Direito de Superfície

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I N T R O D U C Ã O O projeto do Código Civil de 2002, que se encontra vigente desde 11 de janeiro de 2003 em seus artigos 1369 usque 1377, vem nos brindar com um importante instituto denominado de “Direito de Superfície”. Não se trata de um direito novo, pois é de nosso conhecimento que tal direito foi extinto do ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 1257 de 29 de setembro de 1864, e não reinserido no Código Civil de 1916, embora houvesse a tentativa de reinseri-lo no anteprojeto de código civil de 1963, traduzido por Orlando Gomes, mas que não obtivera êxito devido o mesmo não ter entrado em vigor. O retorno do Direito de Superfície em nossa legislação, na verdade ocorreu através da Lei Federal nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade do Rio de Janeiro, em seus artigos 21 usque 24, mas direcionados apenas a territoriedade urbana, não fazendo menção a zona rural. O Instituto do Direito de Superfície o qual podemos dizer que é o uso de propriedade alheia por terceiro para exercer atividade de edificação ou plantio, voltado para o Direito Imobiliário, ocupará uma importante posição no ordenamento jurídico brasileiro, pois concorrerá para a melhor utilização econômica e social dos imóveis urbanos e rurais. É importante salientar que não estamos diante de

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I N T R O D U C Ã O

 

 

 

O projeto do Código Civil de 2002, que se encontra vigente desde 11

de janeiro de 2003 em seus artigos 1369 usque 1377, vem nos brindar com um

importante instituto denominado de “Direito de Superfície”. Não se trata de um

direito novo, pois é de nosso conhecimento que tal direito foi extinto do

ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 1257 de 29 de setembro de 1864, e

não reinserido no Código Civil de 1916, embora houvesse a tentativa de

reinseri-lo no anteprojeto de código civil de 1963, traduzido por Orlando

Gomes, mas que não obtivera êxito devido o mesmo não ter entrado em vigor.

O retorno do Direito de Superfície em nossa legislação, na verdade ocorreu

através da Lei Federal nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade do Rio de Janeiro,

em seus artigos 21 usque 24, mas direcionados apenas a territoriedade

urbana, não fazendo menção a zona rural.

O Instituto do Direito de Superfície o qual podemos dizer que é o uso

de propriedade alheia por terceiro para exercer atividade de edificação ou

plantio, voltado para o Direito Imobiliário, ocupará uma importante posição no

ordenamento jurídico brasileiro, pois concorrerá para a melhor utilização

econômica e social dos imóveis urbanos e rurais. É importante salientar que

não estamos diante de uma novidade jurídica, pois tal direito consagrado na

legislação portuguesa, foi aplicado no Brasil Colônia e ainda consta-nos que

após a independência nacional continuou vigente por meio de decreto do

Imperador D. Pedro I. Sua origem é do Direito Romano, que a princípio foi

tratado como vínculo obrigacional o qual a posteriori consolidou-se como direito

real.

 

A escolha do Direito de Superfície como objeto desta monografia se

deu ao caráter inovador do tema, e principalmente, à possibilidade de utilizá-lo

como instrumento para atingir-se o uso adequado do solo urbano ou rural. É de

suma importância falarmos na função social da propriedade, pois com o Direito

de Superfície o Poder Público terá mais um instrumento que o possibilite a

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consecução de seus fins em atender às necessidades públicas e promover o

bem-estar social.

 

O tema trata de obra sobre o direito imobiliário, que vem a versar sobre

a propriedade do prédio, plantação ou obra, destacada da propriedade do solo

ou subsolo. Trata-se ainda de uma nova modalidade de propriedade (direito

real resolúvel) de amplíssima aplicação no mercado imobiliário seja tratando-se

de imóveis urbanos ou rurais; uma nova forma de plantar, construir prédios,

shoppings, hotéis, parques, estacionamentos subterrâneos etc.

 

É necessário dizer que embora já existisse o direito de superfície, o

mesmo voltou a ter relevante importância em nosso cenário jurídico, pois

atingirá os negócios jurídicos e a vida de milhões de pessoas em nosso País,

tendo assim que prontamente completarmos o seu sentido jurídico,

respeitando-se o conceito do instituto a ele relativo, para evitarmos que se

desvirtua.

 

O assunto será abordado e traduzido no que se refere a sua

aplicabilidade, funcionamento, vantagens, soluções de problemas sociais e

econômicos e de sua extinção por findar o contrato superficiário ou por não

cumprimento do mesmo. Será um trabalho feito com clareza e confiança para

que possa ser de total entendimento a todos os interessados, seja do meio

jurídico ou não.

 

Capítulo I

Noções Históricas

 

1.1- Origem e Desenvolvimento do Direito de Superfície.

 

O instituto da Superfície tem a sua origem no direito romano, no

período classificado como “romano-helênico”, o qual se deu através de

arrendamentos de longo prazo, vale dizer os locatio conductio rei , quando

então passou a se admitir a possibilidade de coexistirem em separados, a

propriedade do solo da propriedade das construções, ainda que por força de

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direito temporário e resolúvel por parte do proprietário do imóvel em favor de

terceiro. Os romanos não tinham entendimento acerca de coisas incorpóreas,

apenas tinham o seu intelecto voltado para tudo que podia ser tocado e

apreendido, ou seja, do que era material, sem fazer a distinção entre a coisa e

o direito que sobre ela recaia, não concebendo assim a propriedade como um

poder sobre as coisas, pois tal poder se achava englobado no chamado

potestas do paterfamilias sobre tudo quanto estivesse a ele sujeito, como por

exemplo, a sua mulher, filhos e coisas, a até mesmo a época, os escravos.

Passados alguns séculos, por força de se tornar uma potência mercantilista, é

que o direito romano apresenta uma evolução considerável, havendo o

desmembramento da antiga potestas do paterfamilias sobre as coisas tidas

como materiais (corpóreas).

 

Pontes de Miranda1[1] afirma que “a conjectura das coisas incorpóreas

ainda estava há séculos por ser concebida pelos romanos, pois estes, só

reconheciam as coisas materiais”, afirmando até que as servidões vêm do mais

antigo direito romano.

 

Podemos assim concluir a observação feita pelo jurista, pois no direito

conhecido como clássico de Roma, anterior ao direito pós-clássico ou romano-

helênico, vigorou absolutamente a regra de superfícies solo cedit, força pelo

qual tudo que era plantado ou edificado no solo a ele se integrava e

conseqüentemente ao seu dono pertencia, não podendo de forma alguma ser

objeto de alienação em separado, apenas juntamente com o solo.

 

Linhas à frente com o envolver do tempo, quando então já se admitida

pelos romanos a existência de direitos referindo-se a coisas incorpóreas, é que

o caráter absoluto diminuiu o seu poder e o domínio passou a sofrer certas

limitações em sua plenitude, pois veio o surgimento das servidões, usufruto e

uso, admitindo-se assim o iura in re aliena.

 

Os romanos mesmo assim com a evolução dos tempos através do

aparecimento dos institutos já mencionados, apresentaram resistência, não

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admitindo a separação da propriedade do solo e as construções ou plantações

que ali acrescia, mas com a necessidade de fixar pessoas nas terras para

manter o domínio pleno, passou a arrendá-las a particulares por meio do

instituto ius in agro vectigali ou ager vectigalis, que seria uma espécie de

arrendamento perpétuo ou podendo ser acordado entre as partes um prazo de

cem anos ou mais, mediante um pagamento de cânon anual (espécie de foro

anual pago pelo enfiteuta ao senhor direto do prédio aforado).

 

A finalidade do arrendamento era solucionar o problema do plantio e do

cultivo de imensas glebas de terras, vindo até os latifundiários a arrendarem

suas propriedades para que pudessem ampliar a forma de ocupação e do

cultivo de suas terras, nos moldes dos arrendamentos praticados pelo Estado e

outras pessoas jurídicas. Esses arrendamentos a princípio foram concedidos a

longo prazo, e vieram por vezes a serem perpétuo, com a imposição em

contrapartida de que o arrendatário se obrigava a construir em terreno locado e

a pagar o cânon anual (solarium) ou uma quantia única pela locação do solo,

não tendo assim mais do que o uso e a fruição da edificação, sem ser

consideras opiniões em contrário ao princípio da acessão, ou seja, de que

superfícies solo cedit.

 

A rigidez de princípios adotados pelos romanos, o qual tudo que ao solo

se acrescia ou incorporasse a este pertencia por acessão ao proprietário, se

tornou inconveniente na medida em que cresciam as cidades e se

desenvolviam as obras públicas, reduzindo-se o solo romano a propriedade de

corporações de uns poucos particulares, havendo assim a necessidade de se

adequar as condições econômicas da época. Após todo esse desenvolvimento,

a superfície tornou-se direito justinianeu um direito real de uso e fruição sobre

edifício construído em terreno de terceiro, caracterizando um direito alienável e

transmissível aos herdeiros.

 

Registre-se, pois que, embora os romanos tenham formalmente

preservado a inteireza do princípio de que tudo o que a propriedade era

acrescido ou nela era incorporado vinha a esta pertencer por acessão ao

proprietário, foi mitigado pela necessidade da adaptação às condições sociais

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dos novos tempos vividos à época pelos romanos, surgindo então o Direito de

Superfície.

 

1.2- Constituição do Direito de Superfície no Direito Romano.

 

A aquisição do Direito de Superfície, no direito romano decorria em

função de um contrato celebrado entre as partes interessadas, bem como por

herança ou legado. Por contrato originava-se na compra e venda se o preço

pago fosse de uma só vez; caracterizava-se locação se porventura fosse

pactuado o solarium ou pensio como paga, podendo ser acordado o

pagamento mensal ou anual; se fosse alienado gratuitamente poderia se falar

em doação, embora poderíamos até confundir com o comodato, apesar de se

tratar de direito real, o qual desvirtua totalmente deste. Entendia-se também a

possibilidade de aquisição por adjudicação. Para o direito moderno, podemos

dizer que o Direito de Superfície se constitui mediante contrato feito por

instrumento público, que só surtirá efeito devidamente registrado no Cartório de

Registro de Imóveis competente, o qual atualmente chamamos de serviço

registral.

 

Entendemos que de acordo com os princípios gerais, só poderá

constituir o Direito de Superfície o proprietário do imóvel, devido ninguém poder

dispor de algo que não lhe pertence. Em se tratando de condomínio só se

poderá constituir tal direito com a anuência de todos, pois cada um só detém

apenas uma fração ideal, isso é, não localizável no espaço.

