Direito internacional

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Apostila Pré-oab Renata Mantovani

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INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

DIREITO INTERNACIONAL

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INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS DO DIREITO INTERNACIONAL DO

PÚBLICO

A) Sociedade Internacional

O vocábulo internacional foi utilizado em 1780, pela primeira vez, por Jeremias Bentham, com fins a dife-renciar o conteúdo de estudo das demais disciplinas do Direito1. Todavia, é certo que mesmo antes des-sa data os povos e Estados mantinham relações e consequentemente revestiam suas ações de formas e garantias jurídicas.

Até o final do século XIX o Direito Internacional era tido como bidimensional, exatamente por se restringir a assuntos terrestres e marítimos. Com a inovação tecnológica, passou a regulamentar outras esferas, tais como espaço aéreo e marítimo, bem como ex-pandir sensivelmente sua produção normativa.

As últimas décadas do século XX podem ser desta-cadas pela profusão das relações entre os povos, de uma maneira nunca experimentada anteriormente. Com o processo de globalização, inter-relação eco-nômica e avanço tecnológico as distâncias entre os Estados ficam significativamente menores, as frontei-ras perdem sua importância e o sistema internacio-nal mostra-se, cada vez mais, interligado, não só em termos políticos, mas sociais, humanos, culturais e econômicos.

Atualmente, a sociedade internacional é composta por Estados, Organismos internacionais e, também, por indivíduos; seres que integram cada uma dessas composições, mas que, sobretudo, atuam no am-biente internacional2.

Para compreender um pouco do ambiente interna-cional, é necessário, em um primeiro momento, de-monstrar seu processo evolutivo, percebido em qua-tro fases distintas3, para posteriormente conceituá-lo, determinar seu fundamento e características.

1- “A expressão “direito internacional” aparece pela primeira vez, em 1780, empregada por Bentham, em An Introduction to the Prin-ciples of Morals and Legislation. Anteriormente, denominava-se “direito das gentes”, expressão usada, no século XVI, por Francis-co de Vitória.” GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito, 40 edª, 2008, p. 151.2- “Del Vecchio afirma que o Homem, ser ontologicamente social, só se realiza em sociedade, a sociedade internacional sendo a sua forma mais ampla. Esta afirmação se baseia na unidade do gênero humano, que, como assinala Ruyssen, é uma realidade científica comprovada pela possibilidade de procriação entre as mais diver-sas raças humanas”. ALBUQUERQUE MELLO, Celso D. de. Cur-so de direito internacional público. V.1.2004, p.56.3- Proposição de Hildebrando Acciolly.

1. Evolução Histórica

A construção da sociedade internacional pode ser evidenciada através de estágios históricos de convi-vência humana distintos. A contribuição e o desen-volvimento proporcionado por cada um deles é de crucial importância para a apresentação do Direito Internacional Moderno. Nesse sentido, impõe-se, mesmo que sucintamente, descrever seus aspectos históricos.

1ª Fase: Da Antiguidade até a Paz de Westfália (1648) Desde os primórdios, os povos, independente da no-menclatura – tribos, clãs, ou mesmo etnias – relacio-navam-se, quer de maneira pacífica ou cooperativa, quer mediante disputas ou conflitos. O comércio, por exemplo, foi fator crucial para a materialização des-sas relações4.

É certo que, inobstante a interação existente entre os povos na antiguidade, não se era possível deter-miná-la como direito internacional, tendo em vista a inexistência de normas que pudessem regular tais situações, bem como compor diferenças culturais, morais, religiosas e sociais tão acentuadas.

Todavia, foi na Grécia antiga, que instituições até hoje utilizadas como a arbitragem, o princípio da ne-cessidade de declaração de guerra, o direito de asilo, a neutralização de certos locais, a prática do resgate ou troca de prisioneiros de guerra, tiveram erguidas suas primeiras bases.

O Império Romano, por sua vez, foi responsável por desenvolver a concepção de jus gentium. Explica-se: no seu apogeu, pela própria extensão do Império, não fazia sentido o desenvolvimento de um direito in-ternacional. Todavia, era de se ressaltar as situações/relações entre os cidadãos romanos e os gentios, as-sim denominados os não romanos/estrangeiros. Em realidade, quando conquistados eram subjugados ao Poderio do Império Romano que aplicava sua própria lei. Todavia, com fins de preservar suas conquistas e domínio territorial, acabaram desenvolvendo meca-nismos para solucionar eventuais conflitos e, assim, adotaram dois corpus iuris:

Jus gentium: Leis que visavam solucionar os conflitos entre cidadãos romanos e estrangeiros, ou entre os estrangeiros de diferentes cidades conquistadas. Jus civile: Leis que regiam as relações entre os cida-dãos romanos.

