direito de família

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Indenização por Abandono Afetivo 1. Introdução A natureza ensina por si só que a convivência não é só uma prerrogativa do bicho homem; tendo o ser humano necessidade de integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade; não importando a posição que o indivíduo ocupa na família, ou qual a espécie de agrupamento familiar a que ele pertence. A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento como regra de conduta. Essa foi a forma encontrada para impor limites ao homem, ser desejante que, na busca do prazer, tende a fazer do outro um objeto. É por isso que o desenvolvimento da civilização impõe restrições à total liberdade, e a lei jurídica exige que ninguém fuja dessas restrições. 2. Princípios Constitucionais da Família 2.1 Da dignidade da pessoa Humana O constituinte pátrio consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio essencial da constituição em função de sua preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social . A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o 1

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Indenização por Abandono Afetivo

1. Introdução

A natureza ensina por si só que a convivência não é só uma prerrogativa do bicho homem; tendo o ser humano necessidade de integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade; não importando a posição que o indivíduo ocupa na família, ou qual a espécie de agrupamento familiar a que ele pertence.

A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento como regra de conduta. Essa foi a forma encontrada para impor limites ao homem, ser desejante que, na busca do prazer, tende a fazer do outro um objeto. É por isso que o desenvolvimento da civilização impõe restrições à total liberdade, e a lei jurídica exige que ninguém fuja dessas restrições.

2. Princípios Constitucionais da Família

2.1 Da dignidade da pessoa Humana

O constituinte pátrio consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio essencial da constituição em função de sua preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social .

A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideias pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.

Se o direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna. É direito constitucional do ser humano ser feliz e dar fim àquilo que o aflige sem inventar motivos. Desse modo, também o direito de buscar o divórcio está amparado no princípio da dignidade humana, nada justificando a resistência do Estado, que impõe prazos e exige a identificação de causas para pôr fim ao casamento.

2.2 Da Liberdade

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A constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e a liberdade especial atenção. Esses princípios, no âmbito familiar, são consagrados em sede constitucional. Todos têm a liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. A isonomia de tratamento jurídico permite que se considerem iguais marido e mulher em relação ao papel que desempenham na chefia da sociedade conjugal. Também, na união estável, é a isonomia que protege o património entre personagens que disponham do mesmo status familiae.

2.3 Da Solidariedade Familiar

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. Também ao ser imposto aos pais o dever o dever de assistência aos filhos (CF 229), consagrada o princípio da solidariedade. O dever de amparo às pessoas idosas (CF 230) dispõe do mesmo conteúdo solidário.

Uma das técnicas originárias de proteção social que até hoje se mantém é a família. Aproveita-se a lei da solidariedade no âmbito das relações familiares. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação ( CF 227 ). A mesma ordem é repetida na proteção do idoso.

2.4 Da Afetividade

O estado impõe a si obrigações para com os seus cidadãos. Por isso elenca a constituição um rol imenso de direitos individuais e sociais, como forma de garantir a dignidade de todos . Isso nada mais é do que o compromisso de assegurar afeto: o primeiro obrigado a assegurar o afeto por seus cidadãos é o próprio Estado. Mesmo que a constituição tenha elencado o afeto no âmbito de sua proteção, a palavra afeto não está no texto constitucional. Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que a afetividade, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. Houve a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual.

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3 O ABANDONO AFETIVO E A RESPONSABILIDADE CIVIL

O abandono afetivo não é novidade no meio jurídico. A sua existência é

constantemente analisada em hipóteses de destituição familiar, a mais grave pena civil

a ser imputada a famílias flagrantemente desestruturadas. Nesses casos extremos,

sem qualquer possibilidade de conciliação que resguarde os direitos da criança, temos

a ausência de afeto como parte de um conjunto de males causadores de verdadeira

tortura ao filho abandonado. Falta não só carinho, como condições de sobrevivência.

Desse modo, é incontestável a existência do dano.

3.1 CONFIGURAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO

É do maior interesse da sociedade em geral que o afeto, bem como a

prestação econômica, seja efetivamente oferecido, pois resta comprovado por meio de

estatísticas que, quando a entidade familiar falha ao proporcionar esses elementos, há

grande risco de o infante enveredar pelo caminho da ilegalidade, criminalidade, vícios

e outros destinos não mais desejáveis. Como nos afirma Meirelles (2007, p. 34):

O abandono e a negligência familiares e a falta de afeto e diálogo também são problemas comuns que afligem os jovens, não sendo de espantar que mais de 90% dos adolescentes infratores internados provenham de famílias bastante desestruturadas, marcadas por agressões físicas e emocionais, problemas psiquiátricos e pela ausência das figuras paterna e materna, seja pela rejeição pura e simples, seja pela morte ou doença, muitas vezes causados também pela violência urbana.

