Direito Penal - 10 - Fato Típico - Tipicidade Penal, Ilicitude

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LFG – PENAL – Aula 10 – Prof. Rogério Sanches – Intensivo I – 07/04/2009 REVISÃO DA AULA PASSADA: Na última aula, analisamos relação de causalidade. E quando eu falei nisso, comecei enunciando o conceito, em seguida analisei o art. 13, caput e adverti que esse dispositivo adota a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (ou seja, considera-se causa toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido). E aí adverti o seguinte: Só a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais não te permite concluir o que é ou não causa. Você precisa somar a essa teoria a Teoria da Eliminação Hipotética. Se eu somar isso, eu chego na causa do resultado. Agora, cuidado, eu adverti a todos que essa soma, apesar de chegar na causa, ela corre o risco dor egresso ao infinito. Objetivamente, a causalidade pode regressar ao infinito. Aí nós dividimos a Teoria Finalista. A Causalidade Objetiva só trabalha com nexo causal. Eu só não vou responsabilizar o infinito porque eu ainda tenho a causalidade cíclica, eu ainda analiso dolo e culpa. Mas reparem que objetivamente, eu posso chegar a esse infinito. Eu só não vou responsabilizar esse infinito porque eu tenho o filtro do dolo e da culpa. Aí eu adverti o seguinte: é exatamente contra esse regresso ao infinito que se volta à Teoria da Imputação Objetiva. Essa teoria se insurge exatamente contra esse regresso ao infinito da Causalidade Objetivo. Por isso, para ela, causalidade objetiva demanda o nexo causal mais o nexo normativo. Somente depois de ultrapassado o nexo causal e o nexo normativo é que eu analiso a causalidade cíclica. É que eu estudo dolo. É que eu estudo culpa. Então vejam que a Teoria da Imputação Objetiva, com o nexo normativo, ela evita o regresso ao infinito. Eu adverti no final da aula: a teoria da imputação objetiva não substitui nada. Só acrescenta. Está errado quem escreve, quem ensina que imputação objetiva substitui o nexo clássico. Ela não substitui. Ela corrige. Ela é um corretivo do nexo clássico. Atenção: Não existe um livro que explique imputação objetiva do jeito que eu fiz. Cada um explica de uma maneira! 118

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REVISÃO DA AULA PASSADA:

Na última aula, analisamos relação de causalidade. E quando eu falei nisso, comecei enunciando o conceito, em seguida analisei o art. 13, caput e adverti que esse dispositivo adota a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (ou seja, considera-se causa toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido). E aí adverti o seguinte: Só a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais não te permite concluir o que é ou não causa. Você precisa somar a essa teoria a Teoria da Eliminação Hipotética. Se eu somar isso, eu chego na causa do resultado. Agora, cuidado, eu adverti a todos que essa soma, apesar de chegar na causa, ela corre o risco dor egresso ao infinito. Objetivamente, a causalidade pode regressar ao infinito.

Aí nós dividimos a Teoria Finalista. A Causalidade Objetiva só trabalha com nexo causal. Eu só não vou responsabilizar o infinito porque eu ainda tenho a causalidade cíclica, eu ainda analiso dolo e culpa. Mas reparem que objetivamente, eu posso chegar a esse infinito. Eu só não vou responsabilizar esse infinito porque eu tenho o filtro do dolo e da culpa.

Aí eu adverti o seguinte: é exatamente contra esse regresso ao infinito que se volta à Teoria da Imputação Objetiva. Essa teoria se insurge exatamente contra esse regresso ao infinito da Causalidade Objetivo. Por isso, para ela, causalidade objetiva demanda o nexo causal mais o nexo normativo. Somente depois de ultrapassado o nexo causal e o nexo normativo é que eu analiso a causalidade cíclica. É que eu estudo dolo. É que eu estudo culpa. Então vejam que a Teoria da Imputação Objetiva, com o nexo normativo, ela evita o regresso ao infinito.

Eu adverti no final da aula: a teoria da imputação objetiva não substitui nada. Só acrescenta. Está errado quem escreve, quem ensina que imputação objetiva substitui o nexo clássico. Ela não substitui. Ela corrige. Ela é um corretivo do nexo clássico.

Atenção: Não existe um livro que explique imputação objetiva do jeito que eu fiz. Cada um explica de uma maneira!

Preste atenção agora: Ainda no assunto relação de causalidade.

4.5. CONCAUSAS

Vamos supor que eu tenho aqui A, B e C. Vamos supor que às 19h A envenenou C e às 20h B atirou em C. C morreu às 21h em razão do disparo. Pergunto. Quantas causas concorreram para o resultado? Eu tenho o envenenamento e o disparo de arma de fogo concorrendo para o resultado. São duas causas concorrendo para o mesmo evento, sendo que somente uma atingiu o objetivo. Eu não tenho dúvida que B vai responder por homicídio consumado. A dúvida que eu tenho é: Por qual crime responde A? O que eu tenho aqui? Pluralidade de causas concorrendo para o mesmo evento. Como se chama isso? Concausas.

“Pluralidade de causas concorrendo para a produção do mesmo evento.”

No nosso exemplo, o estudo das concausas não me interessa para saber qual crime pratica quem atirou. O estudo da concausa não serve para ele. O estudo da concausa serve para analisar o comportamento daquele que somente “envenenou”. Quando estudo concausa não estou

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preocupado com a causa efetiva do resultado. Eu estou preocupado em como responsabilizar aquela causa que não atingiu o seu fim.

