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Direito Penal II Leonor Branco Jaleco 1 DIREITO PENAL II TEORIA GERAL DO CRIME A teoria geral da infração não surge, nas suas formulações tradicionais, como uma teoria da decisão penal, mas antes como uma teoria sobre a definição do crime. Assim, o que a teoria europeia de inspiração germânica costuma propor é o estudo da essência do crime a partir das características comuns a todas as figuras de crime contidas num código penal, propondo que se desenhem através dessa essência e dessas categorias os passos lógicos que conduzirão o intérprete no processo de qualificação de um facto concreto como crime. Admite-se assim que todas as figuras previstas no CP como crimes – homicídios, roubos, violações, etc. – justificam a aplicação da pena respetiva, na medida em que são espécies de um mesmo género, o crime. É assim unânime na doutrina que o Direito penal é hoje um Direito penal do facto, abarcando um duplo sentido: 1. Toda a regulamentação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e à sua personalidade; 2. As sanções aplicadas ao agente constituem consequências daqueles factos singulares e neles se fundamentam, não são formas de reação contra determinado tipo de personalidade. Existem duas formas de definir o conceito: a) A partir das qualidades dos entes que integram o conceito – definição em compreensão; b) Elencando os elementos relacionados com determinada categoria – definição em extensão. Este grupo de objetos permite a ideia de determinada evolução, uma vez que determinado ente que surge posteriormente à criação deste grupo pode vir a integrar o mesmo, por corresponder a uma experiência semelhante à dos grupos originais. Nesta aceção, deve ser dito que a construção dogmática do conceito de crime é, em última análise, a construção do conceito de facto punível. O facto constitui então o fundamento e o limite dogmáticos do conceito geral de crime. A tentativa de apreensão dogmática do conceito jurídico-penal de facto ocorreu quase sempre, durante os dois últimos séculos, na base de um procedimento categorial-classificatório, através do qual se toma como base um conceito geral – o conceito de ação. Tal significa alcançar uma sua compreensão unitária através da consideração sucessiva dos seus elementos constitutivos através de uma sua compreensão lógico-sistemática. Assim se chega à compreensão do facto – e, portanto, de todo e qualquer crime – como conjunto de cinco elementos: 1) Ação – comportamentos dominadas ou domináveis (no caso de negligência) pela vontade; 2) Tipicidade; 3) Ilicitude – não são justificados excecionalmente pela realização de valores juridicamente relevantes (como poderia acontecer, por exemplo, num homicídio em legítima defesa); 4) Culpa – não são desculpáveis por força de um qualquer estado psicológico de enfraquecimento da liberdade de determinação vivido pelo agente. Para que haja culpa, é

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Direito Penal II Leonor Branco Jaleco

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DIREITO PENAL II

❖ TEORIA GERAL DO CRIME

A teoria geral da infração não surge, nas suas formulações tradicionais, como uma teoria da decisão

penal, mas antes como uma teoria sobre a definição do crime. Assim, o que a teoria europeia de

inspiração germânica costuma propor é o estudo da essência do crime a partir das características

comuns a todas as figuras de crime contidas num código penal, propondo que se desenhem através

dessa essência e dessas categorias os passos lógicos que conduzirão o intérprete no processo de

qualificação de um facto concreto como crime.

Admite-se assim que todas as figuras previstas no CP como crimes – homicídios, roubos, violações,

etc. – justificam a aplicação da pena respetiva, na medida em que são espécies de um mesmo género,

o crime.

É assim unânime na doutrina que o Direito penal é hoje um Direito penal do facto, abarcando um

duplo sentido:

1. Toda a regulamentação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos singulares e à sua

natureza, não a tipos de agentes e à sua personalidade;

2. As sanções aplicadas ao agente constituem consequências daqueles factos singulares e neles

se fundamentam, não são formas de reação contra determinado tipo de personalidade.

Existem duas formas de definir o conceito:

a) A partir das qualidades dos entes que integram o conceito – definição em compreensão;

b) Elencando os elementos relacionados com determinada categoria – definição em extensão.

Este grupo de objetos permite a ideia de determinada evolução, uma vez que determinado

ente que surge posteriormente à criação deste grupo pode vir a integrar o mesmo, por

corresponder a uma experiência semelhante à dos grupos originais.

Nesta aceção, deve ser dito que a construção dogmática do conceito de crime é, em última análise, a

construção do conceito de facto punível.

O facto constitui então o fundamento e o limite dogmáticos do conceito geral de crime. A tentativa

de apreensão dogmática do conceito jurídico-penal de facto ocorreu quase sempre, durante os dois

últimos séculos, na base de um procedimento categorial-classificatório, através do qual se toma como

base um conceito geral – o conceito de ação. Tal significa alcançar uma sua compreensão unitária

através da consideração sucessiva dos seus elementos constitutivos através de uma sua compreensão

lógico-sistemática.

Assim se chega à compreensão do facto – e, portanto, de todo e qualquer crime – como conjunto de

cinco elementos:

1) Ação – comportamentos dominadas ou domináveis (no caso de negligência) pela vontade;

2) Tipicidade;

3) Ilicitude – não são justificados excecionalmente pela realização de valores juridicamente

relevantes (como poderia acontecer, por exemplo, num homicídio em legítima defesa);

4) Culpa – não são desculpáveis por força de um qualquer estado psicológico de

enfraquecimento da liberdade de determinação vivido pelo agente. Para que haja culpa, é

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necessária uma certa medida de conhecimento, de capacidade e de liberdade de motivação

pela norma.

5) Punibilidade.

Evolução histórica da doutrina geral do facto punível

Distinguem-se três grandes períodos ou fases de evolução da doutrina do facto punível:

➢ Escola Clássica de BELING e VON LIZST

Tem uma notória influência naturalista e juspositivista. A conceção clássica assenta numa visão do

jurídico decisivamente influenciada pelo naturalismo positivista que caracterizou o monismo

científico próprio de todo o pensamento da segunda metade do séc. XIX.

O problema de que se ocupava esta escola era o de uma definição de crime que permitisse aos

tribunais a qualificação dos factos como crime – o que está em causa é um conceito aparente (é apenas

uma forma lógica que nos permite integrar e arrumar conteúdos conhecidos e dispersos).

Também o direito teria como ideal a exatidão científica própria das ciências da natureza e a ele

deveria incondicionalmente submeter-se de modo a que, da mesma forma, o sistema do facto punível

haveria de ser apenas constituído por realidades mensuráveis e empiricamente comprováveis,

pertencessem elas à facticidade objetiva do mundo exterior ou antes a processos psíquicos internos

(subjetivos).

A atividade criminal, para a escola clássica assenta no seguinte conceito: o crime deve ser uma ação

típica, ilícita e culposa. A teoria clássica causal-naturalista concebeu este conceito de crime a partir de

um método categorial-classificatório.

Esta definição acaba por se manter no direito penal continental, no entanto, o conteúdo dos elementos

e a forma como os mesmos se relacionam terão mudado, não sendo sempre os mesmos. FERNANDA

PALMA entende que parece ser correta a ideia de crime como conceito prático e funcional e não

estático.

A bipartição defendida pela escola clássica assentava em duas vertentes distintas, que formariam o

conceito de crime:

(a) Vertente objetiva – agrupa os elementos constitutivos da tipicidade e ilicitude, sendo que a

ação seria o movimento corporal determinante de uma modificação do mundo exterior,

ligada causalmente à vontade do agente. Isto é, a vontade seria a chave mestra do conceito de

ação aqui descrito, sendo a ação típica sempre que fosse lógico-formalmente subsumível a

um tipo legal de crime, numa descrição completamente estranha a valores e a sentidos. Ação

essa que se tornaria ilícita se no caso não houvesse uma causa de justificação, ou seja, uma

situação que a título excecional tornasse a ação lícita, aceite ou permitida pelo Direito, como é

o caso da legítima defesa.

(b) Vertente subjetiva – concentra-se na categoria da culpa. A ação típica e ilícita tornar-se-ia em

ação culposa sempre que fosse possível comprovar a existência, entre o agente (imputável) e

o facto objetivo, de um nexo psicológico, suscetível de legitimar a imputação do facto ao

agente a título de dolo (conhecimento e vontade de realização do facto) ou de negligência (a

conduta adotada não foi suficiente para impedir a prática do facto, deficiente vontade

impeditiva de prever corretamente a realização do facto).

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➢ Escola Neoclássica

Os seus fundamentos devem procurar-se no normativismo jurídico de raiz neokantiana das primeiras

décadas do séc. XX. Sustentam que o importante no sistema são os valores por referência aos quais o

sistema é construído e trabalhado; defende então a autonomia dos valores face à realidade empírica.

Defende o tipo como fundamento do ilícito, mas mantém o caráter objetivo do mesmo, isto é, não

inclui momentos de violação do dever, o dolo ou a negligência, senão em certos casos em que o tipo

inclui explicitamente momentos subjetivos, como a exigência de uma especial intenção.

As causas de justificação são elementos negativos do tipo e a culpa tem uma componente psicológica,

contida no dolo ou na negligência, e uma componente normativa, a censurabilidade ético-social do

agente.

➢ Escola Finalista de WELZEL

É orientada por uma conceção ôntica ou regional-ontológica do direito, ligada à fenomenologia e a

uma filosofia material dos valores.

Mantém a perspetiva de um tipo indiciador e descritivo da Escola Clássica, mas inclui nele o

momento subjetivo da ação, por força do conceito de ação final que propugna. Retira, assim, da culpa

o dolo e torna a culpa um mero juízo normativo de censurabilidade do agente, esvaziando-a do objeto

factual. A ilicitude é constituída pelo desvalor da ação e do resultado, sendo portanto um juízo

normativo, mas também objetivo-subjetivo.

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Esquematizando as três Escolas:

Clássica Neoclássica Finalista

Ação Causal (conceito biológico de vontade; alguém condiciona e altera exteriormente o mundo); conceção tão ampla que permite ab initio considerar comportamentos como o da coação moral relevantes; MAS: os comportamentos omissivos e outros comportamentos socialmente significativos eram, desde logo excluídos. Para que haja ação basta que exista a vontade como causa de um comportamento. A ação final orienta-se pela escolha de um determinado agente. Para esta Escola, o primeiro juízo de verificação do facto basta-se com uma constatação mínima de voluntariedade. (*1)

Social Desvaloriza o conceito de ação; Preocupa-se mais com os significados sociais e culturais das ações; Ação como comportamento socialmente significativo; (*2)

Final HANS WELZEL Valoriza o conceito de ação; O homem dirige finalisticamente os processos causais naturais em direção a fins mentalmente antecipados, escolhendo um meio para tal. Criticava o conceito amplo da escola clássica, considerando que este não exprime a especificidade do comportamento humano; Objetivo: procede a uma triagem fundamental de distinção dos comportamentos especificamente humanos e aqueles que não o são; será aquela que exprima a liberdade de decisão do agente; Reconduz a negligência a uma finalidade potencial (à que poderia ter existido no sentido de evitar o resultado criminoso; WELZEL indica que a liberdade poderá ser potencial (o agente tinha condições de evitar aquele resultado) (*1)

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Típica A ideia de tipicidade não é totalmente inovadora em BELING; corresponde a um tipo/ao conceito de Tatbestand de que BELING fala; Todavia, em BELING, numa primeira fase (teoria do crime; Die Lehre der

Tatbestand) que é novo é uma certa definição de tipo, sendo para BELING o tipo um elemento autónomo do conceito de crime, assumindo uma função: a verificação da tipicidade é o primeiro elemento que se tem que verificar para se dizer que aquele matéria de facto corresponde a um crime; O tipo para BELING é o tipo ilícito que é a parte objetiva do tipo que exprime ou que descreve a ação proibida – é, basicamente, a tipicidade objetiva; Não mistura o objeto da valoração com a valoração do objeto (Importante). (*3)

Já não se faz uma descrição formal-externa de comportamentos, mas trata-se de uma unidade de sentido socialmente danoso, como comportamento lesivo de bens juridicamente protegidos, para os quais relevam não só elementos objetivos como subjetivos. (*4)

É logo na tipicidade que tem de se verificar se houve dolo; A tipicidade vem constatar a finalidade da ação. O juízo do tipo indiciador é sempre um tipo descritivo; contrariamente, aqui o tipo é constituído por uma vertente objetiva (elementos descritivos do agente, da conduta e do seu circunstancialismo) e por uma vertente

subjetiva (o dolo ou, eventualmente, a negligência). Sobra apenas para a culpabilidade a censurabilidade – o comportamento é ético-socialmente censurável? (não o dolo e negligência uma vez que os nexos psicológicos já estão tratados); é apenas um juízo negativo de valor.

Ilícita A ilicitude passa não só pela antinormatividade daquele comportamento como por não existirem causas de exclusão de ilicitude (como aqueles que vêm previstas no Código Penal (CP) ou outras disposições do OJ); Trata-se aqui de um juízo valorativo e não já meramente descritivo: facto ilícito é o que contradiz a Ordem Jurídica; atribui-se à tipicidade um mero papel de indício dessa contradição.

(*4) Só da conjugação das duas vertentes (objetiva e subjetiva) da tipicidade pode resultar o juízo de contrariedade da ação à OJ, o juízo de ilicitude (que não será causal, mas sim pessoal); A ilicitude deixou de se basear no desvalor do resultado e passou a basear-se no desvalor

da ação.

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Culposa Análise da parte subjetiva do comportamento (nexos psicológicos estabelecidos entre o agente e o seu comportamento): a culpabilidade, que tem como elementos subjetivos o dolo e a negligência; Volta a verificar-se se houve vontade com sentido doloso; Comportamento de inimputáveis: apontam que os comportamentos dos inimputáveis não seriam culposos. FIGUEIREDO DIAS critica tal solução, pois também o inimputável pode agir com dolo ou negligência.

A culpabilidade é remetida para os momentos psicológicos; censurabilidade ética-social para além do dolo e da negligência. Há aqui um juízo valorativo importante a fazer que é o juízo de censura.

Temos agora apenas um momento de valoração de se o comportamento do agente é merecedor de censura ou não; a culpa já está despida dos elementos subjetivos (que passaram para o tipo); Passa a ser um mero

juízo de desvalor.

(*1) O conceito de ação causal não tinha as exigências para cumprir o princípio da legalidade (não

incluía omissões); não tinha uma valia sistemática para gerar, por força da sua organização interna,

critérios e soluções para problemas, embora tivesse uma valia classificatória razoável.

Pelo contrário, o conceito de ação final pretendia ser mais racional do ponto de vista das finalidades

da responsabilidade penal porque procurava identificar como base da determinação da

responsabilidade criminal as características do comportamento do humano que justificariam a

responsabilidade penal.

Em termos de valia sistemática e de conceito, que permitia inferir outros conceitos ou critérios que

permitem resolver problemas de responsabilidade penal, era um conceito com mais valia sistemática.

No entanto, os críticos (e até WELZEL o reconheceu) acentuavam que se este conceito assentava na

vontade, ainda assim não abarcava um grande valor classificatório e, nesse sentido, perguntavam

para que é que servia este conceito que parece que se moldava apenas pelo comportamento ativo.

HANS WELZEL entende que talvez não se tivesse exprimido com precisão, uma vez que nunca

utilizou o conceito de fim como conceito associado a uma consciência refletida de um objetivo e à

produção consciente de um objetivo e dá o seguinte exemplo: a criança que constrói castelos de areia,

também há aqui uma ação final MAS na realidade para que é que se está a construir castelos de areia?

Aqui não se pode dizer que não há uma conduta voluntária, mas não estamos diante de um

comportamento com determinado fim ou meta. A ideia de fim para WELZEL era antes uma ideia de

condutibilidade/de autonomia (no sentido de ser o agente que conduz até aos resultados e

consequências o seu comportamento) (de condução final do comportamento). A ação especificamente

humana é aquela que é controlável e conduzível pelo agente (que este controlou ou pode controlar).

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Assim, ambas as Escolas propõem como condição primeira da qualificação de um facto como crime

a sua natureza de comportamento voluntário exteriorizado. A diferença essencial entre as duas

consiste na compreensão da vontade e do conceito de voluntário significativos para o Direito penal:

(a) Para a Escola Clássica, a vontade compreende-se como causa de movimentos corpóreos numa

perspetiva naturalística. O primeiro juízo de verificação do facto basta-se com uma

constatação mínima de voluntariedade.

(b) Para a Escola Finalista, a vontade é uma especificidade do comportamento humano,

correspondendo à condução/condutibilidade para fins ou objetivos concretos previamente

selecionados. O primeiro juízo de verificação do facto exige uma ação final (real ou potencial).

Quanto às omissões, WELZEL viria a concluir que ações reais e possíveis são iguais na respetiva

dignidade ontológica, sendo a possibilidade efetiva de ação o momento pré-valorativo e objetivo em

que se apoiaria o crime omissivo, para além da violação do dever.

(*2) Porque é que a escola neoclássica não se ocupa tanto com o conceito de ação? Há uma fonte

filosófica – o pensamento de BELING e VON LIZST – exprimia um pensamento científico. Esta visão

é completamente posta em causa pela Escola Neoclássica desde meados do séc. XIX

O papel de KANT na chamada teoria de conhecimento: superação de uma grande distinção de

conceções de conhecimento:

a) Conceção racionalista – tem o seu apogeu em DESCARTES, que explica todo o conhecimento

em função da razão. Os racionalistas fazem uma separação total entre a razão e a experiência.

b) Tradição de LOCKE – toda a fonte do conhecimento é a experiência. Os empiristas dão um

papel bastante limitado à razão, dando ênfase à experiência.

KANT demonstra que o conhecimento depende de vários fatores, defendendo que o conhecimento

não se pode alcançar nem sem a razão nem sem os dados da experiência. Na teoria da razão pura

vem defender que o conhecimento depende de determinadas fórmulas, como o espaço e o tempo.

O produto do conhecimento é uma modelação da realidade.

A ideia fundamental de KANT é a de que não podemos saber se existe Deus a partir da experiência,

nem a partir das formas da razão pura. Temos antes de recorrer a uma razão prática que é chamada

a intervir e a decidir como decidir a vida. É esta razão prática que estimula a necessidade de conduzir

a vida e que suscita determinadas formas. Há um certo pragmatismo.

Os neokantianos vêm reconhecer que o conhecimento no Direito não tem a ver com a realidade

sensível diretamente, mas também acabam por admitir que todo o conhecimento, seja nas ciências da

natureza, seja nas ciências do espírito, normativas, é configurado pela razão do sujeito do

conhecimento, mas esta configuração é produtiva e constitutiva, são as formas da razão prática que

vêm retirar do pensamento de Kant esta ideia de autonomia da razão.

(*3) A tipicidade focava-se na espécie e no tipo de mudança exterior que ocorreu/objetivamente

causada. A tipicidade era realmente elemento do crime, enquanto se focava na estrutura objetiva do

facto causal.

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BELING teorizou, numa primeira fase, a tipicidade como um verdadeiro juízo autónomo; o crime

seria, antes de mais, o facto (ação) análogo ou correspondente ao facto descrito na norma, que se

idealizou como ilícito e culposo. A tipicidade seria uma qualificação lógica e classificatória do facto

criminoso.

O tipo era também descritivo, de modo que a constatação da adequação do facto à lei era um mero

juízo de facto sem ponderação valorativo.

A escola clássica entendia então o crime como um comportamento externo-objetivo, que fosse

adequado à descrição do facto na lei penal, relativamente ao qual não existisse qualquer norma

permissiva e em que o agente tivesse vontade, num sentido psicológico, de realizar o facto. A

tipicidade seria então um elemento do crime, a par da ilicitude e da culpa.

BELING veio entender a tipicidade, numa segunda fase, não como uma valoração ou qualidade do

facto criminoso, mas apenas um enquadramento ou delimitação da ilicitude; o tipo passou então a

ser visto como a necessária referência de ilicitude (contrariedade ao Direito), um quadro legal da

descrição do facto; MAS de facto na primeira fase – a mais marcante – realmente a tipicidade era um

elemento do conceito de crime que correspondia à parte objetiva da ação.

Quanto à culpabilidade, para ela se remetiam os nexos psicológicos e a vontade do agente. A

culpabilidade seria descritiva.

(*4) Os neoclássicos reconstroem toda a definição do crime a partir da fusão entre a tipicidade e

ilicitude. O ponto de partida dos neoclássicos é a contrariedade a normas jurídicas.

Na sua construção sistemática, não há lugar à autonomização de um tipo indiciador do

comportamento concreto à norma porque para eles a afirmação da tipicidade é já a afirmação da

antinormatividade (é objetiva; os elementos subjetivos não cabem na tipicidade). A ideia é a de que,

se o comportamento é típico, é proibido, porque coloca em causa um valor do Direito. A tipicidade é

assim a razão de ser da ilicitude.

Os autores neoclássicos consideram que o tipo legal não é mais do que uma valoração de

comportamentos lesivos de bens jurídicos e que é através da descoberta dessas valorações que se

atinge o resultado final da qualificação jurídica do facto.

Enquanto a teoria clássica da ilicitude é adequada ao caráter secundário e sancionatório do Direito

penal, a teoria neoclássica, com o seu normativismo penal, é a expressão de valorações específicas do

legislador penal na incriminação das condutas e de uma justificação autónoma das normas penais.

Estes autores, contudo, tiveram que reconhecer que há determinados casos em que esta visão só é

possível em determinados tipos de crime, uma vez que em bom rigor, os elementos subjetivos não

estão todos na culpa (exemplo típico: crime de furto – este tipo inclui desde logo a própria intenção

de apropriação).

As causas de exclusão de ilicitude têm como papel, uma vez justificado o facto, excluir a valoração

desse facto como contrário à OJ.

Como os neoclássicos não distinguem o tipo da ilicitude, surge um problema em termos de

metodologia: numa primeira avaliação, o Tribunal vem reconhecer que há indícios de um crime de

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homicídio e, num segundo momento, esses indícios podem ser não confirmados mas sim infirmados

porque, por exemplo, há uma legítima defesa.

MAS: para os neoclássicos, as causas de exclusão de ilicitude figuram na análise da tipicidade e assim,

são elementos negativos do tipo.

FERNANDA PALMA sustenta que a tipicidade já contém um momento de imputação que pressupõe

uma avaliação comparativa do sentido do facto legal e o facto concreto; contudo, é também verdade

que a tipicidade não pode ser utilizada apenas como produto de uma valoração em concreto. Deve

haver um primeiro momento, na qualificação de um facto como crime, em que se averigua a própria

possibilidade de uma ulterior imputação. Afirmar a tipicidade não deve, assim, ser o mesmo que

imputar definitivamente, mas verificar simplesmente os pressupostos lógicos e fáticos de uma

possível (e ulterior) imputação, realizando uma leitura social do facto e analisando a sua coincidência

lógica e social com o facto descrito na norma.

Em comum às três Escolas ficaram os tipos de categoria, a arrumação dos elementos psicológicos no

tipo e a aceitação do ilícito pessoal.

❖ O CONCEITO DE AÇÃO

1. Ação Final:

Os finalistas pretendiam realizar, através da técnica de imputação penal do crime, um modelo de

responsabilidade baseado na ação livre e responsável dos indivíduos, em que eles agiriam em face

das normas que lhes eram dirigidas, orientando assim a sua conduta.

A ação final é então baseada num relacionamento entre o indivíduo e a norma, tendo esta a função

de o orientar para respeitar os valores jurídicos. assim, só as ações finais seriam objeto possível de

proibição.

A ação final não dependerá, pois, de contextos culturais ou sociais, sendo antes vista como estrutura

empiricamente observável, sendo o juízo de culpa dependente de critérios ético-sociais.

FIGUEIREDO DIAS critica este conceito final de ação, por não cumprir a sua função primária de

classificação e por não abarcar a totalidade das formas básicas de aparecimento do facto punível –

abrange apenas crimes dolosos de omissão, excluindo os crimes de omissão e de negligência.

2. Conceito Funcionalista:

Há já no pensamento finalista um sinal de funcionalismo, que concebe a definição do crime em função

dos fins da sociedade ou de uma necessidade de estabilização das expectativas sociais.

O funcionalismo está preocupado em trabalhar o crime por referência aos fins do sistema. O

pensamento funcionalista, aplicado à teoria geral da infração como uma nova opção de pensamento

sistemático, reconstrói a lógica dos sistemas (clássico, neoclássico e finalista) através da ideia de

adaptação funcional da própria definição de crime à tarefa de integração no sistema dos seus

destinatários.

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(1) Teleológico (ROXIN e FIGUEIREDO DIAS) – para ROXIN, os fins do sistema são os fins das

penas, sobretudo os fins de prevenção, à luz dos quais as categorias vão ser pensadas e

trabalhadas. Assim, por exemplo, a inclusão do dolo no tipo justifica-se pela função

(preventiva) de motivação de condutas atribuída à norma que justifica um ilícito pessoal.

Doloso será o comportamento adequado à pena de dolo e cujas características são fixadas na base

de decisões valorativas político-criminais e não resultam de quaisquer características ontológicas

ou mesmo definidas socialmente do agir humano. Assim, o dolo eventual fronteiriço da

negligência, corresponde a uma decisão pela possível lesão do bem jurídico, como expressão de

uma superior motivabilidade pela norma e de uma consequente justificação de uma prevenção

especial e geral mais intensa.

Diferentemente do funcionalismo sociológico, em que os valores do sistema não protagonizam as

suas figuras e soluções, este funcionalismo coloca os conteúdos valorativos de um determinado

sistema penal no plano central. A necessidade da pena, a prevenção especial, a dignidade da

pessoa e os valores constitucionais do Estado de Direito são os crivos, os tópicos que decidem

os critérios da responsabilidade e da graduação da pena.

A categoria geral da ação ou do comportamento humano não é o ponto central do sistema. É o

comportamento típico, interpretado segundo os valores gerais do sistema, que expressará os

valores particulares da situação concreta.

Este funcionalismo teleológico que, numa vertente mais moderada, integra o pensamento de

FIGUEIREDO DIAS, tende a não extrair qualquer operatividade para as categorias de imputação

penal de outros sistemas de construção ou definição da realidade.

(2) Sistémico (JAKOBS) – já para JAKOBS, o fim essencial é o de garantir a vigência das próprias

normas. O ilícito pessoal já não tem a ver com a ação final. Para JAKOBS, o comportamento

doloso define-se pela avaliação feita pelo agente, no momento de ação, de que a realização do

tipo como consequência da ação não é improvável, prescindindo de qualquer relevância

autónoma de momentos psicológicos (desejos ou estados mentais) ou, ainda, de momentos de

atitude (decisão pela lesão de bens jurídicos); ou seja, a imputação objetiva exige que o agente

crie um risco proibido.

JAKOBS afirma ainda que os autores negligentes afetam menos a validade da norma do que os

dolosos, pois a negligência resulta da incompetência do autor para servir a sua própria esfera, não

podendo avaliar, dada a sua desatenção, as próprias consequências do seu agir. Já para o autor

doloso, as consequências fáticas e lesivas da sua ação são aceitáveis e a norma jurídica reguladora

é diretamente posta em causa pela natureza da própria conduta.

O que resulta do critério de JAKOBS é que a função de preservação da validade das normas

justificará, em situações concretas, que se prescinda de qualquer avaliação da atitude segundo

critérios de valor (bem/mal) próprios da ética, admitindo-se a qualificação do comportamento

como doloso, em última análise, onde a atitude do agente não revele uma carga ética muito

intensamente negativa (como, por exemplo, não seria excluído o dolo eventual no homicídio

provocado por um foguete mal lançado para o ar, numa festa desportiva, que mata, com um grau

de probabilidade baixo, o espectador no outro extremo do estádio, num contexto motivacional

próprio de uma festa de claque).

O critério de JAKOBS é o da evitabilidade: olhamos para o agente concreto e pensamos “se

houvesse contramotivação (motivação de respeitar a norma), o agente podia ter atuado de

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maneira diferente da que atuou?”. Os comportamentos penalmente relevantes são aqueles que a

pessoa podia ter evitado; os que não podia ter evitado não colocam a norma em causa.

FERNANDA PALMA – se o funcionalismo sistémico é redutor, porque aniquila as questões sobre

as preferências ou opções normativas, retirando à decisão jurídica o seu nível tradicional de

fundamentação, o funcionalismo teleológico incorre, se levado às últimas consequências, numa auto

construção dos valores do sistema penal, perdendo igualmente a possibilidade de integrar no nível

ético-jurídico a contribuição de outras experiências de pensamento.

No funcionalismo de LUHMANN, que mais tem influenciado o pensamento jurídico, a realidade

(ações, pessoas, instituições, objetos) é toda ela reduzida a um sistema complexo de interações, apto

a realizar determinadas funções exigidas pelo ambiente em que se integra. Assim, é o papel ou a

função que define o objeto de conhecimento, que o cria enquanto tal, de modo que a leitura do real

não é um retrato de entidades tal como estas se apresentam ao sujeito de conhecimento, mas depende

de certo modo dos próprios critérios e perspetivas através das quais são conhecidas.

Este funcionalismo radical depende de uma perspetiva epistemológica diferenciada da que

classicamente subjaz à teoria dos sistemas no Direito penal: o funcionalismo altera a relação entre o

sujeito e o objeto do conhecimento e valoração pressuposta pelas orientações anteriores, na medida

em que não concebe a realidade fora de um determinado modelo explicativo.

Não se trata de uma anteposição do ser ao dever-ser (como pretende o ontologismo), nem do dever-

ser ao ser (como pretendeu o neokantismo), mas sim de uma determinação do ser, neste caso a

realidade das normas, pela adscrição de papéis e funções.

