Direito sao bernardo tgdp - alteracao registro - transsexual - mdeira - 110310

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Transexual muda de nome sem fazer cirurgia http://jus.uol.com.br/revista/texto/16789 Processo nº 2007.101460-6 (07/07R) Vistos. Trata-se de ação de retificação promovida JOSÉ RENATO GUEDES NETO em que pretende a retificação de seu assento de nascimento para que conste RENATA GUEDES NETO. Juntamente com a petição inicial, vieram documentos. O representante ministerial manifestou-se contrariamente ao feito às fls. 62. É, em breve síntese, o que cumpria relatar. FUNDAMENTO E DECIDO. É importante na análise do presente caso se fixem algumas premissas: 1- o autor não pretende alterar seu sexo no assento de nascimento; 2- o autor não fez qualquer modificação sexual pois ainda não se sente preparado para tal; 3- transexual não precisa de cirurgia para ser considerado como tal; 4- o autor é notoriamente conhecido como Renata consoante se verifica do documento de fls. 13, 18 e, especialmente, a declaração dos pais de fls. 20. Em que pese o respeitável entendimento do representante ministerial, esse Magistrado entende ser possível o pedido formulado pelo autor pelas razões que passa a expor. Como tem entendido em uma série de decisões nos feitos em que autuei, o principio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, a teor do artigo 1º da Publicado em 07/2007 Guilherme Madeira Dezem Famoso transexual paulista, conhecido como Renata Finsk, teve autorizada a alteração de seu registro civil, independentemente de cirurgia para mudança de sexo. Jus Navigandi http://jus.uol.com.br Page 1 of 3 Transexual muda de nome sem fazer cirurgia - Revista Jus Navigandi 10/3/2011 http://jus.uol.com.br/revista/texto/16789/transexual-muda-de-nome-sem-fazer-cirurgia/...

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Transexual muda de nome sem fazer cirurgia http://jus.uol.com.br/revista/texto/16789

Processo nº 2007.101460-6 (07/07R)

Vistos.

Trata-se de ação de retificação promovida JOSÉ RENATO GUEDES NETO em que pretende a

retificação de seu assento de nascimento para que conste RENATA GUEDES NETO. Juntamente com

a petição inicial, vieram documentos.

O representante ministerial manifestou-se contrariamente ao feito às fls. 62.

É, em breve síntese, o que cumpria relatar.

FUNDAMENTO E DECIDO.

É importante na análise do presente caso se fixem algumas premissas:

1- o autor não pretende alterar seu sexo no assento de nascimento;

2- o autor não fez qualquer modificação sexual pois ainda não se sente preparado para tal;

3- transexual não precisa de cirurgia para ser considerado como tal;

4- o autor é notoriamente conhecido como Renata consoante se verifica do documento de fls.

13, 18 e, especialmente, a declaração dos pais de fls. 20.

Em que pese o respeitável entendimento do representante ministerial, esse Magistrado entende

ser possível o pedido formulado pelo autor pelas razões que passa a expor.

Como tem entendido em uma série de decisões nos feitos em que autuei, o principio da

dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, a teor do artigo 1º da

Publicado em 07/2007

Guilherme Madeira Dezem

Famoso transexual paulista, conhecido como Renata Finsk, teve

autorizada a alteração de seu registro civil, independentemente de cirurgia para

mudança de sexo.

Jus Navigandi

http://jus.uol.com.br

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Constituição Federal apresenta-se como norte interpretativo e finalístico para todas as regras

vigentes do sistema legal brasileiro. Seu conteúdo, em uma visão kantiana, implica no reconhecimento

de que a pessoa merece o tratamento amplo e máximo autorizado pelo sistema. Vale dizer: a pessoa,

como centro de potencialidade plenas e infinitas deve ser tratada como tal e não como uma coisa ou

usando de neologismo a pessoa não pode ser "coisificada".

Dito isto, é de rigor observar que há outro principio aplicável no presente caso apresentado pelo

d. representante ministerial: trata do principio da veracidade registrária. Ora, tal princípio deve ser lido a

partir do principio da dignidade humana de forma que o registro, a documentação, represente

efetivamente a situação vivida pela pessoa. Disto decorre a seguinte situação: o autor não pretende

fazer, por ora, a cirurgia de mudança e, assim, o representante ministerial entende que o princípio da

veracidade registrária seria ferido, pois haveria incongruência entre o nome Renata e o sexo masculino

aposto no documento. Mas essa incongruência já existe no plano concreto da vida: o autor, com sua

aparência feminina, é constantemente objeto, no mínimo, de olhares curiosos quando instado a

apresentar sua documentação.

Ora, esta segunda situação acaba sendo, com a devida vênia, perniciosa: conduz o autor cada

vez mais para um processo de interiorização e, por vezes, de negação de sua própria identidade. Não

se pode jamais esquecer, que apesar dos avanços, as violências diárias sofridas por transexuais são

relatadas de maneira ampla pela imprensa. Adotar o posicionamento do representante ministerial, com

a devida vênia, equivaleria a forçar o autor a fazer a cirurgia, quando ainda não se sente preparado

para tal. Esta opção individual acaba por ser um dos núcleos da dignidade da pessoa humana e não

pode o Poder Judiciário direta ou indiretamente, tanger a vontade do autor neste aspecto.

Há um outro aspecto: poder-se-ia objetar que a alteração do nome induziria a erro sobre a

pessoa em que se refere aos homens que eventualmente se relacionassem com o autor. Ora, nesta

situação, é de se ponderar três argumentos contrários a esta tese:

1- tal possibilidade já existe hoje tendo em vista a aparência feminina do autor;

2- trata-se de característica e preço a ser pago por força da modernidade e do Estado

Democrático de Direito;

3- o autor é tão conhecido (este argumento "evidentemente" só aplicável a este caso), que

sabe-se da situação biológica do autor ante sua aparição na mídia.

Desta forma, deve-se deixar claro o que se ressaltou até aqui: o princípio da veracidade

registrária e o constrangimento que passa o autor autorizam a modificação pretendida, quando lidos a

partir da ótica do principio da dignidade da pessoa humana.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido a fim de que o nome do autor seja alterado para

RENATA GUEDES NETO.

Após certificado o trânsito em julgado, concedo o prazo de 3 (três) dias para a extração de

cópias necessárias à expedição do mandado.

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Custas à parte autora.

Ciência ao Ministério Público.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.

São Paulo, 12 de julho de 2007.

Guilherme Madeira Dezem

Juiz de Direito

Publicação:

D O E - Edição de 20/07/2007

Arquivo: 1381 Publicação: 146

Registros Públicos 2ª Vara de Registros Públicos

Sobre o autor

Colaboração enviada por: Eugenio Palazzi Junior, Advogado.

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

DEZEM, Guilherme Madeira. Transexual muda de nome sem fazer cirurgia. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1483, 24 jul. 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/16789>. Acesso em: 10 mar. 2011.

juiz de Direito da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo (SP)

Guilherme Madeira Dezem

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