jurdica de uma sociedade para realizar o bem pblico, com governo prprio e territrio determinado" (8).

    J Dalmo de Abreu Dallari o v como "a ordem jurdica soberana que tem por

    fim o bem comum de um povo situado em determinado territrio" (9).

    Pablo Lucas Verd entende por Estado "a sociedade territorial juridicamente

    organizada, com poder soberano que busca o bem-estar geral" (10).

    Note-se que so vrios os conceitos de Estado, segundo se procure dar nfase

    ao elemento poder ou se atenda sua natureza jurdica, sem ainda se desconhecer o substrato social para a sua formulao.

    A soberania, que adiante examinaremos, constitui, a nosso juzo, apenas um

    dos traos do moderno Estado europeu: assim, a soberania no conceito inerente idia de Estado, mas apenas uma qualidade do poder poltico (ver subitem 8.3).

    Destaca-se, ainda, na compreenso terica do Estado, que o fenmeno estatal

    revela-se no elemento pessoal (Estado-comunidade) como no elemento poder (Estado-aparelho ou Estado-poder).

    Mesmo assim o Estado no se reduz a nenhum deles, que, antes, se interpenetram e so interdependentes.

    Esclarea-se, por final, que tanto o poder como a comunidade se submetem ao

    jurdico, fonte de segurana e justia, condio necessria para a convivncia social harmnica e sem violncia, embora o direito se refira sempre ao poltico, que

    o institucionaliza e legitima.

  • (7) GROPPALI, Alexandre. Doutrina do Estado, p. 303.

    (8) AZAA4BUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, p. 6.

    (9) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, p. 100-101.

    (10) VERDU. Pablo Lucas. Curso de derecho poltico, p. 49.

    37

    & 4 NATUREZA DO ESTADO

    O que primeiro percebemos e pensamos relativamente ao Estado no seu poder poltico aparelhado, no grupo minoritrio que manda e no majoritrio que obedece, no

    conjunto de indivduos que o compem, no territrio em que vivem e na coao do direito por ele formulado.

    Esta realidade , no entanto, insuficiente para revelar a natureza do Estado,

    que explicada por vrias teorias, algumas ressaltando apenas o seu aspecto sociolgico, outras acrescentando o aspecto jurdico e mais outras reduzindo o Estado

    sua ordem jurdica.

    Portanto, o Estado, quanto sua natureza, pode ser explicado segundo enfoques sociolgico, deontolgico, jurdico e poltico (11).

    & 4.1 Teorias sociolgicas

    Estas teorias consideram o Estado como construo social, que se qualifica

    pelas propriedades de seu poder.

    Jellinek menciona que o Estado deve ser investigado como construo social e

    como instituio jurdica, formulando conceitos sociolgico e jurdico do Estado.

    No primeiro sentido, considera o Estado como a unidade de associao dotada originariamente de poder de dominao e formada por homens fixados num territrio.

    Na ordem jurdica, concebe o Estado, que j se mostra como sujeito de direitos, ao qual atribui personalidade jurdica, como a corporao formada por um povo, dotada

    de poder de mando originrio e fixada num determinado territrio, isto , a corporao territorial dotada de um poder de mando originrio.

    Do ponto de vista sociolgico, busca-se investigar a realidade social ou grupal

  • do Estado, o fenmeno desta convivncia organizada, que consiste no Estado, sob o domnio de um ou de alguns. Desse modo, as teorias sociolgicas giram em torno

    do mando, poder ou dominao no agrupamento humano, que o Estado, e que se

    revela como fenmeno de poder, um fato que se d no mbito objetivo do social.

    As teorias sociolgicas so objetivas, pois estudam o Estado como um fato real

    e objetivo, exterior aos homens, que se situa no mundo exterior independentemente dos indivduos. So chamadas ainda de teorias realistas, porque do pouca ou nenhuma

    importncia aos aspectos da soberania e da personalidade jurdica, noes tidas at mesmo como metafsicas no confronto com elas.