O funcionalismo, diferentemente do finalismo, não procura o modelo de comportamento livre,

racional e vinculável – condicionante da implantação de uma ética de responsabilidade – mas constata

que o subsistema penal, por ter a função de “estabilização contrafática das expectativas dos

destinatários do sistema”, tem a sua validade ditada pelo sistema social, isto é, tem que apurar os

seus critérios de atuação de acordo com essa mesma função para cumprir o desígnio da sua existência.

Mas o funcionalismo, tal como o finalismo e o sistema neoclássico, tem uma lógica sistemática

totalitária e reducionista quanto aos critérios de determinação da responsabilidade. O funcionalismo

criou o seu modelo de soluções a partir da ideia de que uma solução disfuncional (que não serve a

estabilização das expectativas do sistema) não é racionalmente defensável e não deve ser proferida.

O funcionalismo não apela a uma legitimação extrínseca ao sistema, como um conjunto de valores

superiores, mas apenas à necessidade pressuposta de preservação do sistema.

Prescinde da fundamentação no sentido próprio, mas ao fazê-lo, o funcionalismo mutila a

necessidade imperiosa de critérios extrínsecos de fundamentação que permitam exigir o

cumprimento de norma ou que a ela sujeitemos, isto é, suprime a necessidade de validar substancial

e discursivamente o Direito nas sociedades democráticas respeitadoras dos direitos fundamentais e

num certo direito à justiça, como se a ética não fosse igualmente uma necessidade humana e social e

uma condição de aceitabilidade do sistema (FERNANDA PALMA).

3. Conceito Negativo:

Alguns autores pretenderam, partindo dos mais diversos supostos básicos, alcançar um conceito

geral negativo de ação: “a ação no Direito penal é o não evitar evitável de um resultado”. Pensaram

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assim ter conseguido uma base sobre a qual se pode construir uma doutrina geral do facto, do ativo

como do omissivo, do doloso como do negligente.

Parece claro, contudo, que sob qualquer uma das múltiplas formulações que o aludido pensamento

pode assumir, a caracterização só abrange os chamados “crimes de resultado” e não os de “mera

atividade” ou “mera omissão”, não cumprindo assim a função de classificação (pois não abrange

todas as formas possíveis de aparecimento do comportamento punível).

O conceito, deste modo delineado, tem a ver com a doutrina da imputação objetiva e, por conseguinte,

com problemas do tipo e não com a ação como tal. Poder-se-ia ainda apontar que este conceito

operaria a pré-tipicidade da ação e faria perder a esta por inteiro a sua função de ligação.

4. Conceito Pessoal de Ação:

ROXIN veio ensaiar uma nova tentativa de construção de um conceito geral de ação capaz de realizar

a totalidade das funções sistemáticas que dele se esperam. Um tal conceito pessoal de ação residiria

em ver esta como “expressão da personalidade”, em abarcar nela “tudo aquilo que pode ser

imputado a um homem como centro de ação anímico-espiritual”.

Este conceito normativo de ação cumpriria integralmente as funções de classificação, de ligação e de

delimitação que dele se esperam; além de que o cariz pessoal de que se reveste teria a decidida

vantagem de o pôr de acordo (função de definição) com uma doutrina pessoal do ilícito que deve na

verdade sufragar-se.

Críticas (FIGUEIREDO DIAS):

a) O comportamento só pode muitas vezes, sobretudo ainda uma vez no campo da omissão,

constituir-se como “expressão da personalidade” na base de uma sua prévia valoração como

juridicamente relevante, também aqui se antecipando, nesta parte, a sua tipicidade e

perdendo o conceito, nesta precisa medida, a sua função de ligação.

b) Não parece seguro que o conceito pessoal de ação possa cumprir capazmente a sua função de

delimitação, uma vez que não é o conceito apriorístico de ação que cumpre a função de

delimitação, antes são os resultados da delimitação que se reputam corretos, as mais das vezes

obtidos em função das exigências normativas dos tipos, que depois vão ser atribuídos ao

conceito, ao seu conteúdo e aos seus limites.

5. Teoria da Ação Comunicativa, Teoria Da Linguagem e a Racionalidade Interssubjetivamente

Determinada (HASSEMER, FLETCHER, etc.):

Existe ainda um esforço para suscitar um novo impulso epistemológico no pensamento penal

europeu, a partir dos desenvolvimentos da filosofia da ação e da teoria da sociedade.

A ideia mínima de um tal enquadramento teórico é a rejeição de uma racionalidade puramente

jurídica e a constante imbricação da realidade social no Direito como instrumento da interpretação

do Direito existente e da sua reconstrução valorativa.

A ação não é vista como um puro facto, uma substância ou um substrato físico-comportamental, mas

não é também uma mera construção do sistema jurídico. Surge como interpretação normativa ou

construção normativa (através das regras sociais) do mundo.

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Aparentemente, este conceito de ação não é mais do que a ação social que a teoria neoclássica viria a

adotar. Todavia, neste entendimento de ação social está implicada uma inversão entre o método e o

objeto do conhecimento relativamente à teoria da ação social neoclássica: o objeto do conhecimento

não é já a determinação das características essenciais comuns a todo o comportamento com o valor

de ação a partir de significado social, mas antes as regras da linguagem social (e dos respetivos

contextos) que permitem designar validamente como ação (ou ação de um determinado tipo) um

certo comportamento, num dado contexto.

Assim, tal como quanto à conceção de ação social, investigar-se-á quais as regras sociais que

distinguem uma ação de um determinado tipo (ofensa corporal) de um puro facto ou de uma ação de

um outro tipo (por exemplo, de uma intervenção cirúrgica); todavia, serão essas mesmas regras

sociais, o seu modo de produção e a sua relatividade, a principal finalidade da análise e não a dedução

a partir delas das características em geral dos comportamentos humanos.

A teoria da ação com interesse para o Direito penal seria, neste sentido, a teoria sobre as lógicas, as

regras e as condições da comunicação entre os sujeitos sobre o que acontece, bem como a teoria da

comunicação pelo Direito de tais lógicas, da qual derivariam as condições de validade das próprias

designações das condutas penais como condutas de um certo tipo (ação, omissão, dolo, negligência,

autoria, comparticipação, etc.).

Teoria dos Sistemas:

Quando se fala em sistemas, fala-se num sentido lógico. Estes não pretendem dizer o que é o crime,

mas sim fazer uma escalpelização jurídica e uma organização lógica dos vários elementos para

construírem um método para prossecução de determinados fins.

“Realidade” surge já com um sentido próprio e autónomo da perspetiva do Direito, mas que se impõe

à perspetiva do Direito. A ideia de o nosso sistema estar dependente de uma estruturação da própria

realidade social que se impõe aparece já um pouco em WELZEL: ação final é a estrutura ontológica

em que assenta o agir humano livre e responsável e pode ser suporte de um conceito de crime

destinado à censurabilidade das penas.

O estado psíquico interno dos agentes não é importante, na medida em que o que é essencial é o

comportamento livre e responsável dos agentes

O ponto essencial numa teoria dos sistemas contemporânea é o de que os sistemas são formas de

organização da própria realidade, quer no mundo natural quer no mundo social, que são

independentes do sujeito do conhecimento; são, muitas vezes, espontâneas. A realidade constitui

sistemas organizativos. A realidade organiza-se, por si, em sistemas, independentemente do nosso

conhecimento; ou seja, a realidade tem padrões, formas de organização espontâneas.

LUHMANN propõe que se possa reduzir a complexidade dos outros sistemas através do Direito. Se

o Direito é visto como um subsistema social, tendo como papel a redução da complexidade dos outros

sistemas, então os elementos que constituem o Direito deverão ser identificados na medida em que

sejam orientados para essa função do Direito.

O conceito de ação vai ser definido ou procurado, não para apreender uma realidade ontológica ou

para estabelecer a relação entre as finalidades do Direito penal e o mundo social, mas como um

conceito basilar no sistema que permita identificar a distinção entre ações legais e ilegais; essas

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distinções são as que exprimem a função do próprio sistema penal na sociedade. É uma espécie de

estabilização contrafática das expectativas: as normas servem para assegurar as expectativas dos

agentes que agem num sistema.

Problema: um conceito base de ação deve incluir elementos de causalidade, de consciência? Ou tem

antes de ser configurado a partir de outra perspetiva?

A tendência do funcionalismo sistémico é a de abstração e de extrapolação dos elementos de

causalidade, de consciência, de estados mentais, para categorias de resposta exigíveis pelo sistema,

no sentido de ele funcionar. Uma dessas categorias será a da evitabilidade: interpretação dos

comportamentos que poderiam ser motivados pelas normas. Quando existe uma evitabilidade que

não se concretiza, o comportamento relevante está preenchido, podendo ser responsabilizado.

Duas ideias:

1. Mesmo que o observador não utilize estas categorias, o que é certo é que não vai compreender

a realidade social, nem vai fornecer ao sistema respostas que permitam que se mantenha ou

que evolua.

2. Os sistemas em que a vida se organiza são fechados. Quanto mais complexos são, mais

fechados são. Ou seja, são autopoiéticos. Os sistemas têm como principais características a

comunicação e a ação; e quando atingem um determinado nível de complexidade, tornam-se

sistemas de organização autoconscientes.

Um sistema evoluído, consciente, autorreferencial, é aquele que não tem nenhuma relação direta

causal com as condições gerais exteriores da vida (económicas, políticas, etc.). No caso do Direito,

este cria conceitos desligados de outros sistemas, tem os seus procedimentos próprios (procedimento

legislativo, etc.) e resolve os conflitos sociais através da sua própria linguagem, dos seus próprios

procedimentos.

Função de delimitação da ação

Em alguns casos, a função de delimitação leva a respostas iguais por todas as Escolas relativamente

à exclusão de certos comportamentos do conceito de ação: atos reflexos e coação física (não são

comportamentos relevantes).

Há um aspeto que FERNANDA PALMA rejeita quanto às Escolas e o Funcionalismo de JAKOBS – o

facto de serem excessivamente classificatórias, no sentido de que procuram instituir um sistema em

que a ação tem determinado conteúdo, a tipicidade tem outro, a ilicitude outro, etc.; o que tende a

orientar os intérpretes a utilizar o conceito de ação em termos classificatórias.

Não podemos resolver um problema suscitado apenas com um conceito de ação: antes de

procedermos a uma classificação, temos de saber o que pretendemos com a atribuição de

responsabilidade penal; há um diálogo entre os valores do sistema e uma certa organização da

realidade socialmente significativa, não em função do Direito, mas sim para além do Direito.

Um comportamento a que se justifique uma atribuição de censura pessoal requer que tenha um

determinado conjunto de requisitos que não são criados ou atribuídos pelo sistema, mas que imperam

noutras abordagens em termos de linguagem social. O Direito tem de comunicar com outras

linguagens sociais, com outros critérios de interpretação dos comportamentos sociais. Esta é uma

visão anticlassificatória e antissistemática.

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Atos reflexos:

São reações imediatas em que não intervém a consciência; são atos em que intervêm aspetos

periféricos do sistema nervoso, em que o cérebro apenas superficialmente intervém. É quase como

uma reação fisiológica Ex: agitar o braço na sequência de uma picada de abelha.

Distinguem-se dos atos instintivos – atos em que há uma possibilidade, ainda que remota, de

controlo. Há um querer primitivo, e uma possibilidade de inibição pelo agente. O agente pode

“treinar” para não reagir de determinada forma.

Sonambulismo e hipnotismo:

A questão em torno dos sonambulismos e hipnotismos trata de saber até que ponto as ações durante

a hipnose e o sonambulismo podem ainda ser expressivas de uma vontade do agente.

Relativamente ao hipnotismo, os autores tendem a aceitar que existe ação penalmente relevante. Há

quem não acredite em estados de hipnose, afirmando que há sempre consciência. Também para

ROXIN existe no hipnotismo um comportamento penalmente relevante, uma vez que o agente nunca

fará nada sob hipnose que não faria se não estivesse hipnotizado.

Quanto ao sonambulismo, a doutrina tende a entender que não existe ação penalmente relevante.

Para ROXIN, não há uma manifestação da personalidade, pois o agente está a agir num mundo que

está na sua cabeça, ou seja, não está a interagir com o mundo exterior.

Para FERNANDA PALMA, inexiste aqui uma vontade do agente, a não ser nas situações em que o

próprio agente se coloca nesse estado de sonambulismo ou hipnotismo para alcançar o seu fim;

assim, por força do art. 20º/4 CP, não deixa de existir ação (actiones liberae in causa).

Automatismos:

Os automatismos são atos adquiridos pela experiência e pela repetição, como falar, conduzir, etc.

Correspondem a um domínio do corpo sobre a vontade, dependente do grau de previsibilidade da

situação ou do estímulo que suscita o ato.

1. Uma questão que se levanta a propósito dos automatismos é a de saber se, nos casos em que

o automatismo intervém em lugar do comportamento controlado pela consciência, existirá ou

não ação; ou seja, se em atos desta natureza existirá ainda o substrato comportamental exigido.

É pacífico na doutrina que tem de haver uma direção mínima do agente conducente àquele

resultado, tem de haver uma aceitação do risco para que se possa falar numa ação.

Os automatismos são geralmente mais complexos e, prima facie parecem não ser controláveis, mas,

num segundo momento, percebe-se que poderão ser controlados pela intervenção da consciência.

Estão preparados para um agir final mais rápido, mais eficaz. Os automatismos são ações finais (na

teoria de WELZEL), pois para os finalistas a finalidade da ação não exigiria uma consciência reflexiva

e controladora de todo o desenrolar de um comportamento.

2. Outra questão que se levanta é a de saber até quando se poderá recuar a comportamentos

anteriores para justificar a responsabilização penal, sem que se esteja a incorrer numa

antecipação da criminalização, caso em que se estaria a violar o princípio da legalidade:

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Para STRATENWERTH, a justificação assenta no pensamento do ato como uma globalidade, ou seja,

desde que o processo de formação do ato se enquadre, esteja determinado ou seja explicável pela

experiência, relacionada com a situação e eventualmente acessível a uma dirigibilidade consciente.

Para JAKOBS, seria já a evitabilidade do comportamento, ou seja, o agente teria de poder evitar o

automatismo para que ele tivesse relevância penal.

Para FERNANDA PALMA, os automatismos não poderão ser considerados ações onde não exista

desde logo uma reconhecibilidade dos atos como elemento de um processo. A imprevisibilidade de

um estímulo não permitirá orientar a ação que lhe dá resposta para a direção contrária; assim, torna-

se critério a previsibilidade do estímulo externo e a sua contextualização para aferir se é ou não uma

ação. Um comportamento só é minimamente voluntário se a pessoa podia ter feito outra coisa.

A fronteira entre o automatismo que é integrável numa conduta voluntária e aquele que corresponde

apenas a um domínio do corpo sobre a vontade há de depender do grau de previsibilidade da

situação ou do estímulo que suscita o ato.

Inconsciência:

Nos casos de embriaguez, em princípio, teremos ação penalmente relevante (a não ser que se trate de

uma embriaguez extremíssima). De acordo com a teoria de ROXIN (conceito pessoal de ação), ainda

há, no estado de embriaguez uma manifestação da personalidade.

Ação e Omissão

A omissão surge como problema, na medida em que a perspetiva físico-causal, predominante na

linguagem social, não atribui aos comportamentos omissivos um direto significado lesivo.

» FIGUEIREDO DIAS – a ação e a omissão são estruturalmente diversas. As omissões só serão

punidas quando houver dever jurídico de não atuar.

» FERNANDA PALMA – a relevância penal da omissão tem de ser construída a partir de uma

analogia com o comportamento ativo. Na linguagem normativa, as proibições podem

integrar comandos de ações.

A relevância penal da omissão surge essencialmente como problema a partir da exigência de um

requisito comportamental geral, comum a toda a responsabilidade penal. Até mesmo o afastamento

de um tal requisito geral pelo normativismo ou funcionalismo teleológico não evita a interrogação

sobre se as omissões terão, nos casos concretos, a necessária caracterização comportamental para

suportarem as censuras de ilicitude e culpa.

Há uma constituição comportamental de todo o crime a que se tenham de referir os comportamentos omissivos

penalmente relevantes?

MFP: Sim, temos um Direito Penal do facto e nega-se a pura ordem de obediência, correspondendo a

uma vinculação do Direito às estruturas comportamentais identificáveis comunicacionalmente.

Todavia, a questão fundamental será a determinação do quid comportamental exigível para que a

omissão possa ser uma espécie de comportamento penalmente relevante. Como a definição da ação

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que importa à teoria da imputação não é naturalística, centrando-se antes na significação social dos

comportamentos, a descoberta desse quid comportamental integrará uma problemática comum da

relevância penal da ação e da omissão, tal como, por exemplo, a da evitabilidade das consequências.

A questão prévia, portanto, é se ações e omissões devem ser distinguíveis? O que nos permite distinguir uma

da outra?

MFP: Dependendo da resposta há consequências práticas grandes e distintas:

➢ Se se concluir que não há nenhuma distinção, os comportamentos típicos seriam

indiferenciadamente ações e omissões. A recusa da diferenciação entre ação e omissão

preenche imediatamente os tipos com comportamentos ativos e passivos. Esse ponto de vista

não é o que o CP adota – não deve ser adotado até considerando a CRP.

→ Delimitação entre ação e omissão:

FIGUEIREDO DIAS: na senda da doutrina germânica, naturalisticamente, existe ação quando há uma

introdução positiva de energia, por parte do agente, que causalmente determina a produção do

resultado típico. Este critério tem de ser complementado com uma postura valorativa do sentido

social do comportamento, distinguindo se o ponto de conexão da censurabilidade jurídico-penal se

encontra num comportamento ativo ou omissivo.

Para KAUFMANN (propondo um princípio de subsidiariedade), só existe omissão relevante quando

o comportamento não puder ser perspetivado como uma ação.

O ponto de vista de diferenciação entre ações e omissões cabe no art. 10º CP. Como afirma

FERNANDA PALMA, a lei considera relevante uma diferenciação, sendo uma questão de lógica.

o EDUARDO CORREIA afirma que as normas da parte especial tanto incluem os

comportamentos ativos como os passivos, pois as proibições que se inferem da parte especial

tanto são violáveis por ação como por omissão. Esta interpretação deriva de uma literalidade

do art. 10º/1 CP – se for proibido matar é proibido não impedir alguém de ser morto. Já o nº

do art. 10º seria uma extensão restringida – todos os crimes podem ser praticados por omissão

mas há uns que é por omissão e violação de dever jurídico.

o JAKOBS levanta a questão de saber se se mantém indispensável a especial delimitação das

omissões relevantes por fatores normativos (dever jurídico, posição de garante) que não

derivem estritamente do quid comportamental indispensável ao crime e comum a ações e a

omissões.

Este autor defende uma indiferenciação entre ação e omissão nas situações em que se ultrapassem

os limites gerais da liberdade no que se refere à configuração exterior do mundo. Ex: é equivalente

atropelar uma pessoa por não travar ou por acelerar. A responsabilidade inerente à liberdade de

configuração do mundo é que definiria os deveres de agir ou de evitar os resultados danosos. O que

é importante é aferir se, ao organizar a sua própria liberdade, o agente interferiu na liberdade de

outrem; ou seja, se violou um dever negativo. Como exemplo, não interessará, no caso de o cão de A

morder B, se foi A que incitou o cão a morder B, ou se o ouviu rosnar e nada fez: o que é relevante é

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que o cão é de A (ou seja, é meio de que A dispõe para organizar a sua liberdade) e este não evitou o

resultado.

A tese de JAKOBS conduz à fundamentação mais precisa das posições de garante em setores em que

o agente tem um dever especial de organização do mundo exterior, sendo-lhe atribuídos deveres

positivos mais específicos de atuação, que decorrem do seu estatuto específico para garantir a

confiança na instituição que ele representa. Assim, é equiparável que o médico responsável pelo

doente ligado à máquina a desligue ou pura e simplesmente não a volte a ligar: o que interessa é saber

se, em função do seu estatuto, violou um dever negativo ou violou um dos deveres positivos que lhe

eram especialmente impostos.

Esta tese não aceitará a equiparação da omissão à ação nos casos em que nem haja uma competência

geral pela organização do mundo, da qual se possa derivar a responsabilidade pelo risco, nem um

estatuto especial de que decorra uma específica competência para a proteção de bens jurídicos. Tal

leva a admitir a ausência de relevância jurídico-penal da ação quando não exista posição de garante,

no caso de um terceiro ou de um médico não responsável pelo serviço que desliga a máquina de um

doente terminal (porque nesse caso não tem um estatuto específico que lhe impõe determinados

deveres). Este ponto da tese de JAKOBS levanta problemas, uma vez que o terceiro, mesmo não tendo

um dever positivo especialmente imposto, tem ainda assim um dever negativo, que neste caso estaria

a ser violado.

Na doutrina de JAKOBS, a problemática da omissão relaciona-se com a questão dos limites do

comportamento típico em geral, a dois níveis de abordagem:

1º Verificar se o comportamento omissivo é tipicamente equiparável ao ativo, na perspetiva de

uma ação socialmente significativa. O que é importante é se, ao organizar a sua própria

liberdade, o agente interferiu na liberdade de outrem; ou seja, se violou um dever negativo.

Ex: automobilista que não para/acelera.

2º Identificar o comportamento como omissão seria essencial para não o incluir no tipo legal

construído para um conceito de ação que não o inclui.

MFP: independentemente de se aceitar as teses de JAKOBS, não se pode utilizar uma teoria não

naturalista sobre a ação, em geral, e simultaneamente praticar uma distinção entre ação e omissão

naturalista, para o efeito de aplicação do art. 10º/2, remetendo para esse preceito tudo o que seja um

“não fazer” em termos físicos ou naturalistas.

o Critério relacionado com a tipicidade: aumentou ou diminuiu o risco que já existia. Este é o

critério de FIGUEIREDO DIAS e PAULA RIBEIRO FARIA;

o Critério da doutrina alemã (critério naturalístico): se o agente despendeu de energia e essa

dispensa se tornou causal para o bem jurídico, temos uma ação; se essa dispensa não se tornou

determinante para obter o resultado típico, temos uma omissão. Por exemplo, se uma mãe sai

de casa e o filho sozinho em casa liga o bico do fogão e morre, o comportamento da mãe, à

partida, é uma omissão, porque a energia que despendeu a sair de casa não é causal para a

morte do filho.

→ ROXIN critica este critério, pois há casos em que isto não se verifica – casos de omissão

através de comissão (ação).

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→ Omissão através de ação:

Nem todas as omissões têm de ter uma estrutura passiva. Pode acontecer que, dada a configuração

da norma concreta, um comportamento ativo possa ser visto como uma omissão.

Tal sucede quando o agente viola uma norma que impõe um comando de ação por comportamento

ativo, mas esse comportamento ativo tem significado de omissão. O exemplo paradigmático é o de

alguém que impede, mediante uma atuação positiva, o cumprimento do salvamento que ele mesmo

já tinha posto em marcha: uma pessoa lança uma corda salvadora a quem se está a afogar, mas no

último momento resolve retirá-la. Tem-se entendido que:

1. Se a pessoa no mar não conseguia alcançar a corda, não mudava nada no estado inicial dessa

situação o retirar da corda, portanto este comportamento não prejudica a situação de corda

lançada, havendo equivalência normativa a omissão. Ou seja, a situação aqui consiste na

anulação de intenção de salvar pela própria pessoa que atua, originando uma situação

semelhante à que existiria se a pessoa estivesse inativa desde o princípio.

2. Já será equiparável a ação se o agente tiver posição jurídica que o obrigue a agir (como ser

nadador salvador, por exemplo). Se não tiver essa posição de garante, a omissão não cabe no

art. 10º/2 e é apenas omissão. No caso de interrupção de salvamento, já é ação e a posição de

garante já não é relevante.

ROXIN fala em quatro situações distintas:

(1) Omitir por comissão (tentativa interrompida de cumprimento de uma posição legal) – trata-

se de caso semelhante ao atrás mencionado: alguém com uma obrigação de agir impede,

mediante uma atuação positiva, o cumprimento do imperativo que ele mesmo já tinha posto

em marcha – ex: uma pessoa com a obrigação de auxílio lança uma corda salvadora a quem

se está a afogar, mas no último momento resolve retirá-la.

Neste caso existe uma ação que teoricamente se podia punir como facto comissivo (concretamente

como homicídio). A circunstância de que não se pôs em movimento uma cadeia causal que

conduzisse diretamente ao resultado, mas apenas se interrompeu um processo causal que adivinhava

a salvação, não impediria a subsunção num tipo comissivo. Contudo, neste exemplo, a situação

consiste na anulação de intenção de salvar pela própria pessoa que atua, originando uma situação

semelhante à que existiria se a pessoa estivesse inativa desde o princípio.

Deste caso deduz-se o princípio geral de que um “fazer” que se apresenta como desistência da

tentativa de cumprir um imperativo, deve subsumir-se no tipo de crime por omissão, cujo imperativo

fracassa pela atuação ativa.

Contudo, pode existir um momento a partir do qual a mudança de resolução já não aparece como

omitir através de fazer, mas como um puro crime comissivo: se a vítima já agarrou a corda salvadora,

a ação de arrancá-la realizada por quem está obrigado a agir deve encarar-se, caso acarrete a morte,

como crime de homicídio, pois nesse momento a pessoa que deve ser salva tinha alcançado uma

posição na qual podia prosseguir valendo-se de si própria, e destruí-la pesa mais que a mera

inatividade.

Ou seja, omitir através de fazer transforma-se num crime comissivo logo que o cumprimento do

imperativo passou do estádio da tentativa para o da consumação, ou seja, logo que o processo causal

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salvador alcançou a esfera da vítima. Para tal, nem é sequer necessário que a pessoa em perigo tenha

fisicamente “na mão” o instrumento salvador, bastando que a pessoa se pudesse agarrar à corda

salvadora sem ajuda alheia.

Assim, se o agente interrompe o processo de salvamento alheio, estará em causa uma ação (ex:

chocar com a ambulância). Quando o processo já se tornou alheio, a vítima já se consegue salvar. A

ideia central é saber se já atingiu a esfera da vítima.

(2) Omissio libera in causa – o caso paradigmático é o de uma pessoa que, juntamente com

outras, conhece o plano de homicídio e se embriaga até perder o conhecimento, para não estar

em condições de ir à polícia.

ROXIN sustenta que aqui, pese embora o “fazer” ativo, não se pode aceitar que exista cumplicidade

no homicídio, mas sim autoria, ou seja, punição pelo tipo de um crime de omissão própria, pois para

efeitos de punição, é indiferente o modo como a pessoa obrigada a denunciar consegue que não se

efetue tal denúncia – quer atue ou omita uma atuação.

O sujeito que primeiro atua ativamente e depois se mostra incapaz de ação não omite nada e, não

obstante, deverá ser punido pelo crime de omissão.

Este grupo de casos, contudo, coloca problemas de delimitação mais difíceis, sobretudo quando a

ação de frustrar de antemão a própria colaboração também tem efeito sobre outra pessoa disposta

a socorrer. Por exemplo, X está a afogar-se, A quer salvá-lo com o único barco disponível, pertencente

a B; contudo, B impede que A se faça ao mar, retendo o barco com a consequência, por ele prevista,

de que X se afoga, sendo certo que de contrário se teria salvo.

RANFT nega aqui um crime de homicídio, na medida em que B apenas impediu a “ingerência na

sua esfera de domínio”: reter o barco era apenas o meio de não o entregar, ou seja, de uma omissão.

Contudo, como afirma ROXIN, idêntico pressuposto de facto seria qualificado de homicídio se B

impedisse violentamente A de realizar o seu propósito de salvar a vítima com o seu próprio barco

(de A), na medida em que neste pressuposto se destrói, com consequências mortais, uma cadeia

causal exclusivamente alheia que evitaria o resultado.

Ora, tal como existe um homicídio se B consegue violentamente fazer afundar o seu próprio barco

com o qual A se aproximava da pessoa que se afogava, impossibilitando desse modo o salvamento,

também se terão ultrapassado os limites de omissão própria se B destruir com dolo de homicídio o

seu barco, que é o único existente para a ação de auxílio, antes que dele se aproxime um terceiro

disposto a empreender o salvamento, com o objetivo de o subtrair do alcance deste – as

consequências do facto e a energia criminosa de ambos são idênticas.

Nos casos de ingerência nos esforços de terceiros para impedir o resultado, somente existirá uma

omissão através de fazer punível se existissem outros meios de salvação disponíveis, já que em tal

caso a atividade dirigida contra um terceiro apenas poderia servir para negar auxílio, mas não

impediria que outros salvassem a vítima.

(3) Participação ativa num crime de omissão – exs: quem instiga outrem a não remeter a carta

secreta onde se planeia uma traição contra certo país; quem desencoraja o médico a ligar a

uma chamada de socorro para sua casa; ou quem, em ambos os casos, fortalece com palavras

persuasoras a decisão criminosa de quem permanece inativo.

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Direito Penal II Leonor Branco Jaleco

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Nestes casos, o agente é punido, se se seguir a opinião dominante, por instigação ou cumplicidade,

pelo tipo de um crime de omissão. Ainda que a participação seja uma causa de extensão da pena e,

portanto, não seja típica em sentido estrito (ROXIN), em qualquer caso a punibilidade que aqui se

aplica a quem atua positivamente é a punibilidade do crime por omissão.

KAUFMANN não admite estes casos de participação ativa no crime de omissão, pretendendo que

seja punida como facto comissivo causador do resultado.

Este autor imaginou o seguinte caso: A altera a sua opinião depois de enviar a denúncia do crime,

contudo não retira por si próprio a carta dos correios, mas serve-se para tal de B, a quem pôs ao

corrente das circunstâncias. KAUFMANN sustenta que se deve punir B pelo crime de homicídio.

ROXIN discorda: a circunstância de pedir a outro que retire a carta não pode indiretamente converter

o agente, por meio da instigação, em autor. Apenas no caso em que B, contra a vontade de A, retira a

carta dos correios, deveria ser punido por crime comissivo. Mas apenas quando age por sua própria

iniciativa.

