Direito e economia na regulacao serie gv law

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Direito econmico 34:33Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo PintoDiretor de produo editorial Luiz Roberto CuriaEditora Manuella SantosAssistentes editoriais Rosana Simone Silva / Larissa CasaresProduo editorial Ligia Alves / Clarissa Boraschi Maria CouraEstagirio Vinicius Asevedo VieiraPreparao de originais Maria Lcia de Oliveira Godoy / Raquel ModoloDe NardoArte e diagramao Cristina Aparecida Agudo de Freitas / Isabel GomesCruzReviso de provas Rita de Cssia Queiroz Gorgati / Regina MachadoServios editoriais Karla Maria de Almeida Costa / Carla Cristina Marques/ Ana Paula MazzocoData de fechamento daedio: 11-11-2008Dvidas?Acesse www.saraivajur.com.brNenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquermeio ou forma sem a prvia autorizao da Editora Saraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal. 7. Aos alunos do GVlaw. 8. APRESENTAOA FGV formada por diferentes centros de ensino e pesquisa comum nico objetivo: ampliar as fronteiras do conhecimento, produzir etransmitir idias, dados e informaes, de modo a contribuir para odesenvolvimento socioeconmico do pas e sua insero no cenriointernacional.Fundada em 2002, a Escola de Direito de So Paulo privilegiou umprojeto diferenciado dos currculos tradicionais das faculdades de direito,com o intuito de ampliar as habilidades dos alunos para alm da tcnicajurdica. Trata-se de uma necessidade contempornea para atuar em ummundo globalizado, que exige novos servios e a interface de diversasdisciplinas na resoluo de problemas complexos.Para tanto, a Escola de Direito de So Paulo optou pela dedicao doprofessor e do aluno em tempo integral, pela grade curricularinterdisciplinar, pelas novas metodologias de ensino e pela nfase empesquisa e publicao. Essas so as propostas bsicas indispensveis formao de um profissional e de uma cincia jurdica altura dasdemandas contemporneas.No mbito do programa de ps-graduao lato sensu, o GVlaw,programa de especializao em direito da Escola de Direito de So Paulo,tem por finalidade estender a metodologia e a proposta inovadoras dagraduao para os profissionais j atuantes no mercado. Com pouco tempode existncia, a unidade j se impe no cenrio jurdico nacional atravs deduas dezenas de cursos de especializao, corporativos e de educaocontinuada. Com a presente Srie GVlaw, o programa espera difundir seumagistrio, conhecimento e suas conquistas.Todos os livros da srie so escritos por professores do GV law,profissionais de reconhecida competncia acadmica e prtica, o que tornapossvel atender s demandas do mercado, tendo como suporte slidafundamentao terica.O GVlaw espera, com essa iniciativa, oferecer a estudantes,advogados e demais profissionais interessados insumos que, agregados ssuas prticas, possam contribuir para sua especializao, atualizao ereflexo crtica.Leandro Silveira PereiraCoordenador do GVlaw 9. PREFCIOOs anos 1990 assistiram a dois fenmenos simultneos ecomplementares no campo da organizao econmica: a desconstituio deum modelo de desenvolvimento econmico baseado na centralidade estatale a abertura do mercado brasileiro s disputas comerciais internacionais.De um lado, a reforma do Estado significou uma privatizao dos serviospblicos, que at meados dessa mesma dcada eram ofertados pelasempresas estatais. De outro lado, a forma com que se procedeu ainternacionalizao econmica do Pas implicou uma aderncia abrupta doBrasil aos termos do ambiente concorrencial externo.Ambos os fenmenos assentaram-se em uma profundareorganizao jurdico-institucional do ambiente econmico nacional, que,em razo disso, passou a funcionar de acordo com novos pressupostos eparmetros.Notadamente no campo dos servios essenciais, essa virada demodelo representou novo engate entre o ambiente pblico e o privado.Setores como telecomunicaes, energia, transporte, entre outros, indicamexatamente a ocorrncia desse fenmeno. No lugar das empresas estataisou de uma regulao incisiva do Estado, tais ramos passaram a contar coma prestao privada de suas atividades e com um aparato regulatrioorientado pelas razes de mercado (market-oriented). Basta ver, porexemplo, a significativa mudana sofrida por boa parte desses setores noque se refere forma de remunerao, que deixou de ser calculada na basede custos para assumir mecanismos baseados em produtividade, indicandoassim uma aderncia lgica privada.Aludidas alteraes institucionais, no entanto, no so triviais enem desprovidas de intensos conflitos de interesse. A desregulao daeconomia e a conseqente possibilidade da atuao privada em setoresanteriormente pblicos trazem consigo dilemas de difcil soluo, tais comoa rida compatibilizao entre as necessidades dos usurios e osimperativos econmicos dos prestadores. Os servios pblicos, ainda queexecutados pela livre iniciativa, no deixam de apresentar um carteressencial para os seus demandantes, que os percebem como atividades quedevem permitir uma fruio universal. Os investidores encarregados dessessegmentos econmicos, por sua vez, balizam-se na obteno mxima deretorno econmico e lucratividade. A tenso entre eficincia e eqidade ,portanto, constitutiva desse novo captulo da organizao dos serviospblicos.Os textos de Alexandre Faraco, sobre o setor de telecomunicaes,de Vinicius Marques de Carvalho, sobre o setor de saneamento, e o de 10. Mnica Guise, sobre medicamentos, esto voltados exatamente a essadifcil composio. Enquanto o setor de telecomunicaes foi pioneiro nabusca de uma soluo, embora ainda carente de uma efetivaimplementao, capaz de articular universalizao e participao privada, osetor de saneamento s muito recentemente veio a dispor de um marcoregulatrio para tentar dirimir esta e outras controvrsias. J o setor demedicamentos, que apresenta a mesma disputa, ao buscar mediar ointeresse privado dos laboratrios, protegido na forma de patentes, e odireito dos pacientes ao acesso a medicamentos importantes, resvala nasregulaes internacionais, como o acordo TRIPs e as competncias daOMC.Os impasses apresentados pelas reformas econmicas nos setorestratados por este livro abrangem tambm outros componentes. Para almdessa difcil justaposio entre a efetivao de direitos e a persecuolucrativa, a consolidao desse novo modelo institucional traz aindadificuldades no que tange ao pleno funcionamento de uma economiaconcorrencial, em segmentos dotados de extensas e intensas falhas demercado. Nesse sentido, o artigo de Eduardo Guimares, sobre a regulaode transportes terrestres, indica justamente os limites desse setor paraconviver em um ambiente concorrencial.Problemas de mercado tambm so partilhados pelo setor areo,como revela o texto de Alessandro Oliveira. Embora esse segmentoapresente maior competitividade entre os operadores, padece de umaconcentrao de empresas e de uma restrio de aeroportos, o que acabapor prejudicar a adequada prestao de tal servio.Um ltimo desdobramento da reorganizao institucional pela qualestes setores passaram explorado no artigo de Mariana Mota Prado.Trata-se dos problemas de desenho e de implementao a que estoassociadas as reformas econmicas. No caso do setor eltrico, porexemplo, a autora nos mostra como as assimetrias existentes entre aconcepo e o funcionamento das alteraes institucionais podem provocarum movimento de repetidas reformas das reformas.Com esse leque de temas, este livro procura percorrer algunsaspectos importantes de um conjunto de setores regulados. Muito emborano sejam estes setores os nicos submetidos regulao pblica, todoseles apresentam uma caracterstica comum, qual seja, o fato deconstiturem atividades destinadas fruio pelos usurios. Por tal razo,outros setores igualmente regulados no foram tratados neste livro.Eis, enfim, artigos com diferentes cores e leituras, cada qualdedicado a um setor, cada qual com uma perspectiva acerca da tensa ecomplementar relao existente entre o Estado e o mercado. O que os 11. unifica? Talvez seja o propsito: fazer destas pginas apenas umaprovocao capaz de estimular novas e sucessivas pesquisas no terreno doDireito e da Economia da regulao.Mario Gomes SchapiroCoordenador 12. SUMRIOAPRESENTAOPREFCIO1 O SETOR DE ENERGIA ELTRICAMARIANA MOTA PRADO1.1 INTRODUO1.2 POR QUE REGULAR O SETOR DE ENERGIA ELTRICA?1.3 A CRISE DAS EMPRESAS ESTATAIS E A PROPOSTA DEREFORMA1.4 O PERODO DE TRANSIO: RUMO AO LIVRE MERCADO1.5 A CRISE: REFORMANDO A REFORMA1.6 APS A CRISE: O PROBLEMA DO ANEXO V1.7 MUDANA DE CURSO: O GOVERNO LULA E A CONTRA-REFORMA1.8 MERCADO VERSUS ESTADO?1.9 CONCLUSOREFERNCIAS2 REGULAO DAS TELECOMUNICAES: ENTRE CONCORRNCIA EUNIVERSALIZAOALEXANDRE DITZEL FARACO2.1 INTRODUO2.2 ANTECEDENTES: A ORGANIZAO DO SETOR DETELECOMUNICAES NO BRASIL E A PRIVATIZAO DOSISTEMA TELEBRS2.2.1 DO CAOS AO MONOPLIO ESTATAL2.2.2 PRIVATIZAO E ABERTURA DO SETOR: DOMONOPLIO ESTATAL CONCORRNCIA PRIVADA2.2.3 A EVOLUO DO SETOR APS APRIVATIZAO2.3 UNIVERSALIZAO E CONCORRNCIA NA REFORMA DOSETOR DE TELECOMUNICAES2.4 POLTICAS DE UNIVERSALIZAO NO BRASIL APS AREFORMA SETORIAL E O IMPASSE NA UTILIZAO DO FUST2.4.1 UNIVERSALIZAO APS A PRIVATIZAO 13. 2.4.2 A ATUAO DO TCU NA DEFINIO DAFORMA DE APLICAO DO FUST2.4.3 A PROPOSTA DE CRIAO DO SCD2.5 CARTER COMPLEMENTAR ENTRE CONCORRNCIA EUNIVERSALIZAO NO ACESSO A REDES DIGITAIS2.6 CONCLUSOREFERNCIAS3 REGULAO NO SETOR DE TRANSPORTE TERRESTRE NO BRASILEDUARDO AUGUSTO GUIMARES3.1 INTRODUO3.2 MARCO LEGAL E INSTITUCIONAL DA REGULAO3.3 CONCESSO RODOVIRIA3.3.1 AS CONCESSES RODOVIRIAS NO BRASIL3.3.2 A NATUREZA DA REGULAO DASCONCESSES RODOVIRIAS3.3.3 A CONCORRNCIA PELO MERCADO: ALICITAO DAS OUTORGAS DE CONCESSO3.3.4 A REGULAO DURANTE A VIGNCIA DOCONTRATO DE CONCESSO3.4 OS SERVIOS DE TRANSPORTE RODOVIRIO3.4.1 O MARCO REGULATRIO: EVOLUORECENTE E LEGISLAO VIGENTE3.4.2 A PRTICA DA REGULAO3.5 CONCESSO FERROVIRIA3.5.1 A PRIVATIZAO DAS FERROVIAS NO BRASIL3.5.2 QUESTES REGULATRIASREFERNCIAS4 REGULAO DA OFERTA NO TRANSPORTE AREO: DOCOMPORTAMENTO DE OPERADORAS EM MERCADOSLIBERALIZADOS AOS ATRITOS QUE EMERGEM DA INTERFACEPBLICO-PRIVADOALESSANDRO V. M. OLIVEIRA4.1 INTRODUO4 . 2 ESTRUTURA E EVOLUO DO MARCOREGULATRIO DO TRANSPORTE AREO 14. 4.2.1 A POLTICA DE FLEXIBILIZAO DAAVIAO COMERCIAL BRASILEIRA4.2.2 LEGISLAO EM VIGOR SOBRE ACONCESSO DE LINHAS AREAS4 . 3 DISCUSSO SOBRE O PROCESSO DEDETERMINAO DA CAPACIDADE PRODUTIVA PELASFIRMAS EM MERCADOS AREOS LIVRES4 . 