Quando a gente fala em concausa, temos que lembrar das suas duas grandes espécies:

a) Concausa absolutamente independente – ocorre quando a causa efetiva do resultado não se origina direta ou indiretamente da causa concorrente, não se origina direta ou indiretamente de nenhuma outra causa. A concausa absolutamente independente pode ser: preexistente, concomitante ou superveniente.

b) Concausa relativamente independente – aqui, a causa efetiva do resultado origina-se direta ou indiretamente da causa concorrente. A concausa relativamente independente também pode ser preexistente, concomitante ou superveniente.

Será preexistente quando a causa efetiva do resultado é anterior à concorrente.

Será concomitante quando a causa efetiva do resultado concorre com outra causa.

Será superveniente quando a causa efetiva do resultado é posterior à concorrente.

Agora vamos analisar as concausas absolutamente independentes nas suas três subespécies e as relativamente independentes também nas suas três subespécies.

Vamos supor que A, às 19h envenenou C. B, às 20h atirou contra C. C morreu envenenado às 22h.

Pergunto: alguém tem dúvida por qual crime vai responder A? Homicídio consumado. Eu falei que o estudo da concausa não interessa para A, que conseguiu o resultado visado com o seu comportamento. O estudo da concausa tem interesse com relação a B, que agiu buscando o resultado, mas não o alcançou direta ou indiretamente. E aí, ele responde por qual crime? Eu pergunto: a causa do resultado morte é absoluta ou relativamente independente à conduta de B? Será absoluta se a causa da morte não se origina direta ou indiretamente de B. Ela se originou direta ou indiretamente de B? Elimine o comportamento de B do mundo. O resultado aconteceria? Sim! Então, elas são absolutamente independentes. Então, nós concluímos aqui que a causa efetiva é absolutamente independente.

Agora, eu pergunto: ela é anterior, concomitante ou superveniente à outra causa? É anterior. Então é causa absolutamente independente preexistente. Quando eu tenho causa absolutamente independente e preexistente, o outro vai responder pelo quê? Tentativa! Então, B responde por tentativa. Pronto. Então vocês têm um exemplo, o que significa esse exemplo e qual o resultado. Quando estou diante de concausa absolutamente independente preexistente a outra causa será punida a título de tentativa.

Próximo exemplo (todos os exemplos são extraídos da doutrina):

Vamos supor que às 20h A envenena C. Também às 20h, B atira contra C. C morre em razão do disparo. Eu já expliquei que não me interessa estudo da concausa apurar como punir o atirador. O atirador produziu o resultado. Se ele é assaltante, vai responder por latrocínio, inclusive. O estudo da concausa é importante para saber o que fazer com aquele que estava envenenando. Pergunto?: A causa efetiva do resultado é absoluta ou relativamente independente

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do envenenamento. É só vocês pensarem: o disparo se originou direta ou indiretamente do envenenamento? Se vocês tirarem do mundo o envenenamento, iria entrar o assaltante e atirar contra C do mesmo jeito? Sim. Então, eu estou diante de uma causa efetiva absolutamente independente. Agora, pergunto: é causa efetiva anterior, concomitante ou superveniente ao envenenamento? É concomitante. Nessa forma, qual o resultado? Aquele que envenenava, responde pelo quê? Por tentativa. É a mesma conclusão da preexistente! A exemplo da preexistente, também na concomitante ele responde por tentativa.

Mais um exemplo: Às 20h A envenenou C. Às 21h cai um lustre na cabeça de C. C morreu em razão de traumatismo craniano. Eu não tenho dúvida que a causa da morte de C foi a queda de um lustre (caso fortuito ou força maior). Agora veja: o estudo da concausa é importante para saber o que acontece com a causa concorrente. Pergunto: A causa efetiva do resultado (queda do lustre) é absoluta ou relativamente independente do envenenamento? Retire o envenenamento do mundo, o lustre cairia ou não cairia na cabeça da pessoa? Sim. Então, a causa efetiva é absolutamente independente da concorrente (do envenenamento). Agora eu pergunto: preexistente, concomitante ou posterior ao envenenamento? Superveniente. Qual é o resultado desta equação? Concausa absolutamente independente + causa superveniente = responde por tentativa. Aqui também responde por tentativa.

Então você vai economizar tempo na sua prova. O candidato esperto ganha tempo em uma questão complicada como essa. Olha que interessante: Primeira coisa: ver se a causa é absoluta ou relativamente independente. Por que? Porque se você concluir que ela é absolutamente independente, você pode parar de procurar a resposta. De qualquer modo, ele vai responder por tentativa.

Só que isso quase não cai no concurso. O que cai são as causas relativamente independentes. Vamos aos exemplos.

Vamos supor que A deu um golpe de faca em C. No entanto, C era hemofílico e morreu em razão da doença. Se ele não fosse doente, aquela facada não ia ter condições de causar sua morte. A intenção de A matar C, mas a facada não causaria o resultado morte se não fosse hemofílico. Houve grande perda de sangue. A doutrina diz o seguinte: a causa efetiva do resultado morte não foi a facada, foi a hemofilia. A facada desencadeou a doença. Fez com que a doença se desencadeasse efetivamente. Agora, eu pergunto: essa causa efetiva do resultado morte é absoluta ou relativamente independente da facada? Ela se originou direta ou indiretamente da facada ou não? Eliminem a facada do mundo, a doença não se desencadearia. Então, a causa efetiva é relativamente independente da concausa. Ele já era hemofílico ou ficou hemofílico depois da facada? É causa relativamente independente e preexistente. O agente responderá por consumação.