    O Estado como fato de convivncia - O Estado, enquanto fenmeno social, um fato ou uma relao de fatos consistentes em que os homens esto sujeitos a

    (11) No exame desse tema, observar-se- o desenvolvimento terico formulado por Bidart Campos (Derecho poltico, p. 163-190).

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    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    um mesmo poder jurdico. uma forma particular de submisso, a uma s vontade,

    de todas as vontades formadas por uma variedade de elementos sociais estabelecidos num territrio determinado (Bischop). a mais alta gradao de relaes naturais

    de servio e de relaes sociais.

    O Estado como fato de dominao - Para Duguit, o Estado um grupo humano fixado num territrio, onde os mais fortes impem sua vontade aos mais fracos. O Estado

    a fora material, a dualidade de governantes e governados. D-se nfase no simples fato da dominao. O Estado se revela na deteno do poder por um grupo mais

    forte, cujo limite apenas a solidariedade social ou dependncia recproca entre os homens, que a regra de direito ou o direito objetivo. O Estado

    desaparece nas noes de poder de fato de determinados homens, os governantes, e

    na regra de direito que obriga aqueles a organizar e a fazer funcionar os servios pblicos. O Estado se reduz, desse modo, a uma cooperao de servios pblicos,

    cuja responsabilidade incumbe aos governantes.

  • O Estado detm o poder de dominao, de mando, e dominar significa ter a

    capacidade de poder executar incondicionalmente sua vontade relativamente a outras vontades.

    Mencione-se tambm, a ttulo de ilustrao histrica, como integrante da teoria, o comunismo, que concebe o Estado como um fato de dominao, fundado no antagonismo

    de classes: o rgo de dominao de uma classe, o rgo de opresso de uma classe sobre outra, o domnio do capitalismo sobre o proletariado.

    O Estado como dualidade de governantes e governados - Em qualquer grupo social, seja menor, seja maior, primitivo ou mais evoludo, efmero ou duradouro, surge a

    distino entre governantes e governados. A teoria sociolgica, segundo acentua Duverger, se ocupa de acentuar esse aspecto da realidade do Estado como

    grupo social. Mesmo a teoria da dominao, antes referida, pressupe a dicotomia

    entre governantes e governados, entre o que manda e o que obedece. O Estado ,

    assim, fundamentalmente, uma dualidade. O grupo social se divide em dois grandes

    campos de ao: o dos que governam e o dos que so governados. O termo Estado

    perde, portanto, todo o significado, sem essa dualidade.

    J na Idade Mdia esse aspecto era ressaltado pela imagem da dualidade de rei

    (rex) e reino (regnum), de prncipe e povo, que no chegavam a fundir-se numa unidade superior.

    O Estado como instituio - A instituio que concebe o Estado como um

    substrato social no constitui uma categoria elaborada pelo direito, mas um fenmeno social que se verifica margem da ordem jurdica, apesar de posteriormente

    reconhec-la.

    Para que ocorra a institucionalizao da realidade social, necessrio que

    ocorram manifestaes de comunho entre os membros do grupo, mediante um

    trplice movimento de interiorizao, incorporao e personificao, em torno da

    idia de determinada obra. Para Hauriou, a instituio se define como a idia de obra

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    KILDARE GONCALVES CARVALHO

  • que se realiza e alcana durao jurdica num meio social, e que possui uma existncia objetiva. Considerada como realidade social, a instituio, que consiste,

    segundo Georges Renard, numa ordenao de um estado de coisas com vistas a assegurar, de maneira durvel, o cumprimento de certo fim com o auxlio de certos meios,

    um fenmeno social em estado bruto e espontneo, com uma personalidade moral, e no jurdica, que surge quando a instituio adquire uma existncia objetiva e

    independente dos indivduos que se sucedem no grupo. O Estado uma instituio que se distingue das demais apenas por uma diferena de grau. Com efeito, enquanto

    as outras instituies se limitam a enquadrar e disciplinar um setor das relaes humanas, o Estado ultrapassa o estreito limite ds interesses materiais e se direciona

    para o desenvolvimento da idia social com vistas realizao do bem comum, mediante o exerccio de uma vontade tambm comum.