Não se trata de uma delimitação subjetiva: o que sente ou o que pretende quem interrompe o processo

causal salvador é indiferente; decisivo é saber se atua junto e para a pessoa obrigada a auxiliar ou se

o faz sob a sua própria responsabilidade e contra essa pessoa.

(4) Omitir impune através de fazer – este grupo de casos está “um passo à frente”, já não se fica

pelo passo de distinção entre ação e omissão, mas já se prende com a tipicidade, saber se é

punível ou não. Exemplo: se apenas se pune o remetente da denúncia juridicamente

obrigatória de um crime que retira a carta antes que chegue ao destinatário, quem proceder

da mesma forma face a um crime que não é obrigatório denunciar terá que permanecer

impune, pese embora a causalidade da sua conduta para a produção do resultado.

Nestes casos, a pessoa limita-se a não fazer algo a que não está obrigada, sendo jurídica e penalmente

irrelevantes tanto a sua atuação de impedir como a sua desistência. Quem não sendo obrigado a

denunciar, se impossibilita de antemão de relatar o crime mediante uma atuação positiva, é em

princípio impune (segundo grupo de casos); igualmente, fica impune quem, como participante,

consegue que se deixe de fazer algo não requerido (terceiro grupo de casos).

Diversa é a situação dos comportamentos se atribuíram aos tipos comissivos: tais comportamentos

não são impunes, já que, independentemente da existência de um dever de agir, continuam a ser

puníveis do mesmo modo que o eram antes. Por exemplo, quem voltar a arrancar das mãos de um

doente o medicamento salvador que antes lhe tinha dado, de modo a provocar a morte da vítima,

comete um homicídio, mesmo que originalmente não se tivesse obrigado a entregar o medicamento

(primeiro grupo de casos). O terceiro que, contra a vontade do remetente, impede que uma carta

chegue ao destinatário com a denúncia do plano de roubo, é responsável por cumplicidade nesse

crime, independentemente da não existência da obrigação jurídica de denúncia em tal crime (segundo

e terceiro grupo de casos).

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❖ CRIME DE OMISSÃO

Se há uma omissão, há um passo intermédio, antes da tipicidade, que é saber se existia um dever de

atuar. Porque se não existia um dever de atuar, a omissão não é tipicamente relevante. Para sabermos

se havia dever de atuar, devemos primeiro ver se havia dever/posição de garante.

O crime de omissão traduz-se numa violação de uma imposição legal de atuar, pelo que, em qualquer

caso, só pode ser cometido por pessoa sobre a qual recaia um dever jurídico de levar a cabo a ação

imposta e esperada.

Só numa minoria de casos (puros) é que a lei, de forma integral, descreve os pressupostos fácticos

donde resulta o dever jurídico de atuar. Na maioria (impuros), basta-se com a cláusula geral de

extensão da tipicidade do art. 10º/2 CP.

É com base nisto que surge a distinção entre Crimes Omissivos Puros e Impuros:

• Parte da doutrina fundamenta a distinção entre crimes puros ou impuros na referência

expressa na Parte Especial à omissão como forma de integração típica, descrevendo os

pressupostos de facto de que deriva o dever jurídico de atuar. Diversamente, delitos impuros

ou impróprios de omissão seriam os não especificamente descritos na lei como tais, mas em

que a tipicidade resultaria de uma cláusula geral de equiparação da omissão à ação, como tal

legalmente prevista e punível na Parte Geral.

• ROXIN critica, afirmando que assim se encobre aquilo que verdadeiramente confere sentido

à distinção. Puras são aquelas omissões típicas que não têm correspondência num delito de

ação. Impuras aquelas outras para cuja tipicidade se torna necessária uma cláusula de

equiparação à ação correspondente.

• Doutrina tradicional – devem considerar-se delitos puros ou próprios de omissão aqueles cujo

tipo objetivo de ilícito se esgota na não realização da ação imposta pela lei (crime de mera

atividade) e impuros ou impróprios aqueles outros em que o agente assume a posição de

garante da não produção de um resultado típico (crime de resultado).

Deve concluir-se que o critério fundamental de distinção entre crimes de omissão puros e impuros

passa pela circunstância decisiva de os impuros, diferentemente dos puros, não se encontrarem

descritos num tipo legal de crime, tornando-se indispensável o recurso à cláusula de equiparação

contida no art. 10/2º.

As omissões puras e as omissões impuras são subsidiárias: primeiro vamos ver se se pode punir por

omissão impura, e só depois, se não for possível, se passa para omissão pura.

Assim:

Crimes Puros/Próprios de Omissão

Nestes crimes de omissão, o próprio tipo integra a omissão, descrevendo os pressupostos fácticos de

onde deriva o dever jurídico de atuar. É o caso da omissão de auxílio, prevista no art. 200º CP e da

recusa de médico, prevista no art. 284º CP. Nunca se pode dizer que violação de dever de auxílio (art.

200º CP) é uma fonte de posição de garante. Essa violação apenas corresponde à tipicidade de violação

do dever de socorro.

Não existe, nos crimes puros de omissão, uma posição de garante.

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Crimes Impuros/Impróprios de Omissão

Não estão especificamente descritos na lei como tais, mas em que a tipicidade resulta de uma cláusula

geral de equiparação da omissão à ação, nos termos da cláusula de equiparação do art. 10º/1 e 2. Ou

seja, temos tipos que parecem descrever/estar pensados apenas para ações (como o homicídio – art.

131º CP). Se esses tipos só preveem ações, então parece que esses crimes nunca poderão ser punidos

por omissão (violaria o princípio da legalidade). É por isso que é fundamental o art. 10º/2, que

estende a tipicidade.

O fundamento desta equiparação é que, para certo tipo de ilícito, o desvalor da omissão corresponde

no essencial ao desvalor da ação. E isto quando sobre o agente recai um dever de evitar ativa ou

positivamente a realização típica, i.e., obstar à verificação do resultado típico (que é o que significa ter

um dever de garantia/dever de garante).

A norma constante do art. 10º/2 impõe a explicitação das condições em que é possível a equiparação

prevista no art. 10º/1 das situações omissivas não compreendidas diretamente na descrição da ação

típica (devido ao seu imediato significado social) ao descrito na ação típica.

➢ A interpretação da Cláusula de Extensão da Tipicidade (art. 10º/2) implica a verificação sobre

se a teoria tradicional das posições de garante é compatível com as exigências do princípio da

legalidade.

o Para que os comportamentos que sejam naturalisticamente omissões sejam puníveis têm

de obedecer ao art. 10º/2 CP.

o Critério lógico em que a diferenciação tem relevância normativa – não tem o mesmo

valor violar uma proibição por ação ou omissão mas há relevância normativa.

o A cláusula do art. 10º/2 estende a tipicidade do crime quando há dever jurídico de evitar

o resultado.

→ Fontes da Posição de Garante:

O art. 10º/2 afirma que tem de haver um dever de garante, mas não diz em que casos é que existe

esse dever.

1. Fontes formais (teoria formal). Esta teoria está ultrapassada, estas fontes podem servir apenas

como pontos de apoio, mas não é daqui que decorre a posição de garante.

o Lei

o Contrato

o Ingerência – situação que alguém provoca situação de perigo para um bem jurídico e, por

esse facto, fica investida na posição de garante (ex: provoca acidente, ajuda a vítima). Ou

seja, alguém se intrometeu na esfera jurídica de outrem e por via dessa intervenção fica

obrigada a evitar certo resultado.

• Ingerência a partir de ato ilícito corresponde a uma situação de perturbação

de delimitação das esferas de organização da vida de cada pessoa em que o

agente assume, sem lhe ser permitido, o controlo sobre os bens jurídicos

alheios, retirando até, à vítima do primeiro comportamento ilícito, um poder

de controlo sobre os seus bens jurídicos.

• Ingerência a partir de ato lícito é mais duvidosa – como ainda há uma

ultrapassagem da esfera de risco própria e de violação, ainda que objetiva, do

risco permitido – uma invasão da esfera alheia como consequência do normal

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risco permitido (da vida social) pode justificar uma assunção de

responsabilidade pelos bens jurídicos alheios. Ex: A provoca acidente pois o

automóvel tinha defeito mecânico. A não deixaria de tentar evitar a morte dos

seus sinistrados, pois a sua esfera de liberdade de atuação interferiu,

involuntariamente, com a dos outros, deixando-os numa situação de

impossibilidade de controlo sobre a sua sobrevivência.

Na ingerência existem dois momentos:

1. O risco aparece, criado, aumentado ou não diminuído pelo agente.

2. O risco concretiza-se no resultado e o agente não atua para evitar que o

perigo se concretize no resultado.

A maioria da doutrina entende que, pelo facto de o agente ter provocado o

primeiro momento, fica investido numa posição de garante pela verificação do

segundo momento quando a ingerência seja ilícita e haja uma conexão entre o risco

criado e o resultado.

Contudo, alguma doutrina entende que em certos casos de licitude se justifica

haver posição de garante – ex: estado de necessidade, uma vez que a pessoa que

está a ser sacrificada não fez nada para sofrer esse sacrifico; assim, ainda que a lei

permita ao agente agir, este ficará investido numa posição de garante.

A ingerência tem fundamento no princípio da liberdade (essa liberdade origina

responsabilidade do agente) e no princípio da igualdade (o agente, ao interferir

em esfera alheia, limita a liberdade de outrem, que fica reduzida, menos protegida

que a sua, transferindo para ele o domínio sobre uma esfera de ação alheia; essa

ultrapassagem da esfera de liberdade de ação própria leva à consequente aquisição

de uma posição de responsabilidade sobre os bens da esfera invadida; tem de

haver o dever de compensar as consequências da intromissão na esfera alheia).

A ingerência não se confunde com o art. 200º, que consagra um princípio de

solidariedade: o legislador pretende em geral evitar perigos para certos bens

jurídicos, através de uma certa regulação da atividade social nessas áreas:

o O art. 200º/2, ao mencionar a ingerência, não exclui que haja um dever de

evitar resultados lesivos para um bem jurídico (devido a haver posição de

garante por ingerência).

o Norma subsidiária que não absorve nem exclui essa possibilidade.

o Dever de agir existe independentemente da criação de perigo; não agir e criar

perigo apenas agrava.

Ajuda para casos de ingerência: pode haver três situações:

1. O agente não reparou que empurrou a pessoa, nem reparou que ela caiu e se afogou – neste

caso há apenas um crime: homicídio negligente por ação.

2. O agente empurra sem querer, vê que empurrou, vê que a pessoa se está a afogar e não faz

nada. Há um primeiro momento em que existe um homicídio negligente por ação; e um

segundo momento de omissão dolosa – neste caso, há dever de garante e prevalece o segundo

momento – homicídio doloso por omissão (arts. 131º + 10º/1 e 2).

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3. O agente empurra de propósito e vai embora – há só um crime: homicídio por ação doloso.

2. Fontes materiais – existem porque as fontes formais não eram suficientes (teoria das funções).

o Guarda de Bem Jurídico Concreto – geram-se deveres de proteção e assistência:

• Familiares ou análogos:

o Pais-Filhos – não só tomando a lei (art. 1874º CC) em consideração, mas também

a unívoca relação de solidariedade natural entre o omitente e o titular do bem

jurídico. Esta relação altera-se, contudo, quando o filho abandona o âmbito de

proteção dos pais. Também se incluem avós-netos (se é o avô que cuida do neto)

e, mais duvidosamente, irmãos, cunhados e unidos de facto.

FIGUEIREDO DIAS: têm de estar preenchidos dois requisitos,

cumulativamente:

1. Relação de proximidade fática;

2. Traduzida numa relação de dependência – à medida que o filho vá

crescendo, a relação de dependência irá esbater-se, ficando apenas um

dever moral de ajudar os filhos, mas desaparece a posição de garante.

o Cônjuges – têm uma relação de proximidade fática, mas não tem de se traduzir

necessariamente numa relação de dependência (pelo que aí não existe posição de

garante). O que existe é uma relação de confiança. O que interessa para que haja

uma posição de garante é a facticidade material que faz surgir a confiança legítima

de que podem contar um com o outro.

o Namorados – são relações mais esporádicas, mais informais, pelo que não se

pode afirmar que haja aqui posição de garante. FIGUEIREDO DIAS faz a ressalva

do caso em que os namorados estejam em união de facto, caso em que há

reprovabilidade moral, mas não jurídica (pelo que há dever de garante).

o Situações de coabitação não são situações de posição de garante, só se houvesse

laços de mais proximidade; mais uma vez, o que é importante é a relação material

existente entre ambos.

o Há posição de garante quanto aos cuidadores.

o TAIPA DE CARVALHO – há posição de garante quanto a todos os enunciados

no art. 2009º CC.

• Contrato material: proteção material e não meros regimes formais. O que oferece

fundamento à posição de garante é a assunção fática de uma proteção materialmente

baseada numa relação de confiança. Ex: babysitter, chefe de excursão dos escuteiros.

o Vigilância de Fonte de Perigo – geram-se deveres de fiscalização e de segurança:

• Comunidade de risco: casos em que se atribui significado à aceitação implícita de

deveres inerentes a uma situação/contexto de perigo que foi criada.

o JAKOBS atribui a um output de risco exterior à competência organizativa do

agente; explica-se pela ideia de autovinculação do agente implícita na relação social.

Se funcionalisticamente somos subsistemas de ação interagindo como pessoas,

temos um âmbito de competência de organização da nossa esfera de ação. Quando

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extravasamos o âmbito dado pela nossa competência geral, tanto releva a ação como

a omissão.

o MFP refere-se a autovinculação implícita por força da posição social, é exigido

este fundamento de juridicidade mínimo. Ao autovincular-se, ainda que

implicitamente, passa a ter que contar com os deveres que lhe são exigidos pela

posição que ocupa. MFP, ainda assim, concorda com JAKOBS em duas coisas:

1. Na indiferenciação de ações e omissões em âmbitos que se inserem na esfera

de organização, liberdade de conformação e competência (geral) do agente;

2. Na restrição da equiparação da omissão à ação em situações em que os

deveres de proteção e salvamento não decorrem da organização geral da vida

do indivíduo (em articulação com os seus poderes gerais de ação) mas de uma

competência e responsabilidade específica.

o TAIPA DE CARVALHO – há um dever de obstar à verificação do resultado por

força de uma ação anterior perigosa, ou a ingerência – criação não lícita de uma

situação de perigo para bens jurídico-penais.

o Monopólio (dos meios de salvamento) – casos em que uma pessoa dispõe das condições

para evitar o resultado e capazes de garantir o bem jurídico. Só se deve recorrer a esta fonte

em último caso, se nenhuma outra se puder aplicar.

o FIGUEIREDO DIAS: inclui como fonte de posição de garante, mas exige 3 condições:

• Domínio fáctico e absoluto da fonte de perigo – possibilidade de intervir, evitando a

lesão do bem jurídico. Não quer dizer que o agente tenha de estar sozinho, só tem de

haver possibilidade de intervir;

• Perigo agudo e iminente – o perigo está prestes a concretizar-se;

• Ação de salvamento não pode implicar perigo para o agente – desproporção entre o

esforço mínimo e a lesão.

o MFP: o monopólio não é fonte de posição de garante, mesmo que consubstancie um

dever moral de agir. Tem de se ponderar a presunção legítima e previsível de vinculação

da responsabilidade atendendo à autovinculação implícita na relação social:

• Aceitação do dever de proteção – tem de haver base para dizer que implicitamente

se aceitou proteger bens jurídicos de outro;

• Responsabilidade inerente à configuração/conformação do mundo;

• Lógica jurídica de haver possibilidade de concluir que, dada a relação de

proximidade do agente com a vítima e/ou as situações de perigo, pode considerar-se

a transferência da responsabilidade da esfera da vítima para a do agente (se assim não

fosse ficaria em vantagem em relação à vítima).

o JAKOBS – fala em monopólio acidental: exclui da equiparação à ação pelo critério de

competência organizacional. Ex: A passeia à beira-mar e vê B a afogar-se – não há

competência organizacional perante o risco (não é condição da liberdade passear à beira-

mar salvar as pessoas em perigo). Não se pode ficcionar (legitimamente) qualquer aceitação

ou autovinculação do agente a um dever de evitar a morte de outrem nestes casos de

monopólio acidental.

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• Ex2: A contrata sexo com B. Apesar da condição da “liberdade” de A “contratar o

sexo” com outra pessoa não ser o dever de proteção da vida daquela, parece ser

razoável aceitar que implicitamente há responsabilidade pelo próprio corpo do outro

(que abarca a vida) – houve uma espécie de assunção pelo corpo da vítima.

Concluindo:

FERNANDA PALMA sustenta que há que encontrar os princípios unificadores das várias teorias de

posição de garante:

a) Ideia da assunção da responsabilidade de evitar um resultado;

b) Responsabilidade pelo exercício da liberdade.

Tem de haver um mínimo de juridicidade na atribuição ao agente do dever de agir. O agente tem de

poder contar com a atribuição desse dever e, assim, a forma de poder contar com essa atribuição é ele

próprio autovincular-se.

A graduação da gravidade do ilícito e da culpa nos crimes impuros de omissão:

O art. 10º/3 CP consagra a faculdade de o tribunal atenuar especialmente a pena no caso dos crimes

impuros de omissão.

Essa atenuação regular-se-á pela maior ou menor intensidade do dever jurídico em causa – será mais

grave entre pais e filhos do que, por exemplo, entre irmãos.

ROXIN excetua este princípio quando a ação imposta se enquadra numa situação normal da vida,

como uma mãe não alimentar os filhos.

Esta graduação não se aplica aos crimes puros de omissão, pois aí a pena está no tipo.

❖ TIPICIDADE

Traduz determinadas qualidades que o comportamento relevante tem que ter.

Para FIGUEIREDO DIAS, a tipicidade não tem uma total autonomia de ilicitude, tendo que se

delimitar a figura de delito em função dos interesses protegidos pela norma. Em sentido contrário,

FERNANDA PALMA autonomiza a tipicidade da ilicitude, tal como BELING.

A afirmação da tipicidade da conduta do agente envolve um ato de imputar, de atribuir o

acontecimento lesivo de bens, protegidos pela norma, ao agente, como manifestação do seu poder ou

controlo subjetivo. A imputação não é, por isso, uma pura afirmação descritiva sobre o

comportamento do agente, já que lhe é inerente o reconhecimento da conduta do agente como

suscetível de responsabilidade em termos de culpa.

Essa imputação surge em duas dimensões:

1. Imputação objetiva – diz respeito à causalidade entre a ação e o resultado;

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2. Imputação subjetiva – diz respeito à verificação do dolo ou dos momentos subjetivos da

negligência.

Numa primeira fase, trata-se de verificar, se o comportamento tem a relevância da figura de crime,

em termos de uma adequação social (como refere WELSEL): quando há comportamentos adequados

socialmente, estes não são classificados como crime. Para este autor, tipos penais são os quadros

jurídicos de descrição das estruturas concretas de comportamentos, em que a atribuição do nome

de uma certa figura comportamental estaria associada à mesma estrutura.

FERNANDA PALMA não concorda com a associação da adequação social a adequações culturais

(como refere SILVA DIAS); o conceito de adequação social não foi pensado para o tipo de situações

em que não existe consenso (ex: mutilação genital feminina), mas sim para os comportamentos em

que não existe dúvida nas sociedades quanto ao tipo legal de crime. Quando se invocam tipos sociais,

estamos a subverter as decisões do legislador, acabando por violar o princípio da legalidade.

Em suma, MFP critica a invocação de ideias como o tipo social, para fazer uma restrição do tipo

criminal, em questões que estão em discussão. Para MFP, o instrumento correspondente aos critérios

de relevância no comportamento típico não se situa no plano dos costumes ou tradição, mas apenas

no plano usual. Os tipos inovadores que procuram contrariar a tradição poderão ser designados

como delimitação razoável das esferas de liberdade ou ação, como critérios de cidadania.

A autonomização da tipicidade na definição do crime pressupõe uma interpretação dos

comportamentos típicos de acordo com o significado da descrição das ações na linguagem comum

– correspondendo ao sentido possível das palavras como limite da interpretação permitida

relativamente à analogia proibida (art. 1º/3 CP).

O comportamento típico tem de ser filtrado por sentidos socialmente vigentes que integram os nossos

conceitos linguísticos e se impõe ao legislador – o objeto da proibição típica seria compreendido

sempre como um comportamento já não tolerado socialmente.

❖ TIPICIDADE OBJETIVA

A propósito da tipicidade, é necessário fazer a seguinte distinção:

• Crimes de mera atividade – a sua consumação (preenchimento integral do tipo) basta-se com

um certo comportamento que está lá descrito. É o caso do crime de condução sob estado de

embriaguez (art. 292º CP).

• Crimes de resultado – não basta o agente praticar certa ação (ou omissão), é necessário que se

verifique um determinado resultado (evento típico que se distingue no espaço e no tempo da

conduta do agente e que, contudo, lhe pode ser atribuível) para que o crime se tenha por

consumado. É o caso dos crimes de homicídio e de ofensa à integridade física e do art. 291º.

Apenas estes são relevantes para efeitos de imputação objetiva.

Nos crimes de resultado suscita-se o problema da imputação do resultado à conduta do agente, de

acordo com o princípio segundo o qual o Direito Penal só intervém relativamente a comportamentos

humanos. Exigindo-se para o preenchimento integral de um tipo de ilícito a produção de um

resultado, importa verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser

atribuído à ação.

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Como já se referiu, a afirmação da tipicidade do agente envolve o ato de imputar, i.e., de atribuir o

acontecimento lesivo de bens protegidos pela norma ao agente, como manifestação do seu poder ou

controlo subjetivo.

A tipicidade objetiva é assim um conceito estático, no sentido de que é preciso fazer uma

correspondência entre o comportamento concreto e o comportamento descrito na norma.

A imputação dos factos ao agente deve começar pela verificação da imputação objetiva.

Há várias doutrinas quanto à imputação objetiva:

1. Teorias da causalidade (conditio sine qua non)

Surge no pensamento penal como importação de ideias desenvolvidas pelo pensamento filosófico e

mais tarde científicos. A ideia é a de que a causalidade é um problema de juízo e não de causalidade

fática.

Assenta no facto de a verificação da tipicidade (preenchimento do tipo objetivo) pressupor que o facto

descrito na norma (crime de resultado) estabelece uma relação de causa e consequência entre a

conduta do agente e o resultado.

A formulação da conditio é feita através de uma supressão mental de um determinado acontecimento

(condição), questionando-se se, feita essa supressão mental, esse resultado se continuaria a verificar.

Se se continuar a verificar, não é causal. Assim, a causa de um resultado é toda a condição sem a

qual o resultado não teria tido lugar.

A teoria da causalidade é importante para o Direito; nalgumas conceções, a causalidade aparece

como um critério indispensável para o reconhecimento da própria liberdade: se conseguimos

reconhecer uma relação entre um antecedente e um determinado resultado (entre fenómenos),

poderemos configurar o nosso comportamento no sentido de evitar determinados resultados.

Fórmulas como a conditio também pressupõem leis causais de cariz científico. A conditio é um juízo

de verificação, mas que pressupõe o conhecimento científico de certas ligações entre factos: por

exemplo, só podemos estabelecer que uma pessoa espetou uma faca e por isso a outra morreu porque

conhecemos o processo causal de espetar uma faca e quais as suas consequências:

→ A dada altura, surgiu um conjunto de casos em que foi administrado determinado

medicamento a grávidas para os enjoos, e várias mulheres vieram a ter crianças com

malformações nos membros. Nessa altura, ao nível da responsabilidade penal e civil,

procurou-se imputar esse resultado à administração desse medicamento. Ora, a teoria da

conditio só pode resolver problemas de atribuição de um resultado ao comportamento do

agente quando for explicitado, sem dúvida ou com uma dúvida mínima, de que dá um

processo naturalístico de verificação daqueles eventos. Não é a conditio que é o critério da

investigação científica, mas sim a experimentação.

Quando temos uma lei científica, em que sabemos, neste caso, que o medicamento tem determinados

efeitos secundários, poderemos utilizar com alguma potencialidade o raciocínio da conditio, mas não

temos de concluir necessariamente que há causalidade: se esse comportamento for suprimido e o

resultado se verificar novamente, significa que há outra circunstância que está a causar o resultado.

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Neste sentido, será necessário fazer uma verificação e análise de todas as circunstâncias antecedentes

à verificação do resultado.

A teoria da conditio tem várias deficiências e é alvo de várias críticas:

1. Há casos em que alarga excessivamente a consideração de um comportamento como causa:

o Casos de características especiais da vítima – ex: se a vítima ao ser empurrada cai e

morre por ter uma fragilidade óssea (e apenas por isso), a teoria da conditio também

afirmaria a causalidade, apesar de ser imprevisível o resultado. Afirma-se aqui a

excessividade do âmbito da causalidade relativamente aos fins da responsabilidade

penal.

o Casos de causas cumulativas – uma pluralidade de causas concorre num evento,

sendo cada uma, só por si, insuficiente para produzir o resultado. Ex: L e M, deitam

no copo de N uma quantidade de veneno que, por si só, não era mortal, mas N morre

da conjugação de ambas De acordo com a Teoria da conditio, responder-se-ia que, se L

ou M não tivessem (isoladamente) colocado a dose de veneno, N não teria morrido.

Nesse sentido, existe causalidade e, consequentemente, imputação objetiva. A Teoria

da causalidade adequada responde melhor a este caso, de acordo com um juízo de

probabilidade.

2. Há casos em que estreita exageradamente a causalidade:

o Casos de causalidade hipotética – ex: a pessoa vai morrer por ter ingerido um veneno

e, nessa situação, é ferida com uma arma e morre na sequência do ferimento; pelo

raciocínio da conditio, se se suprimisse o acontecimento (ferimento), a verdade é que a

pessoa morreria na mesma, logo, o ferimento não seria a causa da morte; ora, é óbvio

que o resultado se deveu nesse caso ao ferimento;

o Casos de interrupção do nexo causal – ex: se a vítima morrer porque fica ferida e a

caminho do hospital tem um desastre de ambulância, persiste a causalidade e, no

entanto, a morte deveu-se a uma circunstância imprevisível para o agente.

o Casos de autorias paralelas – ex: A põe uma substância no copo de outra em

quantidade suficiente para deixar a pessoa a dormir e B põe também, mais tarde, a

mesma quantidade no mesmo copo. Neste caso, a conditio diria que, suprimindo o

comportamento de A, o resultado verificava-se porque haveria o comportamento de B

e, por isso, o comportamento de A não seria causa (e vice-versa). Esta não é uma

solução aceitável para efeitos de conexão bastante para a qualificação de um

comportamento como crime. Regresso ao infinito – em última análise, esta teoria

levará ao regresso sem nenhuma limitação a condições antecedentes ao resultado, uma

vez que não oferece um critério de seleção das condições relevantes.

3. Um dos grandes problemas desta teoria é que ela não dá uma resposta; pressupõe que já

saibamos a resposta. Por exemplo, no caso das mulheres grávidas, se se retirasse o

medicamento, as mulheres abortariam na mesma? A verdade é que não sabemos, e esta teoria

também não responde à questão. Esta teoria serviria mais como um instrumento

argumentativo.

Neste sentido, o que fazer com a conditio?

A primeira ideia que foi a da delimitação da mesma – procurou-se introduzir critérios de delimitação

do âmbito da conditio. É neste contexto que surge a próxima doutrina:

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Direito Penal II Leonor Branco Jaleco

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2. Teoria da causalidade adequada

Não prescinde da conditio, mas procura limitá-la, propondo que apenas sejam relevantes os

comportamentos que passam pelo crivo do juízo de prognose póstuma feito pelo julgador – um

comportamento será causa adequada sempre que, colocada uma pessoa média no lugar do agente,

antes da prática do crime, seja previsível aquele resultado como consequência do seu comportamento.

Se for imprevisível, ainda que haja causalidade (ditada pelas leis da natureza), não há imputação.

De acordo com esta teoria, só serão relevantes os processos causais que as pessoas poderiam dirigir.

Saberemos quando isso acontece através do tal juízo de prognose póstuma.

Esta teoria é muito importante porque já entra no campo normativo, de valorações – é uma teoria da

imputação.

Adotando um critério de previsibilidade, esta teoria consegue resolver bem os casos de interrupção

do nexo causal e das características especiais da vítima, mas na causalidade hipotética ou nas causas

paralelas, enquanto parte da conditio, não consegue obter uma resposta satisfatória.

Devem ser tidos em conta os especiais conhecimentos do agente? Sim, a Teoria da Causalidade veio

a ser desenvolvida de forma a abranger os conhecimentos especiais do agente: numa primeira análise,

procede-se a um juízo de previsibilidade objetiva, mas posteriormente ter-se-á de fazer um juízo de

previsibilidade subjetiva.

Problemas desta Teoria:

(1) Não resolve os casos em que a conditio é excessivamente restritiva.

(2) Esta é uma teoria de relevância jurídica, em que existe uma interferência da subjetividade.

Nesta teoria, a resposta depende da pergunta e, quando isto acontece, perde-se a objetividade

que é requerida para se estabelecer a conexão relevante para efeitos de responsabilidade por

culpa. Esta teoria não consegue identificar o concreto critério de previsibilidade, deixando nas

mãos do julgador a definição do grau de conhecimento do observador médio.