4 ESTUDO DE CASO: EVOLUO DASFREQNCIAS DE VOS DOMSTICOS E IMPACTOSDO COMPORTAMENTO COMPETITIVO RECENTE DASCOMPANHIAS AREAS4.5 CONSIDERAES FINAISREFERNCIAS5 ELEMENTOS PARA A IMPLEMENTAO DO NOVO MARCO REGULATRIONA GESTO DOS SERVIOS DE SANEAMENTO BSICO NO BRASIL: QUALO ESPAO DA INICIATIVA PRIVADA?VINICIUS MARQUES DE CARVALHO5.1 INTRODUO5.2 O SANEAMENTO BSICO NA ATUALIDADE: DESAFIOS EINTERFACES DO SETOR5 . 3 SANEAMENTO BSICO COMO SERVIO PBLICO NACONSTITUIO DA 19885.4 SANEAMENTO BSICO E FEDERAO: COMPETNCIAS ETITULARIDADE5 . 4 . 1 DISTRIBUIO DE COMPETNCIAS NACONSTITUIO DE 1988: COMPETNCIAS COMUNS,SERVIOS SOCIAIS E O SANEAMENTO BSICO5.4.1.1 COMPETNCIAS DA UNIO5.4.1.2 COMPETNCIAS DOS ESTADOS5.4.1.3 COMPETNCIAS DOS MUNICPIOS5.4.2 COMPETNCIAS CONSTITUCIONAIS E OSSERVIOS DE SANEAMENTO: A CONTROVRSIA DATITULARIDADE5.4.3 IMPACTO DAS COMPETNCIASCONSTITUCIONAIS SOBRE A GESTO DOSSERVIOS DE SANEAMENTO BSICO: O DESAFIO DACOOPERAO, DO PLANEJAMENTO E DO 15. FINANCIAMENTO5.4.3.1 PLANEJAMENTO E SERVIOS DESANEAMENTO BSICO5.4.3.2 FINANCIAMENTO DOS SERVIOSDE SANEAMENTO BSICO5.5 LIMITES E DESAFIOS PARTICIPAO PRIVADA NAPRESTAO DOS SERVIOS DE SANEAMENTO BSICO5.5.1 LIMITES PARTICIPAO PRIVADA:INTEGRAO INTER-SETORIAL,INTERGOVERNAMENTAL E A UNIVERSALIZAO DOSSERVIOS5.5.1.1 INTEGRAO INTERSETORIAL: AGESTO DE RECURSOS HDRICOS5.5.1.2 INTEGRAOINTERGOVERNAMENTAL: ASUSTENTABILIDADE TERRITORIAL5.5.1.3 O DESAFIO DAUNIVERSALIZAO: ASUSTENTABILIDADE SOCIAL5.5.2 ALTERNATIVA PARA PARTICIPAO PRIVADANA GESTO DOS SERVIOS DE SANEAMENTOBSICO: A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA5.6 CONSIDERAES FINAISREFERNCIAS6 PROPRIEDADE INTELECTUAL E O MERCADO FARMACUTICO: UMAREFLEXO SOBRE A APLICAO DE LICENAS COMPULSRIAS NOMARCO DE POLTICAS NACIONAIS DE SADE PBLICAMNICA STEFFEN GUISE6.1 INTRODUO6.2 O MERCADO FARMACUTICO E O CONTEXTOINTERNACIONAL DE PROTEO PATENTRIA6.3 EFEITOS CONCRETOS DA ELEVAO DE PREOS PARA OBRASIL6.4 A LICENA COMPULSRIA6.5 O CASO EFAVIRENZ6.6 CONSIDERAES FINAISREFERNCIAS 16. 1 O SETOR DE ENERGIA ELTRICAMariana Mota PradoBacharel em Direito pela Universidade de So Paulo, mestre (LL.M.) edoutora (J.S.D.) pela Faculdade de Direito da Universidade de Yale, EUA,professora (assistant professor) da Faculdade de Direito daUniversidade de Toronto, Canad.1.1 IntroduoO presente captulo apresentar breve histrico das diversasreformas pelas quais passou o setor de energia eltrica brasileiro de 1992at 2006. Sero descritos trs momentos de importantes mudanas nesseperodo, intitulados aqui de reforma, reforma da reforma e contra-reforma.Esses momentos mostram que, em grande parte, o funcionamento domercado de eletricidade se baseia na complexa regulao (leis,regulamentos e contratos) que governa as relaes entre consumidores,empresas e governo. Eles ilustram tambm as dificuldades em governartais relaes: vrias das reformas implementadas no Brasil no geraram osresultados esperados.O captulo est dividido em sete partes. A primeira explicabrevemente o funcionamento do mercado de energia eltrica e indica quaisos elementos bsicos que compem a regulao setorial. A segunda analisaa crise das empresas estatais e do modelo regulatrio do setor ao final dosanos 1980. A terceira analisa as reformas implementadas no setor deenergia eltrica brasileiro no perodo de 1995 at o fim do processo deprivatizao (a reforma). A quarta, a crise do setor, suas causas e assolues adotadas (a reforma da reforma). A quinta discute uma dasprincipais seqelas da crise, as negociaes do valor das indenizaesprevistas no anexo V dos contratos de compra e venda de energia. A sextaoferece um resumo das reformas implementadas recentemente pelogoverno Lula (a contra-reforma). Finalmente, a stima discute se asreformas aqui apresentadas podem ser classificadas como pr-mercado e 17. pr-Estado. A concluso apresenta um resumo das lies que podemos tirardessa breve anlise.1.2 Por que regular o setor de energia eltrica?O mercado de energia eltrica se divide em quatro grandes setores:gerao, transmisso, distribuio e comercializao. As empresas deenergia eltrica podem atuar nesses setores por meio de integraovertical, ou com uma estrutura desverticalizada. Empresas integradasverticalmente so as que interligam atividades dentro do processo produtivoou interligam produo e distribuio. Por exemplo, no setor eltrico umaempresa verticalizada no apenas produzir energia, mas ela tambm vaidistribuir essa energia para o consumidor final. Empresas integradasverticalmente atuam em dois ou trs mercados ao mesmo tempo. Emcontraste, as empresas desverticalizadas atuam em apenas um setor econtratam os servios prestados por outras empresas nos outros setores.Em geral, a desverticalizao das empresas no setor eltrico vista comoalgo que pode, potencialmente, aumentar a eficincia do mercado como umtodo, dado que ela permite introduzir competio nos setores competitivosdesse mercado, separando-os dos setores que so considerados comomonoplios naturais.No setor eltrico, os setores de transmisso e distribuio1 soconsiderados monoplios naturais, ou seja, neles no h possibilidade decompetio entre as empresas. Nesses dois setores h redes quebasicamente transportam energia por meio de fios. Para haver competio,portanto, seria necessrio multiplicar as redes de transmisso edistribuio que cobrem determinada rea geogrfica, de maneira que osconsumidores pudessem escolher a empresa que transportaria a energia ato local onde ela seria consumida. Duplicar ou multiplicar essas redes,todavia, envolve altos custos, e o retorno que as empresas teriam por taisinvestimentos no seria suficiente para motivar seu ingresso no mercado.Como resultado, esses mercados acabam sendo naturalmente estruturadoscomo monoplios naturais, nos quais apenas vivel a sobrevivncia deuma nica empresa.Os setores potencialmente competitivos so o de gerao e o derevenda. Mas nem sempre foi assim: o setor de gerao foi, por muitotempo, considerado um monoplio natural. Ele apenas se tornou competitivocom a integrao das redes de transmisso de energia eltrica. Essaintegrao passou a dar aos consumidores acesso a geradoras que estavam 18. distantes do local de consumo (STOFT, 2002, p. 7). Ainda que haja apenasum fio que chegue ao local de consumo de eletricidade (distribuio),graas aos servios de transmisso, esse fio conecta o consumidor avrios geradores de energia. Dessa forma, em teoria, o consumidor podeescolher de quem comprar. A oferta e a procura de energia nesse sistemapoderiam determinar preos sem que houvesse interferncia do Estado nosistema de gerao. Mas isso seria apenas na teoria.Na prtica, existem dois obstculos que impedem que o mercado degerao de energia eltrica seja competitivo. Primeiro, o modo em que sed o consumo de energia torna quase impossvel determinar padres deconsumo de acordo com variaes de preo. Isso ocorre porque a energiaeltrica consumida continuamente, dentro de um dcimo de segundo apartir do momento em que produzida. E no h possibilidade deestocagem. Assim, no momento em que o consumidor consegue obterinformao sobre o preo real da energia, aquela informao j nonecessariamente reflete o custo da energia que ele est consumindo nessemomento. Portanto, o consumidor no consegue responder efetivamente sflutuaes reais de preo e, por conseqncia, a lei da oferta e da procurano funciona como em um mercado perfeito (STOFT, 2002, p. 14-15).O segundo obstculo a impossibilidade de desconectarconsumidores que estejam descumprindo seus contratos, seguindo umavariao do preo de custo em tempo real (STOFT, 2002, p. 15). Nomercado de energia eltrica, o consumidor pode usar energia da rede semter nenhum contrato: quando uma fonte consumidora de energia se conecta rede, ela vai puxar a corrente eltrica daquela rede. Por causa disso, osistema constantemente monitorado para garantir que est sendoproduzida a mesma quantidade de eletricidade que est sendo consumida atodo o momento, sem nenhum desequilbrio2. Portanto, a empresa podefisicamente desconectar o consumidor da rede, mas no pode recusar-se alhe fornecer energia eltrica no exato momento em que o consumidordeixou de cumprir seu contrato. Em outras palavras, h inimputabilidade nosistema. Isso impede que o preo dos contratos seja determinado pela leida oferta e da procura.Em razo da impossibilidade de estocagem, exigncia de equilbrioem tempo real e inimputabilidade as caractersticas especficas do setordescritas acima , os agentes esto impossibilitados de tomar decisessegundo a oscilao dos preos em tempo real. Como conseqncia, umregime exclusivamente de livre competio no possvel no setor deenergia eltrica. Sempre necessrio haver regulao (SIOSHANSI, 2006, p.71). O propsito da regulao no inventar novos esquemas de preo,mas sim tentar estabelecer mecanismos que garantam que os preos 19. cobrados sero o mais prximos possvel daqueles que existiriam sehouvesse livre mercado. O pressuposto que a competio favorece oconsumidor final, pois gera incentivos para que as empresas reduzam seuscustos de produo e sejam mais eficientes. Portanto, um dos objetivos daregulao tentar estabelecer regras que gerem incentivos para que asempresas se comportem, tanto quanto possvel, como elas secomportariam em um ambiente competitivo. Alternativamente, a regulaopode simplesmente definir o preo do produto ou servio a fim de garantirque ele seja o mais prximo possvel do preo cobrado em um ambientecompetitivo, como no caso dos monoplios naturais de transmisso edistribuio.Ainda que se reconhea que nenhum mercado de eletricidade foi oupoderia ser completamente desregulado, quanto e que tipo de regulaodeve ser utilizado nesse mercado uma das questes mais controversasda literatura (SIOSHANSI, 2006, p. 71). O argumento a favor da regulao que o setor de energia eltrica, assim como muitos outros setores de infra-estrutura,no funciona espontaneamente como um livre mercado. Mas h,por outro lado, argumentos contra a regulao. Sem chegar a defender queo setor teria competio perfeita se desregulado, esses crticos daregulao apenas apontam para as deficincias regulatrias. Portanto, umdos argumentos a favor da desregulao de certos setores do mercado deenergia eltrica seria a crena de que as ineficincias do prprio mercadogeram menos custos que as ineficincias geradas pela regulao. Oargumento, todavia, controverso, pois no h dados nem para sustent-lonem para derrub-lo (STOFT, 2002, p. 10-11). A experincia emprica sugereque mesmo um mercado competitivo que funciona bem precisa de umregulador ou, no mnimo, um monitor de mercado ou uma