A jurisprudência atenua isso. A só vai responder por homicídio consumado se ele tem conhecimento de que havia uma doença preexistente. Para quê? Para evitar uma responsabilidade penal objetiva. Cuidado porque os manuais não alegam esse atenuante da jurisprudência. Para A responder por consumação, ele tem que ter consciência da doença.

Vamos supor que alguém vai matar a outra. Ela aponta e atira. Aí a vítima fala: “vou morrer, a bala vai me atingir” e morre de ataque cardíaco antes da bala atingir. A doutrina diz que esse exemplo é uma concausa relativamente independente concomitante. Relativamente independente porque se não fosse o tiro vc não teria o ataque cardíaco. A concausa relativamente independente concomitante também a outra será punida por consumação.

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MP/MG: 1998 – O examinador colocou dez situações e perguntava sobre como se punia a concausa. É consumação ou tentativa? Justifique. E vc ia ter que fazer o quê? Quando a concausa é absolutamente independente, pouco importa se concomitante, preexistente ou superveniente, ela vai concorrer e será punida por tentativa. Se é uma concausa relativamente independente onde a causa efetiva se origina direta ou indiretamente da concorrente, a concorrente será punida por consumação se preexistente ou concomitante. Isso está previsto no art. 13, § 1º, do Código Penal.

“§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.”

Lendo esse dispositivo eu percebo duas espécies de concausa relativamente independente superveniente: uma causa relativamente independente por si só e uma causa que não relativamente independente por si só.

Eu posso ter uma causa relativamente independente superveniente que:

a) Por si só produziu o resultado ou então

b) uma concausa relativamente independente que não por si só produziu o resultado.

Isso fica claro da leitura do dispositivo. Quando que, por si só, produz o resultado?

Aqui, o resultado sai da linha de desdobramento causal normal da causa concorrente. Eu vou colocar isso graficamente.

Vamos supor que eu dei o tiro e que o tiro era para ter determinada linha de desdobramento causal normal. No entanto, surgiu um imprevisto. Quer dizer que há uma linha imprevisível? Sim. E quando, não por si só, produziu o resultado? Aqui o resultado está na linha de desdobramento causal normal da causa concorrente. Se lá ele sai da linha de desdobramento causal normal; aqui, ele se encontra na linha de desdobramento causal normal. Na linha de desdobramento causal normal, o resultado era previsível. Com exemplo fica tudo mais fácil.

Em concurso recente, a pergunta da segunda fase foi: “O que significa o 'por si só' do §1º, do art. 13?” - só isso ele perguntou. Significa que o resultado sai da linha de desdobramento causal normal da causa concorrente e toma uma linha imprevisível. Já o não por si só o resultado está na linha de desdobramento normal da conduta (ou causa) concorrente e o tipo ainda produz o resultado no campo da criminalidade.

Olha que fácil: um dou um tiro numa pessoa que vai parar no hospital. Quando os médicos estão lá tentando salvar a vida dela, cometem um erro médico e a vítima morre. O erro médico foi a causa efetiva do resultado. Se originou direta ou indiretamente do tiro? Se eu não tivesse dado o tiro, ele não estaria no hospital. Então, é causa relativamente independente. O erro médico é anterior, concomitante ou superveniente ao tiro? Superveniente. Então, o erro médico é uma concausa relativamente independente, superveniente.

Segundo exemplo: Eu dou um tiro, ele vai pro hospital, está descansando da cirurgia, cai o teto e morre. O que matou? Qual foi a causa efetiva do resultado? O tiro ou a queda do teto? A queda do teto. É absoluta ou relativamente independente ao tiro? Se eu não tivesse dado o tiro,

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ele não estaria no hospital. Então, é causa relativamente independente. Preexistente, concomitante ou superveniente? Superveniente.

Eu quero saber de vocês o seguinte: quem deu o tiro, responde pelo homicídio consumado nos dois exemplos? O autor do disparo vai responder pelo homicídio consumado se a estrutura do hospital desaba?

Se estivermos diante de uma concausa relativamente independente que, por si só, produziu o resultado, quem deu o tiro responde por tentativa.

Se estivermos diante de uma concausa relativamente independente que, não por si só, produziu o resultado, quem deu o tiro responde por consumação.

Agora, fica fácil, vocês vão ter que me dizer: Eu respondo por tentativa se o erro médico, por si só, produziu o resultado? Ou respondo por consumação se o erro médico não por si só produziu o resultado? Se a queda de um teto por si só, produziu o resultado, quem atirou responde por tentativa? Vamos analisar juntos:

Erro médico. O erro médico por si só produziu o resultado ou não produziu o resultado? Vocês acham que o erro médico é o resultado que faz a linha de desdobramento causal normal da causa concorrente? É algo imprevisível para quem dá um tiro? Ou você sabe que quem vai socorrer é um ser humano e ser humano é falível? Pessoal, o erro médico é uma causa que não por si só produziu o resultado. O erro médico está na linha de desdobramento causal normal da causa concorrente. Era previsível que quem socorresse do tiro pudesse errar. Então, você vai responder por consumação. Basta pensar na surpresa. Vocês ficariam surpresos em saber que houve um erro médico no hospital? Ninguém fica surpreso com erro médico porque está no campo da previsibilidade. São seres humanos.