 

A doutrina tem notícia da possibilidade da constituição do Direito de

Superfície por usucapião, mas não conseguimos vislumbrar como se ensejará

esse direito, a não ser no tocante à propriedade separada superficiária, mas

quando se desce do abstrato ao concreto é que surgem estas dificuldades, pois

não podemos imaginar uma posse circunscrita à construção sem

necessariamente considerá-la abrangente do solo sobre o qual está edificada.

MESSINEO, que admite o usucapião neste caso faz uma ressalva: “Tuttavia, è

possibile Che il possesso ocorrente presenti il carattere dell’equivocità, potendo

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non-apparire certo, se il possesso investa la costruzione, come separata dal

suolo secondo è necessário.”2[2]

 

O que entendemos da situação constatada pelo autor mencionado, é

que normalmente acontece de se ter a consumação de um usucapião

alcançando a coisa superficiária e o solo, não caracterizando assim aquisição

de Direito de Superfície. Segundo a maior parte da doutrina, o direito de

superfície por ser constituído por ato inter vivos ou mortis causa.

 

1.3- A Superfície no Direito Antigo, Contemporâneo e Brasileiro.

 

O Direito de Superfície no período denominado pela Doutrina de

“Direito Intermédio”, teve grande desenvolvimento em virtude do direito

germânico, que vinha a atribuir um grau maior ao trabalho do construtor do que

o direito relativo à propriedade do solo, pois também existia um grande

interesse por parte da igreja em legitimar construções feitas sobre os terrenos

de propriedade eclesiástica.

 

Concluindo assim que o direito canônico deu uma enorme aplicação à

superfície e seu desenvolvimento, ao contrário dos povos bárbaros, nômades

que eram e conseqüentemente não se prendiam a terra, chegavam, faziam

suas plantações, e após fazer a colheita vinham a abandoná-las, e devido a

essa passageira ocupação, tornava a terra livre, e a construção feita em palha,

madeira ou material similar, não tirava a sua qualidade de coisa móvel, não

podia assim surgir a regra de superfícies solo cedit, pois esta se resume numa

propriedade privada e numa propriedade estatal do solo, a qual podemos

reportar com relação a uma construção, mais ou menos estável, não se

pressupondo assim a acessão do acessório ao solo.

 

O direito germânico entendia que imóvel era somente a terra nua,

sendo tudo o mais bem móvel, não tendo assim a incorporação por acessão

campo de aplicação.

 

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Somente quando o direito romano foi recepcionado pelo direito

germânico é que foi admitido o princípio de que a construção faria parte

integrante do solo, surgindo em muitos estatutos e costumes itálicos a

admissão da propriedade separada de construções e plantações, durando este

entendimento até a Revolução Francesa, quando devido aos abusos cometidos

pelos senhores feudais, como por exemplo a escravidão dos homens a terra e

os altos preços dos censos que eram obrigados a suportarem pelo uso da

superfície caracterizado pelo instituto da enfiteuse, é que foi restaurado a

unidade da propriedade na pessoa do proprietário do solo, ou seja, superfícies

solo cedit, orientação esta seguida pela primeira grande codificação da época,

ou seja, o Código Civil Francês, promulgado no ano de 1804, não sendo

admitida também em outros códigos em seus textos o direito de superfície,

salvo a exceção que fora o Código Civil Austríaco de 1811, que aplicava a

superfície às construções bem como às plantações.

 

Com a promulgação do Código Civil Alemão, após o ano de 1896, o

instituto da superfície surgiu como direito real e limitado às edificações, o qual

foi seguido em 1907 pelo Código Civil Suíço com a referida limitação, indo mais

à frente o Código Civil Chinês3[3], que ao se referir a este instituto expressou

ser o superficiário proprietário das construções e outras obras que porventura

viessem a realizar.

 

No Brasil encontra-se registro de que enquanto colônia de Portugal, o

direito de superfície vigorou até o advento da lei publicada em 20 de outubro de

18234[4], e que mesmo após a proclamação da independência política em

1822, e por falta de legislação própria, a Assembléia constituinte, através da

Lei de 20.10.1823, determinou que continuasse a vigorar no Brasil as

Ordenações Filipinas, de Portugal, embora alteradas por leis e decretos

esparsos, até que viesse a ser elaborado o Código Civil Brasileiro, razão pela

qual o direito de superfície continuou a viger no direito pátrio, se extinguindo

em 24 de setembro de 1864, por força da Lei 1237, ocasião em que houve a

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necessidade de se substituir a codificação estrangeira – Ordenações Filipinas,

o qual os juristas que se encarregaram da elaboração do projeto de código

civil, não vieram a incluir a superfície no elenco dos direitos reais.

 

1.4- Natureza e objeto do direito de superfície.

 

O direito de superfície nasceu do agri publici, o qual visava permitir o

plantio em terras públicas, evoluindo para o direito privado como relação

obrigacional, onde o superficiário tinha à época, apenas uma ação pessoal

contra o proprietário do solo. A relação jurídica, na verdade, nasceu da locação

do solo, e embora tinha um caráter muito amplo, era pura relação pessoal, pois

a vontade do construtor visava apenas a obtenção da propriedade da

construção que esbarrava no conceito do superfícies solo cedit. Somente o

Pretor poderia organizar esta relação anômala, e o fez o decreto pretor,

concedendo o interdito e, a partir de então, a ação real. Muito embora a

vontade do construtor era sempre obter a propriedade separada da construção,

o direito de superfície tomou o aspecto de direito real a partir de então.

 

Assim era tamanha a extensão intrínseca deste direito real, que alguns

escritores consideravam uma verdadeira anomalia jurídica. O direito de

superfície derrogava a lei da acessão de coisa móvel à imóvel, a qual era

considerada pelo direito romano regra geral, revogando assim os efeitos do

superfícies solo cedit.

 

Várias foram as controvérsias surgidas com relação ao que se concerne

poder a plantação assim como a construção, serem objeto de direito

superficiário, pois várias doutrinas discordavam, devido as construções da

época utilizarem material que facilmente se removiam, podendo até mesmo

falar em vida própria; enquanto que as plantações não poderiam ser removidas

sem serem totalmente destruídas, pois dependiam do solo a que acediam, para

sobreviver, não tendo assim vida própria.

 

Capítulo II

O Direito de Superfície

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Visão Geral

 

2.1-Conceito.

 

Em função do direito positivo considerado e da posição do instituto no

ordenamento, ter-se-á uma variação óbvia na conceituação do mesmo, mas

antes de conceituar o direito de superfície, é preciso delimitar claramente o que

é superfície na linguagem coloquial; superfície é a camada mais superficial do

solo. Não obstante, no sentido jurídico tradicional, proveniente do Direito

Romano, superfície é tudo o que está acima do solo que aflora deste.

 

Para a doutrina civilista, de um modo geral, a superfície consiste no

direito real de construir, assentar qualquer obra, ou plantar em solo de outrem.

Entretanto, pode-se dizer que, hodiernamente, o instituto tem outros contornos

não referidos na conceituação genérica supracitada; assim sendo, o ilustre

Professor Ricardo Pereira Lira5[5] propõe um conceito amplo, qual seja: “... o

direito de superfície é direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer e

manter construção ou plantação sobre ou sob terreno alheio; é a propriedade -

separada do solo - dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade

decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele

já existente.”

 

De outra forma, o Dr. José Guilherme Braga Teixeira 6[6] propõe o

seguinte conceito para superfície a ser adotada no Brasil: “Direito real de

construir ou plantar em terreno alheio, por prazo determinado, sendo a

propriedade da construção ou da plantação pertencente, em caráter resolúvel

ao superficiário, distinta da propriedade do solo”.

 

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Segundo Clóvis Beviláqua:7[7] “O direito de superfície consiste no

direito real de construir qualquer obra, ou plantar em solo de outrem”.

 

Já, Washington de Barros Monteiro:8[8] “O direito de superfície consiste

no direito de construir, assentar qualquer obra, ou de plantar em solo de

outrem”.

E, Orlando Gomes:9[9] “O direito de superfície é o direito real de ter

uma construção ou plantação em solo alheio”.

 

Mas para, Carlos Maximiliano10[10] o concebe como: “Um direito real

consistente em ter edifício próprio ou plantações sobre terreno alheio”.

 

Em tempo, Wilson de Sousa Campos Batalha:11[11] “O direito de

superfície é o direito real de ter plantações (plantio), fazer semeaduras (satio),

edifício (inaedificatio), em terreno de propriedade alheia”.

 

2.2- Da Natureza Jurídica.

 

No que se refere ao posicionamento da superfície no ordenamento

jurídico, os autores não se mostram concordes no que concerne à natureza

jurídica do direito de superfície. É possível identificar três correntes mais

importantes na doutrina: a da tese unitarista (grifo nosso) que equipara o direito

de superfície a diversos outros institutos do Direito Civil, entretanto, a superfície

tem matizes próprias e traços distintivos evidentes dos institutos, como o

arrendamento, a enfiteuse, o usufruto, a servidão, etc... que se verá adiante

sem a pretensão de esgotar o tema, apenas citando evidências a respeito.

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Comparando-se a superfície ao arrendamento, por exemplo, confronta-

se o caráter real daquela com o obrigacional deste, tornando-se o superficiário

proprietário da construção ou plantação pagando ou não uma renda ao

dominus soli. No arrendamento, o pagamento de uma renda periódica é

característica do instituto, sendo que o arrendatário jamais se tornará

proprietário. Além disso, a onerosidade é caráter essencial do arrendamento e

é opcional no direito de superfície.

 

Do mesmo modo em relação à enfiteuse, instituto contemporâneo à

superfície, há que se ressaltar as diferenças evidentes. A remuneração na

superfície é opcional, enquanto na enfiteuse é característica do instituto o

pagamento do “foro” sob pena de comisso e, conseqüentemente, extinção da

mesma. Ademais, não se confere ao foreiro a propriedade dos bens

enfitêuticos, tendo ele, entretanto, o direito de resgate que não se observa na

superfície. Pode-se dizer que a enfiteuse costuma ser utilizada para fins

agrícolas e cultivo da terra, enquanto a superfície se presta também a

construções de edifícios.

 

Ainda existem outras diferenças, como anota Artur Oscar de Oliveira

Deda, in verbis: “As duas figuras jurídicas diferenciam-se profundamente no

tocante a extensão dos direitos do superficiário e do enfiteuta, em relação ao

solo. Enquanto aquele dispõe, apenas, do direito real limitado de gozo sobre o

solo, o enfiteuta – conforme acentua Guilarte – tem das mais amplas

faculdades de gozo sobre a totalidade do fundo, incluindo as coisas que estão

situadas sobre o próprio solo”.12[12]

 

Com relação ao usufruto há por sua vez evidente distinção. O usufruto

é constituído intuitu personae, é intransmissível, sempre temporário, extingui-se

com a morte do usufrutuário e, além disso, este é obrigado a respeitar a

substância da coisa Já a superfície é transmissível inter vivos e causa mortis, o

superficiário é proprietário, mesmo que resolúvel, podendo alterar a substância

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da res. Além disso, existem ordenamentos que conferem caráter perpétuo à

superfície.