autoridade decontrole de cartis (SIOSHANSI, 2006, p. 71).Apesar do consenso sobre a necessidade de regulao, muitosautores se referem s reformas do setor eltrico como a desregulao dosetor. Dada a inevitvel necessidade de alguma regulao, um termo maisapropriado para descrever tais reformas reestruturao. Um processode reestruturao que uma tentativa de redefinir os papis dos agentesque operam no mercado, do regulador, e/ou redefinir as regras do jogo pode envolver desregulao em alguns nveis, mas no em todo o mercado.Por exemplo, quando a Califrnia reestruturou seu mercado, ela desregulouo mercado atacadista ao eliminar quase todas as restries que impediamas geradoras de definir o preo da energia no atacado, mas manteve osetor de comercializao completamente regulado, no caso, com a definiode um teto de preo, ou o valor mximo que poderia ser cobrado pelosservios de comercializao (price cap). Ainda que o processo de 20. reestruturao no envolva desregulao, ele pode tentar introduzircompetio em alguns ou em todos os segmentos do mercado e removerbarreiras para comrcio e trocas. Esse tipo de reforma freqentementechamado de liberalizao (SIOSHANSI, 2006, p. 71).Os processos de reestruturao do setor eltrico em geral estoassociados a processos de privatizao, mas no devemos confundi-los.Enquanto a reestruturao diz respeito definio dos papis dos agentes edas regras do jogo, a privatizao geralmente se refere venda de ativosestatais para o setor privado. importante notar que, apesar de estaremfreqentemente associados, possvel liberalizar o mercado semnecessariamente privatizar as empresas do setor (SIOSHANSI, 2006, p. 71).Alm da eficincia (e preo razovel para consumidores), areestruturao do setor eltrico e as mudanas na regulao tambm tmoutras preocupaes, como atrair investimentos para expanso eaprimoramento da infra-estrutura existente. Vrios modelos regulatriosgeram poucos investimentos na expanso da capacidade de gerao(JOSKOW, 2006). Essa preocupao ainda mais relevante e proeminenteem pases em desenvolvimento, nos quais h uma demanda crescente(SIOSHANSI, 2006, p. 70).O restante deste captulo mostrar uma srie de obstculos eproblemas enfrentados na tentativa de conceber e implementar um modeloregulatrio no setor eltrico brasileiro que reduzisse os obstculos paracompetio e atrasse investimentos privados para o setor.1.3 A crise das empresas estatais e a proposta de reformaAs empresas estatais criadas a partir da dcada de 50 dominaramo setor eltrico brasileiro e foram um modelo bem-sucedido at o final dadcada de 80, quando comearam a enfrentar grandes dificuldadesfinanceiras (PIRES, 1999, p. 140-141). Nesse perodo, devido a uma crisefiscal, o Estado foi obrigado a reduzir drasticamente o volume deinvestimentos nas empresas estatais (GOLDENBERG e PRADO, 2003).Progressivamente, o governo parou de financiar o setor eltrico, alm decortar subsdios e isenes tarifrias para estatais. Alm da falta deinvestimento estatal, as tarifas cobradas haviam sido utilizadas paracontrole inflacionrio e por isso estavam altamente comprimidas, nocobrindo os custos de operao das empresas do setor (PINHEIRO, 2003, p.7; FERREIRA, 2003, p. 190 e s.). A falta de recursos financeiros do governocoincidiu tambm com crescentes dificuldades na obteno de 21. financiamento externo. Como resultado, ao final dos anos 1980 as estataisdo setor estavam com dvidas considerveis. As conseqncias dessasituao financeira logo se tornaram visveis: no perodo anterior crise(entre 1951 e 1980) a capacidade de gerao aumentou em mdia 9,8% aoano. A partir do incio da crise at a primeira reforma (entre 1981 e 19933)essa taxa caiu para 4,1% ao ano o que estava abaixo do aumento noconsumo (5,3% ao ano) (PINHEIRO, 2003, p. 8).No perodo de 1995 a 1999, foi implementada uma srie dereformas visando abertura do mercado e ao estabelecimento decompetio no setor. Essas reformas regulatrias, intituladas deReestruturao do Setor Eltrico Brasileiro (RE-SEB), foram acompanhadasde um ambicioso plano de privatizao4. Tanto o processo de privatizaoquanto a reforma regulatria eram possveis solues para a crise dasempresas do setor: enquanto a privatizao permitiria arrecadar fundospara lidar com a crise fiscal do Estado, ela tambm era vista como umapotencial soluo para a falta de investimento no setor; a reformaregulatria, alm de atrair investimento privado, deveria estabelecercompetio entre as empresas privadas, aumentando a eficincia naprestao dos servios, e, ao mesmo tempo, deveria proteger osconsumidores contra preos monopolsticos e abusos de poder de mercado.A reforma propunha um modelo diametralmente oposto quele quepredominou no setor at o incio da dcada de 90, caracterizado porintegrao vertical de um lado, especialmente entre empresas de gerao etransmisso, e, de outro, por cooperao entre todas as empresas no setor.A reforma regulatria visava a abolir essa estrutura com: a) criao decompetio nos servios de gerao; b) acesso irrestrito s redes detransmisso e distribuio; e c) criao de competio nos servios decomercializao. Para tanto, era necessrio desverticalizar todas asempresas verticalmente integradas (GOLDENBERG e PRADO, 2003, p. 225).Isso garantiria um funcionamento independente dos setores competitivos(gerao e comercializao) e no competitivos (transmisso edistribuio) do mercado de eletricidade.A privatizao comeou pelas empresas que no estavamverticalmente integradas. Enquanto estas eram vendidas em leilespblicos, o governo promovia a reestruturao daquelas integradasverticalmente. A reestruturao das empresas foi acompanhada de: a) umasrie de restries a futuras integraes verticais5; b) limitaes participao acionria em outras empresas que prestavam o mesmoservio (integrao horizontal), tanto para distribuio quanto para geraoe para a soma dos dois6; c) regras que previam o progressivo aumento do 22. nmero de consumidores livres, que poderiam escolher de quem comprareletricidade; d) regras que previam o aumento da flexibilidade para queempresas de gerao e distribuio pudessem negociar livrementecontratos de compra e venda de energia.Essas reformas, especialmente as descritas nos itens c e d acima,no geraram os resultados esperados, como veremos a seguir.1.4 O perodo de transio: rumo ao livre mercadoA reforma implementada a partir de 1995 (governo FHC) reconheciaos setores de distribuio e transmisso como monoplios naturais,enquanto visava a transformar os setores de gerao e comercializao emmercados competitivos. Como mencionei na segunda seo, a competiono setor de gerao de energia eltrica possvel porque, em princpio, oconsumidor pode adquirir energia de qualquer geradora conectada rede.A interligao de diversos geradores com diversos consumidoresexige, todavia, algum tipo de coordenao para garantir que a mesmaquantidade de energia consumida esteja sendo gerada quasesimultaneamente. Para assegurar tal coordenao, a reforma implementadano governo FHC manteve um modelo centralizado de despacho fsico etransferiu a responsabilidade pela operao do sistema ao OperadorNacional do Sistema (ONS), que uma associao civil sem fins lucrativos.O ONS foi criado em 1998 e coordenado por representantes das empresasde gerao, transmisso e distribuio, por exportadores e importadores deenergia, por consumidores livres e pelo Ministrio das Minas e Energia (Lein. 9.648/98 e Dec. n. 2.655/98). Ele substituiu o Grupo Coordenador paraOperao Interligada (GCOI), que era controlado pela Eletrobrs.Enquanto o ONS garantia o equilbrio fsico, operando o sistema dedespacho de forma centralizada, e enquanto o sistema de transporte deenergia (transmisso e distribuio) era reconhecido como monoplionatural, a reforma pretendia introduzir livre competio nos setores degerao e comercializao (ARAJO, 2006, p. 548). Os diversos agentes domercado geradoras, distribuidoras, agentes comercializadores,exportadores e importadores de energia poderiam assinar contratosbilaterais de longo prazo para compra e venda de energia. Isso ocorreriasem um controle centralizado do Estado. Tais contratos seriam registradosno mercado atacadista de energia (MAE)7. O MAE tambm coordenaria omercado de curto prazo (spot market), no qual o excesso de energia podia 23. ser comercializado.A completa implementao desse livre mercado seria precedida deum perodo de transio de oito anos (Lei n. 9.648/98). Durante o perodo detransio, existiria um mercado regulado e o livre mercado. No mercadoregulado haveria contratos bilaterais entre geradoras e distribuidoras deenergia eltrica, os chamados contratos iniciais. No mercado livre, a energiaseria negociada livremente. Ao final do perodo de transio, a compra evenda de energia seria livremente negociada. O propsito da transio eraevitar uma mudana imediata para o regime de livre negociao doscontratos de fornecimento de energia, o que causaria um choque nos preosda eletricidade (PIRES, 1999, p. 150). No incio do perodo de transio, osnicos agentes que podiam participar desse livre mercado eram os agentescriados pelo novo modelo: produtores independentes, agentescomercializadores, e consumidores livres.Aludidos agentes no existiam no modelo regulatrio anterior,controlado pelo Estado. Produtores independentes so geradores de energiaque produzem eletricidade para consumo prprio, ou para sercomercializada com outros geradores, distribuidoras ou consumidores livres(i. e., eles no podem fornecer energia diretamente para consumidorescativos) (Lei n. 9.074/95, arts. 11 e 12). Agentes comercializadores soentidades que vendem energia no livre mercado, e os comercializadores queforam constitudos apenas para esse fim so empresas que no tm ativosno setor (Lei n. 9.427/96, art. 3, XIV, e Res. ANEEL n. 265/98). Finalmente,consumidores livres, como o prprio nome sugere, so aqueles que podemadquirir eletricidade diretamente dos geradores ou de qualquer outraentidade que opera no sistema (Lei n. 9.074/95, arts. 15 e 16, e Dec. n.2003/96). Os consumidores livres so o oposto dos consumidores cativos.Estes so atendidos pelas distribuidoras locais e no tm outra opo senocomprar energia da nica distribuidora que presta servios na regio ondeeles se encontram.Apesar de limitado no incio, o nmero de participantes no mercadolivre deveria aumentar progressivamente. O pressuposto era que, quantomaior o nmero de consumidores livres, maior seria a competio no setor.Portanto, os critrios para que um agente se tornasse consumidor livremudariam progressivamente. Em 