Exemplos:

a) Se A esfaqueia B na barriga e B morre de peritonite, a pergunta sobre a previsibilidade tem

respostas diferentes conforme se tome como padrão a pergunta abstrata de saber se é

previsível, em abstrato, que uma pessoa morra por causa de uma facada na barriga ou a

pergunta concreta sobre se uma facada com determinadas características torna previsível a

morte.

b) Se A que vai receber uma anestesia para ser operada come antes e morre, a causalidade terá

soluções diferentes conforme se pergunte se é previsível, em geral, para o médico que quem

coma antes da anestesia morra ou se se perguntar se é previsível para o médico que uma

pessoa que vai ser anestesiada coma antes da anestesia e, por isso, tenha de tomar as

precauções para que esse acontecimento não se dê.

(3) Afirma a causalidade nos casos em que o agente não ultrapassa o risco permitido ou até o

diminuiu. Ex: o agente, para evitar que a vítima venha a ser atingida por uma pedra, empurra-

a, acabando por lhe provocar um arranhão; de acordo com um juízo de prognose póstuma,

seria previsível que, pelo comportamento (empurrar a vítima), se atingiria aquele resultado

(arranhão). Contudo, o agente diminuiu aqui o risco proibido de outrem.

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3. Teoria do risco

Noutra formulação, conclui-se que a imputação objetiva não pode ser reduzida à causalidade, na

medida em que o comportamento típico é apenas aquele que é juridicamente relevante entre os

comportamentos causais relativamente ao resultado, isto é, suficientemente ameaçador para os bens

jurídicos.

A imputação objetiva impor-se-ia apenas em função do perigo para os bens jurídicos realizado pela

conduta concreta. Segundo esta teoria, o Direito Penal teria uma função preventiva relativamente aos

bens jurídicos, não sendo por isso de sustentar a imputação objetiva senão em face de perigosidade

efetiva da conduta para o concreto resultado.

O fator decisivo da imputação objetiva é, assim, a criação ou aumento do risco proibido.

O princípio da legalidade impõe que, para que se possa dizer que o comportamento é típico, haja

uma base do ponto de vista lógico para se poder dizer que há uma controlabilidade daquelas

consequências.

→ ROXIN vem desenvolver esta teoria com a Teoria da Imputação Objetiva: não rejeita a

causalidade e considera útil fazer o juízo de prognose póstuma, mas não basta, pois há casos

em que há causalidade e se calhar não é assim tão imprevisível. Por exemplo, oferecer bilhetes

para companhia com muitos acidentes e caindo depois o avião; não se pode imputar a conduta

ao tipo porque a conduta não é proibida.

Não basta então a causalidade e a imprevisibilidade, estabelecendo-se 3 elementos (patamares da

teoria do risco) para a imputação objetiva:

i. Num crime de ação, o agente criou ou potenciou risco para o bem jurídico – assim, não serão

imputáveis ao agente:

(a) Situações em que o agente diminui ou atenua o perigo para o bem jurídico (ex:

empurrar alguém para fora da estrada para evitar atropelamento causando leves

lesões);

(b) Quando há uma coatuação da vítima ou de terceiro – nestes casos, há uma

interrupção do nexo de imputação, pois o risco transfere-se para a vítima/terceiro.

(c) Omissão – avalia-se se não houve atuação que diminuísse o perigo para o bem

jurídico (ou seja, um risco proibido). Como é que se afere se há perigo para um bem

jurídico? Se há posição de garante. Tem de se conseguir provar que a atuação que foi

omitida teria com (quase) toda a certeza garantido a não verificação do resultado.

o ROXIN: teria de se provar que a atuação do garante teria, pelo menos,

diminuído o risco de produção do resultado. Tal garantiria o desvalor da ação

e o desvalor do resultado.

• Alguma doutrina discorda que se possa extrair daqui o desvalor do

resultado. Na prática, está a dispensar a imputação, bastando-se com

o primeiro passo (a criação ou não diminuição do risco) – será

necessário comprovar-se a conexão entre o risco proibido criado ou

não diminuído e o resultado. Caso assim não seja, violam-se os

princípios da legalidade, in dúbio pro reu e do direito penal do facto e

convertem-se crimes de dano em crimes de resultado.

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ii. O risco é proibido (segundo uma norma de cuidado – o agente viola norma de cuidado) – não

se inclui o risco geral de vida: riscos de que não nos podemos desligar mesmo cumprindo as

regras, por exemplo, condução consoante as regras, mas devido a dilúvio perde-se o controlo

do carro; caso se ultrapasse os limites de velocidade já não estamos dentro do risco geral de

vida (STRATENWERTH) que é socialmente adequado.

iii. O risco proibido criado concretizou-se no resultado (conexão de risco entre conduta do agente

– criação ou aumento do risco proibido – e o resultado) – demonstrando-se que o resultado

teria tido seguramente lugar, sensivelmente no mesmo tempo, do mesmo modo e nas mesmas

condições, ainda que a ação ilícita não tivesse sido levada a cabo, parece que a imputação

objetiva deve ser negada, seja porque não torna possível comprovar aqui verdadeiramente

uma potenciação do risco já autonomamente instalado seja porque se não pode dizer que o

agente criou um risco não permitido

MFP – para que possa haver imputação objetiva, a acusação tem de demonstrar que a criação do

risco proibido se veio a desenvolver ao ponto de ser ele que explica o resultado. Tem de haver uma

ação controlável pelo agente em sentido normativo.

• Quando é claro que não existe a concretização do risco proibido criado/aumentado pelo

agente no resultado típico?

a) Situações em que é o próprio fim da norma violada que revela que esse nexo não pode

existir. Ex: automóvel que, violando regras de velocidade, vem a bater num motociclista,

fazendo-o projetar para campo lateral, onde, por azar, vai cair dentro de um poço que

não estava devidamente tapado. O proprietário do poço, pelo seu comportamento de

não tapar o poço, incorre num crime negligente, criando um risco proibido; a questão é

saber se a norma de cuidado tem no seu âmbito evitar todos os riscos possíveis e, neste

caso, o de evitar que alguém caísse no poço, em consequência da projeção decorrente de

um acidente de automóvel: neste caso, a reposta será negativa.

b) Situações do comportamento lícito alternativo – verifica-se que, para além do

comportamento do agente, há outros comportamentos e fatores acidentais provocados

pela própria vítima.

Quando há certeza de que o resultado se iria produzir na mesma: a esmagadora maioria da doutrina

diz que nestes casos se afasta a imputação.

1. ROXIN – ex: um empresário tinha uma fábrica de pincéis de pelo de cabra e entregou os pelos

infetados aos trabalhadores; mas provou-se que a desinfeção não tinha eliminado aquele bicho

que provocou a infeção, pelo que os trabalhadores iriam morrer na mesma mesmo que o

empresário os tivesse desinfetado.

ROXIN diz que há desvalor da ação (deveria ter desinfetado os pelos), mas não pode haver conexão

de risco proibido, porque a desinfeção tinha sido inútil, o que quer dizer que a norma de cuidado que

serve para prevenir o risco, neste caso servia para afastar o risco mas não o risco que se produziu na

morte das pessoas. Então não foi o risco proibido que o empresário criou que se verificou no

resultado. Assim, não pode haver imputação objetiva. A norma não era eficaz para afastar o risco que

se concretizou no resultado, assim, o risco que se produziu foi outro, que não serve de base para a

imputação.

Estes casos distinguem-se da causalidade virtual, porque a causa virtual é um evento que nunca

coloca em dúvida a conexão de risco proibido.

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2. HELENA MOURÃO – o comportamento lícito alternativo interessa para afastar a imputação

objetiva por causa do princípio da culpa. Num caso de causa virtual, o agente pode optar

livremente entre duas situações: pode optar por não criar o risco proibido e pode optar quanto

a não produzir o resultado. No caso de comportamento lícito alternativo, o agente pode tomar

a primeira opção (criar ou não o risco) mas não pode optar entre produzir ou não o resultado.

Assim, existe desvalor da ação mas não existe desvalor do resultado, porque não há liberdade

quanto a ele.

Havendo dúvida sobre qual dos riscos proibidos operou para a verificação do resultado:

Exemplo: um camionista pretende ultrapassar um ciclista, fazendo-o sem respeitar a distância de

segurança de ultrapassagem e, ao fazê-lo, atropela o ciclista, morrendo; todavia, isto verifica-se na

sequência de uma condução oscilante do ciclista, que estava embriagado. A questão que se deve

colocar é saber se se o agente tivesse respeitado a distância de segurança de ultrapassagem, dado o

facto de o ciclista estar embriagado, aquele resultado não se verificaria; ou seja, saber se se o agente

tivesse agido licitamente, cumprindo a distância obrigatória, tal seria o bastante para evitar o

resultado. Ficando-se numa situação de incerteza, não poderá haver imputação objetiva (MFP).

1. A maioria da doutrina entende que, se existe dúvida, então in dúbio pro reu: tem de valorar a

dúvida a favor do arguido, logo, nega-se a imputação objetiva.

2. ROXIN – não faz sentido falar em in dúbio pro reu porque tal é para verificação de factos e neste

caso não há dúvidas quanto aos factos. Trata-se de saber se existe uma conexão de risco –

existe criação de risco proibido: se segundo um juízo ex post tivermos a certeza de que o agente

aumentou o risco para a produção do resultado, então existe base para a imputação (teoria do

incremento do risco).

3. MFP – a posição de ROXIN não pode proceder, pois com isso transformar-se-ia os crimes de

resultado em crimes de perigo. não podemos afirmar com mero incremento do risco que existe

conexão do risco; não se pode confundir desvalor de ação com desvalor do resultado. Se não

há certeza de que o resultado se produziria na mesma, não pode haver conexão.

4. BN – não pode haver imputação objetiva porque se não há certeza se se o camionista tinha

atropelado o ciclista se tivesse respeitado a distância de segurança, não se sabe se o risco

produzido por ele se concretizou no resultado e, por isso, não pode haver conexão. É verdade

que, ao não respeitar a distância de segurança, cria um risco proibido ex ante e produz o

resultado atropelamento: mas não sabemos se o risco proibido criado por ele foi o que se

verificou no resultado. Não é a parte proibida do risco que explica o resultado.

→ Estes casos distinguem-se da causalidade virtual, onde existe um comportamento de terceiro,

onde se coloca a questão de saber se a causa virtual tem uma relevância excludente pela causa

real:

o MFP: responde-se pela negativa, uma vez que o propósito da norma penal é evitar

comportamentos lesivos de bens jurídicos; é assim irrelevante que houvesse outra causa

latente que também fosse provocar aquele resultado.

o KAUFMANN – a causa virtual é relevante para afastar a imputação: se o resultado se ia

produzir à mesma por outra causa, ainda que continue a haver desvalor da ação, não existe

desvalor do resultado; a norma é inútil para evitar aquele resultado e por isso só se pode punir

nos limites da eficácia daquela norma: haveria apenas a punição por crime de tentativa.

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Porque é que não procede este argumento?

• Se não há desvalor do resultado, punindo só pela tentativa, dava um resultado absurdo na

política criminal e normativa: pune-se pelo crime consumado, a não ser que haja mais alguém

que queira matar a vítima; nesse caso, pune-se mais levemente, apenas por tentativa.

• Em bom rigor, não se afasta o desvalor do resultado: à luz de uma teoria da imputação, o

desvalor do resultado está verificado quando haja uma conexão entre o risco proibido criado

e o resultado, na medida em que o resultado se explique pela atuação do agente.

c) Se o resultado era só provável, tem de se provar a potenciação do risco e a sua

materialização no resultado típico.

• MFP: a imputação objetiva não se justificará no caso de dúvida razoável quanto à

conexão entre o aumento do risco e o evento verificado:

▪ Não se pode converter a dúvida sobre o que poderia ter acontecido num

fundamento de ativação da função normativa.

▪ Critica TRE, 10/12/13 que seguiu esta alternativa (devido a uma “prova

diabólica” do caso concreto) o que deu abertura a uma imputação sem prova

do facto, em que se considerou bastante a potenciação do risco e a sua

materialização no resultado típico.

▪ A limitação da imputação penal, nos crimes de resultado, é às ações

verdadeiramente consequentes.

▪ MFP: não se imputa devido aos seguintes princípios penais:

• In dúbio pro reu – dúvida valorada a favor do arguido

• Princípio da legalidade – exige conexão de risco entre o

comportamento e o resultado, estando só assim a tipicidade da norma

completa

• Direito penal do facto – não há certeza que aquele agente provocou

o facto

A Teoria do Risco de ROXIN não prescinde da causalidade, simplesmente adiciona um critério à

causalidade, que pressupõe a previsibilidade – se o resultado for completamente imprevisível não se

imputa, pois a Teoria do Risco de ROXIN assenta na ideia de causalidade adequada.

O conceito de proibido traduz-se na proibição da ação de forma objetiva – valorada negativamente

pelo Direito Penal pois coloca em perigo um bem jurídico. Tal depende de duplo fator: (i) o agente

com a sua atuação criou um risco não permitido (ou aumentado um já existente) e (ii) esse risco

conduziu à produção do resultado concreto (conexão de risco).

Relevante ainda na Teoria do Risco é o princípio da confiança:

Segundo este princípio, uma pessoa, em princípio, pode confiar que os outros vão cumprir as regras.

Ex: se A está a conduzir e tem prioridade, não terá de parar para se certificar de que os outros

condutores vão respeitar a prioridade; em princípio, poderá confiar que o farão. Se o outro não

respeitar, houver um embate e morrer, A pode fazer-se valer do princípio da confiança para afastar a

imputação.

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O princípio da confiança não vale, contudo, quando o agente não respeita a norma de cuidado, ou

quando há sinais evidentes de que o outro não vai respeitar a norma (ex: o agente vê claramente que

o outro não vai respeitar a prioridade).

Caso de fronteira:

A conduz desrespeitando os limites de velocidade, atropelando uma criança; contudo, a mãe não

estava a vigiar a criança. Poderá A aqui fazer-se valer do princípio da confiança, afirmando que

confiava que a mãe iria vigiar a criança? Ora, a verdade é que A viola a norma de cuidado; a mãe

também poderia argumentar que confiava que A ia respeitar os limites de velocidade.

❖ TIPICIDADE/IMPUTAÇÃO SUBJETIVA

A imputação subjetiva traduz-se numa relação subjetiva entre o agente e o resultado.

Analisado o tipo objetivo de ilícito, cumpre agora analisar o tipo subjetivo de ilícito, cujo elemento

irrenunciável é o dolo.

A delimitação do comportamento subjetivo imputável prende-se com a atribuição do facto típico à

vontade do agente – o facto típico é expressão da vontade do agente. Tal conduz à tradicional

configuração do dolo como o representar e querer a realização do tipo.

O conteúdo do tipo subjetivo de ilícito não se esgota no dolo do tipo: temos também de considerar a

negligência e em muitos tipos legais de crime existem ainda especiais elementos subjetivos, que não

pertencem ao dolo do tipo – enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo – e que,

todavia, de forma essencial, codeterminam o desvalor da ação e definem a área de tutela típica.

Dolo vs Negligência:

O art. 13º determina que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente

previstos na lei, com negligência”. Isto significa que o art. 13º tem ínsito que é mais grave a

criminalidade dolosa.

A dogmática do dolo é político-criminalmente condicionada por esta diferente relevância dos delitos

dolosos e dos negligentes; concretamente, pelo desvalor jurídico mais alto atribuível ao dolo.

o Tal deve-se ao facto de o Direito Penal ser regido pelo princípio da culpa e estes casos serem

aqueles em que o agente revela no facto uma posição ou atitude de contrariedade ou

indiferença perante o dever-ser jurídico-penal.

o O agente doloso revela uma maior perigosidade que o agente negligente.

A imagem mais representativa do dolo é o comportamento intencional. Num comportamento

intencional, normalmente há uma decisão de realizar aquele facto e/ou de atingir aquele resultado,

o que torna o agente mais motivável pelas normas, na medida em que a força preventiva das normas

é mais fácil de desmotivar aquele que delibera do que aquele que é negligente.

Em princípio, o comportamento intencional, enquanto exprime uma escolha/decisão pela realização

de um facto, põe o agente em confronto com a norma de forma direta.

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Porque é que estes comportamentos, intencionais ou em que há decisão de realização do facto típico, são mais

gravemente puníveis que os comportamentos negligentes?

o MFP: comportamento doloso é um comportamento em que era mais fácil evitar a lesão do

bem jurídico, pois ele tinha uma vontade dirigida para a violação desse bem jurídico.

• É mais intensa a vontade – a intencionalidade é o mais elevado grau de racionalidade

comportamental.

• Vivencia de forma mais clara o conflito entre violar a norma ou não.

• O desvalor da ação é superior pois o agente está em conflito direto com a norma – o

agente optou por violar a norma; motivou-se contra a Ordem Jurídica.

No caso da negligência (violação de um dever de cuidado) o agente não pode ter vivido esse conflito

entre violar a norma ou não:

• Não se coloca a si mesmo no problema de estar em conflito com o Direito.

• Enquanto o negligente confia que não vai acontecer nada, não se coloca o problema da escolha

de realizar a violação da norma ou não.

A negligência só é punida quando esteja especialmente previsto na lei – é o que resulta do art. 13º.

A negligência pode ser de dois tipos – art. 15º:

(a) Negligência consciente – está presente um elemento em comum com o dolo – o elemento

intelectual (o agente representou a realização do tipo objetivo); não é dolo porque falta o

elemento volitivo.

(b) Negligência inconsciente – o agente nem sequer verificou a realização do tipo objetivo.

Para que haja negligência, então, é necessária a verificação de dois requisitos:

1. Esteja previsto na lei;

2. O agente tenha atuado com negligência – tenha violado uma norma de cuidado.

Estrutura do Dolo do Tipo:

Numa fórmula geral, o dolo pode ser concetualizado como o conhecimento (momento intelectual) e

vontade de realizar o tipo objetivo de ilícito (momento volitivo): é o elemento volitivo, quando

ligado ao elemento intelectual, que verdadeiramente serve para indiciar (embora ainda não para

fundamentar) uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de conduta, i.e.,

uma culpa dolosa e a consequente possibilidade de o agente ser punido a título de dolo.

Traços que caracterizam o conteúdo do dolo:

1. ELEMENTO INTELECTUAL:

A ideia subjacente é a de que a forma específica de vontade correspondente ao dolo requer um certo

nível de consciência ou conhecimento do facto descrito na lei penal e ainda uma determinada

posição afetiva ou emocional perante esse facto (momento mental suis generis ou mera interpretação

objetiva da conduta, reveladora da sua racionalidade).

• Necessidade, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça/saiba/represente

corretamente ou tenha consciência psicológica ou intencional das circunstâncias do facto

que preenche um tipo de ilícito objetivo.

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• Corresponde à concetualização jurídica possível do que poderá e deverá ser objeto de prova

como indício de uma ação dolosa.

A manifestação da consciência da factualidade típica exige que se verifiquem 3 aspetos:

(a) Representação da realização do facto típico como possível – tem de haver pelo agente uma

representação, ao menos como possível, da realização do facto típico. Ex: no caso de uma

pessoa que dispara a uma distância muito elevada, não sendo provável que acerte na pessoa,

mas sendo configurado pelo agente como possível, há dolo.

(b) Consciência atual – vivência psicológica atual; no momento em que realiza o facto. Pode não

ser uma vivência plenamente efetiva – ex: sexo com adolescente, sendo que durante o ato não

repara que é adolescente; ex2: médico que se esquece que o doente era alérgico – falha

elemento intelectual do dolo. Para haver decisão pela realização do facto típico tem de haver

luz intelectual sobre o assunto.

Requer-se que o agente represente a totalidade da factualidade típica e a atualize de forma efetiva.

Contudo, “consciência atual” não é o mesmo que consciência refletida, ponderada, clara ou

demorada.

Como PLATZGUMMER defendeu, a consciência requerida das circunstâncias do facto será atual do

próprio ponto de vista psicológico, para afirmação do dolo do tipo, não apenas quando aquelas são

assumidas pelo agente sob a forma de representação mas também quando são “co-

consciencializadas”, i.e., assumidas por uma consciência que não é considerada explicitamente, mas

que é atendida com outros conteúdos conscientemente considerados e tem assim também de ser

implicitamente tomada em conta de forma necessária.

Assim, por exemplo, no caso do funcionário que não pensa nessa qualidade no momento em que

pratica corrupção, estende-se sobre ele um “permanente saber acompanhante”, que basta para a

afirmação do dolo do tipo.

Situações em que estão em causa qualidades do agente, à partida será esta a solução.

Contudo, havendo dúvidas quanto a esse conhecimento, ele não deve ser presumido, valendo aqui o

princípio in dúbio pro reo (STRATENWERTH).

(c) Representação do perigo concreto – tem de haver consciência de que aquele comportamento

é perigoso (crimes de perigo concreto = provocação de dano) e de que os danos são possíveis,

i.e., o agente não pode configurar um perigo remoto, mas sim um perigo concreto.

A função deste elemento é a de assegurar que o agente, ao atuar, conheça tudo quanto é necessário

a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga

à ação intentada, para o seu caráter ilícito.

o MFP: este elemento não deve ser apenas compreendido como conhecimento ou representação

do facto como uma pura relação entre sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento, e

sim globalmente como reconhecimento de si, da sua racionalidade e experiência anterior, ao

agir daquele modo naquele contexto concreto, i.e, como relação do sujeito consigo mesmo.

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o WELZEL – uma finalidade inconsciente demonstra já que mesmo comportamentos

automáticos, em que não existe reflexão do agente, não deixam de ser intencionais, quando

correspondem à adaptação a uma situação em que a atuação do agente é solicitada de acordo

com a sua experiência anterior. Ex: tocar piano, escrever à máquina, conduzir –

comportamentos sem espaço mental reflexivo, mas elevadamente intencionais, em que a

referida relação consigo mesmo pode existir intensamente.

• A compreensão, nestes casos, do elemento intelectual do dolo não passa pela prova de

uma previsão ou representação do agente, mas corresponde a uma constatação de que

o agente viveu o seu comportamento como a conduta descrita no tipo legal de crime,

de acordo com a sua experiência prévia e os quadros cognitivos atualizáveis de que

dispõe.

• Há situações em que é manifesto que a compreensão pelo agente do sentido da ação

não é completa ou é insuficiente: a exigência da representação do facto no mínimo

como possível exclui do âmbito do dolo casos de configuração apenas teórica ou

abstrata da ação típica, em que o agente, pelo modo de vivenciar a sua conduta e o

comportamento típico, tem a hipótese como não razoável.

o Perspetiva Normativista – parte da ideia de que os conteúdos psicológicos como objeto do

dolo são inadequados para a proteção de bens jurídicos. A exigência rígida de consciência ou

conhecimento de facto protegeria autores muito censuráveis pela indiferença que

manifestaram pelas vítimas.

• Objeção contra esta perspetiva é a de que os elementos psicológicos revelam a

possibilidade de motivação pela norma devido ao confronto do agente com o seu

facto e é essa possibilidade a expressão necessária de liberdade que legitima a

responsabilidade penal.

A compreensão do elemento intelectual a partir da função de motivação pela norma que justifica a

exigência de dolo permite evitar o excessivo alargamento da exclusão do dolo a situações em que o

não conhecimento de alguns factos não impede ainda a apreensão do significado do comportamento.

o Ideia de que o conhecimento é uma certa vivência dos factos, uma certa compreensão do

contexto da situação e um reconhecimento do papel desempenhado pelo próprio agente que

justifica uma nova perspetiva na distinção entre espécies de erros relevantes para efeitos de

exclusão do dolo.

o MFP: interpretação meramente normativista, que não se vincule a uma função de concreta e

efetiva motivação pela norma, não é uma leitura interpretativa sustentável, porque conflitua

com o princípio da responsabilidade por culpa: a mera possibilidade de representação do

agente em comparação com a que teria um agente médio, a que a conceção normativista quer

reduzir o elemento intelectual do dolo, não permite sequer afastar do âmbito do dolo as

situações em que o agente, no caso concreto, estava em erro segundo uma avaliação comum,

para além de absorver, no dolo, todas as situações de confiança na não produção do resultado,

em que o agente “irracionalmente” e a partir de um conhecimento defeituoso pondera mal o

desfecho da sua atuação.

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o FD: só quando todos os elementos de facto estão presentes na consciência psicológica do

agente se poderá afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma

atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta.

Sempre que o agente não represente, ou represente erradamente um qualquer dos elementos da

factualidade típica, o dolo terá de ser negado – princípio da congruência entre o tipo objetivo e o

tipo subjetivo de ilícito doloso.

Nesses casos, poder-se-á estar perante um caso de erro, previsto no art. 16º/1 CP, o qual impede o

crime doloso.

Espécies de erro:

(a) Erro sobre a factualidade típica e erro sobre a ilicitude

FD: o erro do art. 16º é de tipo intelectual e o do art. 17º é de tipo moral: significa que há um erro em

que é a própria perceção dos factos existentes que não é atingida e um outro em que apenas estará

em causa a compreensão da sua valoração, documentando um desfasamento das valorações

subjetivas do agente relativamente às do legislador.

o MFP: este critério é exemplo de uma boa dogmática penal mas tem muitos problemas.

No caso do art. 16º, o erro incide sobre a correspondência da representação dos factos verificados e

existentes, sendo sempre a asserção do agente em si mesmo correta no plano semântico.

• Erro = representação positiva errada + falta de representação

• Exclui o dolo = o dolo do tipo não chega a constituir-se, por faltarem os seus pressupostos

No caso do art. 17º, o erro incide sobre o correto uso da linguagem aplicada ao caso concreto – o

agente descreve a realidade atribuindo-lhe um sentido incorreto de acordo com os normais usos

linguísticos.

Da análise de KINDHÄUSER resulta que a fronteira entre erros não depende de uma qualidade do

sujeito ou de uma motivação ou posição prévia perante os valores do Direito, mas do modo de ser do

erro, na perspetiva de alternativas de comportamento do agente. É de facto a natureza do erro que

suscita um impedimento ou uma falta de oportunidade de motivação pela norma ou, em alternativa,

apenas revela a falta de correto processo de motivação, que seria possível.

A distinção entre o erro que exclui o dolo e o erro que apenas pode, em certas circunstâncias, excluir

a censura de culpa não depende de aspetos constitutivos do sujeito; depende, tanto no plano da

perceção como ao nível da compreensão de sentido, das condições efetivas e factuais de

oportunidade para decidir segundo uma livre escolha entre a conduta típica e a ação lícita.

→ Só exclui o dolo o erro que incide efetivamente sobre os aspetos da conduta que constituam o

objeto do dolo, ou seja, os aspetos que a vontade do agente pode dominar e que sejam

constitutivos do comportamento proibido.

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Quando se exclui o dolo do tipo (art. 16º/1) tem de se indagar se o crime pode ser imputado a título

de negligência (art. 16º/3). Tal remete para o art. 15º, art. 13º e norma da PE que admita concretamente

esse crime por negligência.

(b) Error in persona vel objecto:

Este é um erro de representação. Ex: uma pessoa quer matar outra, mas acaba por matar o sósia dessa

pessoa. A pessoa realizou o facto de homicídio de X e veio a acontecer o homicídio de Y. Existe aqui

um erro na formação da vontade: o agente encontra-se em erro quanto à identidade do objeto ou da

pessoa a atingir; o agente, por exclusivo erro de perceção, atinge pessoa ou objeto diverso para o qual

tinha dirigido a sua ação.

Neste caso, o elemento intelectual do dolo subsiste?

• A resposta é unânime – este caso não está abrangido no art. 16º. Isto porque o elemento

essencial da factualidade típica é matar uma pessoa: aquele que dispara sobre outrem,

pensando que é X e é Y, na realidade não representou o outro em concreto, mas este erro é

irrelevante, pois ainda assim representou uma pessoa, sendo este o elemento essencial da

factualidade típica: a lei proíbe a lesão de um bem jurídico e não de um bem jurídico

específico de alguém; assim, não se exclui o dolo.

• O único caso que pode levar a outras soluções é quando o agente erra sobre as qualidades

tipicamente relevantes do objeto por ele atingido, apenas se podendo imputar por

tentativa. Ex: o agente desconhece que está a agredir uma autoridade pública.

➢ Outro exemplo, A pensa que mata B mas acaba por matar C que é pai de A – pode

A ser punido por homicídio qualificado (de C)? Não, porque não representa que

está a matar o seu pai. Neste caso, o erro sobre a identidade é relevante.

(c) Erro na execução (aberratio ictus):

É um erro que se situa ao nível da execução. Por exemplo, uma pessoa quer matar outra, dirigindo o

seu comportamento para tal, mas, por deficiência da execução ou por um motivo exterior (ex: rajada

de vento), vai atingir um terceiro. Na verdade, acabou por matar uma pessoa, pelo que se poderia

aplicar aqui a solução prevista para o error in personam. Contudo, o problema que se coloca é diferente:

não se trata, como na primeira, de um problema de representação, mas sim de uma espécie de

descontrolo da ação final, uma falta de domínio/condução sobre a ação concreta que se veio a

realizar.

Nestes casos, verifica-se uma alteração da própria produção causal da ação iniciada e o próprio

resultado atingido. Não é alterado só o desenvolvimento causal, mas também o próprio resultado.

O art. 16º/1 ainda prevê estes casos e exclui dolo?

o FD: Sim, a produção de outro resultado, que tanto podia não ter lugar ou ser de outra

gravidade, só pode eventualmente conformar um crime negligente. A punição deve por isso

ter lugar só por tentativa ou por concurso desta com crime negligente: teoria da concretização.

• HELENA MORÃO discorda e só pune por tentativa.

