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DIREITO DE FAMILIA – 1º AVALIAÇÃO 1. CASAMENTO Visão constitucional Entre nós o casamento já esteve arraigado à disciplina religiosa, sob o império das leis canônicas. Desde o advento da república, oportunidade em que o Estado foi laicizado, divorciando-se em definitivo da influência religiosa, o casamento vem sendo encarado como instituto meramente jurídico de natureza civil. A família legitima era a única forma de instituição da família que gozava de privilégios distintos. Fora do casamento a família era ilegítima, espúria ou adulterina, e não merecia a proteção do ordenamento jurídico familiarista, projetando efeitos, tão somente no abito das relações obrigacionais. Com a Lex Mater de 1988, a situação se modificou, ganhando novos ares. A família foi pluralizada, assumindo diferentes feições. O casamento perdeu a exclusividade, mas não a proteção. como uma das formas possíveis para a constituição de uma entidade familiar, através de uma união formal, solene, entre pessoas humanas, convivendo com outros mecanismos de constituição de família, como a união estável, a família monoparental, a família homoafetiva. Todo e qualquer núcleo familiar, tenha sido constituído de que modo for, merecerá a proteção estatal, não podendo sofrer discriminações. Todavia, desde o advento da Lei do Divórcio, em 1977, mudou a orientação do sistema jurídico brasileiro, admitindo, como de resto o fazem todos os países democráticos atualmente, a dissolução do vínculo matrimonial, através do divórcio. Aliás, no ponto, vale o registro de que a Emenda Constitucional 66/10 facilitou a dissolução nupcial, eliminando a exigência de prazos para a obtenção do divórcio.

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DIREITO DE FAMILIA – 1º AVALIAÇÃO

1. CASAMENTO

Visão constitucional

Entre nós o casamento já esteve arraigado à disciplina religiosa, sob o império das leis canônicas.

Desde o advento da república, oportunidade em que o Estado foi laicizado, divorciando-se em definitivo da influência religiosa, o casamento vem sendo encarado como instituto meramente jurídico de natureza civil.

A família legitima era a única forma de instituição da família que gozava de privilégios distintos. Fora do casamento a família era ilegítima, espúria ou adulterina, e não merecia a proteção do ordenamento jurídico familiarista, projetando efeitos, tão somente no abito das relações obrigacionais.

Com a Lex Mater de 1988, a situação se modificou, ganhando novos ares. A família foi pluralizada, assumindo diferentes feições. O casamento perdeu a exclusividade, mas não a proteção. como uma das formas possíveis para a constituição de uma entidade familiar, através de uma união formal, solene, entre pessoas humanas, convivendo com outros mecanismos de constituição de família, como a união estável, a família monoparental, a família homoafetiva.

Todo e qualquer núcleo familiar, tenha sido constituído de que modo for, merecerá a proteção estatal, não podendo sofrer discriminações.

Todavia, desde o advento da Lei do Divórcio, em 1977, mudou a orientação do sistema jurídico brasileiro, admitindo, como de resto o fazem todos os países democráticos atualmente, a dissolução do vínculo matrimonial, através do divórcio. Aliás, no ponto, vale o registro de que a Emenda Constitucional 66/10 facilitou a dissolução nupcial, eliminando a exigência de prazos para a obtenção do divórcio.

Mudando radicalmente essa visão, o constituinte assegurou a todos uma nova tábua axiomática, privilegiando valores essenciais à pessoa humana, como a dignidade, a solidariedade social, a igualdade substancial e a liberdade. Equivale dizer: é preciso submeter toda a normatividade infraconstitucional do casamento à supremacia dos valores constitucionais, harmonizando, quando possível, as suas regras ao espírito garantista e, quando não for possível promover uma conciliação, simplesmente repelindo a norma inferior do sistema.

Não há mais proteção ao casamento pelo casamento, mas, sim, em razão do ser humano. Isto é, o matrimônio existe em função de seus componentes e não estes em função dele, reconhecida, com a valorização da pessoa humana, uma proteção avançada dos vínculos afetivos.

O casamento, em síntese apertada, não é a finalidade e o objetivo central da vida das pessoas humanas. Casar, ou não, é circunstância relacionada à opção pessoal. Nada mais. Assim, casando, ou não, a pessoa humana merecerá, sempre, a mesma proteção. Optando pela via formal e solene do casamento, por igual, estará protegida e as normas do casamento adaptadas para realçar a sua dignidade, igualdade substancial e liberdade,

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além de estabelecer um elo solidário entre cada um dos cônjuges – que, nesse novo panorama, de fato, pode ser chamado de com sorte.

Noções conceituais

É preciso estabelecer algumas premissas para o melhor entendimento da conjuntura familiar:

1. A paternidade e a maternidade não estão correlacionadas ao casamento, caracterizando situações jurídicas distintas. Até porque não precisa casar para ter filhos. E, nesse ponto, o próprio sistema de direito positivo (Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente) permite a adoção por pessoas não casadas, deixando clara a inexistência de uma relação implicacional entre o casamento e a reprodução.

2. O casamento pode ser dissolvido por vontade de um ou de ambos os cônjuges

3. O conceito jurídico de casamento não pode estar atrelado à sua concepção religiosa.

Estabelecida, então, essa nova perspectiva sobre o tema, pode-se dizer que o casamento é uma entidade familiar estabelecida entre pessoas humanas, merecedora de especial proteção estatal, constituída, formal e solenemente, formando uma comunhão de afetos (comunhão de vida) e produzindo diferentes efeitos no âmbito pessoal, social e patrimonial.

Bem esclarece Rodrigo da Cunha Pereira que o “o gênero família comporta várias espécies, como a do casamento”, e tanto ele, quanto as outras espécies “vêm exprimir a liberdade dos sujeitos de constituírem a família da forma que lhes convier, no espaço de sua liberdade”, não cabendo ao Estado regulamentar as formas de manifestação da comunhão plena de vida, pois “a sexualidade, que é da ordem do desejo, escapa ao normatizável e o Estado não pode mais controlar as formas de constituição de família”.

Finalidade do casamento

A finalidade precípua do casamento é o estabelecimento de uma comunhão de vida, não se prestando a fins específicos que podem, ou não, estar presentes nas mais diferentes relações de casamento.

A finalidade do casamento é estabelecer a comunhão de afetos.