1995, consumidores com demanda igual ousuperior a 10 MW eram livres e, se eles quisessem deixar o mercadoregulado, poderiam comprar eletricidade diretamente das geradoras e/ouprodutores independentes (Lei n. 9.074/95, art. 15)8. A partir de 2000,aqueles com uma demanda igual ou superior a 3 MW passaram a serconsumidores livres (art. 15, 2). A flexibilidade progressiva do critrio dedefinio do consumidor livre tinha como propsito atrair um nmero cada 24. vez maior de consumidores para o livre mercado, gerando competioprimeiro entre distribuidoras e geradores e posteriormente entre agentescomercializadores.Os resultados, porm, ficaram aqum do almejado: a maioriadaqueles que se qualificavam como consumidores livres decidiu permanecerno mercado regulado, como consumidores cativos (BAJAY, 2006, p. 870). Hpelo menos uma possvel razo para essa deciso: ao se tornaremconsumidores livres, as empresas tinham de migrar do mercado reguladopara o livre mercado. Isso, todavia, gerava grande desvantagem, pois nomercado regulado havia subsdios cruzados para beneficiar consumidoresindustriais (que compem uma parcela significativa de consumidoreslivres). Tais subsdios eram perdidos na migrao para o livre mercado(BAJAY, 2006, p. 870). O resultado que o nmero de consumidores queoptaram por se tornar consumidores livres foi significativamente menor queo esperado: a regulao criou a possibilidade para que eles fossem livres,mas no forneceu incentivos para que esses consumidores sassem domercado regulado.Alm do progressivo aumento no nmero de consumidores livres,outra mudana deveria ocorrer no perodo de transio: o aumento daquantidade (e do tipo) de energia negociada no livre mercado. Enquanto aenergia produzida pelas geradoras recm-construdas (energia nova) podiaser livremente negociada no livre mercado, a energia velha, produzidapelas empresas geradoras existentes (que, em sua maioria, j estavamoperando havia anos e j haviam amortizado seus investimentos), estavasujeita a um controle estrito. Na primeira fase do perodo de transio, de1998 a 2002, as velhas empresas geradoras foram obrigadas a assinarcontratos com as distribuidoras, chamados contratos iniciais, quedefiniam o preo de venda da energia velha at 2002. A partir de 2003,25% do total de energia negociada por meio dos contratos iniciais seriaadicionado ao mercado livre todo ano. Conseqentemente, a quantidade deenergia negociada no mercado livre aumentaria e, no final da segunda fasedo perodo de transio, toda a eletricidade produzida no Brasil deveria sercomercializada por meio dele. Esse processo seria simultneo ao processode ingresso crescente de consumidores livres no livre mercado. O resultadofinal esperado era, portanto, um progressivo movimento de migrao emdireo ao livre mercado de eletricidade. Mas isso acabou no ocorrendo.Com a contra-reforma implementada por Lula em 2004, toda aestrutura de funcionamento do setor foi modificada (como veremos emmaior detalhe na seo 1.7, abaixo), e o processo de transio nunca foicompletado. Antes de analisar isso, todavia, precisamos entender o queantecedeu a contra-reforma de Lula: a crise do setor eltrico. 25. 1.5 A crise: reformando a reformaA seo anterior ilustrou a dificuldade em utilizar regulao paraestabelecer um livre mercado sob condies nas quais a livre competiono ocorre espontaneamente. A presente seo trata de outro objetivo daregulao: atrair investimentos privados para o setor. Nesse aspecto, asreformas implementadas no Brasil enfrentaram um desafio adicional, poisprecisavam tambm atrair investimentos para expanso e aprimoramentodos servios de infra-estrutura de maneira a preencher a lacuna deixadapelo perodo de estrangulamento fiscal do Estado brasileiro (PIRES, 1999, p.138).Logo aps o incio do processo de privatizao e reforma do setor,houve melhora na qualidade do servio e aumento da eficincia no setor deenergia eltrica. A causa principal dessa melhora foi a reduo de perdas nosistema de distribuio e corte de pessoal dentro das empresas (PINHEIRO,2003, p. 8). Tambm houve aumento de investimentos no setor em geral(ARAJO, 2006, p. 554, figura 15.10). Esse aumento corresponde ainvestimentos no setor de transmisso e distribuio e inclui aquelesutilizados para consertar problemas com as antigas redes (PINHEIRO, 2003,p. 8). Em gerao, todavia, os resultados no foram to bons.Conforme mencionado anteriormente, o setor eltrico passava porgraves problemas financeiros ao final da dcada de 80. Portanto, eraimperativo que a reforma atrasse novos investimentos, garantindo que ocrescimento da oferta acompanhasse o natural crescimento da demanda. Afalta de investimentos estatais na dcada de 80 resultou em uma expansoda capacidade de gerao inferior expanso da demanda/consumo. Aindaque tenha havido investimentos e que a expanso da capacidade de geraotenha superado a expanso do consumo em alguns anos aps aprivatizao9, isso no foi suficiente para preencher a lacuna entreconsumo e gerao criada pela falta de investimentos nos anos 80. Avagarosa expanso da capacidade de gerao, aliada a um perodo dequarenta dias sem chuva no vero de 2001, culminou na crise de energiaeltrica e em um perodo de racionamento que durou de junho de 2001 atfevereiro de 2002 (Medida Provisria n. 2.148-1, arts. 13 e s.).Existe consenso em torno do fato de que, se os projetos de geraoplanejados que nem sequer comearam a ser construdos e aqueles cujasobras estavam com o andamento atrasado tivessem sido finalizados, a 26. crise no teria ocorrido10. A falta de chuvas no perodo de janeiro efevereiro de 2001, portanto, no teria culminado em uma crise, seguida deracionamento, se a expanso da capacidade de gerao tivesse ocorridoconforme previsto. Isso porque sistemas predominantemente hdricosexigem um constante equilbrio entre (i) uso imediato da gua nosreservatrios, que reduz custos a curto prazo mas aumenta custos futuros,e (ii) preservao da gua para futuro uso, aumentando o custo imediatodado o uso de energia oriunda das termoeltricas, mas reduzindo o custofuturo (CAMARGO e MENDES, 2003, p. 521). Optou-se pelo uso imediato dagua, contando-se com a disponibilidade de uma capacidade de geraomaior no futuro, o que no ocorreu.Apesar desse consenso, h divergncias sobre as razes pelas quaisessa expanso da capacidade de gerao no ocorreu. Um relatriogovernamental com um diagnstico da crise (relatrio Kelman)11 oferecealgumas explicaes de por que o governo no previu a crise e por que nohouve investimentos em gerao. Vale destacar duas. Primeiro, quanto falta de previso e aes preventivas, o governo estaria sem informaesacuradas sobre a gravidade do problema. Segundo, quanto falta deinvestimentos em gerao, houve grande ineficincia dentro da mquinagovernamental e falta de comunicao e coordenao entre diferentessetores do governo (como a ONS, a ANEEL, o MME e a Presidncia daRepblica). Por exemplo, as empresas estatais que tinham planos parainvestir em gerao foram impedidas de faz-lo em razo das restriesimpostas pela poltica macroeconmica do governo.Apesar de concordar com a maior parte do diagnstico oferecidopelo relatrio Kelman, alguns especialistas acreditam que a falta deinvestimentos em gerao, especialmente em usinas termoeltricas, deve-sea problemas estruturais do modelo implementado por FHC. Uma versomais conciliatria do argumento afirma que no seria possvel estabelecerum regime de competio entre hidroeltricas e termoeltricas no Brasilsem a utilizao de medidas contrrias lgica de mercado, como reduode eficincia ou redistribuio de recursos, que atrasse investimentos paraa termoeletricidade (ARAJO, 2001, p. 93; ARAJO, 2006, p. 555). Emvirtude da predominncia de energia hidroeltrica e do alto custo deproduo de energia termoeltrica, as termoeltricas apenas despachariamenergia ocasionalmente. Isso torna o investimento em termoeletricidademuito arriscado, pois o investidor no tem garantia nenhuma de retorno(ARAJO, 2006, p. 555). Por isso, as medidas se tornavam necessrias ato momento em que a composio da matriz energtica estivesse maisequilibrada. 27. Uma verso mais crtica do argumento defende a idia de que omodelo de mercado competitivo simplesmente inadequado para o sistemabrasileiro, que tem uma matriz hidroeltrica e exige coordenao entre asgeradoras. Em suma, as falhas das reformas foram causadas pelaimportao de um modelo regulatrio estrangeiro, o qual no foidevidamente adaptado ao setor eltrico brasileiro (GOLDENBERG e PRADO,2003, p. 225-228 e 233).Uma srie de medidas foram implementadas para debelar a crise,dentre as quais o racionamento de energia eltrica que resultou emsignificante reduo da demanda de energia no sistema. Tal racionamentoresolveu o problema da escassez de energia, mas gerou outro problema,que discutiremos a seguir.1.6 Aps a crise: o problema do Anexo VConforme mencionado anteriormente, a reforma do setor eltricoproposta pelo governo FHC exigiu que as empresas de distribuio deenergia assinassem contratos de longo prazo com as geradoras para operodo de 1998 at 2002 (os chamados contratos iniciais). Asdistribuidoras concordaram em assinar tais contratos, que correspondiam aquisio de 100% da energia por elas consumida, desde que fossemprotegidas contra a possibilidade de racionamento do consumo de energiaeltrica. Para tanto, foi criado o Anexo V dos contratos de compra deenergia eltrica, que garantia compensao para as distribuidoras em casode racionamento.Em junho de 2001, o governo brasileiro imps um racionamento emvirtude da crise energtica discutida na seo anterior. Os consumidoresforam obrigados a reduzir seu consumo de energia, sendo estabelecidasdiferentes metas para diferentes consumidores (GCE, Res. n. 8, de 25-5-2001)12. Como conseqncia, os nveis de consumo de energia reduziramalgo em torno de 20%. As distribuidoras de energia eltrica imediatamenteexigiram a indenizao prevista no Anexo V dos contratos de compra deenergia. Naquele momento, 80% das empresas de distribuio haviam sidoprivatizadas, enquanto 80% das geradoras permaneciam nas mos doEstado, que seria o principal responsvel pelo pagamento das indenizaes.O governo alegou que as indenizaes, segundo os termos dasclusulas contratuais, levariam a maioria das geradoras de energia eltrica falncia. Aps intensas negociaes, foi acordado que o governocompensaria as distribuidoras pelas perdas. Os termos da compensao 28. foram definidos no Acordo Geral do Setor Eltrico13. Por meio do acordo, ogoverno securitizou 