4- Povos antigos já realizavam a mercancia: Gregos (1.000 a.c), os Helênicos, (1.500 a.c) os Babilônicos, (2.000 a.c), os Mesopotâne-os, (3.000 a.c) e os Egípcios, (3.500 a.c).

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Nesse sentido, era possível constatar a existência de um “direito internacional”, uma vez que o “Estado ro-mano” – tido como um “Estado mundial” – além de se relacionar com outros “Estados”, quer dominando, quer realizando mercancia, estabelecia normas que direcionavam essas condutas externas.

Com a invasão do Império Romano pelos Bárbaros (476 d.C), um novo regime jurídico, denominado per-sonalidade de direito, toma forma. Por esse regime, o indivíduo era identificado e regido pela lei de sua origem, e não do território que se encontrava. A lei, portanto, assumia um caráter pessoal, vinculando-se à origem do indivíduo. Nessa época, lançam-se as bases do jus sanguinis.

No fim da idade média, por volta de 1.200 d.C, o antigo sistema feudal passa, gradativamente, a as-sumir uma nova formatação política. As Cidades-Es-tado, Veneza, Gênova, Pisa, Florença, Milão, come-çam a surgir, incrementando o desenvolvimento do comércio e da indústria, aliados às navegações, ao surgimento do crédito, seguros e outros institutos. O surgimento de um Direito que regulasse essas rela-ções sociais seria inevitável e as bases repousariam fundamentalmente nos usos e costumes dos povos.

Não há como negar a importância do comércio para o desenvolvimento do Direito Internacional. Desta forma, a França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Ale-manha, Itália, que viviam na condição de reinos até o século 19, passaram a estabelecer e fomentar intera-ções comercial, política, social, lançando as bases do Direito Internacional.

As denominadas ligas comerciais são criadas com o intuito de promover e proteger relações comerciais, bem como as pessoas das diversas cidades. Inicial-mente delineadas por um caráter essencialmente econômico, desdobraram-se, posteriormente, em uma aliança política. As relações foram firmadas de forma ampla, Ocidente-Oriente. Tratados e leis são delineados, especialmente os relativos ao comércio marítimo.

Todavia, o moderno Sistema Internacional é inau-gurado apenas com a chamada Paz de Westfália, também designada como os Tratados de Münster, de 30 de janeiro de 1648, e Osnabrück, de 24 de outu-bro de 1648. Tais Tratados foram responsáveis por encerrar um período de guerras na Europa -Guer-ra dos Trinta anos (durou de 1618 à 1648)5. Com a

5- Guerra dos trinta anos: Áustria, Espanha e Estados Católicos do Sacro Império Romano (Itália/Alemanha) contra a França, Suécia, Holanda, Dinamarca e Inglaterra. A princípio, um conflito religioso, que adquire motivação de ordem política, que é o confronto entre a França e a Áustria pela supremacia da Europa. Com a paz de Vestfália, termina a hegemonia da casa da Áustria, a França ganha a Alsácia e a Lorena, lançam-se os fundamentos do Império Ale-mão, reconhece-se a independência dos Países Baixos (Holanda) e da Suíça.

assinatura desse Tratado, inaugura-se o sistema moderno de Estado nação e reconhecem-se os prin-cípios da independência dos Estados, soberania es-tatal (interna e externa) e igualdade jurídica dos Esta-dos, possibilitando a noção embrionária de uma paz calcada em um equilíbrio de poder, posteriormente confirmada pelo Tratado de Utrecht, em 1713, ao re-conhecer que um Estado não poderia opor-se a ou-tro, e aprofundada com o Congresso de Viena (1815) e com o Tratado de Versalhes (1919).

Esse novo sistema permitiu a construção de princí-pios fundamentais para o Direito Internacional que modificaria sensivelmente as relações internacio-nais, ao estabelecer noções de associação, aliança e negociação. As guerras posteriores não tiveram a causa principal disputas religiosas, mas questões de Estado. De igual modo, modificou a geopolítica eu-ropéia ao regular as diferenças confessionais e ter-ritoriais, fundamento para a Guerra dos Trinta anos, contribuindo, portanto, para a ruína do Sacro Império Romano.

