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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores PROF. DR. ORIDES MEZZAROBA PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA PROF. DR. VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR Vol. 22 DIREITOS ESPECIAIS E TUTELA DAS MINORIAS NA ATIVIDADE EMPRESARIAL Coordenadores PROF. DR. MATEUS EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI PROFª. DR.ª REGINA CÉLIA MARTINEZ PROF. DR. RONALDO ALVES DE ANDRADE 2014 Curitiba

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2014 Curitiba

Coleção CONPEDI/UNICURITIBA

Organizadores

Prof. Dr. oriDes Mezzaroba

Prof. Dr. rayMunDo Juliano rego feitosa

Prof. Dr. VlaDMir oliVeira Da silVeira

Profª. Drª. ViViane Coêlho De séllos-Knoerr

Vol. 22

DIREITOS ESPECIAIS E TUTELA DAS MINORIAS NA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Coordenadores

Prof. Dr. Mateus eDuarDo siqueira nunes Bertoncini

Profª. Dr.ª regina célia Martinez

Prof. Dr. ronalDo alves De anDraDe

2014 Curitiba

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Equipe Editorial

EDITORA CLÁSSICA

Allessandra Neves FerreiraAlexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros VitaJosé Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete PozzoliLeonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão

Luiz Eduardo GuntherLuisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

Conselho Editorial

D597Direitos especiais e tutela das minorias

na atividade empresarialColeção Conpedi/Unicuritiba.

Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Coordenadores : Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini / Regina Célia Martinez/ Ronaldo Alves de Andrade.Título independente - Curitiba - PR . : vol.22 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014.268p. :

ISBN 978-85-8433-010-2

1. Direito à educação. 2. Educação jurídica - pesquisa.I. Título. CDD 342

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

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MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza

Vice-Presidente Aires José Rover

Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu

Secretário-Adjunto

Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen

Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim

Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)

Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

Colaboradores

Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão

Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC

Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC

DiagramadorMarcus Souza Rodrigues

XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitário Curitiba / Curitiba – PR

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Sumário

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................

ABERTURA CONSTITUCIONAL PARA AS QUESTÕES ENVOLVENDO A LIBERDADE DE CRENÇA DOS FIÉIS DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA (Antonio Augusto Cruz Porto e Cibele Merlin Torres).....

DELIMITAÇÃO DO PLANO DE ESTUDO ....................................................................................................

ABERTURA CONSTITUCIONAL EM UMA SOCIEDADE PLURALISTA .......................................................

A LIBERDADE DE CRENÇA POSTA EM CONFLITO COM OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............

CONSIDERAÇÕES DERRADEIRAS: A INDISPENSÁVEL FRESTA DA ORDEM CONSTITUCIONAL E SEUS LIMITES ......................................................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

O DIREITO DE INCLUSÃO DAS PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS NO MERCADO DE TRABALHO (Eloy P. Lemos Junior e Romeu Júnio de Bessa) ................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

CONCEITO DE PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA E TIPOS DE DEFICIÊNCIA .............................

PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL .................................................................................................................

NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS ........................................................................................................

DO CONTRATO DE TRABALHO .................................................................................................................

DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES .......................................................

RAZÕES DA CRIAÇÃO DA LEI DE COTAS PARA DEFICIENTES .................................................................

DA ACESSIBILIDADE DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO ....

DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO: FISCALIZAÇÃO E CUMPRIMENTO DA LEI .........................

AS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS DE DISCRIMINAÇÃO POSITIVA ....

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O MEIO AMBIENTE LABORAL FRENTE À MAXIMIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DAS EMPRESAS (Daniel Ferreira e Maria Ivone Godoy) ...........................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DAS EMPRESAS ..................................................................

O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO ..........................................................................................................

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A INICIATIVA EMPRESARIAL EM PROL DE UM MEIO AMBIENTE LABORAL INCLUSIVO ......................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O DUMPING SOCIAL E A TOTAL POSSIBILIDADE DE TUTELA DAS MINORIAS NA ATIVIDADE EM-PRESARIAL (Juliana Machado Massi e Marco Antônio César Villatore) ....................................................

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................

A TESE DO DUMPING SOCIAL INTERNO .................................................................................................

A APLICAÇÃO DO DUMPING SOCIAL NA REALIDADE BRASILEIRA .......................................................

CASOS PRÁTICOS: ALGUNS ACÓRDÃOS QUE DEBATEM O DUMPING SOCIAL ....................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O TRABALHO DOS DISCRIMINADOS E DAS MINORIAS ESTIMULADO PELAS LICITAÇÕES E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – AÇÕES AFIRMATIVAS E A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRE-SARIAL (Fernando Paulo da Silva Maciel Filho) ...............................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS IMPLICAÇÕES DELE DECORRENTES ...............................................

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA .............

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA EMPRESA (FUNÇÃO X RESPONSABILIDADE) .....................................

O DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E AS IMPLICAÇÕES NA ÁREA DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES PÚBLICAS ....................................................................................................................

A FUNCIONALIZAÇÃO DA LICITAÇÃO PÚBLICA COMO MEIO DE FOMENTO SOCIAL DE ACESSO AO TRABALHO PELOS DISCRIMINADOS E PELOS EXCLUÍDOS .....................................................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

AUTORREGULAÇÃO E HOTELARIA INCLUSIVA – UMA PROPOSTA DE CONVIVIABILIDADE E DE MERCADO (Sandra Filomena Wagner Kiefer e Maria Constança Madureira Homem de Carvalho) ..........

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O HOTEL - BREVES COMENTÁRIOS ...........................................................................................................

PANORAMA DA REGULAÇÃO HOTELEIRA NO BRASIL ...........................................................................

DA IMPORTÂNCIA DA CONSCIENTIZAÇÃO DA HOTELARIA SOBRE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS

AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ...............................................................................................................

A IMPORTÂNCIA DA INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS NOS PRODUTOS E SERVIÇOS HOTELEIROS ..............................................................................................................................................

ACESSIBILIDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO ...............................................................................................

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AUTORREGULAÇÃO E HOTELARIA INCLUSIVA - UMA PROPOSTA DE CONVIVIABILIDADE E DE MERCADO ..................................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

COTAS PARA MULHERES EM CONSELHOS DIRETORES – UMA REALIDADE EUROPÉIA FACTÍVEL E NECESSÁRIA PARA O BRASIL? (Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini e Luciane Maria Trippia) ....

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

AÇÕES AFIRMATIVAS ................................................................................................................................

A MULHER BRASILEIRA NO MERCADO DE TRABALHO: CONDIÇÕES HISTÓRICAS ..............................

MULHERES BRASILEIRAS EM CARGOS DE DIREÇÃO ..............................................................................

SOBRE A IMPLANTAÇÃO DE COTAS PARA MULHERES EM CARGOS DE DIREÇÃO NO BRASIL ............

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS NO CONSELHO FISCAL (Cláudio Luiz de Miranda Bastos Filho) .....................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A LEI Nº 6.404/76 E OS INTERESSES DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS ................................................

PROCEDIMENTO DE INSTALAÇÃO DO CONSELHO FISCAL E DE ELEIÇÃO DO REPRESENTANTE DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS ....................................................................................................................

O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS NO CONSELHO FISCAL DA COMPANHIA ..............................................................................................................................................

A IMPORTÂNCIA DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS NO CONSELHO FISCAL ..............................................................................................................................

O ENTENDIMENTO DA CVM SOBRE O TEMA ..........................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

MERCADO DE CAPITAIS COMO SEDE DOS DIREITOS FUNDAMETAIS DIFUSOS À IGUALDADE INFORMACIONAL E DE OPORTUNIDADES (Karina Teresa da Silva Maciel e Antonio Martin) ...............

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

EVOLUÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS NO BRASIL .....................................

EVOLUÇÃO DO PODER DE CONTROLE NAS ÚLTIMAS DÉCADAS NO BRASIL .......................................

OS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS DO MERCADO DE CAPITAIS ....................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

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REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

MEIO AMBIENTE, EMPRESA E CIDADANIA: RISCOS PLANETÁRIOS EM UMA SOCIEDADE GLOBAL (Andreza de Souza Toledo e Lucélia Simioni Machado) ..............................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

CIDADANIA E PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL ............................................................................................

AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO .......................................................................................

EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO E O MEIO AMBIENTE ..............

SOCIEDADE GLOBAL DE RISCO E SUSTENTABILIDADE ...........................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

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Caríssimo(a) Associado(a),

Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direitos Especiais e Tutela das Minorias na

Atividade Empresarial, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-

graduação em Direito (CONPEDI), realizado no Centro Universitário Curitiba

(UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013.

O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente

de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos

da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma

reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,

nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela

tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do

processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos

parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN

do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da

Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro

Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.

Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,

tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da

produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no

âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a

mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não

apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as

especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.

Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a

enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)

aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a

todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-

nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores

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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido

mais difícil.

Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada

em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para

seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e

que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto

para eventos.

O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso

comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de

2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão

sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que

inserirem seus dados.

Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os

programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor

fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço

no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,

mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da

segunda versão, disponível em 2014.

Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de

programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará

importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,

além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as

dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do

Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube

conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de

elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será

fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.

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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III

Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o

estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores

do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo

livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras

parcerias e editais para a área do Direito.

Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do

UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.

Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que

agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada

logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.

Curitiba, inverno de 2013.

Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente do CONPEDI

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Apresentação

É com imensa satisfação que nós, Coordenadores do Grupo de Trabalho “Direitos

Especiais e Tutela das Minorias na Atividade Empresarial”, Professores Doutores Mateus

Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini (UNICURITIBA), Regina Célia Martinez (FMU) e

Ronaldo Alves de Andrade (FMU), apresentamos à comunidade acadêmica o valioso fruto dos

trabalhos apresentados durante o XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e

Pós-Graduação em Direito – CONPEDI, ocorrido nas dependências do Centro Universitário

Curitiba – UNICURITIBA, situado na Capital paranaense, entre os dias 29 de maio e 1º de

junho de 2013, evento científico de grande sucesso de público e que ofertou a sua autorizada

contribuição para o crescimento e aprimoramento da Ciência Jurídica brasileira.

O tema do Encontro foi o seguinte: “25 anos da Constituição Cidadã: Os Atores Sociais

e a Concretização Sustentável dos Objetivos da República”. Para além da excelência da

proposta, ela foi de uma oportunidade indiscutível, abrangendo toda a programação XXII

CONPEDI, como é o caso do Grupo de Trabalho que dá nome a essa obra, cuja totalidade dos

artigos passou por uma rigorosa e prévia avaliação levada a efeito por, no mínimo, dois

Professores Doutores em Direito, antes de sua escolha para apresentação no evento.

Durante os trabalhos do Grupo “Direitos Especiais e Tutela das Minorias na Atividade

Empresarial”, os textos passaram por intensa análise dos participantes, discussões havidas no

transcurso do dia 31 de maio, numa ambiência marcada pelo intenso debate democrático e

respeito às opiniões divergentes, cuja síntese, poder-se-ia afirmar, contribuiu para o

aperfeiçoamento dos artigos, numa perspectiva científica irreparável.

Dez foram os trabalhos apresentados: “Abertura constitucional para as questões

envolvendo a liberdade de crença dos fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, de Cibele

Merlin Torres e Antonio Augusto Cruz Porto; “Autorregulação e hotelaria inclusiva – uma

proposta de conviviabilidade e de mercado”, de Maria Constança Madureira Homem de

Carvalho e Sandra Filomena Wagner Kiefer; “Cotas para mulheres em conselhos diretores –

uma realidade europeia factível e necessária para o Brasil?”, de Luciane Maria Trippia e

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Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini; “Meio ambiente, empresa e cidadania: riscos

planetários em uma sociedade global”, de Andreza de Souza Toledo e Lucélia Simioni

Machado; “Mercado de capitais como sede dos direitos fundamentais difusos à igualdade

informacional e de oportunidades”, de Karina Teresa da Silva Maciel e Antonio Martin; “O

direito de inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais no mercado de trabalho”,

de Eloy Pereira Lemos Junior e Romeu Júnio de Bessa; “O direito de representação dos

acionistas minoritários no conselho fiscal”, de Cláudio Luiz de Miranda Bastos Filho; “O

dumping social e a total possibilidade de tutela das minorias na atividade empresarial”, de

Juliana Machado Massi e Marco Antônio César Villatore; “O meio ambiente laboral frente à

maximização da responsabilidade socioambiental das empresas”, de Daniel Ferreira e Maria

Ivone Godoy; e “O trabalho dos discriminados e das minorias estimulado pelas licitações e os

contratos administrativos – ações afirmativas e a responsabilidade social empresarial”, de

Fernando Paulo da Silva Maciel Filho.

Guardando os mencionados artigos pertinência com os “Direitos Especiais e Tutela das

Minorias na Atividade Empresarial”, tem-se a convicção de que os textos que ora se publica –

cuidando da liberdade de crença, da inclusão das minorias e ações afirmativas, dos minoritários

no mercado de capitais e da globalização e os riscos ao meio ambiente –, constituem a

resultante de pesquisas acadêmicas abalizadas, cujos textos, além de uma leitura agradável,

contribuirão para novas pesquisas e avanços nessa área, tão sensível e importante para os

estudiosos e, principalmente, para a população em geral, pois a proteção de seus direitos

significa, a um só tempo, o respeito à dignidade da pessoa humana e o atendimento da força

normativa da nossa Constituição Cidadã, que nesse ano do XXII CONPEDI completa um

quarto de século, plena de energia, avanços e realizações.

Parabenizando os pesquisadores desse Grupo de Trabalho e todos os organizadores do

XXII CONPEDI, esperamos que os nossos leitores façam ótimo proveito dessa obra,

representativa de um esforço coletivo e aristotélico na construção do bem comum.

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Coordenadores do Grupo de Trabalho

Professor Doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini – UNICURITIBA

Professora Doutora Regina Célia Martinez – FMU

Professor Doutor Ronaldo Alves de Andrade – FMU

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ABERTURA CONSTITUCIONAL PARA AS QUESTÕES ENVOLVENDO A

LIBERDADE DE CRENÇA DOS FIÉIS DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA

CONSTITUTIONAL OPENING FOR ISSUES INVOLVING THE FREEDOM OF BELIEF

OF FAILTHFULS OF SEVENTH DAY ADVENTIST CHURCH

“Não acendereis fogo em nenhuma das vossas moradas no dia do sábado”. (Êxodo 35:3 RA)

Antonio Augusto Cruz Porto1 Cibele Merlin Torres2

Resumo: O estudo a que se propõe o presente trabalho tem por objetivo analisar a abertura constitucional relacionada a questões religiosas, sobretudo vinculadas a alguns dos pleitos judiciais formulados pelos seguidores da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Na quadratura proposta, se é certo que os ordenamentos jurídicos devem servir como um instrumento permissivo à adequação às exigências da sociedade - a qual está em permanente mudança -, o ponto de debate verte-se à questão acerca do limite desta abertura constitucional, eis que, ao tempo em que não pode ser grande demais - a ponto de ser facilmente alterada -, igualmente não pode ser severamente inflexível - impedindo que a ordem jurídica acompanhe as mudanças sociais e garanta os direitos a que se aventura. Palavras-Chave: PLURALIDADE. ABERTURA DA ORDEM CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE CRENÇA. Abstract: This study aims to analyze the constitutional opening issues related to religious, mainly linked to some of the lawsuits made by followers of the Seventh-day Adventist Church. In this context, it is true that the jurisdictions should serve as an instrument permissive adequacy the demands of society which is constantly changing, the point of debate sheds to the question about the limits of this opening, behold, the time can not be too big - as to be easily changed - also not may be too rigid - preventing the legal system to track social changes and guarantees the rights it sets itself.

1 Advogado e Professor Universitário. Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail: [email protected] 2 Procuradora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil). E-mail: [email protected]

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Keywords: PLURALITY. OPENING OF CONSTITUTIONAL ORDER. FREEDOM OF BELIEF.

1. DELIMITAÇÃO DO PLANO DE ESTUDO

As constantes - e cada vez mais em destaque - diferenças na sociedade, consubstanciadas

em alternâncias de cor, raça, nível sócio-econômico, credo e sexo levam a questionamentos

relativos à efetiva extensão da abertura da Constituição para a diversidade, bem como aos exatos

limites das chamadas ações afirmativas.

Algumas questões que aparentemente já estavam pacificadas, como aquelas envolvendo

situações de diversidade de raças nas universidades3, estão novamente na pauta da Suprema Corte

Norte-Americana, por exemplo. A despeito de, em decisões anteriores, a Corte Americana ter se

posicionado sobre a possibilidade de utilização de critérios de cor no processo admissional das

universidades, recentemente uma estudante branca, que teve negada sua admissão por questões

de raça, alegou ter tido seus direitos civis e constitucionais violados4.

Neste caso, até onde se justificaria a inclusão do outro? A abertura da Constituição para a

toda a dimensão plural da sociedade poderia colocar em risco a existência da ordem

constitucional?

Partindo dessas perguntas, o presente texto tem a finalidade de formular breves reflexões

sobre os limites da abertura constitucional no tocante ao direito à liberdade de crença,

notadamente na situação que alude aos adeptos da Igreja Adventista do Sétimo Dia, cuja doutrina

veda o trabalho secular no sábado dito “natural”, que vai do pôr-do-sol da sexta-feira ao pôr-do-

sol do sábado imediatamente seguinte. Analisando casos concretos, buscar-se-á avaliar como

alguns temas envolvendo a religião são tratados, notadamente quando postos em conflito com

outros direitos fundamentais de símile matiz. Intuir-se-á, pois, perscrutar criticamente os

resultados de algumas decisões judiciais quando a igualdade e a diversidade fazem parte de uma

mesma equação problematizada.

3 No caso Regents of the University v. Bakke, 438 U.S. 262 (1978) a Corte americana teve a oportunidade de examinar a constitucionalidade de um plano de ação afirmativa e do uso do fator racial para a seleção de alunos, reconhecendo, inclusive, que o fator raça pode ser sim considerado um elemento favorável no processo de admissão de alunos em estabelecimento do ensino superior. RODRIGUES, Eder Bomfim. Igualdade e Ações Afirmativas nos Estados Unidos e no Brasil. pp. 207/231. In: Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Organizador Marcelo Novelino. Salvador: Jus Podivm, 2010. 4ª. Edição. p. 216. 4 Fisher v. University of Texas. Disponível em: http://www.nytimes.com/roomfordebate/2012/02/22/beyond-race-in-affirmative-action. Acesso em: 27.02.2012.

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Notar-se-á, adiante-se desde logo, a visível dificuldade de uma abertura constitucional

efetiva para os temas envolvendo religião, arraigando-se na justificativa - questionada por muitos

juristas5 - de que o Brasil é um Estado laico e que, portanto, não poderia ‘defender’ direitos de

determinada religião em detrimento de outros direitos alocados na mesma balança constitucional.

2. ABERTURA CONSTITUCIONAL EM UMA SOCIEDADE PLURALISTA

Em precedência à abordagem ao tema da abertura constitucional propriamente dita, é

fundamental esclarecer de que Constituição se está a tratar: de uma mera folha de papel, que não

reflete os fatores reais de poder, formadores da “Constituição real”, como disseminou Lassale6;

ou de um instrumento possuidor de uma força normativa, consoante defendeu Hesse 7.

Para aquele autor, a Constituição real - resultado dos fatores reais de poder - e a jurídica -

documento formal - estão em uma relação de cooperação, condicionando-se mutuamente, porém

não dependem uma da outra. Ao contrário do defendido por Lassale, Hesse acredita que a

Constituição jurídica tem um significado específico e autônomo, distinguindo-se da Constituição

real. Para ele, a “Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa

pretensão de eficácia”8.

Tal constatação leva, segundo Hesse, a outro questionamento, relacionado às

possibilidades e aos limites da concretização do texto constitucional frente à realidade. Em

paráfrase: “a força vital e a eficácia da Constituição assentam-se na sua vinculação às forças

5 Cite-se, exemplificativamente, a ação civil pública proposta por Jefferson Aparecido Dias, Procurador Geral dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, intuindo a determinação da retirada dos símbolos religiosos (crucifixos, imagens, etc) ostentados em “locais proeminentes, de ampla visibilidade de atendimento ao público nos prédios da União no Estado de São Paulo”, com base na laicidade estatal, que, segundo ele, não estava sendo respeitada, ante a proeminência de uma religião em prejuízo das demais. Petição disponível em: http://www.prsp.mpf.gov.br/prdc/destaques/ACP%20-%20simbolos%20religiosos%2027-07-09.pdf. Acesso em 27.02.2012. Mencione-se, ainda, por pertinente, o artigo publicado pela jurista Letícia de Campos Velho Martel, intitulado “‘Laico, mas nem tanto’: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev86.pdf. Acesso em: 26.02.2012. Sobre o assunto, também escreveu Daniel Sarmento. O Crucifixo nos Tribunais e a Laicidade do Estado. Revista Eletrônica PRPE. Maio de 2007. Disponível em: www.prpe.mpf.gov.br/internet/.../RE_%2520DanielSarmento2.pdf. Acesso em: 26.02.2012. 6 LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição? Belo Horizonte: Editora Líder, 2004. 7 KONRAD, Hesse. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre. Fabris, 1991. 8 KONRAD, Hesse. A força normativa da Constituição... p. 16.

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espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e

a sua ordenação objetiva”9.

Nota-se, portanto, a presença de uma indispensável ligação entre o texto (Constituição

jurídica) e a dinâmica realidade social (Constituição real). Neste panorama, infere-se que muito

embora a Constituição não possa, por si só, concretizar direitos, ela pode impor tarefas a ser

realizadas, fazendo emergir daí sua força normativa.

No entanto, a Constituição não pode assentar-se em uma estrutura unilateral se quiser

manter sua força normativa, sobretudo em uma sociedade em permanente mudança. Para

preservar sua força normativa, deve incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da

estrutura contrária ou “minoritária”10. Aqui, de certa forma, reside a chamada ‘abertura da

Constituição para dentro’.

O conceito de abertura, como bem ponderou Marcos MALISKA, “além de indicar um

elemento fundamental da existência da ordem constitucional no contexto de uma rede de

Constituições, também serve para caracterizar as Constituições de sociedades pluralistas”11.

Desse modo, a ordem constitucional não apenas garante o pluralismo, mas se abre para ele. A

evolução deste pensamento se deve à compreensão de que as sociedades não são mais sociedades

homogêneas ou ao menos este não é mais o objetivo perseguido.

A sociedade atual busca a igualdade e a liberdade material, a afirmação das

particularidades e, com isso, traz-se à tona a questão do limite da abertura da Constituição. Isto é,

até que ponto a igualdade prevista no ordenamento constitucional poderia coexistir com a

diversidade, ou ainda, como seria possível conformar elementos a fim de criar uma unidade em

uma sociedade pluralista, um código único dentre uma infinidade de códigos existentes. Segundo

Marcos MALISKA, “[p]luralismo e Constituição estão em relação de dependência, de modo que

tanto o Pluralismo não existe sem Constituição, quanto a Constituição enquanto possibilidade de

afirmação do Princípio da Isonomia não existe sem diversidade” 12.

9 KONRAD, Hesse. A força normativa da Constituição... p. 18. 10 Termo não muito adequado, visto que não se quer referir somente aos numericamente em desvantagem, porém a todos aqueles que não conseguem ser representados adequadamente no jogo político. 11 MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição. Abertura. Cooperação. Integração. Trabalho de Pós-Doutorado realizado junto ao Instituto Max Planck de Direito Público Estrangeiro e Direito Internacional de Heidelberg, Alemanha. (Mimeo). p. 1. 12 MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição... p. 6.

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Neste ponto, é inevitável a seguinte indagação: até que ponto a abertura é segura13, ou

seja, não coloca em risco a unidade e a estabilidade da Constituição14? Como convergir as

garantias de igualdade-unidade e de diversidade?

A religião é um exemplo da complexidade social brasileira15, que exige uma abertura da

Constituição para as suas particularidades, sob pena de ser professada apenas uma fé em todo

território nacional, o que certamente poderia implicar uma confusão entre Estado e Igreja.

Todavia não parece ser esta a intenção da República brasileira. Tanto que, aliás, o artigo 19,

inciso I, da Constituição da Federal, consagra o princípio da laicidade do Estado.

Para Emerson GARCIA, um Estado é considerado laico quando “passa ao largo da

realidade religiosa subjacente ao meio social e elimina, a priori, qualquer influência do poder

espiritual no ambiente político”16. E complementa: a “laicidade guarda similitude com

neutralidade, indicando a impossibilidade de a estrutura estatal de poder possuir uma ‘fé oficial’,

privilegiando-a em detrimento das demais”17. Pode-se, então, dizer que um Estado laico separa a

religião de outras questões, sobretudo as políticas.

No Brasil, entretanto, a despeito da laicidade prevista no texto constitucional, percebe-se a

predominância da religião católica no âmbito das relações público-estatais. Tal conclusão se deve

à assimilação de feriados religiosos18 - como o feriado de 12 de setembro, em homenagem a

Nossa Senhora Aparecida, religiosa católica -, à presença de símbolos católicos nas repartições

13 Marcos MALISKA, citando John RAWLS, pondera que “há limites na própria ordem constitucional para a existência (da) pluralidade, pois doutrinas abrangentes desarrazoadas, mesmo insanas, devem ser contidas, de maneira que não corroam a unidade e a justiça da sociedade”. MALISKA, Marcos Augusto. Fundamentos da Constituição... p. 7. 14 Com bem observou Konrad HESSE, a “estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição”. 15 Segundo os dados estatísticos do Censo Demografico de 2000, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), 73,8% da população declara-se católica, 15,41% evangélica, 7,4% sem religião e 3,4% são adeptos de outras religiões - somatorio das minorias religiosas (4.935.138), com “nao determinadas” (357.648) e “sem declaracao” (383.953. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/religiao_Censo2000.pdf. Acesso em: 27.02.2012. 16 GARCIA, Emerson. A Religião entre a Pessoa Humana e o Estado de Direito. pp. 233/256. In: Leituras Complementares de Direito Constitucional: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Organizador Marcelo Novelino. Salvador: Jus Podivm, 2010. 4ª. Edição. p. 243. 17 GARCIA, Emerson. A Religião entre a Pessoa Humana e o Estado de Direito. p. 243. 18 “(...) o Brasil somente permite aos Municípios estabelecer feriados religiosos em número máximo de quatro, ‘de acordo com a tradição local’, incluindo a Sexta-Feira da Paixão (art. 2º da Lei 9.093/95), todos, portanto, são cristãos, excetuadas algumas exceções vinculadas ao sincretismo de religiões afro-brasileiras”. Trecho extraído da decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. TRF4, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2003.70.00.017703-1, 3ª Turma, Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 08/11/2007.

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públicas - crucifixos e cruzes -, inclusive no Supremo Tribunal Federal19, bem como à menção a

Deus no preâmbulo da Constituição da República20.

De qualquer sorte, é certo que a laicidade estatal, mesmo por vezes contestada, não

significa o desconhecimento e a desprezo a pluralidade de seitas, cultos e secções religiosas,

todas elas próprias a uma sociedade que se pretende multifacetada. Ao contrário, o caráter laico

do Estado deve conformar-se com a liberdade de crença, visto que ambos coexistem no plano

constitucional.

Contextualizado o problema, passa-se ao objeto principal deste estudo, qual seja: expor a

forma de avaliação das questões religiosas perante Órgãos Administrativos e Jurisdicionais, os

bens jurídicos que se puseram em conflito e quais eventualmente se sobrepujaram a outros, para,

ao final, avaliar qual seria o limite da abertura da Constituição para a pluralidade religiosa em um

país como o Brasil e buscar melhores contornos para a difícil relação entre igualdade e

diversidade dentro do contexto social moderno.

3. A LIBERDADE DE CRENÇA POSTA EM CONFLITO COM OUTROS

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Constituição talvez esteja para a igualdade assim como o pluralismo está para a

diversidade. Isso porque, aquela afirma a necessidade de tratamento isonômico entre os cidadãos,

enquanto o pluralismo busca considerar e preservar as particularidades de cada indivíduo ou

grupo de indivíduos21.