    O Estado confundido com alguns de seus elementos - H teorias sociolgicas que reduzem a realidade do Estado a algum de seus elementos, conferindo-lhe supremacia

    sobre os demais. As principais so as que consideram o Estado como

    povo, governo, territrio e poder.

    O Estado como povo - Para esta teoria, o Estado se confunde com o povo, vindo ento a ser a totalidade dos homens que o compem. Na antigidade romana, o Estado

    se identificava com o a comunidade de cidados, vale dizer, era considerado como civitas ou res publica, sem contudo deixar de ser entendido como associao. Expressiva

    nesse sentido a afirmao de ser o Estado a forma vivente do povo, o povo mesmo. Para as doutrinas nazifascistas, o povo o Estado e o Estado o povo (Mussolini).

    O Estado como governo - O poder poltico faz com que se observe inicialmente a figura da autoridade, traduzida na expresso fsica do poder, ou seja, na pessoa de

    quem manda, no governante. O Estado considerado, nesta perspectiva, como o governo, o monarca: "O Estado sou eu", afirmava Lus XIV.

    O Estado como territrio - Esta teoria considera o territrio como o fundamental do Estado, relegando os indivduos a plano secundrio. O Estado passa a ser concebido

    como um modo territorial de organizao ou de convivncia. Note-se que, para a teoria patrimonial da Idade Mdia, o poder poltico derivava da propriedade do solo.

    O Estado como poder - Sustenta-se que o poder constitui o epicentro do Estado, o ponto de gravidade da poltica, sendo que as relaes de poder se acham

    incorporadas em instituies polticas. Juvenel desenvolve toda uma obra em torno do poder e de seu crescimento, justificando-o na obedincia, de que constitui sua

  • essncia. A obedincia pode ser racional ou voluntra, e irracional ou reflexiva. Obedece-se por indolncia, temor ou hbito. O homem encontra-se inserido numa sociedade

    domstica, religiosa e poltica, que modela sua conduta e define sua situao na vida. Submete-se a um conjunto de regras que condicionam seu comportamento social,

    que o colocam em situao de subordinao em correspondncia com o tipo

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    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    de estrutura do grupo a que pertence, a diviso do trabalho, os hbitos de vida e os meios econmicos da qual dispe. A obedincia, em qualquer de suas formas, surge

    como a fonte da qual emana o poder.

    Burdeau afirma que o Estado a institucionalizao do poder, ou seja, um

    poder que, fundado no direito e organizado segundo normas jurdicas, alcana uma

    espcie de objetividade e se despersonifica, o que o coloca acima de outros poderes.

    & 4.2 Teorias deontolgicas

    Estas teorias propem uma idia da natureza do Estado segundo um fim, que

    constitui parte integrante da sua essncia. Se a Escola do Direito Natural reclama um fim concreto para o Estado, a corrente aristotlico-tomista considera que a

    finalidade do Estado o bem comum, assinalando-se a posio de Hauriou, para quem o Estado constitui o regime que adota uma nao, mediante a centralizao jurdica

    e poltica, que se realiza pela ao de um poder poltico e de uma idia da coisa pblica como conjunto de meios que se propem realizao do bem comum.

    & 4.3 Teorias jurdicas

    Tais teorias se caracterizam por conceber o Estado como um sistema de direito. A este grupo de teorias corresponde a segunda definio de Estado formulada por Jellinek,

    ou seja, a corporao territorial dotada originariamente de poder

    de dominao.