2ª Fase: Dos Tratados de Westfália até o Congresso de Viena (1815) Os Tratados de Westfália foram responsáveis por inaugurar a era Moderna do Direito Internacional que abandona a noção de hierarquia internacional base-ada na religião, e reconhecem a inexistência de um poder superior aos Estados. O comércio internacio-nal toma grande impulso a partir do final do século XV com as navegações e desbravamento da Amé-rica pelos Europeus. Corolário desse fato, o direito internacional, bem como as relações internacionais também se desenvolvem.

Nessa época surgem importantes doutrinas sobre o tema, assim como primeiras normas sobre relações marítimas e navegações. Surgia a necessidade de regulamentar as mútuas relações e diferentes inte-resses dos Estados existentes na Europa6.

A Revolução Francesa (1789) e as Guerras Napole-ônicas (1792/1815) percussoras do expansionismo francês romperam com os princípios estabelecidos pelo Tratado de Westfália, principalmente o de igual-dade jurídica entre os Estados.

Todavia, não se pode negar que a Idade Contempo-rânea do Direito Internacional, implantada pela Revo-lução Francesa, reforça o conceito de nacionalidade, que por sua vez norteou as futuras unificações italia-na e alemã (século XIX). Vários princípios ali desen-volvidos orientaram, ainda, os Direitos Humanos.

6- Graças à doutrina espanhola, Francisco de Vitória/Francisco Suarez, e holandesa, Hugo Grocius (De Jure Belli ac Pacis (“do direito da guerra e da paz”) – 1625), surgem os primeiros prin-cípios de direito internacional, válidos até hoje. Ainda no final da Idade Média, é possível encontrar os primeiros tratados marítimos: a Tabula Amalfitana, por exemplo, é uma coleção de leis do mar que data de 1274.

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Já o responsável pelo fechamento das guerras na-poleônicas, isto é, o Congresso de Viena, em 1815, consagrou não apenas a queda de Napoleão, mas estabeleceu uma nova ordem política na Europa ba-seada no sistema multilateral, com a instituição de novos princípios de direito internacional: a proibição do tráfico negreiro, a liberdade de navegação dos rios e mares, reconhecimento da soberania nacional, a classificação dos agentes diplomáticos e a neutra-lidade da Suíça.

Surgimento da Doutrina Monroe: anunciada pelo pre-sidente estadunidense James Monroe (1817 a 1825) em sua mensagem ao Congresso em 02 de dezem-bro de 18237.

· O Continente Americano não pode ser sujeito no futuro a ocupação por parte de nenhuma potência européia; · É inadmissível a intervenção de potências euro-péias nos negócios internos ou externos de qual-quer país americano. · Os Estados Unidos não intervirá nos negócios pertinentes a qualquer país europeu.

3ª Fase: Do Congresso de Viena (1815) até a 1ª Guerra Mundial (1918)

O Direito Internacional desenvolve-se sensivelmente após o Congresso de Viena. Apenas a título exempli-ficativo, citam-se os seguintes diplomas:

· Primeira Convenção da Cruz Vermelha – 1864 · Declaração contra projéteis explosivos ou infla-máveis – 1868 · Conferência Internacional de Bruxelas para por termo ao tráfico de escravos – 1889/1890 · Primeira Conferência da Paz, de Haia (Holanda) – 1899.

No final do século XIX, com os diplomas existentes, a unificações dos Estados Nacionais, e os princípios de direito internacional a ideia era de que a paz reinava na Europa e que guerras não mais aconteceriam. Todavia, em 1914, com o assassinato do Arqueduque Austríaco Francisco Ferdinando por um nacionalista Sérvio, eclode a primeira guerra mundial que envol-veria, também, países não europeus (EUA, Japão, Brasil). As relações internacionais entre as nações envolvidas no conflito modificaram-se completamen-te e a composição do continente europeu foi alterada (o império Austro-Húngaro e Russo, por exemplo, de-sapareceram).

7- Julgarmos propícia esta ocasião para afirmar, como um princípio que afeta os direitos e interesses dos Estados Unidos, que os con-tinentes americanos, em virtude da condição livre e independente que adquiriram e conservam, não podem mais ser considerados, no futuro, como suscetíveis de colonização por nenhuma potência européia […] (Mensagem do Presidente James Monroe ao Con-gresso dos EUA, 1823).