Em apertada síntese, as opiniões diversas apresentadas podem ser concatenadas em três teorias distintas: (i) natureza negocial, entendendo que, por se tratar de ato decorrente da vontade das partes, o casamento seria um negócio jurídico – que não se confunde com o contrato; (ii) natureza institucional, rejeitando a natureza negocial e enxergando no matrimônio uma situação jurídica que refletiria parâmetros preestabelecidos pelo legislador e constituindo um conjunto de regras impostas pelo Estado; (iii) natureza mista ou eclética, promovendo uma conciliação entre as teorias antecedentes, passando a considerar o casamento um ato complexo, impregnado, a um só tempo, por características contratuais e institucionais.

Camilo de Lélis Colani Barbosa, salienta que a questão, na verdade, “revela a condição social, refletindo a tendência histórica adotada pelo direito de um determinado país e determinada época”. Sem dúvida, assiste inteira razão ao eminente civilista paulista

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radicado na Bahia, pois, com toda certeza, a natureza do casamento sofre as oscilações típicas das condições de tempo e lugar.

Características do casamento

É possível pinçar as importantes características no casamento:

i) caráter personalíssimo e livre da escolha dos nubentes;ii) solenidade da celebração;iii) inexigência de diversidade de sexos (possibilidade do casamento homoafetivo);iv) inadmissibilidade de submissão a termo ou condição;v) estabelecimento de uma comunhão de vida;vi) natureza cogente das normas que o regulamentam;vii) estrutura monogâmica;viii) dissolubilidade, de acordo com a vontade das partes

O casamento, ademais, é negócio jurídico puro e simples, não podendo estar submetido a condição termo ou encargo. Com isso, uma vez confirmada a sua validade, naturalmente, produzirá efeitos, em face da impossibilidade de consequências no plano jurídico.

CAPACIDADE PARA CASAR

A capacidade matrimonial diz respeito à habilitação de uma pessoa de se casar com quem quer que seja.

O código civil de 2002 tratou das incapacidades matrimoniais nos arts. 1517 a 1520, estabelecendo a idade núbil de dezesseis anos (tanto para homem, quanto para mulher) e a capacidade psíquica de compreensão e entendimento como requisitos necessários para o reconhecimento da capacidade casamentaria.

Se o casamento for celebrado com a presença de um nubente que ainda não tenha atingido a idade núbil, a consequência será sua anulabilidade, que poderá ser provocada por ele mesmo ao atingir os dezoito anos ou pelos seus pais, de imediato.

O critério é o da maioridade e não da capacidade. O art. 1517 autoriza pessoas de 16 anos, desde que autorizados pelos pais ou representante (exceção). Ainda que emancipada a criança se torna capaz, mas ainda não é maior de idade. Portanto, os emancipados ainda precisam de autorização para casar.

Suprimento judicial

Pois bem, o suprimento judicial do consentimento dos assistentes tem lugar quando o nubente tem mais de 16 e menos de 18 anos de idade e os seus pais não autorizam o seu casamento. É que a legislação exige (CC, art. 1.517) que os assistentes (os pais) do nubente-menor entre 16 e 18 anos de idade autorizem o seu casamento. Aliás, desde o advento da igualdade constitucional entre o homem e a mulher, é natural que o consentimento tenha de ser concedido por ambos os pais, respeitando o pleno exercício do poder familiar. Somente é possível a autorização unilateral se o outro genitor for morto, ausente por declaração judicial ou estiver destituído do poder familiar.

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Todavia, havendo recusa dos pais a conceder a referida anuência para o casamento de seu filho menor entre 16 e 18 anos de idade, é permitido ao juiz suprir o consentimento, por sentença, proferida em procedimento de jurisdição voluntária, iniciado pelo Ministério Público, pelo próprio nubente interessado ou, ainda, pelo outro nubente, também interessado nas núpcias.

Em outra perspectiva, o suprimento judicial de idade é cabível sempre que o nubente tiver menos de 16 anos de idade, não preenchendo o requisito imposto para a capacidade nupcial. Permite o art. 1.520 que, excepcionalmente, seja permitido “o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez”.

Em se tratando de gravidez, deve-se observar a vontade das partes em casa, deve ouvir a opinião dos pais, deve haver a intervenção no MP e, por fim, é necessária uma decisão judicial.

IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS

Trata-se das circunstancias de fato e de direito previstas em lei que proíbem determinados casamentos e, caso estes ocorram, tem o condão de torna-os nulos.

Não se confundem os conceitos de impedimentos e incapacidade jurídica. Os impedimentos não geram incapacidade. Até porque o impedimento é circunstancia enquanto a incapacidade jurídica é genérica, abrangendo os diversos atos e hipóteses. Para ilustrar é preciso lembrar que uma pessoa com dezesseis anos de idade é incapaz, porém não é impedida de casar com o seu noivo. Ao revés, uma pessoa maior e capaz, no gozo de suas faculdades mentais, é plenamente capaz, estando, porém, impedida de casar com o seu irmão ou ascendente.

É possível dizer que os impedimentos matrimoniais estão domiciliados na esfera da legitimação, não se confundindo com a incapacidade jurídica geral.

Releva anotar que os impedimentos matrimoniais são aplicáveis à união estável (CC, art. 1.723, § 1º), porque somente pode ser reputada uma união estável a convivência que puder ser convertida em casamento, a depender da vontade das partes. Com isso, à união estável são aplicados os impedimentos matrimoniais que terminam obstando, também, a caracterização de uma família convivencial, igualmente protegida constitucionalmente (CF, art. 226, § 3º).

Oposição dos impedimentos matrimoniais

Considerando o caráter cogente das normas jurídicas relativas ao casamento, bem como a sua feição proibitiva, relacionada ao resguarde do interesse público, é fácil inferir que os impedimentos matrimoniais são de ordem pública.

Apesar do silencio do Código Civil a respeito da possibilidade de oposição de impedimentos pelo Ministério Público, não se põe em dúvida a legitimidade ministerial para tal formulação.

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Formulada a oposição de um impedimento matrimonial, a consequência jurídica é a imediata sustação da realização do casamento – que somente poderá ocorrer após o julgamento da oposição. Se, não obstante a oposição do impedimento, o casamento ainda se realizar, será caso de nulidade, não produzindo efeitos, e permitindo-se o ajuizamento de ação declaratória de nulidade (que é imprescritível) pelo Ministério Público ou por qualquer outro interessado.

Procedimento: arts. 1529 e 1530 do CC/02

Classificação dos impedimentos

No código de 2002 os impedimentos passaram a estar organizados em três categorias distintas, visando à preservação da eugenia (pureza da raça humana), a moral e paz familiares, a monogamia e a proibição de que casamentos possam ter origem em práticas criminosas.

Resultante do parentesco

Os incisos I a V do art. 1.521 estabelecem impedimentos matrimoniais decorrentes de relações parentais de consanguinidade (incisos I e IV), afinidade (incisos II e III) e de adoção (inciso V). Assim, não podem casar: “I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II – os afins em linha reta; III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V – o adotado com o filho do adotante”.