    Como expresso dessas teorias, tem-se a teoria de Kelsen, que depura o Estado de todo o elemento sociolgico, poltico e axiolgico, concebendo-o como a personificao

  • da ordem jurdica total, privado de existncia real, e que se dissolve num sistema de normas jurdicas. O Estado equivale-se ao direito, e constitui a unidade personificada

    da ordem jurdica. O direito, por sua vez, tem um mbito espacial e pessoal de validade: a esfera espacial corresponde ao territrio, e a pessoal, ao elemento humano

    ou povo. O Estado, como pessoa jurdica, a totalidade da ordem jurdica.

    Compreende-se ainda o Estado como relao jurdica, tendo por base a teoria

    sociolgica que o trata como dualidade de governantes e governados. Tal dualismo

    se acha presente no direito ingls, que concebe o Estado como relao entre os rgos supremos (Coroa, Gabinete e Parlamento), sem chegar a unific-los numa sntese

    superior.

    Integrante da teoria jurdica do Estado ainda aquela que o concebe como

    sujeito de direito ou pessoa jurdica, que, desprezando a sua realidade sociolgica, acolhe a idia de que a ela se superpe a dimenso especial da personalidade

    de direito, independentemente da existncia de um substrato que lhe d suporte. Assim, a personalidade do Estado no uma formao natural, que preexiste a toda

    organizao constitucional, mas conseqncia da ordem jurdica.

    41

    KILDARE GONALVES CARVALHO

    & 4.4 Teorias polticas

    Estas teorias consideram o Estado como uma forma da vida poltica, caracterizada por seu poder de dominao, destacando-se as teorias do Estado como soberania, regime,

    deciso e personificao da nao.

    O Estado como soberania - Para esta teoria, o especfico do Estado o seu

    poder poltico supremo e soberano. O Estado constitui a comunidade, cujo poder

    no se acha limitado por nenhum outro poder, j que ela se situa acima de qualquer outro poder de natureza idntica ao seu. O Estado o poder por antonomsia.

    Chega-se ao conceito de soberania aps uma oposio do poder poltico relativamente a outros poderes sociais - religiosos e econmicos, dentre outros. O Estado ,

    assim, o poder de ordenar em ltima instncia.

  • O Estado como empresa poltica - O Estado considerado como empresa poltica, traduzida na cooperao planificada, num fazer comum que os homens se propem empreender

    para alcanar um fim. A empresa constituda pelas condutas

    dos governantes, que formulam o programa que iro seguir, pela conduta dos governados que a cumprem, e pela luta pelo poder, dentre outras. O Estado , desse modo,

    a empresa poltica em ao, a sucesso de atos polticos, a dinmica de uma operao coletiva na qual intervm governantes e governados. H privao de todo o substrato

    social e humano, diluindo-se o Estado em um processo de comportamentos: o Estado no um ser, mas um fazer. Para Rudolf Smend, em sua teoria da integrao, o Estado

    se manifesta numa srie de atos particulares da vida externa (leis, atos diplomticos, processos judiciais, atividade administrativa) e s existe nesses atos. A

    essncia do Estado se esgota em sua dinmica, e inexiste uma real unidade poltica. O Estado s tem realidade porque se integra de modo duradouro nas vontades harmnicas

    de seus membros. Sua realidade nasce da unio constantemente renovada de tais vontades.

    O Estado como deciso - Formulada por Carl Schmitt, a teoria do

    decisionismo surgiu como reao ao racionalismo, que pretendia reduzir o Estado e seu dinamismo poltico em categorias fixas e antecipadas em um complexo

    normativo. H uma vontade poltica preexistente, que decide acerca da forma e do

    modo da unidade poltica do Estado. Mediante a deciso poltica fundamental, que

    expressa uma vontade soberana, o povo adota uma atitude poltica unitria, essncia do Estado. A deciso, entretanto, no se reduz ao momento de se constituir o

    Estado, mas sobrevive em qualquer etapa poltica da vida estatal, em cada ocasio em que se deva adotar uma deciso de conjunto. O Estado no , pois, algo esttico,

    mas dinmico, um poder poltico que, mediante decises, impe uma ordem.