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Mesmo incidindo sobre objeto típico idêntico, há, no entanto, uma natureza causal do erro que torna

a parte concretizadora do comportamento do agente como menos controlável ou até não controlável

e dirigível pela vontade.

o TERESA BELEZA: o objeto atingido é igual, sendo indiferente a individualidade. Há crime

consumado e assemelha-se aos erros de identidade.

o Crítica: nos casos de error in persona vel objecto, como sempre houve erro, somente 1 bem

jurídico esteve em perigo. Neste caso, ambos os bens jurídicos estiveram em perigo e o que

aconteceu foi que, por erro de execução, só um se realizou.

o Daí que não se pode comparar e mesmo em objeto idêntico a maioria da doutrina pune por

Tentativa + Negligência

o MFP: tem sentido excluir o dolo e qualificar o comportamento do agente como tentativa por

dois motivos:

i. Agente pratica uma ação controlada pela vontade que não consegue consumar e

consuma outra que não é controlada finalisticamente – logicamente, o facto

realizado depende do facto típico em abstrato projetado.

ii. O merecimento penal do agente em aberratio ictus sobre o objeto típico idêntico

pode ser muito diferente do merecimento do agente em erro sobre a pessoa ou

sobre o objeto.

Para além disso, a exclusão do dolo depende de o erro retirar ao agente a oportunidade factual de

confronto e motivação com a norma incriminadora. É precisamente essa ideia que impõe um critério

de base factual e descritivo na aberratio ictus, apoiado na verificação da pluralidade de ações e na

autonomia da decisão de agir inicial relativamente à ação concretizada: existe uma ação dolosa

dirigida a um objeto e uma ação negligente dirigida a outro.

Nos casos em que se atinge uma terceira pessoa, questiona-se se existe um homicídio consumado:

• MFP – não existe um homicídio consumado. O agente deverá antes ser punido por um

concurso efetivo de crime de tentativa de crime doloso e de homicídio negligente

consumado. Poderá haver aqui três hipóteses:

a) Concurso de tentativa do crime e crime consumado

b) Apenas tentativa

c) Concurso de crime doloso tentado e crime doloso consumado – a título de dolo

eventual, se o agente prevê e aceita que pode acontecer o resultado da segunda

conduta.

Esta figura pode surgir em situações complexas em que é difícil distinguir de outras:

➢ Situações em que é difícil perceber se é erro de execução ou perceção – quando agente não

executa diretamente o facto mas fá-lo através de outra pessoa e em que, por isso, há da parte

do agente uma certa falta de domínio da execução. Ex: uma pessoa contrata um assassino

profissional para matar outra pessoa. O contratado está em erro sobre a pessoa, que é

irrelevante.

o O autor material manifesta-se como uma arma desviada ou maquinismo avariado que

galha o alvo.

o Contudo, o agente (instigador – art. 26º) cria um risco muito intenso do autor material,

que deveria evitar e que torna previsível o resultado.

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o MFP: melhor solução é a que qualifica como erro sobre a pessoa e pune o instigador pelo

crime doloso consumado do autor material, pois o agente tem domínio sobre o facto e tem

igualmente um dolo especialmente intenso.

➢ Situações de dolo alternativo – o agente pretende atingir A, sendo-lhe indiferente que venha

a atingir B; casos em que, mesmo que o agente prefira acertar num agente, conforma-se com

a possibilidade de acertar no outro. Verifica-se um dolo que admite uma ação imprecisa e

sem um desenvolvimento concreto assegurado a priori, relativamente a uma de duas vítimas,

embora se possa preferir atingir a vítima quanto à qual se falha. Nestes casos, a dúvida que se

coloca é saber se estamos também perante uma tentativa e um crime doloso consumado ou se

apenas perante um só crime doloso consumado, por se ter atingido apenas uma das vítimas:

o MFP: a solução preferível é reconhecer o concurso efetivo de dois crimes: o crime

tentado e o crime doloso consumado. A ação promovida pelo agente era bivalente –

encerrava em si, em alternativa, uma possibilidade de atingir qualquer uma das

vítimas e era sustentada numa decisão de atingir qualquer uma delas; ambas as

vítimas foram objeto da ação e ambos os concretos bens jurídicos (a vida de cada

pessoa) foram postos efetivamente em perigo.

o Esta solução tem sido criticada: em bom rigor, trata-se de um dolo com objeto

alternativo – o agente não se conformou com a possibilidade de acertar nos dois, mas

com a possibilidade de acertar num deles. Punir o agente com dois crimes dolosos é

ficcionar duas ações dolosas quando só existiu uma – viola-se o princípio ne bis in idem

(não se pode valorar o mesmo conteúdo de ilícito mais do que uma vez). Só há base

para afirmar o desvalor de ação dolosa numa das ações.

• Assim, pune-se pelo crime doloso consumado (FD).

• SILVA DIAS – A passeia a cavalo e B, querendo acertar em A acaba por

acertar no cavalo. Se B não acertar em ninguém, FD dirá que se pune por

tentativa de homicídio. Se acertar, é punido por crime de dano. Ora, não faz

sentido ser punido menos gravemente se acertar do que se não acertar.

O dolo alternativo distingue-se, assim, do erro sobre a execução na medida em que nos casos de dolo

alternativo o agente conforma-se, ainda que num nível mínimo, com a possibilidade de acertar noutro

alvo.

(d) Erro sobre o processo causal:

A questão que se coloca é de saber se a não correspondência entre o processo causal concreto e o

processo causal representado pelo agente é suficientemente significativa para se excluir, nos crimes

de resultado, o dolo relativo ao resultado.

Por exemplo, o agente concebe matar outra pessoa com um disparo e a vítima, ferida, vem a morrer

num desastre a caminho do hospital devido ao acidente: o processo causal desencadeado pelo

comportamento do agente conduziu à morte, mas por uma forma diferente e anómala em relação à

projetada.

Também é necessário e em que termos, o conhecimento pelo agente da conexão entre ação e resultado, i.e., do

risco por ele querido e vazado no resultado que fundamenta a imputação objetiva?

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o FD: à partida sim, pois só dessa maneira a realização do tipo objetivo de ilícito no seu todo

surgirá não como “obra impessoal”, mas como “obra do agente”, como pela “sua própria

realização”.

Existem, a este propósito, duas doutrinas:

a) Como o resultado tem lugar por concretização de um risco não previsto, não pode afirmar-se

a congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo doloso – JAKOBS.

b) O erro sobre processo causal é irrelevante, exceto nos crimes de execução vinculada, pois só

nesses casos o processo causal constitui um elemento do tipo objetivo de ilícito, e, por isso,

uma circunstância do facto – MFP e EDUARDO CORREIA.

O agente pode ser responsabilizado por uma alteração do modo concreto de produção do resultado que não esteve

plenamente sob o seu controle inicial nem corresponde à sua decisão, em face da descrição legal da ação típica?

o Resposta tradicional: de algum modo, o resultado deixa de ser relativo a uma ação do agente

e, por isso, o dolo deve ser excluído.

Se o tipo de ilícito for de execução vinculada, então este erro é puro erro sobre a factualidade típica e

é claramente relevante – a forma como a agente atua é importante para preencher o tipo – relevante

pois se não fizer exatamente o que está descrito no tipo não está a cometer o crime.

Se o tipo de ilícito for de “execução livre”, então torna-se difícil configurar uma imputação objetiva

comandada pela conexão de risco e o dolo do tipo deve ser negado – quando se configure tal hipótese,

este erro leva à não afirmação dolo e o agente só pode ser punido a título de tentativa.

o MFP: além de um problema de imputação subjetiva, temos um problema prévio de imputação

objetiva.

o Nestes casos, em que os processos causais são acidentais e imprevisíveis, o agente

apenas deve ser responsabilizado por tentativa. Ex: A dá tiro em B e representa a sua

morte imediata, mas, B só morre porque a ambulância que o transportava sofreu um

acidente.

Existem outros casos, em que se entende que o desvio é irrelevante: casos em que o processo causal

concreto não dominado pelo agente não só poderia facilmente ser previsto como decorre em

sequência do processo posto em movimento pelo agente.

» A dá uma facada a B, que desenvolve uma septicémia e vem a morrer da mesma. Este desvio

não é relevante e, por isso, não deixa de haver dolo.

» Caso do agente que quer matar a vítima, atirando-a da ponte, concebendo que a mesma vai

morrer do embate na água, mas acontece que a vítima, ao ser atirada, morre logo por embater

contra um pilar. Nestes casos, semelhante ao anterior, entende-se que este é um desvio

irrelevante, porque ainda é o perigo típico contido no comportamento do agente que atua para

a verificação do resultado.

o MFP: esta alteração do processo causal concreto não foi prevista, mas ainda é uma

consequência imediata e normal da ação do agente e de um processo causal que cabe

no espaço ou área de risco intenso derivado da conduta do agente e incluído na sua

decisão, que o tipo pretende abarcar.

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Dolus generalis:

O agente executa, sem o saber, o facto típico por um modo diverso do projetado ou representado, sem

consciência disso, verificando-se o resultado em circunstâncias concretas de tempo, lugar ou modo

diversas. Por exemplo, mata a vítima num segundo momento, achando que o matou num primeiro

momento.

a) Ex1: o agente pretende matar a vítima por enforcamento e esconder o cadáver atirando-o ao

poço; o agente acaba por causar a morte da vítima somente quando a atira ao poço. Neste

caso, o agente, por erro, pensa que realiza o facto típico quando tenta, sem conseguir,

consumar o crime. O dolo antecede o momento da produção do resultado.

b) Ex2: o agente planeia matar a vítima por afogamento no rio, mas mata-a logo que desfere

pancadas na cabeça e não apenas quando a atira ao rio. Neste caso, o agente realiza o facto

típico, quando, na sua representação, apenas o prepara. Produz o resultado

inconscientemente. O dolo sucede ao momento da produção do resultado.

São casos que cronologicamente ocorrem em dois tempos:

1º Momento em que o agente pensa erroneamente ter produzido, com a sua ação, o resultado

típico;

2º Momento, fruto de uma nova atuação do agente (quase sempre com fins de encobrimento),

em que o resultado vem efetivamente a concretizar-se.

A realização objetiva do facto, sem uma orientação da ação pela vontade não corresponde, de acordo

com o art. 14º CP, a um comportamento doloso. Ao produzir-se o resultado inconscientemente,

apenas poderia conceber-se uma ação negligente, já que o agente sempre poderia prever que a morte

da vítima pudesse ocorrer daquele modo.

Assim, nestes casos, a ação suportada pelo dolo do facto não determina (imediatamente) o resultado,

enquanto a ação que causa o resultado não é mais suportada pelo dolo do facto.

A questão que se coloca, nestas situações, é saber se o comportamento deve ser qualificado como um

concurso de tentativa de homicídio (doloso) e homicídio consumado (negligente) ou se, seguindo a

lógica de que o dolo tem apenas como objeto o resultado e é um dolo geral relativamente às

circunstâncias concretas em que este ocorre, deve ser considerado simplesmente como um homicídio

doloso consumado:

o CURADO NEVES: tentativa em concurso eventual com o cometimento negligente do facto.

o FD: deve seguir-se a doutrina da imputação objetiva e saber e o risco que se concretiza no

resultado pode ainda reconduzir-se ao quadro dos riscos criados pela (primeira) ação.

a) Se sim, o crime é consumado;

b) Se não, só pode ser punido a título de tentativa (eventualmente em concurso com um

crime negligente consumado). Esta solução também se aplica aos casos de Inversão

Temporal dos acontecimentos: tendo em conta se o agente ainda executa ou não o ato

posterior destinado a realizar o facto típico que projetou que nesse momento ia

acontecer, mas aconteceu antes.

o MFP segue a doutrina de WELZEL:

a) Nos casos de “homicídio encoberto” há uma unidade na sequência das duas ações

(pancada e atirar ao rio) e uma conexão de exclusividade entre a conduta representada e

o concreto processo causal que justifica observá-las apenas como a realização de um único

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facto típico com um desvio não essencial sobre o processo causal; o agente planeou todo o

processo desde o início – erro não essencial, não excludente de dolo. Este é o verdadeiro

caso de dolus generalis.

b) Nos casos em que a decisão de praticar a ação que redunda (inconscientemente) na morte

da vida não foi projetada como sequencial, mas foi fruto de uma decisão momentânea

(posterior à ação que deveria produzir o resultado típico), a diferenciação entre uma ação

dolosa tentada e uma ação negligente consumada qualifica mais corretamente o

comportamento do agente – exclui-se o dolo (agente pensa estar a atirar um cadáver, não

uma pessoa viva). Aqui já não se trata de um caso de dolus generalis. A resposta depende

de se o agente podia representar a morte da vítima através do seu comportamento.

Ou seja, o reconhecimento da unidade de ação ou da pluralidade de ações, a partir do critério da

unidade ou pluralidade de decisões de ação seria, assim, o critério que permitiria distinguir a situação

de erro não essencial, não excludente do dolo, da situação de erro essencial, que fundamenta o

concurso entre uma tentativa de crime (dolosa) e um crime negligente consumado.

(e) Erro sobre a deliberação.

Objeto do dolo e conhecimento dos elementos do tipo:

O objeto do dolo é o tipo do dolo.

o Elementos descritivos – certos elementos constitutivos do facto típico relativamente aos

quais seria necessária uma perceção sensorial efetiva para afirmação do dolo.

Erro excludente do dolo exigiria a falta de apreensão exata pelos sentidos. Ex: não perceção que o

objeto da ação seria uma pessoa, confundindo-a com um animal (para ser homicídio). Nestes casos,

em que há uma total confusão por parte do agente, existe uma incapacidade de os sentidos

apreenderem o objeto da ação, pelo que não existe o conhecimento razoavelmente indispensável para

que o agente se possa motivar pela norma, tendo, nesses casos, de se excluir o dolo.

o Elementos normativos – certos elementos constitutivos do facto típico relativamente aos

quais bastaria uma representação do significado social – Valoração Paralela na Esfera

dos Leigos.

Erro excludente do dolo exigiria a falta de possibilidade de compreensão do significado, numa

perspetiva social. Ex: agente não poderia, no contexto em que atuou, perceber que riscar um papel

que teria valor de documento (ao mudar os números de uma fatura improvisada de um restaurante)

seria adulterar um documento.

Não basta o conhecimento de meros factos, pois é indispensável a apreensão do seu significado

correspondente ao tipo – “factos valorados” em função do sentido de ilicitude presente no tipo.

Essa exigência não coloca dificuldades quanto aos elementos descritivos, mas sim quanto aos

elementos normativos (aqueles que só podem ser representados e pensados por referências a normas,

jurídicas ou não jurídicas):

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➢ Ao agente não se exige uma exata subsunção jurídica, mas sim uma apreensão do sentido ou

significado correspondente, no essencial e segundo o nível próprio das representações do

agente, à valoração do facto.

O relevante para o erro não é saber se os elementos do tipo são descritivos ou normativos, mas se

a deficiência do conhecimento se refere à relação da norma com os factos concretos ou à própria

compreensão da intencionalidade da norma.

→ Dúvida relativamente à realização do facto típico quanto ao significado que o Direito atribui ao

comportamento:

Vem reclamar uma certa articulação entre o elemento intelectual e o elemento volitivo do dolo.

O art. 14º parece diferenciar os aspetos da representação dos da ação. Se é débil o elemento intelectual,

é o elemento volitivo que vem dar consistência unitária ao comportamento enquanto realização do

facto típico.

Assim, é o próprio CP que nos “obriga” a diferenciar os aspetos intelectuais dos aspetos volitivos.

Como é que a dúvida do agente (incerteza em termos de representação) pode então ser valorada, sobretudo em

casos de dolo eventual?

Caso alemão em que dois bandidos assaltam uma casa e, para roubar dinheiro, pensam em pôr

inconsciente o dono da casa. Contudo, não conseguem com que o dono fique inconsciente, mas

também não querem que ele morra; então, lembram-se de por umas correias de couro à volta do

pescoço do dono da casa e vão apertando até que, sem quererem, o matam.

Devem aqui ser considerados agente dolosos ou negligentes, uma vez que não queriam aquele resultado?

A resposta que se dá é a de que os agentes não desejaram, mas quiseram.

o MFP – não sabe se o objeto do dolo eventual é completamente reconduzível esta formulação.

Tal solução levaria a uma prova muito difícil do objeto do dolo, ter-se-ia de provar o que o

agente pensou, que o quis. Tem de haver um critério de significado, uma linguagem pública,

não podendo ser valorável uma linguagem privada, o mundo privado do agente sem mais,

pois tal seria deturpar o conteúdo dos estados mentais e da identidade das ações.

o Fórmulas de Frank – o agente, na hipótese de ter previsto o resultado como consequência

necessária da ação, teria ainda assim agido? Se a resposta for afirmativa, há dolo; se for

negativa, não há (fórmula hipotética). A outra fórmula orienta-se pela comprovação de uma

aceitação íntima de um resultado pelo agente e, deste modo, acentua menos o processo

indiciário de conhecimento e mais o objeto substancial do conhecimento (uma posição de

vontade) (fórmula positiva).

• Mas esta fórmula é duvidosa porque toma por base a personalidade do agente,

violando o princípio da legalidade.

o A solução que tem tido a aceitação pela doutrina pugna pela ideia de aceitação do risco (tomar

em compra). Aceitando o risco, o agente opta por dar preferência às vantagens do que às

desvantagens do seu comportamento, conformando-se, realizando o facto típico ainda assim.

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» Proibição legal:

A ausência de conhecimento sobre uma proibição legal de que depende o ilícito típico esvazia o

elemento intelectual do dolo e não coloca o agente perante as devidas condições e oportunidades de

motivação de acordo com o comando emanado da norma penal.

Isto é contrabalançado com o facto de existir uma espécie de responsabilidade especial do agente

pela autocolocação numa posição de ignorância perante o facto, tal como acontece nas situações de

indiferença perante o resultado típico.

Nos casos de atividade profissional, a obtenção de informação sobre a proibição legal é

condição do próprio reconhecimento e aceitação social dessa atividade.

Um agente que desconhece uma proibição legal estará, na perspetiva de uma responsabilidade

pessoal (responsabilidade por culpa), em circunstâncias semelhantes às do agente que representa

efetivamente a realização do facto típico, quando seja evidente que uma atividade regulada possa

estar sob o alcance de uma proibição legal.

Ou seja, tanto preenche o elemento intelectual do dolo o agente que representa como possível, embora

possa duvidar, que o seu alvo é uma pessoa e não uma peça de casa, não resolvendo a dúvida, como

o agente que representa a necessidade de se informar sobre se a sua atividade viola a lei e não é apenas

uma conduta neutra, mas não o faz, não se colocando em condições de esclarecer o sentido legal da

sua atividade.

2. ELEMENTO VOLITIVO – associado à ideia de querer. Note-se que querer não é o mesmo

que desejar. Está relacionado com o dolo eventual (art. 14º/3) – racionalidade do

comportamento em termos de decisão.

Esta racionalidade é bem manifestada numa ideia que os alemães expressaram na jurisprudência:

tomar em conta – quando se faz uma compra, muitas vezes aceitamos que há uma certa margem de

avaria ou de imperfeição da coisa (principalmente nos saldos); há uma aceitação de riscos. A grande

racionalidade é das empresas e empresários, e esses têm um comportamento pautado numa lógica

de ponderação custos-benefícios, que leva a que muitas vezes se aceitem riscos, elevados ou não.

Aceitar o risco é a racionalidade que está imanente a certas configurações de comportamentos

classificados como de dolo eventual. O agente atua conformando-se com a possível verificação do

resultado; aceita os riscos do seu comportamento.

➢ Caso dos mendigos russos, que estropiavam as crianças para as levar para o mundo da

mendicidade – havia aqui uma lógica empresarial, de aceitação do risco: os benefícios globais

deste comportamento são aqueles que prevalecem, por escolha dos agentes. A fórmula

hipotética de Frank resolveria a situação no sentido de, se ele tivesse a certeza que a criança

morria, não tinha interesse em fazer isso e por isso, não o faria e, por isso, não há dolo – tal

não solucionaria convenientemente este caso.

➢ Caso Guilherme Tele: herói nacional suíço, funcionário preso e condenado à morte; como

alternativa, é levado a ser ele a disparar a flecha para atingir uma maçã que está na cabeça do

filho. Ele aceita o risco de matar o filho. Do ponto de vista da tipicidade subjetiva, ainda há

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dolo eventual (mas talvez tenha havido aqui uma diminuição do risco, devendo ser punido

apenas por tentativa?; podia também haver causa de exclusão da ilicitude).

Temos assim – art. 14º:

a) Dolo direto (art. 14º/1) – o agente orienta o seu comportamento para a realização do facto

típico. O agente quer a verificação do facto, sendo a sua conduta dirigida diretamente a

produzi-lo. A realização do tipo objetivo de ilícito surge como o verdadeiro fim da conduta

(dolo intencional).

b) Dolo necessário (art. 14º/2) – o agente não dirige a sua atuação diretamente a produzir a

verificação do facto, mas aceita-o como consequência necessária da sua conduta. O agente

aceita todo o custo em razão do seu benefício. Ex: Ex: põe bomba no avião para matar inimigo

(dolo direito face a este), o que faz com que morram os outros passageiros (dolo necessário).

c) Dolo eventual (art. 14º/3) – a realização do tipo objetivo de ilícito é representada pelo agente

apenas como “consequência possível da conduta”. O fim da sua ação não é a realização do

facto típico mas o agente representa tal como possível e mesmo assim não deixa de realizar a

ação. Ex: querendo ficar com o dinheiro do seguro, pega fogo à casa, não sabendo que lá está

a dormir alguém; mas sabendo que pode estar. O agente prevê como possível a realização do

facto típico (elemento intelectual) e tem uma posição volitiva ao conformar-se com aquela

realização.

• MFP: É a compreensão da posição volitiva do agente que se torna o cerne da

caracterização como dolo.

O art. 16º/1 CP exclui o dolo, mas não porque não haja conhecimento da ilicitude do dolo. O que se

exige é um conhecimento potencial (e não atual) da ilicitude do ato, que não está presente nas

situações abrangidas pelo art. 16º.

Relativamente aos crimes negligentes, para haver responsabilidade, o agente tem de ter

conhecimento potencial, tem de ter confrontado o seu comportamento com uma norma de cuidado,

tem de ter condições de saber se o seu comportamento não obedeceu aos procedimentos adequados

para evitar riscos para bens jurídicos.

Teremos de recorrer ao art. 17º para saber se essa falta de conhecimento não é censurável.

» Como distinguir o dolo eventual da negligência consciente?

No plano teórico não se levantam grandes problemas: ambos contêm o elemento intelectual, mas

apenas o dolo eventual contém também o elemento volitivo.

No plano prático, é mais difícil, pelo que temos de procurar critérios que permitam, com alguma

segurança, fazer a distinção entre dolo e negligência.

➢ Como se concetualiza – estabelecendo um critério que marque a fronteira entre conformar e

não conformar – a fronteira, de uma perspetiva racional.

➢ O foco deve ser a racionalidade do comportamento – tem de se analisar a estrutura racional

do comportamento.

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Direito Penal II Leonor Branco Jaleco

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MFP: Teorias Intelectualistas:

A. Teoria da Probabilidade: distinção tem de ser feita num plano cognitivo (do elemento

intelectual).

O problema é resolvido com base no elemento intelectual e da probabilidade.

Para o dolo eventual exige-se uma representação qualificada – não basta a mera representação da

possibilidade, mas requer-se que essa representação assuma a forma de probabilidade.

• MFP acentua o elemento intelectual do dolo apenas como indício objetivo e suscetível

de prova de uma realidade afetiva ou volitiva relativamente ao ato (pelo que não se

diferencia necessariamente das teorias volitivas).

Contudo, fazer assentar toda a construção somente na probabilidade tem dificuldades:

1. Determinação com um mínimo de exatidão o grau de possibilidade/probabilidade de

verificação do facto necessário à afirmação do dolo do tipo.

2. O agente, apesar da improbabilidade de realização do tipo, pode tomar a firme decisão de a

alcançar – a intensidade do elemento volitivo é tal que não deve tornar a realização típica

subjetivamente imputável por mera negligência.

Formulações mais recentes procuram ancorar o dolo numa especial qualidade da representação da

realização típica como possível: exige-se que o agente tome a realização como concretamente

possível, que não a considere improvável segundo juízo fundado, sobretudo, que parta de um ponto

de vista pessoalmente vinculante.

• Faz com que se aproxime da terceira teoria.

MFP: Teorias Volitivas

B. Teorias da Aceitação: a distinção reside no facto de saber se o agente, apesar da representação

da realização típica como possível, aceitou intimamente a sua verificação, ou, pelo menos,

revelou a sua indiferença perante ela (dolo eventual); ou se, pelo contrário, a repudiou

intimamente, esperando que ela não se verificasse (negligência consciente).

Releva se o agente decidiu com indiferença pelo Direito ou contra o Direito.

CASO LACMAN: A aposta com B que é capaz de quebrar com um tiro um copo que C segura na mão

sem a atingir; acaba por ferir C. Mesmo que A sinta como um mal a realização típica, ele, estando

consciente de que pode errar o tiro, espera que não aconteça e considera essa possibilidade como um

mal menor, de que de todo o modo se dispõe a aceitar (dolo do tipo contra a norma de

comportamento) – jurisprudência alemã referiu-se a aceitação em sentido jurídico nestes casos em

que o agente se resigna com a possibilidade de que a sua ação venha a ter o efeito indesejado.

• Crítica: a partir do momento em que se aceita a produção do resultado, há dolo direto.

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C. Teorias da Conformação: conceção dominante e que está expressa no art. 14º/3.

Parte da ideia de que o dolo pressupõe algo mais do que o conhecimento do perigo de realização

típica.

O agente pode, apesar de tal conhecimento, confiar, embora levianamente, que o preenchimento do

tipo se não verificará e age então só com negligência (consciente).

o Por isso, EDUARDO CORREIA avançava como critério do dolo eventual o facto de o agente

atuar não confiando em que o resultado se verificará.

• FD discorda: a dupla negação não permite perceber com clareza o elemento positivo

que deve arvorar-se como critério do dolo eventual; conotação extremamente

psicologista da confiança pode conduzir a privilegiar infundadamente o otimista

impenitente (que confia que tudo correrá pelo melhor) face ao pessimista depressivo.

D. ROXIN e FIGUEIREDO DIAS:

O relevante é que o agente tome a sério o risco de (possível) lesão do bem jurídico, que entre com

ele em contas e que, não obstante, se decida pela realização do facto.

• A conformação é com o risco de produção do resultado típico.

Avulta-se o normativamente essencial da “confiança”: o indício de que a afirmação do dolo do tipo

confere a existência de uma culpa dolosa.

➢ O propósito que move a atuação do agente vale, aos seus olhos, o “preço” da realização do

tipo, ficando deste modo indiciado que o agente está intimamente disposto a arcar com o seu

desvalor.

➢ O agente, em vista da autêntica finalidade da sua ação, conforma-se/resigna-se com a

verificação das consequências típicas.

E. FERNANDA PALMA:

Sobrevalorização do interesse do agente face à tutela do bem jurídico: há uma ponderação entre dois

interesses: (i) interesse do agente em fazer o que quer e (ii) proteção do bem jurídico em concreto, que

pode ser lesada pela atuação do agente. O critério é saber se o agente achou mais importante fazer o

que queria ou não lesar o bem jurídico.

O agente conforma-se com o perigo de realização do facto típico quando, perante um dilema – fazer

algo que implica lesão de um bem jurídico ou não – o agente decide realizar uma ação. Aí, há dolo

eventual. Aqui, o interesse na realização da conduta é superior a um eventual interesse de não lesão

do bem jurídico.

Vide caso dos mendigos russos (acima).

Já quando há um mero interesse lúdico, à partida há negligência consciente. Nestas situações, a

pessoa não está tão consciente dos riscos, pois está tão embrenhada no contexto, que impede a pessoa

de se conformar.

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Voltando ao Caso Lacman, o que a pessoa quer é acertar no copo e nem se conforma com a

possibilidade de acertar na pessoa pois tem a confiança que não o vai fazer. Ele tem tanta confiança

que até aposta – temos negligência consciente.

• A não ser que, pelos dados da situação concreta, se pudesse concluir que a fundamental

motivação do agente seria o próprio “prazer do risco” e não ganhar a aposta (lógica

empresarial).

Concluindo, a identificação de estados mentais será um problema concetual, linguístico e

comunicacional e não um problema de comprovação científica da verificação de uma realidade

mental e da sua conexão com a expressão física.

• A linguagem social que nos permite discernir o que é um comportamento doloso não

pode deixar de ser a linguagem de que o agente dispõe para representar e

compreender o significado dos seus atos e através da qual se orienta no mundo e que

também para si próprio é inultrapassável.

• Para podermos descrever um comportamento como voluntário (doloso), será

necessário que seja intencional, e isso acontece com as decisões que obedecem a uma

lógica de silogismo aristotélico: o agente escolhe um fim que quer atingir, escolhe os

meios adequados para atingir esse fim e age para atingir esse fim, com esses meios

escolhidos. Se isto não sucede, significa que o agente agiu sem vontade, agiu

negligentemente.

o O problema é que isto parece limitar demasiado os casos de voluntariedade,

restringindo-os aos casos de intencionalidade. Assim, acrescenta-se aqui o

elemento da aceitação do risco da verificação do resultado: aceita-se os

meios para atingir os fins. Mas note-se que o agente tem de representar o

risco.

F. Indícios:

Quando há dúvida se estamos perante dolo eventual ou negligência consciente vamos verificar os

elementos objetivos, que não são tão dependentes de uma interpretação subjetiva, e ver ser eles

suportam as conclusões tiradas.

1º indício: elevada probabilidade de produção de resultado (típico) – ideia de intensidade do risco.

Se for muito elevado é quase impossível que o agente não se tenha conformado.

2º indício: atuação do agente na redução do risco – se agente procurar evitar produção do resultado

é indício de negligência (pois o grau de conformação é menor – ele não está a conformar com possível

resultado); tomada de medidas de precaução

3º indício: contexto motivacional – faz-se apelo ao critério MFP e se agente sobrevalorizou o seu

interesse face à proteção do bem jurídico no contexto em que se insere. Não tem necessariamente de

se aplicar.