Agora vamos pensar na queda do teto. Vocês acham que isso está na linha de desdobramento causal normal de um tiro? Todo mundo que dá um tiro tem como prever que pudesse cair um teto na cabeça da vítima? Não. Então, a queda de um teto, por si só produziu o resultado. Está fora da linha de desdobramento causal normal da causa concorrente. A queda do teto por si só produziu o resultado. Quem deu o tiro responde por tentativa.

No concurso cai assim: onde eu devo ajustar a infecção hospitalar? Será que ela deve ser tratada como erro médico (quem deu o tiro responde por consumação)? Ou ela deve ser tratada como a queda de um teto? É isso que vai cair: infecção hospitalar! Deve ser equiparada à queda de um teto ou erro médico? Há divergência sobre isso. Na prova do Cespe caiu isso e eles foram pela maioria que equipara infecção hospitalar a erro médico (quem atirou responde por consumação porque a infecção hospitalar está na linha de desdobramento causal normal da causa concorrente – está no campo da previsibilidade).

“As concausas absolutamente independentes e relativamente independentes, essas quando preexistentes e concomitantes, norteiam-se pela causalidade simples do art. 13, caput. Já a concausa relativamente independente superveniente, norteia-se pela causalidade adequada, prevista no art. 13, § 1º.”

Até a relativamente independente e concomitante, você estava trabalhando com causalidade simples (Teoria da Conditio Sine Qua Non, equivalência dos antecedentes causais). A partir da relativamente superveniente, você não trabalha mais com causalidade simples, mas causalidade adequada.

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Conceito de causalidade adequada: “Somente haverá imputação do fato se, no conjunto das causas, fosse a conduta do agente, consoante as regras de experiência comum, a mais adequada à produção do resultado ocorrente.”

Reparem que quando eu falei de erro médico e de infecção hospitalar, eu trabalhei com regras de experiência comuns. E isso é uma causalidade adequada. Eu não vou olhar de forma simples. Muito doutrinadores dizem que o § 1º, do art. 13, que é o berço da imputação objetiva no Brasil. Tanto que o art. 13, § 1º, não trabalha com causalidade simples, trabalha com causalidade adequada. Se alguém perguntar se tem algum artigo com veia de imputação objetiva, a resposta é o art. 13, §1º que trabalha com causalidade adequada.

O que está faltando para a gente terminar relação de causalidade? Falta falar de relação de causalidade nos crimes omissivos.

4.6. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE NOS CRIMES OMISSIVOS

Vimos que há duas espécies de crimes omissivos: os próprios (ou puros) e os impróprios (ou impuros). Vamos analisar a relação de causalidade nos dois.

a) A relação de causalidade no crime omissivo PRÓPRIO

“Nessa espécie de infração penal, há somente a omissão de um dever de agir imposto normativamente, dispensando nexo de causalidade naturalístico (são crimes de mera atividade).”

Aqui só temos a omissão de um dever de agir. Eu não estou preocupado com o resultado. O que nos interessa vem a seguir.

b) A relação de causalidade no crime omissivo IMPRÓPRIO

“Nessa espécie de infração penal, o dever de agir é para evitar o resultado concreto. Estamos diante de um crime de resultado material, exigindo, consequentemente, a presença do nexo causal entre a ação omitida e esperada e o resultado.”

No próprio, nós vemos que o dever é de agir (ninguém está preocupado com o resultado). No impróprio, não. Eu quero vê-lo agir para evitar um resultado concreto. No crime omissivo impróprio eu tenho uma omissão e um resultado naturalístico. Neste crime, que exige um resultado material, consequentemente, eu terei a presença do nexo entre a ação omissiva esperada e o resultado. Vocês devem estar pensando: se do nada, eu nada fiz, que nexo é esse?

“Esse nexo, no entanto, para a maioria da doutrina não é naturalístico (do nada, nada surge). Na verdade, o vínculo é jurídico, isto é, o sujeito não causou, mas como não impediu, é equiparado ao verdadeiro causador do resultado.”

Na omissão própria o seu dever é de agir, eu não estou pensando em resultado naturalístico, não se questiona o nexo naturalístico. Na imprópria, o dever é de agir para evitar o resultado naturalístico. Se você não conseguir evitar, o resultado naturalístico existe. Então, existe um vínculo entre a sua omissão e aquele resultado. É que esse vínculo não é naturalístico,

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é jurídico. Você não produziu o resultado, mas como não o impediu, é equiparado ao verdadeiro causador. É o que a doutrina chama, não de nexo causal, mas de nexo de não impedimento. Zaffaroni chama de nexo de hesitação.

Se te perguntarem relação de causalidade nos crimes omissivos próprios, não existe resultado naturalístico no dever de agir, então eu não tenho que me preocupar com o nexo naturalístico. Nos crimes omissivos impróprios o dever de agir é para evitar um resultado naturalístico (eu tenho esse resultado). O problema é que eu tenho um resultado naturalístico e uma omissão! E, de acordo com a física, do nada, nada surge. Então esse nexo que existe entre a omissão e o resultado naturalístico não pode ser um nexo causal, físico, naturalístico. Na verdade, o nexo é de não impedimento ou não hesitação. Você tinha o dever de evitar o resultado, se não evitou, é equiparado ao verdadeiro causador físico. É uma equiparação jurídica.

Com isso, encerramos a relação de causalidade. Não vou mais falar sobre isso.