A proibição ao incesto é justificável. Em primeiro lugar, porque os estudos biológicos indicam uma alta probabilidade de malformações físicas e psíquicas das pessoas oriundas de relacionamentos entre parentes. Depois, por força da densidade da moral social (coletiva), também é estendido tal impedimento a vários modelos de parentesco.

Já o segundo impedimento faz referência aos parentes por afinidade em linha reta (sogra e genro, padrasto e enteada etc.). A afinidade é o vínculo estabelecido entre um cônjuge, ou companheiro, e os parentes naturais do outro cônjuge ou companheiro(CC, art. 1.595). É, enfim, um parentesco decorrente de um casamento ou união estável. Entendendo presentes razões de ordem moral, o legislador estabelece uma regra pela qual essa relação parental não se extingue nunca, mesmo depois da dissolução do casamento originário. Isto é, o parentesco por afinidade em linha reta jamais se dissolve. Com isso, exemplificativamente, uma pessoa casada três vezes terá três sogras e sogros, não dissolvendo os vínculos parentais anteriores.

O inciso III parece fundado nessa mesma preocupação com a moral social. O dispositivo se nos apresenta desnecessário em razão da igualdade constitucionalmente assegurada aos filhos. Tendo na tela da imaginação essa isonomia, parece-nos não ser preciso fazer menção à proibição de que um filho adotivo venha a convolar núpcias com quem foi cônjuge do adotante e que o adotante case com quem foi cônjuge do adotado por se tratar de típica relação de parentesco, já abrangida pelo inciso antecedente.

A quarta hipótese proíbe o casamento entre os colaterais, até o terceiro grau. Atinge, pois, os irmãos e os tios e sobrinhos. Trata-se de verdadeira ampliação da regra

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proibitiva de incesto, em face dos riscos na formação física e psíquica da prole, justificando a motivação eugênica.

Com a ampliação imposta pela moral social, esse impedimento matrimonial alcança os parentes por afinidade decorrentes de filiação biológica (sexual ou medicamente assistida), adotiva ou mesmo socioafetiva.

Há de se mencionar, de qualquer forma, que o Decreto-lei nº 3.200/41, em seu art. 2º, permitiu que, havendo laudo médico demonstrativo da inexistência de risco de natureza genética ou sanitária para a prole, realizado antes do casamento, o juiz dispense o impedimento e permita a celebração das núpcias entre os colaterais no terceiro grau, apenas (tios-sobrinhos). É o chamado exame pré-nupcial de compatibilidade sanguínea, que deverá ser realizado de acordo com as prescrições da Lei nº 5.891/73.

A quinta proibição para o casamento, baseada na relação de parentesco, atinge o adotado e o filho do adotante, parecendo-nos completamente especiosa e desnecessária. Com efeito, a relação existente entre o adotado e o filho do adotante, a partir do prisma da igualdade entre os filhos constitucionalmente assegurada, é de colaterais em segundo grau. São irmãos, para todos os fins, inclusive para efeitos de impedimentos matrimoniais.

Resultante de casamento anterior

Também não podem casar as pessoas já casadas, em face da vedação da bigamia, acolhida pelo ordenamento brasileiro, perfilhando-se à maioria das legislações ocidentais.

A bigamia, inclusive, além de projetar consequências civis (nulidade do segundo matrimônio), caracteriza ainda um delito tipificado na legislação penal (CP, art. 235), punível com reclusão de dois a seis anos.

Logicamente, esse impedimento pode não ser aplicável à união estável, quando uma pessoa, embora casada, já estiver separada de fato (independentemente de prazo), podendo, a partir de então, estabelecer uma entidade familiar convivencial.

Noutro plano, é, igualmente, possível a quem vive em união estável contrair posteriormente um casamento, promovendo, com isso, a dissolução da entidade familiarconvivencial (que, por se tratar de uma situação fática, se dissolve, também, faticamente, pela cessação da intenção de viver como se casados fossem – a chamada affectio maritalis).

A existência de casamento meramente religioso (casamento eclesiástico) anterior não importa em impedimento matrimonial, considerando que o nosso ordenamento a ele não reconhece efeitos civis.

Lembre-se, in fine, a necessidade de proteger a boa-fé subjetiva (falta de conhecimento) do cônjuge que veio a casar sem saber que o seu consorte já era casado. É o chamado casamento putativo (CC, art. 1.561), permitindo-se ao juiz emprestar efeitos jurídicos concretos a esse matrimônio que, por força da violação de impedimento, será reputado nulo.

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Resultante da prática de crime

É a tradução da situação em que a viúva pretende convolar núpcias com quem matou ou tentou matar o seu ex-marido. Pouco interessa se um consorte participou, ou não, do homicídio – tentado ou consumado – contra o outro cônjuge.

Levando em conta as garantias constitucionais de presunção de inocência e do devido processo legal, é natural que se exija o trânsito em julgado da sentença penal condenatóriapara a concretização desse impedimento matrimonial. Afinal, ninguém pode ser sancionado com restrições de direito (inclusive de natureza civil) sem a previa oportunidade de ampla defesa e de contraditório.

CAUSAS SUSPENSIVAS

Enquanto os impedimentos proíbem a celebração do casamento, promovendo uma interdição no direito de casa, as causas suspensivas atuam em campo diverso. A expressão “não devem casar”, não trata de uma proibição, mas de um mero aconselhamento.

Em não se tratando de regra proibitiva, afasta o interesse público bem como a invalidade que lhe seria reputada. Ao revés, será perfeitamente válida e eficaz. Única consequência decorrente da preterição de uma causa suspensiva é a imposição do regime de separação de bens no matrimônio, afastando a vontade das partes, em nome da proteção de certas pessoas.

São, portanto, as circunstancias previstas em lei que indicam aos nubentes a não realização do casamento, no entanto caso este se realize, torna-se obrigatória a adoção do regime de separação de bens.

Oposição das causas suspensivas

Em razão da distância do interesse público, os oficiais habilitados a registro ou celebração do casamento não podem suscitar a causa de oficio, pretendendo obstar o procedimento de habilitação nem da cerimônia.

Trilhando esse campo, o Código Reale, em seu art. 1.524, restringiu a algumas pessoas especificamente interessadas a alegação das causas suspensivas. Considerando, pois, que o interesse presente nas causas suspensivas é estritamente particular, nem sequer o Ministério Público poderá provocá-las.