A coexistência da igualdade com a complexidade social, segundo Marcelo NEVES, dar-

se-ia por meio do respeito recíproco ante a diversidade de valores, interesses, crenças e etnias no

espaço social22, pois para manter a unidade constitucional - os pontos sociais em comum -

19 Sobre o tema: SARMENTO, Daniel Sarmento. O Crucifixo nos Tribunais e a Laicidade do Estado... 20 Letícia de Campos Martel, ao analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão ajuizada pelo Partido Social Liberal, que pleiteava a inclusão, na Constituição estadual acreana, da disposição prevista no preâmbulo da Constituição da República – “sob a proteção de Deus” -, ponderou que a Suprema Corte brasileira não centrou seus argumentos na separação entre Igreja e Estado, restringindo-se a firmar entendimento já sedimentado, segundo o qual o preâmbulo não possui força normativa. MARTEL, Letícia de Campos. “‘Laico, mas nem tanto’:.. p. 21. 21 Fundamentos da Constituição. Abertura. Cooperação. Integração. Trabalho de Pós-Doutorado realizado junto ao Instituto Max Planck de Direito Público Estrangeiro e Direito Internacional de Heidelberg, Alemanha. (Mimeo). p. 14. 22 NEVES, Marcelo. Entre Thêmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 167.

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verifica-se a necessidade de um consenso social mínimo, que limitaria de certa maneira as

situações heterogêneas.

No contexto do pluralismo garantido pelo ordenamento constitucional, identifica-se a

existência de multifacetas religiosas. Segundo Marcos MALISKA, isso significa a garantia da “fé

como um elemento subjetivo do sujeito e o direito das diversas congregações religiosas de se

organizarem socialmente”23.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe sobre o tema que “todo ser humano

tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de

mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela

prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular” (artigo XVIII)24.

Em 1981, a Organização das Nações Unidas editou declaração sobre a eliminação de

todas as formas de intolerância e discriminação baseadas em religião ou crença (Resolução

36/55). Em um dos considerandos que introduzem a Declaração, a ONU salienta que “a religião

ou as convicções, para quem as profere, constituem um dos elementos fundamentais em sua

concepção de vida e que, portanto, a liberdade de religião ou de convicções deve ser

integralmente respeitada e garantida”.

No mesmo sentido, o artigo 1225, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto

de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil e incorporada à sua legislação interna, com

status supralegal, dispõe que “ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam

limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de

crenças”.

23 Fundamentos da Constituição. Abertura. Cooperação. Integração. Trabalho de Pós-Doutorado realizado junto ao Instituto Max Planck de Direito Público Estrangeiro e Direito Internacional de Heidelberg, Alemanha. (Mimeo). p. 27. 24 “Artigo XVIII. Todo ser humano tem direito a liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela pratica, pelo culto e pela observância, em publico ou em particular.” 25 “Artigo 12 – Liberdade de consciência e de religião 1. Toda pessoa tem direito a liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em publico como em privado. 2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças esta sujeita apenas as limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral publicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.”

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Este direito fundamental também está expresso no texto constitucional brasileiro, no

artigo 5º, incisos VI e VIII, que prevêem, em termos gerais, a inviolabilidade da liberdade de

crença e a proteção dos locais de culto, bem como a garantia de que ninguém será privado de

direitos por motivos de crença religiosa, respectivamente.

Quanto ao inciso VIII do citado artigo, ante a relevância para o presente estudo, convém

transcrevê-lo: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção

filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e

recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”.

Portanto, se não se tratar de uma obrigação imposta por lei e não houver recusa em

cumprir prestação alternativa prevista em lei, o direito à liberdade de crença estaria garantido. No

entanto, uma das dificuldades reside na ausência de lei dispondo sobre a existência e a exigência

de estabelecerem-se prestações alternativas.

Qualquer religião, destarte, goza dos mesmos direitos constitucionalmente albergados.

Entretanto, quando em colisão com outros direitos, a liberdade de crença nem sempre será, na

prática, garantida.

Para refletir sobre esta afirmação, apresentar-se-ão alguns casos concretos concernentes

especificamente aos adeptos à religião Adventista do Sétimo Dia, avaliando-se como os

Tribunais, de maneira geral, resolvem as situações práticas que lhes são postas.

Em caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, uma funcionária de

determinada escola impetrou Mandado de Segurança contra ato da Dirigente da Instituição,

consubstanciado na negativa do direito de repor aula em qualquer dia da semana, exceto aos

sábados, por motivo de crença religiosa. Pleiteou, ainda, a devolução de importância salarial

descontada26. A necessidade da reposição das aulas decorria da suspensão das atividades

escolares por conta da disseminação do vírus H1N1, por um período de 30 (trinta) dias.

Nas palavras do então Relator, desembargador Rafael Tocantins Maltez, “o caso em

análise demonstra a existência de colisão entre direitos”27. De fato, de um lado, invoca-se o

direito fundamental à inviolabilidade de crença e consciência. Em posição oposta, afirma-se que

26 São Paulo. Tribunal de Justiça. Apelação nº 990.10.484377-4. Relator: Des. José Roberto Peiretti de Godoy. Décima Terceira Câmara de Direito Público. Guarulhos, 01 dez 2010. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/. Acesso em: 26.02.2012. Voto nº 14607. 27 São Paulo. Tribunal de Justiça. Apelação nº 990.10.484377-4. Voto nº 14607.

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‘ninguém poderá invocar crença religiosa para eximir-se de obrigação legal a todos imposta’ –

artigo 5º, inciso VIII, da CF.

Todavia, segundo esposado no voto do Relator, o direito à educação dos alunos e a

isonomia entre os professores deveria prevalecer, pois não seria razoável exigir que o Estado

reorganizasse sua grade horária em prol do interesse individual da professora-impetrante.

Considerando, portanto, que o interesse público deve sobrepor-se a qualquer interesse

particular, concluiu não haver direito líquido e certo da impetrante a ser amparado via mandamus.

Isso significa, em outras palavras, que independente de sua crença, a professora não teria direito

naquele caso concreto a receber seu salário por ter se ausentado por motivos de ordem religiosa.

O direito a ausentar-se do trabalho por ser um fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia

também foi avaliado pela Justiça do Trabalho (5ª Vara do Trabalho de João Pessoa). No entanto,

a decisão final foi bastante diferente.

Funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ajuizaram ação

trabalhista alegando terem sido punidos com advertência escrita por se recusarem a atender à

convocação para o trabalho em dia de sábado. Sustentaram que a empresa poderia ter convocado

outros funcionários para trabalhar nesse dia e que se propuseram a trabalhar em qualquer outro

dia ou horário, inclusive no domingo, o que não foi aceito pela empresa. Em virtude disso,

pleitearam a anulação da punição sofrida, a emissão de uma ordem para que a reclamada se

abstivesse de exigir o trabalho aos sábados, bem como a condenação da empresa ao pagamento

de indenização por danos morais e honorários advocatícios.

O juiz da causa, Alexandre Roque Pinto, entendeu estar diante de conflito entre o direito

fundamental de praticar e expressar uma religião, de um lado, e o poder diretivo do empregador,

de outro. Entre os argumentos expostos na sentença destacam-se: (i) a crença é algo sagrado e

deve ser respeitado; (ii) os esforços da sociedade devem convergir para a inclusão, não a

exclusão, das minorias; (iii) o direito à liberdade de crença deve ser respeitado, somente podendo

ser relativizado em casos excepcionais, como, por exemplo, de uma religião que “impusesse aos

fiéis que andassem nus pela rua, ou que consumissem cocaína, ou que os obrigasse a roubar ou a

matar os infiéis, não poderia ser respeitada pela coletividade nesses pontos”28. Acrescentando

28 PINTO, Alexandre Roque. Disponível em: http://www.amatra13.org.br/new/conteudo.php?pg=publicacao&puTipo=2&puCodigo=2240. Acesso em: 24.02.2012.

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que, nestas situações, o direito fundamental à crença teria que ceder diante de outros interesses

mais relevantes.

A sentença ainda considerou que a empresa poderia ter dado alternativas para os

empregados, havendo, portanto, uma desproporção entre “o sacrifício exigido da empresa (que é

irrelevante) para manter íntegro o direito fundamental dos reclamantes e o sacrifício exigido dos

autores (que é descomunal) para preservar o poder diretivo da empresa” 29.

Destaque-se, ainda, por pertinente ao presente estudo, um trecho proeminente da decisão

em epígrafe: “Impor aos guardadores do sábado – que são ínfima minoria – a obrigação de trabalharem nesse dia, implica em exclusão social, pois só resta ao cidadão escolher entre duas alternativas: contrariar um mandamento que julga divino e manter o emprego ou obedecer ao mandamento e ficar à margem do mercado de trabalho. Como muitos escolheriam a segunda opção, por fidelidade à sua crença, o resultado seria o desemprego de muitas pessoas. Isso poderia ser evitado, na maior parte dos casos, se a atividade produtiva, com um mínimo de desconforto, fizer o possível para permitir o repouso no dia de guarda. Sem dúvida, é a solução que privilegia o interesse público e o direito fundamental à religião”. 30

Pelas razões supramencionadas e concluindo que os empregados estavam diante de uma

escolha de Sofia - eis que tinham a opção de obedecer ao seu Deus e desobedecer à ordem da

empresa, colocando o seu emprego e sua subsistência em risco, ou se sujeitar à ira de Deus (na

ótica deles) para manter a fonte de sua sobrevivência -, o juiz determinou a anulação da punição

disciplinar, a abstenção da empresa de exigir o trabalho dos autores sob pena de multa e

condenou os empregadores a pagar uma indenização por danos morais aos empregados no

importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)31.

Os casos da professora e dos empregados dos correios, acima citados, apresentam uma

diferença que não pode deixar de ser ressaltada, sob pena de tender o presente estudo para um

caminho equivocado.

Na primeira situação, aquele referente à professora, aparentemente não havia a

possibilidade de compensação dos horários aos domingos, pois poderia implicar prejuízo para os

29 PINTO, Alexandre Roque. Disponível em: http://www.amatra13.org.br/new/conteudo.php?pg=publicacao&puTipo=2&puCodigo=2240. Acesso em: 24.02.2012. 30 PINTO, Alexandre Roque. Disponível em: http://www.amatra13.org.br/new/conteudo.php?pg=publicacao&puTipo=2&puCodigo=2240. Acesso em: 24.02.2012. 31 Situação análoga foi decidida pelo Juiz do Trabalho Carlos Rodrigues Zahlouth, no processo nº 1217-2006-010-08-00-4, em trâmite na 10ª Vara do Trabalho de Belém. Disponível em: http://www.amatra8.org.br/framework/view/upload/SentZah.htm. Acesso em: 28.02.2012.

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estudantes e para a instituição de ensino (com a necessidade de abrir a escola exclusivamente

para aquela aula ou/e divulgar a mudança por motivos religiosos da profissional). Todavia, não se

pode deixar de apontar que seria possível dar a alternativa para que a profissional fosse

substituída e, assim, por consequência, não receberia a importância salarial relativa aos dias não-

compensados. Até porque, a necessidade de aulas aos sábados decorreu de fato alheio à sua

vontade - a suspensão por conta da pandemia do vírus H1N1.

Na segunda situação, o juiz bem ponderou a grandiosidade da empresa-ré, que facilmente

poderia adequar os horários sem prejuízos para o seu funcionamento, oportunizando a realização

do serviço em outro dia alternativo (como aos domingos). Desse modo, a punição dos

empregados por se recusarem a trabalhar por motivos religiosos foi considerada desproporcional,

prevalecendo o direito à crença.

A Suprema Corte Americana32 também analisou questão atinente a direitos de fiel da

Igreja Adventista do Sétimo Dia. No caso apreciado, a empregada havia sido dispensada, pois

não afirmou que não podia trabalhar aos sábados em decorrência de suas convicções religiosas.

Por esta razão, a funcionária estava impossibilitada de conseguir outro emprego, oportunidade em

que requereu uma espécie de seguro desemprego (unemployment compensation benefits), o qual

pode ser negado caso o indivíduo não aceite outro emprego sem motivo justo.

O pedido foi indeferido administrativamente, sob o argumento que a funcionária não

aceitou o emprego quando lhe foi oferecido. Não se conformando com tal negativa, a empregada

recorreu ao Judiciário. A Suprema Corte ao analisar o caso concluiu que desqualificar o

empregado, impossibilitando que este receba a compensação em decorrência do desemprego,

somente pelo fato de não aceitar uma posição em que teria que trabalhar aos sábados,

contrariando suas convicções religiosas, impõe ao trabalhador uma carga inconstitucional,

violando seu direito ao livre exercício de sua religião.

Percebe-se que, neste caso, a liberdade de crença e a impossibilidade de trabalhar aos

sábados foram consideradas motivos justos e relevantes para a negativa de posição de trabalho,

sendo reconhecido o direito de receber o benefício.

No Brasil, a questão relativa à liberdade de crença também foi alvo de debate perante o

Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de

32 SHERBERT v. VERNER, 374 U.S. 398 (1963). Disponível em: http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?court=us&vol=374&invol=398. Acesso em: 20.02.2012.

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Segurança 22.825, originário do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, cuja relatoria coube

à lavra do Ministro Felix Fischer. Na específica situação controvertia-se a possibilidade de

alteração na data da realização de uma das etapas de determinado concurso público, a pedido de

uma concorrente ligada à Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Afora questões relativas à vinculação do concursando ao edital de abertura do concurso

público, o ponto que se traz à reflexão toca à análise acerca da igualdade de tratamento a que se

deve respaldar a Administração Pública. Nesse contexto, escorado em anterior precedente

oriundo da 6ª Turma da Corte Superior (RMS 16.107/PA), asseverou o ilustre Relator que “o

direito à liberdade de crença assegurado pela Constituição da República não pode almejar criar

situações que importem tratamento diferencia - seja de favoritismo seja de perseguição - em

relação a outros candidatos de concurso público que não professam a mesma crença religiosa”.

Por assim dizer, tanto a reserva de tratamento igualitário aos cidadãos, quanto a própria

trilha da Impessoalidade que deve seguir a Administração Pública, nortearam o entendimento de

que, ao se permitir a um candidato, vinculado a determinada religião, elaboração de etapa

concursal sob condições diversas às dos demais, estar-se-ia a ferir a Carta Constitucional.

Noutro precedente bastante interessante, resultado do julgamento da Apelação no.

717.574.5, originária da 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo,

conduzido pela relatoria do Desembargador Edson Ferreira, avaliou o pedido, aviado em

mandado de segurança, para que o impetrante pudesse realizar provas de um determinado curso

superior em dias não coincidentes com aqueles de guarda religiosa, bem como para que pudesse

apresentar trabalhos alternativos em substituição à presença em aula. Apoiava a pretensão de

Segurança em dispositivo da Lei Estadual 12.142/200533, que reservava aos alunos de ensino

público ou privado justamente aquilo que pedia o impetrante.

A par de o Tribunal paulista, exercendo o controle concreto da constitucionalidade da

referida legislação estadual, apontar transgressão de competência legislativa para tratar de

questões relativas às diretrizes e bases da educação nacional, de ordem privativa à União, há de

33 “Artigo 2º - É assegurado ao aluno, devidamente matriculado nos estabelecimentos de ensino público ou privado, de ensino fundamental, médio ou superior, a aplicação de provas em dias não coincidentes com o período de guarda religiosa previsto no “caput” do artigo 1º. § 1º - Poderá o aluno, pelos mesmos motivos previstos neste artigo,requerer à escola que, em substituição à sua presença na sala de aula, e para fins de obtenção de freqüência, seja-lhe assegurada, alternativamente, a apresentação de trabalho escrito ou qualquer outra atividade de pesquisa acadêmica, determinados pelo estabelecimento de ensino estabelecimento de ensino, observados os parâmetros curriculares e plano de aula do dia de sua ausência. § 2º - Os requerimentos de que trata este artigo serão obrigatoriamente deferidos pelo estabelecimento de ensino.”

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se destacar, para o objetivo deste estudo, a fundamentação atinente ao exercício da liberdade

religiosa. Neste jaez, asseverou o Relator, acompanhado à unanimidade, “que a liberdade de

crença e religião, assegurada pela Constituição, impõe obrigação negativa, universal de respeito

aos locais de culto e suas liturgias, mas não permite impor obrigação positiva de adequação a

preceitos religiosos alheios”. Além disso, a imposição legal de tratamento diferenciado aos

alunos que seguem uma ou outra seita religiosa, na visão dos julgadores, infringiria a autonomia

didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial resguardada às

universidades, conforme dispõe o artigo 207 do texto constitucional, motivo pelo qual denegou a

segurança pretendida pelo então impetrante.

Este entendimento, aliás, foi objeto de manifestação no Parecer CNE no. 15/99 - CEB34,

exarado pelo Conselho Nacional de Educação, na data de 04.10.99. Discutia-se a possibilidade de

conceder abono de faltas a alunos seguidores de uma dada facção religiosa. Naquela

oportunidade, os Conselheiros asseveraram não haver amparo legal para o abono de faltas a

estudantes que, com base em suas convicções religiosas, deixam de comparecer às aulas em

determinados dias da semana.

É que, segundo o Parecer, o artigo 12, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

estabelece a autonomia das instituições para elaborar as respectivas propostas pedagógicas e, de

igual maneira, fixa a exigência de um mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) de frequência

sobre o total das horas letivas para a aprovação (conforme dispõe o artigo 24, inciso VI, da LDB).

Por conta disso, seguiram os Conselheiros o entendimento de que, havendo regência normativa

geral e comum a todos, tendente a exigir um determinado percentual de presença às aulas e, em

contrapartida, inexistindo norma ou ato normativo-administrativo concedendo a possibilidade de

abono de faltas a estudantes que se ausentam de período letivo, não se havia de admitir

tratamento divisório sobre condutas comuns, gerais e coletivas.

Na opinião do jurista Marcos MALISKA, a questão da prevalência da liberdade religiosa

seria uma questão de opção, ou seja, deve-se analisar se o estudante optou por estudar no período

noturno ou se o curso que pretendia frequentar estava sendo ofertado unicamente nesse período.

No primeiro cenário, o direito à liberdade religiosa não poderia prevalecer; no segundo, ao

contrário, deveria preponderar a liberdade religiosa em detrimento da isonomia de acesso e

34 Parecer CNE no. 15/99 – CEB. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pceb15_99.pdf. Acesso em: 20.02.2012.

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permanência na escola. Pondera o autor que “na segunda hipótese, fazendo parte a liberdade

religiosa da personalidade da pessoa, a isonomia de acesso na escola importa na consideração da

diferença, ou seja, importa considerar a opção de crença e respeitá-la”35.

Denota-se, ainda, que a questão da oferta do turno e da escolha do aluno é mitigada

quando se trata do ensino privado, eis que, neste caso, mesmo havendo a oferta em um único

período, a escolha é do acadêmico, visto a informação do período de oferta ser veiculada no

momento da abertura das inscrições para o vestibular. Assim, ciente o candidato do período em

que as aulas serão ministradas em determinada instituição de ensino, porém, por exemplo, optar

por outra que atenda também à sua crença religiosa.

Desse modo, em situações de alunos que pleiteiam o abono de faltas por convicções

religiosas, percebe-se que, em geral, o tratamento igualitário e a autonomia da universidade

prevalecem em detrimento da liberdade de crença dos estudantes, sobretudo quando o aluno tiver

opção de escolher onde e em que período pretende estudar36. Assim, tem-se a máxima efetividade

do direito ao tratamento isonômico e à igualdade de permanência nos estabelecimentos de ensino

e, de certa forma, a não imposição de nenhuma convicção – indispensável, sobretudo, num

Estado laico37.

Por outro lado e sob enfoque diverso, o Tribunal de Justiça do Paraná, quando do

julgamento do Mandado de Segurança nº 132.338-8 de relatoria do Desembargador Celso Rotoli

de Macedo, posicionou-se em sentido oposto. Tratava-se de pedido para a realização de provas de

concurso público em horário e data diversas daquelas previstas em edital, de modo a

compatibilizá-las com a religião dos Impetrantes.

O julgamento tendeu à escolha da liberdade de crença como bem jurídico de maior peso

na balança dos direitos fundamentais, esposando que “se, para a consecução da igualdade

substancial é necessária a quebra do tratamento impessoal, esta deve ser feita, sendo que isso não

deverá prejudicar os demais ou beneficiar indevidamente os impetrantes”.

Precedente similar pode ser colhido perante o Tribunal Regional Federal da Primeira

Região38, no sentido de que se a justificação de faltas ao Curso de Formação da ANP, nos dias de

35 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001. p. 98. 36 “Situação diferente ocorre quando ao aluno não é dada opção, em que a negativa reveste-se de verdadeira violação do direito de liberdade religiosa”. Ibidem, p. 99. 37 “A educação deve ser obrigatória a fim de lutar contra a ignorância, (...) e laica a fim de não impor nenhuma convicção”. ISRAEL, Jean Jacques. Direito das Liberdades Fundamentais. Barueri: Manole, 2005. p. 519. 38 AMS nº 1000401375 Rel. Souza Prudente TRF-1ª Região Julg. 28/09/2001.

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sábado, “não põe em risco interesse público, uma vez que as impetrantes realizarão provas

idênticas às dos outros candidatos, em que lhes será cobrado o assunto explanado nas aulas a que

estiveram ausentes, a liberdade de culto, no caso, não afronta a ordem pública a há de ser

assegurada (...)”.

Dos precedentes acima citados, colhidos apenas exemplificativamente, pode-se notar quão

intrincado e profundo tende a ser o debate acerca da garantia constitucional de liberdade

religiosa, mormente quando posta em conflito com outros direitos fundamentais de símile

hierarquia.

O caso concreto é que dita o rumo da decisão a ser tomada, cuja escora constitucional é o

arrimo que sustenta a decisão judicial, como sói ocorrer hodiernamente nos sistemas abertos.

Portanto, a abertura constitucional para a heterogeneidade e a pluralidade de conceitos filosóficos

e de crenças religiosas é o caminho para que o direito das minorias seja substancial e

materialmente preservado. Aos Tribunais, muitas vezes, incumbirá a tarefa de sopesar os direitos

em conflito, de modo a resguardar o conteúdo essencial das garantias contrapostas, como se pôde

depreender dos arestos supracitados39. Não se pode olvidar, ainda, da importante incumbência

destinada à efetivação do papel cabente ao Poder Legislativo, ante a necessidade de edição de

legislação acerca da estipulação de prestações alternativas, consoante prevê o artigo 5º, inciso

VIII, da Carta Magna.

4. CONSIDERAÇÕES DERRADEIRAS: A INDISPENSÁVEL FRESTA DA

ORDEM CONSTITUCIONAL E SEUS LIMITES

A crescente integração da sociedade trouxe como aparato bastante significativo a ampla

comunhão entre os povos e suas respectivas nações. As trocas comerciais em larga escala e o

advento da internet - que propiciou e fecundou comunicações instantâneas e ilimitadas -

ampliaram sobremaneira as interconexões culturais, de modo a gerar, também e como

consequência, maior protuberância da diferença, seja de raça, credo ou nível social. É dizer:

39 Mas não se trata de uma função exclusiva do Judiciário ou do Legislativo. Segundo Peter Haberle, “a unidade da Constituição surge da conjugação do processo e das funções de diferentes intérpretes”. Para ele, “todos estão inseridos no processo de interpretação constitucional, até mesmo aqueles que não são diretamente por ela afetados”. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição. (Tradução: Gilmar Ferreira Mendes) Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. p. 32/33.

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quanto mais se inter-relacionam os povos, tanto em maior grau refletem-se as suas disparidades e

a dificuldade de integração entre eles40.

Ao Direito, na sua medida e exercendo a tarefa de pacificação social, cabe ordenar

eventuais dissensos e dissimilitudes, garantindo às minorias - em quantidade e representatividade

- as idênticas oportunidades de acesso aos bens materiais e aos direitos concernentes a eventuais

grupos pertencentes a um determinado setor da sociedade - temporal, política ou territorialmente

majoritário num dado contexto social. É certo, aliás, que os conceitos de maioria e minoria são

inegavelmente efêmeros, variando no tempo, no espaço e no grau de importância e impacto

social, a depender do enfoque em que se está a estudá-los.

Portanto, deve o Direito, notadamente consubstanciado na Constituição Federal, enquanto

ordenamento sistêmico de normas-regra e normas-princípio, salvaguardar as diferenças de modo

a preservar, tanto quanto possível, a igualdade substancial, oportunizando irrestritas, parelhas e

indistintas garantias constitucionais a todos os cidadãos inseridos na sociedade a que o texto

constitucional subordina.

Há, entretanto, como visto no decorrer deste breve estudo, situações em que direitos de

segmentos minoritários da sociedade se põem em choque e colidem com direitos coletivos, gerais

e abstratos a todos impostos. Essa colisão de direitos, hierarquicamente símiles, pode tornar mais

acentuadas as diferenças ou, doutro modo, pode operacionalizar uma mudança de paradigmas ao

passo em que a salvaguarda de direitos relativos a setores minoritários amplia a possibilidade de

alcançar-se a igualdade material, escopo prístino da Carta Magna.

Ao Judiciário, nesse panorama, incumbe a tarefa de promovê-la, sem que isso implique

ferir ou sobrepujar a prevalência do preceito de concessão de tratamento igualitário. Em outras

palavras, os princípios constitucionais - igualdade e diversidade – devem ser aplicados, nas

palavras de ALEXY, como mandamentos constitucionais, ou seja, como normas que ordenam

que algo seja realizado no maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas

existentes41.

40 “As sociedades modernas, cada vez mais, exteriorizam a pluralidade ao tornarem-se mais complexas e mais insuscetíveis de serem reguladas por um único código estatal. Nesta pluralidade, o código estatal é um referencial dentre uma infinidade de códigos existentes”. MALISKA, Marcos. Pluralismo Jurídico e Direito Moderno. Paraná: Editora Juruá, 2006. p. 36. 41 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 90.

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No tocante à liberdade religiosa e aos respectivos consectários advindos do fiel exercício

aos comandos litúrgicos, quando contrapostos a outros direitos de idêntico espeque, merecem

detida análise, sobretudo a garantir e preservar, dentro da ideia de um Estado laico, os valores

plurais próprios da sociedade contemporânea.

Uma ordem constitucional deve se abrir, portanto, para a sua sociedade, intuindo garantir

o pluralismo, mas partindo do pressuposto de que nenhum dos direitos albergados pela

Constituição Federal possui caráter absoluto ou definitivo, mas, sim, um deles poderá ser

restringido ante a existência de outro que demande maior efetividade no caso concreto. Para isso,

faz-se indispensável a compatibilização de diversos interesses e demanda-se uma compreensão

social da resultante obtida42.

Da leitura dos casos concretos apontados, percebe-se a ausência de um discurso uníssono.

Bem ao contrário, aliás. Em situações fáticas análogas, verifica-se a sobreposição de direitos

diversos - como, por exemplo, nas questões envolvendo alunos adventistas, em que há posições

judiciais a favor e contra a aplicação de um tratamento diferenciado. Não há, então, uma abertura

sempre no mesmo sentido, o que de fato é necessário em uma sociedade multifacetada e em

constante e rápida mutação.

Por outro lado, a permanente mudança de compreensão da questão pode levar a uma

completa insegurança dos atores sociais, sendo também fundamental a busca de um mínimo

comum, para não colocar em risco a unidade constitucional. Isso, porém, demandaria a

delimitação do ‘conteúdo essencial’ do direito à liberdade de crença, parafraseando Virgílio

Afonso da SILVA43. Desse modo, voltar-se-ia à questão anterior: de que o limite da compreensão

de determinado direito depende do caso concreto, ante a ausência de um caráter absoluto e

imutável - haja vista inclusive o direito à vida ser passível de restrição, como nos casos de

legítima defesa.

Se, por exemplo, resultasse verdade absoluta a opção pela premissa de que à

Administração Pública resultaria operacionalmente custosa a promoção de tratamento 42 Neste sentido, destaque-se o posicionamento do jurista Fábio Carvalho de Leite: “(...) é importante, desde já, ressaltar que, em algumas situações, o conceito de dignidade da pessoa humana, justamente porque relacionada à liberdade religiosa, deverá ser interpretado a partir de uma perspectiva mais empática, de forma a permitir a compreensão, dentro deste conceito, de uma ideia de vida e dignidade eventualmente distinta daquela formulada pela moral e cultura dominantes. LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade de Crença e objeção à transfusão de sangue por motivos religiosos. pp.449/479. In: SARMENTO, Daniel. SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 445. 43 SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2010.