    O Estado como personificao da nao - O que personifica o Estado a

    nao organizada. A nao no tem existncia jurdica distinta. O Estado a nao juridicamente organizada. A nao considerada sujeito de direitos. Desse modo,

    o Estado no pode adquirir existncia, como pessoa, fora da nao. Nesse sentido, a nao no constitui apenas um dos elementos do Estado, mas o elemento constitutivo

    do Estado enquanto com ele se identifica.

    42

  • DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    & 5 EVOLUO HISTRICA DO ESTADO

    Como fenmeno histrico, o Estado pode ser reduzido a tipos que se acham

    relacionados com as fases da Histria e com o Estado atual.

    Jellinek dedica todo um Captulo da sua Teoria geral do Estado anlise do que

    ele chama de "tipos fundamentais de Estado", que so aqueles que mantm uma

    continuidade histrica e o conhecimento de um influi sobre o de outros, tomando-se ainda em considerao os trs elementos caracterizadores do Estado: povo, territrio

    e poder poltico (12).

    So, nesta linha, mencionados o Estado oriental, o Estado grego, o Estado

    romano, o Perodo medieval e o Estado moderno.

    Advirta-se, no entanto, com Aderson de Menezes que "os tipos estatais tm os

    seus cursos em certas ocasies renovados, repercutindo e refletindo-se os seus caractersticos em diferentes pocas e em diferentes locais. No h, ainda por esse

    motivo, uma regra de sucesso cronolgica quanto aos tipos de Estado j aparecidos e existentes na superfcie do nosso planeta. E que no se pode arrumar, cronologicamente,

    em ordem sucessiva, pela vez de aparecimento histrico, tais ou quais exemplares de Estado, capazes de simbolizar, em determinadas reas e em certos momentos, tipos

    estatais que tenham realmente acontecido um aps outro, assim como numa seqncia de vocao hereditria, em srie consecutiva. Porque, na verdade e os acontecimentos

    o comprovam fartamente, um tipo estatal contemporneo ou a ser estruturado e posto em funcionamento pode ser semelhante a outro j conhecido na Antigidade, da mesma

    forma que o tipo estatal do futuro poder apresentar-se idntico ou parecido com o ento praticado na Idade Mdia, igualmente como o tipo estatal do passado pde

    ressurgir na Era Moderna (monarquia teocrtica designada de direito divino)" (13).

    O Estado oriental, que corresponde Idade Antiga (civilizao egpcia,

    mesopotmica, hebraica, persa, judia e outras), tem como traos bsicos a teocracia (o poder poltico uma expresso do poder religioso), forma monrquica absoluta

    que acarretava a reduo dos direitos e garantias individuais, e larga extenso territorial. Os monarcas eram adorados como deuses, considerados chefes do poder

  • espiritual. Mencione-se ainda a ocorrncia, no Estado oriental, de uma marcante estratificao social, com acentuada hierarquizao da sociedade.

    O Estado grego era representado pela polis ou cidade, originria do culto dos

    antepassados, e fundada sobre uma religio (Fustel de Coulanges) (14).

    O territrio era diminuto, prevalecendo na cidade-estado o elemento pessoal

    sobre o territorial. A polis grega era assim constituda de cidados livres, uma comunidade

    (12) JELLINEK, Georg. Teora general del Estado, p. 215-248.

    (13) MENEZES, Aderson de. Teoria gera! da Estado, p. 105-106.

    (14) COULANGES, Fustel de. A cidade antiga, 1971.

    43

    de cidados, no de homens. que, alm daqueles, habitavam a cidade os metecos (estrangeiros) e os escravos, aos quais no se reconhecia a condio de participantes

    do poder poltico.