4ª Fase: Da Primeira Guerra Mundial (1918) até os dias atuais

Ao término do primeiro conflito mundial, a Europa encontrava-se destruída e a recessão econômica assolava o continente. Desse modo, o direito inter-nacional passou por um período de estagnação. Con-tudo, nessa fase crítica ainda foi possível observar a cooperação entre os Estados que após a guerra ins-tituíram a Sociedade/Liga das Nações, organização internacional idealizada em janeiro de 1919, em Ver-salhes/Paris. Aliás, nessa oportunidade, as potências aliadas, vencedoras da Primeira Guerra, reuniram-se com o intuito de negociar um termo de paz e ao mes-mo tempo penalizar a Alemanha pela posição central de deflagradora da guerra.

Um dos pontos dispostos pelo tratado era relativo à criação de um Organismo Internacional, cujo objeto principal seria o de assegurar a paz e ordem inter-nacionais, atuando, ainda, como árbitro em disputas internacionais e, assim, evitar futuras guerras. Assi-nado em 28 de julho de 1919, o Tratado de Versalhes dispunha que a sede da Liga seria em Genebra/Su-íça. Tal Organismo seria o embrião da Organização das Nações Unidas – ONU.

A Liga, no entanto, não logrou êxito em seus pro-pósitos. Em razão do posicionamento dos Estados sobre as funções e limites de atuação da Liga, aca-bou falida em 1946, inobstante a luta para impor sua autoridade como instituição internacional importante, não sendo, pois, capaz de impedir a segunda guerra mundial, causada igualmente pela Alemanha.

Após esse segundo conflito mundial, vários organis-mos internacionais surgem, a começar pelas Nações Unidas, cuja Carta Constitutiva, firmada em São Francisco, data de 26 de junho de 1945.

Em 1947, é criada a Comissão do Direito Internacio-nal das Nações Unidas, responsável por promove a criação e codificação progressivas do direito inter-nacional. Prepara projetos de textos sobre temas de direito internacional, tanto escolhidos pela comissão, como solicitados pela Assembleia Geral, estimulan-do, assim, o desenvolvimento do Direito Internacio-nal.

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SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E TRATADOS INTERNACIONAIS

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SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E TRATADOS

INTERNACIONAIS

A) Sujeitos de DIP

Para Guido Soares, o conceito de sujeito de direito, independente do ordenamento a ser considerado:

“é o reconhecimento por ele operado, daquelas pessoas, indivíduos ou coletividade de indiví-duos, ou mesmo outros determinados fenôme-nos, que são titulares de direito e obrigações. A personalidade jurídica é um „status„ conferido pelo sistema jurídico a pessoas ou entidades, através de uma qualificação operada por cri-tério determinado exclusivamente pelo próprio sistema jurídico, os quais, além de definir quais fenômenos constitui um sujeito de direito, ain-da fixa lhe o conteúdo e a extensão dos res-pectivos direitos e obrigações, como qualquer definição no campo do direito. Trata-se de uma operação normativa concomitante: uma tipifi-cação e também uma criação, uma atribuição de direitos e deveres ao tipo de titulares assim definido. Contudo, não é qualquer conceito, criação organizacional, ou situação que mere-cem ser tratados como sujeito de direito, mas tão somente aqueles fenômenos que o orde-namento jurídico, de maneira formal, reconhe-ce como tais”.

Assim, sujeito de direito é todo ente que possui di-reitos e deveres perante determinada ordem jurídica. Nesse sentido, na esfera jurídica internacional, pes-soas internacionais são as destinatárias das normas jurídicas internacionais. Conseqüentemente, a pes-soa física ou jurídica a quem a ordem internacional atribui direitos e deveres é transformada em pessoa internacional, ou seja, sujeito de Direito Internacional. Em regra os Estados, Organizações Internacionais e Indivíduos são considerados sujeitos de Direito In-ternacional e, portanto dotados de capacidade para agir internacionalmente, participando das relações internacionais. É certo que, quanto ao último, não se atribui ampla capacidade, todavia, “a limitada capaci-dade internacional do indivíduo não lhe retira o status de pessoa jurídica. A tutela internacional dos direitos do homem e a possibilidade de se lhe imputarem fa-tos ilícitos são elementos que ensejam sua conside-ração como sujeito do DPI, embora não pleno”25.