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diversificado a todos os concursandos - que, por crença, descrença ou qualquer que seja a

idiossincrasia seguida, buscassem, por via Administrativa ou Judiciária, preservar seus costumes

ou tradições, em prejuízo de toda a coletividade -, estar-se-ia a tapar os olhos à diversidade e à

pluralidade religiosa próprias da nossa sociedade moderna.

Assim, a despeito dos contornos delicados que a liberdade religiosa possa assumir, nota-

se que a existência de uma alternativa para os fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia poderia

solucionar diversos conflitos. Os empresários, dependendo da atividade exercida, poderiam

compatibilizar os horários dos trabalhadores; as universidades poderiam regular a situação,

permitindo a realização das disciplinas em outro semestre ou horário em que já estejam sendo

oferecidas, evitando maiores custos operacionais; os organizadores dos concursos poderiam

considerar a possibilidade de aplicar as provas apenas aos domingos.

Com isso, apesar da ausência de lei, estar-se-ia ofertando maior eficácia e grau de força

normativa ao disposto no artigo 5º, inciso VIII, Constituição da República, haja vista a

possibilidade de estabelecerem-se prestações alternativas.

Portanto, malgrado possa transparecer evidente que a obrigação de praticar atividade de

cunho não-religioso aos sábados, ao ser descumprida por um fiel da Igreja Adventista do Sétimo

Dia, não venha a ferir nenhuma norma constitucional na ausência de fixação de uma alternativa,

não parece ser essa solução mais adequada. Ao contrário, respeitando-se as posições culturais e

religiosas – de optar por não exercer outras funções além das religiosas do pôr-do-sol de sexta até

o pôr-do-sol de sábado –, promove-se a liberdade de convicção sem ferir a Ordem constitucional,

otimizando-se as relações sociais entre os cidadãos e, sobretudo, resguardando-se os direitos das

minorias em uma sociedade que se pretende plural e heterogênea.

5. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 12ª ed. BSB: UnB, 2002. CENSO DEMOGRÁFICO DE 2000, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/religiao_Censo2000.pdf. Acesso em: 27.02.2012.

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O DIREITO DE INCLUSÃO DAS PESSOAS PORTADORAS DE

NECESSIDADES ESPECIAIS NO MERCADO DE TRABALHO

Eloy P. Lemos Junior1 Romeu Júnio de Bessa2

RESUMO

Trata-se de um artigo com a finalidade de verificar a problemática dos obstáculos

enfrentados pelas pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho. As

empresas têm conceitos e visão distorcida do termo deficiência, muitas das vezes

rotulam e vêem as pessoas portadoras de deficiência como pessoas incapacitadas para o

trabalho, entretanto, estas devem ser vistas como pessoas comuns e com capacidades

para o trabalho, do contrário operaria a exclusão social daquelas no mercado de

trabalho. Pode-se observar que a sociedade criou uma visão padronizada daquelas

pessoas e as classificam de acordo com essa visão distorcida. Muitas vezes estas

esquecem que ela mesmo compõe-se como um todo de homens diversos e tem a sua

alteridade. Tal visão deve ser superada, sobretudo na perspectiva qualitativa, ou seja,

reproduz-se a idéia de que existem pessoas mais inteligentes e capazes queoutras. Não

se pode mais definir padrões, sejam eles normais ou estigmatizados. Temos que pessoas

normais são as que atendem os padrões estabelecidos e pessoas anormais são as pessoas

que fogem ao pré-estabelecido, o que acaba na expressão de desvantagem e descrédito e

conseqüentemente na exclusão de oportunidades de alguns. O presente trabalho também

se propõe a traçar o conceito de deficiência, tipos de integração e inclusão que ocorrem

no mercado de trabalho. Pretende-se mostrar através de conceitos que são propostos na

área jurídica, que a exclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado de

trabalho fere vários princípios constitucionais, gerando graves e irreparáveis danos às

pessoas portadoras de deficiência. Destarte cabe ainda alertar para a importância da

inclusão social das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho

provocando uma reflexão e conscientização de todos os sujeitos envolvidos neste

processo.

1 Professor Universitário do Mestrado e da Graduação em Direito da Universidade de Itaúna (UIT), FACED (Divinópolis-MG), FADIPA (Ipatinga –MG) e da UNA –BH/MG; ex-bolsita CAPES e atual do FUNDEP/UFMG; Coordenador do Projeto Cidade Alteridade em Itaúna; Doutor em Direito Empresarial pela UFMG, Mestre e Especialista em Direito; e Advogado. 2 Advogado, Especialista em Direito da Universidade de Itaúna (UIT) – Área de Concentração – Proteção dos Direitos Fundamentais.

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Palavras - chave: Trabalho. Deficientes. Inclusão Social. Pessoas Portadoras de

Necessidades Especiais. Direito de Inclusão. Mercado de Trabalho. Cotas. Dignidade

Humana.

THE INCLUSION RIGHTS OF PEOPLE WITH DISABILITIES INTO THE

WORK MARKET

ABSTRACT

This article aims to check the obstacles that people with disabilities face to enter in the

work market. Many companies have wrong concepts of the term “disability” and may

consider these people as they don‟t have capacity for the work. But they must be

considered as normal people, otherwise, it will be characterized a social exclusion of

these people from the work market. We notice that the society has created a standard

view of these kind of people and classify them based on this view and forget that this

society is made of diversity and its differences. This view must be changed mainly in

the quality perspective. We should not reproduce the idea that there are some people

more capable than others. We should not define standards, not normal nor prejudicious.

We normally believe that normal people have normal Standards and that people with

disabilities don‟t follow the normal Standards. And this thought leads to disadvantage

and exclusion of opportunities for someone. This article also intends to define a concept

of “disability”, types of integration and inclusion that can be find the jobs. It intends to

explain, using law concepts, that the exclusion of people with disability is in opposition

to many constitutional principles, generating severe and deep damage to them. It will

also alert about the importance of including people with disabilities into the work

market what can increase the conscious level of the whole society.

Key word: Social inclusion. People with disabilities. Inclusion rights. Human dignity.

Sumário

Introdução

1. Conceito de pessoas portadoras de deficiência e tipos de deficiência

2. Proteção constitucional

3. Normas infraconstitucionais

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4. Do contrato de trabalho

5. Do princípio da isonomia: igualdade de oportunidades

6. Razões da Criação da Lei de Cotas para deficientes

7. Da Acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho

8. Do Ministério Público do Trabalho: fiscalização e cumprimento da lei

9. As Ações Afirmativas como implementação de políticas de discriminação

positiva

Conclusão

Referências Bibliográficas

Introdução

A atividade laborativa inicialmente era tida como punição, pois se destinava

tão somente aos escravos, e aos servos no âmbito da sociedade pré-industrial.

Na sociedade moderna, todo ser humano, necessariamente, deve manter

algum tipo de atividade laborativa, visto que a ociosidade pode-se caracterizar em

infração contravencional prevista no artigo 59 do Decreto-lei nº. 3.688/1941, pois o

indivíduo que não possuir meios que lhe assegure sua sobrevivência por meio do

trabalho poderá sofrer pena de detenção de quinze dias a três meses.

Assim essa nova concepção do trabalho reflete fatalmente, na própria

posição do Estado, pois este passa a intervir nas relações laborativas do indivíduo.

Assim os direitos sociais têm cunho de direitos fundamentais, e se

aperfeiçoam em liberdades positivas, cuja determinação é obrigatória quando um Estado

se auto intitula Estado Social de Direito, pois seu fim é a melhoria das condições de

vida dos hipossufientes, no enfoque da garantia da igualdade social.

A relevância da presente pesquisa também se relaciona com a compreensão

do texto da Constituição Federal, que trata diretamente das pessoas portadoras de

deficiência, em seus artigos (6º inciso XXXI, 37, inciso VIII, 203, incisos IV e V, Art.

227, § 1º inciso II).

Neste ínterim às pessoas portadoras de deficiência passam do sistema

assistencialista e de exclusão para o sistema de inclusão efetiva, passando a serem

sujeitos de direitos e não meros beneficiários de políticas de assistência social.

Os direitos e garantias individuais e sociais do cidadão, garantidos no

âmbito constitucional, bem como a sua inclusão social deve se concretizar com toda sua

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amplitude e plenitude principalmente em face das pessoas com deficiência, cabendo ao

Estado a sua efetivação, sobretudo na construção de uma sociedade livre, justa e

solidária nos moldes preconizados no artigo 3º, da Constituição Federal.

Todavia tal não se esgota tão somente na ação estatal, mas, sobretudo

perante todos nós enquanto sociedade, e nessa perspectiva passamos a ser igualmente

responsável pela efetiva concretização de que cuida tal direito.

As empresas também por sua vez assumem tal papel e devem ter como

primazia em seu núcleo o respeito ao princípio constitucional do valor social do

trabalho e da livre iniciativa, zelando pela a implementação da cidadania e da Inclusão

das pessoas portadoras de deficiência nesta ótica. Estas devem ter como objetivo

principal e meta à plena e ampla dignidade do trabalhador, sobretudo quanto ao portador

de deficiência, nos moldes preconizados nos artigos 1º e 170 da CF/88.

Assumindo tal dever, o Estado, a sociedade e as empresas assumem

obrigações de cunho de direitos e garantias fundamentais ante todos os cidadãos,

evitando com isso a segregação.

São diversas as leis que tratam da inclusão social das pessoas portadoras de

deficiência, direta ou indiretamente, dentre elas podemos citar:

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; o Decreto

nº.3.298/99, que complementou a Lei nº.8.213, e garante a adequação ambiental e

igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho e o cumprimento da cota de vagas

para empresas com mais de cem funcionários; a Lei de Cotas (8.213/91) promoveu a

realização de projetos e programas específicos em empresas, visando à inclusão efetiva

destas pessoas no mercado de trabalho; a Lei nº. 7.347/85 que prevê crime punível com

reclusão quem cometer condutas discriminatórias por motivos derivados de deficiência

que porta; a Lei Federal nº. 7.853/89, que dispõe sobre as pessoas portadoras de

deficiência e sua integração social e sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), instituindo a tutela jurisdicional de

interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplinando a atuação do Ministério

Público, definindo os crimes outras providências; a Lei nº. 8.212/91, que confere

poderes ao Poder Executivo para estabelecer mecanismos de estímulo para a

contratação, pelas empresas, de pessoas portadoras de deficiência; o Decreto nº.

33.824/91, que dispõe sobre adequações de próprios estaduais à utilização de portadores

de deficiências, dentre outras.

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Portanto, a inclusão dessas pessoas é um dever constitucional e tem caráter

de realização da justiça, não podendo nem o Estado, nem a sociedade e nem as

empresas se distanciarem deste cumprimento, sob pena de se tornarem lesadores ou

ameaçadores dos direitos dos cidadãos que portam algum tipo de deficiência.

A pesquisa se justifica também em proporcionar aos cidadãos uma resposta

aos dispositivos legais que norteiam a verificação da inclusão dos portadores de

deficiência no mercado de trabalho. Lado outro, o presente tema ainda é explorado

timidamente pelos estudiosos do Direito.

O tipo de pesquisa a ser utilizado será a pesquisa bibliográfica, publicações

acadêmicas ou que tenham pertinência teórica e temática com o tema. Será utilizado o

método dedutivo, a partir das premissas ou proposições verdadeiras para dar origem a

uma conclusão ou consideração.

A presente pesquisa se divide em três capítulos, a saber: no primeiro

capítulo será abordada a proteção das pessoas portadoras de deficiência pelo Estado

brasileiro, o conceito de pessoas portadoras de deficiência e os tipos de deficiência

existentes, bem como a proteção constitucional e as normas infraconstitucionais.

No segundo capítulo será abordada a garantia de emprego ante a política de

inclusão social, o contrato de trabalho, as empresas obrigadas à inclusão do portador de

deficiência em suas contratações, o processo de seleção destas pessoas pelas empresas,

o salário pago aos portadores de deficiência, o seu acompanhamento e avaliação no

contrato de trabalho.

No terceiro capítulo será abordada a reserva de cotas para os portadores de

deficiência ante o princípio da isonomia, as razões para a criação da lei de Cotas, a

acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho, o papel do

Ministério do trabalho e sua fiscalização no cumprimento da Lei, as condutas

discriminatórias tipificadas como crime, as ações Afirmativas como implementação de

políticas de discriminação positiva. Por fim será apresentada a conclusão da pesquisa e

sugestões do estudo.

1. Conceito de pessoas portadoras de deficiência e tipos de deficiência

Conceituar pessoas portadoras de deficiência não é tarefa fácil. Existem

inúmeros conceitos para definir as pessoas portadoras de deficiência.

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Percebe-se que, em relação às pessoas portadoras de deficiência, muitas

nomenclaturas são utilizadas na tentativa de conceituá-las. Todavia tantos são os termos

utilizados que não se chegam a uma conceituação correta, com isso não se chega ao

ponto central do problema.

Note-se que o termo deficiente é o melhor a ser usado para a conceituação

deste grupo, visto que tal não rotula estas pessoas, e há uma tendência a valorizar o

grupo, outros termos tendem a diminuir e colocar em desvantagem as pessoas

portadoras de deficiência.

Para este mesmo autor a doutrina pouco tem contribuído para a designação da

nomenclatura correta em relação aos portadores de deficiência, asseverando que: A doutrina tem tratado do tema das pessoas portadoras de deficiências de forma pouco freqüente. Não há uniformidade de nomenclatura, utilizando-se, mais amiúde, os termos ou expressões «deficiente» «excepcional ou «pessoas portadoras de deficiência». A diversidade terminológica, no entanto, pode ser explicada pela tentativa de trabalhar com a terminologia adotada pela Lei Maior. Dessa forma, até 1978, a palavra empregada constitucionalmente era «excepcional». Posteriormente, adotou-se «deficiente». Como já visto, a expressão vigente na Constituição de 1988 é «pessoas portadoras de deficiência». (ARAÚJO, 1992. Disponível em: http://www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/det.asp?cod=42000&type=M. Acesso em: 03 dez. 2011).

A concepção do termo portador de deficiência, bem como o seu conceito foi

proposto primeiramente pela Resolução ONU n°: 3.447/75, aprovada pela Assembléia

Geral da Organização das Nações Unidas em 09 de dezembro de 1975, onde proclamou

a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência. (GUGEL, 2007, p.

53).

Assim a Resolução ONU n°: 3.447/75 conceitua Pessoa portadora de

deficiência como: 1 - O termo "pessoas deficientes" refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. (Resolução ONU n° 3.447/75. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec_def.pdf. >. Acesso em: 03 dez. 2011).

A Organização Internacional do Trabalho – OIT, através da convenção de

nº.159, de 1983, que foi ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº. 51, de

28 de agosto de 1989, portanto, Lei no Brasil, dispondo sobre a reabilitação profissional

e emprego de pessoas portadoras de deficiência, em sem artigo primeiro também

conceitua pessoa portadora de deficiência.:

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A Organização dos Estados Americanos – OEA, através da Convenção

Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas

Portadoras de Deficiência, em seu artigo 1º assim conceitua o termo deficiência: ARTIGO I - Para os efeitos desta Convenção, entende-se por: 1. Deficiência - O termo „deficiência‟ significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. (AG/doc. 3826/99. http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/A-65.htm. >. Acesso em: 03 dez. 2011).

Destarte percebe-se que pode definir que a pessoa portadora de deficiência é

aquela que apresenta uma incapacidade para o trabalho e para a vida independente e esta

condição lhe acarrete problemas de integração social.

Cidinei Bogo Chatt conceitua a deficiência como: Em suma, pode-se conceituar deficiência como uma limitação física, mental, sensorial ou múltipla, que incapacite a pessoa de desempenhar as atividades da vida diária e para o trabalho e que, em razão dessa incapacitação, a pessoa tenha dificuldades de inserção no meio social. (CHATT. 2009. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp. Acesso em: 02 dez. 2011).

Note-se que os autores supracitados apresentam basicamente a mesma

conceituação para definir as pessoas portadoras de deficiência.

O termo pessoas com necessidades especiais é um gênero que contém as

pessoas portadoras de deficiência, visto que o termo pessoas com necessidades especiais

abrange outros grupos que necessitam de tratamento diferenciado.

Assim a denominação pessoas portadoras de deficiência é a que melhor se

aplica à legislação ordinária vigente. Todavia deve-se ter em mente que uma pessoa não

porta uma deficiência ela tem uma deficiência, assim sugere o referido autor melhor

seria a utilização do termo pessoas com deficiência.

Temos ainda outra definição proposta, que é o termo: pessoas portadoras de

necessidades especiais, adotada dentro da área técnica. (FIGUEIREDO, 1997, p. 47).

Nos termos do Decreto n.º 5.296/2004, as pessoas portadoras de deficiência se

classificam de acordo com o estabelecido em seu artigo 5º que são: as pessoas

portadoras de deficiência física, deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência

mental e deficiência múltipla.

As pessoas portadoras de deficiência física apresentam alteração completa ou

parcial de um ou mais segmentos do corpo humano o que prejudica a função física,

assim caracterizada no artigo 5º, § 1º, I, alínea a do Decreto n.º 5.296/2004.:

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As pessoas portadoras de deficiência auditiva se caracterizam nos termos no

artigo 5º, § 1º, I, alínea b do Decreto n.º 5.296/2004, já as pessoas portadoras de

deficiência visual apresentam a baixa visão e se caracterizam segundo o artigo 5º, § 1º,

I, alínea c do Decreto n.º 5.296/2004, enquanto as pessoas portadoras de deficiência

mental apresentam funcionamento intelectual inferior à média e se caracterizam

segundo o artigo 5º, § 1º, I alínea d do Decreto n.º 5.296/2004, e por fim, as pessoas

portadoras de deficiência múltipla apresentam com a associação de duas ou mais

deficiências assim caracterizadas no artigo 5º, § 1º, I alínea e do Decreto n.º 5.296/2004.

A Convenção nº.159 da OIT de junho de 1984 ratificada pelo Brasil através do

Decreto Legislativo nº. 51, de 28 de agosto de 1989, preceitua em seu artigo 1º: Artigo 1 Para efeito desta Convenção, entende-se por pessoa deficiente "todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas por deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada. (OIT 159. 1984. Disponível em: http://www.mte.gov.br/fisca_trab/inclusao/legislacao_2_1.asp. (Acesso em: 04 dez. 2011).

O conceito em comento chama atenção em relação às pessoas portadoras de

deficiências físicas ou sensoriais, determinando o dever dos países que a aderiram de se

promoverem políticas públicas de integração providenciando instrumentos de

viabilização ao exercício das atividades profissionais para as pessoas portadoras de

deficiência.

Note-se que mesmo ante toda a legislação pertinente há uma grande dificuldade

no delineamento dos tipos de deficiências existentes ante a falta de detalhamento pelo

legislador ao especificar cada tipo de deficiência.

Segundo o Ministério do Trabalho e do Emprego a condição de pessoa com

deficiência pode ser comprovada por meio de: laudo médico, atestando enquadramento

legal do (a) empregado (a) para integrar a cota, de acordo com as definições

estabelecidas na Convenção nº 159 da OIT, no Decreto nº. 3.298/99. O laudo deverá

especificar o tipo de deficiência e ter autorização expressa do (a) empregado (a) para

utilização do mesmo pela empresa, tornando pública a sua condição.

2. Proteção constitucional

Os direitos sociais como integrantes dos direitos e garantias fundamentais se

expressam nos princípios da igualdade e da liberdade, conforme dispostos nos artigos 7º

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a 11 da Constituição Federal de 1988, implica-se em legítimos direitos de defesa,

exigindo uma conduta passiva e ativa do Estado. Tais direitos se exprimem na

efetivação de políticas garantidoras e assegurativas do amplo exercício das liberdades

individuais, enquanto direitos a prestações.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, direitos de prestações para o Estado se

exprimem segundo o qual: Os direitos fundamentais a prestações enquadram-se, como já visto, no âmbito dos direitos da segunda dimensão, correspondendo à evolução do Estado de Direito, de matriz liberal-burguesa, para o Estado democrático e social de direito, incorporando-se à maior parte das Constituições do segundo pós-guerra. (SARLET, 2001, p. 170).

Como dito alhures em correspondência à Evolução do Estado a Constituição

Federal vigente lhe deram a acuidade necessária consagrando -lhe capítulo específico

aos direitos sociais, incurso nos direitos e garantias fundamentais. Assim a Constituição

brasileira tanto contempla os direitos fundamentais de

defesa como os direitos prestacionais, com isso note-se a obrigatoriedade das pessoas

portadoras de deficiência devem ser inseridas nas políticas sociais.

O artigo 5º, inciso I e artigo 6º da Constituição Federal tratam dos direitos e

deveres individuais e coletivos, nota-se que o direito das pessoas portadoras de

deficiência neles não constam expressamente, mas implicitamente e genericamente. No

caput do artigo 5º onde se institui a igualdade de todos sem distinção, bem como no

artigo 6º na expressão das garantias aos direitos sociais, estes se contemplam todos os

cidadãos.

Para os efeitos constitucionais previstos, as pessoas portadoras de deficiência

são protegidas no Título II, capítulo II dos Direitos Sociais expressamente no artigo 7º

inciso XXXI, CR/88.

Também, especificamente Constituição Federal de 1988 além de elencar nos

direitos sociais as garantias aos portadores de deficiência no Titulo II, também faz

menção expressamente suas garantias em vários artigos e na organização do Estado,

Titulo III, em seu artigo 23, inciso II, artigo 24 inciso XIV, e artigo 37, inc. VIII.

Note-se que em detrimento destes artigos a C. F. determina a

competência dos entes públicos para fomentar políticas sociais eficientes em prol do

interesse das pessoas portadoras de deficiência.

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Assim implica em formulação de políticas voltadas a estes grupos com

fincas a adotar medidas que possibilitem o acesso das pessoas portadoras de deficiências

no mercado de trabalho.

Pela ordem Social, Título VIII, seção IV, artigo 203 incisos, IV e V e

artigo 208 conclui-se que a Constituição Federal determina várias medidas de forma a

possibilitar que as pessoas portadoras de deficiência tenham identificação em suas

potencialidades laborativas e que com isso se desenvolvam profissionalmente podendo

ingressar com mais facilidade no mercado de trabalho.

Note-se que os direitos sociais concernentes às pessoas portadoras de

deficiência são também normas de ordem pública, com características imperativas e

invioláveis pela ordem social da C.F..

Destarte em todo o texto constitucional supramencionado, este ordena o

reconhecimento dos valores básicos da igualdade de oportunidades, ante as pessoas

portadoras de deficiência.

Tal não deixa dúvidas quanto ao fomento de políticas sociais eficazes, no

sentido de amparo e de conscientização e, sobretudo, na mobilização do respeito à

igualdade ante as diferenças e peculiaridades de cada indivíduo, se mostrando na

expressão de tratamento igualitário, necessárias ao pleno exercício dos direitos básicos

de cada cidadão enquanto sociedade.

3. Normas infraconstitucionais

No Brasil assim como no resto do mundo as preocupações com o fenômeno da

inclusão social das pessoas portadoras de deficiência também se mostram presente e

vem sendo viabilizadas por meio da conscientização, cada dia maior por profissionais

das mais diversas áreas, incluindo neste contexto os aplicadores do direito.

Sistematicamente no Brasil as pessoas portadoras de deficiência ingressaram

no mercado de trabalho através da Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe

sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a

Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde,

instituindo a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas,

disciplinando a atuação do Ministério Público, definindo crimes, e outras providências.

Disposta em vinte artigos, os quais submetem normas de natureza material e processual.

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Destarte, a Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989 foi criada com fincas a

reduzir as desigualdades entre as pessoas portadoras de deficiência e com o objetivo de

dispor acerca da integração destas pessoas na sociedade, como visto estabeleceu normas

gerais a respeito do direito à educação, à saúde, formação profissional, trabalho, área de

recursos humanos e área de edificações.

Assim a Lei nº. 7.853/89 traça os eixos gerais para assegurar o pleno

exercício dos direitos individuais e coletivos das pessoas portadoras de deficiência.

Pode-se afirmar que a referida lei resultou de um movimento positivo destas pessoas.

Trata-se de norma de cunho declaratório no que tange o exercício dos direitos

individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência.

O Decreto nº. 3.298 de 20 de dezembro de 1999, por sua vez veio para

regulamentar a Lei nº. 7.853 de 24 de outubro de1989, dispondo sobre a Política

nacional para a Integração das pessoas portadoras de deficiência consolidando as

normas de proteção, e dando outras providências, bem como traçando diretrizes,

princípios, objetivos e instrumentos para a realização plena do portador de deficiência

na comunidade.

O Decreto nº. 3.298/99 contém 60 artigos, neles as normas declaratórias

contidas na Lei nº. 7.853 de 24 de outubro de 1989 são determinadas ressalvando

apenas a ação afirmativa da reserva prevista na Lei nº. 8.213/91. O Decreto nº 3.298/99

determina a eficácia plena nas modalidades de inserção das pessoas portadoras de

deficiência, bem como o seu permissivo no âmbito da administração pública e nas

relações de trabalho destas pessoas.

Adota ainda políticas de inclusão social declarando ser primordial o pleno

emprego e a incorporação no sistema produtivo mediante regime especial de trabalho

protegido para as pessoas portadoras de deficiências.

É irrefutável a eficácia e acuidade proposta pelo Decreto nº 3.298/99, visto

que seu conteúdo é resultante das determinações previstas na Lei nº. 7.853 de 24 de

outubro de1989.

Pode-se afirmar que o Decreto presidencial de nº. 3.298/99, não apenas

regulamentou a Lei nº. 7.853/89, em seu bojo institui a política nacional para a

Integração das pessoas portadoras de deficiências, na efetiva proteção de seus direitos,

quando determina a integração das pessoas portadoras de deficiência.

Portanto, tem como diretrizes na Política Nacional para a Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência quando assegura a sua inclusão determinando a

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constituição de mecanismos que assegurem a inclusão social das pessoas portadoras de

deficiência.

O Decreto n.º 3.298/89 externou de forma expressa seu manifesto objetivo

de integração social das pessoas portadoras de deficiência.

A lei nº. 8.112 de 11 de dezembro de 1990 dispõe sobre o regime jurídico

dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais

determinando a reserva de vagas para portadores de deficiência física em concursos

públicos.

Tal matéria se mostrou pertinente a partir da leitura do artigo 37, VIII, da

Constituição da Federal, ao determinar que a lei assegure percentual de cargos e

empregos públicos, bem como os critérios de admissão para as pessoas portadoras de

deficiência.

Por sua vez a Lei federal nº. 8.213/91 tem como obrigatoriedade a contratação

de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho fixando o quadro de

reserva de vagas para as empresas que possuem entre cem ou mais empregados em seus

quadros.

Nas recomendações internacionais, pode-se citar: a Resolução ONU n°.

3.447/75, aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em 09

de dezembro de 1975, proclamou a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de

Deficiência; a Organização Internacional do Trabalho – OIT, através da convenção de

nº. 159, de 1983, que foi ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº. 51, de

28 de agosto de 1989, portanto, lei no Brasil, dispõe sobre a reabilitação profissional e

emprego das pessoas portadoras de deficiência; a Organização dos Estados Americanos

– OEA, pela sua Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, adotada na Cidade de

Guatemala, República da Guatemala, em 07 de Junho de 1999, promulgada no Brasil

pelo Decreto nº. 3.956, de 08 de Outubro de 2001.

Necessário ainda se faz o entendimento pela legislação vigente e operante o

que vem a ser: deficiência permanente, incapacidade, pessoa habilitada e a pessoa

reabilitada.

O Decreto nº. 3.298/99 apresenta as seguintes características em relação à

deficiência permanente e incapacidade, dispondo em seu artigo 3º, II e III: Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

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(...) II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. (BRASIL. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm. Acesso em: 07 jan. 2012).

Em seu artigo 36 parágrafo segundo o Decreto nº. 3.298/99 define o que é

pessoa com deficiência habilitada, no artigo 31 por sua vez o mesmo decreto define o

que é pessoa com deficiência reabilitada e por fim em seu artigo 35 o Decreto nº.

3.298/99 apresenta as modalidades de inserção laboral das pessoas portadoras de

deficiência.

A inclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho, além

de fazer parte da engrenagem do mercado de trabalho, a pessoa para sobreviver precisa

do numerário, além de se sentirem útil inserida no meio social se sentindo uma pessoa

capacitada.

Para reiterar o entendimento proposto as autoras citam em sua obra Olney

Queiroz Assis e Lafayette Pozzoli asseverando que: Na sociedade moderna, portanto, a pessoa que não tem acesso ao mercado de trabalho está excluída do convívio social. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência desenvolve-se sob o manto protetor do princípio da igualdade. (RAGAZZI; ROSTELATO 2008. Disponível em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-12/RBDC-12-101-Ivana_Ragazzi_&_Telma_Rostelato_(emprego_de_deficiente).pdf. Acesso em: 08 jan. 2012).

Como visto uma pessoa inserida no mercado de trabalho participa do processo

de inclusão e convívio social. Desse modo preserva-se ainda a dignidade da pessoa

humana, inserida no rol dos direitos humanos. E ainda respeita o direito à igualdade,

focalizada no atual texto constitucional.

Elucida muito bem o tema proposto Luiz Alberto David de Araújo ao afirmar:

A pessoa portadora de deficiência quer mental (quando possível), quer física, tem o direito ao trabalho, como qualquer outro indivíduo. Nesse direito está compreendido o direito à própria subsistência, forma de afirmação social e pessoal do exercício da dignidade humana. O trabalho pode tanto se desenvolver em ambientes protegidos (como oficinas de trabalho protegidas), como em ambientes regulares, abertos a outros indivíduos. (ARAUJO, 2003. P. 47).

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As pessoas portadoras de deficiência são pessoas capazes, embora possuam

determinadas limitações, todavia o direito ao trabalho é um direito que lhes asseguram

viver como as demais pessoas, sobretudo quando a atividade do trabalho tem a função

de lhes possibilitar através de sua remuneração prover sua própria subsistência.

O Estado enquanto aparelho de pessoas que privilegia a cidadania e se baseia

na garantia do exercício dos direitos humanos conferidos pela ordem jurídica, e

submetido à lei deve estabelecer suas diretrizes de atuação garantindo medidas eficazes

e assegurando um mínimo de bem-estar para com as pessoas portadoras de deficiência.

Cláudia Werneck idealizadora e presidente da Escola de Gente – Comunicação

em Inclusão ensina que o direito à inclusão é legitimado na condição que somos

enquanto humanos afirmando que: O conceito de inclusão nos ensina não a tolerar, respeitar ou entender a deficiência, mas sim a legitimá-la, como condição inerente ao „conjunto humanidade‟. Uma sociedade inclusiva é aquela capaz de contemplar sempre, todas as condições humanas, encontrando meios para que cada cidadão, do mais privilegiado ao mais comprometido, exerça o direito de contribuir com seu melhor talento para o bem comum analisa (WERNECK. 2001. Disponível em: http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0073.asp.13 jan. 2012).

Neste ínterim não resta dúvida, de que por parte do Estado Brasileiro há uma

política social voltada em prol da proteção dos direitos das pessoas portadoras de

deficiência, bem como a sua inclusão no mercado de trabalho.

Tais políticas devem ser vistas sob a ótica de total integração e inclusão destas

pessoas no mercado de trabalho. Pois seu fim tem caráter eminentemente humanístico,

em defesa dos direitos sociais destas pessoas.

O Estado Brasileiro deve ter sua base alicerçada numa sociedade livre, justa e

solidária, com fincas a produzir o bem de todos, desta forma traça seus limites e

diretrizes impondo ao próprio Estado e aos particulares, os meios inclusivos

concernentes às pessoas portadoras de deficiência.

Sendo, portanto, a inclusão das pessoas portadoras de deficiência um dever

constitucional este tem caráter de realização da justiça, e não pode nem o Estado, nem a

sociedade e nem as empresas se distanciarem deste cumprimento, sob pena de se

tornarem lesadores ou ameaçadores dos direitos dos cidadãos que portam algum tipo de

deficiência, se atuar fora dos limites estabelecidos pelos Princípios do Estado que se

intitula Democrático de Direito e da Ordem Constitucional.

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4. Do contrato de trabalho

Maurício Godinho Delgado conceitua contrato de trabalho como: “o acordo

de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços à

disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não eventualidade,

onerosidade e subordinação ao tomador”. (DELGADO, 2011, p. 483).

A Consolidação das Leis Trabalho não possui nenhuma regra expressa em

relação ao trabalhador portador de deficiência, assim aplicam-se as normas gerais

vigentes à CLT, em relação ao contrato de trabalho.

Assim a regra geral para o contrato de trabalho está consubstanciada no

princípio da continuidade, o que faz presumir sua indeterminação de prazo. Conclui-se

então que todo contrato de trabalho de uma pessoa portadora de deficiência, por

presunção é por prazo indeterminado.

E caso haja a contratação por prazo determinado, aplica-se as regras do

contrato por prazo determinado a termo entre as partes contratantes nos termos do artigo

443, § 1º da CLT.

Inclui-se ainda no que tange o contrato de trabalho determinado o contrato

de experiência nos termos do artigo 445, parágrafo único da CLT.

Os contratos de trabalhos suspensos, ou seja, em decorrência de

aposentadoria por invalidez, ou decorrente de auxílio doença não podem compor a

contagem do número de empregados da empresa para se calcular a fração de reservas de

vagas a cargos. Pois conforme explica Sérgio Pinto Martins, “havendo cessação

temporária e total dos efeitos do contrato de trabalho”. (MARTINS, 2000, p. 445).

Quanto à jornada de trabalho a ser cumprida pelas pessoas portadoras de

deficiência estas podem ter um horário reduzido, inclusive com salário proporcional á

jornada de trabalho devido ao seu grau de deficiência. Tal modalidade é prevista no

artigo art. 35, § 2º, do Decreto nº. 3.298/99, que assim dispõe: Art. 35. (...) (...) § 2º Consideram-se procedimentos especiais os meios utilizados para a contratação de pessoa que, devido ao seu grau de deficiência, transitória ou permanente, exija condições especiais, tais como jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado às suas especificidades, entre outros. (BRASIL. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm. Acesso em: 15 jan. 2012).

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Em relação á dispensa do trabalhador portador de deficiência a Lei nº.

8.213/91, no título III, capítulo I, subseção II, determina em seu artigo 93 parágrafo

primeiro: Art. 93. (...) § 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. § 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados. (BRASIL. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213cons.htm. Acesso em: 19 fev. 2012).

Assim a dispensa do trabalhador reabilitado ou de pessoas ao final de contrato

por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada no contrato

por prazo indeterminados deve obedecer às mesmas regras constantes no artigo 93, § 1º

da Lei nº. 8.213/91 que é requisito para a validade da dispensa. Assim o novo

empregado deve ter como requisito as condições semelhantes com a do empregado

demitido, ou seja, ser portador de deficiência, não importando com isso ser a mesma

deficiência do empregado demitido.

Percebe-se que além da legislação citada ser uma ação afirmativa visa,

sobretudo a preservação da reserva, é uma garantia do emprego, com fincas a

manutenção permanente da reserva do cargo ás pessoas portadoras de deficiência.

Em relação à estabilidade, o trabalhador portador de deficiência não dispõe de

amparo legal. Percebe-se que além da legislação existente ser uma ação afirmativa que

visa sobretudo a preservação da reserva, é uma garantia do emprego, com fincas a

manutenção permanente da reserva do cargo ás pessoas portadoras de deficiência.

Em relação à estabilidade, o trabalhador portador de deficiência não dispõe de

amparo legal. Todavia conforme o entendimento apresentado apesar de não tratar de

estabilidade em relação às pessoas portadoras de deficiência, seu fim é garantir o

cumprimento do sistema de cotas previsto. A jurisprudência dos nossos Tribunais neste

sentido tem se orientado no entendimento da reintegração do deficiente físico: REINTEGRAÇÃO. DEFICIENTE FÍSICO. ART. 93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/91. (Tribunal Superior do Trabalho – 4ª T. – RR nº. 5287/2001-008-09-00 – Rel. Min. Milton de Moura França. DJ 3.12.2004. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2046898/recurso-de-revista-rr-18578-18578-2002-005-09-005-tst/inteiro-teor. Acesso em: 24 fev. 2012).

Neste caso o entendimento do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho defende

a tese de que embora não se trate de estabilidade do empregado portador de deficiência.

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Todavia a dispensa não poderia ter ocorrido em virtude do descumprimento,

pelo empregador, de condição imposta em lei, ou seja, a dispensa de trabalhador

portador de deficiência ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90

(noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderia ocorrer

após a contratação de substituto em condição semelhante. ESTABILIDADE DO EMPREGADO QUE APRESENTE DEFICIÊNCIA FÍSICA CARACTERIZADA POR PARAPLEGIA CONSEQÜENTE À POLIOMIELITE AGUDA ADQUIRIDA NA INFÂNCIA. (Tribunal Regional do Trabalho 3ª R. – 3ª T. – RO nº 5461/93 – Rel. Sérgio Aroeira Braga – DJMG 1.2.94. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2046898/recurso-de-revista-rr-18578-18578-2002-005-09-005-tst/inteiro-teor. Acesso em: 24 fev. 2012).

O Egrégio Tribunal Regional do Trabalho Terceira Região de Minas Gerais em

posicionamento diverso do apresentado linhas acima entendeu que em virtude de a

deficiência não ter decorrido de acidente de trabalho, aliado ao fato de que a lei não

garante às pessoas portadoras de deficiência estabilidade no emprego, todavia o que a

lei garante é uma reserva de mercado de emprego e não estabilidade no emprego. DEFICIENTE FÍSICO. TRABALHADOR REABILITADO. RESILIÇÃO. GARANTIA E EMPREGO E REINTEGRAÇÃO. (Tribunal Regional do Trabalho 15ª R. – 5ª T. – RO nº 00982-2002-071-15-00-5 – Rel. João Alberto Alves Machado – DOE 5.9.2003. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2046898/recurso-de-revista-rr-18578-18578-2002-005-09-005-tst/inteiro-teor. Acesso em: 25 fev. 2012).

Conforme se vê o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região São Paulo

apresenta como entendimento que a Lei nº. 8213/91 ao vedar a dispensa do trabalhador

portador de deficiência impondo como condição para a dispensa a substituição deste por

outro em condição semelhante está instituindo a garantia do emprego assumindo feição

social e coletiva, não podendo o empregador resilir o contrato de trabalho sem obedecer

às condições impostas pela Lei.

Analisando o contrato de trabalho em relação ás pessoas portadoras de

deficiência bem o que dispõe a legislação vigente Francisco Ferreira Jorge Neto e

Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, concluem que: A norma protege indivíduos do grupo, mas não confere a uma determinada pessoa do grupo um direito subjetivo. O que se vislumbra é a presença de interesse ou direito difuso decorrente de uma circunstância fática comum e pertinente a uma coletividade indeterminada e que se apresenta de forma indivisível (art. 81, parágrafo único, I, Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor). (NETO; CAVALCANTE. 2005. Disponível em: http://www.uj.com.br/impressao.asp?pagina=doutrinas. Acesso em: 25 fev. 2012).

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Embora não haja consenso no entendimento se há ou não a estabilidade do

trabalhador portador de deficiência pelos nosso tribunais, pode se concluir que não há

falar em estabilidade do trabalhador portador de deficiência, porquanto a lei somente

cria um direito subjetivo para este trabalhador quando a empresa não fizer a contratação

de substituto em condições semelhantes.

5. Do princípio da isonomia: igualdade de oportunidades

A República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de

Direito, tem seu fundamento nos pilares da soberania, da cidadania, da dignidade da

pessoa humana e, sobretudo nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no

pluralismo político. A dignidade da pessoa humana prevista no artigo 1º, III da CF/88,

primeiramente apresentada como valor moral, hodiernamente se apresenta como valor

jurídico e o estado tem obrigação de resguardá-la e quando necessário efetivar as

condições para que as pessoas se tornem dignas. (BASTOS; MARTINS, 2001, p. 472).

Maria Aparecida Gugel ao analisar o direito à igualdade ante o tratamento

diferenciado para pessoas portadoras de necessidades especiais discorre que: Compreender a aparente dicotomia entre o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei e o tratamento diferenciado que a própria Constituição da república confere ás pessoas com deficiência é fundamental para a eficácia e aplicabilidade das normas que lhes são dirigidas. (GUGEL, 2007, p. 31).

O tratamento diferenciado está colaborado juntamente com outros direitos de

ordem social, tais como: reserva de cargos e empregos públicos para estas pessoas

conforme dispõe as regras do artigo 37, VIII da CF/88, o da acessibilidade a cargos e

empregos públicos e a investidura por concurso público conforme dispõe as regras do

artigo 37, I e II da CF/88, no âmbito das relações privadas de trabalho quando determina

a reserva de cargos conforme dispõe a Lei nº. 8.213/91. (GUGEL, 2007, p. 31).

Outrossim, dispõe o artigo 5º caput da Constituição Federal a igualdade de todos.

Esta igualdade perante a lei indica que não haverá qualquer tipo de

discriminação. E que nenhum indivíduo qualquer que seja sua condição alcançará em

situação jurídica privilégios em detrimento do outro, mas terá garantia da boa utilização

do comando contido nesta norma.

José Afonso da Silva preceitua que a igualdade formal, ou seja, perante a lei se

contrapõe ao princípio da igualdade “na” lei ao afirmar que:

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Corresponde à obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que elas estabelecem mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza a isonomia puramente formal, enquanto a igual “na” lei exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição. Enfim, segundo essa doutrina, a igualdade “perante” a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade “na” é uma exigência dirigida tanto àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos. (SILVA, 2001, p. 218).

No outro vértice é necessário compreender que o princípio da igualdade

enquanto legado aristotélico, ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os

desiguais na medida de suas desigualdades mantém o intérprete num círculo redundante,

ou seja, no entendimento de Celso Ribeiro Bastos: O cerne do problema remanesce resolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem os desiguais. A igualdade e a desigualdade não residem intrinsecamente nas coisas, situações e pessoas, porquanto, em última análise, todos os entes se diferem entre si, por mínimo que seja. O que acontece é que certas diferenças são tidas por relevantes, segundo o critério que se tome como discrímen. (BASTOS, 2007, p. 10).

Assim o conteúdo jurídico do princípio da igualdade abarca discriminações

legais ao admitir a existência de traços diferenciais entre indivíduos já que estão

contidas na própria ordem constitucional do Estado brasileiro.

Conclui-se, pois que o direito á igualdade está intimamente ligado e arraigado à

igualdade e a dicriminação na medida em que se veda a discriminação quando o

resultado do ato gera tratamento desigual; indica a discriminação para equilibrar

desigualdades de oportunidades e tratamento. (GUGEL, 2007, p. 35).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 institui o marco

ideário mundial do direito de oportunidades na proposta de um ideal comum para todos

na busca do respeito aos direitos e liberdades. Este ideal coloca a sociedade frente aos

fenômenos do preconceito, da discriminação, da intolerância dentre outros, na

superação do valor fundamental da dignidade da pessoa humana.

Neste ínterim a CF/88 traz eficácia para as pessoas portadoras de necessidades

especiais ao direito à isonomia.

Neste vértice há um claro objetivo de cunho constitucional em promover a

inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais por meios eficazes que

contrabalançam as desvantagens encontradas por estes no ambiente externo, seja este

evidenciado na forma educacional, saúde, trabalho, acessibilidade, transportes públicos,

lazer esporte, moradia dentre outros.

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6. Razões da Criação da Lei de Cotas para Deficientes

A noção de igualdade está intimamente ligada ao ideal de Justiça. O ideal

dessa igualdade pode ser entendido como a equalização dos diferentes. A igualdade

remete à idéia de justiça e ordem social e está elevada a condição de direito.

(TEIXEIRA, 2001, p. 199-200).

As pessoas portadoras de necessidades especiais além da marginalização

sofrida ao longo da história pela concepção de incapacidade para o trabalho aliada a

falta de cumprimento quer seja pelo Estado quer seja pelo setor privado de comandos

essenciais de efetividade de sua inclusão no mercado de trabalho, refletiu-se na ação do

Estado para promover tais direitos.

Maria Aparecida Gugel afirma a necessidade de o Estado implementar

ferramentas para evitar que milhões de trabalhadores portadores de necessidades

especiais sejam excluídos do mercado de trabalho: O fundamento no princípio do direito á igualdade, exige do Estado e da sociedade a construção de um ordenamento jurídico que mostre os fins sociais, a proteção dos valores da justiça social e do bem comum, de forma a implementar os comandos programáticos constitucionais do Art. 3º, III – erradicar [...] e reduzir as desigualdades sociais [...]; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos [...] e quaisquer formas de discriminação; Art. 170, VII – redução [...] das desigualdades regionais e sociais. Lembre-se que é atribuição comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, segundo o Art. 23, X – combater as causas de pobreza e os fatores de marginalização e, especificamente, em relação às pessoas com deficiência, no II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia [...] de seus direitos. (GUGEL, 2007, p. 21).

Assim a implementação de medidas legais e adoção de políticas públicas

evitarão à discriminação e consequentemente a exclusão destes sociais.

Segundo dados do IBGE para o Censo - 1991 as pessoas portadoras de

deficiência somavam o importe de 1,14% do total da população brasileira. (IBGE, 1991.

Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatística/população/censo 1991/população_censo 1991.

Acesso em: 17 mar. 2012).

Já em relação ao censo realizado em 2000 os dados se apresentaram em total

desencontro com o senso anterior, visto que o Censo 2000 foi o primeiro realizar uma

investigação mais aprofundada sobre as pessoas portadoras de algum tipo de deficiência

o que apresentou uma mudança significativa no percentual entre um censo e outro.

A diferença nos dados é resultado da modificação no instrumento de

identificação de pessoas portadoras de deficiência, isto é, da incorporação de novas

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perguntas para mensurar a relação entre a lesão da pessoa com a funcionalidade para o

trabalho, a vida cotidiana e o contexto social no qual a mesma está inserida (DINIZ;

SQUINCA; MEDEIROS, 2006, p. 82).

Segundo os dados do IBGE para o Censo – 2000 as pessoas portadoras de

deficiência somam 14,48 % da populção (cerca de 24,5 milhões) de brasileiros e que

deste total apenas que dos 24,6 milhões de 09 milhões se encontram no mercado de

trabalho, o que apresentou uma mudança significativa. Entre um censo e outro. (IBGE,

2000. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatística/população/censo 2000/população_censo

2000. Acesso em: 17 mar. 2012).

Ainda segundo a verificação do Censo de 2000, 19,8 milhões destas pessoas

portadoras de deficiência estão domiciliados em áreas urbanas e 4,8 milhões na área

rural. Ainda informa o censo de 2000 que o local de domicílio das pessoas portadoras

de alguma deficiência é de 56,6% de residentes em instituições de longa permanência

como orfanatos, hospitais etc. E de acordo com o mesmo Censo a distribuição das

lesões na população é assim distribuída: 67,68% visual; 37,08% física ou motora;

23,34% auditiva; e 11,53% deficiência mental. Verificou-se ainda que 16,6 milhões das

pessoas portadoras de deficiência em sua maioria mulheres, declaram ter dificuldade

visual permanente, mesmo com o auxílio de óculos. Na verificação da distribuição por

grupo etário ficou constatado que dos 14,48 % estavam 8,78% de crianças entre 0 e 14

anos; 14,6% de pessoas com idade entre 15 e 29 anos; 47,2 % no grupo etário de 30 a

59 anos; e 29,3% de pessoa com mais de 60 anos. Constatou ainda que 71,9% de

deficientes com mais de 5 anos eram alfabetizados. Verificou que apenas 6.022 pessoas

portadoras de deficiência se encontravam matriculados no ensino superior, e que: 33,8

% deficiência física; 29,1% deficiência visual; 20,6% deficiência auditiva; 5% com altas

habilidades; 4,9% outras necessidades; 4,7% condutas típicas 4,5% deficiência

múltiplas; e 1,9% deficiência mental. (IBGE, 2000. Disponível em:

www.ibge.gov.br/home/estatística/população/censo 2000/população_censo 2000. Acesso em: 17 mar.

2012).

Assim a ordem constitucional no comando do respeito á dignidade da

pessoa humana se justifica em medidas de discriminação positiva ou ação afirmativa,

que aliada aos princípios da ordem econômica se consolidou com a criação da Lei nº.

8.213/91 na reserva de cargos em postos de trabalho.

Destarte a Lei de Cotas, quer seja no campo público ou no campo privado se

justifica no abrigo e combate a qualquer forma de discriminação de exclusão das

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pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho. Como visto vários são os

fatores que impedem estas pessoas do mercado laboral, tais como: acesso ás escolas, a

qualificação profissional, acessibilidade, dificuldade de ingresso no mercado de trabalho

pelo preconceito por parte das empresas dentre outros.

Assim a Lei de Cotas (Lei nº. 8.213/91) tem como primazia em suas

finalidades institucionais a assistência social das pessoas portadoras de deficiência.

7. Da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho

A Constituição Federal prevê adequação de acesso das pessoas portadoras de

deficiência em seu artigo 227, § 2º e no artigo 244, além das leis de acessibilidade às

pessoas portadoras de deficiência: Lei nº. 10.048/00 e 10.098/00.

Os elementos técnicos que a empresa deve se ater para cumprir a determinação

de locais acessíveis e as adaptações estão contidas na norma brasileira ANT NBR

9050:2004; 13994:1999.

O Decreto nº. 5.296 de 02 de dezembro de 2004, também conhecido como

Decreto de Acessibilidade que regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de

2000, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, destinam-se a todas as pessoas portadoras

de deficiência, estabelecendo critérios básicos, e fazendo referência aos critérios

técnicos de forma a garantir a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência.

Trata do atendimento prioritário, considera que para o planejamento e

urbanização de vias retrata a verdadeira inclusão social permitindo que pessoas sem e

com deficiência se utilizem dos mesmos espaços, exige o cumprimento na adaptação

dos veículos e equipamentos nos meios de transportes bem como a qualificação

profissional dos empregados destes setores, garantem ainda o acesso à informação e a

comunicação nos partais e sitios eletrônicos para pessoas portadoras de deficiência

visual e, nas telecomunicações para pessoas com deficiência auditiva.

Institui o artigo 4º do Decreto nº. 5.296 de 02 de dezembro de 2004: Art. 4º O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, os Conselhos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, e as organizações representativas de pessoas portadoras de deficiência terão legitimidade para acompanhar e sugerir medidas para o cumprimento dos requisitos estabelecidos neste Decreto. (BRASIL. 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 18 mar. 2012).

Conclui-se que o direito de acessibilidade das pessoas portadoras de

deficiências é um direito constitucional que se mostra na materialização da igualdade.

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Assim a acessibilidade pode ser entendida como a possibilidade e condição de alcance

para utilização segura e autônoma dos espaços quer seja ele público, quer seja ele

privado para as pessoas portadoras de algum tipo de deficiência.

8. Do Ministério Público do Trabalho: fiscalização e cumprimento da lei

O Ministério Público do Trabalho tem por atribuição buscar a satisfação dos

interesses das pessoas portadoras de necessidades especiais qualificadas

profissionalmente que, por meio da reservas de vagas almejam um trabalho remunerado.

(GUGEL, 2007, p. 219).

O Decreto nº. 3.298 que regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989,

que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências para este fim.

Na condição de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do

Estado, ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime

Democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo

127, caput da Constituição Federal que dispõe: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. : (BRASIL, 2008, p. 69).

Igualmente possui legitimidade para propor a ação civil pública nos termos do

artigo 129, III, da Constituição Federal que dispõe: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (BRASIL, 2008, p. 70).

Tais são instrumentos processuais aptos à defesa dos interesses meta

individuais, assim entendidos os difusos e coletivos, conforme dispõe o artigo 1º, IV da

Lei nº. 7.347/85.

O artigo 3º, da Lei nº. 7.347/85 confirma o pressuposto e define

especificadamente a legitimidade do Ministério Público para as ações civis públicas

destinadas á proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de

necessidades especiais.

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Na terminologia do artigo 81 parágrafo único do CDC, trata-se da defesa de

interesses difusos, pois são transindividuais, de natureza indivísel cujos titulares são

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Explicando a legitimidade do Ministério Público para agir em prol dos

interesses das pessoas portadoras de necessidades especiais Maria Aparecida Gugel

assevera que: A qualidade de agir do Ministério Público justifica-se porque os interesses violados transcendem a esfera de um conflito individual de natureza reparatória, afetando uma universalidade de pessoas com deficiência não-individualizáveis ou determináveis, configurando o interesse difuso dos trabalhadores com qualificação profissional aos cargos, ou postos de trabalho, reservados em empresas com cem ou mais empregados, por força do Art. 93 da Lei nº 8.213/91. (GUGEL, 2007, p. 220).

Vinculada à Lei nº. 8.213/91, que reserva o direito de cargos para as pessoas

portadoras de necessidades especiais nas empresas está o cumprimento do comando

constitucional previsto no Artigo 7º, XXXI que proíbe discriminação no tocante às

pessoas portadoras de necessidades especiais, demonstrando assim a qualidade difusa de

tais interesses.

Outrossim, a Lei Orgânica do Ministério Público da União Lei Complementar

nº.75 de 20 de maio de 1993, delimita as atribuições dos diferentes Ministérios

Públicos, confere ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 83 e 112 a

defesa dos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores, decorrentes das relações de

trabalho, no âmbito da Justiça do Trabalho.

No mesmo sentido ao cumprimento do artigo 93, da Lei nº 8.213/91 já se

pronunciou o Tribunal Superior do Trabalho: TRT- RR- 669.448/2005, AC. 3ª Turma, relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Recorrente Ministério Público do Trabalho da 3ª Região - MG, recorrida Viação Sandra LTDA, DJ de 18/08/2006.

Quanto aos efeitos da extensão da sentença prolatada em sede de ação civil

pública, o artigo 4º da Lei nº.7.853/89 dispõe: Art. 4º A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (BRASIL. 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7853.htm. Acesso em: 24 mar. 2012).

Note-se que os efeitos da extensão da sentença prolatada conferem-lhe a

eficácia de coisa julgada oponível erga omnes.

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Extrajudicialmente na condição de promover os interesses difusos e coletivos

nos termos do artigo 129, III da CF/88, cabe ao parquet promover o inquérito civil para

propositura de ação civil pública, sem, no entanto ser este indispensável para isso, sendo

apenas constitutivo de pressuposto processual para comparecer em juízo, aliado ao fato

de poder resultar em compromisso de ajustamento de conduta.

Firmado o compromisso, sua eficácia se torna título executivo extrajudicial,

para ser executado caso haja o descumprimento. Cabe ao Ministério Público a

intervenção obrigatória na condição de custos legis nas ações civis públicas em que não

for parte segundo as regras do artigo 5º, § 1º da Lei 7.347/85, coletivas e individuais nos

termos do artigo 5º da Lei nº. 7.853/89 nas quais se discutem interesses relacionados às

pessoas portadoras de necessidades especiais.

9. As ações afirmativas como implementação de políticas de discriminação positiva

As ações afirmativas teve sua origem e implementação no governo dos Estados

Unidos da América, a partir de meados do século XX, após reivindicações dos

movimentos negros na luta pelos direitos civis dos afro-americanos. Tal movimento

também teve influência na Europa e ficou com a nomenclatura de discriminação

positiva. (SILVA. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5302>. Acesso em 31

mar. 2012).

Joaquim Barbosa Gomes assim define as Ações afirmativas como: As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. (GOMES, 2003, p. 03).

O mesmo autor acima mencionado com fincas as ações afirmativas assinala

que nos EUA: As ações afirmativas são fruto de decisões políticas oriundas do Poder executivo, com o apoio, a vigilância e a sustentação do Poder Legislativo; do Poder Judiciário, que além de apôr sua chancela de legitimidade aos programas elaborados pelos outros Poderes, concebe e implementa ele próprio medidas de igual natureza; e pela iniciativa privada”. (GOMES, 2001, p 53).

A Constituição Federal define os objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil elencados em seu artigo 3º e em seu artigo 170, VII reforça

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novamente o objetivo de erradicação da desigualdade já manifestado nos objetivos da

República. Carmen Lúcia Antunes Rocha enfatiza que a CF/88 estendeu à igualdade no

sentido material determinando comportamento ativo em detrimento das transformações

sociais asseverando que: Verifica-se que todos os verbos utilizados na expressão normativa – construir, erradicar, reduzir, promover – são de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte quando da elaboração do texto constitucional. (ROCHA, 1996, p. 92).