No entanto, na visão do autor, há o vislumbre que determinadas pessoas, apesar de não ter interesse direto na causa suspensiva, têm legitimidade para argui-la, em face da potencialidade de serem atingidas obliquamente.

Causas suspensivas fundadas na confusão patrimonial

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As causas suspensivas previstas nos incisos I e III do art. 1.523 têm o escopo de evitar uma confusão, uma promiscuidade, patrimonial, decorrente da celebração de um novo casamento por parte de determinadas pessoas.

Primeiramente, recomenda-se ao viúvo ou viúva não casar enquanto não promover a partilha dos bens deixados pelo falecido cônjuge, tendo em vista a preservação do interesse patrimonial dos filhos do casamento anterior. Enquanto o consorte sobrevivo não fizer a partilha dos bens, o seu novo casamento restará submetido à separação de bens, com o propósito de salvaguardar interesse patrimonial da prole.

Além disso, antes de realizar a necessária partilha (separando os bens que ficarão para os filhos), os bens titularizados pelo cônjuge supérstite sofrem a incidência da hipoteca legal, constituindo o próprio legislador um direito real de garantia em favor dos filhos. É o que decorre da inteligência do art. 1.489, II, estatuindo hipoteca legal em favor dos “filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior”.

Não incidirá a causa suspensiva na hipótese do falecido não ter deixado filhos, bem como se não deixou patrimônio a ser partilhado. Nesse caso, aquele que sobreviveu poderá se valer do chamado inventário negativo para ver reconhecida a inexistência de bens a partilhar e, consequentemente, ter afastada a causa suspensiva.

Já no inciso III alude-se à causa suspensiva decorrente da inexistência de partilha do casamento anterior, quando um dos nubentes é divorciado.

Causas suspensivas fundadas em confusão de sangue (turbatio sanguinis)

Estabelece o inciso II do art. 1.523 do Codex uma espécie de quarentena (prazo internupcial) de dez meses, para a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez, procurando resguardar a presunção de paternidade (pater is est) decorrente do casamento anterior contra uma confusão de sangue – conhecida como turbatio sanguinis. Casando-se a viúva ou a mulher cujo casamento foi desfeito nos dez meses subsequentes à ruptura do vínculo, a incidência da presunção de paternidade do casamento anterior – que se mantém exatamente durante esse período (CC, art. 1.597) – poderá implicar uma confusão quanto ao estabelecimento da paternidade, comprometendo o interesse da criança em sua determinação parental.

Com o advento dos modernos exames de DNA, cuja precisão científica é indiscutível, está descartada a dúvida acerca da paternidade, que pode ser facilmente verificada por exame pericial. A partir disso, entendemos restar esvaziada, de certa maneira, a causa suspensiva em apreço.

Causa suspensiva fundada em tutela ou curatela

A intenção do legislador nesse caso é de afastar um eventual prejuízo patrimonial dos tutelados ou curatelados. Por isso, os tutores e curadores não devem casar com os seus pupilos ou curatelados enquanto perdurar o múnus público ou enquanto não apresentarem regular prestação de contas. Evita-se, com isso, que se exerça uma eventual pressão sobre a pessoa que está sob a direção de outra, bem como se obsta que se mascare uma eventual dilapidação do patrimônio alheio.

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A regra é extensa, abrangendo não apenas o tutor e curador, mas, por igual, os seus descendentes e ascendentes, além dos seus irmãos, cunhados e sobrinhos, ampliando a proteção. Justifica-se a ampliação subjetiva porque, “supostamente, são pessoas a eles (tutor e curador) efetivamente ligadas e que, por hipótese, iriam atuar na defesa de quem deve contas”, consoante as palavras de SÍLVIO RODRIGUES.

Cessará, ordinariamente, a causa suspensiva pela extinção da tutela ou curatela, bem como pela regular prestação de contas em juízo. Obviamente, é inválida e ineficaz a eventual quitação fornecida pelo tutelado ou curatelado ao tutor ou curador.

FORMALIDADE

São os procedimentos previstos em lei constituintes nas etapas de habilitação e celebração que visam garantir a segurança jurídica do ato matrimonial fazendo a verificação da capacidade das partes, da existência de impedimentos ou causas suspensivas e finalmente da vontade das partes.

A habilitação para o casamento é, assim, o procedimento administrativo, de iniciativa dos nubentes, que tramita perante o Oficial do Cartório do Registro Civil de Pessoas Naturais do domicílio de qualquer deles (Lei de Registros Públicos, art. 67), com o propósito de demonstrar a capacidade para casar e a inexistência de impedimentos matrimoniais e de causas suspensivas. Equivale a dizer: através da habilitação para o casamento averigua-se a plena capacidade dos noivos, bem como a eventual existência de impedimentos matrimoniais e causas suspensivas.

O procedimento de habilitação será gratuito para aqueles que se declararem pobres, na forma da lei, afirmando não ter condições de pagar as custas cartorárias sem comprometer a manutenção da família (CC, art. 1.512). Aliás, convém registrar que não é necessário afirmar uma pobreza absoluta e total, bastando declarar o comprometimento da manutenção do núcleo familiar.

A capacidade para o casamento e a possibilidade de suprimento judicial de idade e de consentimento

O Código Civil de 2002 tratou das incapacidades matrimoniais nos arts. 1.517 a 1.520, estabelecendo a idade núbil de 16 anos (tanto para o homem, quanto para a mulher) e a capacidade psíquica de compreensão e entendimento como requisitos necessários para o reconhecimento da capacidade casamentaria.

Se o casamento for celebrado com a presença de um nubente que ainda não tenha atingido a idade núbil, a consequência será a sua anulabilidade, que poderá ser provocada por ele mesmo ao atingir os 18 anos ou pelos seus pais, de imediato.

Merece alusão a possibilidade de suprimento judicial de idade e de suprimento judicial de consentimento, questões visivelmente atinentes à capacidade matrimonial.

Pois bem, o suprimento judicial do consentimento dos assistentes tem lugar quando o nubente tem mais de 16 e menos de 18 anos de idade e os seus pais não autorizam o seu

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casamento. É que a legislação exige (CC, art. 1.517) que os assistentes (os pais) do nubente-menor entre 16 e 18 anos de idade autorizem o seu casamento.

O procedimento de habilitação e as suas fases

Estrutura-se a habilitação para o casamento em quatro diferentes fases: (i) fase de requerimento e apresentação da documentação; (ii) fase dos editais de proclamas; (iii) registro; (iv) expedição da certidão.

Vejamos minuciosamente cada uma delas.