    A democracia grega baseava-se numa concepo de liberdade distinta da liberdade do pensamento constitucional do sculo XVIII. A liberdade para os gregos era a

    prerrogativa conferida aos cidados de participar das decises polticas. No significava liberdade-autonomia, entendida como a independncia individual em face

    do Estado. O absolutismo da polis absorvia a liberdade individual. A cidade-estado era uma parte essencial da vida humana. O cidado deliberava em praa pblica

    sobre as questes polticas, tratados ou aliana com estrangeiros; votava as leis, examinava contas, enfim, participava do processo poltico.

    As bases da democracia grega eram a isonomia, a isotimia e a isogaria.

    Paulo Bonavides, reportando-se ao pensador Nitti, assinala que a isonomia manifestava a igualdade de todos perante a lei, sem distino de grau, classe ou riqueza.

    A ordem jurdica dispensava o mesmo tratamento a todos os cidados, conferindo-lhes iguais direitos. A isotimia abolia da Grcia os ttulos e funes hereditrias,

    possibilitando a todos os cidados o exerccio das funes pblicas, sem outros requisitos que no o merecimento, a honradez e a confiana depositada no administrador

    pelos cidados.

  • J a isogaria significava o direito de palavra, da igualdade reconhecida a todos de falar nas assemblias populares, de debater publicamente os negcios do governo

    (15).

    Mas; como acentua Benjamin Constant, lembrado por Jorge Miranda, o indivduo, como cidado, decide da paz e da guerra; como particular, aparece circunscrito,

    observado, reprimido em todos os seus movimentos (...); pode ser privado do Estado, despojado das suas dignidades, banido, condenado morte pela vontade discricionria

    do conjunto de que faz parte (16).

    Enfim, livre era o cidado que participava da polis, integrado no todo poltico.

    A democracia no perodo clssico da civilizao grega no se aproxima da

    concepo de democracia inserida no liberalismo dos modernos: falta-lhe o princpio da igualdade; inexiste o conceito de sufrgio universal, pois, do exerccio das

    decises polticas e das assemblias, eram excludos os metecos e os escravos, j que a liberdade-participao ficava restrita aos cidados livres.

    O Estado romano assemelha-se ao grego. Sua base o agrupamento da famlia e o culto dos antepassados (17).

    Mesmo depois de ter ocupado larga extenso territorial, o Estado romano no se

    desvinculou de sua base municipal e urbana, com a expanso, inclusive, da cidadania.

    Destaca-se ainda no Estado romano a conscincia da separao entre o poder

    pblico e o poder privado. Assim, quando surge o imprio, o poder poltico visto

    (15) BONAVIDES, Paulo. Cincia poltica, p. 326-327.

    (16) MIRANDA, Jorge. Op. cit., t. I, p. 54.

    (17) COULANGES, Fustel de. Op. cit.

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    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    como supremo e uno, compreendendo o imperium (poder de mandar), a potestas (poder modelador e organizador) e majestas (grandeza e dignidade do poder). A idia de

  • auctoritas est presente na concepo de poder para os romanos e significa autoridade, mando consentido pelo prestgio de quem exerce o poder, e no apenas pela

    imposio da fora.

    evoluo social do Estado romano, que de Estado patrcio chegou ao Estado

    plebeu, corresponderam mudanas em sua forma poltica, compreendendo a realeza,

    a repblica e o imprio.

    O Perodo medieval (falamos em Perodo medieval porque realmente no teria havido Estado medieval pela desintegrao da unidade do poder, que se fragmentou em vrias

    instituies parciais e autnomas) vai desde a queda do Imprio Romano do Ocidente (395), ou a queda do Imprio Romano do Oriente (476), at a tomada de Constantinopla

    pelos turcos (1453), ou o descobrimento da Amrica (1492), embora se advirta serem questionveis os limites cronolgicos da Histria.

    Na Idade Mdia no havia coeso do poder estatal. Existiram, isto sim, comunidades parciais, como os grmios, as corporaes de ofcio, enfim, as entidades intermedirias.