Sob a perspectiva do comando constitucional as ações afirmativas buscam a

efetividade das garantias individuais visando atingir a igualdade material aos diferentes.

Joaquim Barbosa Gomes conceitua as ações afirmativas como: As ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. (GOMES 2001, p. 40-41).

A edição da Convenção nº 111 (1959), pela OIT no que concerne a

discriminação em matéria de emprego e profissão, ratificada pelo Brasil em 1965

esclarece em seu artigo segundo que: 2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação. (Brasil, 1968. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/conv_oit_disc_emprego.htm. Acesso em: 01 abr. 2012).

Nas Nações Unidas o Brasil ratificou: a Convenção Internacional sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a de Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979), a Convenção nº.159 (1983)

da OIT, concernente a Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes e

também a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de

Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999). E por fim, a

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU e

fundamentada no princípio da dignidade dos valores humanos.

Como visto as Ações comprometem os Estados a formular e aplicar uma

política nacional promovendo a igualdade de oportunidades em matéria de emprego e

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profissão. Esta política tem como instrumento a colaboração dos empregadores na

efetivação destes direitos.

Com fundamento no princípio da igualdade as ações afirmativas exigem do

Estado e da sociedade a construção de uma ordem jurídica mostrando os seus fins

sociais.

Assim pode-se afirmar que as ações afirmativas têm como objetivo principal a

superação das diferenças na promoção da igualdade entre os diferentes grupos que

compõem uma sociedade. Em busca da edificação da cidadania entre os membros desta

sociedade.

Tem como lema principal a busca da implementação de acesso ás carreiras

profissionais, incentiva á capacitação profissional das pessoas portadoras de

necessidades especiais.

Neste contexto nota-se preocupação mundial com ambientes de trabalho e

sobretudo na igualdade de oportunidades para com as pessoas portadoras de

necessidades especiais.

Conclusão

Após a coleta de dados que se resultou no presente trabalho como um todo,

bem como aliado a sintonia de cada uma de suas partes, chega-se aos resultados que

permitem o seguinte conjunto de conclusões:

A transformação de uma situação social depende do esforço individual e

coletivo. O direito é o grande ordenador da sociedade e tem como objetivo o encontro

da Justiça. Neste contexto o Poder Judiciário tem atuação fundamental, a qual se inicia

pelas interpretações mais extensivas das normas e de acordo com o estabelecido na

Constituição Federal.

O Princípio da Igualdade no Direito obriga o legislador a tratar todos os

iguais de maneira igual, e os desiguais de maneira desigual, no âmbito interpretativo

obriga o intérprete utilizar a mesma regra para todos os casos iguais.

Como se propôs demonstrar, na atualidade o princípio da igualdade não

aceita indiferença por parte do Estado, este deve perseguir a efetivação na igualdade de

oportunidades, promovendo a dinâmica de meios e de medidas no amparo de grupos

sociais excluídos.

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A inclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho

está amparada na Constituição Federal seguida das Leis nº. 7.853/89 e 8.213/91. Sua

efetivação é uma necessidade em detrimento dos direitos das pessoas portadoras de

deficiência.

Através da aplicação desses comandos legais e despidos de preconceitos é

que tas pessoas portadoras de deficiência podem exercer qualquer ofício ou profissão.

Visto que distinguir ou excluir destrói o direito à igualdade. Uma vez reconhecido à

existência de grupos discriminados impõe-se ao Estado a promoção de ação por meio de

ações afirmativas.

Estas ações fundamentadas no direito de igualdade exigem do Estado e da

sociedade a construção de medidas legais que delineie os fins sociais, na busca de

eliminação de discriminação que limitam as oportunidades de determinados grupos.

A implementação destes comandos aliados a políticas voltadas para este fim

trará a devida eficácia do comando constitucional do direito à igualdade, e este deve

estar associado ao princípio fundamental do trabalho digno, permitindo a acessibilidade

das pessoas portadoras de deficiência às atividades e ao ambiente de trabalho.

Esta inclusão impõe o Poder Público uma atuação estrutural voltada para o

futuro da nação e tal se encaixa com os objetivos fundamentais propostos pelo Estado,

na busca da superação das barreiras que impedem a inclusão das pessoas portadoras de

deficiência no mercado de trabalho.

No presente trabalho se propôs a identificar e analisar os desafios às

tendências no que tange a inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais no

mercado de trabalho.

É preciso vencer barreiras e há muitos desafios a serem superados. É preciso

conscientizar a sociedade do que vem a ser uma pessoa portadora de algum tipo de

deficiência, bem como as questões que as envolvem.

É preciso ainda vencer os preconceitos em relação às pessoas portadoras de

deficiência, visto que estas restaram estigmatizadas e rotuladas historicamente. O maior

empecilho que as pessoas portadoras de deficiência para ingressar no mercado de

trabalho resultam dessas questões.

Por seu turno as empresas não estão preparadas para lidarem com as

medidas inclusivas e este fator precisa ser superado. As empresas devem se preparar

para as diversidades e conceitos entre desempenho e eficiência no contexto atual.

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E ainda o mercado de trabalho precisa superar o desemprego, visto que este

provoca uma competição desleal entre os profissionais na inserção no mercado de

trabalho.

Ao Poder Público cabe promover políticas eficazes voltadas ao acesso à

educação e a qualificação profissional para que efetive a inclusão das pessoas

portadoras de deficiência no mercado de trabalho.

Assim a sensibilização e a conscientização da sociedade e das empresas

vencerão todas estas barreiras e efetivamente resultará em medidas eficazes e inclusivas.

Não se desconhece que há uma tarefa árdua a trilhar, o processo de inclusão

das pessoas portadoras de deficiência é cheio de desafios e muito complexo.

Todavia conforme demonstrado a tendência é positiva, mas é preciso

intensificar tal processo em busca de uma sociedade inclusiva.

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O MEIO AMBIENTE LABORAL FRENTE À MAXIMIZAÇÃO DA

RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DAS EMPRESAS

THE LABOR ENVIRONMENT AND THE INCREASE IN CORPORATE` SOCIAL-

ENVIRONMENTAL RESPONSIBILITY

Daniel Ferreira1

Maria Ivone Godoy2

Resumo: A presente investigação científica aborda os aspectos relacionados à maximização da responsabilidade das empresas nas esferas ambiental e social sob a perspectiva do meio ambiente de trabalho. Para tanto, utiliza-se das normas jurídicas afetas ao tema, com especial ênfase àquelas de índole constitucional. Ademais, relaciona o tema com o desenvolvimento sustentável, sustentado e includente a fim de observar a capacidade das empresas de atuar em prol da inclusão social de minorais, particularmente das pessoas com deficiência. Assim, analisa-se de que modo o meio ambiente laboral decente pode auxiliar na promoção do desenvolvimento do Brasil e de todos os brasileiros, especiais ou não. Palavras-chave: Responsabilidade socioambiental empresarial; desenvolvimento sustentável; meio ambiente de trabalho; função social da licitação. Abstract: The present scientific investigation approaches the aspects related to the increase in corporate responsibility on the social and environmental spheres under the perspective of the labor environment. To do so, legal norms close to the subject are used with a special emphasis on those of constitutional status. Furthermore, it relates the subject with the sustainable, sustained and inclusive development with the end to observe the corporations‟ capacity to act on behalf of the social inclusion of the minority, particularly of the disabled people. Thus, it‟s analyzed the way that a decent labor environment can help to promote Brazil‟s development and of all the Brazilians, disabled or not. Keywords: Corporate social-environmental responsibility; sustainable development; labor environment; social function of bidding.

1 Mestre e Doutor em Direito do Estado (Direito Administrativo) pela PUCSP. Professor Titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Curitiba e Membro do Corpo Docente Permanente do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA. Líder do Grupo de Pesquisa “Atividade Empresarial e Administração Pública”. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), do Instituto Brasileiro de Estudos da Função Pública (IBEFP), do Instituto Paranaense de Direito Administrativo (IPDA), do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE) e do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). 2 Graduanda na Faculdade de Direito de Curitiba, integrante do Grupo de Pesquisa “Atividade Empresarial e Administração Pública”, liderado pelo prof. Dr. Daniel Ferreira (UNICURITIBA). Bolsista FUNADESP em Programa de Iniciação Científica. Estagiária na Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região.

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INTRODUÇÃO

Novas diretrizes foram traçadas com a promulgação da Constituição Federal de

1988. A partir dela, o ordenamento jurídico nacional ganhou um aspecto mais voltado ao bem

estar social e à cidadania. Objetivos como uma sociedade livre, justa e solidária demonstram o

caráter social da Carta Maior.

Nesse sentido, a todos foram atribuídas certas corresponsabilidades e a manutenção

do meio ambiente equilibrado é uma delas, inclusive no aspecto laboral.

Todavia, é possível ir além do simples cumprimento do dever legal. Nesse âmbito, as

empresas podem ter sua responsabilidade incrementada, visando o desenvolvimento nacional

– outro objetivo da República Federativa do Brasil. Sob esse viés, nota-se que a atuação

solidária surge como instrumento de inclusão das minorias e, no presente estudo, apresentam-

se suas perspectivas relativamente às pessoas com deficiência.3

Enfim, diante do direito brasileiro vigente, as pessoas físicas e as pessoas coletivas

(as pessoas jurídicas) se apresentam como igualmente obrigadas a atuar em conformidade

com os objetivos da República e, por evidente, a observar as disposições legais correlatas.

Mas isso reclama a consideração da empresa não apenas como relevante no aspecto

econômico, como também no social, cultural e político, dentre outros, de modo a reconhecer

sua imprescindibilidade no acertamento do passo rumo ao desenvolvimento

ecosocioambiental.

1. A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DAS EMPRESAS

Nos presente contexto socioambiental, a noção de solidariedade imbricada como

objetivo da República se reforça a cada dia. Quer-se dizer, as relações entre o Estado e as

pessoas (físicas ou jurídicas) se tornam cada vez mais conectadas, de modo que os limites de

distinção encontram-se cada vez menos definidos. Assim, no que tange às empresas, sua

relevância ultrapassa o âmbito econômico, como de praxe, alcançando também outras esferas,

como a política, ambiental, social e cultural.

3 Esta nomenclatura será a empregada no presente trabalho tendo em vista que “„pessoas com deficiência‟ passa a ser o termo preferido por um número cada vez maior de adeptos, boa parte dos quais é constituída por pessoas com deficiência que, no maior evento („Encontrão‟) das organizações de pessoas com deficiência, realizado no Recife em 2000, conclamaram o público a adotar este termo. Elas esclareceram que não são “portadoras de deficiência” e que não querem ser chamadas com tal nome”. (SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência? In: Revista da Sociedade Brasileira de Ostomizados, ano I, n. 1, 1° sem. 2003, p. 9).

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Essa reformulação da figura das empresas se deu com maior ênfase após a Revolução

Industrial (CAMPOS; LEMME, 2007, p. 12), cujos efeitos – principalmente socioambientais

– levaram a uma reanálise do sistema empregado. Em geral, as extensas jornadas de trabalho,

a ausência de preocupação com as condições do meio ambiente laboral e natural etc., foram

instrumentos de impulso à transformação do pensamento e atuação socioambiental da

população, do Estado e das próprias empresas.

Aliás, no que tange à noção de contribuição conjunta, a solidariedade prevista no art.

3º, inciso I, é refletida pela responsabilidade das empresas. Noutros termos, a satisfação das

regras socioambientais com os fins protegidos pela Lei Maior se mostra não apenas dever do

Estado, mas de todos.

Ao lado dessas alterações nas perspectivas do modo de produção, as considerações

acerca do desenvolvimento foram sendo modificadas, como se verá adiante. Entretanto, desde

logo cabe enfatizar a ampliação das áreas abrangidas por este conceito: anteriormente, o

desenvolvimento era, simplesmente, sinônimo de crescimento econômico. Com as alterações

socioambientais ocorridas desde aquela época, outras esferas complementares entre si

passaram a integrar a definição de desenvolvimento pleno (sustentável), tal como a ambiental,

social, política e cultural, dentre outras.4

Diante disso, as empresas passaram a atuar, em geral, com outras perspectivas.

Inclusive, com base na função social da propriedade (da empresa, no caso), cuja primeira

mostra no ordenamento jurídico nacional se deu no Estatuto da Terra (Lei Federal nº

4.504/1964) (MARÉS, 2010, p. 191), antes mesmo da promulgação da Constituição Federal

de 1988.

Destaque-se, neste ponto, que não se pode confundir o conceito de responsabilidade

empresarial (seja ela social, ambiental, econômica) com o que vem a ser a sua função social.5

4 Para Ignacy Sachs, o desenvolvimento funda-se em cinco pilares: “a) Social, fundamental por motivos tanto intrínsecos quanto instrumentais por causa a perspectiva de disrupção social que paira de forma ameaçadora sobre muitos lugares problemáticos do planeta. b) Ambiental, com as suas duas dimensões (os sistemas de sustentação da vida como provedores de recursos e como “recipientes” para disposição de resíduos); c) Territorial, relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das ativi-dades; d) Econômico, sendo a viabilidade econômica a conditio sine qua non para que as coisas aconteçam; e) Político, a governança democrática é um valor fundador e um instrumento necessário para fazer as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferença”. (SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p.15-16). 5 Aliás, estes dois conceitos, ainda, não podem sofrer confusão com o que se conhece por filantropia. Esta não possui qualquer traço de obrigatoriedade e “caracteriza-se como doações de recursos financeiros, materiais e humanos à comunidade e a instituições do terceiro setor”. (ORCHIS, M. A.; YUNG, M.; MORALES, S. C. Impactos da responsabilidade social nos objetivos e estratégias empresariais. In: INSTITUTO ETHOS. Responsabilidade social das empresas: a contribuição das universidades. São Paulo: Peirópolis, 2002, p.61).

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A responsabilidade empresarial como aqui defendida se refere ao cumprimento das

previsões legais impostas à sua atividade (como o pagamento dos tributos e verbas

trabalhistas, respeito às disposições ambientais, aos critérios de segurança na produção). Ou

seja, comporta apenas as obrigações “legais” da empresa. Por outro lado, a função social

extrapola as questões compulsórias.

Com isso, no momento em que a “empresa passa a extravasar o seu objeto social e a

atuar também na busca da melhoria da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável,

de forma organizada, dirigida e harmônica, a função social plena será a resultante” (HUSNI,

2007, p. 73).

Diante disso, a maximização da responsabilidade empresarial surge como

instrumento hábil à erradicação da pobreza, redução das desigualdades, preservação do meio

ambiente, dentre outras previsões constitucionais. Em contrapartida a essa atuação, as

empresas percebem diversas vantagens: evita-se o recebimento de multas e condenação em

indenizações; impacta o valor da marca; facilita a atuação frente à comunidade e ao governo;

diminui custos a longo prazo; torna os empregados mais produtivos e melhor qualificados;

etc. (OLIVEIRA, 2008, p. 116.).

O problema é que, muitas vezes, o empresariado hesita “em tomar a decisão de

investir na qualidade de vida do trabalhador porque não faz o balanço econômico entre o

custo das medidas de prevenção e controle e o custo de não adotá-las” (OLIVEIRA, 2009, p.

25).

Afinal, compreende-se por responsabilidade socioambiental das empresas aquela

atuação em conformidade com as normativas de cunho social e ambiental. Vale mencionar

que grande parte das análises acerca da responsabilidade empresarial advém de estudiosos

alheios ao Direito, principalmente provenientes da economia.

Nesse sentido, o presente estudo busca abordar a questão no seu viés jurídico. Isso,

por conseguinte, acaba por gerar certa discrepância com grande parte dos escritos sobre o

tema, os quais muitas vezes não distinguem, por falta de interesse, a função e a

responsabilidade empresarial.6

Ademais, o próprio tratamento dos administradores de empresas acerca do tema gera

dificuldades na adoção de um conceito “comum”, mais ou menos uniforme, pois é “tratado

pelas empresas como um assunto corporativo que compete apenas à iniciativa privada definir 6 De acordo com a área de estudo, a distinção entre a “função social” e a “responsabilidade social” não se mostra relevante. Com isso, são utilizadas como sinônimo, tal como faz o Instituto Ethos, na obra Responsabilidade social das empresas: a contribuição das universidades (São Paulo: Peirópolis, 2002), e.g. Para fins deste trabalho, o uso das expressões não se confunde.

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seus parâmetros, enquanto na realidade é um assunto de interesse público” (PRONER;

CORREA, 2010, p. 1650).

Verifica-se, portanto, que a exigência de um meio ambiente hígido e includente, não

apenas para os trabalhadores portadores de necessidades especiais, mas para todos,

indiscriminadamente, é um manifestação da responsabilidade social das empresas na medida

em que atua como reforço do cumprimento das previsões constitucionais e legais, mormente

no que tange às disposições juslaborais.

Dada a relevância das empresas na atualidade, desde sua influência na acessibilidade

da população a produtos e serviços até as grandes receitas provenientes de suas atividades

(OLIVEIRA, 2008, p. 03), e.g., há de se evidenciar sua ampla relação com a promoção do

desenvolvimento nacional sustentável.

1.1. AS FACETAS DO DESENVOLVIMENTO

Atualmente, assim como ocorre com a responsabilidade empresarial, o

desenvolvimento sustentável é tema discutido pelos mais diversos âmbitos do conhecimento,

o que inclui o meio jurídico. Ademais, insta tratar de ambos os temas, haja vista a intensa

conexão entre eles (DIAS, 2012, p. 46).

De modo geral, deve-se compreender que o desenvolvimento não é sinônimo de

crescimento econômico, tal como se articulava à época da Revolução Industrial. Ou seja,

“desenvolvimento não é sinônimo de produtivismo-consumismo. Desenvolvimento é

desdobrar as potencialidades existentes nas pessoas e na sociedade para que tenham vida e

possa viver bem” (DINIZ; MACIEL, 2012, p. 35). Destarte, “o crescimento é uma condição

necessária, mas de forma alguma suficiente (muito menos é um objetivo em si mesmo) para

se alcançar a meta de uma vida melhor, mais feliz e mais completa para todos” (SACHS,

2008, p.13).

Ao longo do tempo, portanto, o conceito de desenvolvimento sustentável passou a

conjugar uma série de esferas, tantas quantas possíveis e necessárias para a efetivação de

preceitos constitucionais e garantia de qualidade de vida a todos.

Nesse diapasão, a esfera ambiental e a social emergiram como as principais, ao lado

da econômica. Todavia, como mencionado, outras podem ser vislumbradas, tais como a

cultural, política, territorial.

Mas como se verificará adiante, a Constituição Federal se mostra fortemente

contrária à “flexibilização da proteção ambiental, pois firmou, em diversos dispositivos (em

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alguns expressa, noutros implicitamente), um compromisso de preservação ambiental e de

desenvolvimento sustentável” (BORTOLINI, 2012, p. 02).

O mesmo ocorre com a percepção dos direitos sociais, visto que nosso Estado está

caracterizado pela compatibilização entre o sistema de produção capitalista e a busca pelo

bem estar social de todos (DÍAZ, 1975, p. 106).

Assim, a solidariedade surge como elemento presente no que tange à

responsabilidade socioambiental das empresas e, do mesmo modo, à promoção do

desenvolvimento sustentável que pode e deve ser estimulada onde o Direito assim o permita.

Não por acaso, foi atribuída uma nova finalidade aos processos licitatórios com a

promulgação da Lei nº 12.349/2010, que alterou a Lei Geral de Licitações (Lei no

8.666/1993), qual seja a de exatamente promover o desenvolvimento nacional sustentável.

Especialmente a partir desta alteração legislativa, que se poderia “extrair” do próprio sistema

jurídico nacional dantes vigente (FERREIRA, 2012), passou-se a requerer uma atuação

empresarial para além das obrigações legais em todas as esferas plausíveis.

Ou seja, objetivando-se o desenvolvimento nacional sustentável autoriza-se

[...] o uso de interferências positivas, úteis para os obreiros (e mesmo para a Fazenda, em relação aos créditos tributários), no sentido de estimular a rápida regularização das pendências porque condição de participação nas licitações. Tais interferências não criam direitos ou obrigações novos, de índole tributária ou trabalhista, mas somente (re)lembram que é preciso cumprir a lei e o Direito, mormente por quem almeja ser parceiro da Administração. (FERREIRA, 2012, p. 99)

A par disso e a fim de aclarar os futuros apontamentos relativos à inclusão social e

saúde ambiental na esfera do trabalho, cabe apresentar a noção de desenvolvimento propagada

por Ignacy Sachs. Para o autor franco-polonês, a disponibilização de trabalho digno a todos é

um dos principais instrumentos ao desenvolvimento (SACHS, 2008, p. 12).

Além disso, Sachs aborda o desenvolvimento como sendo “includente, sustentável e

sustentado”, o qual sem um destes adjetivos não se configura efetivamente desenvolvimento.

Trata-se de ser economicamente sustentado no tempo, ambientalmente sustentável e

socialmente includente.

Em vista disso, delimita-se a noção na qual se baliza o presente estudo. Ou seja, em

“uma ordem econômica baseada no princípio de tratamento desigual aos desiguais,

promovendo o comércio justo, incrementando o fluxo da assistência pública destituída de

compromissos implícitos e transformando a ciência e a tecnologia em bens públicos”

(SACHS, 2008, p.164).

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Logo, o desenvolvimento sustentável não configura apenas mais um objetivo da

República. Ele deve ser promovido por atitudes socioambientalmente responsáveis por parte

das empresas, solidariamente com o Estado e com toda a população. Sendo assim, é possível

admitir que a responsabilidade empresarial desponte como instrumento hábil à persecução do

desenvolvimento sustentável, notadamente quando estimulada pelo poder público.

2. O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO

2.1. NOÇÕES GERAIS

Diversas são as disposições legais de tutela ao meio ambiente, o qual costuma ser

classificado pela doutrina como natural, artificial, cultural e do trabalho (FIORILLO, 2004, o.

20).

Por sua vez, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº

6.938/1981) vem oferecer uma definição ampla do que é considerado meio ambiente, capaz

de abarcar todas estas esferas. Para ela, “entende-se por meio ambiente, o conjunto de

condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,

abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981).

Assim, as previsões contidas nesta normativa infraconstitucional demonstram plena

harmonia com o disposto no artigo 225, da Constituição Federal, denotando evidente

recepção, posto que reconhecem o meio ambiente equilibrado como um direito de todos e,

além disso, como dever do Poder Público e da coletividade, renovando a solidariedade

anunciada no art. 3º, inciso I.

Com isso, verifica-se que o meio ambiente laboral deve ser igualmente adequado e

urge ser tutelado de ofício pelo Poder Público, sem prejuízo de os trabalhadores, os

consumidores, e, inclusive, os próprios empregadores se somarem na mesma empreitada.

Sinteticamente, o objetivo da tutela ao meio ambiente, em quaisquer de suas

dimensões, é manter a qualidade de vida, nos termos reclamados pela Carta da República, e a

segurança, a saúde e o bem-estar do cidadão, conforme a Lei Federal no 6.938/1981.

Logo, ultrapassam-se as ideias do senso comum, cuja compreensão do meio

ambiente rege-se apenas sobre o natural, sem diferentes percepções. Diante disso, “o meio

ambiente do trabalho tem de ser compreendido como um terreno comum entre o Direito

Ambiental e o Direito do Trabalho, não podendo restringir-se à aplicação dos conceitos,

normas e princípios de um ou do outro ramo” (FARIAS, 20--, p. 12).

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Destarte, é de se reconhecer que o meio ambiente “laboral” agrega novos elementos,

como a salubridade das condições de trabalho, a redução dos riscos, a valorização do

trabalhador etc. Logo, a tutela ao meio ambiente laboral tem o escopo de promover a

qualidade de vida e a dignidade humana (art. 1º, inciso III, CF/88), independente de sua

condição (pessoa deficiente ou não, e.g.), na esfera do trabalho. Ainda no artigo 1º da CF, há a

previsão dos valores sociais do trabalho como um dos fundamentos da República. Isso

demonstra a relevância da questão.

O texto constitucional, além disso, fixa a saúde como direito e dever de todos – o

que, por óbvio, inclui (os empregados e) os empregadores (artigo 196, CF). Ao lado dessa

disposição, o artigo 200 da Carta Magna outorga ao Sistema Único de Saúde a colaboração na

“proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. Assim, expressamente, se

reconhece o meio ambiente laboral como parte integrante da noção geral de meio ambiente,

logo, tutelado.

Ainda no que tange às disposições constitucionais, vale mencionar a garantia de

acesso às pessoas deficientes a espaços físicos públicos e de transporte coletivo, previsto no

artigo 227, §2º, da CF,7 constante do capítulo intitulado “Da família, da criança, do

adolescente, do jovem e do idoso”. Com isso, verifica-se que tal acesso deve ser

disponibilizado a todos que dele necessitem independentemente da idade ou atuação social.

Diante dessa garantia constitucional, Não podemos deixar de lembrar que uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos portadores de deficiência física, na busca de sua inclusão e efetiva integração social, em especial, de acesso ao seu local de trabalho, é vencer as barreiras arquitetônicas dos logradouros ou edifícios, como também a falta de adaptação nos meios de transporte. Os portadores de deficiência sentem-se desestimulados diante dos obstáculos que irão enfrentar e, os empresários, por sua vez, veem, nestes obstáculos, uma maneira de justificar sua negativa para atender aos dispositivos legais. (MARANHÃO, 2005, p. 94)

E objetivando estabelecer diretrizes às construções adaptadas foi editada a Norma

Técnica NBR 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. A

regulamentação do direito de acesso dos portadores de deficiência, “de forma geral, está

restrita a esse Código e a maior dificuldade que se encontra é o cumprimento, dentro do

prazo, para que os locais sejam adaptados à lei” (MARANHÃO, 2005, p. 94).

7 Art. 227, §2º, CF/88 - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

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Diante de toda a explanação jurídica apresentada, compreende-se por meio ambiente

de trabalho, o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.) (grifei) (FIORILLO, 2004, p. 22-23).

Nada obstante, associado à noção de dignidade humana e o direito à vida, o trabalho

digno emerge como direito fundamental dos trabalhadores, como consta do artigo 7º, inciso

XXII. Sua redação prevê a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de

saúde, higiene e segurança”. Sendo assim, as condições dignas de trabalho devem ser

promovidas, fundada na tutela da pessoa do trabalhador, independente de sua condição física,

mental ou qualquer outra característica.

Outrossim, o direito ao meio ambiente laboral equilibrado tem natureza difusa. Isso

porque as implicações advindas do desrespeito às normativas nesse sentido, “como, por

exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual,

atingem, finalmente, toda a sociedade, que pega a conta final” (MELO, 2010, p. 35). Ou seja,

não se limita ao interesse individual dos trabalhadores; sua extensão abrange a todos e a cada

um, abdicando da divisão entre o direito público e o privado, subsistindo sob a forma de

direito social, tal como ocorre como o direito do consumidor.

Mencione-se, ademais, que o meio ambiente laboral não se atém simplesmente ao

local físico em que o trabalhador executa suas atividades.8 Ele envolve também elementos

abstratos da relação de trabalho, tais como a forma de execução das atividades designadas e o

tratamento despendido aos trabalhadores (bem como entre eles próprios).

8 “O conceito de meio ambiente do trabalho deve levar em conta a pessoa do trabalhador e, em determinadas situações peculiares, pode englobar até a moradia, como reconheceu o MM. Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Sertãozinho/SP em Ação Civil Pública ajuizada pelo Procurador Silvio Beltramelli Neto do Ministério Público do Trabalho (Proc. n. 01332-2008-125-15-00-0), antecipando a tutela requerida para determinar que a impetrante: „Realize levantamento das condições das moradas coletivas de todos os seus trabalhadores rurais imigrantes, no prazo de 30 (trinta) dias, no mesmo prazo providenciando que atendam aos requisitos da NR-31 (itens 31.23.5 e ss, como couber)‟, com „condições dignas e básicas de limpeza, estrutura e conforto‟ e „garanta que, doravante, alojamentos e moradas coletivas de seus trabalhadores rurais migrantes atendam às condições mencionadas no item anterior‟. Fundamentou o douto juiz de primeira instância que: „em ótica convencional, não é fácil cogitar-se de responsabilizar o empregador pelas condições de moradias que não foram por ele oferecidas aos trabalhadores que atuam em seu favor. Acontece que o direito do trabalho deve avançar, e não retroceder. Isso significa que o caminho que ruma à precarização dos direitos trabalhistas é avesso às suas próprias tendências ontológicas mais essenciais. E essa formulação não fica ao desamparo do ordenamento, encontrando claro arrimo constitucional. Com efeito, de acordo com o art. 1º da Constituição Federal, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa são fundamentos da República [...]”. (MELO, 2010, p. 31-32).