80% das perdas com emprstimos do Banco Nacionalde Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) e autorizou umarecomposio tarifria extraordinria a partir de janeiro de 2002, de maneiraa garantir receitas para que as distribuidoras pagassem tais emprstimos.Os percentuais de aumento de tarifas no corresponderam quelesinicialmente exigidos pelas distribuidoras, as quais, no incio dasnegociaes, pediam uma recomposio tarifria que fosse capaz derecompensar suas perdas dentro de um perodo de dezesseis meses. Emvez disso, o governo ofereceu um aumento que deveria cobrir tais perdasdentro de um perodo de trs anos (36 meses). As empresas acabaram poraceitar os termos do acordo, e os consumidores tiveram de arcar comaumentos que variaram de 2,9% a 7,9%. O perodo inicialmente previstono foi suficiente para indenizar algumas empresas por suas perdas.Nesses casos, o governo decidiu estender para at dez anos o perodo dereajuste extraordinrio.No fim das contas, o governo, as empresas e os consumidoresacabaram arcando com os custos do apago. O governo ofereceuemprstimos do BNDES e teve de enfrentar o impacto poltico negativo doaumento das tarifas, interpretado como uma ofensa pelos consumidores,que haviam cumprido seu papel respeitando as metas de racionamento. Asgeradoras e distribuidoras tiveram de arcar com uma diminuiosignificativa das receitas, que no foi totalmente evitada pelo acordo dosetor. E os consumidores passaram a pagar mais pela eletricidade, com osaumentos tarifrios.1.7 Mudana de curso: o governo Lula e a contra-reforma14Em 2004, o governo implementou novo modelo no setor eltricobrasileiro. Uma das principais caractersticas desse modelo foi aimplementao de uma estrutura mais centralizada que, em contraste como modelo anteriormente implementado por FHC, d menos espao paraforas de mercado (ARAJO, 2006, p. 560).O modelo Lula manteve um mercado de gerao competitivo, masrestringiu bastante a quantidade de contratos que podem ser negociadoslivremente. Alguns contratos de venda de energia podem ser negociadoslivremente, o que foi chamado de Ambiente de Contratao Livre (ACL).Outros contratos, todavia, esto restritos ao Ambiente de ContrataoRegulada (ACR). Esses ltimos so chamados Contratos de Comercializaode Energia Eltrica no Ambiente Regulado (CCEAR). As distribuidoras so as 29. principais participantes do ACR15. Os consumidores e comercializadorespodem negociar livremente e assinar contratos bilaterais no ACL. Asgeradoras que operam em regime de servio pblico, os produtoresindependentes, os autoprodutores e os comercializadores podem todos optarentre vender energia no ACR ou no ACL (Leis n. 10.847/2004 e 10.848/2004).Fonte: Cmara de Comercializao de Energia Eltrica(www.ccee.org.br.).No ACR, em vez de livre contratao, h leiles de energia. Baseadana demanda prevista pelas distribuidoras, a ANEEL (diretamente ou pormeio da Cmara de Comercializao de Energia Eltrica16,CCEE) promoveleiles de energia pelo critrio da menor tarifa (Dec. n. 5.163/2004, art. 20,VII). Tanto as geradoras de servio pblico quanto os produtoresindependentes, os autoprodutores e os agentes comercializadores podemoferecer energia nos leiles. O vencedor ser aquele que oferecer o menorpreo por MW/hora e assinar CCEARs com as distribuidoras.H dois tipos de CCEAR, um para compra de energia de novosempreendimentos e outro para compra de energia dos empreendimentosexistentes. O primeiro tem durao mais longa, sendo de no mnimo 15 eno mximo 30 anos, e o leilo realizado 3 ou 5 anos antes do prazo paraincio do suprimento. O segundo contrato dura no mnimo 5 e no mximo 15anos, e o leilo realizado um ano antes do prazo para incio dosuprimento. O prazo de durao mais longo dos contratos para novos 30. empreendimentos serve como incentivo para investimentos no setor, dadoque os investidores sabem que, se conseguirem vencer o leilo com amenor tarifa, tero demanda assegurada. Essa demanda tambm garantida pela exigncia imposta pelo novo modelo de que asdistribuidoras contratem 100% da sua demanda de energia17. Vale notarque os prazos de 5 e 3 anos para incio do suprimento permitem aosinvestidores organizar o financiamento do projeto de construo, para queas usinas hidroeltricas (em geral, 5 anos) e termoeltricas (em geral, 3anos) estejam em funcionamento no prazo previsto.No prazo de at um ano antes do incio do suprimento, podem serrealizados leiles de ajuste, nos quais h apenas um vendedor e umadistribuidora. Diferentemente dos contratos assinados em outros leiles, osde ajuste no podem ter mais de dois anos de durao, bem como nopodem representar mais de 1% do total da carga necessria paraatendimento do mercado consumidor (Dec. n. 5.163/04, art. 26). O propsitodos leiles de ajuste permitir que as empresas distribuidorascomplementem a carga de energia inicialmente contratada para atender demanda dos consumidores finais.Do ponto de vista econmico, o ACR tido como um pool decompradores, pois um grupo de distribuidoras atua como um compradornico no leilo de energia. Dentro do pool, as geradoras que vencem o leiloassinam diversos CCEARs, um com cada distribuidora participante daqueleleilo especfico. O resultado disso que as geradoras assumem menosriscos com relao ao retorno do capital investido, pois, ainda que uma dasdistribuidoras se torne inadimplente, menos provvel que todas elas ofaam ao mesmo tempo (CORREIA et al., 2006a, p. 619). Isso deveriareduzir o preo dos contratos de compra e venda de energia, que, em geral,tem embutido o risco de descumprimento do contrato pela outra parte(ROCHA e GARCIA, 2006, p. 3829).Alm disso, ao organizar a demanda por energia em forma de poole fechar a compra com quem oferecer a tarifa mais barata, o sistema estpreocupado em evitar abuso de poder de mercado e garantir modicidadetarifria para o consumidor final (CORREIA et al., 2006, p. 511 e 522). Comoos leiles de energia influenciam o preo da tarifa paga pelos consumidorescativos, que so aqueles servidos pelas distribuidoras sob um regime demonoplio natural, eles tambm servem para assegurar tarifas razoveis.No ACL, podem participar geradoras, agentes de comercializao,importadores e exportadores de energia eltrica e consumidores livres.Conforme explicado anteriormente, os consumidores livres podem escolherseus provedores de energia (pagando uma taxa pelo uso das redes de 31. transmisso e distribuio). No ACL, os vendedores e compradores tmliberdade para estabelecer os termos dos contratos bilaterais de compra evenda de energia. diferena do modelo anterior, h agora incentivosconcretos para a migrao de consumidores cativos para esse mercado.Tais incentivos incluem: reduo dos preos (em parte em razo doexcesso da produo gerada pelo racionamento), eliminao de barreirastributrias18, reduo do prazo para migrao de trs para um ano19, epossibilidade de retorno ao status de consumidor cativo no prazo de cincoanos. E o aumento no nmero de consumidores livres no mercado foisignificativo: de 34 consumidores livres em 2004, a CCEE passou a ter 466em 2005 e 613 at dezembro de 2006.H outros aspectos importantes do novo mercado que no seroexplorados em maior detalhe aqui. Vale mencionar, todavia, que asavaliaes iniciais do novo modelo foram positivas (CORREIA et al. 2006, p.528). Porm, o sistema est operando h muito pouco tempo parapodermos afirmar definitivamente que ele funciona. E ainda h questesimportantes para serem resolvidas, que no foram sequer mencionadasaqui, como o licenciamento ambiental e o problema do gs natural.Devemos adotar, portanto, um otimismo parcimonioso (ARAJO, 2006, p.563).1.8. Mercado versus Estado?A breve apresentao dos problemas com as reformas do setoreltrico brasileiro e a anlise simplificada dos modelos regulatriosapresentada aqui poderia levar alguns a concluir, equivocadamente, que noBrasil houve uma tentativa frustrada de implementar um regime de livremercado, seguida da criao de um modelo de estrito controlegovernamental. Em outras palavras, o leitor poderia ficar tentado a rotularas reformas de FHC como pr-mercado e as de Lula como pr-Estado.Tal distino, todavia, no completamente acurada. As reformasde FHC de fato se utilizaram de uma pesada retrica pr-mercado. Contudo,ainda que a transio tivesse sido bem-sucedida, o setor de gerao nopoderia ser considerado um livre mercado, por trs razes. Primeiro, omodelo implementado pelo governo FHC decidiu manter a coordenao entreas usinas hidroeltricas, observando em parte o controle centralizado quepredominava no perodo pr-privatizao (ARAJO, 2006, p. 538). Afirmamos especialistas que, em virtude da predominncia da matriz hidroeltrica e 32. da existncia de bacias interligadas, a coordenao permite a otimizao douso da gua, aumentando a eficincia do sistema. A razo simples:dentro de uma mesma bacia hidroeltrica, o consumo ou estoque de guade uma usina afeta diretamente a quantidade de gua disponvel para outrasusinas. Alm disso, a coordenao do uso da gua entre bacias permite queo sistema interligado administre melhor a gerao de energia em perodosde seca e perodos chuvosos. Esse tipo de coordenao parece peculiar aosistema brasileiro. Outros sistemas de matriz predominantemente hdricano adotaram esse tipo de mecanismo, porque ou eles possuem maisusinas termoeltricas no sistema ou eles esto interligados com outrossistemas cuja matriz termoeltrica mais significativa (ARAJO, 2006, p.550).A segunda razo que as peculiaridades do sistema hdrico e odespacho centralizado levaram implementao de um mecanismo queeliminava a livre competio entre geradoras: o Mecanismo de Realocaode Energia (MRE) (ARAJO, 2006, p. 538 e 549). O MRE um mecanismofinanceiro para reduo do risco hidrolgico e foi implementado em 1998(Dec. n. 2.655/98, Cap. IV, seo II).A terceira razo pela qual as reformas de FHC no criariam livrecompetio o fato de que o modelo de determinao do preo no mercadode curto prazo (spot) no era totalmente definido pela lei da oferta e daprocura. Em vez de definir o preo de curto prazo com base nas ofertasfeitas em leiles de energia, o MAE funcionava de acordo com preosestabelecidos por meio de frmulas, e os resultados eram definidos porcomputadores, com base em alguns dados fornecidos pelos agentes domercado (ARAJO, 2006, p. 548-549).Portanto, ainda que as reformas implementadas por FHC tivessemsido bem-sucedidas, por causa das trs razes apresentadas acima, restamdvidas de que se poderia considerar esse um livre mercado com efetivacompetio entre empresas, no qual os preos eram determinados pela leida oferta e da procura.Em contraste, as reformas de Lula, que so claramente maiscticas das foras de mercado do que as de FHC, acabaram por estabelecerum esquema no qual contratos livres correspondem a 18% do total deenergia consumida. Um nmero significativamente maior do que aqueleobtido durante o governo FHC (ARAJO, 2006, p. 538).Os grficos abaixo demonstram o aumento do nmero de contratosbilaterais e da quantidade de energia negociada livremente de 2001 a 2006: 33. Fonte: Cmara de Comercializao de Energia Eltrica(www.ccee.org.br.). 