 

No que se refere à servidão, a mais clara distinção é não ser esta

alienável, diferentemente da superfície. Além do que, para que se constitua a

servidão há necessidade de prédios distintos pertencentes a donos diversos

(prédio dominante e serviente). E, finalmente, considerando-se a concessão de

direito real de uso, deve-se atentar para o fato de que nesta não há o

abrandamento do princípio superfícies solo cedit, não se criando uma

propriedade separada do solo como ocorre na superfície. Assim, ambos os

institutos são direitos reais limitados, mas guardam suas peculiaridades. Note-

se que o direito de superfície tem como característica básica a suspensão, pelo

prazo acordado, do efeito aquisitivo da acessão para o dominus soli e a

constituição de uma propriedade superficiária.

 

Já a tese dualista (grifo nosso), atribui ao superficiário a qualidade de

titular do domínio útil, assumindo o proprietário do solo a condição de titular do

domínio direto ou eminente. Esta posição sofreu inúmeras críticas, pois muitos

doutrinadores entendem que a propriedade do superficiário não sofre

limitações que procedam dos direitos do dono do solo. Para J. Machado

Carpenter, citado por Arditi13[13], a doutrina do domínio dividido “é um equívoco

do ponto de vista jurídico e uma monstruosidade do ponto de vista dogmático”.

 

A superfície como direito autônomo (grifo nosso), a constituição do

direito de superfície consiste, na suspensão, enquanto dure a concessão do

efeito aquisitivo da propriedade pela acessão. Assim, deixa de vigorar o axioma

superfícies solo cedit e a regra geral de que o acessório segue o principal. Os

doutrinadores que defendem a superfície com um direito real, imobiliário

limitado e autônomo, acreditam que a propriedade da superfície é algo isolado

da propriedade do terreno, que inclusive, é concedida ao superficiário uma

proteção erga omnes sobre sua propriedade

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Concluindo podemos dizer que a natureza jurídica da superfície é de

direito real imobiliário, limitado e autônomo de manter, ou de fazer e manter

construção ou plantação em solo alheio conferindo ao titular (superficiário) a

propriedade resolúvel da construção ou plantação separada da propriedade do

solo. Será, ainda, direito complexo se a construção ou plantação não

preexistirem no terreno, devendo ser realizadas pelo superficiário.

 

2.3- Da Constituição e Transmissão.

 

O Direito real de superfície constitui-se por contrato registrado no

Registro de Imóveis competente, devendo ter a forma escrita, sendo negócio

jurídico solene. A extensão e efeitos da superfície devem estar bem

delimitados, no mesmo. Do mesmo modo devem-se ressaltar: os sujeitos da

relação superficiária, ou seja, o proprietário do solo concedente, e o

superficiário que exerce o direito ao uso do mesmo, com seus respectivos

direitos e obrigações. Note-se que há possibilidade da superfície se constituir

por cisão: a propriedade separada superficiária, efeito da alienação que o

dominus soli separadamente faz a outrem de construção já existente,

reservando-se a construção; ou efeito da alienação separada que o dominus

soli faz a duas pessoas, transferindo a uma o solo, a outra a construção já

existente. Há de se notar que a plasticidade a que se refere o Dr. Ricardo

Pereira Lira14[14] deve-se ao fato da estrutura da relação superficiária poder

partir de uma relação simples, evoluindo para uma relação complexa, ou ainda,

nascer complexa como se vê na cisão.

 

No testamento, o testador deixará a superfície ao legatário e a

propriedade do solo a outro legatário ou à universalidade dos herdeiros,

exigindo-se assim o devido registro do formal de partilha no Cartório de

Registro de Imóveis competente.

 

Há autores que não entendem que o direito de superfície possa ser

deixado em testamento, como no caso da professora Maria Helena Diniz,

quando diz que: “impossível será sua aquisição pela usucapião e por via

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testamentária” (grifo nosso)15[15]. Essa conclusão é objeto de muito estudo e

compreensão, pois se o testamento é um ato de última vontade do de cujus, e

como vislumbramos anteriormente, a transferência do direito de superfície se

dará por ato inter vivos e causa mortis, e se o mesmo se encontrar

devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente, e se

também no momento da morte do testador tal direito se encontrar em vigor,

porque não ser contemplado o legatário constante do testamento. Se

porventura o contrato superficiário na época do falecimento do testador não se

encontrar em vigor, não surtirá efeito o testamento com relação àquele

legatário.

 

Há em favor deste entendimento o professor Paulo Roberto Benasse

que diz: “O instituto do Direito Real de Superfície constituído através de

escritura pública pode ser objeto de testamento (grifo nosso) respeitados os

limites a ele atribuídos, no que concerne ao direito de disposição de última

vontade”.16[16]

 

Para que se configure a hipótese de sentença judicial como meio de

constituição pode-se considerar as seguintes possibilidades, a título de

exemplificação: o Ministério Público, mediante ação civil pública, requerer a

superfície compulsória tendo em vista o não cumprimento da função social da

propriedade por parte do proprietário, conforme artigo 5º inciso XXIII c/c artigo

170 inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil17[17]; a

Defensoria Pública, na defesa do réu turbador ou esbulhador, via pedido

reconvencional, não vislumbrando assim causa justificativa para a proteção

possessória no caso de propriedades imobiliárias rurais que não cumpram sua

função social, sustentando-se assim a existência de necessidade social.

Quanto à aquisição por usucapião, há na doutrina referência a esta

possibilidade, embora rara. Recai a mesma, principalmente, sobre o usucapião

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ordinário, em razão de concessão anterior a non domino. Neste caso, o

concessionário adquire a superfície caso conserve a posse pelo tempo

necessário, na qualidade de superficiário, desde que esteja de boa fé.

 

Contrário a este entendimento encontra-se o Dr. Ricardo Lyra que, não

vislumbra esta possibilidade no campo prático, com o seguinte

questionamento: “Como imaginar, por exemplo, uma posse circunscrita à

construção, sem necessariamente considerá-la abrangente do solo sobre o

qual ela está edificada?”. Acrescenta o renomado jurista, citando TRABUCCHI,

que talvez se possa admitir esta possibilidade de constituição por meio de

usucapião quando se trate de coisa superficária sobre o solo público, já que a

impossibilidade jurídica de usucapir terras públicas tornaria inócua a projeção

da posse sobre esse solo.

No que tange à transmissão, pode esta ocorrer pelo registro do contrato

de cessão em Cartório, ou por sucessão hereditária (testamento ou herança

universal). É notório que não há que se falar em remuneração ao proprietário

do solo para que ocorra a cessão.

2.4- Da Duração.

 

No que se refere a duração do contrato superficiário, no artigo 21 da

Lei 10.257/200118[18], diz que poderá ser por tempo determinado ou

indeterminado, já no artigo 1369 do Código Civil19[19], diz que só poderá ser

por tempo determinado o que deverá ser decidido de acordo com o

entendimento do Juízo competente, mas desde já podemos concluir que jamais

será o direito de superfície perpétuo, só temporário. No código civil português

de 1966, considerado um dos mais completos no que se refere ao direito de

superfície, encontramos a possibilidade de o mesmo ser perpétuo, preceituado

no artigo 1524 do citado diploma20[20].

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2.5- Da extinção do direito de superfície.

 

2.5.1- Da Confusão.

 

A confusão no direito de superfície se dará quando o proprietário da

área em que se deu o contrato superficiário, se tornar proprietário do solo, ou a

contrário sensu, podendo também ocorrer aquisição do solo e da superfície

por terceira pessoa, ou seja, tornando-se proprietário do solo e da superfície

uma mesma pessoa, extinguir-se-á o direito real resolúvel de superfície.

 

2.5.2- Do término.

 

Ao término do contrato ocorrerá a resolução, conforme preceituado nos

artigos 1369 e 1374 do código civil, e também pelo complemento da condição,

devidamente atendidas sua finalidade e cumpridas as obrigações contratuais.

 

2.5.3- Do não cumprimento do contrato.

 

Quando ocorrer de o superficiário der destinação diversa ao que foi

pactuado no contrato, ocorrerá a sua resolução, nos moldes previstos no artigo

1374 do Código Civil21[21], aplicando-se o princípio geral do não cumprimento

das condições pactuadas, salvo se não houver expressa previsão da resolução

no contrato.

 

2.5.4- Da rescisão.

 

O contrato de superfície quando for acordado onerosamente, não

poderá ser rescindido pelo inadimplemento da prestação pactuada, mas se

houver insolvência por falta de adimplemento das prestações, gerará motivo

para ser rescindido. Pode ainda ocorrer a rescisão pela vontade do superficário

que poderá renunciar ao seu direito a qualquer tempo.

 

21

Page 17: Direito de Superfície

2.5.5- Do distrato.

 

Ocorrerá o distrato por mera liberalidade das partes, declarando

extinta a superfície, que deverá ocorrer por escritura pública, ou seja, da

mesma forma que fora contratada.

 

2.5.6- Da renúncia.

 

A renúncia deve ser expressa autorizando o cancelamento da

superfície no Registro de Imóveis competente.

 

2.5.7- Da prescrição.

 

No que se refere a prescrição, encontra-se prevista no Código Civil

italiano como causa de extinção da superfície. Entretanto, a doutrina entende

que o prazo para construir ou plantar é decadencial, e não prescricional. Assim

extinguir-se-á a superfície por falta de objeto se não for exercido o direito de

construir ou plantar. Não há tal previsão no Código Civil Brasileiro.

 

2.5.8- Da desapropriação e perecimento do objeto.

 

Quando a propriedade objeto de direito de superfície vem a ser

desapropriada, extinguir-se-a a superfície, desde de que a desapropriação não

seja parcial, pois se assim for poderá remanescer o edifício ou plantação.

Quando se tratar de desapropriação total do imóvel, a indenização caberá ao

proprietário concedente e ao superficiário, devendo-se analisar a hipótese em

concreto para o delineamento do direito correspondente a cada uma dessas

partes, para a fixação do quantum indenizatório, conforme artigo 1376 do

Código Civil22[22].