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Afinal, é de se registrar que a proteção jurídica dos direito ao meio ambiente do

trabalho equilibrado encontra adicional amparo em diversos dispositivos internacionais de

tutela ratificados pelo Brasil, como: a Convenção n. 155 da OIT, que trata de Segurança e

Saúde dos Trabalhadores; a Convenção n. 174 da OIT; e a Recomendação n. 181 sobre

prevenção de acidentes industriais maiores, ratificada pelo Decreto nº 4.085/2002.

2.2 SAÚDE E INCLUSÃO DOS TRABALHADORES NO MEIO AMBIENTE LABORAL

Mas a questão da saúde e qualidade de vida de todos os trabalhadores perpassa, por

evidente, pelas condições do meio ambiente laboral. Para essa proteção, o ordenamento

jurídico propõe algumas medidas, além das já mencionadas, ainda que em certas ocasiões elas

se restrinjam a valorar economicamente a saúde do trabalhador, “indenizando-o”. Por

exemplo, o adicional de insalubridade:

O pagamento do adicional de insalubridade é um erro histórico no Brasil porque o Estado induziu as empresas a pagar o adicional de insalubridade quando priorizou a sua fiscalização na folha de salários, ao invés de fiscalizar a salubridade dos ambientes, processos de produção e métodos de trabalho. (OLIVEIRA, 2009, p. 09-10)

Essa parece uma crítica relativamente extrema. Porém, em linhas gerais, reforça o

sentido econômico propagado pela relação de emprego em detrimento de sua humanização.

Contudo, a partir dos atuais aspectos do desenvolvimento e responsabilidade socioambiental

das empresas, a adoção de práticas no sentido de tutela ao ambiente laboral [...] representa uma oportunidade única para as empresas, em época de turbulência econômica mundial e clamor por reformas tributárias e fiscais, reduzir seus custos operacionais por decisão própria e demonstrar coerência com os conceitos de qualidade e responsabilidade social largamente apregoados. (OLIVEIRA, 2009, p. 83)

E isso traz necessariamente à tona a perspectiva econômica, de e do mercado, que

exige investigação da atividade empresarial, mas que atualmente encontra-se imbricada às

questões socioambientais. Ou seja, a empresa ao cumprir suas obrigações legais

(responsabilidade) e com sua função social (externando um plus de interesse coletivo que

transcende o ordinário cumprimento de suas obrigações) percebe vantagens econômicas ao

mesmo tempo em que proporciona condições dignas de trabalho.

No que tange à saúde do trabalhador, a Organização Mundial de Saúde (OMS) a

compreende como “[...] um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não

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consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” e a reconhece como direito

fundamental de todo ser humano, portanto rechaçando qualquer manifestação discriminatória

(em contrário) (PEREIRA; MACHADO, 2012, p. 10).

Todavia, entende-se que a atenção das empresas deve voltar-se não apenas a afastar a

discriminação – o que não configura mais do que sua própria responsabilidade –, mas deve

promover a inclusão no ambiente de trabalho das minorias tradicionalmente apartadas, aí

inseridas as pessoas portadoras de deficiência, com ou sem estimulação premial.

Conforme o Decreto nº 3.298/1999, que regulamenta a Lei Federal nº 7.853/1989,

deficiência é “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica

ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão

considerado normal para o ser humano” (BRASIL, 1999). E nesse contexto o artigo 227,

inciso II, da Constituição Federal, estabelece três estados de deficiência: a física, a sensorial e

a mental.9

Ademais, a Lei Federal nº 8.213/1991 prevê, em seu artigo 93, a reserva de vagas

para pessoas deficientes, de acordo com o número de empregados da empresa10. Esta medida

representa uma forma de discriminação positiva que

[...] não tem apenas o escopo de prevenir a discriminação, na medida em que, possui duplo caráter, qual seja o reparatório (corrigir injustiças praticadas no passado) e o distributivo (melhor repartir, no presente, a igualdade de oportunidades), direcionadas, principalmente, para as áreas da educação, da saúde e do emprego. (MADRGUGA, 2005, p. 59)

Assim resta evidente que medidas legislativas como essa buscam a inclusão social e

a higidez física e mental no ambiente de trabalho. Entrementes, não realizam por inteiro o

desenvolvimento includente como exigido na seara trabalhista. Ou seja, se limitam a informar

os parâmetros legais da (ir)responsabilidade das empresas, com ameaça de sanção (como as

previstas no, o artigo 8º, da Lei Federal nº 7.853/1989, que criminaliza condutas que obstem o

acesso a cargos públicos ou que neguem emprego ou trabalho, sem justa causa, em virtude de

deficiência), porém sem criar expectativas ainda mais positivas para o futuro.

9 CF/1988. Art. 227, II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. 10 Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados: 2%; II - de 201 a 500: 3%; III - de 501 a 1.000: 4%; IV - de 1.001 em diante: 5%.

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Assim que atitudes de maximização da responsabilidade empresarial nas esferas

social e do meio ambiente de trabalho se mostram merecedoras de destaque. Exemplo disso é

assim relatado: Apareceu uma vaga para digitador em uma empresa, onde um dos candidatos não tinha os dois braços. Ao chegar para a entrevista, o departamento de recursos humanos teve a feliz ideia de antes de, simplesmente desclassificá-lo, perguntar como ele executaria a função. O candidato solicitou que colocassem o teclado no chão para que ele pudesse mostrar o que sabia fazer! Hoje, ele humanizou o clima organizacional da empresa, pois ninguém mais consegue atrasar os relatórios que são digitados com os pés dos funcionários. (CERTEZA, 2003)

Com isso, verifica-se a questão da humanização do meio ambiente de trabalho

(includente), cujos efeitos orientam-se para o desenvolvimento nacional e para a maximização

da responsabilidade socioambiental dos empregadores.

Demais disso, deve-se conceber a inclusão das minorias como elemento de

cumprimento do princípio da igualdade, ao mesmo passo em que o meio ambiente de trabalho

deve ser includente a todos, sem ressalvas. Noutras palavras, deve-se considerar que as

“necessidades de todo indivíduo são de igual importância e que devem constituir a base do

planejamento social, e todos os recursos devem ser empregados e forma a garantir

oportunidade igual a cada indivíduo” (ASSIS; POZZOLLI, 2005, p. 328).

Logo, a maximização da responsabilidade socioambiental de todos, e, em especial,

das empresas influi cabalmente na melhora das condições de saúde e na própria inclusão

social do trabalhador, independente de sua condição física ou mental.

De conseguinte, como os idosos e as pessoas com deficiência, reclamam atenção

diferenciada enquanto necessário,11 porque [...] o trabalho é elemento essencial à vida. Logo, se a vida é o bem jurídico mais importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, deve-se respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos adversos vão, por consequência, atingir a dignidade da pessoa humana [...]. O trabalho não é somente o emprego da força física, mas também atividade de pesquisar, investigar, dirigir e planejar e tantas outras funções que se multiplicam com a criação e produtividade do ser humano. É a forma fundamental de subsistência, mais simples e elementar. Trabalha-se com a força física e intelectual; esses dois elementos estão sempre juntos, porém pode ocorrer preponderância de um, a ponto de se dizer que o trabalho é manual ou intelectual. E isso não cria qualquer diferença em termos de proteção. (MARQUES, 2007, p. 21)

11 Diz-se “enquanto necessário” tendo em vista o caráter temporário das ações afirmativas. Isso porque, ao criar a prática de contratação de minorias, as empresas criam uma praxe no mercado que tende a se confirmar, além de mostrar à própria sociedade que a liberdade, o trabalho digno e a vida são direitos de todos.

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Portanto, almejar a inclusão social, bem como a salubridade e a adequação do

ambiente de trabalho pode ultrapassar a questão meramente impositiva, ilustrada pela

responsabilidade social (sob ameaça de sanção). Ou seja, é preciso pretender e alcançar o

desenvolvimento sustentado, sustentável e, principalmente, includente também por meio de

políticas afirmativas.

3. A INICIATIVA EMPRESARIAL EM PROL DE UM MEIO AMBIENTE

LABORAL INCLUSIVO

3.1. DISPOSIÇÕES JURÍDICAS

Como visto, o desenvolvimento nacional sustentável, sustentado e includente

instrumentaliza-se pela “responsabilidade” empresarial, o que não evita, muitas vezes, a

necessidade de sua maximização, expressada por meio da “função social”, imbricada com a

própria ideia de solidariedade.

Aliás, sob o viés constitucional, no que tange à responsabilidade das empresas acerca

do meio ambiente de trabalho, seja com relação aos trabalhadores deficientes ou não, vale

mencionar alguns princípios da ordem econômica, previstos no artigo 170: a função social da

propriedade, a defesa do meio ambiente e a busca do pleno emprego.

Como visto, a função social diz respeito às iniciativas empresariais desejáveis do

ponto de vista da coletividade que ultrapassam as ordinárias obrigações legais. No caso do

meio ambiente de trabalho, a contratação de profissionais capacitados para ministrar ginástica

laboral, a compra de equipamentos ergonômicos, a reforma de instalações em busca de maior

conforto são alguns exemplos.

Com base na função social da propriedade – da empresa, no caso – não há como se

questionar a reserva de mercado e a necessidade de adaptação dos locais de trabalho em prol

dos deficientes a partir da cogitação de uma possível lesão ao direito de propriedade. É que a

propriedade deve respeitar “o direito de acesso dos portadores de deficiência a empregos”

(MARANHÃO, 2005, p. 100), não havendo conflito entre “o direito assegurado na

Constituição de propriedade privada com as reservas de emprego para portadores de

deficiência” (MARANHÃO, 2005, p. 100). Assim, revela-se uma ordem constitucional vinculada ao dever de desenvolvimento sustentável. Para a consecução de tal objetivo, o direito de propriedade, obrigatoriamente, sofrerá limitações. Pode-se dizer – talvez com maior razão – que ele não é mais o mesmo: a

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propriedade no Brasil mudou, a ela está ínsito um dever de proteção ambiental, cujo descumprimento deslegitima-a. (BORTOLINI, 2012, p. 03)

No que tange à defesa do meio ambiente, reprise-se, todos estão solidariamente

responsáveis por sua tutela, como visto dentre os objetivos da República e outras disposições

constitucionais. Nesse mote, as empresas inserem-se como peças de grande relevância. Isso

porque, além de observar as normas relativas ao meio ambiente natural, como a mitigação de

emissão de gases poluentes e resíduos, as empresas lidam com a saúde, a vida e a dignidade

das pessoas que desenvolvem seu objeto social. Assim, as empresas são agentes cuja

responsabilidade ambiental se revela imprescindível à coletividade e para cuja maximização

todos devem concorrer.

Ademais, a relação que se pretende frisar entre o pleno emprego e o meio ambiente

laboral diz respeito justamente à qualidade deste em contrapartida à contratação

indiscriminada que pode se dar com a busca desenfreada pelo preenchimento de vagas. Ou

seja, o pleno emprego não se refere apenas à noção apresentada pelos economistas, cuja

compreensão se limita à plena utilização dos fatores de produção capazes de evitar

instabilidade na taxa de inflação do país (KON, 2012, p. 7-10).

Sua compreensão deve se estender à pessoa do trabalhador e, com isso, ao meio

ambiente no qual ele se insere. Nesse sentido, o trabalho e o meio ambiente laboral decentes

não podem ser olvidados na busca pelas condições de pleno emprego (ALVES, 2010, p. 53).

Além da ordem econômica, a ordem social, como prevista na Carta Magna do artigo

193 ao artigo 232, guarda grande estreita relação com o tema ora tratado. Como objetivos, a

ordem social prevê o bem estar e a justiça social, e, como base, o “primado do trabalho”.

Nesse ponto, foi “com base nos fundamentos da ordem social que a Constituição de 1988

traçou o conceito adequado de inclusão social plena dos portadores de deficiência”

(MARANHÃO, 2005, p. 53), o que inclui, por evidente, sua empregabilidade e à luz do

primado da isonomia12.

O caput do artigo 5º e o inciso XXXI do artigo 7º, ambos da Carta Constitucional,

dispõem acerca de tal princípio. O primeiro se destina a todos, indiscriminadamente,

garantindo, ainda, o direito à vida, à igualdade e à segurança; o segundo proíbe "qualquer

discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de 12 “A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres”. (KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Tradução Ch. Einsenmann. 2ª Ed. Paris: Dalloz, 1962, p. 190).

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deficiência”. Nesse sentido, a Lei Federal nº 7.853/1989 consolida o entendimento e elenca o

princípio da igualdade como um dos alicerces da proteção ao portador de deficiência:

Artigo 1º, § 1º – Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito.

Em paralelo, o artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) enumera

diversas responsabilidades empresariais e, dentre elas, o encargo de cumprir e fazer com que

as normas de segurança e medicina do trabalho sejam observadas no ambiente laboral.

E mais, em seu art. 2, §1º determina que as instituições sem fins lucrativos também se

obrigam a preencher as quotas de inclusão (de portadores de necessidades especiais) como

previstas na Lei Federal nº 8.213/1991. Ou seja, reforçando a responsabilidade legal do

empregador, seja ele da natureza que for, inclusive as associações, as sociedades e as

fundações que admitam seus trabalhadores na condição de empregados (MINISTÉRIO DO

TRABALHO E EMPREGO, 2007, p. 23), no que diz com a solidariedade requerida no

entorno da inclusão e da minimização das desigualdades sociais.

Mas é preciso lembrar, ainda, que, em material ambiental, prioriza-se no ordenamento

jurídico vigente a prevenção e precaução13 à reparação, porque esta última se torna, em

diversos casos, inócua, “uma vez que os danos ambientais, na maioria das vezes, são

irreversíveis e irreparáveis” (FIORILLO, 2004, p. 36), o que alcança até mesmo os danos

advindos de um meio ambiente de trabalho indigno ou insalubre ou que redunde em acidentes

de trabalho ou doenças permanentes adquiridas em razão da atividade desenvolvida.

Sendo assim, (...) insere-se um novo contexto em que se prioriza a prevenção em detrimento das reparações de caráter individual, que, por mais vantajosas que sejam, jamais ressarcirão os prejuízos decorrentes dos acidentes de trabalho que, inexoravelmente, atingem os trabalhadores nos aspectos humanos, sociais e econômicos; atingem as empresas financeiramente, e o próprio Estado, que responde, finalmente, pelas mazelas sociais decorrentes. (MELO, 2010, p. 34)

Nesse sentido, importante rematar que a prevenção se mostra mais útil e conveniente

às relações laborais do que a aplicação de sanção cumulada ou não como a reparação do dano 13Uma definição do Princípio da Precaução se extrai da Declaração de Wingspread que resume o princípio: “Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente.” (FENDRICH, Cyntia Brandalize; LIMA, José Edmilson de Souza. A imperatividade jurídica do Princípio da Precaução e sua efetivação constitucional no Direito Brasileiro. Conpedi: 2012, p. 06. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0f304eddb4ad6007. Acesso em: 14 março 2013)

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decorrente da inobservância das normas relativas ao meio ambiente de trabalho, que, no mais

das vezes, pode se mostrar como irreparável.

3.2. O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO INCLUDENTE

Nada obstante, ainda é preciso pretender mais, pretender para além de um meio

ambiente laboral adequado um meio ambiente do trabalho includente, que se reflita por meio

da maximização da responsabilidade legal das empresas apta a gerar comportamentos

voltados ao desenvolvimento.

Logo, falta focalizar o potencial includente que a atmosfera e o recinto de trabalho

possuem. É, então, nesse diapasão que o direito ambiental brasileiro é compreendido como antropocêntrico. Entende-se, através desse viés, que o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas. Tem-se, assim, o Princípio n. 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, corroborando com esse pensamento: Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza (MACEDO; OLIVEIRA, 2012, p. 19)

Nessa seara, o bem estar do ser humano é o ponto de convergência de todos os

conceitos tratados neste trabalho. E sua condição de trabalho é um dos elementos essenciais a

este bem estar; é por meio do trabalho que o indivíduo viabiliza sua própria subsistência, bem

como a dos seus. É por meio de seu trabalho, ainda, que desempenha um papel social gerador

do sentimento de capacidade e pertença à sociedade. Somente assim é que se pode considerar

um sujeito como não excluído socialmente.

Nas palavras de Bismarck Duarte Diniz e Joelson de Campos Maciel, A precarização das relações de trabalho afeta os trabalhadores de modo geral, inclusive os sem emprego, que passam a ter o sentimento de inutilidade social, ou seja, há a desqualificação também sob o ponto de vista cívico e político. Aos que têm a condição de empregado, parcial ou totalmente, não há mais a segurança da continuidade da relação de emprego, gerando incerteza e perda da capacidade de inserção dos indivíduos na sociedade.(DINIZ; MACIEL, 2012, p. 17)

Assim, nota-se que quaisquer que sejam as condições do indivíduo, o trabalho irá ser

relevante em sua inclusão social. Diga-se de passagem, o trabalho digno. Mas, como

abordado quando tratados dos aspectos da saúde do trabalhador, alguns grupos necessitam de

maior atenção, geralmente em forma de discriminação positiva.

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Entretanto, outras vias podem ser utilizadas, tal como a própria maximização da

responsabilidade social, com vistas ao desenvolvimento includente, inclusive da pessoa com

deficiência.

O já mencionado Decreto nº 3.298/1999 estabelece três modalidades de inserção

laboral da pessoa portadora de deficiência: I - colocação competitiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a possibilidade de utilização de apoios especiais; II - colocação seletiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que depende da adoção de procedimentos e apoios especiais para sua concretização; e III - promoção do trabalho por conta própria: processo de fomento da ação de uma ou mais pessoas, mediante trabalho autônomo, cooperativado ou em regime de economia familiar, com vista à emancipação econômica e pessoal. (BRASIL, 1999)

Nesse contexto, considera-se a colocação competitiva como a forma mais includente,

pois possibilita a concorrência em condições de igualdade, haja vista que muitas vezes é

apenas o “pré-conceito” que os afasta do mercado de trabalho. Em alguns outros casos,

realmente é necessária uma adaptação da atividade ou mesmo do meio ambiente de trabalho.

Para estes, a normativa menciona a possibilidade de aplicação de apoios especiais, pois

algumas deficiências não permitem que a pessoa realize uma ocupação sem o estabelecimento de condições facilitadoras ou procedimentos especiais, tais como jornada variável, horários flexíveis de trabalho e adequação do ambiente de trabalho às suas especificidades e, trabalho em tempo parcial e trabalho não ritmado. (GUGEL, 2003, p. 25)

Com relação aos entraves para que as empresas atuem na inclusão da pessoa

deficiente no ambiente laboral, uma pesquisa da Fundação em Getúlio Vargas apontou que

isso se dá, sobretudo, pela “falta de conhecimento, por parte dos administradores, da

capacidade de trabalho da pessoa portadora de deficiência, da sua forma de recrutamento,

seleção e treinamento, da legislação em vigor, da reação dos funcionários não portadores de

deficiência” (CARREIRA, 1997, p. 24).

Isso mostra que o entrave na inclusão no meio ambiente de trabalho não está, na

maioria das vezes, na deficiência em si, mas, sim, na percepção que muitos empregadores e

trabalhadores têm dela. Assim, muitas atitudes socioambientalmente desejáveis e que

transcendem às obrigações legais podem ser desenvolvidas pelas empresas. Por exemplo, o

treinamento e capacitação dessas pessoas às atividades empresarialmente necessárias.

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Todavia, não basta a contratação deste trabalhador para se considerá-lo incluído. É

preciso “(...) permitir e garantir seu acesso a todos os bens sociais disponíveis, tais como:

saúde, lazer, educação, trabalho etc. Além de oferecer oportunidades para que possam

desenvolver suas habilidades e permanecer na empresa” (MARANHÃO, 2005, p. 129-130).

Ou seja, O meio ambiente de trabalho para o trabalhador portador de deficiência deverá estar adaptado, com banheiro, rampas, barras de apoio, mobiliário adaptado etc., conforme determinam as Normas Técnicas Brasileiras, além das normas de segurança e saúde em geral para a prevenção de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. E, mais, em ambientes de trabalho com condições psicológicas favoráveis a todos. (GUGEL, 2003, p. 31-32)

Daí se extrai, em especial, que as condições psicológicas no meio ambiente de

trabalho não se confundem como obrigações legais objetivadas, como aquelas relativas a

equipamentos e à estrutura física do local de trabalho. Requer-se, também, atenção a aspectos

imateriais, como as relações entre os empregados e entre eles e seus superiores hierárquicos.

A dignidade do trabalhador não pode ser olvidada neste ponto.

Para tanto é preciso almejar responsabilidade empresarial maximizada e por atitudes

que extrapolem as exigências legais, as quais podem ser obtidas por meio de estimulação

(sanção premial).

E.g., o “Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através

do Programa de Apoio a Investimentos Sociais de Empresas (PAIS), disponibiliza recursos

para financiar os programas empresariais” (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO,

2007, p. 53), voltados à inclusão das pessoas com deficiência.

Nessa mesma linha é preciso começar a cogitar, pelo menos, da possibilidade de

fazer uso da nova finalidade legal das licitações (: a promoção do desenvolvimento nacional

sustentável) para garantir um meio ambiente laboral includente dos portadores de deficiência,

assim como o vislumbrado no Estado do Mato Grosso do Sul, que obriga, por meio de lei

(MATO GROSSO DO SUL, 2011), a reserva de 5% (cinco por cento) de vagas destinadas a

mulheres nas obras públicas de construção civil.

O mesmo se diga de inserção no mercado de trabalho (e de viabilização da remição

de pena) dos que se encontram no sistema prisional e se veem beneficiados pelo projeto

“Começar de Novo”, inaugurado no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em

parceria com o governo federal, inclusive à margem de expressa autorização legal.

Nesse sentido verifica-se a propagação de medidas maximizadoras da

responsabilidade empresarial em diferentes aspectos, o que reforça a atuação do poder público

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como agente de fomento ao desenvolvimento nacional e das empresas como agentes aptos a

promovê-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De tudo quanto dito, e para fins deste ensaio, infere-se que a responsabilidade (legal)

da empresa não pode ser confundida com a sua função social.

Da mesma feita, percebe-se que apenas cumprir a lei e o próprio Direito, sob ameaça

de sanção, não conduz à promoção do desenvolvimento nacional sustentável e nem mesmo

garante um meio ambiente laboral sustentável e sustentado, quanto o mais includente.

Portanto, é preciso reconhecer que estímulos à maximização da responsabilidade

socioambiental das empresas, fazendo emergir e revigorar sua função social, podem auxiliar

no cumprimento desse desiderato, conferindo vantagens não apenas aos potenciais

trabalhadores (em condições especiais ou não), mas às próprias empresas, ao Estado, e, enfim,

à sociedade como um todo, orientando-se pelo e para o desenvolvimento do Brasil e dos

brasileiros.

A atuação nesses moldes promove a inserção social não apenas no meio ambiente

laboral – o qual conta com condições físicas e psicológicas dignas para o bom

desenvolvimento das atividades do trabalhador – mas, também, na sociedade por inteira, pois

minimiza as desigualdades, inclusive daquelas pessoas com necessidades especiais.

Nesse sentido, enfim, a maximização da responsabilidade socioambiental das

empresas, por meio de incentivos ou de direcionamento legítimo das licitações e dos contratos

administrativos, aparenta ser um meio extremamente eficaz de promoção do desenvolvimento

nacional includente, sustentável e sustentado como direito de todos.

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O DUMPING SOCIAL E A TOTAL POSSIBILIDADE DE TUTELA DAS

MINORIAS NA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Juliana Machado Massi1

Marco Antônio César Villatore2

RESUMO

O presente artigo tem como objeto de estudo, “O dumping social à luz do ordenamento

jurídico brasileiro”. O Direito do Trabalho surgiu como medida protetiva dos

trabalhadores em virtude dos abusos cometidos, sobretudo, com o advento da

Revolução Industrial. Com o passar dos séculos, as sociedades foram se desenvolvendo

e a conquista por direitos trabalhistas ganhou ainda mais notoriedade. Entretanto,

atrelada a esta evolução juslaboral houve também um aumento da participação brasileira

no cenário do mercado internacional e a necessidade das empresas nacionais tornarem-

se competitivas. Para tanto, muitos empregadores passaram a burlar a legislação

trabalhista a fim de reduzir os custos de sua mão de obra para tornar o preço de seus

produtos e serviços mais competitivos. Essa prática reiterada vem abarrotando o

Judiciário Trabalhista com pleitos por verbas rescisórias que não são devidamente

cumpridas. A reiteração desta prática despertou no Judiciário a necessidade de proteção

contra o dano social, uma vez que a ausência de pagamentos de salários, horas extras e

demais verbas trabalhistas prejudicam não somente a vida privada do trabalhador, mas

causa um desequilíbrio tanto econômico quanto financeiro em toda a sociedade,

principalmente quando se trata de minorias ou de pessoas em situação de risco, como os

análogos à escravidão, o trabalho infanto juvenil, da mulher com situações

desproporcionais em relação aos do sexo masculino. Para autuar as empresas que

descumprem a legislação trabalhista, a doutrina brasileira, baseando-se no conceito

1 Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Positivo (2009). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná (2010/2011). Graduada em Direito e Administração de Empresas com Habilitação em Comércio Exterior pelo Centro Universitário Eurípides de Marília/SP (2007). Coordenadora do curso de Direito da FANEESP – Araucária – PR. Professora na FANEESP – Araucária/PR. Advogada. 2 Pós-Doutorando em Direito pela Università degli Studi di Roma II – Tor Vergata. Doutor em Diritto del Lavoro, Sindacale e della Previdenza Sociale pela Università degli Studi di Roma I, La Sapienza (1998/2001), revalidado pela UFSC e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994/1998). Professor do Mestrado e do Doutorado em Direito da PUCPR. Professor da FACINTER. Professor Adjunto da UFSC. Advogado (www.villatore.com.br).

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internacional da concorrência desleal denominado dumping social, equiparou tal

conceituação à realidade brasileira, responsabilizando as empresas infratoras a

reparação do dano social por meio do pagamento de indenização. Neste contexto,

buscou-se analisar casos práticos de aplicação do dano social a fim de destacar a

importância da atuação da Justiça do Trabalho em beneficio da sociedade. Os resultados

revelam que o sentimento de indignação com as irregularidades do país foi o primeiro

passo efetivo para estabelecer a vontade de maior atuação jurídica junto à sociedade.

Somente assim será possível combater as irregularidades que assolam o país e

desrespeitam a dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Dano social. Dumping social interno. Direitos sociais. Justiça social.

SOCIAL DUMPING AND THE POSSIBILITY TO PROTECTION MINORITIES IN

BUSINESS ACTIVITY

ABSTRACT

This article has as its object of study, "Social dumping in the light of the Brazilian legal

system." The Labour Law has emerged as protective measure for workers because of

abuse, especially with the advent of the Industrial Revolution. Over the centuries,

societies have developed and conquest by labor rights gained even more notoriety.

However, linked to this development juslaboral there was also an increase of Brazilian

participation in international market scenario and the need for national companies

become competitive. Therefore, many employers began to circumvent labor laws to

reduce the costs of their labor to make the price of their products and services more

competitive. This repeated practice comes from filling the Judiciary with claims by

Labour that severance payments are not properly fulfilled. The reiteration of this

practice in the judiciary sparked the need for social protection against damage, since the

absence of payment of wages, overtime and other labor rights affect not only the private

life of the employee, but it causes an imbalance in the whole economic and financial

society. To fining companies that violate labor laws, the Brazilian doctrine, based on the

international concept of unfair competition called social dumping, equated this concept

to the Brazilian reality, blaming the corporate offenders to repair the social damage

through the payment of compensation. In this context, we sought to analyze case studies

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of application of social harm in order to highlight the importance of the performance of

the labor for the benefit of society. The results show that the sense of outrage at the

irregularities of the country was the first effective step to establish greater willingness to

legal action by the company. Only then can fight irregularities plaguing the country and

disrespect the dignity of the human person.