5. FATO TÍPICO: 4º ELEMENTO: TIPICIDADE PENAL

5.1. EVOLUÇÃO DA TIPICIDADE PENAL

1ª Fase: Para essa primeira fase, crime é um fato típico ilícito, culpável e um fato típico constituído de conduta, resultado, nexo e tipicidade penal – Nesta primeira fase, a tipicidade penal era sinônimo de uma tipicidade formal. Ou seja, para que o fato fosse penalmente típico, bastava uma tipicidade formal, isto é, mera operação de ajuste entre fato e norma. Sabe o que significa isso? Alguém subtraiu outrem. Bastava isso para a tipicidade penal. Por que? Porque subtrair coisa alheia móvel era fato típico. Acabou. A tipicidade evoluiu.

2ª Fase: Crime continua sendo fato típico, ilícito e culpável, sendo que o fato típico permanece com os seus elementos: Conduta, resultado, nexo e tipicidade penal. Mas a tipicidade penal agora passa a ser formal mais uma tipicidade material. Então a tipicidade não ficou limitada à operação de ajuste. Além da operação de ajuste, essa tipicidade formal, essa subsunção, precisa da tipicidade material. E o que é a tipicidade material? Produção de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Então, agora, não basta você subtrair coisa alheia móvel. Você tem que subtrair coisa alheia móvel produzindo intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Aí eu tenho tipicidade penal.

3ª Fase: Forma mais moderna de encarar a tipicidade penal: Que forma é essa? O fato típico continua sendo constituído de conduta, resultado, nexo e tipicidade penal. Mas a tipicidade penal é tipicidade formal, que vocês já dominam, mais tipicidade conglobante. É uma tipicidade formal, mais uma tipicidade conglobante. E o que é tipicidade conglobante? Nada mais é do que a tipicidade material mais atos antinormativos. Tipicidade formal eu sei o que é, é operação de ajuste. Tipicidade material eu sei o que é, é relevância da lesão ou perigo de lesão. O que significa ato antinormativo? É um ato não determinado ou não incentivado polêmico.

Se perguntarem a evolução da tipicidade, você tem a resposta. O que vou fazer agora? Vou aprofundar a terceira fase, que caiu no MP/MG e Delegado de Polícia.

(Fim da 1ª Parte da Aula)

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5.2. TIPICIDADE CONGLOBANTE

Vimos que o fato típico é constituído de conduta, resultado, nexo e tipicidade penal. E aí falamos que a tipicidade penal hoje é constituída de tipicidade formal, mais tipicidade conglobante. A tipicidade conglobante, por sua vez, se divide em tipicidade material e atos antinormativos.

A tipicidade formal, vocês já dominam, é a operação de ajuste. Tipicidade material vcs também já sabem, é a relevância da lesão ou perigo de lesão. E o que vem a ser atos antinormativos? Atos não determinados ou não fomentados, incentivados.

Assim está estruturada a tipicidade penal, de acordo com a doutrina moderna. Agora vamos aprofundar.

Qual a repercussão dessa nova estrutura? Vamos imaginar o seguinte (vou colocar três exemplos):

Vamos supor que eu, Rogério, subtraia o laptop de um aluno. Esse fato é típico? Houve conduta? Sim. Houver resultado? Sim. Tem nexo? Sim. Esse meu comportamento se ajusta a algum tipo penal? Sim. Furto. No passado, era o que bastava para eu afirmar a existência da tipicidade penal. No passado, havendo tipicidade formal, era o que bastava para bater o martelo na tipicidade penal. No passado! Hoje não basta mais. Hoje, além da tipicidade formal, para confirmar a tipicidade material, eu tenho que analisar a tipicidade conglobante.

Pergunto: Eu, ao subtrair o laptop do aluno promovi uma relevante lesão ao patrimônio dele? Sim. Então, tem tipicidade formal e tipicidade material. Ocorre, contudo, que a tipicidade conglobante não vive só de tipicidade formal e tipicidade material. Eu tenho que analisar se meu ato é antinormativo. Eu subtraí. A lei me incentivava a fazer isso? Tem algum dispositivo que me incentivava a isso? Não. O fato também é antinormativo.

Se o tipo material está presente e o ato é antinormativo, eu tenho tipicidade conglobante.

Eu subtraio uma caneta bic de um aluno. Esse fato é típico? Tem conduta? Produziu resultado? Sim. Existe nexo entre conduta e resultado? Sim. É penalmente típico? Veja, esse meu comportamento se ajusta a algum tipo penal? Sim. No passado, era o que já bastava para eu afirmar a existência da tipicidade penal. Hoje, além disso, eu tenho que ter a tipicidade conglobante. Existia lei incentivando a subtração? Não. Então foi um ato antinormativo. Agora eu quero saber: Uma caneta bic promove relevante lesão ao bem jurídico tutelado? Não. Então não tem tipicidade material e se não tem tipicidade material, não tem tipicidade conglobante. Apesar de haver tipicidade formal, o fato não é penalmente típico. Não é fato típico, desaparece o próprio crime.

Agora vocês entendem porque Roxin dizia que o princípio da insignificância exclui o fato típico. Por que? Porque ele elimina a tipicidade material, desaparece a tipicidade conglobante, não há tipicidade penal, não há fato típico. Não é crime.