25- DRI, Clarice Francoi. Do Estado ao indivíduo: repensando os sujeitos do direito internacional público. Revista da Faculdade de Direito da UFPR. vol.43, 2005, p. 11.

1. Estados

Para assim ser considerado deverá reunir as dimen-sões humana (povo), geográfica (território) e política (poder soberano). É o principal e clássico sujeito de Direito Internacional, capacidade ampla, criador dos demais sujeitos e das normas internacionais. São também designados de sujeitos primários.

2. Organizações Internacionais Intergovernamentais

São entes denominados secundários, tendo em vista que decorrem da iniciativa de outros sujeitos interna-cionais, quais sejam Estados. Criados por meio de Tratados, passam a ter personalidade jurídica inter-nacional independente de seus criadores, de manei-ra que atuem na consecução dos objetivos para os quais foram determinados. Possuem estatuto próprio, órgãos internos de decisão e funcionam nos limites e finalidades propostos na sua criação. Como sujei-tos internacionais podem firmar convenções, sendo financiados por meio das contribuições advindas dos Estados-membros. Exemplos: ONU, OIT, OMC, OTAN, OEA.

3. Indivíduos

Fruto do fenômeno da internacionalização pela defe-sa da dignidade humana, responsável pela adoção de normas internacionais protetivas e assecurató-rias dos direitos fundamentais do ser humano, não se pode mais negar a condição de sujeitos de direito internacional aos indivíduos. Para muitos doutrinado-res, as normas não teriam sentido, a não ser para justificar, regular e proteger os interesses do homem. Vale dizer que, em nossa sociedade, mesmo interna-cional, os destinatários últimos das normas, qualquer seja a relação considerada, seriam os indivíduos.

Contudo, é fato que o indivíduo não possui capacida-de postulatória internacional ampla, tendo em vista a necessidade de intermediários para a materialização do direito, como por exemplo, a Comissão Interame-ricana de Direitos do Homem, órgão competente para apresentar demandas relacionadas à violações de direitos fundamentais perante a Corte de São José da Costa Rica. Já o Estatuto de Roma, responsável por criar o Tribunal Penal Internacional consagrou o princípio da responsabilidade internacional do indiví-duo e a legitimidade processual passiva.

4. Coletividades não estatais

São entes que não se encaixam nas descrições an-teriores, e que ainda assim possuem importância na esfera jurídica internacional.

4.1 Beligerantes

São revoltosos que, dentro de um Estado, subleva contra o poder instituído, tomando controle parcial do

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território. Os efeitos dessa situação são previamente determinados como a vinculação dos beligerantes às normas de direitos humanitário, a capacidade de ne-gociar tratados e a obrigatoriedade da neutralidade por parte de terceiros. Caso tradicional foi o da Nica-rágua, em 1979. À época do conflito entre a ditadura de Somoza e os Sandinistas liderados por Ortega, alguns países do Pacto Andino reconheceram o esta-do de beligerância.

4.2 Insurgentes

Semelhantes aos beligerantes, pressupõe um confli-to de dimensões menores, sem que haja situação de guerra civil, ou mesmo controle territorial. Em geral, a partir do reconhecimento do “estado de insurgência” o governo não mais se responsabiliza pelos atos pra-ticados pelos insurretos.

4.3 Movimentos de Libertação Nacional

Os Movimentos de Libertação Nacional são movi-mentos nacionalistas que objetivam a independência política ou econômica de um território, denunciando a opressão e a dependência nacional sob regimes coloniais, neo-coloniais, racistas ou de ocupação militar. Ao ser formamelmente reconhecido, adqui-rem a capacidade para celebrar tratados, bem como representatividade internacional através do direito à partcipação como observadores perante foros intre-nacionais. Seus combatentes passam a se sujeitar às normas de direito intrenacional humanitário (Conven-ções de Genebra).

O maior exemplo de movimento de libertação nacio-nal é a Organização para a Libertação da Palestina - OLP, reconhecida pela ONU como representante do povo palestino junto a seus órgãos. A OLP age na qualidade de observadora, com direito de voz e não de voto.