Keywords: social damage. Internal social dumping. Social rights. Social justice.

1 INTRODUÇÃO

A expressão dumping provém do verbo inglês “dump” significando desfazer-se

de algo e depositá-lo em determinado local, deixando-o lá como se fosse ‘lixo’3. No

mercado internacional, uma empresa executa dumping quando: (a) detém certo poder de

estipular o preço do seu produto no mercado local (empresa em concorrência

imperfeita); e (b) possui perspectiva de aumentar o lucro por meio de vendas no

mercado internacional. Essa empresa, então, vende no mercado externo seu produto a

preço inferior ao vendido no mercado local, provocando elevada perda de bem-estar ao

consumidor nacional, porque os residentes locais não conseguem comprar o bem no

preço a ser vendido para o estrangeiro. Para adquirir parcela de mercado, a empresa

poderá inclusive vender ao exterior a preço inferior ao custo de produção4. O subsídio

do governo pode contribuir para a prática de dumping uma vez que aufere renda ao

produtor e permite que o produto seja vendido a preços bem inferiores ao custo de

produção ou ao preço interno.

O Direito do Trabalho nasceu como reação ao cenário que se apresentou com a

Revolução Industrial que fomentou a crescente e incontrolável exploração desumana do

trabalho. Trata-se de uma das consequências da reação da classe trabalhadora, ocorrida

no século XIX, contra a utilização sem limites do trabalho humano.

3 In verbis: to put something that is not wanted in a place and leave it as rubbish. Jonathan Crowther (Coordenador), Oxford advanced learner’s dictionary of current English. 5. ed. Oxford: Oxford University Press, 1995. p. 360-361.

4 KRUGMAN, Paul R.; OBSTFELD, Maurice. Economia Internacional. 5a. ed. São Paulo: Makron, 2001. p. 147-151.

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A partir daí, o Direito do Trabalho passa a ter função tutelar, econômica,

política, coordenadora e social. Tem função tutelar porque visa a proteger o trabalhador

e reger o contrato mínimo de trabalho, resguardando o trabalhador de cláusulas abusivas

garantindo-lhe um mínimo. É também econômico em razão de sua necessidade de

realizar valores, de injetar capital no mercado e democratizar o acesso às riquezas, de

abalar a economia do país. Tem função coordenadora ou pacificadora porque visa a

harmonizar os naturais conflitos entre capital e trabalho. A função política surge porque

toda medida estatal coletiva atinge toda a população e tem interesse público. E a sua

função social decorre porque visa à melhoria da condição social do trabalhador e da

sociedade como um todo.5

No Brasil, entre os anos de 1949 e 1964, o mercado interno se ampliou,

crescendo consideravelmente o número de assalariados, já que a produção industrial

brasileira se multiplicou três vezes e meia. Isso proporcionou a sistematização e a

consolidação das leis trabalhistas num único texto (CLT), integrando os trabalhadores

no círculo de direitos mínimos e fundamentais para uma sobrevivência digna. Além

disso, proporcionou o conhecimento global dos direitos trabalhistas por todos os

interessados, principalmente empregados e empregadores.6

Dentre os exemplos do dumping social temos o extrapolamento de duração

do trabalho, na prática do trabalho infantil, no trabalho escravo ou análogo à escravidão

fazendo com que os produtos gerados nesse sistema sejam bem menores aos valores

normais de mercado.

Muito embora os avanços da legislação trabalhista brasileira e a diversidade

de direitos e garantias proporcionadas aos trabalhadores (horas extras, descanso semanal

remunerado, gratificação natalina, férias, adicional noturno, entre outros), muitas

empresas desrespeitam o regramento jurídico e submetem seus trabalhadores a

condições precárias e injustas de trabalho.

O hábito desta prática tem lotado as salas de audiências dos fóruns

trabalhistas de todo o país. A Justiça do Trabalho se tornou uma verdadeira fábrica de

prepostos, advogados estrategistas e empregados sem pagamento de verbas rescisórias.

O oposto também é verdadeiro: a quantidade de empregados ingressando com

Reclamatórias Trabalhistas pleiteando indenização levou a Justiça do Trabalho a ter que

combater a chamada “indústria do dano moral”.

5 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 2. ed. Niterói: Impetus, 2008. p. 12-13. 6 Ibid, p. 22.

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Sobre as causas que levam ao dumping social, podemos citar o seguinte:

Outro dilema que a sociedade de países principalmente em desenvolvimento enfrentam é o dumping social: promover o subemprego com o intuito de se chegar a uma competição maior em âmbito nacional e, de preferência, internacional, ou gerar um possível desemprego ao se impor regras antidumping.7

A preocupação com os efeitos da crise econômica mundial no mercado

interno e a busca por maior competitividade empresarial tem acentuado ainda mais estas

práticas injustas de submissão do trabalhador. Na tentativa de reduzir os custos de

produção, os empregadores optam por desrespeitar a legislação trabalhista a fim de

reduzir os custos do trabalho e tornar o preço de seus produtos mais competitivos. Essa

prática reiterada das empresas enseja a necessidade de tutela do empregado pelo Estado,

na figura do Juiz, o que proporcionou a criação, no âmbito interno, do fenômeno do

dumping social, que vem sendo reconhecidamente aplicado pela jurisprudência atual.

2 A TESE DO DUMPING SOCIAL INTERNO

Essas empresas, presentes diariamente na Justiça do Trabalho, ainda

administram de forma paralela à regulamentação da lei no intuito de diminuir seus

custos e de se tornarem mais competitivas no mercado interno. Significa afirmar que, da

mesma forma que observamos no cenário do comércio exterior8 as empresas migrarem

para países cuja legislação trabalhista seja precária ou inexistente para diminuírem seus

custos, aqui no Brasil, no âmbito do mercado interno, as empresas deixam de cumprir a

lei, alegando serem elevados os encargos trabalhistas, podendo, assim, diminuir seus

custos e elevar sua competitividade.

São empresas que optam pelo não pagamento de horas extras, pelo pagamento de salários “por fora”, pela contratação de trabalhadores sem o reconhecimento do vínculo de emprego ou mesmo por tolerar e incentivar condutas de flagrante assédio moral no ambiente de trabalho. Constituem uma minoria dentre os empregadores e, por isso mesmo, perpetram uma concorrência desleal que não prejudica apenas

7 VILLATORE, Marco Antônio César; GOMES, Eduardo Biacchi. Aspectos sociais e econômicos da livre circulação de trabalhadores e o dumping social In: Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, 2007, Porto Alegre. Congresso Internacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Curitiba: Juruá, 2007. p. 162.

8 Essa prática, no cenário do comércio exterior, onde as empresas migram de um país ao outro na busca de legislações trabalhistas precárias ou mesmo inexistentes, com o intuito de reduzir os custos de sua mão de obra é reconhecida internacionalmente como dumping social.

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os trabalhadores que contratam, mas também as empresas com as quais concorrem no mercado. Além disso, passam a funcionar como indesejável paradigma de impunidade, influenciando negativamente todos aqueles que respeitam ou pretendem respeitar a legislação trabalhista.9

Se uma análise do assunto for desenvolvida a partir do ponto de vista

empresarial, percebe-se que dentro do ordenamento jurídico brasileiro, de fato, há uma

certa rigidez da legislação trabalhista que onera fortemente os empregadores. Os

depósitos mensais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) bem como o

pagamento das contribuições previdenciárias são exemplos dessa oneração. Entretanto,

sabemos que tais custos funcionam como forma de incluir os trabalhadores nas benesses

do Estado Social, sobretudo da Seguridade Social, diante da precariedade dos recursos

do Estado Brasileiro, principalmente no que diz respeito à saúde e à educação.

Infelizmente, sabe-se que muitos dos problemas decorrentes da precariedade

de recursos do Estado são frutos da corrupção que parece, desde sempre e com mais

notoriedade nos últimos anos, estar entranhada em todos os Poderes do Estado, “tal

como se encontra o mofo apodrecendo em um pedaço de pão velho”.

Um empregador que tenha registrado seus empregados, assumindo todos os custos sociais daí decorrentes, se verá na quase obrigação de custear, ele próprio, planos de saúde para seus empregados e assim por diante. Todos sabemos que tais custos existem para inserir os trabalhadores no contexto das benesses do Estado Social, sobretudo da Seguridade Social, diante da falência da prestação de serviços na área da saúde pública, que se dá pela falta de recursos que as práticas fraudulentas geram (e, claro, também, pela inescrupulosa, assassina e ilegal, prática corruptiva, que assola parcela da burocracia de Estado em conluio com beneficiários do setor privado).10

Com referência à gravidade do tema, é fato que o problema da corrupção

vem desde o início da História do Brasil e os aspectos da sua ocorrência, motivação e

combate merecem destaque e cuidado em trabalho específico para tanto. Nesse

momento nos resta demonstrar que, num país notoriamente reconhecido pela corrupção,

não é difícil perceber que a prática desleal das empresas brasileiras seja apenas mais um

reflexo dessa triste História.

É assustador verificar que as mesmas empresas permanecem com as

mesmas condutas ilegais e abusivas. As empresas condenadas ao pagamento de

indenização por assédio moral ou condenadas ao reconhecimento do vínculo 9 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Dumping social nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 9. 10 Ibid, p. 10.

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empregatício ou ao pagamento correto e devido de verbas rescisórias, via de regra, são

sempre as mesmas. Há uma habitualidade da sua prática ilegal, isto é, a conduta lesiva é

sempre de reiterada vezes. Essa prática habitual da conduta lesiva ao trabalhador tem

feito a doutrina nacional reconhecer o dumping social interno.

É importante ressaltar que esta ideia de dumping social surgiu da

conjugação do conceito comercial da prática de concorrência desleal em nível

internacional denominada dumping com as consequências trabalhista e social da

conduta realizada por meio do desrespeito aos direitos humanos do trabalhador a fim de

diminuir os custos empresariais.

Nesse mesmo sentido, em analogia com a prática desleal internacional, a

doutrina brasileira tem admitido a prática de dumping social quando uma determinada

empresa, por reiteradas vezes, desrespeita a legislação trabalhista, violando os direitos

dos trabalhadores com o intuito de diminuir seus encargos trabalhistas. Se a empresa

deixa de pagar os direitos do trabalhador, seus custos são reduzidos e seus preços se

tornam mais competitivos no mercado interno.

O dumping social ocorre quando empresas deixam de pagar direitos trabalhistas aos empregados, causando dano social a estes, almejando mais lucro e, consequentemente, angariando recursos para enfrentar as empresas concorrentes, podendo, assim, oferecer os seus produtos, no mercado, por um preço menor.11

Jorge Luiz Souto Maior é, atualmente, um dos maiores defensores da teoria

do dumping social no mercado interno.

É bem verdade que a expressão “dumping social” foi utilizada, historicamente, para designar as práticas de concorrência desleal em nível internacional, verificadas a partir do rebaixamento do patamar de proteção social adotado em determinado país, comparando-se sua situação com a de outros países, baseando-se no parâmetro fixado pelas Declarações Internacionais de Direito. No entanto, não é, em absoluto, equivocado identificar por meio da mesma configuração a adoção de práticas ilegais para obtenção de vantagem econômica no mercado interno.12

Defensores desta corrente afirmam que na lógica capitalista pela qual se

orienta o Brasil, a nossa Constituição está fundada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa. Portanto, empresas que desrespeitam os direitos de seus empregados

11 GUERRA, Luciene Cristinia de Sene Bargas; PAIXAO, Mariana Michelini de Souza. A flexibilização do trabalho pode levar ao dumping social. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 101, v. 919, maio 2012. p. 393. 12 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 10.

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não estão desrespeitando apenas o trabalhador, individualmente, mas também toda a

ordem econômica vigente.

No sistema econômico atual, o trabalho é o responsável pela manutenção e

sobrevivência do indivíduo. Quando sua contraprestação pelo trabalho é desrespeitada,

prejudica-se toda a cadeia econômica. Assim, justifica-se a denominação de dumping

social no mercado interno, pois esta prática configura uma concorrência desleal dentro

do comércio brasileiro.

As empresas que agem desta forma prejudicam os seus trabalhadores,

contribuem pela lotação da Justiça do Trabalho, causam prejuízos econômicos para toda

a sociedade, desequilibram a livre concorrência e ainda servem de paradigma de

desvirtuamento para outras empresas. O não pagamento dos salários ou das verbas

rescisórias devidas ou, ainda, da contribuição previdenciária, desequilibra todo o

sistema econômico do país.

O desrespeito às normas trabalhistas resulta na quebra do pacto social, instituído a partir da Constituição Federal de 1988. O prejuízo do dano social à coletividade extrapola os limites do direito patrimonial. Atinge os operários, dos quais a mão de obra justifica a existência da própria empresa.13

Se todos os trabalhadores deixarem de receber pelo seu trabalho, não há

subsistência. Não há consumo de bens essenciais e muito menos supérfluos. O

desemprego aumenta e as pessoas deixam de ter uma vida digna. Em razão disso é que a

Justiça do Trabalho brasileira tem despertado sua atenção para um problema de

proporções gigantescas. A necessidade de lucro não pode se sobrepor à dignidade do

trabalhador sob pena de desestabilizar toda a sociedade.

É nesse sentido que os profissionais do Direito do Trabalho no Brasil

reuniram-se e aprovaram o Enunciado nº. 4, da 1ª. Jornada de Direito Material e

Processual da Justiça do Trabalho, organizada pela ANAMATRA14 e realizada entre os

dias 21 e 23 de novembro de 2007 no Tribunal Superior do Trabalho em Brasília.15

DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se,

13GUERRA, Luciene Cristina de Sene Bargas; PAIXAO, Mariana Michelini de Souza. Op. cit., p. 394. 14ANAMATRA é a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Foi fundada em 28 de setembro de 1976, em São Paulo, durante o Congresso do Instituto Latino-Americano de Direito do Trabalho e Previdência Social. (Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/index.php/anamatra/historia>. Acesso em: 18 jan. 2013). 15 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 11.

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propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-lo. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos art. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652, d, e 832, § 1º. da CLT.16

É a partir desse Enunciado que se inicia a ideia do dumping social interno,

que corresponde à noção de que um responsável por um dano que extrapola a relação

privada deve ser coibido, sobretudo quando a conduta é reiterada e ocasiona danos a

toda a sociedade. A punição desta conduta impõe-se como necessária condição para a

possibilidade da verdadeira instauração de um Estado Social.17 O equilíbrio entre as possibilidades econômicas e a completa ausência de força dos trabalhadores para resistirem aos avanços econômicos sobre os seus direitos sociais, em razão do desemprego, configura uma realidade que despreza os aspectos éticos das relações sociais e aumenta a cada dia a desvalorização do trabalho, ampliando a distância entre ricos e pobres, aniquilando a consciência de cidadania nas relações de trabalho, promovendo o dumping social.18

À primeira vista, esse combate à prática de dumping social no âmbito

interno brasileiro pode aparentar ser a simples aplicação do princípio protetivo19 do

Direito do Trabalho. Esta percepção é equivocada. Na realidade, a indenização que os

Juízes do Trabalho desejam aplicar às empresas que cometem dumping social é uma

forma de punição de práticas ilícitas que tenham repercussão social. Neste caso não há

16 Enunciado nº. 4 da ANAMATRA. Disponível em: <http://www.anamatra.org.br>. Acesso em: 18 jan. 2013. 17 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 18. 18 GUERRA, Luciene Cristina de Sene Bargas; PAIXÃO, Mariana Michelini de Souza. Op. cit., p. 395. 19 “Em face do desequilíbrio existente na relação travada entre empregado e empregador, por ser o trabalhador hipossuficiente (economicamente mais fraco) em relação ao empregador, consagrou-se o princípio da proteção ao trabalhador, para equilibrar esta relação desigual. Assim, o Direito do Trabalho tende a proteger os menos abastados, para evitar a sonegação dos direitos trabalhistas destes. Para compensar esta desproporcionalidade econômica desfavorável ao empregado, o Direito do Trabalho lhe destinou uma maior proteção jurídica. Assim, o procedimento lógico para corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades. O princípio da proteção ao trabalhador está caracterizado pela intensa intervenção estatal brasileira nas relações entre empregado e empregador, o que limita, em muito, a autonomia da vontade das partes. Dessa forma, o Estado legisla e impõe regras mínimas que devem ser observadas pelos agentes sociais. Estas formarão a estrutura basilar de todo contrato de emprego”. (BOMFIM, Vólia. Op. cit.,p. 182).

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uma preocupação latente com o prejuízo individual do trabalhador, mas, sim, com os

prejuízos que a habitualidade desta conduta podem trazer à sociedade. Não é reparar o

dano individual e episódico, mas os danos que extrapolam as relações privadas e

atingem os aspectos econômicos e sociais decorrentes da prática.20

Para melhor compreensão desta temática, interessa observar como se dá a

aplicação do princípio protetivo dentro do Direito do Trabalho. Convém também

analisar os reflexos da sua não aplicabilidade por parte dos empregadores, muitas vezes

se aproveitando de situações de miserabilidade, por vezes caracterizando trabalho

forçado encontrado nas Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do

Trabalho, ratificadas pelo Brasil - o que desencadeia o dano social, conforme será

demonstrado.

O preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT),

nascida no Tratado da Paz, de 1919, estabelece que “existem condições de trabalho que

implicam um grande número de pessoas em injustiça, miséria e privações (...) a não

adoção por uma nação qualquer de um regime de trabalho realmente humanitário é um

obstáculo aos esforços dos demais, desejosos de melhorar a sorte dos trabalhadores nos

seus próprios países”21 (destacamos).

Conforme Luiz Eduardo Gunther22, a OIT e a União Europeia tendem para o

sentido de permitir a aplicação de contratos coletivos nas relações que envolvam

empresas transnacionais e empregados, salientando que a negociação coletiva dentro da

União Europeia possui algumas facilidades: (a) há uma política supranacional, a qual

facilita o combate por meio de política comunitária; (b) há tratado que unifica a

legislação; (c) há proximidade geográfica23.

3 A APLICAÇÃO DO DUMPING SOCIAL NA REALIDADE BRASILEIRA

Conforme foi observado, o Direito do Trabalho brasileiro nasceu como

ferramenta para proteger a parte hipossuficiente da relação de emprego que é

20 CARVAS, Luiz Gustavo Abrantes. Desmistificando o dumping social. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3014, 2 out. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20121>. Acesso em: 4 jan. 2013. 21 SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 2a. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 17. 22 GUNTHER, Luiz Eduardo. Cláusulas anti-dumping em normas coletivas do trabalho. Trabalho apresentado no Seminário Ítalo-Brasileiro de Direito do Trabalho (PUCPR), Marco Antônio César Villatore (Coordenador). Curitiba, 31 de março de 2003 a 01 de abril de 2003. p. 20-24. 23 Ibid, p. 24.

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representada pelo empregado. Nesse sentido, o princípio protetivo é o grande orientador

deste fenômeno jurídico.

Assim, é tal princípio o parâmetro visceral orientador do Direito do Trabalho, pois, enquanto no direito comum há uma constante preocupação de assegurar a igualdade entre os contratantes, no juslaboralismo a preocupação central é estabelecer um amparo preferencial a uma das partes, o trabalhador, para, mediante esta proteção, alcançar-se uma igualdade substancial entre os atores sociais.24

O Direito do Trabalho estrutura em seu interior uma teia de proteção à parte

hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando a retificar, no plano

jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.25 Cabe ao

Estado fazer essa proteção do vulnerável, sob pena de compactuar com a exploração do

mais forte sobre o mais fraco.26

É a proteção jurídica do trabalhador, compensadora da inferioridade em que se encontra no contrato de trabalho, pela sua posição econômica de dependência ao empregador e de subordinação às suas ordens de serviço. O Direito do Trabalho, sob essa perspectiva, é um conjunto de direitos conferidos ao trabalhador como meio de dar equilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho, diante da natural desigualdade que os separa, e favorece uma das partes do vínculo jurídico, a patronal.27

O Direito do Trabalho, portanto, regula o trabalho humano remunerado,

para evitar que o homem seja tratado como coisa, “res”.28 Esta disposição legal decorre

não somente da sua situação de hipossuficiente, sob uma perspectiva puramente

econômica, mas também é embasada pela noção dos direitos humanos de proteção à

dignidade humana, sobretudo a do trabalhador que, muitas vezes, é submetido a

condições precárias de trabalho, sendo algumas análogas às de escravidão.

O que se verifica é que o Direito do Trabalho surge como ferramenta de

sobrevivência do sistema capitalista sob o fundamento de um Estado Social. A busca

desenfreada pelo lucro, requisito basilar do capitalismo, deve ser limitada pelo respeito

à dignidade da pessoa humana. Sob a perspectiva do trabalho, elemento fundamental

24 CARVAS, Luiz Gustavo Abrantes. Op. cit., p. 10. 25 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 198. 26 MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 78. 27 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 367. 28 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 36.

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para produção e circulação de riquezas, cumpre ao Estado proteger o indivíduo – o

trabalhador - mas também proteger a coletividade, a fim de evitar um desequilíbrio

econômico. Afinal, a exploração exacerbada do trabalhador acarretará problemas de

ordem física e econômica. Um trabalhador sem saúde não é produtivo. Um trabalhador

mal remunerado não consome. Sem produção e consumo, não há como promover a

ordem econômica capitalista.

Ocorre que essa proteção do trabalhador tem acarretado um aumento

bastante considerável dos custos das empresas espalhadas pelo mundo, sobretudo nos

países onde a legislação trabalhista é apresentada de forma mais rígida, tal como ocorre

no Brasil. O ordenamento laboral brasileiro traz diferentes regramentos a fim de

proteger o trabalhador da sua situação hipossuficiente inerente ao contrato de trabalho.

Isso faz com que muitas empresas descumpram a legislação sob o argumento de que os

custos são altos e prejudicam sua capacidade financeira.

Para resolver esse impasse, muitos doutrinadores do Direito do Trabalho

têm levantado a bandeira da flexibilização da legislação trabalhista, muito embora essa

bandeira se apresente na contramão da finalidade juslaboral, ou seja, a proteção integral

do trabalhador dentro de um contrato que por sua natureza lhe desfavorece. Ademais, tal

flexibilização vai de encontro à noção dos Direitos Sociais.

Ora, os Direitos Sociais, abrangendo o Direito do Trabalho e o Direito da

Seguridade Social, constituem a fórmula criada para desenvolver o que se convencionou

chamar de capitalismo socialmente responsável29, ou seja, como anteriormente

afirmado, esses direitos representam uma forma de se promover a manutenção do

sistema sob um viés de proteção da dignidade da pessoa humana.

Sob o ângulo exclusivo do positivismo jurídico pátrio, é possível, ademais, constatar que o Direito Social, por via reflexa, atinge outras esferas da vida em sociedade: o meio-ambiente; a infância; a educação; a habitação; a alimentação; a saúde; a assistência aos necessitados; o lazer (art. 6º., da Constituição Federal brasileira), como forma de fazer valer o direito à vida na sua concepção mais ampla. Neste sentido, até mesmo valores que são normalmente, indicados como direitos liberais por excelência, a liberdade, a igualdade, a propriedade, são atingidos pela formação de um Direito Social e o seu consequente Estado Social. Prova disso são as diversas proposições contidas na Constituição brasileira. A propósito, destaque-se que o valor social do trabalho e a proteção da dignidade humana foram alçados a princípios fundamentais da República (art. 1º., incisos III, e IV), assim como também se deu com o objetivo de

29 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O dano social e sua reparação. Revista LTr Legislação do Trabalho, São Paulo, ano 71, nº. 11, nov. 2007. p. 1.317-1.323.

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construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º., inciso I) e que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais seguindo o princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º., inciso II).30

O Direito Social, portanto, não se apresenta apenas como um regulador das

relações sociais; ele busca promover, em concreto, o bem-estar social, valendo-se do

caráter obrigacional do direito e da força coercitiva do Estado31. É através dos direitos

sociais que surgem as noções de solidariedade e de ética. Valores estes que devem estar

presentes na sociedade capitalista atual.

A responsabilidade social, tão em moda, não pode ser vista apenas como uma “jogada” de marketing, como se a solidariedade fosse um favor, um ato de benevolência. Na ordem jurídica do Estado Social as empresas têm obrigações de natureza social em razão de o próprio sistema lhes permitir a busca de lucros mediante a exploração do trabalho alheio. Os limites dessa exploração, para preservação da dignidade humana do trabalhador, respeito a outros valores humanos da vida em sociedade e favorecimento da melhoria da condição econômica do trabalhador, com os custos sociais consequentes, fixam a essência do modelo de sociedade que a humanidade pós-guerra resolveu seguir e do qual a Constituição brasileira de 1988 não se desvinculou, como visto.32

Não é cabível mais a exploração exacerbada de uma minoria detentora do

capital sobre a maioria desqualificada e nem mesmo a destruição desmedida do meio

ambiente. No campo das relações de trabalho, sobretudo, a ética é o valor fundamental

para a própria manutenção do sistema. O respeito ao trabalhador contribui para a

qualidade do meio ambiente do trabalho e para o aumento da produção e da dedicação

do empregado. Esses efeitos são essenciais para a manutenção da máquina capitalista.

Entretanto, muito embora a noção de solidariedade e mesmo de ética

venham ganhando maior relevância perante a sociedade, ainda se verifica no âmbito da

Justiça do Trabalho incontável número de reclamatórias trabalhistas por desrespeito aos

direitos dos trabalhadores. Muitas empresas, mesmo após sofrerem condenações de

elevada monta, insistem na prática delituosa e passam a trazer graves prejuízos à

sociedade. É nesse sentido que o dano social se faz presente. Trata-se do reflexo do momento atual do desenvolvimento civilizatório. É uma nova modalidade de dano que se impõe diante das possibilidades da vida moderna. A viabilidade de praticar atos que extrapolem a esfera de alguém com quem mantenho determinada relação juridicamente relevante é o que impõe a necessidade de

30 Idem. Op. cit., p. 71 – 131. 31 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 71 – 131. 32 Idem.

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reconhecimento de uma nova espécie de dano, capaz de ser ressarcida de modo peculiar, justamente porque peculiares são suas consequências.33

Os danos sociais são aqueles que causam um rebaixamento no nível de vida

da coletividade e que decorrem de condutas socialmente reprováveis. Tal tipo de dano

dá-se quando as empresas praticam atos negativamente exemplares, ou seja, adotam

condutas corriqueiras que causam mal estar social.34 Ainda, o dano social é gênero do

qual derivam as espécies: dano moral coletivo e dumping social. Este último tem

natureza jurídica de dano material coletivo (mensurável ou não) ocasionado também por

ato ilícito.35

Para melhor compreensão do dano social é interessante relacionar os dois

fundamentais objetos presentes em um contrato de trabalho: o capital e o trabalho. Um

depende do outro para a sua existência. Não há trabalho se não houver uma

contraprestação pela mão de obra. Assim, só haverá capital se houver trabalho, se

houver produção ou prestação de serviço. Trata-se, portanto, de dois fatores antagônicos

e interdependentes.

É por esta razão que a violação dos direitos trabalhistas gera um dano não

somente ao contrato individual de trabalho, mas a toda a sociedade. É um dano social

porque prejudica direitos fundamentais dos trabalhadores e, consequentemente,

contribui para o desequilíbrio da cadeia econômica capitalista. Portanto, a existência de

dano social deve ser severamente punida.

As agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas. Dessas agressões, o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica, portanto, dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se veem forçados a agir da mesma forma. O resultado é a precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. Nesse sentido, aliás, não é nenhum exagero dizer que a própria empresa perde a sua legitimidade de atuar no mercado, uma vez que fere frontalmente o preceito constitucional da função social da propriedade, que refletiu na própria atuação negocial, conforme regulação do novo Código Civil.36

33 Idem. Op. cit., p. 43. 34 PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos. Danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, nº. 2713, 5 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17960>. Acesso em: 22 jan. 2013.. 35 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 44. 36 Ibid., p. 55.