Na primeira fase, os noivos devem comparecer ao cartório do registro civil, pessoalmente ou através de procurador constituído por escritura pública com poderes especiais para tanto, para requerer o processamento da habilitação para o casamento, formalizando por escrito a intenção de contrair casamento. Caso um deles seja analfabeto, o oficial mandará alguém assinar a rogo. Devem, ainda, ser apresentados os documentos exigidos pelo art. 1.525 do Código Civil, com a finalidade de comprovar a idade, capacidade e que não há impedimentos para casar.

Devem os nubentes, ainda, prestar informações elementares sobre o estado civil e o domicílio de ambos, bem como de seus pais, de modo a facilitar a aferição das condições objetivas exigidas, bem como para firmar a circunscrição em que se processará a habilitação.

Quando um dos nubentes for domiciliado no estrangeiro, deverá comprovar a inexistência de impedimentos em seu país, através de documento oficial expedido pelo órgão competente, devidamente traduzido para a língua portuguesa por tradutor juramentado.

Finalmente, se um dos noivos é divorciado ou viúvo, tem de comprovar a dissolução das núpcias anteriores, através de certidão regular do cartório. Exige-se, naturalmente, também a comprovação da declaração de ausência através da decisão judicial respectiva quando se tratar de viúvo presumido.

Formulado o requerimento e apresentados os documentos necessários, o oficial, então, iniciará a segunda fase do procedimento, determinando a expedição de editais de proclamas, que serão publicados no próprio cartório do domicílio dos nubentes e na imprensa oficial, onde houver. Nos editais, será fixado o prazo de 15 dias para que os interessados possam opor impedimentos matrimoniais. O prazo será computado da publicação dos editais em cartório. Na hipótese de terem domicílios distintos, os editais serão publicados em ambos, de modo a garantir a publicidade.

Os proclamas têm por fito cumprir a necessária publicidade da habilitação para o casamento, oportunizando ao interessado a oposição de impedimentos matrimoniais. Havendo oposição de impedimentos, o oficial deverá cientificar os nubentes, entregando-lhes nota de oposição (com indicação do nome do opoente e do motivo apresentado), com prazo de três dias para que se defendam e indiquem as provas que pretendem produzir. Não se exige a constituição de advogado, em face do caráter administrativo do procedimento.

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Em situações justificadas, é permitido ao juiz dispensar a publicação dos proclamas (CC, art. 1.527, parágrafo único, e Lei de Registros Públicos, art. 69). Andou bem o legislador ao não definir o que significa, concretamente, o motivo de urgência. De fato, é mais prudente deixar sob o critério de conveniência e razoabilidade do juiz, ouvido o Promotor de Justiça, dispensar os proclamas, analisando, caso a caso, a existência, ou não, da urgência alegada. A iminência de um parto, uma viagem emergencial e demorada, o risco de vida de um dos cônjuges podem ser motivos de urgência justificáveis, a depender do caso concreto.

É conveniente lembrar que a dispensa de publicação de editais não se confunde com a situação descrita no art. 1.540 da Lei Civil, gerando dispensa não apenas da publicação dos proclamas, mas da própria habilitação para o casamento como um todo, que fica diferida no tempo para momento posterior, ocorrendo o chamado casamento nuncupativo, quando um dos nubentes, ou ambos, estiver em iminente perigo de morte.

Não havendo impugnação de terceiros ou do Ministério Público, deverá o oficial do registro civil proceder ao regular registro, expedindo a certidão habilitatória, com validade de 90 dias para que seja celebrado o casamento. Tal prazo é decadencial, não se suspendendo, nem interrompendo. Esgotados os 90 dias sem que tenha sido celebrado o casamento, exige-se nova habilitação para um eventual casamento.

Em sendo assim, uma vez concluído o procedimento de habilitação para o casamento, os nubentes, de posse da certidão habilitatória e dentro do prazo de 90 dias, contados da data de sua expedição, deverão peticionar à autoridade competente que presidirá o ato requerendo a designação de dia, hora e local para a realização da cerimônia de casamento (CC, art. 1.533).

No que tange ao local, o casamento será realizado nas dependências do cartório do registro civil, se presidido por juiz de paz (como nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), ou do próprio Fórum da comarca, quando presidido por juiz de direito (o que acontece no estado da Bahia). Na hipótese de casamento civil com cerimônia religiosa, é natural que seja celebrado no templo respectivo. De qualquer modo, convém deixar clara a possibilidade de celebração do casamento, seja com cerimônia civil ou mesmo com cerimônia religiosa, em prédios particulares, mediante a aquiescência da autoridade celebrante (CC, art. 1.534).

A publicidade do ato deve ser entendida, hodiernamente, de forma mais racional e em harmonia com o caráter aberto e plural da sociedade. Essa publicidade exigida do casamento não tem, por certo, o desiderato de propiciar espetáculo, nem saciar a curiosidade alheia, mas, tão somente, permitir a arguição de impedimentos.

Não é proibida, a realização de celebrações coletivas de casamento nem há restrições quanto ao dia e horário, podendo se definir livremente, inclusive em sábados, domingos e feriados, de acordo com a conveniência dos noivos e da autoridade.

Na data, horário e local previamente designados será realizada a celebração do casamento. Para o início da cerimônia nupcial exige-se a presença dos nubentes (pessoalmente ou por procurador para cada um deles, constituído por escritura pública e com poderes especiais), da autoridade celebrante e das duas testemunhas – que podem ser parentes dos noivos, uma vez que o interesse deles será no sentido de que o

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casamento seja celebrado validamente. Ou seja, a celebração depende da presença de, pelo menos, cinco pessoas.

Tentando “salvar” o dispositivo, que não merece salvação, diga-se en passant, CARLOS ROBERTO GONÇALVES termina propondo, equivocadamente, permissa venia, que não se permita a realização de casamentos “em prédios de apartamentos que mantêm a portaria fechada, colocando empecilhos ao ingresso de pessoas”. A norma, por certo, já não mais se justifica, sendo de todo desnecessário restringir a liberdade das pessoas de escolha do lugar para o casamento.

Registre-se, no ponto, que os noivos podem se fazer representar por procurador com poderes especiais, constituído por instrumento público – em face da solenidade exigida para o ato.

Em se tratando de cerimônia civil, presidida pelo juiz de paz ou pelo juiz de direito, exigir-se-á a presença, ainda, do oficial do cartório do registro civil, que terá de lavrar o registro. Se a cerimônia, contudo, for religiosa, dispensa-se a sua presença, bastando que os próprios noivos, ou qualquer interessado, realizem o registro no prazo de 90 dias, contados da data da celebração, sob pena de inexistência do matrimônio.

Também vale a lembrança de que se tratando de cerimônia em prédio particular ou quando algum dos contraentes não souber ou não puder escrever, o número de testemunhas é elevado de duas para quatro (CC, art. 1.534, § 2º).