    O poder poltico residia nos suseranos feudais e, depois, nos Municpios, corporaes e instituies eclesisticas. A proliferao dessas entidades intra-estatais

    dotadas de poder prprio impediu que se afirmasse, no medievo, o poder supra-estatal do Papa e do Sacro Imprio Romano-Germnico, pois no havia um povo e um territrio

    determinados. Assim, o monarca no distribua o exerccio do poder, fixando esta ou aquela funo aos indivduos. No mantinha ele uma relao direta com os seus

    sditos, porque entre eles aparecia um grande nmero de senhores feudais: igrejas individuais, conventos, monastrios, condes, bares, etc., que gozavam de privilgios

    (18).

    Prevalece, desta forma, na Idade Mdia uma concepo patrimonial e fragmentria do poder que se privatiza. Ao invs de polis, fala-se em regnum (domnio de um

    prncipe), com referncia marcadamente territorial e patrimonial.

    A cristandade afirma-se, no Perodo medieval, como o poder espiritual que

    governa as conscincias com independncia do poder temporal, pois com este no se confunde, embora seja aquele invocado como limitao do poder, no plano poltico,

    eis que o governo deve ser exercitado para o bem comum.

    Mas a recusa de submisso ao Papa, pelo Imperador, e a tentativa do Papa de

    imiscuir-se em assuntos do poder poltico iriam constituir Fonte de inmeros conflitos (l9).

  • O Estado moderno surge, ento, e com ele a prpria noo de Estado. O

    poder poltico passa a ser uno, concentrado no rei que tem imediata ligao com o indivduo, o qual se sujeita ao seu poder: nasce a idia de soberania.

    (18) VERD, Pablo Lucas. Op. cit., p. 76.

    (19) DALLARI, Dalmo de Abreu. OP. cit., p. 56-57.

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    KILDARE GONALVES CARVALHO

    O Estado passa a corresponder nao; h referncia territorial. No plano

    religioso, a autoridade do Papa contestada pela Reforma; no econmico, verifica-se a ascenso da burguesia, com o desenvolvimento do capitalismo.

    O Estado moderno pode, contudo, ser desdobrado em vrias formas, devendo-

    se ainda considerar (dentro da cronologia histrica, sempre questionvel) que a Idade moderna se iniciou em 1453 ou 1492 e terminou em 1789 (Revoluo Francesa),

    ou em 1815, com o Congresso de Viena, que determinou o fim do Imprio

    Napolenico, de 1800 a 1815 ou ainda, foi at a 1a Grande Guerra Mundial - 1914 a 1918 -, quando se inicia o Estado contemporneo.

    As formas do Estado moderno so: Estado estamental, Estado absoluto, a

    variante do Estado de polcia, e Estado constitucional, ou Estado de direito, com o seguimento do Estado social de direito.

    O Estado estamental a fase de transio. Nele ocorre dualidade poltica entre

    o rei e os estamentos ou as ordens em que se acha distribuda a sociedade: nobreza, clero e povo (terceiro Estado). Acentue-se que, neste tipo de Estado, os direitos

    so dirigidos aos indivduos no como tais, mas enquanto membros dos estamentos, representando, por isso mesmo, privilgios de grupos.

    O Estado absoluto (sem vnculo) surge com o predomnio do monarca, cuja

    vontade passa a ser lei, e as regras limitadoras do poder so vagas e imprecisas, apenas encontrando o poder limite distante no Direito Natural. A razo de Estado

    invocada como principal critrio da ao poltica. Historicamente, o Estado absoluto conduziu unidade do Estado e coeso nacional inexistentes no Perodo medieval.

  • O Estado de polcia o modelo mais significativo do Estado absoluto, ao qual

    corresponde o despotismo esclarecido do sculo XVIII. O Estado aqui concebido como ente que visa ao interesse pblico, e o monarca age com plena liberdade para

    atingi-lo.