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❖ ILICITUDE

A ilicitude do facto significa a sua contrariedade a uma norma do Direito Penal, no pressuposto de

que não se verifique simultaneamente uma autorização por qualquer outra norma do Direito Penal

ou pertencente à restante OJ.

Assim, a ilicitude é uma demonstração coerente, em face de todo o Direito, de que o facto é desvalioso

– é isso que o art. 31º CP postula ao referir que “o facto não é punível quando a sua ilicitude for

excluída pela Ordem Jurídica considerada na sua totalidade”.

Deste modo, exclui-se a ilicitude:

a) Se o comportamento for justificado por legítima defesa (art. 32º);

b) Quando uma conduta antinormativa prima facie é excecionalmente autorizada por uma outra

norma de Direito Penal ou de outro ramo do Direito – é o que acontece nos casos de devassa

da vida privada (art. 192º CP) ou de interceção de comunicações (art. 194º CP), que são

condutas proibidas por normas penais mas autorizadas pelo CPP, quando sejam realizadas

no âmbito de um processo crime pelas entidades competentes e seguindo os trâmites e

condições previstas legalmente.

c) Se a conduta for autorizada pelo próprio Direito Civil – por exemplo, um dano (art. 212º CP)

abrangido pela norma do CC que prevê a ação direta (art. 336º CC).

A afirmação da ilicitude do facto não é algo meramente lógico-formal mas uma afirmação de sentido

valorativo sobre o facto.

o Se na tipicidade e nos respetivos nexos de imputação apenas se procura qualificar o facto,

caracterizando-o em função do tipo legal definido, quando se afirma a ilicitude ultrapassa-se

essa lógica de identificação para se afirmar que o facto fundamenta um desvalor perante o

Direito.

• A ilicitude estabelece que o facto, que é idêntico ao previsto no tipo, fundamenta um

merecimento negativo – um desvalor da ação (violação de deveres pelo agente) e/ou

desvalor de resultado (lesão de bens jurídicos).

o Assim, é um juízo de valor sobre um comportamento, que acresce ao juízo de tipicidade, de

caráter descritivo, que exprime através de ponderações que um facto (típico) está em

contradição formal e material com a ordem jurídica.

MFP – a tipicidade do facto precede, necessariamente, do ponto de vista lógico-valorativo, a ilicitude,

mesmo que o seu reconhecimento possa implicar, quase automaticamente, a ilicitude, se não

existirem causas de justificação do facto. Depois, a circunstância justificativa leva a uma

reconfiguração do sentido social do comportamento, que fundamenta uma alteração do juízo de

valor inicial negativo suscitado pelo facto.

O juízo de ilicitude destina-se a asseverar que o desvalor da ação e o desvalor do resultado do facto

típico o tornam um facto proibido:

a) Desvalor da ação – traduz a contrariedade à OJ da orientação da vontade que conduz a ação

e que identifica o facto.

Revela que o agente, por ter agido com dolo ou pelo menos com negligência (violação de dever de

cuidado), contrariou uma proibição de ação que lhe impunha que se abstivesse de praticar tal facto,

ou comando de ação que impusesse esse comportamento.

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b) Desvalor do resultado – traduz a realização de um resultado que implicou a lesão, ou pelo

menos o concreto perigo de lesão, de um bem jurídico que a norma penal visa proteger.

Foi a Escola Finalista que contribuiu para o entendimento atual de ilicitude – só as ações humanas,

real ou potencialmente finais, é que podem ser significativamente proibidas, motivando os seus

potenciais autores a evitá-las.

A justificação do facto constitui um aspeto essencial do juízo de ilicitude, que revela a específica

autonomia daquele juízo relativamente à tipicidade.

FIGUEIREDO DIAS fala em tipos justificadores, realçando que não existe verdadeira continuidade

entre fundamentação e exclusão da ilicitude:

➢ Os tipos incriminadores e os tipos justificadores estabelecem uma relação não tanto de

regra/exceção ou afirmação/negação quanto uma relação de complementaridade funcional

na valoração de uma concreta ação como lícita/ilícita.

• As causas de exclusão não são elementos negativos de um ilícito típico objetivo (Escola

Neoclássica) pois o dolo valorado na culpa teria de enquadrar tanto os fundamentos

positivos da ilicitude como os seus limites negativos – teria de ter vontade de realizar

o facto típico e conhecer da inexistência de causas de exclusão da ilicitude.

FD: o tipo incriminador não é um primeiro degrau valorativo do facto penal

independente da ilicitude, mas é já o portador de um sentido de ilicitude que o precede

e ilumina.

➢ MFP – uma causa de justificação do facto não é mera delimitação negativa do desvalor da ação

e é, em princípio, uma compensação ou neutralização da lesão do bem jurídico protegido pela

norma, através da realização de um outro bem ou interesse que suscita razão específica para

não proibir uma conduta típica.

Causas de justificação ou de exclusão da ilicitude:

A favor da ideia de que uma ação lícita face a um qualquer ordenamento jurídico não pode constituir

um ilícito jurídico-penal, invoca-se frequentemente o princípio da unidade da ordem jurídica, do

qual a doutrina dominante (TAIPA DE CARVALHO, OLIVEIRA ASCENSÃO) retira a ideia de

unidade da ilicitude: uma vez qualificada como ilícita uma ação por um qualquer ramo de direito,

ela é ilícita face à totalidade da OJ; inversamente, se ela é lícita face a um qualquer ramo de direito, é-

o face à totalidade da OJ.

• FD discorda desta visão – o ilícito não é uma “coisa em si”, mas algo que parcial mas

decisivamente se determina já a partir da consequência, no caso da norma penal, a

partir da especificidade da pena e da medida de segurança criminais. Tal não significa

a morte do princípio da unidade da ordem jurídica, mas apenas que este princípio

deve:

a) Por um lado, pensar-se no plano puramente negativo e, portanto, no sentido de

que sempre que uma conduta é, através de uma disposição do direito, imposta ou

considerada como autorizada ou permitida, está excluída sem mais a possibilidade

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de, ao mesmo tempo, e com base num preceito penal, ser tida como antijurídica e

punível.

b) Ao que acresce a especificidade do ilícito penal, derivada já da especificidade das

sanções que a ele se ligam, determinantes pela sua severidade, gravidade e lesão

que implicam de direitos, liberdades e garantias fundamentais do condenado, do

princípio político-criminal da intervenção mínima e de ultima ratio.

c) Assim, conclui FD que não é correto negar em bloco a possibilidade de se pensar a

ilicitude penal como uma ilicitude especificamente penal, devendo, pelo

contrário, acompanhar-se no essencial a tese de EDUARDO CORREIA da

possibilidade de uma específica exclusão ou justificação do ilícito penal – ilicitude

penal qualificada.

1- LEGÍTIMA DEFESA

Nos termos do art. 32º CP:

“Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e

ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.”

No momento atual, o fundamento desta figura reside predominante ou exclusivamente na defesa

necessária – e consequente preservação – do bem jurídico agredido, deste modo se considerando

esta causa justificativa um instrumento (relativo) socialmente imprescindível de prevenção e, por aí,

de defesa da OJ.

Nas palavras de FERNANDA PALMA, a legítima defesa é um modo de resolução de conflitos entre

os participantes num sistema social, através do qual é conferido aos indivíduos, em casos específicos

ou subsidiariamente, o poder de efetivar as regras do sistema sem recurso à autoridade das

instituições.

De acordo com a doutrina dominante (ROXIN, SILVA MARQUES, FD), são dois os fundamentos da

força justificativa da legítima defesa:

1. Necessidade de defesa da OJ, através da qual se justificará que se sacrifiquem bens jurídicos

de valor superior aos postos em causa pela agressão. É por isto que se justifica que a legítima

defesa não esteja limitada por uma ideia de proporcionalidade. Não há fundamento para

uma ação de legítima defesa quando, no caso, se verifique um interesse na preservação do

Direito, mas inexista a necessidade de proteção de um bem jurídico.

2. Necessidade de proteção dos bens jurídicos ameaçados pela agressão – à defesa de um bem

jurídico acresce o propósito da preservação do Direito na esfera de liberdade pessoal do

agredido, tanto mais quanto a ameaça resulta de um comportamento ilícito de outrem. Esta é

a razão pela qual a defesa é legítima ainda quando o interesse defendido seja de valor

inferior ao interesse lesado pela defesa: o interesse defendido é aquele que prepondera no

conflito, porque ele preserva do mesmo passo o Direito na pessoa do agredido – conceção

intersubjetiva.

• TAIPA DE CARVALHO – seria injusto impor ao agredido por um agressor doloso e

censurável uma limitação da sua liberdade de estar ou da defesa ativa dos seus bens.

É essa injustiça que constitui para este autor o fundamento da legítima defesa, pois só

aquela especial situação, a de uma agressão atual, ilícita, dolosa e censurável, e a

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injustiça de impor ao agredido um dever de suportar essa agressão fará cessar o dever

de solidariedade do agredido para com o agressor e permitir que sobre ele recaia uma

ação de legítima defesa, que não deverá ser limitada pelo princípio da

proporcionalidade.

• FERNANDA PALMA – a legítima defesa deve ser caracterizada por uma exigência de

proporcionalidade qualitativa: o defendente pode, em legítima defesa, lesar um bem

essencial (que manifesta a dignidade da pessoa humana – art. 21º) do agressor – bens

esses como os relativos à vida, à integridade física, etc. – se for para se defender de

uma agressão pelo agressor a um também bem essencial seu – são os casos da

insuportabilidade da não defesa. Art. 34º/c). Há, então, que hierarquizar bens

jurídicos a partir do valor da própria pessoa. O poder privado de defesa radica na

necessidade de preservar a dignidade e a autonomia da pessoa e os seus direitos.

o FD critica: desvaloriza o facto de a agressão ser sempre ilícita, minimizando a

função preventiva do instituto e leva muito longe o fundamento, quase

identificando com o estado de necessidade, alegando uma eminente violação

da dignidade da pessoa.

Estes dois fundamentos interligam-se na ideia de uma preservação do Direito na pessoa do agredido

(STRATENWERTH).

MFP está a meio caminho de 2 perspetivas:

a) Perspetiva individualista – a legítima defesa é expressão de direitos individuais e da

liberdade.

Aceitaria a ilimitação da LD em relação a quaisquer bens afetados, sem distinção.

Ideia fundamental é que ninguém pode ser vítima de agressões ilícitas aos seus direitos

(CASTANHEIRA NEVES).

b) Perspetiva publicista – apela a valores do Estado, sendo o fundamento da legítima defesa a

tutela substitutiva.

Em certas circunstâncias, o Estado é representado pelos direitos privados quando não for

possível atuar publicamente.

Assenta no princípio da subsidiariedade da legítima defesa, pois a tutela pública é que é

característica dum Estado de Direito democrático.

Valor da autoridade pública é o mais alto.

MFP fragmenta a legítima defesa em duas:

1. Ilimitada – seria insuportável exigir que a pessoa não se defendesse, pois está em causa um

bem do núcleo de essencialidade da dignidade da pessoa humana. Significa defesa ilimitada

dos bens associados à dignidade da pessoa humana.

i. MFP não exclui logo à partida o património – esses bens patrimoniais podem ser

justificativos, em situações específicas (condições da subsistência e dignidade de

uma pessoa).

ii. Defesa da ordem constitucional – interpreta-se como a ordem de bens jurídicos

associadas aos direitos fundamentais, havendo hierarquia entre direitos

fundamentais (ex: na CRP o património não está como direito fundamental).

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2. Limitada – bens sem o significado anterior, para os quais a defesa tem de ser moderada e não

se justifica uma legítima defesa a todo o custo.

A jurisprudência e a doutrina germânicas conceberam um modelo de moderação do paradigma

neohegeliano da legítima defesa, designado como Doutrina dos Limites Ético-sociais da Legítima

Defesa:

➢ Em certos contextos de responsabilização social do defendente (provocação da agressão,

relação familiar ou posição de garante relativamente ao agressor, insignificância da agressão

e inimputabilidade do agressor), a legítima defesa não seria autorizada como resposta

ilimitada à agressão ilícita, impondo-se uma certa compressão do direito de defesa.

➢ Apelo à figura do abuso de direito.

➢ Conceção hierarquizada de interesses ou bens jurídicos na OJ do Estado de Direito

democrático, construída a partir dos valores da pessoa. Dessa conceção não resultará uma

necessidade de afirmação da validade de qualquer norma concreta ou a proteção de qualquer

interesse ou direito perante uma agressão ilícita a qualquer preço.

» Situação de legítima defesa; Pressupostos:

(1) Agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro:

AGRESSÃO – ameaça derivada de um comportamento humano a um bem juridicamente protegido

(FD – só os seres humanos podem violar o direito: o direito à defesa contra animais ou coisas

inanimadas é dado e justificado pelo direito de necessidade – art. 34º CP; exceto se os animais

estiverem a ser usados como instrumento de agressão, já que nestes casos não deixa de se estar

perante uma agressão humana, sendo o animal utilizado como arma):

a) Essa agressão tem de ser voluntária, exigindo um estado de consciência em que a vontade

esteja presente.

• FD – a agressão pode provir de entes coletivos. Contra, ROXIN.

b) Engloba uma defesa contra condutas dolosas ou negligentes – o agredido muitas vezes tem

dificuldade em saber se a agressão é dolosa ou negligente. Esta possibilidade não é

contraditória com a consideração do fundamento da legítima defesa como necessidade de

manutenção de exigências de prevenção geral.

c) Engloba tanto o comportamento ativo como o omissivo – abrange tanto as omissões impuras

como as omissões puras?

• FD – sim. Existe um omitir do qual resulta um perigo para bens jurídicos, individuais

e supra-individuais, e relativamente ao qual, portanto, deve ser afirmada a

possibilidade de legítima defesa.

• ROXIN – não, o conceito de agressão e a consequente legitimidade da defesa é

restringido às omissões impuras, pois na omissão pura não há a colocação em perigo

de bens jurídicos individuais (LUZÓN) e a omissão pura não é punível como lesão

desses bens jurídicos.

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INTERESSES JURIDICAMENTE PROTEGIDOS – o bem ameaçado deve ser juridicamente protegido

(não sendo necessariamente um bem jurídico-penal). Por exemplo, a vida, a integridade física, a

liberdade, a autodeterminação sexual, a propriedade, a posse, o bom nome, etc., constituem interesses

juridicamente protegidos para o efeito de legítima defesa.

• MFP: Não pressupõe necessariamente uma natureza penal do ilícito e pode ser o repelir de

agressões que não correspondem a factos legalmente incriminados.

Apenas bens individuais ou também bens supra-individuais podem constituir objeto de agressão?

Hoje, com a referida tendência para uma cada vez mais acentuada individualização da

legítima defesa, uma doutrina privilegiada resolve a questão no sentido da primeira

alternativa (apenas bens individuais) – TAIPA DE CARVALHO e MFP (que limita a defesa

aos bens pessoais ou ainda patrimoniais essenciais à manutenção e desenvolvimento da

dignidade humana).

FD – defende a segunda alternativa:

a) O art. 32º pode sugerir que a agressão deve pôr em causa bens pessoais, ao referir

“interesses do agente ou de terceiro” e não também do Estado ou da comunidade, se bem

que, de um ponto de vista formal, sempre pudesse retorquir-se que o Estado surge como

“terceiro” em relação ao agressor.

b) Não há razão para distinguir o Estado das pessoas físicas e jurídicas quando estejam em

causa bens jurídicos de fruição individual por ele tutelados (ex: pode assim defender-se

legitimamente um furto de material de uma escola ou a danificação de um banco de um

jardim público).

c) A justificação da legítima defesa deve ter lugar relativamente a bens supra-individuais

sempre que a agressão a estes ponha em sério perigo bens das pessoas (ex: será suscetível

de justificação por legítima defesa a ação daquele que impede pela força um indivíduo

completamente embriagado de se fazer à estrada com o seu automóvel).

d) O que justifica a legítima defesa alheia é que o defendente, como membro da comunidade,

é ele próprio “agredido” quando um outro indivíduo o é, pois essa agressão é ilícita.

Quanto à proteção de interesses de terceiro, fala-se aqui em auxílio necessário. Os requisitos da

legítima defesa devem, aqui, ser os mesmos.

Questão discutida é a de saber como deve decidir-se o caso em que o agredido não quer ser

defendido ou quer ser ele próprio a defender-se:

o Na Alemanha entende-se que o agredido não deve nunca ser defendido contra a sua vontade

expressa, pois de outro modo ultrapassa-se em toda a sua dimensão o pensamento da

prevalência do Direito sobre o ilícito na pessoa do agredido.

o Hoje estão a tornar-se mais comuns as considerações “diferenciadoras”, consoante a agressão

vise bens jurídicos disponíveis ou indisponíveis.

(2) Atualidade da agressão:

A agressão é atual quando é iminente (FD e ROXIN), já se iniciou ou ainda persiste. Para MFP, a

agressão é atual quando já há a prática de algum ato de execução.

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a) Início da atualidade da agressão – a agressão é iminente quando o bem jurídico se encontra

já imediatamente ameaçado. Assim, por exemplo, deve considerar-se coberto pela legítima

defesa o disparo de A sobre B quando efetuado no momento em que B levou a mão ao bolso

para sacar do revólver com o qual pretendia atirar sobre A.

• FP – a agressão é atual para efeitos de legítima defesa quando há atos de execução

constitutivos da tentativa de crime, presentes no art. 22º CP.

Mais discutido têm sido os casos em que a agressão não é ainda sequer iminente, mas já se sabe

antecipadamente, com certeza ou elevado grau de segurança, que ela vai ter lugar. Ex: o dono de uma

estalagem ouve, ao jantar, três hóspedes combinarem entre si o assalto ao estabelecimento durante a

noite. Haverá justificação por legítima defesa se o dono da estalagem coloca soníferos nas bebidas

dos clientes?

o Uma doutrina minoritária defende que a agressão já é atual no momento em que se sabe que

ela vai ter lugar se o adiamento da reação para o momento em que ela fosse iminente tornava

a resposta impossível, mediante um grave endurecimento dos meios – teoria da defesa mais

eficaz /teoria da legítima defesa preventiva.

• FD, ROXIN e TAIPA DE CARVALHO: esta teoria não deve ter acolhimento, pois

alarga em demasia o conceito de atualidade e pode trazer consequências nefastas, ao

legitimar formas privadas de defesa em substituição da atuação das autoridades

competentes.

o FD – a legítima defesa deve ser negada nestes casos, por não estarmos em presença de

agressões atuais. Uma eventual exclusão da ilicitude só poderá verificar-se através da figura

do direito de necessidade defensivo, uma vez verificadas determinadas condições (máxime, a

impossibilidade ou ineficácia de uma intervenção policial).

o FP – Não poderá haver nestes casos analogia com a legítima defesa defensiva, pois estaríamos

a inverter os papéis: o agente que ainda não agrediu seria já considerado agressor e aquele

que vai efetivamente agredir alguém (supostamente em legítima defesa) vai ser considerado

defendente. A única figura que se poderá aplicar aqui por analogia é a da provocação de

legítima defesa.

b) Término da atualidade da agressão – a defesa pode ter lugar até ao último momento em que

a agressão ainda persiste.

O momento em que a agressão deixa de ser atual é aquele em que se alcança o último momento em

que há a consumação dos crimes:

• Na maior parte dos crimes tal momento é o da consumação, mas, há numerosos crimes em

que a agressão ou o estado de antijuridicidade perdura além da consumação. É o caso do

crime de ofensas à integridade física (art. 143º), que se consuma logo que A desfere o primeiro

murro em B, mas nem por isso B está impedido de responder em legítima defesa contra os

murros e pontapés seguintes (mas não já se B recebe uma bofetada de A e responde com outra,

se não houver nenhuma razão para crer que a bofetada de A se insere num processo

continuado de ofensa à integridade física de B).

• O momento relevante é aquele até ao qual a defesa é suscetível de pôr fim à agressão. É à luz

deste critério que devem ser resolvidos os casos que mais dúvidas levantam: o dos crimes

contra a propriedade, nomeadamente o do crime de furto. Isto porque o objetivo da legítima

defesa é o de repelir a agressão; não se trata de uma lógica de vingança ou de fazer justiça

repressiva que cabe ao Estado.

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(3) Ilicitude da agressão:

Afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, não tendo de ser especificamente penal: pode repelir-

se em legítima defesa agressões violadoras não apenas do direito penal, mas também do direito civil,

do direito de mera ordenação social, etc. Contudo, a agressão não será ilícita para este efeito em

relação a interesses para cuja agressão a lei prevê procedimentos especiais, como será o caso dos

direitos de crédito e dos de natureza familiar.

Essa ilicitude não é vista em dimensão subjetiva:

• Não tem de existir dolo ou uma violação subjetiva do dever de cuidado pelo agressor, bastando

uma objetiva contrariedade aos deveres jurídicos derivados da norma.

• Se agente estiver em erro não tem dolo, mas a vítima pode agir em legítima defesa contra este.

Isto porque objetivamente há facto ilícito e basta isto para se afirmar que não é suportável a não

defesa.

Não sendo ilícitas as agressões justificadas, não pode ser exercido contra elas legítima defesa – a quem

atua ao abrigo de uma causa de justificação é concedido um verdadeiro direito da intervenção na

esfera de terceiros, que faz impender sobre estes um dever de suportar aquela conduta e impossibilita

uma reação em legítima defesa.

NOTA: a situação de legítima defesa pressupõe a ilicitude da agressão, mas não a culpa do agressor.

Podem, assim, ser repelidas em legítima defesa agressões em que o agente atue sem culpa, devido a

inimputabilidade, à existência de uma causa de exclusão de culpa ou a um erro sobre a ilicitude não

censurável.

» Ação de defesa; Requisitos:

O art. 32º fala na exigência de um “meio necessário para repelir a agressão”, parecendo deste modo

que a ação de defesa é caracterizada exclusivamente através da necessidade do meio nela utilizado;

não há defesa legítima se ela for desnecessária. (FD).

1- Necessidade do meio:

Para a ação de defesa estar justificada, devem ser usados os meios necessários para repelir a agressão

atual e ilícita.

O meio será necessário se for idóneo para deter a agressão;

Caso sejam vários os meios adequados à disposição do defendente, o meio será necessário se

for o menos gravoso para os bens do agressor.

Só verificando-se estas circunstâncias se poderá afirmar que o meio foi indispensável à defesa e,

portanto, necessário.

Sem quaisquer outras limitações, a interpretação literal do art. 32º CP levava a que se permitissem

lesões elevadamente desproporcionais à defesa de certos bens – o artigo não limita, como faz o art.

337º CC:

➢ MFP: uma interpretação jurídica do art. 32º de acordo com o fundamento da legítima defesa,

numa ordem jurídico-constitucional que impõe uma salvaguarda de bens jurídicos e

interesses de valor superior no conflito com outros de menor valor, implica o relacionamento

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da necessidade com a necessidade do meio e com a própria necessidade de defesa a partir

de critérios de prevalência de valores. O conteúdo essencial da autonomia da pessoa e da sua

dignidade (art. 1º CRP) justificará o único critério de necessidade absoluta de defesa à custa

de bens da maior importância do agressor – nestes casos, qualquer restrição da defesa, quando

está em causa um aspeto nuclear da autonomia e dignidade da pessoa, seria insuportável pois

poria em causa a ordem de valores constitucional.

O juízo de necessidade reporta-se ao momento da agressão, tem natureza ex ante e nele deve ser

avaliada objetivamente toda a dinâmica do acontecimento, merecendo especial atenção as

características pessoais do agressor, os instrumentos de que dispõe, a intensidade e a surpresa do

ataque, em contraposição com as características pessoais do defendente e os instrumentos de defesa

de que poderia lançar mão.

Não explícito no art. 32º CP, mas decorrente da sua correta interpretação e especialmente atendendo

à necessidade do meio, em conjugação com o art. 21º/1 CRP, temos o critério de não ser possível

recorrer às forças de autoridade.

➢ MFP – se a autoridade pública nada faz, pode haver legítima defesa, pois a inoperabilidade

da autoridade pública dá legitimidade à legítima defesa, devido à insuportabilidade da

agressão.

O uso de meio não necessário à defesa representa um excesso, que determina a não justificação do

facto por legítima defesa. Um meio será considerado desnecessário sempre que fosse razoavelmente

de supor que outro meio não agressivo pudesse ter sido utilizado com êxito.

• Excesso de meios ou excesso intensivo de legítima defesa – leva à ilicitude do facto praticado

(art. 33º).

A determinação do meio necessário à defesa é algo que na prática suscita dificuldades porque muitas

vezes só depois de utilizado se fica a saber se ele bastaria à defesa.

• Esta realidade dá azo a que muitas vezes sejam usados meios mais gravosos para o agressor

do que aqueles que teriam sido necessários para a defesa – tal não impede a afirmação da

ilicitude, mas pode determinar uma diminuição da culpa ou até a exclusão da culpa.

2- Necessidade da defesa:

A necessidade do meio pressupõe a própria necessidade da defesa como questão prévia.

A própria defesa tem de se revelar como normativamente imposta, para que possa ser vista como

exigência de reafirmação do Direito face ao ilícito na pessoa do agredido.

• Isto é o que resulta de uma interpretação teleológica e funcionalmente comandada da causa

de justificação em questão, examinado à luz do seu fundamento jurídico-normativo.

o MFP – refere-se à insuportabilidade da não defesa de bens eminentemente pessoais, por

um lado, e à moderação da defesa quando estejam em causa bens de uma outra natureza

do defendente em confronto com bens pessoais, como a vida e a integridade física do

agressor.

De acordo com FIGUEIREDO DIAS, há agressões que não se apresentam como uma ofensa

socialmente intolerável dos direitos do agredido, pelo que a legítima defesa pode não surgir como

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socialmente indispensável à afirmação do Direito face ao ilícito na pessoa do agredido ou só surgir se

for respeitada uma certa proporcionalidade dos bens conflituantes.

FD fala em:

Agressões não culposas – a agressão é ilícita e atual, mas o agressor age sem culpa, seja porque

é inimputável, porque não tem consciência do ilícito não censurável ou porque está a agir

numa situação de inexigibilidade legalmente prevista ou situação análoga.

Nestes casos, quanto menos responsável for o agressor pela sua atuação, tanto mais restritos serão os

limites de necessidade da defesa; por isso, a defesa agressiva não é necessária se o agredido pode

esquivar-se à agressão, por exemplo, afastando-se do doente mental que o insulta em vez de o ofender

corporalmente. Se nenhuma hipótese deste género se verifica, porém, a defesa será necessária e o

direito de legítima defesa persiste, embora deva manter-se dentro dos limites da compressão objetiva

imposta perante atuações não culposas.

Agressões provocadas – é o agredido que dá azo à situação de confronto. Alguém provoca de

forma pré-ordenada uma situação de legítima defesa para que depois possa agir sobre o

agressor em legítima defesa.

Nega-se a necessidade de defesa quando esteja em causa uma agressão pré-ordenadamente

provocada, tendo em conta uma estreita conexão temporal e uma adequada proporção com a

agressão que provoca.

Se o terceiro não sabe disto e intervém em defesa alheia do defendente provocador, este terceiro já

detém elemento subjetivo de causa de exclusão da ilicitude porque ele está a impedir que haja

agressão do (falso) defendente.

Nos casos em que o agredido provocou a agressão através de atos que não são considerados ilícitos,

fará sentido que o Direito lhe permita fazer isso e depois, em função da prática desses atos, lhe venha

retirar a possibilidade de defesa? BN – isso parece ser contraditório.

o Crassa desproporção do significado da agressão e da defesa:

A limitação da necessidade da defesa ocorre em função da verificação de uma crassa desproporção

do peso da agressão para o agredido e da defesa para o agressor.

FD – pugna por uma comparação objetiva do significado jurídico-social da defesa com o peso da

agressão para o agredido: a necessidade da defesa deve ser negada sempre que se verifique uma

insuportável (do ponto de vista jurídico) relação de desproporção entre ela e a agressão pois uma

defesa inadmissivelmente excessiva é abusiva e não se representa como uma defesa do Direito contra

o ilícito na pessoa do agredido. Não pode ser legítima a defesa que se revela notoriamente excessiva

face aos bens agredidos e que, nessa medida, representa um abuso do direito de legítima defesa.

MFP – ideia de proporcionalidade dos bens jurídicos em conflito: é condição de justificação que a

lesão derivada da defesa não seja sensivelmente superior à resultante da agressão, pois a agressão a

bens que não os definidores da dignidade essencial da pessoa exclui a legitimidade da defesa quando

esta determine a morte ou lesões graves à integridade física do agressor.

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o Posições especiais:

Há casos em que as relações de proximidade criam especiais laços de solidariedade juridicamente

relevantes.

Há um dever de defender, mas tal tem de ser dentro dos parâmetros da legítima defesa. Comprovada

a efetiva proximidade existencial, proveniente da verificação de uma relação real entre os indivíduos,

está justificada uma maior compressão da agressão: o ameaçado deve sempre que possível evitar a

agressão, escolher o meio menos gravoso de defesa, ainda que ele se apresente menos seguro para

repelir a agressão e renunciar a uma defesa que ponha em perigo a vida ou a integridade física

essencial do agredido.

o Atos de autoridade:

O problema que se coloca é o de saber se a autoridade pública exerce uma verdadeira legítima defesa

ou apenas se limita a cumprir deveres quando responde a agressões.

MFP – não se pode deixar de reconhecer que o cumprimento de deveres como a manutenção da

ordem pública ou a detenção de suspeitos de crimes ou condenados que se subtraem ao cumprimento

da pena – sonegados, em princípio, aos particulares – há de permitir possibilidades de atuação

justificadas pelos valores a atingir no exercício da competência específica dos agentes da autoridade.