Terceiro exemplo: Eu sou oficial de justiça e o juiz expede um mandado que eu tenho que cumprir: “vá apreender tais bens de tal devedor”. De posse desse mandado vou à casa do devedor

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e digo que tenho que entrar. Mesmo porque se eu não entrar, respondo até por crime de prevaricação, dependendo da hipótese. O devedor não me deixa entrar, peço auxílio policial, mediante violência, seguro o devedor, pego a TV de plasma e vou embora. Eu pratiquei um fato típico? A doutrina clássica costuma dizer que fato típico ele praticou, mas estava no estrito cumprimento de um dever legal. O oficial de justiça pratica vários fatos típicos, mas nenhum deles ilícito. Tipicidade formal tem. O oficial de justiça, formalmente, praticou um roubo. Mas esse roubo, formalmente típico, é o que basta? Não. Eu tenho que analisar a tipicidade conglobante. A TV de plasma representa patrimônio relevante? Sim, mas será que a conduta do oficial de justiça é um ato antinormativo? Ele agiu contrário à lei ou agiu determinado por lei. Agiu determinado pela lei. O CPC exige que ele aja desse modo, sob pena de responder até criminal e administrativamente. Então, o ato do oficial de justiça, apesar de formal e materialmente típico, não é antinormativo. É um ato normativo. E se é um ato normativo, não tem tipicidade conglobante, ele pode praticar o ato.

O que fez a tipicidade conglobante em apertada síntese? A partir do momento que atos normativos, isto é, determinados ou fomentados por lei, não são mais típicos, qual a repercussão prática na teoria geral do delito? O estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular de direito incentivado deixam de excluir a ilicitude para se tornar excludente da tipicidade.

Olha o que caiu no MP/MG: “Disserte sobre o estrito cumprimento de um dever legal e a tipicidade conglobante”. Fica ridículo isso. Ele queria que você falasse o que é estrito cumprimento de um dever legal, como a doutrina clássica encara a excludente da ilicitude e o que acontece quando adotamos a tipicidade conglobante. Ele migra para a tipicidade. Entenderam isso?

“Tipicidade Conglobante – trata-se de um corretivo da tipicidade penal. Tem como requisitos a tipicidade material (relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico) e a antinormatividade latu (ato não determinado ou não incentivado por lei).

A consequência da tipicidade conglobante é que o estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular de um direito incentivados por lei migram da ilicitude para o fato típico, servindo como causa de atipicidade.”

Obs.: Rogério Greco é examinador do MP/MG. Isso é Rogério Greco puro.

Então, você adotou a tipicidade conglobante? Sim. Então você não vai mais analisar o estrito cumprimento do dever legal como excludente da ilicitude para fins de atipicidade. Você não vai mais analisar o exercício regular de um direito identificado como causa excludente da ilicitude, mas da atipicidade.

Foi Zaffaroni que criou isso. Por que ele adota isso? Por que a tipicidade conglobante tem razão de ser? Se não houvesse a tipicidade conglobante, não viveríamos mais em um ordenamento jurídico. Viveríamos numa desordem jurídica. Por que? Porque eu teria o direito penal proibindo aquilo que o processo civil determina. No ordenamento jurídico, presume-se a ordem.

“De acordo com Zaffaroni, espera-se de um ordenamento jurídico “ordem”, isto é, os vários direitos determinando e incentivando os mesmos fatos (é uma incoerência o direito penal tipificar comportamentos que os outros ramos do direito determinam ou incentivam).”

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O que tinha de difícil no direito penal, acabou. Agora vamos fazer as pazes. Antes de partir para a ilicitude, quero analisar as duas espécies de tipicidade formal.

5.3. ESPÉCIES DE TIPICIDADE FORMAL

Vimos que para a tipicidade formal, o resultado naturalístico só existe nos crimes materiais. Para a tipicidade material, todo e qualquer crime tem resultado, porém o resultado jurídico. Para a tipicidade formal, o que importa é o resultado naturalístico. Crime que não tem resultado naturalístico tem uma tipicidade formal. Já para a tipicidade material, todo e qualquer crime vai ter analisado o resultado normativo.

A tipicidade formal tem duas espécies: duas formas de ajustar o fato à norma.

a) Tipicidade DIRETA ou IMEDIATA

Existe um ajuste (adequação) direta entre fato e a lei incriminadora. Se eu tenho, por exemplo, o art. 121, que pune, matar alguém, se, de fato, A mata B, há uma subsunção direta entre fato e lei incriminadora. Isso não cai nem no MOBRAL. O que cai? A segunda espécie de tipicidade formal:

b) Tipicidade INDIRETA ou MEDIATA

Aqui existe um ajuste indireto ou mediato entre fato e a lei incriminadora. É imprescindível recorrer-se das normas de extensão. Como assim? Art. 121 pune ‘matar alguém’. Que aconteceu de fato? A tentou matar B. Pergunto. Vocês conseguem ajustar o comportamento de A ao art. 121? Para você fazer isso, você precisa antes, socorrer-se do art. 14, II, que diz que a tentativa é punível. Então, houve um ajuste, uma subsunção indireta. Você precisou, primeiro, socorrer-se de uma norma de extensão.

Como se chama essa norma de extensão do art. 14, II? Norma de extensão temporal. Por que norma de extensão temporal? Porque estende, amplia a incriminação a fatos praticados anteriormente à consumação.