34. Fonte: Cmara de Comercializao de Energia Eltrica(www.ccee.org.br.).1.9 ConclusoAs vrias reformas pelas quais passou o setor eltrico brasileirono atingiram os resultados esperados por, basicamente, duas razes:falhas de desenho e falhas de implementao. Falhas de desenho soaquelas que no adaptam o modelo regulatrio s peculiaridades do pas noqual tal reforma est sendo representada. Algumas vezes, os problemascom o desenho se tornam visveis apenas com o tempo. As falhas deimplementao ocorrem quando o desenho e a estrutura do mercado soslidos, mas a implementao tem problemas porque o processo detransio no evolui conforme o esperado ou porque a implementao dasreformas no conduzida da melhor forma possvel (o que pode ocorrer emrazo da resistncia poltica ou de outros fatores externos reforma). No 35. caso do Brasil, parece ter havido falhas de desenho na reformaimplementada por FHC, aliadas a falhas de implementao (ARAJO, 2001,p. 85; SIOSHANSI, 2006, p. 72).Em ambos os casos (falhas de desenho ou de implementao),torna-se necessrio conduzir reformas das reformas, o que tem ocorridoem diversos pases ao redor do mundo. Ajustes s reformas originais foramou esto sendo implementados no Chile, na Argentina, na Colmbia, nosEstados Unidos (Califrnia) e at mesmo na Inglaterra, que era consideradaum modelo para outros pases (SIOSHANSI, 2006, p. 73). As reformasimplementadas no Brasil para lidar com a crise de energia eltrica e arecente reforma do setor se enquadram, portanto, em um padrorelativamente comum no cenrio internacional.Quais as conseqncias disso? Mercados de energia eltricaparecem estar adotando, ou j adotaram, formas hbridas, nas quais asempresas no esto completamente desverticalizadas, nem totalmenteprivatizadas, nem se conduzem de modo verdadeiramente competitivo. Emalguns casos, essas formas hbridas parecem ser transitrias, mas emoutros no parece haver inteno (ou a opo) de criar um mercadocompletamente desverticalizado, privatizado e liberalizado (SIOSHANSI,2006, p. 75). Esse ltimo parece ser o caso do Brasil atualmente, aps asreformas implementadas por Lula.Isso bom ou ruim? difcil dizer. No h consenso na literaturasobre as vantagens e desvantagens da integrao vertical e privatizao nosetor eltrico (SIOSHANSI, 2006, p. 76). Como conseqncia, tal qualindicado na segunda seo do captulo, h pouco consenso sobre que tipo deregulao e em que intensidade deveria ser usado no setor. Mais do queisso, no h consenso sobre o que constitui um mercado de energia eltricabem estruturado, nem h um ndice universal para comparar performance dediferentes mercados (SIOSHANSI, 2006, p. 81).Portanto, no devemos questionar-nos se determinadas reformas noBrasil resolveram definitivamente os problemas do setor. Em virtude deconseqncias imprevisveis, evolues inesperadas, ou obstculos que noesto sob controle dos formuladores de polticas pblicas, reformas que soperfeitamente aceitveis hoje podem tornar-se disfuncionais a qualquermomento. A pergunta mais importante a ser feita se determinadareforma vivel e resolve os problemas atuais do sistema (ARAJO, 2006,p. 559). E uma resposta positiva no deve impedir-nos de reconhecer queoutras reformas provavelmente sero necessrias em um futuro prximo. 36. REFERNCIASARAJO, Joo Lizardo de. 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So Paulo: Annablume, 2005.1 Trata-se do instrumento que articulou, do modo mais completo at hojeno Brasil, as aes dos diversos atores pblicos e privados numa estratgiade expanso dos servios de saneamento bsico como um objetivo nacional.O estado atual dos servios de saneamento bsico no Brasil, incluindo suasqualidades e deficincias, em grande medida produto do modelo de gestodo setor implementado durante o regime militar, que teve no PLANASA seuprincipal instrumento. Esse perodo foi o auge do processo de intervenodo Estado, com o desenvolvimento e implementao de uma polticanacional com dimenses institucionais, financeiras e tecnolgicas bemdefinidas destinada a assegurar a prestao dos servios de saneamentobsico. O objetivo do plano era atender, at 1980, 80% da populao comabastecimento de gua e 50% com esgotamento sanitrio, articulando umaestratgia em que a Unio atuava como agente financiador, por meio doBanco Nacional de Habitao (BNH), e os estados atuavam comoexecutores da poltica, por meio das companhias estaduais de saneamento.2 importante ressaltar que esse trabalho se insere num momentohistrico decisivo para o futuro da gesto do saneamento bsico no Brasil.Aps anos de indefinio regulatria desde a extino do BNH, em 1985,no era estruturada uma poltica pblica nacional para o setor foipromulgada a Lei n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelecediretrizes nacionais para a gesto dos servios de saneamento bsico, bemcomo uma poltica federal.3 Nesse sentido, a Lei n. 11.445/2007 dispe, no art. 2, I, que os serviospblicos de saneamento bsico sero prestados com base no princpiofundamental da universalizao do acesso. A universalizao definida, noart. 3, III, como a ampliao progressiva do acesso de todos os domicliosocupados ao saneamento bsico.4 Utilizamos, para compor o quadro estatstico do setor de saneamento equantificar o desafio da universalizao, os resultados da Pesquisa Nacionalde Saneamento Bsico (PNSB) de 2000, realizada pelo IBGE.5 Nesse sentido a Lei n. 11.445/2007 instituiu como princpio fundamentalde gesto dos servios de saneamento bsico a articulao com aspolticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitao, de combate 193. pobreza e de sua erradicao, de proteo ambiental, de promoo da sadee outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidadede vida, para as quais o saneamento bsico seja fator determinante (art.2, VI).6 A Lei n. 8.987/95 estipula que tais servios devem satisfazer ascondies de regularidade, continuidade, eficincia, segurana, atualidade,generalidade, cortesia na sua prestao e modicidade das tarifas (art. 6, 1). Sendo ainda mais especfica, a Lei n. 9.074/95 impe ao poderconcedente o atendimento abrangente ao mercado, sem excluso daspopulaes de baixa renda e das reas de baixa densidade populacional,inclusive as rurais (art. 3, IV).7 No seria exagero afirmar que, na histria da expanso dos servios desaneamento bsico, verifica-se uma relao direta entre a urbanizao,espontnea ou no, e a sade pblica. A denncia das condies de vida daclasse trabalhadora durante a Revoluo Industrial proporcionou osurgimento da medicina como prtica poltica e o saneamento bsicoascendeu como instrumento poderoso de poltica sanitria. Os processos deindustrializao, urbanizao e crescimento populacional tinham constitudouma sociedade na qual um dos elos principais era a doena, especialmentequando esta se apresentava sociedade sob a forma epidmica. A extensodo fenmeno tambm estava vinculada constituio do Estado nacional,sendo crescente a convico da perda de eficcia das solues individuais elocais, ento vigentes, para resolver um problema que se tornavacrescentemente coletivo e nacional. Assim, descobriram-se os elos deinterdependncia social que tornavam os indivduos social e politicamenteinterdependentes e percebeu-se que a possibilidade de regular seus efeitosnegativos passava pela sua constituio como questo nacional. Sobre otema ver: REZENDE e HELLER, 2002; HOCHMAN, 1998.8 Foi exatamente para o estabelecimento dessas diretrizes que veio a Lei n.11.445/2007. Ela estabelece diretrizes para a prestao regionalizada dosservios, estimulando a cooperao entre os entes federativos (arts. 14 a18), para o planejamento (arts. 19 e 20), para a regulao (arts. 21 a 27),para a definio dos aspectos econmicos, sociais (arts. 29 ao 42), tcnicos(arts. 43 a 46) e para o controle social (art. 47).9 A Constituio s define explicitamente como servio local o transportecoletivo (art. 30, V).10 A Lei n. 11.445/2007 estabeleceu o que caracteriza a prestaoregionalizada: Art. 14. A prestao regionalizada de servios pblicos desaneamento bsico caracterizada por: I um nico prestador do serviopara vrios Municpios, contguos ou no; II uniformidade de fiscalizao 194. e regulao dos servios, inclusive de sua remunerao; III compatibilidade de planejamento. Embora corretamente tenha estipulado ocompartilhamento do planejamento, da regulao e da fiscalizao, o que,na prtica, significa a titularidade comum, no estipulou as diretrizes paraidentificar o interesse regional nos servios de saneamento.11 O Decreto n. 6.017/2007 define gesto associada de servios pblicoscomo o exerccio das atividades de planejamento, regulao ou fiscalizaode servios pblicos por meio de consrcio pblico ou de convnio decooperao entre entes federados, acompanhadas ou no da prestao deservios pblicos ou da transferncia total ou parcial de encargos, servios,pessoal e bens essenciais continuidade dos servios transferidos (art. 2,IX).12 Essa lei foi recentemente regulamentada pelo Decreto n. 6.017, de 17 dejaneiro de 2007.13 Algumas experincias de cooperao federativa por meio da formao deconsrcios pblicos j se vm desenvolvendo nos Estados do Paran, Piau,Santa Catarina, Minas Gerais e Cear.14 O autor aponta ainda outros fatores de resistncia a processos dereforma do setor: i) as inconsistncias das estratgias do governo federal,muitas vezes ambguas; ii) resistncia tanto ativa quanto inercial opostapela estrutura remanescente do antigo PLANASA; iii) resistncia a qualqueriniciativa de centralizao de titularidades; iv) contrariedade mais ou menosgeral do setor com as possibilidades implcitas de concesso privada dosservios na esteira do processo de reorganizao institucional (ibid., p. 38).15 Essa modalidade de concesso de servio pblico no representaexatamente uma inovao em relao ao previsto na Lei n. 8.987/95, namedida em que esta j previa a concesso de servio pblico precedida deobra pblica (art. 2, III). A novidade da concesso