 

No caso de haver o perecimento do objeto pactuado, considerado em

relação ao solo, acarretará a extinção da superfície. Se porventura for em

relação à coisa superficiária, a doutrina entende ser perfeitamente possível que

22

Page 18: Direito de Superfície

o superficiário venha a reconstruir o edifício ou no caso de plantação fazer o

replantio.

 

Em qualquer dos casos de extinção do direito de superfície, o

proprietário passará a ter o domínio pleno sobre o terreno, construção ou

plantação, independentemente de indenização, salvo se as partes houverem

acordado o contrário. Tudo o que o superficiário vier a incorporar ao solo, via

de regra, passará a pertencer ao proprietário concedente, sem qualquer ônus,

após a extinção da concessão. Caberá a inversão dessa regra se houver

cláusula expressa, tudo de conformidade com o artigo 1375 do Código

Civil23[23].

 

2.5.9- Da proteção do Direito de Superfície.

 

Por se tratar de direito real (art.1225 do C.C.)24[24], o superficiário

como titular desse direito, goza das prerrogativas das ações possessórias, e

neste sentido Teixeira (1993, p.84) diz caber, ao superficiário, as espécies de

manutenção e reintegração de posse, dada a oponibilidade erga omnes que

integra o direito real25[25].

 

Com a existência da plantação ou da edificação, por ser seu

proprietário, é dado ao concessionário, superficiário, o exercício das ações

petitórias, tanto as reivindicatórias (que visam reivindicar direitos que estejam

sendo negados ou contrariados); como as negatórias (que visam recharçar

direitos que pretendam ter sobre o direito superficiário); e, as confessórias (que

visam a declaração de direitos existentes em decorrência da relação jurídica

existente).

 

23

24

25

Page 19: Direito de Superfície

Cabem, ainda, as cautelares auferidas ao proprietário em geral, como

as de dano infecto, embargos de terceiro, de nunciação de obra nova, busca e

apreensão de coisas, interdito proibitório, manutenção de posse etc.

Há entendimento também acerca da ação de usucapião, do

concessionário contra o concedente, para haver-lhe a propriedade do solo, se

este não cobrar o solário ou preço pelo prazo de 20 anos.

Segundo ao artigo 1370 do Código Civil26[26], a concessão da

superfície poderá ser gratuita (grifo nosso), podendo assim concluir que a ação

de usucapião só terá fundamento se o contrato superficiário for oneroso, e o

concedente deixar de cobrar por 20 anos o solário ou preço, pois se o contrário

ocorrer, caracterizará o enriquecimento sem causa, devido não ter o

proprietário por ser contrato gratuito o dever de cobrança frente ao

superficiário.

A aquisição originária por intermédio de usucapião, se comprovados os

seus requisitos específicos, é em tese juridicamente possível. O problema, na

verdade, reside na circunstância particularizada em cada caso apresentando

sub judice, tendo-se em conta que, numa escala valorativa, o direito de

superfície (limitado) vale menos em relação ao direito de propriedade (amplo).

Por isso na quase totalidade das hipóteses, o possuidor fatalmente alegará

posse ad usucapionem de proprietário e não de superficiário pois,

efetivamente, exerceu poderes plenos sobre o imóvel (uso, gozo e disposição).

 

Sendo a posse uma exteriorização dos direitos reais no plano do

mundo fatual, e, por sua vez, a concessão conferida envolver justamente o

direito de construir ou de plantar sobre o terreno do proprietário, ou seja, na

superfície do imóvel objeto do contrato, em sede fatual probatória, em linha de

princípio, aparentemente, ambos os direitos (de superfície e de propriedade)

confundem-se.

 

O fato que agrava mais ainda a situação é a de que o subsolo não é

comumente utilizado, tornando assim ainda mais complexa a situação fática

26

Page 20: Direito de Superfície

apresentada. Uma hipótese que se vislumbra, por exemplo, é a celebração de

uma concessão de direito de construir, por instrumento particular em que, após

o decurso do prazo e comprovados os demais requisitos, o interessado postule

usucapião do direito de superfície.

 

2.5.10- Direito de superfície como relação jurídica da propriedade do solo e da

propriedade da construção

 

A relação jurídica da propriedade do solo e da propriedade da

construção, não caracteriza o direito de superfície como a propriedade

superficiária, e sim o meio que conduz à propriedade superficiária. Quando o

direito privado vem criar uma propriedade superficiária atua em duas vias, ou

seja, criando a propriedade do solo destacada da propriedade da construção

ou plantação, podendo ser contratada com o fim de construir ou plantar

posteriormente. Podendo ser constituída também sobre plantação ou

construção existente.

 

Não são diferentes na sua natureza, pois mesmo no caso de aquisição

do direito sobre construção existente, caso essa pereça, há a possibilidade de

reconstruí-la, porque o direito de edificar estaria presumido no direito sobre

construção ou plantação existentes, podendo citar o entendimento de Lucci,

neste sentido, por Paulo Roberto Benasse27[27].

 

2.5.11- A dissociação entre a propriedade do solo e a propriedade das

construções e plantações

O artigo 545 do Código Civil de 1916, ou seja, o antigo Código, dispõe

o seguinte: “Toda construção, ou plantação, existente em um terreno, se

presume feita pelo proprietário e à sua custa, até que o contrário se prove”. A

mesma previsão foi feita no atual código civil, em seu artigo 1253, o qual

dispõe: “Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se

feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário”.

 

27

Page 21: Direito de Superfície

Esta regra esta incluída em capítulo atinente aos modos de aquisição

da propriedade imóvel, e segundo Orlando Gomes28[28], “vem a firma

presunção “iuris tantum” em favor do proprietário do solo baseando-se no

princípio “superfícies solo cedit”, que se vem verificar o princípio segundo o

qual o acessório segue a sorte do principal. A definição deste Código com

relação aos bens imóveis, vem confirmar a distinção nítida do solo de tudo

quanto o homem lhe incorporar permanentemente, como as plantações e

construções”, em seu artigo 43, abaixo expresso.

 

Artigo 43 do Código Civil de 1916 – “São bens imóveis: inciso I – o solo

com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais,

compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo”.

Este artigo corresponde ao artigo 79 do atual código civil, que dispõe: “São

bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”.

 

Vislumbrando estes artigos, e ao interpretá-los, verificamos então que,

o solo como bem imóvel é por sua natureza coisa principal em relação a tudo

que lhe vier a implantar incindivelmente, e as edificações e plantações serão,

por conseguinte, acessões e que ordinariamente pertencerão ao dono do solo,

devido ele ser proprietário do bem principal. Ora, então fazemos a seguinte

pergunta: Será que as acessões não poderão pertencer a outra pessoa, senão

ao proprietário do solo?

Como é visto no artigo 545 e seu correspondente atual, a dissociação

entre a propriedade do solo e a propriedade das plantações ou construções, é

notória a sua admissão no ordenamento jurídico, tendo em vista que o

proprietário destas está legitimado a provar que lhe pertencem, elidindo, por

esse modo, a presunção legal estabelecida em favor do dono do solo. Estamos

assim cientes de que poderá sim, pertencer as acessões a uma outra pessoa,

que não seja o proprietário do solo, admitindo o Código a prova em contrário,

aceitando as orientações das legislações que permitem a propriedade

separada das construções ou plantações, em desacordo com o princípio de

28

Page 22: Direito de Superfície

que o acessório segue o principal, e segundo este princípio, as acessões

constituem uma unidade sobre a qual não pode haver mais de um proprietário.

A propriedade superficiária é exceção ao princípio de que o acessório

acompanha o principal, pois a lei concede ao superficiário um direito real sobre

construção ou plantação feita em terreno alheio, utilizando sua superfície.

Em sentido contrário temos Pontes de Miranda29[29] sustentando que,

“não obstante o disposto no artigo 545 do Código, a plantação jamais adquire

existência própria, ou, por outras palavras que possa existir juridicamente sem

o terreno”.

 

 

A verdade é que ao longo do tempo com a evolução e sob a influência

de fatores múltiplos, o direito pátrio não conservou o princípio romano

“superfícies solo cedit” no que se concerne a admissão da propriedade

separada tanto das construções como das plantações, pois a nossa legislação

atendeu ao desenvolvimento histórico do instituto, devido mesmo antes da

vigência do novo Código Civil, processar-se a venda de uma plantação em

terreno alheio, como objeto de propriedade separada, autônoma,

independente, dando-se para essa alienação a curiosa expressão, venda da

posse, o que até nos dias de hoje, não é reconhecido como negócio jurídico

registrável no Cartório de Registro de Imóveis, pois posse não se registra.

 

Francesco Ferrara30[30] qualificou a expressão venda da posse como

uma “concepção popular, - concepção segundo a qual se considera coisa

qualquer objeto que tenha individualidade física e econômica próprias, ainda

incorporada a outra coisa tida como principal”. Segundo esta concepção, uma

casa com uma plantação forma uma entidade econômica física, caracterizando

“res individuae”.

 

29

30

Page 23: Direito de Superfície

É de suma importância dizer que a dissociação entre o solo e a

plantação, possibilitará o atendimento de fins econômicos e sociais, atribuindo

a quem plantou ou construiu em propriedade alheia, uma vez que não tenha

obstáculos jurídicos a sua aquisição, uma proteção jurídica, estimulando o

aproveitamento da terra, ajudando a quem não é proprietário rural e

recompensando o trabalho.

 

Capítulo III

Direito de Superfície no Código Civil Brasileiro

 

3.1-Reintrodução da Superfície no Direito Brasileiro

A reintrodução do direito de superfície através do projeto nº 634-B de

Código Civil não ficou imune às criticas. Importantes civilistas como Caio Mário

da Silva Pereira, Orosimbo Nonato e Afrânio de Carvalho se posicionaram

contra, com o argumento de que “se tenta fazer ressurgir das cinzas do

passado um direito real já em desuso, até mesmo no direito romano.”31[31]

 

Por outro lado, o magistério proficiente de Orlando Gomes repele a

argumentação, ao afirmar: “Muitos Códigos que conservaram o censo

enfitêutico, repeliram, como o nosso, o Direito de Superfície. Assim, não se

pode, à primeira vista, compreender a reconstuição de uma figura jurídica que

desaparecera das legislações. No entanto, Códigos recentes reformaram-na,

dando-lhe novos traços, admitindo a sua utilidade para certos fins, dentre os

quais, como se reconhece na Alemanha, o de facilitar as construções

principalmente nos terrenos de domínio do Estado, concorrendo para a solução

do problema da habitação. Volta assim, a ter aplicação, sob forma nova, e

outra perspectiva, um direito que fora condenado e caira em desuso.32[32]

 

O projeto nº 634-B de 1975 com redação final pela Câmara dos

Deputados, em 1984, como Projeto de Lei Complementar nº 118, e esteve em

tramitação no Congresso Nacional, foi aprovado como Lei nº 10.406 de 10 de

31

32

Page 24: Direito de Superfície

janeiro de 2002, e depois de longo tempo, se encontra vigente desde 11 de

janeiro de 2003, constituindo assim o Novo Código Civil Brasileiro, o qual foi

reinserido o Direito de Superfície, no Título IV, do Livro III, Da Superfície nos

seus artigos 1369 a 137733[33], como direito real resolúvel.