Exemplo: o art. 121 pune ‘matar alguém’. Olha o que aconteceu de fato: ‘A matou B enquanto C vigiava se alguém se aproximava’. O art. 121 pune matar alguém, com relação a A eu tenho a subsunção direta. Mas, e C? C matou alguém? Eu não consigo ajustar a conduta de C ao art. 121. Eu só consigo ajustar a conduta de C ao art. 121, se eu passar primeiro no art. 29, que diz: “quem de qualquer forma concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua participação.” Então, agora, eu posso ajustar C ao art. 121. Mas, para fazer isso, eu tenho que me socorrer de uma norma de extensão. A é jogado no art. 121 diretamente, C não, C é jogado no art.121, combinado com o art. 29. A subsunção é indireta com relação a A. Você em que anunciar, art. 121 combinado com o art. 29. O art. 29 serve para você ajustar o comportamento do partícipe e não para dizer que houve um concurso de agentes. A galera coloca todo mundo no art. 29 e não é assim. Vocês compreenderam essa nova norma de extensão? Essa é uma norma que alcança a pessoa, é uma norma de extensão pessoal e espacial. Serve para ampliar a incriminação, alcançando pessoas que não praticaram o núcleo.

Temos mais uma norma de extensão. É a norma do art. 13, §2º, chamada norma de extensão causal. Fato: 121, matar alguém. O que aconteceu de fato? Mãe deixa de amamentar o

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filho. Quem matou o filho? Não foi a mãe. Foi a inanição. Isso matou. Mas a mãe como tinha o dever jurídico de evitar o resultado, vai responder como se tivesse agido. É uma norma de extensão causal. Ela será equiparada à causadora. Nexo de não impedimento. Estão lembrados disso?

Terminamos fato típico. Quando se fala em crime, vocês estão lembrados de fato típico, conduta, resultado, nexo e tipicidade e agora vamos partir para a ilicitude. O que cair em concurso sobre fato típico, vocês tem no caderno.

ILICITUDE

1. CONCEITO

1.1. Conceito ANALÍTICO de Ilicitude – “Ilicitude é o segundo substrato do crime”. Fato típico é o primeiro. Ilicitude é o segundo.

1.2. Conceito MATERIAL de Ilicitude – “Por ilicitude (ou antijuridicidade) entende-se a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo, inexistindo qualquer exceção determinando, fomentando ou permitindo a conduta típica.”

‘Sabe o que significa ilicitude em resumo? Em resumo, é uma conduta típica não justificada.

2. RELAÇÃO DA TIPICIDADE COM A ILICITUDE

Olha a pergunta que eu vou fazer: “Qual é a relação da tipicidade com a ilicitude?” Ou seja, o fato sendo típico desperta algum juízo de valor no campo da ilicitude? Ou os dois são institutos absolutamente autônomos? Nós temos quatro correntes. Os seus livros falam em três porque misturam a terceira e a quarta como se fossem uma só. Mas são quatro correntes que discutem a relação da tipicidade com a ilicitude.

2.1. Corrente da Autonomia ou Absoluta Independência

O que diz essa corrente? “Tipicidade não gera qualquer juízo de valor no campo da ilicitude.” O que significa isso? Que são dois institutos absolutamente autônomos e, eventualmente, se desaparecer a ilicitude, o fato típico permanece. O fato típico não desperta nada no campo da ilicitude, então o que acontecer com a ilicitude não interessa ao fato típico. Ele subsiste.

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2.2. Teoria da Indiciariedade ou Ratio Cognoscendi

Isso significa que a tipicidade gera suspeita de ilicitude. É o mesmo que dizer: presume relativamente a ilicitude. Gera indícios, suspeita.

Eu sei que crime é fato típico, ilicitude e culpabilidade. O fato típico desperta indícios de ilicitude. Mas presta atenção: se eventualmente, os indícios desaparecerem, o fato típico persiste. Será um fato típico não ilícito. Desaparecendo a ilicitude, o fato típico permanece, só não gera mais ilícito.

2.3. Teoria da Absoluta Dependência ou Ratio Essendi

Para a teoria da absoluta dependência ou ratio essendi, a ilicitude é a essência da tipicidade. Significa o quê? O fato só permanece típico se também ilícito.

Então, crime é fato típico, ilicitude e culpabilidade. Mas o fato típico só permanece típico, se também ilícito. Se desaparecer a ilicitude, desaparece o fato típico. Então, aqui surge o famoso tipo total do injusto.

Lá na primeira, desaparecendo a ilicitude, permanece o fato típico. Na segunda, desaparecendo a ilicitude, permanece o fato típico. Na terceira, desaparecendo a ilicitude, o próprio fato típico também desaparece. É o tipo total do injusto.

2.4. Teoria dos Elementos Negativos do Tipo

Olha que importante: Esta teoria alcança o mesmo resultado da anterior, porém, por caminhos diversos.

Vamos entender: qual é o caminho dessa teoria? Ela diz que o tipo penal é constituído de elementos positivos e elementos negativos. O elemento positivo deve ocorrer para a tipicidade. O elemento positivo tem que ocorrer para que o fato seja típico. E o elemento negativo? Não pode ocorrer para permanecer típico.

Vamos imaginar o art. 121, do Código Penal. Vamos tomar esse artigo como exemplo. O que tem que acontecer para que o fato seja típico? Matar alguém. O ‘matar alguém’ é um elemento positivo. Tem que ocorrer para a tipicidade. E qual é o elemento negativo? O elemento negativo é sempre implícito em qualquer tipo penal. Qual é o elemento negativo? Estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de um dever legal e exercício regular de direito.