administrativa est napossibilidade de fazer a remunerao do concessionrio no dependerdiretamente da arrecadao tarifria, j que o usurio imediato dos servios o Poder Pblico. Mesmo nesse ponto, no se trata propriamente de umanovidade no ordenamento jurdico. A prpria Lei de Concesses no exigeque a remunerao se faa diretamente pelos usurios; exige apenas que oinvestimento da concessionria seja remunerado e amortizado mediante aexplorao do servio ou da obra por prazo determinado (art. 2, III). Almdisso, no atendimento s peculiaridades de cada servio pblico, poder opoder concedente prever, em favor da concessionria, no edital de licitao,a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas,complementares, acessrias ou de projetos associados, com ou semexclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas (art. 11). A 195. principal novidade da Lei n. 11.079/2004 est no seu art. 6, na ampliaodo rol de formas de remunerao ou contraprestao da AdministraoPblica nos contratos: I ordem bancria; II cesso de crditos notributrios; III outorga de direitos em face da Administrao Pblica; IV outorga de direitos sobre bens pblicos dominicais; V outros meiosadmitidos em lei. Ademais, preceitua que o contrato poder prever opagamento ao parceiro privado de remunerao varivel vinculada ao seudesempenho, conforme metas e padres de qualidade e disponibilidadedefinidos no contrato. Com essas novas disposies e com a possibilidadede diversas formas de repartio de risco e de remunerao, a concessode servio pblico deixa de ser um tipo contratual nico, podendo assumirdiversas configuraes.16 O municpio de Belo Horizonte detm 9,67% das aes com direito avoto da COPASA, conforme apresenta o stio da empresa(). 196. 6 PROPRIEDADE INTELECTUAL E O MERCADOFARMACUTICO: UMAREFLEXO SOBRE A APLICAO DEDE LICENAS COMPULSRIAS NOMARCO DE POLTICAS NACIONAIS DE SADE PBLICAMnica Steffen GuiseProfessora do programa de educao continuada e especializao emDireito GVlaw, doutoranda em Direito Internacional pela Universidade deSo Paulo, mestre em Direito pela Universidade Federal de SantaCatarina, especialista em Propriedade Industrial pela Universidade deBuenos Aires, pesquisadora da Escola de Direito de So Paulo daFundao Getulio Vargas Direito GV.6.1 IntroduoQuando concede o direito de exclusividade por meio de uma cartapatente, o Estado garante a seu titular o inventor um direito negativo deimpedir terceiros, sem seu consentimento, de produzir, usar, colocar venda, vender ou importar o produto objeto da patente1. Isso significa que,durante o perodo de vigncia do ttulo de propriedade (no Brasil, 20 anos),somente o titular da patente (pessoa fsica ou jurdica) est autorizado afazer uso da nova inveno.A razo de ser desse direito de exclusividade encontra fundamentoem inmeras teorias2. Entre elas, destacam-se a da recompensa (rewardtheory), a da recuperao (recovery theory) e a do incentivo (incentivetheory).De acordo com a primeira teoria, o inventor deve ser recompensadopor seu esforo intelectual. Ela deriva, conforme elucidado por Sherwood(1990, p. 37), dos privilgios concedidos pelos reis aos pensadores eescritores que agregavam novos produtos intelectuais ao domnio pblico doreino.A segunda teoria defende que o inventor precisa recuperar osesforos empreendidos ao longo da criao do novo produto: tempo, 197. dinheiro, pesquisa etc. No existe, entretanto, garantia de que essarecuperao ocorrer, j que novos produtos mais eficientes e compreos mais competitivos podem entrar no mercado simultaneamente.A terceira teoria, por sua vez, prega que o incentivo essencialpara que haja novas criaes intelectuais. Em outras palavras, se nohouvesse um incentivo aos inventores, estes no mais despenderiam tempoe dinheiro com novas criaes. Dessa forma, o incentivo tambm servepara assegurar que a sociedade se beneficie constantemente de produtosresultantes do esforo inventivo.Calixto Salomo (2007, p. 155) explica, ainda, que a proteo inveno industrial serve ao estmulo criativo na medida em que impede ofree-riding (efeito carona), ou seja, o aproveitamento por parte daquele queno investiu na pesquisa dos resultados dela advindos.Seja pela justificativa encontrada em uma ou outra teoria (ou nacombinao de todas elas), o fato que o direito de exclusividade garantidopela patente a seu titular a fora motora de muitos ramos da indstriahoje. A patente possibilita a escassez ao transformar a fluidez doconhecimento em bens apropriados e artificialmente retirados do domniopblico. Ao gerar monoplios temporrios, as patentes inibem aconcorrncia e trazem como conseqncia direta a possibilidade deelevao de preos. Assim, o detentor do ttulo de propriedade recompensado (economicamente) por seus esforos, recupera osinvestimentos realizados ao longo do processo de inveno e incentivado acontinuar criando. O direito negativo garante, ainda, que no hajaapropriao indevida de sua criao intelectual.Internacionalmente, a garantia dessa proteo d-se por meio detratados (multilaterais, regionais e/ou bilaterais) que versam sobrepropriedade intelectual. Esta uma sistemtica de especial relevnciaquelas economias que conseguiram, ao longo dos anos, desenvolver eagregar valor a produtos e processos intangveis e que se encontramfortemente inseridas no comrcio internacional.Nesse contexto, destaca-se a indstria farmacutica, intensiva emconhecimento. A entrada e a permanncia no mercado de empresas dessesegmento dependem em grande medida de seu grau de inovao tecnolgicae sua conseqente proteo legal em todos os pases nos quais atuam.Com esse pano de fundo, o presente artigo apresenta importanteexceo ao direito de exclusividade conferido pela patente, a licenacompulsria. O objetivo aqui instigar o leitor a refletir sobre um dostemas que mais controvrsias tm gerado nesta ltima dcada quando sefala em medicamentos: como encontrar o delicado equilbrio entre o 198. interesse pblico e o interesse privado.6.2 O mercado farmacutico e o contexto internacional de proteopatentriaDe modo geral, a indstria farmacutica, especialmente asfarmoqumicas3, alega que a proteo patentria condio sine qua nonpara investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O montanteexato para o desenvolvimento de um novo medicamento desconhecido,mas a literatura traz algumas estimativas: Correa (1997, p. 25) indica US$140 milhes, ao passo que Agnew (2000) sugere valores que variam de US$300 milhes a US$ 500 milhes. Em que pese a falta de acesso a valoresexatos, a Federao Internacional de Associaes de ProdutoresFarmacuticos (International Federation of Pharmaceutical ManufacturersAssociations IFPMA) afirma que o perodo de exclusividade garantido pelapatente um dos pilares da inovao farmacutica (IFPMA, 2007, p. 3).No obstante o desconhecimento de valores exatos, o fato que altamente improvvel que uma empresa invista quantias to elevadas parao desenvolvimento e conseqente introduo no mercado de uma novadroga se seu concorrente puder, mais que rapidamente, copiar a frmula evender o mesmo produto por um preo substancialmente menor4.Como os grandes players da indstria farmacutica atuam emgrande escala no comrcio internacional, a introduo de nveis globaisharmnicos de proteo patentria (sobretudo em pases emdesenvolvimento) necessria para impedir o comum fenmeno daimitao de medicamentos por indstrias locais. Com a garantia do direitode exclusividade nos mais diversos pases, somente os titulares daspatentes ou seus licenciatrios podem fornecer localmente os produtosprotegidos.A garantia internacional do direito de exclusividade passou a seruma realidade globalmente mais tangvel para a indstria farmacutica coma criao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC). Explica-se.O estabelecimento da OMC mudou o cenrio mundial das patentes.Com ela, todos os pases que desejassem fazer parte da Organizao foramobrigados a nivelar a proteo dos direitos de propriedade intelectual a umpatamar mnimo comum, garantido pelo Acordo sobre Direitos dePropriedade Intelectual relacionados ao Comrcio5 (TRIPs, sigla em ingls 199. para Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights). Ele hoje oconjunto mais representativo de diretrizes sobre propriedade intelectual,compiladas em um nico instrumento que integra o universo de disposiessobre comrcio internacional, resultado da Rodada Uruguai de negociaesdo GATT (General Agreement on Tariffs and Trade).O Acordo TRIPs regulamenta amplamente a maior parte dasquestes relacionadas propriedade intelectual e traz em seu bojodisposies substanciais que garantem o reforo geral dos direitos globaisde propriedade intelectual, alm de determinar o que devem os Estadosfazer para que esses direitos sejam respeitados. O Acordo tambmconsagra a aplicao de sua matria aos procedimentos de soluo decontrovrsias da OMC, razo pela qual se diz que, com a criao daOrganizao, a proteo internacional da propriedade intelectual passou ater garras e dentes.A regra contemplada no art. 27.1 do TRIPs de essencialimportncia para a compreenso do impacto causado pela OMC na indstriafarmacutica. Trata-se da exigncia de que os membros outorguem, dentrode um cronograma especfico6, patentes para todos os tipos de inveno,sem discriminao quanto ao campo da tecnologia. Dispe o artigo que [...]qualquer inveno7, de produto ou de processo, em todos os setorestecnolgicos, ser patentevel [...]. importante destacar que, at ento, muitos pases dentre osquais o Brasil8 optavam por no conceder patentes a produtos eprocessos qumico-farmacuticos. Desse modo, a OMC permite que aindstria farmacutica internacional tenha seus produtos protegidos em umnmero substancialmente maior de pases, em especial aqueles emdesenvolvimento (GUISE, 2007, p. 39).Como conseqncia direta da nova proteo9, a indstria passa acontar com monoplios temporrios, artificialmente criados por fora dodireito de exclusividade concedido pela patente. Essa situao possibilita afixao de preos elevados para os novos medicamentos colocados nomercado (uma vez que aqueles que j se encontravam em domnio pblicono poderiam mais ser objeto de proteo).6.3 Efeitos concretos da elevao de preos para o BrasilNesse novo contexto de proteo da propriedade intelectual, a 200. experincia brasileira em matria de sade foi diferente de qualquer outropas. O Programa DST/AIDS levou o governo a sentir na pele asconseqncias dos novos preos dos medicamentos.O Brasil foi o primeiro pas em desenvolvimento a criar umPrograma de Acesso Universal a medicamentos para pacientes infectadoscom o vrus HIV/AIDS. Em 1991, o Sistema nico de Sade (SUS) passou afornecer Zidovudine (AZT) a milhares de pacientes. Conforme novas drogasforam sendo descobertas, o Ministrio da Sade aumentou osmedicamentos disponveis, que eram localmente produzidos (leia-secopiados) por laboratrios nacionais.Em 1996, a entrada em vigor da Lei n. 9.313 (Lei Sarney) tornouobrigatria a distribuio universal e gratuita de medicamentos ARVs atodos os portadores da enfermidade. Essa lei exigiu uma reestruturao dapoltica conduzida at ento pelo Ministrio da Sade, cujo principal produtofoi a criao do Programa DST/AIDS no mbito do SUS.Dispe a lei que:Art. 1 Os portadores do HIV (Vrus da ImunodeficinciaHumana) e doentes de AIDS (Sndrome da ImunodeficinciaAdquirida) recebero, gratuitamente, do Sistema nico de Sade,toda a medicao necessria a seu tratamento. 