    Mas neste perodo que a lei prevalece sobre o costume como fonte de direito; organizam-se os exrcitos nacionais e estrutura-se a funo jurisdicional. O Estado

    intervm em alguns setores, como o econmico, o cultural e o de assistncia social.

    Com o advento do liberalismo econmico e poltico, nasce em fins do sculo

    XVIII o Estado Constitucional na Frana, designado Estado de Direito na Alemanha.

    O poder poltico passa a ser titularizado na nao ou no povo, surgindo a idia de soberania nacional ou popular. Aparecem as Constituies escritas, como instrumentos

    de racionalizao do poder e de renovao do pacto social dos contratualistas.

    A lei o limite da ao do poder, expresso da vontade geral. So reconhecidos

    os direitos fundamentais para todos os indivduos. O princpio da separao de

    Poderes tambm inerente concepo de Estado Constitucional, como limitador

    do poder poltico que deixa de ser absoluto. No plano econmico, o Estado se caracteriza pelo absentesmo; capitalista e burgus: no h interferncia do poder

    poltico no domnio econmico, pois o Estado apenas rbitro do livre jogo econmico, onde se garante a propriedade privada e se valoriza a liberdade, que se torna

    absoluta (a propsito do Estado Democrtico de Direito na Constituio brasileira de 1988, ver Captulo 9, adiante).

    46

    DIREITO CONSTITUCIONAL DIDTICO

    Do Estado liberal passa-se ao Estado social de direito, reflexo das mutaes

    socioeconmicas e polticas ocorridas no 1 ps-Guerra (1914-1918).

    A interveno do Estado nos domnios social e econmico, em ambiente poltico onde tm significao especial a doutrina social da Igreja e a radicalizao da

    ideologia marxista como resposta s questes sociais do entre-guerras, acarretou a crise do Estado liberal, que se revelou insuficiente para o atendimento das reivindicaes

  • sociais dos trabalhadores. O Estado absentesta torna-se, ento, atuante. De rbitro transforma-se em agente criador de servios, mediante a prestao de inmeras

    atividades sociais.

    Disso so exemplos as Constituies do Mxico de 1917 e da Alemanha de 1919,

    Polnia e Iugoslvia, de 1921. Os textos constitucionais deixam de ser breves para se alongarem: so as Constituies analticas, que se sucedem s Constituies

    breves.

    O Estado social de direito vem, portanto, "superar a contradio entre a igualdade poltica e a desigualdade social".

    Escreve Paulo Bonavides:

    "Quando o Estado, coagido pela presso das massas, pelas reivindicaes

    que a impacincia do quarto estado faz ao poder poltico, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdncia, da

    educao, intervm na economia como distribuidor, dita o salrio, manipula a moeda, regula os preos, combate o desemprego, protege os enfermos, d ao trabalhador

    e ao burocrata a casa prpria, controla as profisses, compra a produo, financia as exportaes, concede o crdito, institui comisses de abastecimento, prov

    necessidade individuais, enfrenta crises econmicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependncia do seu poderio econmico, poltico e social,

    em suma, estende sua influncia a quase todos os domnios que dantes pertenciam, em grande parte, rea da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode com

    justia receber a denominao de Estado social" (20).

    O Estado social de direito no deixa, todavia, de ser uma fase do Estado Constitucional, ou do Estado de Direito, pois h nele o respeito aos direitos fundamentais

    do homem, a preservao do princpio da separao de Poderes e o reconhecimento de que o poder poltico pertence a todo o povo. No se confunde, assim, com o Estado

    socialista, este, sim, baseado na coletividade dos meios de produo e, no domnio poltico, na chamada ditadura do proletariado e numa concepo transpersonalista

    dos direitos fundamentais, bem como no regime de partido nico, apresentando-se, ento, como Estado totalitrio. H ainda o chamado Estado fascista, que existiu

    na Itlia de 1922 a 1943, o nazista, na Alemanha de Hitler, designadamente antiliberais.

  • (20) BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estad