Assim, instalada a cerimônia, a autoridade, primeiramente, indagará aos nubentes, separadamente, sobre a livre e espontânea vontade de casar. A resposta não precisa ser, necessariamente, através do famoso “sim”, sendo admissíveis quaisquer expressões afirmativas. O que importa, seguramente, é que o consentimento seja claro, inequívoco, estreme de dúvidas.

Aliás, o art. 1.535 do Código Civil, ao exigir que a resposta do nubente seja pessoal e oral, ignora a proteção jurídica especial reconhecida à pessoa com deficiência na fala (os mudos), violando a sua tutela constitucional (CF, art. 227, § 1º, II). Por isso, promovendo uma interpretação do artigo conforme a legalidade constitucional, é de se concluir que o consentimento pode não ser manifestado verbalmente, quando o nubente não puder assim expressá-lo.

Dispõe o art. 1.538 que a celebração de casamento deve ser imediatamente suspensa se algum dos noivos se recusar a manifestar a vontade, declarar que ela não é livre e espontânea ou ainda manifestar-se arrependido. Havendo a ocorrência de uma das hipóteses, a cerimônia não poderá ser retomada no mesmo dia – o que se justifica com o propósito de resguardar essa própria manifestação volitiva que deve ser séria.

Após a manifestação solene de vontade (note-se que a formalidade do casamento é tamanha que são exigidas duas manifestações de vontade, uma na fase de habilitação e outra no momento da celebração), é o momento da leitura da fórmula sacramental, representando uma das mais antigas solenidades do direito brasileiro. Impõe-se à autoridade celebrante a leitura de uma fórmula específica, transcrita pelo art. 1.535, com o seguinte teor: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”.

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Em se tratando de casamento com cerimônia religiosa, completa-se o manancial de formalidades com o registro no cartório, na forma dos arts. 1.536 do Código Reale176 e 173 da Lei de Registros Público. O assento confere publicidade ao ato e deve ser realizado no prazo de 90 dias (CC, art. 1.516, § 1º), quando a cerimônia for religiosa, devendo os nubentes encaminhar ao cartório a ata da celebração, devidamente assinada pela autoridade-presidente, pelas testemunhas e por eles mesmos.

CASAMENTOS ESPECIAIS

São aqueles tipos de matrimônios dos quais observam ter peculiaridades no que diz respeito à habilitação ou celebração sem que perca a característica de casamento civil, portanto obedecem às formas prescritas em lei.

O casamento religioso com efeitos civis posteriores

Superada, em definitivo, a confusão entre religião e Estado, chega-se à conclusão lógica de que o casamento é matéria submetida ao regramento civil, desvencilhado, por completo, de sua gênese canônica.

Todavia, em respeito aos hábitos sociais, que vão se mantendo desde o Decreto nº 181, de 24 de fevereiro de 1890 (e perpassando as Constituições que lhe sucederam), vem se permitindo a realização do casamento civil na mesma oportunidade da celebração do casamento eclesiástico (religioso), caracterizando uma verdadeira duplicidade de bodas – disciplina que foi mantida pelo constituinte de 5 de outubro, no art. 226, §§ 1º e 2º.

Para que a cerimônia religiosa possa produzir efeitos jurídicos exigem os arts. 1.515 e 1.516, § 1º, da Lei Civil que seja precedida de regular procedimento de habilitação para o casamento.

De acordo com a sistematização da matéria, pois, o casamento com cerimônia religiosa reclama prévia e regular habilitação para o casamento para que possa surtir os seus almejados efeitos civis.

O art. 1.516 da Lei Civil, de maneira absolutamente justificável e, de certo modo, louvável, facultou uma segunda modalidade de obtenção das consequências civis do casamento celebrado meramente no religioso. É o chamado casamento religioso com efeitos civis posteriores (ou casamento civil com habilitação posterior à celebração religiosa). Advém do § 2º do citado dispositivo legal: “O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532”.

Dessa maneira, facultou-se a quem casou eclesiasticamente, apenas, sem as formalidades civis, a possibilidade de obter os efeitos jurídicos civis, através de um procedimento posterior às núpcias. Registre-se que não há prazo para que se faça tal requerimento, independendo, pois, do lapso temporal transcorrido.

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Para a obtenção dos efeitos civis, é necessário que os interessados formulem um pedido de habilitação para o casamento ao oficial, comprovando que já são casados eclesiasticamente, e requerendo a dispensa da celebração de uma nova cerimônia, bem como os efeitos retroativos do casamento. O regime de bens seguirá a regra comum, motivo pelo qual, inexistindo pacto antenupcial, serão aplicadas as regras da comunhão parcial.

Afirma-se que a retroação de efeitos, mesmo que determinada pelo juiz no procedimento de habilitação para o casamento, somente se realizará se inexistir impedimento matrimonial.

De outro lado, a existência de casamento religioso faz presumir (relativamente) a capacidade civil dos nubentes para o ato, somente podendo ser afastada com prova cabal em contrário.

Casamento por procuração

Casamento consular

Permite-se a celebração de casamento, entre noivos brasileiros que estejam no exterior, perante a autoridade consular brasileira. É o apelidado casamento consular.

A doutrina vem, corretamente, apontando dois motivos para a admissibilidade do casamento consular: (i) a impossibilidade para as pessoas estrangeiras de se casar perante as leis de seu país, quando estiverem no estrangeiro; (ii) a inexistência de um sistema satisfatório e seguro de registro civil estrangeiro.

Como se pode notar, para que o casamento consular possa produzir efeitos é necessário o registro no cartório do respectivo domicílio das pessoas interessadas, no prazo de 180 dias, contados da data em que fixarem residência em solo brasileiro.

Aliás, essa competência dos agentes consulares para a celebração de casamentos já decorria do próprio art. 18 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, reconhecendo: “Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado”.

É preciso lembrar, de qualquer maneira, que, atendendo ao que dispõe o Decreto nº 24.113/34, em seu art. 13, XXXI, somente os cônsules de carreira poderão celebrar o casamento nessas condições.

Também é válido pontuar que o casamento consular exige que ambos os nubentes sejam brasileiros, não sendo possível se um deles é estrangeiro. Nesse caso, estando no exterior, o casamento deverá ser celebrado perante a autoridade local, sendo, posteriormente, registrado em nosso país, no prazo fixado pelo aludido dispositivo.

Casamento nuncupativo

Abrindo exceção à regra da extremada formalidade, os arts. 1.539 a 1.541 contemplam duas formas excepcionais casamentárias, nas quais são dispensadas as solenidades, em razão de situações concretas.