O reingresso se deu, mesmo tendo entendimento contrário de boa parte

dos doutrinadores, com o advento do Decreto Lei nº 27134[34] de 28.02.1967,

no Direito Público e Privado, tratando-se do direito de superfície de terras

públicas e privadas, para fins de edificação ou plantação em solo público ou

particular, com a idéia de concessão, mas sem dar-lhe expressamente a idéia

de direito real resolúvel, tratando até do espaço aéreo da superfície de terreno

público.

 

3.2- Comparações entre o anteprojeto de Orlando Gomes e o novo código civil.

Não poderíamos falar no retorno do direito de superfície em nosso

ordenamento jurídico, sem falarmos no anteprojeto de código civil de 1963 de

Orlando Gomes, revisto em 1964, o qual fizeram parte da comissão revisora,

ilustres como: Orosimbo Nonato, Orlando Gomes e Caio Mário da Silva

Pereira, não obtendo êxito, pois o mesmo não veio a vigorar.

 

O anteprojeto de Orlando Gomes de 196335[35], revisto em 1964, traz

no

Capítulo III, Do Direito de Superfície, os artigos 524 usque 531, a seguir

expressos:

 

Artigo 524 - “Constituição do Direito de Superfície – O proprietário pode

conceder a outra pessoa o direito de construir ou plantar no seu terreno, por

tempo determinado, mediante escritura pública devidamente inscrita no registro

imobiliário”.

 

33

34

35

Page 25: Direito de Superfície

Artigo 525 – “Transferência do Direito de Superfície – O titular do direito de

superfície pode transferi-lo por negócio entre vivos, a título oneroso ou gratuito,

bem como por disposição de última vontade”.

 

Artigo 526 – “Objeto do Direito de Superfície – O direito de superfície pode

recair sobre qualquer construção, ou plantação, suscetível de ser adquirida, por

acessão pelo dono do solo”.

 

Artigo 527 – “Concessão gratuita ou onerosa – A concessão do direito de

superfície será gratuita ou onerosa”.

 

Parágrafo 1º - “A remuneração do concedente pode ser estipulada para ser

paga de uma só vez, ou em prestações periódicas”.

 

Parágrafo 2º - “Na falta de pagamento, o concedente não tem outro direito,

ainda que o estipule, senão o de haver as prestações devidas e juros da mora”.

 

Artigo 528 – “Reversão ao concedente – Se for estipulado que a construção

passará ao domínio do concedente, após o decurso de certo prazo, não inferior

a vinte e cinco anos, nenhuma indenização ou compensação lhe poderá ser

exigida pelo superficiário, salvo estipulação em contrário”.

 

Artigo 529 – “Tributos e encargos – O titular do direito de superfície responde

pelos encargos e tributos que recaírem sobre o prédio”.

 

Artigo 530 – “Direito de preferência – Se o concedente quiser alienar o

imóvel, o superficiário tem direito de preferência e igualdade de condições; o

mesmo direito é assegurado ao concedente, na hipótese inversa”.

 

Parágrafo único – “Se a construção, ou plantação for penhorada, o concedente,

sob pena de nulidade, deverá ser intimado para exercer seu direito de

preferência na hasta pública.”

 

Page 26: Direito de Superfície

Artigo 531 – “Proibição de cobrar taxa de transferência – Não poderá ser

estipulado, a nenhum título, o pagamento de qualquer quantia pela

transferência da acessão.

O anteprojeto revisado no ano de 197236[36], o qual fizeram parte da

comissão revisora os ilustres: Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves,

Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis

do Couto e Silva e Torquato Castro, traz no capítulo IV, Da Superfície, os

artigos 1556 usque 1563, a seguir expressos:

 

Artigo 1556 - “O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou

de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública

devidamente inscrita no Registro de Imóveis”.

 

Artigo 1557 – “A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa

estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou

parceladamente”.

 

Artigo 1558 – “O superficiário responderá pelos encargos e tributos que

incidirem sobre o imóvel”.

 

Artigo 1559 – “A superfície pode transferir-se a terceiro, e, por morte do

superficiário, se transmite a seus herdeiros”.

 

Artigo 1560 – “Em caso de alienação do imóvel ou da superfície ou o

proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições”.

 

Artigo 1561 – “Antes do advento do termo, resolver-se-á a superfície se o

superficiário der ao terreno destinação diversa daquela a qual lhe foi

concedida”.

 

36

Page 27: Direito de Superfície

Artigo 1562 – “Extinta a superfície, o proprietário passará a ter o domínio pleno

sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização,

se as partes não houverem estipulado o contrário”.

 

Artigo 1563 – “O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito

público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente

disciplinado em lei especial”.

O Anteprojeto revisado no ano de 197337[37], o qual fizeram parte da

comissão revisora, os mesmos citados anteriormente, e traz em seu Capítulo

IV – Da superfície os artigos 1543 usque 1550, a seguir expressos:

 

Artigo 1543 – “O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou

de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública

devidamente inscrita no Registro de Imóveis”.

 

Artigo 1544 – “A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa,

estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou

parceladamente”.

 

Artigo 1545 – “A superfície pode transferir-se a terceiro, e, por morte do

superficiário, se transmite a seus herdeiros”.

 

Artigo 1546 – “A superfície pode transferir-se a terceiro, e, por morte do

superficiário, se transmite a seus herdeiros”.

 

Parágrafo único – “Não poderá ser estipulado, a nenhum título, o pagamento

de qualquer quantia pela transferência da superfície”.

 

Artigo 1547 – “Em caso de alienação do imóvel ou da superfície, o superficiário

ou o proprietário tem direito de preferência, e igualdade de condições”.

 

37

Page 28: Direito de Superfície

Artigo 1548 – “Antes do advento do termo, resolver-se-á a superfície se o

superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual lhe foi

concedida”.

 

Artigo 1549 – “Extinta a superfície, o proprietário passará a ter o domínio pleno

sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização,

se as partes não houverem estipulado o contrário”.

 

Artigo 1550 – “O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito

público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente

disciplinado em lei especial”.

Para podermos comparar estes artigos é de bom alvitre começarmos

pelos artigos 524, 1556 e 1543 do anteprojeto, e 1369 do código civil vigente,

pois são todos partes do primeiro artigo que trata do tema. E analisando-os

observamos que a única diferença entre estes artigos que vale a pena

falarmos, é o seu final “inscrita no registro imobiliário” (grifo nosso) utilizado

pelo legislador, pois seria melhor colocado “transcrito no registro imobiliário”,

pois na época em que foi elaborado o anteprojeto, falar em inscrição seria tudo

que fizesse parte dos livros 2 e 4 do Cartório de Registro de Imóveis, como por

exemplo a hipoteca seria inscrita no livro 2, e a promessa de venda e penhora

seria inscrita no livro 4, e todos os outros atos relacionados a transferência de

propriedade imóvel, faziam parte do livro 3, sendo estes tratados por

transcrição, onde se corresponderia certamente o direito de superfície. Mas

hodiernamente todos esses atos praticados são considerados registros, e que

no artigo 1369 do C.C. expressa corretamente.

 

Outro fator relevante, e causa considerável controvérsia entre vários

autores, vem expresso no artigo 525 do anteprojeto de 1963, o qual trata da

transferência do direito de superfície, salientando que o superficiário poderá

transmiti-lo por disposição de última vontade, ou seja, deixando para terceiro

beneficiário o contrato superficiário que lhe confere, não sendo expresso no

Código Civil vigente tal direito. Já foi exposto anteriormente o assunto, mas é

bom lembrar que se trata de ato de última vontade do de cujus, e como o

Page 29: Direito de Superfície

direito de superfície se transmite por ato inter vivos e mortis causa, porque não

considerar a vontade do morto, se o contrato na época do falecimento do

testador, se encontrar vigente; neste sentido temos Paulo Roberto

Benasse38[38], e a contrário sensu Maria Helena Diniz39[39].

 

Quanto a forma de contratar a concessão, o proprietário do imóvel e o

superficiário, poderão estipular se irá ser gratuita ou onerosa, e se onerosa,

estipularão se o pagamento será feito integral ou parceladamente, o que foi

aproveitado em completo pelo Código Civil vigente, em seu artigo 1370.

 

O parágrafo 2º do artigo 527 do anteprojeto estipula que na falta de

pagamento pelo superficiário das prestações acordadas, terá o concedente

direito de haver as devidas prestações com juros de mora, não persistindo esse

direito nas revisões feitas em 1972 e 1973, e, por conseguinte, não foi incluída

no Código Civil vigente, mas há uma corrente que diz que, “na falta de

pagamento, resolver-se-á a concessão, salvo se o contrário for expresso no

contrato superficiário”; e, outra corrente que tem o entendimento a priori

exposto. No caso da falta de pagamento das prestações acordadas, do

superficiário ao concedente ainda não temos jurisprudência formada.

 

A questão da reversão, tratada no artigo 528 do anteprojeto, sobre o

decurso de prazo não inferior a vinte e cinco anos, o qual ficaria estipulado que

a construção passaria ao domínio do concedente, sem nenhuma indenização

ou compensação ao superficiário, mesmo sendo exigida, não persistiu as

revisões feitas, e não vigorou no atual Código Civil, mas ficou expresso que,

extinta a superfície o proprietário passaria a ter a propriedade plena da

construção ou plantação, sem que tenha de indenizar o superficiário, salvo se o

contrário houverem estipulado.

 

Com relação aos encargos e tributos que recaírem sobre o imóvel

objeto de contrato superficiário, ficará a cargo do titular do direito de superfície,

38

39

Page 30: Direito de Superfície

havendo previsão expressa no anteprojeto e posterior reaproveitamento no

ordenamento jurídico atual.