1 O Poder Executivo, atravs do Ministrio da Sade,padronizar os medicamentos a serem utilizados em cada estgioevolutivo da infeco e da doena, com vistas a orientar a aquisiodos mesmos pelos gestores do Sistema nico de Sade. 2 A padronizao de terapias dever ser revista erepublicada anualmente, ou sempre que se fizer necessrio, para seadequar ao conhecimento cientfico atualizado e disponibilidade denovos medicamentos no mercado.Art. 2 As despesas decorrentes da implementao destaLei sero financiadas com recursos do oramento da SeguridadeSocial da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios,conforme regulamento.Art. 3 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao.Obrigado a fornecer gratuitamente os medicamentos ARVs a todosos participantes do Programa DST/AIDS, o governo brasileiro foi o primeiro 201. a sentir em grande escala os efeitos da elevao de preos das drogastrazidos pelo patenteamento de produtos qumico-farmacuticos. Assim, em2001 o Ministrio da Sade comeou a negociar com os laboratriosdetentores das patentes cujos medicamentos representavam os custosmais elevados do Programa. Entre 2001 e 2007, foram inmeras asnegociaes entre governo e indstria, e seus resultados foram tantopositivos como negativos10.O ponto a ser observado que a principal caracterstica dessasnegociaes foi a constante ameaa, por parte do governo brasileiro, deemitir uma licena compulsria para os medicamentos ora em foco.Mas o que a licena compulsria?6.4 A licena compulsriaConforme foi visto, ao conceder um direito de exclusividade aotitular da patente, o ordenamento jurdico cria um ambiente no qual sepermite a existncia de um monoplio.No caso em questo, a fixao de preos demasiadamente elevadospor parte da indstria farmacutica pode vetar o acesso a medicamentos egerar a clssica tenso entre o interesse privado da empresa (de recuperarseus investimentos, ser recompensada economicamente por seus esforose ter incentivos para continuar investindo em P&D) e o interesse pblico dasociedade de ter acesso sade por meio de medicamentos.O Acordo TRIPs lembre-se, norteador da legislao nacional emmatria de propriedade intelectual a partir do advento da OMC permiteque os Estados faam uso de determinados instrumentos jurdicos queservem para solucionar essa tenso. Entre tais instrumentos encontra-se alicena compulsria.A licena compulsria um instrumento jurdico que, sem implicara supresso do direito do titular11, corrige o exerccio do direito deexclusividade de forma abusiva e garante a consecuo de interessespblicos. Carlos Correa (1999, p. 168) conceitua a licena compulsria comoautorizao outorgada por autoridade nacional competente, sem ou contrao consentimento do detentor do ttulo, para explorao de um objetoprotegido por uma patente ou outro direito de propriedade intelectual.O fundamento de sua concesso que, em determinadascircunstncias, o amplo acesso inveno considerado pelo Estado maisrelevante do que o interesse privado do detentor da patente de explorar sua 202. inveno com exclusividade.O Acordo TRIPs no faz referncia direta ao termo licenascompulsrias, mas as contempla em seu art. 31, que dispe sobre outrosusos sem a autorizao do titular do direito. Esse artigo estabelece osrequisitos mnimos que devem ser cumpridos quando um membro da OMCoptar por sua utilizao. este o marco geral no qual as legislaesnacionais devem basear-se.As condies para a concesso de uma licena compulsriaprevistas no TRIPs podem ser resumidas da seguinte forma: a) todasolicitao para obter uma licena compulsria deve ser considerada emfuno de suas caractersticas prprias; b) antes de pedir a licenacompulsria, o interessado deve solicitar a concesso de uma licenavoluntria por parte do detentor da patente, em termos e condiescomerciais razoveis12; c) o alcance e a durao da licena compulsrialimitar-se-o ao objetivo para o qual ela foi autorizada; d) a licenacompulsria ter carter no exclusivo; e) a licena compulsria no sertransfervel; f) a licena servir principalmente para o abastecimento domercado interno do pas membro que a autorize13; g) a licena cessaruma vez que deixe de existir a causa que levou a sua concesso; h) otitular da patente receber uma remunerao adequada tendo em vista ovalor econmico da outorga da licena em questo; e, finalmente, i) avalidade jurdica de toda deciso relativa transferncia de licenascompulsrias estar sujeita a reviso judicial.Uma interpretao mais extensiva do Acordo TRIPs tambmencontra fundamento para a licena compulsria no art. 8, que dispesobre os princpios que devem nortear os membros na formulao de suaslegislaes internas de propriedade intelectual. Notadamente, esse artigoafirma que os membros podem adotar as medidas que julgaremnecessrias para a proteo da sade pblica e para a promoo dointeresse pblico.No Brasil, o conceito de licena compulsria foi introduzido com aentrada em vigor do primeiro Cdigo da Propriedade Industrial14, em 1945.O Captulo XII do Ttulo I desse Cdigo previa a concesso de licenascompulsrias quando a patente no fosse explorada nos dois anossubseqentes sua concesso, ou ento quando sua explorao houvessesido interrompida, sem justificativa, por um perodo de tempo superior adois anos15. Esse Cdigo tambm previa todo o procedimento paraobteno de uma licena compulsria, os direitos do licenciado e dolicenciador, bem como as razes para seu cancelamento. 203. Entre 1967 e 1971, trs Cdigos de Propriedade Industrial entraramem vigor16 no Brasil e todos eles dispunham sobre a concesso de licenascompulsrias. Em 1971, um novo cdigo foi promulgado e o captulo quetratava das licenas compulsrias mantinha as mesmas disposiescontidas nas leis anteriores.A lei atual, n. 9.279, prev vrias modalidades de licenascompulsrias em seu art. 68, que traz a seguinte redao:O titular ficar sujeito a ter a patente licenciadacompulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de formaabusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econmico17,comprovado nos termos da Lei, por deciso administrativa oujudicial. 1 Ensejam, igualmente, licena compulsria:I a no-explorao do objeto da patente no territriobrasileiro por falta de fabricao ou fabricao incompleta doproduto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado,ressalvados os casos de inviabilidade econmica, quando seradmitida a importao; ouII a comercializao que no satisfizer s necessidadesdo mercado. 2 A licena s poder ser requerida por pessoa comlegtimo interesse e que tenha capacidade tcnica e econmica pararealizar a explorao eficiente do objeto da patente, que deverdestinar-se, predominantemente, ao mercado interno, extinguindo-senesse caso a excepcionalidade prevista no inciso I do pargrafoanterior. 3 No caso de a licena compulsria ser concedida emrazo de abuso de poder econmico, ao licenciado, que propefabricao local, ser garantido um prazo, limitado ao estabelecidono art. 74, para proceder importao do objeto da licena, desdeque tenha sido colocado no mercado diretamente pelo titular oucom o seu consentimento. 4 No caso de importao para explorao de patente eno caso da importao prevista no pargrafo anterior, serigualmente admitida a importao por terceiros de produtofabricado de acordo com patente de processo ou de produto, desdeque tenha sido colocado no mercado diretamente pelo titular ou 204. com o seu consentimento.Tambm prevem a concesso de licena compulsria os arts. 70 e71, que tratam, respectivamente, da licena compulsria para patentesdependentes e de casos de emergncia nacional e interesse pblico.Art. 70. A licena compulsria ser ainda concedida quando,cumulativamente, se verificarem as seguintes hipteses:I ficar caracterizada situao de dependncia de umapatente em relao outra;II o objeto da patente dependente constituir substancialprogresso tcnico, em relao patente anterior.III o titular no realizar acordo com o titular da patentedependente para explorao da patente anterior.Art. 71. Nos casos de emergncia nacional ou interessepblico, declarados em ato do Poder executivo Federal, desde que otitular da patente ou seu licenciado no atenda a essa necessidade,poder ser concedida, de ofcio, licena compulsria temporria eno exclusiva, para a explorao da patente, sem prejuzo dosdireitos do respectivo titular.A licena compulsria por emergncia nacional e interesse pblicodistingue-se das demais licenas previstas na lei brasileira, pois nesse casoo interesse a prevalecer no aquele do licenciado, mas sim o pblico.Assim, no h que falar em correo de abuso ou adequao finalidade dodireito, mas sim em uma prevalncia do pblico sobre o privado.6.5 O caso EfavirenzUma vez estabelecido o conceito da licena compulsria, precisoretomar o contexto brasileiro das negociaes do Ministrio da Sade com aindstria farmacutica para reduo de preos dos medicamentos ARVs. Aolongo de muitos anos de negociaes, a ameaa de emisso de uma licenacompulsria como instrumento de barganha comeou a perder fora. Afinal, 205. a licena nunca havia sido efetivamente utilizada.Em 2007, entretanto, esse cenrio foi drasticamente alterado com omedicamento Efavirenz.O Efavirenz, cuja patente pertence empresa Merck, Sharp & Dome, o medicamento importado mais usado no tratamento da AIDS. Hoje, 38%das pessoas que vivem com HIV/AIDS no Brasil utilizam o remdio emseus esquemas teraputicos. Estima-se que at o final de 2007, 75 mil dos200 mil doentes brasileiros tenham feito uso dele. O Programa DST/AIDSinforma, ainda, que o custo anual por paciente equivale a US$ 580, o querepresentaria um oramento anual de US$ 42,9 milhes (MINISTRIO DASA