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São os chamados casamento em caso de moléstia grave (CC, art. 1.539) e casamento nuncupativo (CC, arts. 1.540 e 1.541).

O casamento em caso de moléstia grave permite uma flexibilização mínima das formalidades exigidas por lei. Nele, os nubentes já estão habilitados regularmente, apenas não poderão aguardar para que ocorra a celebração nas condições de dia, hora e local previamente agendados, pelo fato de um deles estar acometido de moléstia grave, não permitindo, pela sua natureza, que se locomova e que se aguarde.

O juiz, então, acompanhado do oficial, celebrará o casamento onde se encontrar o noivo adoentado (pode ser em hospital, clínica ou na própria residência de um dos noivos), ainda que à noite, na presença de duas testemunhas, que saibam ler e escrever. Na falta ou na impossibilidade da presença do oficial, poderá a autoridade designar alguém para atuar como oficial ad hoc, apenas naquele ato, lavrando o termo de casamento, que será assinado, regularmente, pelo presidente e pelas testemunhas e registrado no prazo de cinco dias (CC, art. 1.539, §§ 1º e 2º).

Todavia, entende o autor que, diferentemente, a partir da regra constitucional de facilitação da formação das entidades familiares, ser admissível em qualquer outro motivo urgente, não apenas no caso de moléstia grave.

A outra modalidade excepcional de casamento é chamada de casamento nuncupativo ou em iminente risco de vida (em verdade, risco de morte), também apelidado de casamento in extremis vitae ou ainda in articulo mortis. Enfim, é o casamento no limiar da morte.

Ao contrário da hipótese anterior, em que as partes já estavam habilitadas, neste hipotético permissivo legal, não houve prévia habilitação e tampouco haverá a lavratura de termo de casamento, nem sequer tendo a presença da autoridade celebrante.

Em casos nos quais um dos nubentes, ou ambos, estiver em situação de risco de morte iminente, na qual não permita, por óbvio, aguardar o regular procedimento de habilitação e posterior celebração do casamento, permite-se que o matrimônio seja celebrado por eles mesmos, na presença de seis testemunhas – que, dessa feita, não podem ser parentes dos nubentes. Exige-se que as seis testemunhas estejam presentes concomitantemente à celebração do casamento. Bastará, no ponto, que os contraentes manifestem o propósito de casar de viva voz de modo audível e compreensível por todas as testemunhas, bem como se perceba a liberdade de declaração.

A jurisprudência vem entendendo que se o nubente morreu sem declarar formalmente a vontade, mesmo que estivesse a caminho do ato, não há possibilidade de homologação, a título de casamento in extremis vitae.

Depois de colhidos os depoimentos das testemunhas, o juiz determinará que se cumpram as diligências necessárias para verificar a existência de impedimentos matrimoniais.

A competência para processar e julgar o pedido de homologação do casamento in extremis vitae é do juiz da vara de registros públicos.

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Verificando que um dos nubentes não possuía a idade núbil ou não teve, evidentemente, consentimento dos pais, poderá a própria decisão judicial conceder o suprimento necessário.

O procedimento será dispensado se o nubente convalescer e puder ratificar a vontade de casar, na presença da autoridade competente e do oficial do registro civil. É claro que, nessa circunstância, pressupõe-se, também, o expresso consentimento do outro nubente, em face de seu evidente interesse.

PROVA DO CASAMENTO

Em face das importantes repercussões que dele advêm, dentre as quais a mudança do estado civil das pessoas envolvidas e a comunhão de bens a depender do regime adotado, é certa e induvidosa a prova do casamento, estabelecendo a lei um rigoroso sistema de provas, praticamente repetindo o regramento da lei que lhe antecedeu.

A partir da inteligência do art. 1.543 da Codificação, é perceptível que o casamento deve ser provado, primacialmente, por meio da certidão do registro civil expedida pelo cartório competente, na forma do art. 1.536 do mesmo diploma. É a consagração do sistema de prova pré-constituída, que advém do próprio caráter formal e solene do negócio casamentário, exigindo registro público.

A certidão do registro gera uma presunção relativa de prova do casamento, admitida a contraprova. É a prova direta, primária.

Todavia, considerando que, por motivos dos mais diversos possíveis, o registro eventualmente pode não ter sido lavrado no cartório ou pode perecer (inundação, incêndio, fraude, negligência do serventuário da Justiça, pane ou defeito no sistema de informática...), é admissível a prova indireta ou supletória do casamento, através de todos os meios de prova admissíveis na sistemática processual, tais como testemunhas, documentos, fotografias, filmagem etc.

O Código Civil consagrou, ademais, o princípio in dubio pro casamento, através do qual, ao sentenciar, havendo dúvida entre as provas favoráveis e as contrárias à existência do casamento, deve-se admiti-lo como existente. É o que se dessume do art. 1.547: “na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados”.

Não é possível utilizar a regra do in dubio pro casamento para sanar vícios que incidam sobre a sua validade, tendo como único desiderato comprovar a existência do matrimônio quando o juiz estiver em estado de perplexidade perante a prova produzida.

CASAMENTO INEXISTENTE

A teoria da inexistência nunca esteve reconhecida pelo direito positivo brasileiro.

O matrimônio inexistente é o que não possui os elementos fáticos que a sua natureza supõe e exige como condição existencial, conduzindo a sua falta à impossibilidade de sua formação. Assim, frustrados os elementos de existência, não existe na órbita

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jurídica, não podendo produzir, por conseguinte, qualquer efeito jurídico. É o não casamento, um nada jurídico.

A primeira contribuição no sentido de reconhecer o negócio jurídico inexistente veio da doutrina germânica, notadamente de ZACHARIE VON LINGHENTAL, em seus comentários ao Code de France, em 1808. Mais adiante, SALEILLES, primeiramente, e MARCEL PLANIOL E GEORGES RIPERT, em seguida, apresentaram novas colaborações científicas, consolidando o reconhecimento da teoria do negócio jurídico inexistente.

Curiosamente, a teoria da inexistência foi concebida, exatamente, para justificar determinadas situações que marcam, particularmente, o casamento. Arquitetada na França, a teoria da inexistência foi engendrada, pela doutrina, para justificar a impossibilidade de reconhecer invalidades sem expressa cominação legal (pas de nulittè sans texte), somente sendo toleráveis as invalidades textualmente previstas na lei. Justificava-se, exemplificativamente, que a ausência absoluta de consentimento dos noivos (não é o caso de manifestação defeituosa de vontade, mas de ausência de vontade declarada) obstaria a própria formação do negócio, razão pela qual deveria ser proclamada a sua inexistência jurídica, e não a sua invalidade.