 

No caso de alienação do imóvel objeto de contrato superficiário, terá

preferência o proprietário do solo, e no caso contrário, está preferência passará

a ser do superficiário, sendo que ambos terão igualdade de condições,

constante tanto do anteprojeto quando do Código Civil em vigor, havendo

assim o reaproveitamento daquele. E no caso da construção ou plantação

vierem a ser penhoradas, o concedente deverá ser intimado para exercer seu

direito de preferência na hasta pública, previsto no anteprojeto no artigo 530

parágrafo único, mas não havendo tal previsão expressa no Código Civil

vigente.

 

Havendo a transferência do direito de superfície pelo concedente, não

poderá ser estipulada, a nenhum título, pagamento de taxa; o que esta previsto

no anteprojeto em seu artigo 531, sendo consolidado no artigo 1546 parágrafo

único, posterior a revisão de 1973; e, constante do artigo 1372 parágrafo único

do Código Civil vigente, sendo assim totalmente reaproveitado o artigo.

 

No caso da extinção de superfície pelo instituo da desapropriação, não

houve previsão na elaboração do anteprojeto, mais a luz do Código Civil

vigente, ficou estipulado que em tal circunstância, a indenização caberá tanto

ao concedente como ao superficiário, no valor correspondente a direito real de

cada um. Sendo os demais artigos totalmente de acordo o anteprojeto e a

legislação atual.

 

3.3- O Estatuto da Cidade e o Novo Código Civil.

O objetivo da lei federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001 40[40],

denominada de Estatuto da Cidade, é o de regulamentar os artigos 182 e 183

da CRFB/8841[41], tendo como finalidade e objetivo, promover o planejamento

urbano de forma sustentável, visando a qualidade de vida das pessoas que

40

41

Page 31: Direito de Superfície

moram em aglomerados urbanos, bem como a busca da proteção ambiental

como forma de melhorar esta qualidade de vida. Essa versão legislativa e mais

o Código Civil atual, visam contribuir para reformulação da política do uso do

solo, como instrumento jurídico para a atender a função social de propriedade,

no entanto existem algumas diferenças que devem ser levantadas.

O atual Código Civil trouxe dispositivos relativos ao direito de superfície

visualizando toda sorte de hipóteses, enquanto o Estatuto da Cidade, aplica-se

somente ao solo urbano. Este permite a instituição do direito real de superfície

por prazo indeterminado, a utilização do espaço aéreo, bem como do subsolo,

desde que respeitada a legislação urbanística, o qual aquele institui o prazo por

tempo determinado, não havendo expressa previsão quanto ao restante. No

caso do prazo indeterminado, não podemos confundir com perpetuidade, o que

com tal conclusão não se pretende negar que o direito real imobiliário em sua

apresentação clássica, seja constituído perpétua ou temporariamente, tendo

esta previsão no Código Civil português em seu artigo 152442[42].

O Código Civil estabelece que os tributos e encargos incidentes sobre o

imóvel ficam sob a responsabilidade do superficiário, ao passo que o Estatuto

da Cidade permite que as partes envolvidas disciplinem o assunto de forma

diferente.

 

Em se tratando da extinção do direito de superfície, o Estatuto da

Cidade determina expressamente a averbação do ato de cancelamento deste,

no Cartório de Registro de Imóveis competente, enquanto que o atual Código

Civil é silente neste aspecto, mas por analogia parece ser tranqüila a idéia de

que também deverá ser averbada a extinção do direito de superfície previsto no

C.C.; fundamentando a analogia no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código

Civil – LICC43[43]. De modo inverso o Estatuto da Cidade silencia a respeito de

uma eventual desapropriação do imóvel objeto de contrato superficiário,

matéria expressamente tratada no Código Civil.

 

42

43

Page 32: Direito de Superfície

 

Por fim, é de ressaltar que o Código regula a cessão do direito real de

superfície por pessoa jurídica de direito público interno, matéria sobre a qual o

Estatuto também se silencia.

 

Com relação à aplicabilidade de uma ou de outra lei, será preciso fazer

algumas considerações, tendo sempre em mente o dispositivo contido no artigo

2º da LICC, pois embora o Código Civil seja posterior ao Estatuto da Cidade, o

mesmo não trouxe em seus dispositivos revogação expressa ao texto do

Estatuto, muito embora trata-se da mesma matéria, mas que contém

disposições incompatíveis, como é o caso da utilização do subsolo. O conflito

resolver-se-á em princípio pelo disposto no parágrafo 2º do artigo 2º da

LICC44[44], ou seja, as disposições especiais do Estatuto, serão aplicáveis

somente ao solo urbano, prevalecendo sobre os preceitos introduzidos pelo

Código Civil, quando a este não forem incompatíveis, e a contrário sensu, as

normas genéricas do Código aplicar-se-ão ao solo urbano, quando à aquele

não for incompatível. È importante dizer que o atual Código Civil não revoga o

Estatuto da Cidade, por se tratar de lei federal de política urbana.

 

3.4- Direito de Superfície e a Enfiteuse.

 

A enfiteuse, instituto o qual não foi absorvido pelo atual Código Civil, e

conseqüentemente se extinguirá, e que muitos confundem com o Direito de

Superfície, devido haver em ambos os casos a utilização, fruição e posse do

imóvel, em nada mais se assemelhando, pois a superfície não possui caráter

perpétuo como a enfiteuse, não gera desdobramento do domínio direto e útil

sobre o solo, como ocorre no aforamento. A enfiteuse constituía-se na cessão

pelo proprietário, do domínio útil do imóvel a outra pessoa, que vinha a assumir

o encargo de pagar-lhe um foro anual, e ao se transmitir a propriedade pagava-

se uma taxa chamada de laudêmio, o que no contrato superficiário a legislação

não admite, pois a transferência desse direito, será sempre gratuita, ou seja,

sem qualquer tipo de retribuição para o concedente. O instituto da superfície

permite a cessão gratuita determinando que seja convencionado por prazo

44

Page 33: Direito de Superfície

determinado no Código Civil e determinado e indeterminado no Estatuto da

Cidade, conforme já estudado.

 

Capítulo IV 

Superfície e a função social da propriedade 

4.1- Função social da propriedade.

 

Consagrada na Constituição Federal da República Federativa do Brasil

de 1988 como Princípio Geral da Ordem Econômica e Financeira, a função

social da propriedade suscita controvérsia na doutrina quanto a sua natureza.

Para uma corrente, a função social refere-se a configuração estrutural do

direito, elemento essencial à própria conceituação e conteúdo contemporâneo

do direito subjetivo de propriedade.

 

A ordem jurídica, através dos direitos subjetivos, cria um sistema

organizacional das relações sociais estabelecendo correlatos deveres a esses

direitos, possibilitando o progresso da sociedade e, na lição de Eros Roberto

Grau45[45], regulando “a preservação das condições de existência do homem e

sociedade”.

Desta forma, pode-se constatar nos direitos subjetivos uma situação

jurídica complexa, onde se conjugam um poder e um dever, simultaneamente.

Há de se observar que no núcleo do direito de propriedade há um núcleo

positivo (prática, pelo proprietário nos limites da lei, de atos de senhorio) e um

negativo(direito de excluir intervenções indesejáveis de outrem), coexistindo

com o dever de exercício que atenda aos interesses sociais. Não é essa

obrigação um limite, imposto de fora para dentro, mas correlativo necessário

das atribuições do proprietário, formando, assim, parte do conteúdo da

propriedade. Assim, se conclui que a norma que determina a função social da

propriedade não é só um princípio programático dirigido ao legislador, nem se

limita a conceder a este a faculdade de impor aos proprietários deveres de

prestação de interesse público.

45

Page 34: Direito de Superfície

 

Essa disposição se dirige diretamente ao proprietário que deve exercer

seu direito, não visando apenas a atender seus próprios interesses, e sim os de

toda a coletividade. Há de se notar que o dever é um encargo, ônus que enseja

a conduta positiva.

 

Podemos, então concluir que, o direito de propriedade é um poder-

função o que torna seu titular obrigado para com toda uma sociedade, a

comportamentos positivos, em sintonia com o interesse da coletividade, e

passível de punição pela ordenamento jurídico.

 

Para outra corrente, não pode a noção de propriedade ser

transformada em mera função, em imposição de dever a ser cumprido pelo

titular, diante da própria incompatibilidade entre direito e função, já que um

significa liberdade e outro implica sujeição.

 

Na lição do ilustre professor Celso Ribeiro Bastos46[46]: “O cerne do

nosso sistema jurídico-político repousa no fato de que não há uma oposição

irrefragável entre o social e o individual...” . No seu entendimento há uma

maximização do atingimento dos interesses sociais pelo exercício normal dos

direitos individuais. Ainda aduz o ilustre professor que, “a função social da

propriedade nada mais é que um conjunto de normas da constituição que visa,

por vezes até medidas de grande gravidade jurídica a recolocar a propriedade

na sua trilha normal”.

 

Há de se notar que a consistente argumentação da primeira corrente é

inegável, e segundo o ditado popular “o direito de um termina quando começa

o do outro”. Se não fosse difícil a prática, não haveria necessidade de o Estado

intervir e normatizar as relações sociais.

 

 

Seria lógico imaginar que a fruição individual do bem levaria ao

atingimento de sua função social se a sociedade fosse composta de homens

46

Page 35: Direito de Superfície

de bom senso e elevada consciência social. Entretanto, o estágio atual da

sociedade reflete deformidades e desajustes causados pelo exacerbado

materialismo e egoísmo dos homens, que não planejam, não agem com

estratégia de futuro, limitando-se a querer usufruir o máximo possível do hoje,

desconsiderando seus pares e até mesmo seus descendentes, colocando em

risco uma coletividade.

 

O equilíbrio entre a satisfação pessoal e a coletiva é o grande objetivo

que deve nortear qualquer raciocínio, ou qualquer julgamento. Por isso, dentro

da própria Constituição, no que se refere aos direitos e garantias individuais,

quando se verifica um aparente paradoxo, direitos igualmente assegurados em

choque, deve-se buscar um princípio maior norteador de toda uma ideologia

que, forçosamente, terá âmbito social e privilegiará o bem comum, mesmo que

para isto esteja aparentemente, assegurado a satisfação individual, como é o

exemplo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana inserto no artigo 1º,

inciso III da CRFB/8847[47].

 

A Carta Magna de 1988 dedica capítulo exclusivo à política agrícola e

fundiária e à reforma agrária. Assim estabelece a competência da União para

promover a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária,

restrita ao imóvel rural que não cumpra sua função social, ou seja, aquele que

vem a desobedecer aos preceitos elencados no artigo 186 da CRFB/8848[48].