4.4 Soberana Ordem de Malta

A Ordem de Malta, ou oficialmente Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Maltados, é uma comunidade monástica dedicada à gestão hospitalar humanitária, que man-tém relações diplomáticas com diversos Estados, in-clusive com o Brasil. Todavia, a doutrina entende que não se justifica reconhecer personalidade jurídica in-ternacional à referida Ordem, até mesmo porque atua em estreita dependência da Santa Sé.

5. Santa Sé

A Santa Sé, instituição máxima da Igreja Católica, não se confunde com o Estado do Vaticano, posto que a este se submete. Embora formem um só ente jurídico, sua personalidade jurídica foi reconhecida em 1929, por meio do Tratado de Latrão, ao declarar independente o Estado da Cidade do Vaticano, um minúsculo território dentro de Roma, configurando, portanto, o enclave.

A Santa Sé é um Estado sem o elemento humano, qual seja o povo, já que possui apenas cidadãos e não nacionais. Aqueles que possuem a cidadania va-ticana não perdem sua nacionalidade originária. Re-ferido Estado é composto pela cidade do Vaticano.

A Santa Sé possui capacidade para firmar tratados. Os tratados concluídos com a Santa Sé sobre maté-ria religiosa e que prevêem privilégios para católicos são chamados concordatas. Para alguns autores, o Brasil, por ser um Estado laico, não pode celebrá-las sem ofender sua ordem constitucional, embora mantenha relações diplomáticas com esse Estado. A Santa Sé, até por sua natureza sui generis, não é considerada Estado-membro da ONU, embora tenha assento como observadora permanente junto à As-sembleia-Geral.

6. Comitê Internacional da Cruz Vermelha

Surge com o propósito de Henri Durant, que impres-sionado com os horrores da guerra entre França e Áustria (Batalha de Solferino), e a falta de assistência aos feridos no combate institui, em 1863, o Comitê Internacional de Socorro aos Militares Feridos, desig-nação alterada em 1876 para Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Com sede em Genebra, Suíça, tem por finalidade proteger e assistir vítimas de con-flitos armados e outras situações de violência, inde-pendente da condição. Possui como fontes as Con-venções de Genebra de 1949 e seus dois protocolos adicionais (1977), e os Estatutos do Movimento In-ternacional da Cruz Vermelha. Seu emblema é uma cruz vermelha em fundo branco.

Não é considerada Organização Internacional, ten-do em vista que foi fundada pela sociedade civil, nos termos do Código Civil Suíço. Trata-se, portanto, de uma organização não-governamental. Entretanto, ao contrário das demais ONG´s é dotada de personali-dade jurídica internacional, exatamente por ser guar-diã do Direito Internacional Humanitário26.

7. Organizações Não Governamentais - ONG´s

Surgidas após a 2ª Guerra Mundial, não possuem um estatuto jurídico internacional que as delimite, fican-do, portanto, vinculadas ao direito interno dos Esta-dos (forma de constituição, finalidades e atuação). Não são dotados 35 de personalidade jurídica inter-nacional. Exemplos: Institut Droit International, Inter-national Law Association, Greenpeace, FOE – friends of earth.

26- O Direito Internacional Humanitário (DIH) é um conjunto de normas - entre elas Convenções de Genebra e as Convenções de Haia - que rege as práticas de guerra com o objetivo de limitar os efeitos dos conflitos armados por razões humanitárias. Embo-ra a prática da guerra seja muito antiga, apenas há 150 anos os Estados criaram normas internacionais para proteger as pessoas. O DIH, de quem o CICV recebeu dos Estados o mandato de guar-dião, é também conhecido como “Direito da Guerra” ou “Direito dos Conflitos Armados”.

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B) Tratados Internacionais

Tratados são instrumentos jurídicos essenciais para a Sociedade Internacional e responsável pela codi-ficação convencional do Direito Internacional, sendo elaborados por Estados e Organizações Internacio-nais. Atualmente, são considerados a fonte mais im-portante, não só pela multiplicidade de documentos, mas porque regulam as matérias mais substanciais do Direito Internacional. Nesse momento, impõe-se verificar, brevemente, as questões que envolvem a disciplina dessa matéria.

Base Normativa:

- Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (l969), incorporada no ordenamento jurídico brasilei-ro apenas em 14 de dezembro de 2009, por meio do Decreto nº. 7.030, embora tenha sido concluída/assi-nada em 23 de maio de 1969.

- Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou en-tre Organizações Internacionais (1986).