Quanto ao fato de o ordenamento positivo jamais ter reconhecido a teoria da inexistência, esclarecia, de modo irrefutável, PONTES DE MIRANDA, que a distinção entre casamento inexistente e casamento nulo ou anulável (inválido) “não depende do direito positivo: é dicotomia fundamental intrínseca, porque tudo não é casamento, ou não basta para que a lei considere casamento, é não casamento (inexistente)[...] O suporte fático não entrou no mundo jurídico”.

Como o casamento inexistente é um nada jurídico, não produzindo qualquer efeito, jamais poderá ser reconhecido como putativo, mesmo que as partes estejam de boa-fé. É que não se pode emprestar efeitos (como decorre da putatividade) ao que não existe.

É possível reconhecer os elementos existenciais (pressupostos) do casamento, como sendo: (i) existência de consentimento dos nubentes (manifestação de vontade); e (ii) celebração do matrimônio com a presença da autoridade.

Não mais pode (a diversidade de sexos) ser tratada, portanto, como um pressuposto existencial do casamento a diversidade de sexos, consoante apontava a doutrina, brasileira e estrangeira. Partindo de um entendimento que prevaleceu historicamente, a nossa doutrina exigia para a existência do casamento que os nubentes fossem homem e mulher.

Em sede doutrinária, porém, ainda são encontradas manifestações negando o reconhecimento jurídico do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Pois bem, o primeiro pressuposto de existência matrimonial é o consentimento (manifestação de vontade) dos noivos. Ausente a declaração volitiva dos nubentes, caracterizando um verdadeiro silêncio (ou, pior, uma manifestação negativa de consentimento), o casamento será inexistente.

Seria o exemplo da coação absoluta (também dita, coação física), a chamada vis absoluta, que bem serve ao caso.

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O segundo pressuposto existencial é a celebração do casamento pela autoridade. Efetivamente, o ato nupcial tem de ser celebrado por pessoa a quem o sistema jurídico confere poderes para tanto e que será chamada de presidente do ato (CC, art. 1.535). Essa autoridade será, de acordo com o sistema jurídico brasileiro, o juiz de direito, o juiz de paz ou mesmo a autoridade eclesiástica (ministro de alguma religião). Também é possível o casamento celebrado pela autoridade consular, que poderá presidir as cerimônias realizadas nos consulados brasileiros no exterior (CC, art. 1.544). Afora tais pessoas, que são reconhecidas pelo ordenamento como autoridades para a celebração de casamento, nenhuma outra poderá celebrá-lo, sob pena de inexistência.

Importante! Atente-se para não confundir a falta de autoridade para a celebração do ato com a incompetência da autoridade. Aquela (ausência da autoridade para o ato) implica em inexistência do casamento, como visto, por não preencher um de seus pressupostos. Esta (incompetência da autoridade) gera invalidade relativa (anulabilidade), uma vez que existe a autoridade presente, somente não é aquela a quem as leis estaduais de organização judiciária confere poderes para celebrar o casamento.

VALIDADE DO CASAMENTO

A nulidade atenta contra interesses de ordem pública, cuja proteção diz respeito à coletividade, decorrendo da necessidade de pacificação social. A anulabilidade, por sua vez, é vício menos grave, comprometendo interesses particulares, servindo essa distinção para fixar, desde logo, a legitimidade para pleitear o reconhecimento da invalidade: em se tratando de nulidade, qualquer pessoa pode suscitá-la, inclusive o Ministério Público, e o magistrado pode conhecê-la de ofício; se, por outro turno, o caso é de anulabilidade, somente o interessado poderá provocá-la

Nulidade do casamento

A nulidade de um casamento resulta, efetivamente, da violação a preceitos de ordem pública, estabelecidos em lei (CC, art. 1.548), ligados, de modo geral, à própria formação válida do ato nupcial.

Em virtude da gravidade do vício infringido, violado, considera o ordenamento jurídico que o matrimônio nulo não produz qualquer efeito jurídico, podendo, inclusive, ser reconhecido como tal ex officio, pelo próprio juiz, ou a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público (CC, art. 1.549). Estabelece, literalmente, o art. 1.549 do Texto Codificado: “A decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público”.

O casamento nulo, pois, não possui qualquer viabilidade jurídica

Como se trata de vício não convalidável, em face do caráter público, cogente, o casamento nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Percebe-se, assim, em que pese antigas divergências doutrinárias, que não há prazo de prescrição para a impugnação de um casamento nulo.

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A primeira hipótese de nulidade matrimonial diz respeito ao casamento contraído “pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”. Cuidou o legislador de reputar nulo o casamento quando um dos cônjuges é absolutamente incapaz por causa psicológica que lhe retira a compreensão, guardando certa simetria com a figura tratada no art. 3º, II, do Código Reale. É a pessoa que, outrora, foi chamada de louco de todo gênero, não possuindo qualquer capacidade de autodeterminação.

Anulabilidade do casamento

Noutra hipótese, também é nulo o casamento contraído com violação de um dos impedimentos matrimoniais, contemplados no art. 1.521 da Lei Civil,147 por “atentar diretamente contra a estrutura da sociedade”, explicitando o interesse público subjacente, como pontua síLvIo rodrIgues.148 Aqui servem os exemplos da bigamia e do incesto, que, uma vez caracterizados como impedimentos nupciais, implicam em nulidade do ato celebrado.

Mesmo que os impedimentos não tenham sido ventilados no momento de tramitação do procedimento de habilitação para o casamento, poderão ser suscitados posteriormente à celebração, através de ação declaratória de nulidade, promovida a qualquer tempo, pelo interessado ou pelo Ministério Público – ou ainda conhecido de ofício pelo juiz.

No que concerne às anulabilidades, tem-se presente, basicamente, o interesse privado, não havendo, via de consequência, gravidade tão relevante quanto na hipótese de nulidade, embora esteja presente um vício atentatório da ordem jurídica.

O matrimônio inválido relativamente (anulável) produz regulares efeitos até que lhe sobrevenha a decisão judicial, proferida em ação anulatória, com o propósito de desconstituir as núpcias, impedindo, assim, que continuem se produzindo. A anulabilidade, pois, é reconhecida por meio de ação anulatória, ajuizada pelo interessado exclusivamente, cuja natureza é, induvidosamente, constitutiva negativa (desconstitutiva), produzindo efeitos ex tunc (retroativos).

Ademais, somente o interessado poderá suscitá-la, não sendo possível ao juiz conhecê-la de ofício ou ao Parquet suscitá-la quando tiver de intervir no processo.