Essa teoria vê todo e qualquer tipo penal assim: “É crime matar alguém, salvo em caso de necessidade, salvo em legítima defesa, salvo no estrito cumprimento de um dever legal....” As causas excludentes passam a ser elementos de todo e qualquer tipo penal. Ela chega no mesmo resultado da anterior, porém por caminhos diversos.

Essas causas que nós encaramos como excludentes da ilicitude, para a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo, ela passa a ser elemento negativo do próprio tipo penal.

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Qual dessas quatro teorias nós adotamos? É a parte mais difícil. Por quê? Porque a doutrina penal fala uma coisa, mas a realidade, vocês vão ver que é outra. A doutrina penal diz que nós adotamos a Teoria da Indiciariedade. É a que prevalece. Paulo Rangel discorda. Ele adota a Teoria da Ratio Essendi. Uns dizem que ele adota a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo. Mas não importa. Ele adota uma das duas. Prevalece, contudo, que o Brasil adota a Teoria da Indiciariedade. Se eu digo que prevalece isso, você já parte do pressuposto que a tipicidade no Brasil gera suspeita de ilicitude. Qual a importância de saber isso? A Teoria da Indiciariedade presume ilicitude. Se a Teoria da Indiciariedade presume a ilicitude, quem tem que comprovar a legítima defesa? Quem tem que comprovar o estado de necessidade? O réu. Você inverte o ônus da prova. Ao promotor compete provar o fato típico: conduta e resultado, nexo e tipicidade, que presume a ilicitude. Paulo Rangel discorda. Ele entende que o promotor tem que provar todos os elementos do crime. O autor deve comprovar todos os requisitos do crime.

Parece que a reforma do CPC deu razão para Paulo Rangel. Por que? Art. 386, do CPP:

“Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...)

        IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

        V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

        VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)”

Pessoal, se o ônus da prova é da defesa, não cabe o in dubio pro reo e o art. 286 está

permitindo o in dubio pro reo na discriminante. Vocês conseguiram entender isso? Se prevalece a Teoria da Indiciariedade, o promotor, provando que o fato é típico, presume a ilicitude. Quem tem que comprovar a legítima defesa é o réu. Se o ônus da prova é do réu, não se aplica o in dubio pro reo. O CPP está admitindo o in dubio pro reo e se é assim, significa que ele está transferindo o ônus da prova para o promotor. Olha que esquisito: no direito penal prevalece a Teoria da Indiciariedade. A minoria discorda. Mas parece que a minoria ganhou força com a reforma (art. 386, VI, do CPP).

“Prevalece no direito penal a Teoria da Indiciariedade, ou seja, fato típico presume ilicitude. Assim, o ônus da prova da descriminante é da defesa. A reforma do CPP, no entanto, parece concluir que o ônus da prova é da acusação (negando a indiciariedade), ao expor no art. 386, VI, que o juiz, na dúvida quanto a descriminante deve absolver.”

3. CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE

Quais são os sinônimos de causas excludentes da ilicitude? Descriminantes ou justificantes. Se alguém pedir para você falar de descriminantes ou justificantes, estará pedindo para você falar de causas excludentes da ilicitude. É a mesma coisa.

As causas excludentes da ilicitude estão no art. 23, do Código Penal:

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  “Exclusão de ilicitude

        Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

        I - em estado de necessidade;

        II - em legítima defesa;

        III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”

Será que só temos essas? Você vai lembrar que existem causas excludentes da ilicitude na Parte Especial do Código Penal. São duas hipóteses especiais de exclusão da ilicitude:

Abortamento permitido (art. 128) e

Imunidades nos crimes contra a honra (art. 142)

E na legislação penal extravagante, há causas de excludente da ilicitude?

Lei de Crimes Ambientais - Lei 9605/98

E na Constituição Federal? O exemplo, neste caso, é divergente (o Supremo, por exemplo, discorda):

Imunidade parlamentar absoluta – O STF entende que a imunidade parlamentar absoluta exclui tipicidade.

E uma causa supralegal de exclusão da ilicitude (que não está prevista em lei):

Consentimento do ofendido

4. ILICITUDE x ANTIJURIDICIDADE

A expressão correta para denominar o segundo substrato do crime é ilicitude ou é antijuridicidade?

4.1. 1ª Corrente – São termos sinônimos.

4.2. 2ª Corrente – Tem como adepto, Francisco de Assis Toledo: O correto é ilicitude. Francisco de Assis Toledo lembra o seguinte: O Código Penal usa ilicitude. Só aí já é um argumento suficiente para você não utilizar antijuridicidade. Sempre que o CP fala, fala em ilicitude (causa de exclusão da ilicitude, potencial consciência da ilicitude...). Por que o CP usa esse termo ilicitude? Pensem no seguinte: crime é fato típico, ilícito e culpável. Se o fato típico é um fato jurídico e se você entender que o segundo substrato do crime fosse a antijuridicidade, como pode ser um fato, jurídico, e, sem seguida, antijurídico? O crime precisa dos dois: o crime precisa do fato típico (jurídico) e do antijurídico. Como é que pode uma coisa ser e, em seguida, não ser? Como é possível você conviver com um fato que é jurídico e, sem seguida, antijurídico? Ele é ou não é jurídico? Essa é a contradição encontrada por Francisco de Assis Toledo. Então, como ele prefere chamar? Ao invés de antijuridicidade, ilicitude, para evitar essa contradição.

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