1. Conceito

Segundo o art. 2º, § 1º, alínea a, da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados, concluída em Vie-na em 1969 “tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Di-reito Internacional, quer conste de um único instru-mento, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua designação específica”.

Esta definição é de Tratado em sentido amplo, abran-gendo, portanto, acordos em forma simplificada. A forma escrita é a mais comum, porém importa desta-car que os acordos verbais também podem também obrigatoriedade, embora alguns autores rechacem essa possibilidade. O fato de ser celebrado por Esta-dos, não exclui demais sujeitos de Direito Internacio-nal, conforme se depreende do artigo 3º da referida Convenção/69.

Existem inúmeros termos para a designação dos Tra-tados, que na realidade são meramente conceituais, tendo em vista não existir uniformidade na praxe in-ternacional. Citam-se algumas:

· Tratados: é utilizado para acordos internacio-nais de natureza solene, por exemplo, tratados de paz. · Convenções: acordos internacionais que esta-belecem normas jurídicas gerais sobre determi-nada matéria de Direito Internacional. Por exem-plo, Convenção sobre mar territorial, Convenção de Viena. · Declarações: é utilizada para os acordos que criam princípios jurídicos ou “afirmam uma atitude política comum”. Exemplo Declaração Universal dos Direitos do Homem.

· Atos: são acordos internacionais que estabele-cem regras de direito, por exemplo, Ato Geral de Berlim de 1885, sobre a divisão dos Estados afri-canos pelos Europeus. · Pactos: são tratados solenes, utilizados após a 1ª Guerra Mundial, por influência do presidente americano Woodrow Wilson, para quem o “pacto” seria a terminologia para uma nova era. Exemplo: Pacto de Renúncia à Guerra, em 1928. · Acordos: geralmente são usados para desig-nar tratados de natureza econômica, financeira, comercial e, às vezes, cultural. Exemplo: Acor-do Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT. · Concordata: são os assinados pela Santa Sé, sobre assuntos religiosos. Trata de matéria que seja da competência comum da Igreja e do Es-tado. · Estatutos: são os tratados coletivos, geralmente relacionados à criação e funcionamento de tribu-nais internacionais permanentes. Exemplo: Esta-tuto de Roma criador do Tribunal Penal Interna-cional, Estatuto da Corte Internacional de Justiça. · Protocolos: documento escrito, mas sem o ca-ráter obrigatório do tratado. Tem um sentido prin-cipiológico. Exemplo: Medidas de contenção da proliferação de armas nucleares. · Existe ainda Compromissos, Troca de Notas, Acordos em forma Simplificada (executivos), Car-ta, Convênio...

2. Classificação

Inúmeras são as classificações propostas para os tratados. Assim, expõe-se algumas delas.

2.1 Quanto às partes (bilateral ou multilateral)

São assim denominadas, conforme a quantidade de partes contratantes. Bilaterais, quando há apenas duas partes e multilaterais, ou plurilaterais, ou, ainda coletivos, quando mais numerosas.

2.2 Quanto ao procedimento ou grau de complexida-de procedimental (tratados solenes ou acordos exe-cutivos/ em forma simplificada)

Os solenes são aqueles Tratados que seguem o rito completo para a sua formalização, qual seja: nego-ciação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa estatal, ratificação ou adesão. Já os acordos em for-ma simplificada são os concluídos diretamente pelo Chefe do Poder Executivo, sem aprovação parlamen-tar.

2.3 Quanto à matéria ou natureza jurídica do ato (tra-tado-contrato e tratados-leis ou tratados-normativos)

Os tratados-normativos são geralmente multilaterais e objetivam fixar normas de Direito Internacional, a exemplo da Convenção de Viena sobre Direito dos

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Tratados. Já os tratados-contratos visam regular in-teresses recíprocos dos Estados, geralmente bilate-rais. (tratados de paz e de fronteiras).

2.4 Quanto à execução no tempo (estático ou dinâ-mico)

Estáticos, são os Tratados que criam situações jurídi-cas permanentes, a exemplo de Tratado das frontei-ras. Já os dinâmicos estabelecem relações jurídicas obrigacionais que vinculam as partes por prazo certo ou indefinido.

2.5 Quanto à possibilidade de adesão (aberto ou fe-chado)

São classificados como abertos ou fechados, tendo em vista a possibilidade ou não de adesão por sujei-tos que não participaram das tratativas negociais e de sua conclusão/assinatura.