Há mesmo um princípio de atuação preventiva e promocional que é estranho à conceção tradicional

de legítima defesa.

Mas a instrumentalização da OJ à proteção de direitos fundamentais, o entendimento do Direito como

ordem de bens jurídicos hierarquizados em função da essencial e igual dignidade da pessoa humana

e a exigência de necessidade, adequação e proporcionalidade na proteção de direitos à custa de outros

direitos, constituem limites ao cumprimento de deveres pela autoridade pública que, nesse plano,

e no essencial, não se distingue da legítima defesa.

As normas que autorizam a intervenção da autoridade estão numa relação de especialidade

recíproca em relação às que preveem a legítima defesa – transformam em dever o que a norma geral

da legítima defesa só consagra como permissão e/ou direito (isto nos casos de legítima defesa alheia).

Lei que regula a intervenção da autoridade pública e que resulta numa concomitância entre

cumprimento de deveres e uma legítima defesa da autoridade pública: DL 457/99 (uso de armas de

fogo).

» Elemento subjetivo da legítima defesa:

Além do requisito subjetivo que vale para a generalidade das causas de justificação (o do

conhecimento da situação de legítima defesa), desde há muito que se discute se é necessário um

animus defendendi, i.e., uma atuação com vontade de defender os bens jurídicos ameaçados pela

agressão.

A verdadeira razão por que se impôs a exigência de elementos subjetivos da justificação reside em

que os elementos objetivos do tipo justificador só apresentam virtualidade para excluir o desvalor do

resultado, enquanto os elementos subjetivos servem para caracterizar a falta do desvalor da ação.

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o A doutrina hoje dominante corre no sentido de que, existindo o conhecimento da situação de

legítima defesa, não deverá exigir-se adicionalmente uma co-motivação de defesa, pois tal

faria depender a existência da justificação da manifestação de uma atitude interior do

defendente que levaria a conotar perigosamente a legítima defesa com conceções morais

próximas de um direito penal do agente.

o MFP – não será exigível, propriamente, um animus defendendi, no sentido de a defesa ser a

exclusiva motivação do defendente, mas é necessário que a conduta que se opõe à agressão

ilícita seja explicável como defesa na linguagem social.

• Vários acórdãos mais recentes têm vindo afirmar que basta a consciência da situação

justificante e não é requerida uma motivação exclusiva de defesa.

• O que impõe uma ação conscientemente dirigida à defesa em que a agressão seja motivo

determinante do agir. Não é preciso consciência que se está a defender a Ordem Pública,

mas no mínimo temos de ter consciência que estamos a ser vítimas de uma agressão e que

não há mais nenhuma forma de responder a não ser agredir, também, os bens jurídicos

do agressor.

o A ausência desta consciência impede a justificação por legítima defesa, mas não

exclui, para parte da doutrina penal, uma atenuação da responsabilidade penal

nos termos da pena de tentativa.

o Estará em causa uma aplicação analógica do art. 38º/4.

Excesso de causa de justificação

O que diferencia a causa de exclusão da ilicitude das restantes causas de justificação é a ideia de que

existe uma espécie de autorização da OJ, uma revaloração de um facto que era antinormativo e passa

a ser neutralizado ou passa mesmo a haver a prevalência de um valor sobre outro, como sucede no

caso de legítima defesa: quando seja intolerável a não defesa de um direito ou interesse, então

predomina, para o Direito, a proteção desse direito sobre a violação de direitos do agressor.

• Contra um comportamento que é merecedor de uma exclusão de ilicitude não pode ser oposto

um outro direito; daí que não possa haver legítima defesa sobre legítima defesa.

O que se passa nas causas de exclusão de culpabilidade é outra coisa (art. 35º CP): casos em que o

agente não tem as condições necessárias/suficientes para se motivar pela norma – estados de

necessidade desculpante.

A grande diferença prática entre estas duas é a de que, ao contrário do que sucede na causa de

exclusão da ilicitude (legítima defesa), nos casos de exclusão da culpabilidade (estado de necessidade

desculpante), em que apenas está em causa a censurabilidade do agente e a sua falta de

oportunidade/liberdade para se motivar pela norma, é possível opor-se a esse comportamento

através de legítima defesa. Nos casos de exclusão de culpabilidade não se faz nenhuma

avaliação/ponderação objetiva dos valores do sistema.

Em certos casos, contudo, o agente está a agir sob domínio de uma causa de exclusão da ilicitude

(legítima defesa, por exemplo); mas, por medo ou outro tipo de emoção, o agente utiliza um meio

que não é necessário. Ex: mata o agressor quando pode apenas agredi-lo. Estes são os casos de

excesso da causa de justificação.

O art. 33º CP define a figura do excesso de legítima defesa, embora possamos alargar a aplicação deste

art. a outras causas de exclusão da ilicitude, por analogia (mas sempre a favor do arguido). Há excesso

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de legítima defesa quando os pressupostos da legítima defesa estão preenchidos mas os requisitos

não.

No nº 2 deste artigo temos uma figura que já se prende com a exclusão da culpabilidade e não com a

exclusão da ilicitude.

Quando há excesso de legítima defesa, a agressão é ilícita e, nesse caso, pode ser-lhe oposta outro

comportamento em legítima defesa: sobre excesso de legítima defesa há legítima defesa.

No caso da legítima defesa, costuma caracterizar-se situações de excesso de caso de justificação (neste

caso, de legítima defesa) putativa: casos em que o agente está em erro sobre o pressuposto de facto

de uma causa de justificação e, para responder àquela situação que ele representa como uma tal

justificação, utiliza um meio não necessário. Combina-se aqui a figura do excesso com a figura do

erro.

• Também este caso é de excesso de legítima defesa.

• Como punir estes casos?

o MFP – este é um erro que incide sobre a situação justificante, pelo que o agente que

utiliza erradamente um meio, está a agir ilicitamente; para além disso, mais ilícito é,

na medida em que está a violar um dos requisitos da causa de justificação (a adequação

do meio), que teria de respeitar se realmente se verificasse uma causa de justificação.

Assim, nunca o poderemos beneficiar em relação ao agente que pratica o previsto no

art. 33º/2: situações em que o agente está efetivamente em legítima defesa. Deste

modo, quando muito poderá haver uma aplicação do art. 33º/2 por analogia em

determinados casos, mas o agente nunca poderá ser beneficiado relativamente às

condições previstas no art. 33º/2. Assim, vamos ver se o excesso foi esténico ou

asténico; se for asténico, temos de ver se foi censurável; se tiver sido, ainda assim

poderá haver atenuação nos termos do art. 33º/1.

• Não é um caso do 16º/2, pois trata-se de uma situação de erro sobre um estado

de coisas que, a existir, não excluiria a ilicitude, pois o agente teria agido com

excesso.

NOTA: nos casos em que o excesso provém de erro, aplica-se por analogia o art. 16º/2. Ex: o agente

utiliza uma arma que tem uns dardos tranquilizadores, tendo outro menos gravoso ao seu dispor (ou

seja, usa um meio desnecessário), mas não sabe que a arma tem esses dados tranquilizadores.

Estados de Necessidade Justificantes:

A partir de 1886 reconheceu-se a teoria diferenciada do estado de necessidade e é de acordo com ela

que o CP regula complexamente o estado de necessidade: como causa de justificação (art. 34º) e como

causa de exclusão da culpa (art. 35º).

O CP submete a regulação das duas figuras a um denominador comum: o do afastamento, através da

prática de um facto típico, de um perigo atual que ameaça bens jurídicos do agente ou de terceiro. Se

o interesse salvaguardado for de valor sensivelmente superior ao sacrificado, o facto está justificado

por direito de necessidade; uma vez que aquilo que justifica a ação em estado de necessidade não é

uma situação de coação pessoal, mas a preservação do interesse sensivelmente preponderante,

qualquer pessoa – e não apenas o ameaçado – pode levá-la a cabo e a reivindicar-se da justificação.

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Se o não for, o facto é ilícito, mas o agente poderá, dentro de certos e estritos pressupostos, ver a sua

culpa excluída.

Quanto ao seu fundamento:

o MFP: A lógica desta figura é o conflito de interesses relacionado com valores do bem jurídico

– há um certo valor objetivo dos interesses relacionados com os bens jurídicos em causa. Esta

relação fundamenta um dever de solidariedade. Não é, contudo, uma lógica de solidariedade

absoluta (agente não precisa de pôr em causa os seus interesses) nem objetiva absoluta.

o FD: são dois os fundamentos:

1) Razão de utilidade social, traduzida na maximização da proteção de interesses ou

bens jurídico-socialmente mais importantes entre aqueles que se encontram em conflito;

2) Imposição jurídico-legal de um mínimo de solidariedade entre os membros da

comunidade humana, à luz do interesse individual de cada um dos participantes no conflito.

1. ESTADO DE NECESSIDADE – art. 34º:

Situação de necessidade – pressupostos:

1) Interesses juridicamente protegidos em conflito

A situação de necessidade pressupõe que um perigo atual que ameace interesses juridicamente

protegidos do agente ou de terceiro só possa ser afastado se outro bem jurídico for lesado ou posto

em perigo.

O legislador evitou a expressão “bens jurídicos” pois a ponderação de grandezas conflituantes não se

reduz a uma comparação “seca” de bens jurídicos, mas sim de bens jurídicos projetados no contexto

global da situação – os bens jurídicos conflituantes constituem apenas uma perspetiva de entre várias

relevantes para a ponderação.

2) Perigo que ameaça o bem jurídico

O bem jurídico a salvaguardar tem de se encontrar objetivamente em perigo, porque só então se

pode justificar que um dever de suportar a ação típica recaia sobre o atingido pela intervenção,

demais se ele não for implicado na situação inicial.

3) Atualidade do perigo

Tem de se tratar, assim, de um perigo atual: deverá considerar-se atual mesmo quando não é ainda

iminente, mas o protelamento do facto salvador representaria uma potenciação do perigo; e também

no caso dos “perigos duradouros”, por exemplo quando existe um edifício em perigo de

desmonoramento, se bem que não possa determinar-se se e quando tal ocorrerá (FIGUEIREDO

DIAS).

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NOTA: ainda assim, FD sustenta que a partir daqui não se pode construir a figura do estado de

necessidade preventivo.

REQUISITOS:

1- A “provocação” do perigo

Nos termos do art. 34º/a), é necessário à justificação “não ter sido voluntariamente criada pelo agente

a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro”.

Deve entender-se que a justificação só será afastada se a situação foi intencionalmente provocada

pelo agente, isto é, se ele premeditadamente criou a situação para poder livrar-se dela à custa da lesão

de bens jurídicos alheios.

A própria provocação intencional do agente do perigo não deverá servir, porém, para negar a

justificação do estado de necessidade quando se trata de proteger interesses de terceiro: seria

inadmissível que da provocação do agente pudesse resultar uma lesão não justificada para bens

jurídicos do terceiro posto em perigo, se depois o provocador os salva à custa de um outro terceiro

não implicado.

Assim, se A criou intencionalmente um perigo de incêndio da casa de habitação de B e posteriormente

se arrepende, pode louvar-se do estado de necessidade se entra sem autorização na casa de C (art.

190º) para chamar os bombeiros, excluindo deste modo a ilicitude da violação de domicílio.

2- Princípio do interesse preponderante (art. 34º/b))

a) Pontos de vista relevantes para a ponderação:

- Hierarquia dos bens jurídicos em confronto

A lei exige que se pondere o valor dos interesses conflituantes, nomeadamente dos bens jurídicos em

colisão e o grau do perigo que os ameaça.

De acordo com MFP, o art. 34º/b) tem previsto um conflito de interesses que não engloba todos os

interesses emergentes na situação, englobando apenas os interesses gerais da Ordem Jurídica. Se

assim não fosse, não se compreenderia a introdução de um critério corretor no art. 34º/c) em atenção

à natureza ou valor do interesse a ser sacrificado pelo estado de necessidade.

Conceito de Interesse:

MFP refere-se a uma posição de vontade sobre uma coisa de que se carece e não pode abranger todo

e qualquer valor defensável na situação de conflito, mas não atribuível a uma vontade. Só

simbolicamente se pode utilizar a expressão interesse da Ordem Jurídica.

De acordo com a mesma autora, a justificação em estado de necessidade não é reconduzível ao

confronto objetivo entre bens jurídicos, como era próprio da teoria da ilicitude objetiva, porque é o

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mundo do merecimento pessoal de todos os intervenientes possíveis num conflito de interesses (i.e.,

de coerência global das expetativas de todos os sujeitos ante a Ordem Jurídica), numa lógica de

valores da ação e do resultado, o que sobressai no art. 34º.

➢ Indícios de Hierarquia:

A. Molduras penais

Recorrer à medida legal da pena é um dos pontos de apoio mais importantes para a determinação da

hierarquia dos bens jurídicos conflituantes (sendo jurídico-penalmente protegidos).

B. Intensidade da lesão do bem jurídico

Papel fundamental na ponderação, nomeadamente quanto a saber se está em causa o aniquilamento

completo do interesse ou só uma sua lesão parcial ou passageira.

Este critério tem de penetrar a ordem axiológica constitucional e a correspetiva ordem legal dos bens

jurídicos (prevalecendo os bens jurídicos pessoais sobre os patrimoniais – embora não havendo

dúvidas de que, para afastar um grave prejuízo patrimonial de um incêndio, deve ter-se por

justificado o empurrão que o bombeiro dá a um “mirone” que lhe provoca uma pequena lesão

corporal).

Nos casos em que os interesses conflituantes são, em abstrato, da mesma ou de semelhante hierarquia,

a ponderação terá de ter sobretudo em conta a intensidade previsível da lesão.

C. Grau do perigo

Este indício tem um papel fundamental quando a violação do bem jurídico não surge como

absolutamente segura mas sim como mais ou menos provável.

De acordo com ROXIN, quem, para evitar um dano que seguramente se produzirá se não atuar, leva

a cabo uma ação salvadora que só em pequena medida põe em perigo outro bem jurídico, prosseguirá

em regra o interesse substancialmente preponderante. Mas este será sobretudo o caso quando, para

fazer face a um perigo concreto de uma certa importância, seja aceite a produção somente de perigos

abstratos.

Assim, a corrida de uma ambulância que ponha de algum modo em perigo a vida de um transeunte,

sob a forma de negligência (art. 291º/2), pode porventura justificar-se se ela transporta um ferido

grave, cujo tratamento é urgentíssimo, mas seguramente já não se o ferido tem apenas umas

escoriações ligeiras ou mesmo uma perna previsivelmente partida.

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- Sensível Superioridade do Interesse

Com uma redução objetivista do conceito, interesse deve ser aquilo que se entende e reconhece como

tal, sendo, por isso, juridicamente protegido.

Existe aqui uma acentuação subjetivista conexionada com o conceito de interesse, de forma a que a

importância do dano não possa ser desligada da sua relevância para o lesado, desde que corresponda

a um interesse juridicamente protegido.

O conceito de interesse possibilita uma dimensão subjetivista do dano que leva a uma redefinição do

conteúdo dos bens jurídicos e do dano objetivo.

MFP suscita a questão de saber se o confronto dos interesses exige uma especial (quantitativa ou

qualitativa) superioridade de um dos interesses ou a expressão “sensível” tem somente um

significado processual, i.e., de indicar que a maneira pela qual se chega à conclusão de que um

interesse é superior a outro é através de um processo de apreensão pelos sentidos (a referida

superioridade só existira se fosse sensível, porque só nesse caso poderia ser conhecida).

Surgem então, como alternativas que encerram um problema de construção da ilicitude:

a) A justificação baseia-se num princípio utilitarista de mera realização do interesse mais valioso

numa perspetiva social;

b) A justificação pretende realizar aquele entre os interesses que não só é mais valioso do que o

que lhe opõe, como também surge como essencial, i.e., cuja lesão implica danos difíceis ou

impossíveis de suportar.

o MFP: o significado da diferença sensível é, obviamente, o da seleção de um certo tipo

de fatores de ponderação, orientados não por pontos de vista estritamente de ordem

(interesse do legislador) mas por pontos de vista que correspondam a uma normal

sensibilidade aos valores (cultural e socialmente determinada).

• Apreensível pelos sentidos – qualquer pessoa consegue

conceber/representar; não é só uma diferença compreensível por qualquer

pessoa e sim uma diferença justificada pela ordem jurídica constitucional –

superioridade indiscutível nos termos da hierarquia de valores

constitucionais.

o FD: o que a lei se propõe, ao exigir esta superioridade sensível não é só que o

interesse salvaguardado se situe muito acima do interesse sacrificado, mas que a

justificação ocorra apenas quando é clara, inequívoca, indubitável ou terminante

a aludida superioridade à luz dos fatores relevantes de ponderação.

3- Cláusula da limitação pela dignidade humana / autonomia pessoal do lesado (art. 34º/c))

Casos em que o bem jurídico ofendido é de caráter eminentemente pessoal – pode ser justificado

mediante certas ponderações. Ex: C é forçado, sem prejuízo para si, a doar sangue pois é a única

pessoa com o tipo de sangue que salva D. É inadmissível, devido ao pequeno perigo ou mesmo

ausência de perigo para C, invocar a violação da autonomia pessoal de C ou, nos termos do art. 34º/c),

da irrazoabilidade de impor ao lesado o sacrifício do seu interesse para salvar a vida de outrem.

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A possibilidade de impor sacrifício ao lesado significa que o lesado não pode estar numa posição

que é insuportável:

a) Se fosse insuportável, este poderia exercer legítima defesa.

b) Tem de haver uma diferença entre os interesses.

c) Só é razoável impor ao lesado se tal não colidir com a dignidade da pessoa.

Problema de vida contra vida:

Haverá alguma vida que valha mais ou, estando duas em perigo, não se salva nenhuma?

Este tema é sujeito a dúvidas e discussões morais.

o Caso do homem gordo – homem gordo está entalado num buracão que constitui a

saída de uma caverna, não podendo sair nem podendo deixar os outros

acompanhantes fazê-lo, pelo que o caso só se resolve com uma explosão que liberte

a saída da caverna, estoirando simultaneamente o homem gordo.

o Caso do balão de ar quente – estão dois homens num balão e se um não saltar,

morrem ambos, sendo impossível salvarem-se os dois.

FD levanta a questão de saber se o sacrifício da vida humana de pessoa já nascida deve entrar na

ponderação própria do estado de necessidade justificante ou, pelo contrário, dela ser pura e

simplesmente excluída.

o MFP: Existem ideias de justiça que nos levam a “tomar partido”, de certo

modo, em situações de conflitos entre vidas, permitindo, em certos casos,

uma argumentação jurídica, que conduz à necessidade de identificar uma

causa de justificação.

Ora, a doutrina dominante é a de que a vida é um bem jurídico de valor incomparável e

insubstituível, que ocupa um primeiro e indisputável lugar na hierarquia dos bens jurídicos, não

havendo legítimas diferenças qualitativas entre o valor de vidas humanas (criança/velho; rico/pobre;

saudável/doente) nem pode haver ponderações quantitativas pois uma vida vale exatamente o

mesmo que todas as outras.

Em caso de vida contra vida, deve assentar-se o princípio da imponderabilidade da vida para efeito

do estado de necessidade justificante. Ex: não é estado de necessidade quando um agulheiro desvia

um comboio de uma linha, que ia embater noutro comboio cheio de passageiros, para outra linha

onde estão 2 trabalhadores que são esmagados. Não é, na senda do utilitarismo, a “utilidade” que

aqui está em causa, mas sim o valor “ético” da preservação da vida dos outros.

Tendo em conta que o Estado de Necessidade não se aplica a conflitos entre puros bens jurídicos mas

sim no quadro mais complexo dos interesses conflituantes da situação global, a única forma de por o

problema é: no contexto complexo da situação global, será possível descortinar casos em que o interesse na

preservação de uma ou mais vidas prepondera sobre o sacrifício de outra ou outras?

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➢ Alguma doutrina entende que há casos desses:

• Comunidade de Perigo – quando, havendo várias pessoas, todas elas colocadas numa

situação comum de perigo para a vida, se sacrifica uma ou algumas delas como única e

adequada forma de impedir que outra ou outras pereçam. Ex: caso dos náufragos (em que

só há espaço para um), ou caso do bote (em que praticam canibalismo)

o FD: a comunidade de perigo não pode, em si e por si mesma, justificar o facto

que sacrifica alguma ou algumas vidas para salvar outra. Tal só pode

acontecer em casos em que, se não atuar, o destino determina também a sua

destruição – há estado de necessidade quando a proteção de bens jurídicos

(que ainda podem ser salvos) prepondera notoriamente sobre o “interesse”

de deixar o destino seguir o seu curso destruidor. Ex: caso dos montanhistas

em risco de cair e presos por uma corda; se A não cortar a corda (que faz com

que B caia), ele também irá cair (porque a corda não aguenta tanto peso).

o MFP: mesmos nestes casos, a admitir a exclusão da ilicitude, nunca será por

direito de necessidade, mas sim por uma causa de justificação supralegal.

Não há aqui um interesse sensivelmente superior, pelo que continuará a

haver insuportabilidade da não defesa por parte do lesado, pelo que aqui

poderia haver causa de justificação contra causa de justificação (poder-se-ia

defender, por exemplo, por legítima defesa).

É duvidosa a solução dos casos, como direito de necessidade, em que a salvação de algumas vidas

implica o exercício do direito do mais forte ou a escolha da vida a ser sacrificada face às outras a

serem salvas. Ex: caso dos náufragos (em que só há espaço para um, o que nadar melhor e chegar

primeiro), caso do bote (em que 2 praticam canibalismo sobre 1).

REQUISITOS SUBJETIVOS:

O agente deve conhecer a situação de conflito e atuar com a consciência de salvaguardar o interesse

preponderante.

Deve ainda exigir-se uma vontade de defender o interesse preponderante?

o FD – não, pois não teria sentido nem fundamento negar a justificação a quam

salva outrem de um perigo para a sua vida ou o seu corpo à custa, por

exemplo, da danificação de uma coisa, só porque a sua intenção não foi

autenticamente solidária mas motivada pelo desejo de aparecer na TV e

assim se tornar célebre e ganhar dinheiro. Outra coisa seria conferir valor

decisivo, neste enquadramento, aos motivos da ação, o que é de repudiar.

• Estado de Necessidade Defensivo Jurídico-Penal

O agente que atua em estado de necessidade defende-se de um perigo que tem origem na pessoa

que vai ser vítima da ação necessitada – o perigo foi criado pela futura vítima do estado de

necessidade.

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Isto ocorre em termos tais que o agente não pode louvar-se de uma legítima defesa, que não existe

por falta de um requisito de facto perigoso, ou porque este nem sequer configura uma agressão – ex:

A, em pleno ataque epilético, vai quebrar um jarrão de porcelana chinesa de B, se não for afastada à

força – ou porque não é ilícito, ou porque não é atual – ex: C a quem D furtou uma bicicleta, encontra-

o com ela no dia seguinte e ofende levemente a sua integridade física com um empurrão como única

forma de recuperar o objeto furtado.

Em qualquer destes casos, ao agente deve ser creditada justificação.

Alguma doutrina considera que existe uma figura especial de estado de necessidade, entre a legítima

defesa e o estado de necessidade justificante, em que o critério de ponderação de interesses é

específico.

ROXIN entende que a própria ponderação de interesses, no estado de necessidade

justificante, é alterada, de forma que os bens jurídicos do criador do perigo sofrem

uma relativa dessolidarização da sociedade, relativamente aos do agente em estado

de necessidade.

• MFP entende que nestes casos, diferentemente da legítima defesa, não há

qualquer desvalor da ação do agente causador de perigo e, portanto, não se

percebe porque a criação do perigo para os bens jurídicos, embora não ilícita,

justifique uma relativa dessolidarização, em face dos bens do agente

provocador do perigo. Ex: no caso do homem gordo, o homem não tinha

culpa de ser gordo.

Naquelas situações em que alguém fica exposto a um perigo criado pela futura vítima do estado de

necessidade, haverá argumentos convincentes contra a atribuição do desvalor da ação ao agente que

causou a morte para se manter vivo a si próprio.

MFP: um ponto de vista irrebatível é que aquele que ficou exposto a um perigo para

a vida causado por outrem não tem de suportar a lesão da própria vida, sendo-lhe

permitido defender-se.

Há divergências quanto à concreta causa de justificação e quais os seus pressupostos:

i. Via que pretende reconduzir ainda a uma situação de direito de necessidade justificante.

ii. Via que se cinge à hierarquia dos bens jurídicos conflituantes e defende que a via

anterior é inaplicável e que a única solução reside em criar uma causa supralegal de

justificação – a do estado de necessidade defensivo, cujos pressupostos seriam:

a) Situação de defesa à qual falta um pressuposto indispensável para se configurar como

legítima defesa;

b) Impossibilidade para o agente de evitar o perigo;

c) Necessidade do facto para o repelir, desde que

d) O bem lesado pela defesa não seja muito superior ao bem defendido.

O apelo a uma causa de justificação específica do estado de necessidade defensivo é pensado como

remédio para colmatar eventuais lacunas deixadas por uma certa conceção. Para FD, a criação de

causas de justificação supralegais é extremamente perigosa.

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2. CONFLITO DE DEVERES – art. 36º

O conflito de deveres de atuar justificadamente repousa no mesmo fundamento justificador do direito

de necessidade. No entanto, a colisão de deveres assume especificidades (decisivas em situação de

conflito) que a autonomizam face ao direito de necessidade.

O art. 36º CP assume como justificada a conduta do agente que atuar no cumprimento de um dever

de valor igual ou superior a um outro que a própria conduta viola. O que acontece é que recai sobre

o mesmo indivíduo mais do que um dever de atuar e está em situação tal que não consegue cumprir

os dois, tendo de optar.

O conflito de deveres distingue-se do Direito de Necessidade através de 2 pressupostos:

a) Estar em causa o confronto entre deveres e não diretamente entre interesses, bens ou valores;

b) A possibilidade de existir igualdade de valor entre os deveres conflituantes em contraste com

a exigência de uma “sensível superioridade” do interesse protegido na previsão o art. 34º,

apesar da inclusão de critérios de valor de ação naquela cláusula.

Apesar de os deveres jurídicos terem como objeto a proteção de valores, bens ou interesses, segundo

o legislador a solução do conflito ou colisão não pode ser orientada em absoluto pelo mero critério

da importância relativa desses valores para os destinatários. A impossibilidade fáctica de ser

exigível a realização simultânea de 2 deveres de igual valor é condição suficiente para justificação –

o próprio Direito não pode dar a indicação ao agente sobre qual o dever que deve cumprir, pois

reconhece igual valor aos deveres, deixando assim um espaço de livre decisão do agente na escolha

do dever que deve cumprir.

A única exigência é que ele cumpra pelo menos um dos deveres conflituantes. No conflito de

deveres, o agente não é livre de se imiscuir ou não no conflito, ele é obrigado a imiscuir-se e a

cumprir um dos deveres. Se, com isto, ele torna impossível o cumprimento do outro dever, em todo

o caso o seu comportamento, porque correspondente a uma imposição jurídica, não pode ser ilícito.

Já se os deveres não tiverem igual valor, deve atender-se à ponderação concreta dos interesses em

conflito no quadro da situação global.

Para FD, a única solução materialmente justa – e correspondente ao sentido jurídico do lícito e do

ilícito, uma vez que a situação exclui em absoluto a possibilidade de uma conduta que não lese

nenhum dos bens jurídicos em conflito – é considerar justificado o facto correspondente ao

cumprimento de um dos deveres em colisão, mesmo à custa de deixar o outro incumprido, supondo

que o valor do dever incumprido seja pelo menos igual ao daquele que se sacrifica.

Autêntico conflito de deveres, suscetível de conduzir à justificação, existe apenas quando na situação

colidem distintos deveres de ação, ambos vinculativos de igual modo para o agente , dos quais só

um pode ser cumprido. Ex: pai vê 2 filhos a afogarem-se e só consegue nadar para salvar 1.

Grande parte da doutrina oferece a seguinte solução:

a) Os conflitos de deveres são solucionados pelo art. 36º;

b) Os conflitos entre deveres de ação e deveres de omissão são reconduzidos ao art. 34º.

Contudo, BN discorda: conflito de deveres oferece um mais adequado enquadramento a todas

situações em que colidem deveres, independentemente de se tratar de deveres de omissão ou de ação,

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mantendo, porém, o seu papel de causa de justificação, pois a eventual responsabilização do agente

não é determinada pelo art. 36º, uma vez que este artigo não é fundamento para nenhum dos deveres

que conflituam. Enquadrar os casos de conflito entre dever de omissão e dever de ação no âmbito do

art. 34º implicaria uma ponderação entre os deveres em causa já feita à partida: o dever de omissão

teria sempre, pelo menos, igual valor relativamente ao dever de ação, pelo que a opção do agente de

omitir a ação a que estava obrigado (segundo a lógica presente no art. 34º, a ação passaria a ser vista

apenas como permitida, e já não como exigida, mesmo tratando‐se de um dever de garante) seria

sempre lícita, mesmo tratando‐se do incumprimento de um dever de garante.

Vinculatividade dos Deveres:

A opção do agente em conflito de deveres não é, à partida, livre. A preferência, para ser lícita, terá de

incidir sobre aquele dever que a Ordem Jurídica apresenta – quando apresenta – como o mais

valioso. Isto é, se o Direito impõe um critério de preferência que tem aplicação na concreta situação

de conflito, deve o agente seguir esse critério e optar pelo bem que a Ordem Jurídica prefere, no

sentido de se prosseguir, na medida possível, a realização da Ordem Jurídica.