Além disso, através do artigo 191 também da CRFB/8849[49], conforme cita em

sua obra o Dr. José Carlos Tosetti Barruffini50[50] observa-se a

constitucionalização do usucapião rural, pro labore, pelo qual torna-se possível

adquirir propriedade de área de terra, preenchendo-se os requisitos ali

elencados salientando-se o caráter ético que advém da função social da

propriedade resultante de uma conduta omissiva do proprietário em

contrapartida a uma conduta comissiva do prescribente.

47

48

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50

Page 36: Direito de Superfície

 

A função social, todavia, não está restrita à propriedade rural, estende-

se, também, à propriedade urbana em capítulo especialmente dedicado à

política urbana.

 

É o direito dinâmico adequando-se à evolução social compatibilizando-

se com os problemas advindos do crescimento das cidades e a conseqüente

complexidade da vida nos grandes centros. Com o objetivo de ordenar o

desenvolvimento das funções sociais da cidade e assegurar o bem-estar dos

habitantes, a política de expansão urbana tem como instrumento básico o

plano diretor, compulsório para cidades com população superior a vinte mil

pessoas, conforme preceitua o artigo 182, caput, e parágrafo 1º da

CRFB/8851[51].

 

O cumprimento da função social da propriedade urbana vincula-se ao

atendimento das exigências de ordenação da cidade, contidas no plano diretor

de competência municipal conforme preceitua o artigo 182 parágrafo 2º da

CRFB/8852[52], naturalmente compatíveis com as diretrizes do

desenvolvimento urbano, instituídas pela União, conforme artigo 21, inciso XX

da CRFB/8853[53].

O proprietário que não promover o aproveitamento adequado de acordo

com a função social estabelecida pela Constituição da República Federativa do

Brasil, poderá o solo, em primeiro lugar, ser parcelado ou compulsoriamente

edificado; em segundo, sofrer imposição de tributo progressivo; e, em terceiro,

desapropriação punitiva, sendo a indenização feita e títulos da dívida pública,

as quais são resgatáveis e parcelas anuais no prazo de dez anos, tudo de

conformidade com o dispositivo legal, artigo 182, parágrafo 4º, incisos I, II e III,

c/c artigo 184 e 5º inciso XXIV todos da CRFB/88.

 

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Page 37: Direito de Superfície

Conforme explicação formulada pelo ilustre Dr. Oscar Dias Corrêa54[54],

“a primeira é o parcelamento ou edificação compulsórios; enquanto a segunda

– que deveria ser a primeira, porque menos dura – é o imposto sobre a

propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo”.

 

A desapropriação como forma de sanção, constitui exceção à regra de

indenização prévia e justa em espécie, no caso de imóveis urbanos, e decorre

da inadimplência do proprietário diante das exigências do Poder Público

municipal. Conforme expõe sobre o assunto o mestre José Carlos de Moraes

Salles55[55], “trata-se de expropriação que permitirá a venda do bem

expropriado a terceiros, depois de parcelado e edificado, se necessário, o que

constitui uma das características das desapropriações por interesse social”.

 

É importante salientar que, a indenização por desapropriação, não visa

propriamente a restituir o valor do bem imóvel desapropriado, e sim a um

prejuízo causado ao proprietário.

 

4.2- Da Superfície Agrícola

 

A superfície agrícola, conhecida também como vegetal ou rústica tem

por objeto as plantações. Esta modalidade até o advento do Código Civil de

2002, vigente desde de 11 de janeiro de 2003, era considerada rara, somente

sendo admitida na legislação portuguesa, belga e holandesa. É com razão

dizer que, o legislador ao introduzir artigo pertinente ao tema referido, se

inspirou no Código Civil português, apesar de não traçar maiores contornos

para o instituto como faz a legislação lusitana.

 

A plantação é toda formação vegetal existente em um terreno. Como

plantar é agricultar, deve o superficiário realizar uma forma de exploração do

terreno, desenvolvendo uma atividade agrícola.

 

54

55

Page 38: Direito de Superfície

Uma análise que podemos fazer da superfície agrícola, baseado no

artigo 1369 do Código Civil, quando se reporta ao termo plantar (grifo nosso),

ou seja, plantações ou qualquer árvore, devem ser entendidas como

permissivo de interpretação extensiva, sendo fulcral que ocorra, sim, o

melhoramento do terreno, podendo assim dizer que, tanto árvores e arbustos

são culturas efêmeras, como por exemplo, o milho, e como cultura duradoura,

a vinha, bananeira etc..., podem ser objeto da superfície rústica, e além disso

podemos estar nos referindo a uma floresta ou a uma árvore isolada.

 

Há corrente cujo entendimento é que, somente culturas duradouras

devem ser objeto de superfície vegetal, não as efêmeras, e afirmam ainda que

o proprietário do solo continua com o uso e fruição do terreno enquanto o

superficiário não iniciar, no caso, a plantação, não podendo, entretanto, impedir

ou tornar mais onerosa a mesma, sendo assim uma da mais possíveis formas

de extinção da superfície, seria a falta de aproveitamento do solo, na forma e

prazo estipulados, não fazendo menção quanto ao prazo o Código Civil

vigente, somente quanto a forma. Mas sendo o contrato a forma de constituição

do direito de superfície, a legislação atual deixa margem para que os

interessados no contrato venham a estabelecer o que for acordado em comum.

 

4.3- Do contrato superficiário e suas cláusulas

 

A constituição do direito de superfície se dá através de um contrato

feito por instrumento público (escritura), devidamente lavrada em Cartório

notarial, e sua base legal dispensa a inserção de cláusulas que venham a

repetir o que já está claro na legislação, e segundo o princípio que não se pode

contratar contra legem, ficam vedadas cláusulas que venham a ferir as leis

vigentes.

 

Segundo o princípio pacta sunt servanda, é livre as partes estipularem

condições que deverão ser cumpridas, desde que não venham a conflitar com

o que está estabelecido por lei. E sendo assim, é livre a pactuação de

condições complementares as previsões legais, e podendo até mesmo

renunciar um direito previsto legalmente.

Page 39: Direito de Superfície

 

Utilizando-se, pois dos bons costumes, um dos princípios gerais do

direito, da hermenêutica, das normas subsidiárias que podem ter aplicação na

espécie, há possibilidade de suprir lacunas onde a lei específica for omissa.

 

4.4- Composições simples de cláusulas contratuais

 

As cláusulas que compõe o contrato superficiário, são aquelas

denominadas de “cláusulas simples”, ou seja, são cláusulas que existem

previsões legais, como: a definição de prazo do contrato, termo inicial e termo

final; objeto do contrato; as qualificações das partes interessadas e também as

do imóvel objeto do contrato; valor do ônus a ser suportado pelo superficiário,

concessionário, em favor do proprietário concedente.

 

4.5- Superfície edilícia e controle do uso do solo urbano

 

Quando tratamos da superfície edilícia, nos referimos a uma

modalidade de superfície referente a construções, e na lição do ilustre Dr.

Ricardo Pereira Lira56[56] “por construções é de entender-se toda obra

consubstanciando um todo independente: edifício, ponte, dique, muro,

monumento, fonte, etc...”. Aduz o mestre que nada impede que o direito de

superfície tenha objeto uma pluralidade de construções, devendo se referir a

totalidade da obra e não se limitar a uma parte desta.

 

Saliente-se que há unanimidade na doutrina pátria em reafirmar que,

tudo que seja passível de ser objeto de acessão, em princípio, pode ser objeto

de superfície, já que esta tem como característica fundamental suspender o

efeito aquisitivo da acessão.

 

Para melhor explicar o controle do solo urbano, é de suma importância

falarmos sobre a formação das sociedades, o qual a liberdade como atributo do

homem, com o tempo foi sendo relativizada considerando as necessárias

limitações impostas pela convivência, na vida de relação, surgindo assim

56

Page 40: Direito de Superfície

normas proibitivas com suas respectivas sanções. Refletindo mas calmamente,

a de se observar que aqueles que criaram as normas também estavam se

utilizando da liberdade, só que eficientemente, ou seja, visando o interesse

público de toda uma comunidade.

 

A diferença entre os seres humanos e os animais, está sem dúvida

nenhuma na inteligência e a vontade inerente aos humanos. A inteligência é

um instrumento para se distinguir e discernir o que é essencial, importante ou

acidental.

 

Partindo dessa premissa, o homem somente exerce sua liberdade com

eficiência quando utiliza sua vontade para realizar os projetos que sejam

essenciais à sua existência, com vista a garantir uma vida saudável e feliz para

todos. Todas essas informações foram necessárias para explicar a

necessidade de se agir e planejar, pois se agimos é para lidar com situações

postas, e se planejamos é para que se construa algo melhor baseando-se na

análise das causas de erros já cometidos. Neste sentido é que se faa

necessário o controle do uso do solo urbano.

 

Como cita o Dr. Ricardo Pereira Lira57[57]:

 

 

“O incremento populacional vem-se operando concentradamente...

Prevê-se uma megalópole linear Rio-São Paulo, em condições inteiramente

imprevisíveis, com problemas de demanda de infra-estrutura, de

comportamento individual e coletivo talvez inteiramente desconhecidos,

gerando uma aglomeração de não se sabe quantos milhões de habitantes...

São Paulo será no ano 2000, um imenso aglomerado, com 23,5 milhões de

habitantes, ostentando, com Nova Iorque, Cidade do México e Tóquio, o

privilégio e a infelicidade de estar entre as quatro maiores cidades do mundo...

As cidades aumentaram, tanto por crescimento vegetativo e ampliação do

perímetro urbano, quanto por força do êxodo rural... Essa concentração urbana

se explica por um conjunto de causas entre elas se alinhando as migrações

57

Page 41: Direito de Superfície

internas, decorrentes da falta de condições para a fixação de homens no

campo, e a forma pela qual o modelo econômico vem impondo o

desenvolvimento industrial.”

 

Infelizmente até nos dias de hoje, o assentamento humano nas cidades

se faz de forma desordenada. Segundo o ilustre professor José Afonso da

Silva58[58], “a qualificação do solo, como urbano, é função dos planos e normas

urbanísticas a que fica vinculado o proprietário”. Acrescenta ainda que “...o

destino urbanístico cria uma utilidade legal que pode aproveitar ao proprietário

e que se contrapõe à utilidade natural dos terrenos identificada com sua

natureza”.

 

Pode-se lembrar a lição de Pedro Escribano Collado citada por José

Afonso da Silva, segundo a qual “...formalmente, o destino do solo não é senão

conjunto de categorias através das quais ele adquire certa utilidade legal, já

que sua utilidade natural é exclusivamente agrícola; materialmente, é, a um

tempo, dita utilidade legal e o tipo de aproveitamento de que é suscetível no

marco concreto e que estão situados os terrenos. É, portanto, o instrumento

que individualiza as distintas categorias de solo urbano”.