Também o fato da família nuclear ceder lugar à família monoparental tem

gerado graves problemas para os filhos oriundos da união do casal. Ocorre

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frequentemente um afastamento entre a figura paterna e filhos, tornando-se

corriqueiro, a mãe criar e educar sozinha a prole sem ter nenhuma colaboração ou

participação do pai. Este, simplesmente torna-se indiferente ao seu descendente,

agindo como se o mesmo não existisse. Parece haver uma relação diretamente

proporcional entre o fim da união do casal e o rompimento do afeto da figura paterna

pelos filhos.

Os motivos que ocasionam o distanciamento entre pais e filhos são de

diversas ordens, dentre elas, o mau relacionamento entre o pai e a mãe, uma gravidez

indesejada, sentimentos de vingança, desprezo, a separação do casal, a construção

de uma nova família, e outros, que não deveriam nunca atingir a criança. Ela é um ser

que paga um preço muito alto pelos erros cometidos pelos pais, sendo ela a única

vítima da história, não poderia sofrer as conseqüências por condutas alheias que não

provocou.

Sob esse prisma, a figura paterna, após a separação, deveria ter a

consciência de zelar pelo bem estar de seus filhos e manter com os mesmos um

vínculo constante. É certo que, repentinamente, o filho se vê obrigado a viver uma

situação de não desfrutar no seu lar da presença do pai por questões que não buscou

e, como se não bastasse isso, tem o rompimento completo com alguém que muito

ama e que possui uma importância capital para sua formação.

Inúmeros são os casos de crianças que são abandonadas afetivamente por

seus pais não recebendo nenhuma demonstração de carinho e até mesmo respeito,

chegando ao cúmulo do desprezo.

Tal abandono cria dores profundas com cicatrizes que permanecem por toda

a existência humana, da infância até os últimos dias de vida daquele que sofre por

falta de amor.

3.2 O AMOR PATERNO FILIAL: DIREITO OU DEVER

O amor paterno, ou a falta dele, contribui tanto quanto o materno para o

desenvolvimento da personalidade e do comportamento da criança. Em alguns

aspectos, o amor do pai é até mais influente.

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Em se tratando de amor, nota-se que o mesmo é tanto um direito quanto um

dever.

Direito de ser amado e de amar, e dever de amar aquele a quem colocamos

no mundo.

Olhando sob o prisma da psicologia, o amor não deveria ser nem um direito

nem um dever, mas sim uma relação afetiva meramente incondicional, onde realizam-

se sentimentos que afloram de dentro de nossos corações.

CONCLUSÃO

O fundamento do dever de indenizar o abandono afetivo de um filho demanda

uma reflexão pautada no princípio da dignidade da pessoa humana e no

desenvolvimento sociopsicocultural adequado dos filhos.

Com referências expressas ao princípio da afetividade no ordenamento,

diante da interpretação sistemática e teleológica da CF, do CC e do ECA, bem como

dos seus princípios informadores, é muito claro que o legislador concebeu uma

legislação voltada ao bem-estar do menor.

Conforme todo o exposto, esse bem-estar é composto tanto da assistência

econômica como afetiva, de forma que impossível haver o desenvolvimento adequado

da personalidade sem que ambos os elementos estejam presentes na formação da

criança.

Como se viu, o afeto é atualmente o traço que identifica e diferencia uma

relação de pessoas como família. Se o ordenamento garante o direito da criança à

convivência familiar e ela não recebe amor dos pais, significa dizer que em última

análise, o seu direito a conviver em família não se concretizou, ainda que haja a

presença física desses pais.

A ausência da convivência saudável com os pais ou com aqueles que

ocupam o lugar-pai ou lugar-mãe tem o condão de gerar dores emocionais e

inseguranças no íntimo da criança que podem culminar inclusive em patologias e

transtornos de personalidade.

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É certo que o Direito não tem o poder de compelir um pai e uma mãe a

amarem seus filhos, no entanto, à medida que confere direitos às suas crianças e

deveres aos pais delas, não pode fechar os olhos para os danos sofridos pelo menor

abandonado moralmente. Como alhures, ainda que não haja o amor, deve haver o

comparecimento.

Os principais argumentos trazidos pela doutrina contrária à reparação civil do

abandono afetivo apenas retomam com nova roupagem a discussão da possibilidade

de indenizar o dano moral, há muito tempo superada pelo Direito pátrio.

A responsabilidade civil por abandono afetivo é uma prova de que o direito

familiarista começa a perseguir um caminho mais adequado ao processo de

repersonalização que colocou o indivíduo no centro de suas atenções. A construção

jurídica do instituto atenderá às funções compensatória, punitiva e dissuasória da

indenização civil, tão essenciais para a essa mudança de paradigmas.

O Poder Judiciário, por sua vez, pode evitar que o abandono moral se torne

uma indústria indenizatória através da análise ética das circunstâncias envolvidas e da

prudência nas decisões, a fim de verificar em cada caso a efetiva presença de danos

causados ao filho.

Referencias

Cavaliere Sérgio Filho Programa de responsabilidade civil

Berenice Maria Dias Manual de Direito das Famílias

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