A opção do agente deixa de estar condicionada, porém, se a Ordem Jurídica não indica nenhum dos

deveres em causa como mais valioso. A escolha passa então a ser livre. Não obstante, ele continua a

não poder deixar de optar, isto é, nestas situações, o agente pode escolher cumprir o dever que quiser,

mas não pode deixar de escolher um deles.

Já se a prossecução de dois valores é requerida em simultâneo e, no entanto, essa prossecução é, no

caso concreto, impossível, a Ordem Jurídica impõe ao agente que escolha o dever que ela indica como

superior. Assim, por exemplo, numa situação em que um médico deve atender um ferido ligeiro ou

um ferido grave, deve preferir o ferido grave, porque o valor dos bens em causa (mesmo que o bem

possa até ser o mesmo), atualiza‐se na situação concreta com mais força num dever do que no dever

alternativo: por outras palavras, um dos deveres reclama mais proteção do que o outro.

O facto de o valor dos deveres jurídicos em confronto depender de uma apreciação sobre o grau de

vinculatividade dos mesmos, em função da relação do agente com o sistema, leva a que se questione

se o que determina a vinculatividade depende de alguma racionalidade deôntica; isto é se os deveres

de omissão têm necessariamente de ser mais vinculativos do que os de ação em função da sua lógica

intrínseca, na linguagem das normas.

• MFP: não. A estrutura de um dever de omissão ou vinculatividade do destinatário

não revela, por si mesma, nenhuma especial intensidade relativamente a um dever de

ação sem que o sistema global em que se insira não privilegie, por razões valorativas,

a omissão ou a ação. Não é inviável que um dever de ação seja, em certos casos, mais

vinculativo que um dever de omissão. Ex: dever de proteger a vida de um filho em

perigo e dever de não exceder a velocidade.

Podem admitir-se que há critérios de vinculatividade que não se fundamentam estritamente no valor

objetivo para o Direito dos bens, mas numa lógica de valor não dos bens mas dos próprios

imperativos em função de certos aspetos factuais em causa.

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As regras de vinculatividade dos deveres não se baseiam estritamente no valor dos bens ou dos

interesses, mas antes nos critérios de responsabilidade social baseados numa administração ou

distribuição dos bens em termos de justiça, que têm de ser lidos à luz dos princípios fundamentais

(constitucionais) do sistema jurídico.

O significado destas lógicas na estrutura dos deveres é refletido na intensidade e

correspondentemente no grau de vinculatividade. É, assim, óbvio que a vinculatividade dos deveres

de proteção de bens varia com a proximidade dos bens e dos perigos para os agentes a quem são

dirigidos esses deveres.

Então, que critérios temos para descortinar os deveres mais vinculativos?

1) Valor abstrato dos bens (art. 34º/b));

2) Intensidade da lesão;

3) Grau de probabilidade de salvamento;

4) Significado individual da lesão na esfera de cada um;

5) Dever de garante sobre dever genérico de auxílio – contudo, se o dever genérico de auxílio é um

dever de salvar a vida e o dever de garante seja impedir que o estado febril se agrave, nesse caso o

dever genérico de auxílio é mais vinculativo;

6) Imponderabilidade do bem vida – o bem vida é imponderável quantitativa e qualitativamente: se

a ambulância é chamada para dois sítios ao mesmo tempo e, se num sítio, apenas uma pessoa corre

perigo de vida e no outro sítio correm perigo de vida 5 pessoas, o condutor da ambulância não está

obrigado a escolher o sítio onde estão as 5 pessoas (imponderável quantitativamente) e não é por num

lado estar um moribundo e no outro lado estar um bebé que a vida do bebé vale mais (imponderável

qualitativamente).

Se o agente tiver escolhido o dever que não é o mais vinculativo, não está justificado por conflito de

deveres e, consequentemente, o seu comportamento continuará a ser ilícito.

3. CONSENTIMENTO – art. 38º

A relevância como causa de justificação depende da articulação entre os princípios da autonomia da

pessoa e da proteção dos bens jurídicos. O pensamento fundamental subjacente é a limitação da

intervenção penal pelo valor preponderante da autonomia.

Valoração dos bens subjacentes ao interesse além da vontade do titular – bens

jurídicos a serem protegidos pelo direito mesmo contra a vontade dos seus titulares.

Ex: crime de ofensa à integridade física – a razão pela qual há proteção jurídica da

integridade física não é só a autonomia de dispor do corpo do titular, mas sim um

valor objetivo para o direito, por serem o suporte das pessoas. Portanto não se

protege só a vida e a integridade física em função do titular deste direito mas sim

devido a uma lógica paternalista da integridade física como valor de ordem pública.

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O consentimento é uma espécie de condição negativa da tipicidade e não se chega a configurar como

uma causa de justificação.

O art. 38º (conjugado com art. 149º) estabelece os requisitos gerais da relevância do consentimento:

a) Caráter pessoal e disponibilidade do bem jurídico lesado – o bem lesado pelo facto consentido

só poder ser um bem jurídico pessoal, pois só este tem um portador ou um titular

individualizável e também porque, se a relevância do consentimento advém do respeito pelo

valor da auto-realização pessoal, só a pessoa pode prestar de forma eficaz o seu

consentimento.

Os bens indisponíveis serão, por exemplo, os bens jurídicos comunitários, a vida e a dignidade.

b) Não contrariedade do facto consentido aos bons costumes – o art. 149º/2 concretiza, quanto

às ofensas corporais.

Bons costumes não pode ser interpretado no sentido de moralidade – terá antes de ser conforme ao

princípio da igualdade, do estado de Direito democrático, etc.

Quando é que a ofensa vai contra os bons costumes? O art. 149º/2 aponta alguns critérios:

(a) Temos de analisar os motivos do agente;

(b) Temos de analisar a amplitude previsível da ofensa – haverá ofensa aos bons costumes

quando a ofensa em causa for grave e irreversível.

Imagine-se, contudo, que A consente em ser o cinzeiro de B. Será este um

consentimento válido? A verdade é que as marcas dos cigarros eventualmente

desaparecem; contudo, isto implica uma degradação tal da pessoa, ao reduzi-la a

cinzeiro, e fere de tal forma a dignidade da pessoa, que não se pode aceitar que este

seja um consentimento que exclua a ilicitude.

Por este motivo, alguma doutrina entende que este critério dos bons costumes tem

de ser compatibilizado com a dignidade da pessoa humana, considerado no seu

nível mais básico.

BN – no caso de mutilação genital feminina: se uma mulher, tendo mais de 16 anos,

consentir na mutilação, porque quer integrar os significados culturais que tal

implica, porque se sente mais bonita assim, etc., não pode deixar de ser válido (desde

que verificados os pressupostos do consentimento).

Correspondem a uma relevância ético-social da conduta a partir da conjugação de vários fatores. São

expressão de uma dimensão de ofensa desrazoável do bem jurídico (ex: alguém consentir em ser o

cinzeiro de outrem, ou a ser o burro de carga de outrem).

Para MFP, uma interpretação correta retira o caráter puramente moralista e subjetivo por relacionar

com valores constitucionais, tornando-a uma cláusula com funcionalidade jurídica e adaptada à

linguagem e aos fins do Direito.

Para FD, o entendimento correto deste requisito é o de que o facto consentido constitui ofensa aos

bons costumes sempre que ele possua uma gravidade e, sobretudo, uma irreversibilidade tais que

fazem com que, nesses casos, apesar da disponibilidade do bem jurídico, a lei valore a sua lesão mais

altamente do que a auto-realização do seu titular.

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c) Autenticidade do consentimento – o art. 38º/2 prevê condições da relevância justificativa do

consentimento quanto à respetiva autenticidade. Exige uma expressividade objetiva do

consentimento. O consentimento relevante tem de ser constatável como tal (por meio

objetivamente identificável), ser a revelação de uma vontade própria do agente (livre e

esclarecida) e não colidente com a liberdade de disposição dos interesses (sendo, por isso

revogável não só até ao início da execução, mas durante a execução se a suspensão da

continuação da execução puder ser ainda eficaz).

d) O consentimento tem de ser prestado por maior de 16 anos – art. 34º/3.

e) O consentimento tem ainda de ser conhecido do agente – art. 38º/4:

• Imagine-se que A e B são um casal e estão a jantar. A acaba de cometer um ato de infidelidade

e sente-se com remorsos e pensa “eu mereço um estalo, se B me der um estalo eu não me

importo, eu mereço”, mas B não sabe disto. B acaba por dar um estalo a A por outro motivo,

não sabendo que A iria consentir. Haverá aqui um crime de integridade física? É preciso que

o agente tome conhecimento de que está a haver consentimento?

o Como já sabemos, há dois juízos diferentes: o juízo de desvalor da ação e o juízo de

desvalor do resultado. Ora, não há ilícito sem desvalor da ação, mas pode haver ilícito

sem desvalor de resultado (aí será uma tentativa).

• Numa causa de justificação, o facto típico é o facto em relação ao qual há boas

razões para afirmar o juízo de desvalor da ação e o juízo de desvalor do

resultado. Quando intervém uma causa de justificação, significa que, ainda que

a conduta tivesse as condições para ser punida por haver desvalor da ação e do

resultado, a conduta vai ser permitida, pois há boas razões para mudar a leitura

do que aconteceu.

• Contudo, a justificação tem de explicar tanto porque é que não há desvalor da

ação e porque é que não há desvalor do resultado: no caso que vimos, o facto de

a lesão ter sido autorizada pelo titular, o Direito deixa de desaprovar a lesão

(motivo para afastar o desvalor do resultado), mas não há nenhum motivo para

afastar o desvalor da ação, mantendo-se este. Uma boa razão para não haver

desvalor da ação seria ela saber que estava autorizada a dar o estalo. Não

sabendo ela que está a haver consentimento, há desvalor da ação doloso, mas

não há desvalor do resultado, devendo ser punida por tentativa.

Quando o art. 38º/4 é aplicado, será que ele remete para o regime integral da

tentativa na sua totalidade ou apenas para a pena que é prevista para os crimes

de tentativa? Art. 23º/1.

Faz sentido aplicar o art. 38º/4 às restantes causas de justificação? Sim, porque não existe motivo para

afastar o desvalor da ação.

Questão diferente: esta analogia é permitida? Sim, é, porque estamos a punir o agente mais

favoravelmente, punindo-o apenas por tentativa em vez de por crime consumado (que é o que

aconteceria, pois o desvalor da ação não é afastado).

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Outra questão ainda que se tem levantado: o art. 38º/4 remete para a aplicação do regime da tentativa ou

somente para a pena que à tentativa seria aplicada?

➢ É importante ter aqui em causa que nem toda a tentativa é punida – só a tentativa dos crimes

que são punidos com mais de 3 anos.

➢ Se a remissão for feita para o regime todo, vai abranger as regras todas da tentativa, inclusive

a de que o agente não é punido por tentativa no caso de crimes que não têm uma pena superior

a 3 anos;

➢ Se a remissão é só para a pena que é aplicável para a tentativa, punimos por tentativa do crime

em causa.

➢ FD – constituindo a aplicação da pena aplicável ao crime consumado uma pena especialmente

atenuada (art. 23º/2), sendo este o traço mais relevante do regime da tentativa, dir-se-á

exagerado sustentar que em qualquer caso de falta de elementos subjetivos de uma causa de

justificação o facto será sempre punido, embora com pena especialmente atenuada. Isto

porque a tentativa só é punível, salvo disposição em contrário, nos termos do art. 23º/1, se ao

crime consumado respetivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão;

Imagine-se que A convida B a ir ver o jogo de futebol a sua casa. Quando B vai a casa de A, convidado

por A, quando entra em sua casa está a incorrer em violação de domicílio, mas justificado pelo

consentimento de A? Claro que não; o consentimento é uma causa de exclusão de ilicitude, que

apenas serve para excluir a ilicitude de factos típicos; ora, neste caso em que há

autorização/concordância, não há sequer um facto típico, não há ofensa de um bem jurídico – este é

um caso de acordo, de atipicidade.

Já quando A dá um estalo ao B que é consentido, já há um facto típico, mas que está justificado pelo

consentimento – aqui, sim, já há uma causa de justificação.

NOTA: Não confundir o erro do art. 38º/4 com o do art. 16º/2: neste último não estão preenchidos

os pressupostos para a exclusão da ilicitude, mas o agente supõe que estão; nos casos do art. 38º/4 é

o inverso: é um erro de ignorância, estão preenchidos todos os pressupostos para a exclusão da

ilicitude, mas o agente desconhece isso.

Que tipo de elementos subjetivos são necessários? É necessário que o agente conheça o preenchimento

dos pressupostos ou precisa ainda de se motivar por eles?

A doutrina tende a entender que basta que ele saiba, não é preciso haver um animus defendendi. Esse

tipo de exigência já parece corresponder mais a um Direito penal do agente.

CONSENTIMENTO PRESUMIDO – art. 39º:

O ofendido não manifesta expressa e atualmente a vontade de permitir a lesão dos bens jurídicos

de que pode dispor, por se encontrar numa situação de incapacidade para tal. Existe aqui uma

situação em que o titular do bem jurídico lesado não consentiu na ofensa, mas nela teria

previsivelmente consentido se lhe tivesse sido possível pôr a questão.

Deste modo, é o recurso aos indícios objetivos de qual seria a vontade do ofendido, através de

indicações por ele dadas anteriormente ou através de pessoas próximas, que sustenta uma espécie

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de reconstrução da vontade do agente – aquela que ele teria manifestado se estivesse ao seu alcance

exprimi-la no momento da lesão do bem jurídico.

Em relação aos requisitos:

Uma vez que o consentimento presumido se equipara ao consentimento efetivo, naquele hão de, em

princípio, concorrer os mesmos requisitos de eficácia:

a) Diga respeito a interesses jurídicos livremente disponíveis;

b) Que o facto não ofenda os bons costumes;

c) A presunção tem de referir-se ao momento do facto, sendo irrelevante a esperança de uma

posterior aprovação;

d) Necessidade de uma decisão que não pode ser retardada, pois o atraso eliminaria a

possibilidade de escolha ou a ele estariam ligados riscos desrazoáveis;

e) Impossibilidade de a decisão ser tomada pelo interessado.

Quanto à vontade real do interessado, deve fazer-se um juízo hipotético razoável sobre a vontade do

ofendido, de acordo com uma inferência lógica que qualquer pessoa retiraria sobre os indícios

existentes acerca da vontade real do ofendido, entendida como vontade esclarecida.

Causas de Justificação Supra-legais:

Trata-se de causas de justificação não explícitas, que constituem figuras de contornos precisos, para

além das próprias figuras legais.

Legítima Defesa Preventiva e Estado de Necessidade Defensivo:

Há casos em que há defesa contra uma agressão futura, mas altamente provável, ou contra agressão

lícita provocada pelo agressor – são formas de exercício do direito de defesa embora não cumpram

os requisitos das figuras legais.

A justificação de uma conduta implica, necessariamente, um valor intersubjetivamente reconhecido.

Esse valor não é, de todo, negado na defesa preventiva, em que apenas se constata que esta não pode

realizar qualquer valor dos que, tradicionalmente, foram atribuídos à legítima defesa, na medida em

que a realização desse valor pressupõe um perigo efetivo da agressão. A defesa do futuro agressor

não exprime concretamente a realização dos valores das figuras.

Mas, por outro lado, a defesa preventiva anula a potencialidade de lesão de bens jurídicos que

atinge o agente e incrementa a segurança em torno daqueles. Nesta medida, existe algum

favorecimento da posição do autor. A igualdade na proteção jurídica e a realização material dos fins

da Ordem Jurídica imporá que a lesão, numa certa medida, dos bens do futuro agressor seja menos

importante do que a promoção da segurança em relação aos bens do defendente.

O merecimento da conduta do defendente preventivo não resulta do valor social dos interesses

conflituantes ou da solidariedade social, mas apenas da proteção equitativa dos sujeitos jurídicos

de tal conflito.

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Raciocínio semelhante para o Estado de Necessidade Defensivo, em que o princípio de igual proteção

das esferas jurídicas obsta a que alguém seja impedido de evitar um mal que se lhe impõe como um

acontecimento natural, a partir de outra esfera jurídica.

Comportamentos “não desvaliosos” e justificação enfraquecida; Lógica promocional de direitos:

Aqui enquadra-se uma nova situação, guiada pela expressão genérica de causa justa ou de realização

de um interesse legítimo. Este conceito parece estar desligado de uma ponderação de interesses como

a do Estado de Necessidade e são condutas que surgem como promoção ou incremento de valores ou

de interesses, alterando a perspetiva teórica subjacente às causas de justificação clássicas.

Exemplo enquadrável na figura do interesse legítimo é o das gravações ilícitas para fins de defesa

processual em crimes contra a honra ou extorsão. O conceito ganha o seu espaço entre uma

justificação que apenas se caracteriza pela defesa-proteção do status quo dos bens jurídicos e uma

outra, inovadora, que se assume como defesa-promoção de interesses relacionados com direitos

fundamentais, a justa causa ou a fórmula do interesse legítima sugere a evolução do próprio conceito

de justificação.

Estas situações acrescentam ao princípio positivo das causas de justificação clássicas um outro aspeto,

para além da insuportabilidade da não defesa de interesses ou bens (construída a partir do princípio

da igualdade) – a insuportabilidade da não promoção de interesses ou bens, no desempenho de

algumas atividades de utilidade social.

❖ CULPA

É o último momento de valoração.

A culpabilidade prende-se com a liberdade e determinação do agente, com a sua motivação.

Causas de exclusão de culpa vs causas de desculpa: nas causas de exclusão da culpa, estamos a dizer

que alguém não reúne os pressupostos para poder ser capaz de culpa (ex: inimputáveis); na desculpa,

estamos a pensar em pessoas que são capazes de culpa, mas que naquela situação concreta podem

ser desculpadas. A pessoa agiu em desconformidade ao Direito.

Causas de justificação da ilicitude vs causas de justificação de culpa: no primeiro caso, estamos a

dizer que o comportamento é permitido; quando se trata de afastar a culpa ou negar a culpa, o

comportamento da pessoa continua a ser ilícito; podemos ou não censurar a pessoa por ter adotado aquele

comportamento proibido?

EFEITO PRÁTICO RELEVANTE DA DISTINÇÃO: A uma pessoa que está a agir ao abrigo de uma

causa de desculpa, eu posso opor legítima defesa. A uma pessoa que está agir em legítima defesa não

posso.

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Conceção da culpa pelo caráter/pela condução da vida (defendida, nomeadamente, por Bockelman)

Vai atribuir fundamento da culpa ao facto de a pessoa não ter preparado a sua personalidade para

evitar lesar bens jurídicos. Esta conceção é criticada por violar o princípio da legalidade, na medida

em que vai procurar a documentação do facto do agente num plano anterior ao facto.

o MFP – esta conceção é inadmissível, pois remete para um plano exterior ao facto a

fundamentação da responsabilidade.

Ideia de culpa na formação da personalidade: a pessoa tem culpa por se ter tornado quem é

(EDUARDO CORREIA): uma pessoa que desrespeita o direito.

FD: culpa pela personalidade que fica expressada no facto: a pessoa no facto manifesta qualidades

desvaliosas. Essas qualidades expressam-se no posicionamento face ao Direito:

• Na culpa dolosa, a pessoa está completamente contra o direito;

• Na culpa negligente, a pessoa atua levianamente.

Conceção normativa de culpa (GOLDSHMIDT)

Esta conceção sustenta que, para haver responsabilidade do agente, este teria de violar uma norma

de culpa. Para além de violar uma norma de ilicitude (plano de antinormatividade – lesão de um bem

jurídico), teria de violar também uma norma de culpa (violação de deveres de cidadania, de se

motivar pela norma penal). A norma de culpa é uma norma ideal implícita, nos termos da qual as

pessoas teriam o dever de se motivar pelas normas e adquirir a consciência de ilicitude, para evitar a

lesão de bens jurídicos; esses seriam deveres médios, reportados a situações normais.

Ainda de acordo com esta conceção, a culpa concretiza-se na violação da ética social moral dominante.

o MFP – a ideia de uma norma de culpa é uma magnífica ideia, pois revela-nos o que o Estado

pode exigir ao juiz. Considera, contudo, que para concluirmos que há uma violação da

norma culpa, temos de utilizar um critério de justiça: para se tratar da questão da

culpabilidade, ter-se-á de averiguar se houve suficiente oportunidade para o agente se

motivar pela norma, sendo esta uma condição de igualdade, que se prende com a justiça.

Maria Fernanda Palma

A sua conceção de culpa dá importância a uma norma de culpa, o que para si significa conceber se

aquele agente teve as condições mínimas necessárias para se motivar pela norma.

Culpa como censura da pessoa concreta pelo facto, eticamente fundamentada, argumentada e

justificada perante um non liquet na comprovação do livre arbítrio na ciência e na filosofia.

Culpa como censura da pessoa pelo facto a partir da capacidade de motivação pela norma em

concreto, na base de uma tripla liberdade (pressuposta pela linguagem ética orientada para uma

sociedade de pessoas igualmente livres e responsáveis numa medida reconhecivelmente, por elas,

justa):

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1. Liberdade da vontade (de querer e desejar) experimentada na ação – experiência psicológica

da vontade;

2. Liberdade de se ser quem se é (reconhecimento e consciência de si mesmo, da identidade

pessoal) – experiência psicológica e moral da ação como expressão do domínio da pessoa

sobre o mundo;

3. Liberdade de alternativas como existência de uma oportunidade justa em termos de igualdade

para tomar a decisão de agir de acordo com o Direito.

Nos casos em que essas condições são diminuídas por razões sociais externas ou internas, é aceitável

que não possamos dizer que a norma de culpa foi violada da mesma forma que teria sido por um

agente considerado normal.

Está em causa a ideia de capacidade de desenvolvimento normal das emoções.

Podemos, assim, fazer um juízo de culpa quando haja as condições mínimas de motivação pelas

normas e não haja fatores que revelem uma falta de motivação pelas mesmas, quando haja condições

para o agente adquirir uma consciência potencial de ilicitude e não haja elementos internos que sejam

obstáculos emocionais.

Art. 20º - este artigo, que trata da inimputabilidade por anomalia psíquica, ao dizer que não há

capacidade de culpa, estabelece os casos de incapacidade.

Quando há culpa pressupõe-se que há avaliação da ilicitude e liberdade de determinação de acordo

com essa avaliação.

A anomalia psíquica permite que se considere a pessoa num estado de inimputabilidade, nos casos

enunciados no art. 20º CP.

Paradigma Compreensivo

JASPERS vem apresentar o paradigma compreensivo. De acordo com este paradigma, a psiquiatria

não é uma ciência meramente deontologista; a psiquiatria é uma ciência humana e, por isso, utiliza

uma lógica de interpretação dos fenómenos que não é meramente explicativa, orientando-se para a

interpretação do significado dos significados, a qual é feita por um reconhecimento da consciência e

da orientação desta para os fenómenos.

No trabalho do psiquiatra, haveria uma metodologia de interpretação dos significados dos

comportamentos do paciente, tentando compreender as motivações, as razões, o modo como se

manifesta a perturbação, em vez de tentar explicar em termos causais esse comportamento.

JASPERS vem entender que grande parte dos problemas psiquiátricos seria tratados através da

empatização, da compreensão e da comunicação entre o psiquiatra e o paciente. Reconhece, contudo,

que existem casos em que a empatização já não é possível. Nesses casos, em que a compreensão não

é possível, ter-se-á de remeter para a explicação.

Na doutrina portuguesa, FD vem introduzir uma espécie de paradigma compreensivo jurídico: o

juiz penal deve-se colocar numa posição capaz de distinguir perante o comportamento do agente, se

esse ainda é compreensível, se ainda pode haver alguma correspondência entre o seu comportamento

e a experiência de uma pessoa tida por normal, o sentido dos comportamentos; caso ainda seja

possível, ainda estamos a compreender, e o agente ainda é imputável.

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Quando já não conseguimos encontrar pontos de contacto entre a experiência de uma pessoa dita

normal e o comportamento do agente, já não estamos no plano da compreensão, mas sim no da

explicação – é inimputável.

• MFP – FD aqui estabelece a fronteira entre a capacidade penal (de culpa) e a inimputabilidade,

o que é duvidoso.

Caso do delírio do ciúme

Se não há nenhum facto real (não houve realmente traição), ou seja, a vítima não deu azo a nenhuma

situação justificadora de ciúme, e o comportamento do agente não está dentro das conexões entre a

experiência e comportamento do agente, pode ser um caso de delírio do ciúme e pode haver

inimputabilidade.

Mas se realmente a vítima deu azo a uma situação de ciúme (realmente traiu o agente), então não

poderemos dizer que se trata de um caso de inimputabilidade; o agente não está em delírio, é

imputável.

Causas de desculpa – MARIA FERNANDA PALMA

Existe um duplo fundamento para a desculpa a partir de uma lógica de reconhecimento da pessoa

concreta destinatária de uma responsabilidade reconhecível:

a) Relevância de um sistema ético-afetivo para além dos valores jurídicos abstratos, que

privilegia as ligações imediatas ao projeto existencial (sentimentos de proteção dos próximos

e de si mesmo perante ameaças à sobrevivência, mas que ainda são próprias de uma pessoa

eticamente dialogante e cooperante).

b) Relevância de razões de oportunidade no acesso a valores na situação concreta e no

desenvolvimento da identidade pessoal – pensa-se aqui em meios desfavorecidos,

comunidades opressivas, criminosas.

a) Inexigibilidade de outro comportamento:

Circunstâncias exógenas, exteriores, que levam a que qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias

poderia igualmente não se motivar pela norma.

EDUARDO CORREIA – causas de exclusão da culpa com fundamento na inexigibilidade:

(a) Circunstâncias exógenas

(b) Pressão psicológica

(c) Falta de poder de agir de outra maneira

(d) Inviabilidade de uma censura

STRATENWERTH – culpa como capacidade de motivação pela norma.

Duplo fundamento para a exclusão da culpa por inexigibilidade:

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1. Forte pressão psíquica – falta de liberdade ou poder;

2. Colisão de valores e de interesses em que o agente dá preferência aos com que tem uma ligação

de proximidade (bens existenciais ou com proximidade afetiva) – falta de motivabilidade

afetiva, emocional-

FIGUEIREDO DIAS – culpa como o ter que responder pelas qualidades juridicamente

desvaliosas da personalidade que fundamentam um facto ilícito-típico e nele se exprimem.

Fundamento de exclusão da culpa por inexigibilidade:

Sensível desconformidade entre a censurabilidade externo-objetiva do facto e a essência de valor da

personalidade plasmada no facto tal como resulta nomeadamente da atitude global do agente ou das

suas intenções fundamentais perante as exigências jurídico-penais.

Exemplos para discussão:

a) Caso do correio da droga para assegurar a subsistência da família

b) Empresários que retêm as contribuições para a segurança social para evitar despedir os

trabalhadores

c) Caso do agente que aceita praticar um assalto a um banco para evitar que matem um filho

d) Caso do padre que para dar a extrema unção excede os limites de velocidade pondo vidas em

perigo.

Em todos estes casos, MFP admite a exclusão da culpa. Nos casos em que não é possível arranjar uma

alternativa, deve excluir-se a culpa.

Apenas no caso da testemunha de jeová que impede a transfusão de sangue de um filho por motivos

religiosos, MFP tem dúvidas quanto à exclusão da culpa. A sobreposição de fundamentalismos

religiosos ao bem vida não parece admitir a exclusão da culpa.

A ideia da Professora é a de que há valores de proteção de proximidade que ainda têm cidadania.

b) Estado de necessidade desculpante – art. 35º

Pressupostos:

i. Tem de haver um perigo para certos bens jurídicos;

ii. O meio tem de ser adequado a proteger esse bem jurídico – vida, integridade física, honra.

iii. Não seja razoável exigir comportamento diferente - critério fundamental. Saber se era

exigível que ele atuasse de outra forma, sendo o critério aqui o da exigibilidade.

Quando é exigível?

FD: quando é exigível que a pessoa respeitasse o bem jurídico?

Era exigível que a pessoa respeitasse o bem jurídico, se se puder concluir que, naquelas mesmas

circunstâncias, se poderia exigir o respeito pelo bem jurídico a uma pessoa normalmente fiel ao

direito (padrão médio de exigência: pessoa normalmente fiel ao direito).

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MFP: quaisquer valores só são valores para as pessoas numa base de adesão afetiva; quando há uma

ligação emocional, não se motivando as pessoas por respeitarem os bens em abstrato, sendo

necessário que aquilo tenha um significado para elas na vida real. Tem de se ter em conta a estrutura

ética-afetiva da pessoa, mas sempre à luz dos valores do Direito.

As pessoas formam os seus códigos de conduta com base numa adesão afetiva ao valores aceites na

sociedade. Acontece que as pessoas formam códigos de aceitação diferentes. Isso pode traduzir-se na

situação concreta em que as pessoas têm condições diferentes para a justa oportunidade de

comportamento da norma (estrutura ético-afetiva individual daquela pessoa não podia ter sido

diferente quando a pessoa não teve condições).

Erro sobre a ilicitude – art. 17º:

No art. 17º vamos ver se a pessoa manifesta a sua personalidade desvaliosa ou não para o direito. A

pessoa engana-se e avaliou mal – tem uma consciência de ilicitude errónea. Apesar disso, temos de

avaliar se isso é um erro de uma pessoa normalmente fiel ao direito OU de uma pessoa que

normalmente desrespeita o direito. Requisitos:

a) A questão em causa é controvertida? (exemplo: quando o aborto era punível), sendo que

ambos os pontos de vista no conflito são relevantes para o direito;

b) O agente protege o outro ponto de vista relevante para o direito;

c) Ele age diretamente para proteger esse outro ponto de vista relevante para o direito.

Se estiverem preenchidos estes três requisitos, temos que o agente, apesar de ter uma consciência de

ilicitude errónea, tem uma consciência da ilicitude reta.