 

Assim, a própria edificabilidade nada mais é do que uma utilidade legal

do terreno criada por planos e normas urbanísticas. É em decorrência dela que

o proprietário de um terreno urbano tem a possibilidade de exercer a faculdade

de construir. Concluímos, pois que o direito de construir, nada mais é do que

uma faculdade que deve ser exercida à luz de norma constitucional que faz

previsão acerca da função social da propriedade e das normas urbanística

(Estatuto da Cidade) editadas sempre com a finalidade de atender ao interesse

público e bem-estar social.

 

Nesse passo, vale ressaltar a lição do Dr. Ricardo Pereira Lira59[59],

referindo-se à doutrina italiana para a qual “o direito de construir fica

58

59

Page 42: Direito de Superfície

subordinado à concessão do Poder Público”, mas tal posicionamento é tido

como inconstitucional por doutrinadores pátrios, cuja argumentação é de que,

principalmente em área urbana, a essência econômica da propriedade é a

possibilidade de construir.

 

Entretanto, diante da clara elucidação do mestre José Afonso, a

respeito do destino urbanístico do terreno e sua utilidade legal, não parece

haver dificuldades de se modernizar os conceitos acerca do tema.

 

Note-se que o professor Lira sugere como opções, que não esbarram

na dita inconstitucionalidade, a instituição do solo criado e reentronização da

superfície no direito positivo. Segundo o mestre, o solo criado é o resultado da

criação de áreas adicionais de piso utilizável não apoiadas diretamente sobre o

solo, ou seja, adota-se um coeficiente único de aproveitamento do solo.

 

Toda edificação acima do coeficiente único considera-se solo criado,

quer envolva ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolo. Com relação ao

espaço aéreo e subsolo, não há previsão legal no Código Civil vigente,

havendo previsão apenas na Lei nº 10257/2001 – Estatuto da Cidade (artigo 21

parágrafo 1º), referente ao solo urbano. Acrescenta ainda que, o interessado

em exceder o coeficiente fica condicionado a entregar ao Poder Público

municipal áreas proporcionais ao solo criado pretendido, ou o equivalente

econômico.

 

 

Deste modo, tendo o município terras de sua titularidade, poderá

instituir o direito real de superfície como solução ao problema social da

habitação, além de racionalizar de forma mais eficiente o uso das áreas

urbanas para atender às necessidades ambientais, de educação, saúde, lazer,

etc...

 

Explica ainda o professor José Afonso da Silva, referindo-se a

municipalização dos terrenos urbanos que, muitos defendem a transferência de

toda propriedade privada urbana para o domínio público a fim de viabilizar o

Page 43: Direito de Superfície

ordenamento racional da cidade, o que seria inviável, devido a existência de

propriedades privadas. Entretanto, somente se daria tal transferência via

desapropriação, pois de outra forma seria contra o que preceitua a Carta

Magna, se tornado inconstitucional, na sendo esta hipótese recomendada no

Brasil.

 

4.6- O direito de superfície e a reforma agrária

 

O direito de superfície será de grande importância, no que se refere a

reforma agrária, um tema ultimamente tão debatido, e que esta trazendo

graves conseqüências em relação ao assentamento de famílias de pequenos

agricultores que não tem por seus próprios meios, condições de adquirir terras

que possam cultivar e tirar o seu sustento.

 

Com o aparecimento do movimento dos sem terras (MST), nos pareceu

a princípio ser de fato um movimento social em favor da reforma agrária, o que

granjeou enorme simpatia no Brasil, mas que hodiernamente se tornou mas

interesse político do que propriamente social, pois este movimento tinha como

meta adquirir terras, pressionando o Governo Federal a fazer a desapropriação

de áreas rurais que não exerciam a sua função social, e cedendo as famílias do

citado movimento, para que pudessem ali se assentar e fazer com que aquele

espaço cedido viesse a produzir.

 

Com o passar do tempo, porém, o que seria um movimento social

pacífico e reinvidicante se tornou um exército manipulado ideologicamente,

uma agremiação revolucionaria que opina sobre tudo e não só sobre a terra, e

o faz freqüentemente com violência no protesto, por exemplo, contra a

globalização, na agressão até física de licitantes de privatizações de estatais,

na depredação dos postos de pedágio, nas badernas contra o FMI e na

incineração de bandeiras norte-americanas e praça pública. Um líder

confessadamente marxista-lenista lhe imprimiu, na prática, o que em retórica

sugere o slogam: “Reforma agrária na lei ou na marra”.

 

Page 44: Direito de Superfície

Mas na marra do que na lei, menos reforma agrária e mais esbulho das

propriedades legítimas, ainda que produtivas, o que se tornará mais fácil com

superintendentes regionais do INCRA saídos das hostes do próprio MST, a

atestar que tais terras “não cumprem a finalidade social”.

 

Para tanto, houve a necessidade de o Governo tomar providência na

ocasião, e editou a Medida Provisória que excluía da desapropriação a terra

invadida causando assim a redução das invasões, mas sob força pressão a ser

revogada.

 

Por outro lado, o líder do MST diz que a luta não é ideológica, pois só

existe dada a contradição da existência de grandes quantidades de terras

improdutivas e, de outro lado, milhões de pessoas que querem trabalhar, mas

observa-se a sua fala amena, mas de conduta rude, pois terras produtivas

também são invadidas, com prévia a ampla divulgação; propriedades são

danificadas; proprietários humilhados; animais abatidos; e, por trás da

violência, o respaldo legal, determinando a reintegração da posse se houver

por parte do proprietário a prova de que sua terra cumpre a função social.

 

O direito de superfície se torna para o Governo Federal um excelente

instrumento para reverter toda essa situação conflitante acerca da reforma

agrária, tornando as terras improdutivas, não passíveis de desapropriação, o

que vem a causar certos transtornos ao proprietário, e sim passíveis de

contrato superficiário por prazo determinado conforme previsto no Código Civil,

e posteriormente cedendo as famílias de agricultores carentes, gratuitamente,

áreas em que possam a vir produzir. Findando o contrato, a família beneficiada

já se encontrará em melhor situação, retorna a plena propriedade com as

acessões existente ao concedente, não vindo a prejudicar nenhuma das partes.

 

Há de convir que toda essa elaboração vem a ser praticado a vista de

projetos bem elaborados, e que necessitam de um certo tempo para se possa

obter resultados positivos.

 

CONCLUSÃO

Page 45: Direito de Superfície

 

O Direito de Superfície surgiu no direito romano pós-clássico, como ius

in re aliena. O traço fundamental deste direito é suspender o efeito aquisitivo do

princípio da acessão, superfícies solo cedit.

 

Segundo a doutrina, a origem da superfície deu-se com as acessões do

solo público a particulares e, também, com o arrendamento de longo prazo,

migrando, então, do direito público para o direito privado.

 

Note-se que, por construção pretoriana, conferiu-se ao direito que era

pessoal, um aspecto real, com o interdito superficibus.

 

No direito intermédio, a superfície teve grande desenvolvimento, tendo,

inclusive, estendido seu objeto às plantações. Podemos relacionar tal

desenvolvimento ao fato de que os povos bárbaros possuíam uma cultura

peculiar, com valores diferentes dos romanos, desconhecendo o princípio da

acessão e valorizavam, sim, o trabalho do construtor em detrimento da

propriedade do solo. Tanto que surgiu a doutrina do domínio fragmentado,

iminente e útil.

 

A revolução francesa baniu o instituto devido à distorção ocorrida que

escravizou os homens à terra, uma vez que permaneciam devedores, sem

conseguir pagar os censos cobrados com preços altíssimos.

 

A partir de então, note-se que o direito de superfície foi reintroduzido

em algumas legislações de forma expressa ou por construção doutrinária,

moldando-se às necessidades de cada País de acordo com o momento

histórico.

 

 

De forma unânime, a natureza jurídica do direito de superfície já foi

definida como sendo de direito real, e na legislação brasileira foi reintroduzida

no Código Civil vigente desde de 11 de janeiro de 2003, elencada entre os

direitos reais.

Page 46: Direito de Superfície

 

O direito de superfície no que se refere à função social da propriedade,

constitucionalmente exigida, integra de forma intrínseca sua estrutura, como

instrumento útil, passível de colaborar para atinja esse estágio de utilização do

solo urbano e rural através da superfície edilícia ou agrícola, respectivamente.

Lembre-se a lição da cultura germânica que valoriza “o trabalho de quem

constrói ou planta em detrimento do proprietário do solo”.

 

Além disso, observe-se o direito romano no qual as ricas construções

pretorianas nasceram para atender às necessidades do povo, demonstrando

que nenhum conceito é imutável nem tampouco perpétuo. A supremacia do

interesse público deve nortear qualquer normatização, pois, quando o

indivíduo, aparentemente, se vê sacrificado, o cidadão está ganhando.

 

Parece insolúvel a questão de até que ponto se pode suprimir ou limitar

os direitos individuais em prol dos direitos da sociedade. Mas, justamente,

nesta busca é que emerge a criatividade do homem. Daí princípios como da

razoabilidade que, em síntese, propugnam pelo bom senso.

 

A cultura oriental ensina que existem os conceitos shojo, daijo e

izunome. Shojo é o vertical, o individual, o restrito. Daijo é o horizontal, o social,

o liberal. Izunome é o equilíbrio, o cruzamento do vertical com o horizontal, o

bom senso. Devemos adotar a flexibilidade, agindo-se de acordo com as

situações, ora shojo, ora daijo, mas sempre voltando ao ponto central izunome.

 

Considerando-se essa sabedoria oriental, pode-se dizer que o direito

individual deve ser o princípio orientador, pois o respeito ao homem enquanto

indivíduo é básico. Entretanto, deve-se lembrar que a sociedade abrange os

homens que, na verdade, a constituem. Assim, sem perder de vista o direito

individual, deve-se considerar o direito social sempre buscando o equilíbrio.

 

O legislador, o administrador, devem ter como princípio orientador o

bem-estar social, a paz. A idéia de um direito de superfície compulsório a

disposição do Poder Público deve ser entendida como mais um instrumento a

Page 47: Direito de Superfície

ser utilizado com bom senso e razoabilidade, para que se faça cumprir a

função social da propriedade. Tanto no campo como na cidade, seja pela

reforma agrária, seja por programas de racionalização do uso do solo urbano, a

necessidade de medidas por parte do Estado é urgente e imperativa para

conter a miséria, a violência, o abandono a que as pessoas estão sujeitas.

Toda a sociedade deve ser envolvida, conscientizada dessa necessidade.