3. Condições de Validade

Para que um Tratado seja considerado válido, é ne-cessário que as partes tenham capacidade jurídica e que seus agentes estejam habilitados (art. 7 da Con-venção de Viena de 1969); que haja consentimento mútuo (no caso de tratados multilaterais, a adoção do texto efetua-se pela maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes, art. 51 da Convenção de Viena de 1969) e que o objeto seja lícito e possível.

Verificar ainda artigos 49, I; 52, V, VII e VIII e 84, VIII, todas da Constituição Federal.

1) Capacidade Jurídica Internacional das Partes Con-tratantes (Capacidade para concluir Tratados ou trea-ty making power): é reconhecida aos Estados Sobe-ranos, às Organizações Internacionais, à Santa Sé e para alguns aos Beligerantes.

Art. 6º da Convenção de Viena determina que todos os Estados soberanos possuem capacidade para concluir Tratados (regra geral). Estados Dependen-tes ou os membros de uma Federação podem con-cluir Tratados Internacionais em casos excepcionais. Assim, o ordenamento jurídico interno dos Estados, por exemplo, a Constituição, pode autorizar os entes Federados a concluir Tratados27. A Santa Sé também pode celebrar Tratados, mas apenas sobre matéria religiosa e denominam-se Concordatas. As Organi-zações Internacionais, por sua vez, têm capacida-de limitada pelos próprios fins para os quais foram criadas. Os Beligerantes e Insurgentes, apesar das divergências doutrinárias, também possuem direito de Convenção quando relacionado às operações de guerra.

27- O Governo Federal Brasileiro não se responsabiliza quando um Estado membro da Federação concluir acordos internacionais sem a prévia autorização do Poder Executivo Federal e conse-quente aprovação pelo Senado.

2) Habilitação dos Agentes Signatários: Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou autenticação de um texto de um tratado ou para expressar seu consentimento quando apresen-tar plenos poderes apropriados, ou quando a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar essa pessoa seu representante. As pessoas que re-cebem os plenos poderes são denominadas plenipo-tenciários.

Um ato de pessoa não habilitada, a respeito da conclusão do Tratado, não tem efeito legal até que o Estado confirme tal ato. Os plenos poderes surgi-ram da intensificação das relações entre os Estados e, portanto, da impossibilidade dos chefes de Esta-do participarem das negociações e assinaturas dos Tratados. Normalmente, em virtude de suas funções, estão dispensados dos plenos poderes para a nego-ciação e autenticação dos Tratados: Chefes de Es-tado e de Governo, Ministro das Relações Exterio-res, Chefes de Missão Diplomática e representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional quando relacionados a tal conferência ou organização.

Nas Organizações Internacionais, os secretários-ge-rais estão dispensados de apresentação de plenos poderes. Nos acordos bilaterais as cartas de plenos poderes são trocados pelos negociadores, nos mul-tilaterais a verificação dos instrumentos é realizada por uma comissão ou pelo Secretariado da ONU. To-davia, é de se ressaltar que os plenos poderes perde-ram a devida importância em função do mecanismo de ratificação dos Tratados. Esta, por sua vez, não é obrigatória, tendo em vista a necessidade de aprecia-ção interna, ou seja, pelo Poder Legislativo.

3) Objeto lícito e possível: O objeto do Tratado não poderá contrariar a moral internacional nem normas de jus cogens28. De igual modo, não poderá conter um objeto impossível de ser executado. Nesses ca-sos, as partes estão autorizadas a pôr termo ao Tra-tado.

4) Livre Consentimento: O acordo de vontade entre as partes deve ser livre e não pode sofrer nenhum vício. O erro, o dolo e a coação viciam os Tratados.

· Erro (art. 48 CV/69): A orientação de se admitir o erro como vício do consentimento foi consagra-da pela Convenção de Viena. Entretanto, só é passível de invalidação quando o erro vicie base essencial do consentimento. Caso o erro seja de redação, não será capaz de invalidar o Tratado, bastando a mera correção. Somente o erro de fato que se constitui vício de consentimento, o

28- É nulo o Tratado que violar, que ferir a norma imperativa do Direito Internacional Geral, mesmo que esta norma seja posterior a ele, porque como esta norma é aceita e reconhecida pela comuni-dade internacional, só poderá ser modificada por uma outra norma imperativa do Direito Internacional Geral.Cons