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É esta atuação negativa das empresas que a doutrina brasileira entende por

dumping social. O desrespeito ao direito do trabalho atinge não somente a esfera pessoal

e patrimonial de determinado trabalhador, mas toda a ordem social. Prejudica o

indivíduo, mas também os demais empregadores através de concorrência desleal, uma

vez que, por não aplicar os direitos do trabalhador, a empresa reduz os seus custos,

tornando seu preço mais competitivo do que os daqueles empregadores que arcam com

todos os custos dos direitos laborais.

É nesse sentido que magistrados brasileiros vêm condenando empresas por

dumping social a fim de combaterem a prática reiterada de injustiças na esfera

trabalhista. Se não houver este combate, as empresas se sentirão livres para atuarem

como quiserem, explorando a mão de obra deliberadamente, a fim de aumentarem sua

lucratividade, o que, ao longo do tempo, desequilibrará todo o sistema econômico do

país.

Assim, para a caracterização do dano social os Magistrados têm verificado

se a prática ilícita é reiterada ou se há reincidência de condutas. Importante diferenciar

que a reincidência de condenações nada tem a ver com a repetição de condutas. Uma

empresa pode ser condenada diversas vezes por motivos os mais variados, ao passo que

ela será reincidente se a condenação sempre for pela prática de uma mesma ilicitude37.

Outro aspecto verificado é a intenção lesiva da conduta. No dia a dia do

Fórum Trabalhista observam-se inúmeras reclamatórias por ausência de anotação na

Carteira de Trabalho, não pagamento de horas extras, adicionais noturnos, dentre outras

práticas já consideradas corriqueiras. Entretanto, a diferença consiste no fato de que em

todos esses casos a exigência do pagamento com acréscimo de juros e de correção

monetária é suficiente para restabelecer o direito do trabalhador. Ao passo que, quando

há intenção lesiva da conduta da empresa para reduzir seus custos, a fim de se tornar

competitiva, o valor a ser executado não é suficiente para reparar o dano social.

Portanto, quando se fala em dumping social se refere ao prejuízo aos Direitos Sociais.

O fato concreto é que as agressões deliberadas aos Direitos Sociais, muitas vezes com avaliação de vantagem pelo próprio trabalhador, que aceita trabalhar sem registro, mediante forjada formalização de uma pessoa jurídica fantasma, para não recolher contribuição previdenciária e pagar menos imposto, ocorrem de forma cada vez mais crescente, gerando a lógica destrutiva de uma espécie de “pacto antissocial”. Está claro, então, que as práticas reiteradas de agressões deliberadas e inescusáveis (ou seja, sem o possível perdão de uma carência

37 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 59.

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econômica) aos direitos trabalhistas constituem grave dano de natureza social, uma ilegalidade que precisa de correção específica, que, claro, se deve fazer da forma mais eficaz possível, qual seja, por intermédio do reconhecimento da extensão dos poderes do juiz no que se refere ao provimento jurisdicional nas lides individuais em que se reconhece a ocorrência do dano em questão.38

Assim, quando o Juiz percebe condutas socialmente reprováveis, deve fixar

a verba compensatória e aquela de caráter punitivo a título de dano social. Essa

indenização derivada do dano social não é para a vítima, sendo destinada a um fundo de

proteção consumeirista (art. 100 do Código de Defesa do Consumidor), ambiental ou

trabalhista, por exemplo, ou até mesmo a uma instituição de caridade, a critério do juiz

(art. 883, parágrafo único do Código Civil).39 A fixação da indenização é feita ex officio

pelo juiz da causa sob o fundamento de que não se trata da mera proteção de patrimônio

individual, mas sim da proteção contra danos à sociedade, aos direitos sociais da

coletividade.40

Para se ter uma ideia da proporção desta indenização, em agosto de 2012, na

cidade de Franca, interior de São Paulo, o grupo varejista Magazine Luíza foi

condenado, pela Justiça do Trabalho daquela Comarca, ao pagamento de indenização no

montante de R$ 1,5 milhão pela prática de dumping social em razão de ter sido autuado

pelo Ministério Público do Trabalho por 87 vezes (conduta reiterada) por submeter seus

empregados a jornadas de trabalho excessivas e desrespeitar intervalos legalmente

previstos (descumprimento do Direito do Trabalho). 41

Em que pese à necessidade de proteção dos trabalhadores contra as práticas

injustas de seus empregadores, muitas críticas surgem a respeito da legitimidade do Juiz

em arbitrar o pagamento da indenização sob o argumento de que não há legislação

regulamentando tal problemática.

É por isso que a atuação social da Justiça do Trabalho, nesse sentido, ainda

se apresenta bastante tímida e muito pouco é encontrado na doutrina quando se trata do

dumping social interno. Por outro lado, é interessante notar que existe uma minoria

extremamente forte que vem se destacando no Judiciário e demonstrando a vontade e a

38 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 60. 39 PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos. Danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, nº. 2.713, 5 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17960>. Acesso em: 22 jan. 2013. 40 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 60. 41 JUSTUS, Paulo. Magazine Luiza deve pagar indenização por dumping social. O Globo. Rio de Janeiro. 2. ago. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/magazine-luiza-deve-pagar-indenizacao-por-dumping-social-5669256#ixzz2FdD1P55m>. Acesso em: 24 dez.2012.

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necessidade de maior atuação social dos juristas trabalhistas, como será verificado a

seguir.

4 CASOS PRÁTICOS: ALGUNS ACÓRDÃOS QUE DEBATEM O DUMPING

SOCIAL

Em agosto de 2012, a 1ª. Turma do TST, através do Ministro Relator

Walmir Oliveira da Costa, julgou Recurso de Revista interposto pela J. M.

Empreendimentos e a Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV que, em

conjunto, alegavam julgamento “extra petita” em virtude da condenação solidária ao

pagamento do montante de R$ 100 mil a título de indenização por dumping social em

Reclamatória proposta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região.

Como não houve pedido de indenização por dano social, as Reclamadas

recorreram da decisão alegando que houve extrapolação dos limites objetivos da

demanda, violando, portanto, os artigos 128 e 460 do CPC, 5º., LIV e LV, da

Constituição de 1988.

INDENIZAÇÃO POR DUMPING SOCIAL. CONDENAÇÃO DE OFÍCIO. JULGAMENTO "EXTRA PETITA" No julgamento do recurso ordinário interposto pelas reclamadas, o Tribunal Regional negou-lhes provimento, mantendo a sentença que as condenou, de ofício, ao pagamento de indenização pela prática de dumping social, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). O Tribunal de origem adotou, em síntese, a seguinte fundamentação, verbis: [...] A sentença (fls. 176/184) condenou as reclamadas nos seguintes termos: "Condeno, assim, as reclamadas, solidariamente, ao pagamento de indenização em valor fixo em R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser corrigido na proporção dos créditos trabalhistas, a partir da data de publicação da presente decisão. O valor deverá ser depositado em conta à disposição do Juízo e será utilizado para

pagamento dos processos arquivados com dívida nesta Unidade

Judiciária, com prioridade aqueles que envolvam condenação de cooperativas de trabalhadores que prestaram serviços em condições similares e causaram lesões de igual porte, a iniciar pelo mais antigo, observada a ordem cronológica, na proporção de no máximo R$ 5.000,00 para cada exequente." (destaques atuais).42

Observa-se que o TRT da 4ª. Região arbitrou, ex officio, a indenização por

dano social determinando que o valor ficasse à disposição do Juízo, ou seja, que fosse

42 BRASIL d. Processo nº TST-RR-11900-32.2009.5.04.0291. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: < http://www.tst.gov.br >. Acesso em: 04 jan. 2013.

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destinado a um Fundo trabalhista, a fim de quitar as dívidas de processos arquivados.

Conforme ficou demonstrado, a indenização por dumping social não visa a reparar

danos patrimoniais e pessoais do empregado e, sim, visa a reparar danos à sociedade.

Quanto à condenação pelo dano social ser extra petita,

Primeiramente, cabe referir que no processo trabalhista, tendo em vista os princípios da celeridade e do aproveitamento dos atos processuais, o julgamento extra petita não acarreta a nulidade da Sentença. Apenas se exclui parte excedente ao postulado, quando se verifica sua ocorrência.

Tendo por base as considerações iniciais expostas na Sentença e reproduzidas no item 1 e o conteúdo constante dos presentes autos, coaduna-se com o entendimento do juízo de origem acerca da conduta das reclamadas no que se refere ao agir de forma reiterada e sistemática na precarização e violação de direitos, principalmente os trabalhistas.

Destaca-se, em relação a essa questão, o enunciado aprovado na 1ª. Jornada de Direito Material e Processual, em 2007, realizada no Tribunal Superior do Trabalho:

[...] Como bem exposto pelo juízo a quo, o entendimento

inovador acima mencionado é plenamente aplicável e socialmente justificável para a situação que estabeleceu na presente demanda. Como já referido na sentença, "a atividade jurisdicional não pode ser conivente com tamanho abuso praticado por aqueles que exploram atividades econômicas que visam essencialmente ao lucro em detrimento de relações sociais (...)".

Lembra-se, para tanto, os fundamentos constantes do processo nº. 0058800-58.2009.5.04.0005, da lavra da Juíza Valdete Souto Severo, nos seguintes termos: "(...) considerando o número expressivo de processos relatando realidade de contumaz e reiterada inobservância dos mais elementares direitos humanos (nem sequer refiro os trabalhistas, mas apenas aqueles decorrentes do necessário respeito à integridade moral dos trabalhadores), entendo esteja a reclamada a praticar o que a jurisprudência trabalhista vem denominando dumping social (...) Ao desrespeitar o mínimo de direitos trabalhistas que a Constituição Federal garante ao trabalhador brasileiro, a empresa não apenas atinge a esfera patrimonial e pessoal desse ser humano, mas também compromete a própria ordem social. Atua em condições de desigualdade com as demais empresas do mesmo ramo, já que explora mão de obra sem arcar com o ônus daí decorrente, praticando concorrência desleal. Em um país fundado sob a lógica capitalista, em que as pessoas sobrevivem daquilo que recebem pelo seu trabalho, atitudes como aquela adotada pela reclamada se afiguram ofensivas à ordem axiológica estabelecida. Isso porque retiram do trabalhador, cuja mão de obra reverte em proveito do empreendimento, a segurança capaz de lhe permitir uma interação social minimamente programada. (...) Ou seja, ao colocar o lucro do empreendimento acima da condição humana daqueles cuja força de trabalho justifica e permite seu desenvolvimento como empresa. Na 1ª Jornada de Direito

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Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada pelo TST, em 23/11/2007, da qual participaram operadores de todas as áreas do direito do trabalho, foi aprovado Enunciado dispondo: “DUMPING SOCIAL." DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. (...) [...] Portanto, entende-se que, no caso, as reclamadas cometeram o denominado dumping social. Dessa forma, afigura-se razoável, diante da situação posta no processo, manter a Sentença que condenou as reclamadas, solidariamente, ao pagamento de indenização a título de dumping social. Entende-se razoável, também, diante das circunstâncias, manter o valor da condenação que foi arbitrado em R$ 100.000,00. Registre que a condenação solidária das reclamadas se justifica como forma de se coibir a conduta reiterada e sistemática de contratação de mão - de - obra irregular e precária, bem como para se coibir o agir do qual resulte em outras violações como as constatadas nos presentes autos e já referidas. Salienta-se, ainda, e de conformidade com o já exposto pelo juízo de primeiro grau, que não há falar em julgamento extra petita, diante dos fundamentos retro expendidos. Não há falar, também, em violação de dispositivos legais e constitucionais, principalmente os referidos nos recursos. 43

Conforme se deduz do acórdão apresentado, embora não tenha sido

requerida pela parte Autora a condenação pelo dumping social, coube ao Juiz, ex officio,

apoiado pelo Enunciado da ANAMATRA, atuar como um agente social a fim de

promover a justiça e a proteção aos direitos sociais do trabalhador. Verifica-se, assim,

como a postura profissional dos Magistrados brasileiros repercute positiva ou

negativamente junto à sociedade.

Há a necessidade de que a atuação efetiva dentro do Judiciário esteja

atrelada a valores como a ética, a solidariedade e a razoabilidade, a fim de se verificar a

reiteração das condutas que fazem do Magistrado uma das peças fundamentais na

proteção do verdadeiro interesse social.

O acórdão abaixo, por sua vez, demonstra a divergência jurisprudencial

presente no nosso ordenamento jurídico ao negar a possibilidade de condenação à

prática de dumping social.

Trata-se de Reclamatória Trabalhista ajuizada pelo SINDICATO DOS

TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE

MATERIAL ELÉTRICO DE ITAJUBÁ, PARAISÓPOLIS, BRAZÓPOLIS,

43 BRASIL a. Processo nº. TST-RR-11900-32.2009.5.04.0291. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: < http://www.tst.gov.br >. Acesso em: 04 jan. 2013.

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PIRANGUINHO, PIRANGUÇU, MARIA DA FÉ, DELFIM MOREIRA E

WENCESLAU BRAZ com o fim de denunciar dumping social praticado pelas

reclamadas - LL RECURSOS HUMANOS LTDA. e MICROBOARD INDÚSTRIA E

COMÉRCIO DE PRODUTOS ELETRÔNICOS LTDA. - pretendendo a indenização no

importe de R$ 5.000,00 para cada empregado. O Tribunal de origem manteve a sentença

de primeiro grau, que não reconheceu o direito à indenização por dano social que havia

sido postulada. Inconformado, o Sindicato recorreu e teve negado o prosseguimento de

seu recurso de revista. Assim, interpôs agravo de instrumento. O sindicato autor pretende seja a recorrida condenada no

pagamento de indenização por dumping social, porque teria havido violação da lei trabalhista e adoção de condições de trabalho desumano. Uma fatia da doutrina trabalhista contemporânea tem adaptado o conceito de dumping social para o universo do direito laboral, fundando-se na premissa de que as agressões reiteradas ao ordenamento jurídico trabalhista ocasionam um prejuízo para a sociedade como um todo, e ao próprio modelo capitalista, com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. De maneira que o lucro obtido pelas empresas que adotam tais práticas configura prejuízo social, que deve ser reparado por meio de indenização cabível.

Ora, se a sociedade seria prejudicada, então caberia definir, no seio da sociedade, quais seriam os interesses jurídicos supostamente lesados, pois a sociedade é composta de múltiplos interesses que são harmonizados pela Constituição Federal, mais especificamente pelo artigo 7º., em se tratando do relacionamento entre o Capital e o Trabalho. Não consta no artigo 7º. da Constituição Federal de 1988 qual-quer tutela difusa ou coletiva da sociedade. Mesmo que se considere verídica a prática do tal dumping social, se a prejudicada é a sociedade, não há que se falar em pagamento de indenização em benefício de um reclamante específico, pois, nos termos do art. 927 do CC, o beneficiário da reparação é quem é atingido pelo dano. Ou seja, se quem sofre o dano é a sociedade, a indenização deve ter como destinatária a própria sociedade, por meio, por exemplo, de pagamento de quantia a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Carece de caracterização jurídica dumping social, que se esguei-ra entre conceitos econômicos e sociológicos meramente. Se nem mesmo entre sociólogos e economistas há consenso sobre a definição de dumping social, também não há na seara da doutrina jurídica.

E se não é possível definir juridicamente uma causa lesiva de direito alheio, também não é possível determinar a sua reparação. Num simples relance no artigo 404 do Código Civil verifica-se que está ele inserido no Capítulo III ("Das Perdas e Danos") do Título IV ("Do Inadimplemento das Obrigações") do Livro I ("Do Direito das Obrigações") da Parte Especial do Código Civil de 2002.

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Trata-se, portanto, no artigo 404 do Código Civil de 2002 de tutela compensatória do capital, que não se coaduna com uma suposta tutela compensatória do trabalho.

As obrigações civilistas têm natureza jurídica quirografária, ao passo que o Direito do Trabalho tem obrigações de natureza alimentar.

O artigo 404 do Código Civil de 2002 também contém um pressuposto incompatível com o Direito do Trabalho, que é a igualdade contratual dos contratantes para estipulação de pena convencional. E, para que seja devida a indenização suplementar prevista no parágrafo único do artigo 404 do Código Civil, é imperativo que haja condenação do devedor ao pagamento das perdas e danos dispostas no caput do mesmo artigo 404 do Código Civil. Por fim, complementação de perdas e danos só pode ter natureza jurídica de perdas e danos, implicando, em ambos os casos, que "serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos", como determina o caput do artigo 404 do Código Civil de 2002.

Assim, não há fundamento jurídico para a indenização por dum-ping social pretendido. Nego provimento. (Destaque nosso)44

O acórdão acima evidencia um posicionamento diferenciado do que foi

demonstrado ao longo deste trabalho. Há uma maior descrença sobre a configuração do

dumping social na argumentação apresentada pelo Magistrado.

Verifica-se, no veto apresentado, que, se no âmbito da economia e da

sociologia ainda muito se discute sobre a conceituação do dumping, no que diz respeito

à esfera jurídica, a situação não é diferente. Portanto, seria incabível, conforme foi

argumentado acima, a condenação ao pagamento de indenização por dano social.

Outro ponto interessante diz respeito à lesão à sociedade. Quais seriam os

danos advindos para a sociedade por meio da prática de dumping social? Qual seria a

melhor punição? A indenização seria paga à sociedade ou a um indivíduo específico?

No caso em análise, verifica-se que o Sindicato requereu o pagamento de

indenização por dumping social no importe de R$ 5 mil para cada empregado. Nesse

sentido, muito bem aduziu o Magistrado ao afirmar que a existência de um dano social

pressupõe um dano ou prejuízo à sociedade, portanto, não haveria que se falar em

indenização paga a cada um dos empregados.

O erro talvez esteja no pedido do Sindicato que, ao invés de pleitear a

indenização por dumping social para cada um dos empregados, deveria requerer o

pagamento de dano social à sociedade, revertendo a indenização ao Fundo de Amparo

44 BRASIL b. Processo nº. TST-AIRR-717-68.2010.5.03.0061 Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: < http://www.tst.gov.br >. Acesso em: 04 jan. 2013.

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ao Trabalhador, tal como sugeriu o Magistrado no Acórdão ou, ainda, como ficou

demonstrado no primeiro Acórdão citado, o Sindicato deveria ter sugerido que o

importe fosse direcionado para alguma finalidade que contribuísse para uma benfeitoria

coletiva, por exemplo, a quitação das dívidas de processos arquivados.

Mais uma vez observa-se a fundamental importância do papel do

Magistrado na elucidação do caso concreto, a fim de estabelecer a verdadeira Justiça

Social.

Muito embora parte dos argumentos apresentados neste último voto tenha

sua coerência e profundidade, não se pode abster de verificar o avanço que a instituição

do dumping social interno vem alcançando nos últimos anos. Tal fato permite concluir

que o Judiciário Trabalhista precisa, urgentemente, atuar como um agente social a fim

de promover a justiça, a paz, a solidariedade e o respeito aos direitos de todos os

cidadãos, sejam trabalhadores ou empregadores.

Precisamos, com urgência angustiante, recuperar nossa capacidade de indignação. Transformá-la na força necessária à concretização de direitos fundamentais trabalhistas que há mais de vinte e três anos estão esquecidos no texto constitucional. Precisamos transformá-la na força indispensável à recuperação da ética nas relações de trabalho e, especialmente, da ética na atuação processual. Uma ética pautada pela confiança, pelo compromisso com a verdade, pela busca dos objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que busque a promoção do bem de todos, como afirma nosso projeto constitucional.45

Um dos problemas maiores é punir o dumping social sem prejudicar cada

vez mais as minorias que são utilizadas. Com efeito, que modelo de anti-dumping é esse que estabelece punições monetárias a outro país, muitas vezes de forma arbitrária, tendo por consequência o enfraquecimento das exportações do país subdesenvolvido e gerando, com isso, maior desemprego?

(...)

Qual seria a forma de repasse de tais valores? Caso o Estado tivesse Governos fracos e corruptos ou fosse embasado em Ditadura, o repasse poderia ser realizado através de Organismos Não Governamentais (ONGs). Caso o Estado prejudicado fosse confiável, tais valores poderiam ser repassados a programas de auxílio, como é o caso de nosso Programa de Auxílio ao Trabalhador (PAT), mas desde que fossem direcionados aos trabalhadores que sofreram as violações

45 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op. cit., p. 104.

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ou perderam o emprego com o fechamento da empresa que estava praticando o dumping social.46

A capacidade de indignação é, portanto, o primeiro passo para as mudanças

na sociedade brasileira porque um dos grandes problemas apresentados na atualidade é

justamente o conformismo. Enquanto os brasileiros forem conformados com sua

realidade tal como está posta, não haverá o que fazer.

É nesse sentido que compete aos Juristas – Advogados, Professores,

Doutrinadores, Magistrados, Promotores – que possuem o privilégio da formação

jurídica, se tornarem indignados. Indignados e revoltados com as arbitrariedades

apresentadas em cada uma das ações trabalhistas que movimentam e abarrotam a Justiça

do Trabalho. Somente a partir da capacidade de indignação será possível encontrar a

força motriz necessária para que se estabeleçam efetivamente todos os fundamentos e

objetivos da República Federativa do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática proposta se justifica pela atualidade e pela repercussão tanto

positiva quanto negativa que o comércio promove sobre as atividades econômicas do

país e das suas relações de trabalho. Assim, é de extrema importância o estudo das

medidas cabíveis para a proteção não apenas do mercado, mas também da dignidade da

pessoa humana dos trabalhadores. É nesse ponto que se coloca “em xeque” a relação

capital x trabalho.

A competitividade empresarial vem aumentando cada vez mais e a forma de

se manter nessa competição desenfreada para sobrevivência tem sido reduzir os custos.

Para tanto, a forma mais fácil e rápida de aumentar o lucro é por meio do prejuízo ao

vulnerável – o empregado.

As empresas nacionais com dificuldades agravadas pelo comércio exterior

precisam se garantir ao menos no seu mercado de origem e, para tanto, descumprem a

legislação trabalhista: não assinam a CTPS, não pagam horas extras, gratificação

46 VILLATORE, Marco A.; FRAHM, Carina. “O Dumping Social e o Direito do Trabalho”. In: VIDOTTI, T. GIORDANI, F. (Org.) Direito Coletivo do trabalho em uma sociedade Pós-Moderna. São Paulo, LTr: 2003. p. 179.

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natalina, fraudam a Previdência Social e não depositam o FGTS. Surge desta forma o

dumping social interno.

Conforme foi demonstrado, o Brasil defende fortemente o combate ao

dumping social por consistir numa prática que traz danos a toda a sociedade e não

apenas ao indivíduo – o trabalhador. O dumping interno é um verdadeiro desrespeito

aos direitos sociais tão dificilmente conquistados e que, portanto, devem ser

preservados.

Entretanto, o país ainda está muito longe de ser um modelo perfeito de

promotor dos direitos humanos e de uma sociedade livre, justa e solidária, tal como

preconiza a Constituição de 1988.

As políticas internas devem ser modificadas com urgência e, para tanto, é

necessário despertar na sociedade a capacidade de indignação. Infelizmente, ainda

somos um povo que sofre com a ausência de educação adequada para todos e, portanto,

plantar a semente da indignação na população como um todo é uma tarefa muito árdua

e, às vezes, até utópica.

Por isso, nesse momento, o papel do jurista torna-se fundamental para a

mudança efetiva da sociedade brasileira. O jurista tem o conhecimento e a educação

necessária para efetivar seu discernimento sobre o certo e o errado e para recuperar a

sua capacidade de se indignar.

Ao se indignar, os seus valores sobre ética e solidariedade afloram com mais

força e a sua atuação social ganha maior efetividade. A atuação do jurista é, dessa

forma, semelhante à de um agente social. Mas sua importância é também fundamental

como um agente processual. A ética deve estar presente nas relações de trabalho e,

sobretudo, nas relações processuais.

É chegado o tempo de mudanças: da troca de paradigmas. Os valores devem

ser recuperados e colocados acima do viés econômico e da lucratividade. Somente

assim será possível conquistar a verdadeira justiça social e viver em harmonia.

REFERÊNCIAS

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O TRABALHO DOS DISCRIMINADOS E DAS MINORIAS ESTIMULADO

PELAS LICITAÇÕES E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – AÇÕES

AFIRMATIVAS E A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

WORK OF DISCRIMINATED AND MINORITIES STIMULATED BY BIDDING

PROCESSES AND ADMINISTRATIVE CONTRACTS - AFFIRMATIVE ACTION

AND CORPORATE SOCIAL RESPONSABILITY

Fernando Paulo da Silva Maciel Filho1

RESUMO O direito fundamental à igualdade substancial e ao desenvolvimento vinculam o Estado Brasileiro e toda sociedade civil à sua promoção, nas suas várias dimensões. É preciso rever o papel dos atores sociais, especialmente da Administração Pública e das empresas no que se refere à condução do Brasil à ecossocioeconomia, que reclama, no mínimo, crescimento econômico socialmente justo e benigno do ponto de vista ambiental. A concretização do desenvolvimento nacional sustentável reclama estímulos do Poder Público, em especial para obtenção da voluntária maximização da responsabilidade socioambiental das empresas. As licitações e os contratos administrativos podem e devem se prestar a tal fim. Assim, o objeto central da presente abordagem está na apresentação de argumentos que estão a impor uma (re)valoração do conteúdo do princípio da igualdade, a fim de que seja legitimado ao Estado assumir uma postura ativa na busca de concretização do desenvolvimento nacional planejado, integrado e sustentável, através da promoção de ações afirmativas no acesso ao trabalho pelos discriminados e pelas minorias, mais especificamente daqueles gerados a partir das licitações e contratações públicas. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho. Globalização. Igualdade. Ações afirmativas. Desenvolvimento. Licitações e Contratos administrativos. Sustentabilidade. Responsabilidade social empresarial. ABSTRACT The fundamental right to substantive equality and development linking the Brazilian State’s and civil society throughout its promotion, in its several dimensions. It is necessary to review the role of the social actors, especially Public Administration and the companies related to guiding Brazil towards the eco-socio-economy, which calls for, at least, economic growth that is socially fair and benign on an environmental perspective. The achievement of the sustainable national development calls for stimulus provided by Public Agencies, especially in order to obtain the voluntary maximization 1 Fernando Paulo da Silva Maciel Filho. Especialista em Direito Administrativo pelo Centro Universitário UNICURITIBA. Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário UNICURITIBA. Advogado. Membro do Grupo de Pesquisa “Atividade Empresaria e Administração Pública” (UNICURITIBA). Bolsita FUNADESP (Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular).

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of the socio and environmental responsibility of companies. Bids and administrative contracts may and must be useful for this desideratum. Thus, the central object of this approach is in presenting arguments that are imposing a (re)valuation of the content of the principle of equality, so that the State is legitimized take an active stance in seeking implementation of the national development plan, integrated and sustainable by promoting affirmative action in access to work by the discriminated and the minorities, specifically those generated from public bidding processes and administrative contracts. KEYWORDS: Work. Globalization. Equality. Affirmative action. Development. Bidding Processes and Administrative Contracts. Sustainability. Corporate social responsibility. INTRODUÇÃO

Ao contrário do que se propunha de forma veemente no discurso (neo)liberal, a

tese do Estado Mínimo não vingou, sobretudo pela necessidade de exercício do poder

de forma transparente e controlado diante da complexidade da atual sociedade global

contemporânea e da necessidade de diminuição das desigualdades e exclusões sociais

jamais tão evidentes, o que, em tese, competiria ao Estado e aos Poderes Constituídos

solucionar.

Com efeito, em que pese o notável desenvolvimento tecnológico e

organizacional verificado no setor privado, em grande parte decorrente do predomínio

do modelo econômico capitalista, a cada dia se torna mais nítida e indispensável a

intensificação da influência da vontade estatal legítima na vida e na organização de toda

sociedade, precipuamente daqueles que de alguma forma se relacionam com a

Administração Pública e, por que não, daqueles que dão destinação aos recursos

oriundos dos cofres públicos.

De fato, a notória incapacidade do mercado em solucionar as numerosas crises

geradas pelo modelo capitalista clássico (econômica, financeira, e, sobretudo, social)

são a prova manifesta de que o Estado é absolutamente fundamental para a manutenção

da ordem jurídica, social e econômica de determinada comunidade, além de que

imperiosa a revisão dos papéis a serem desempenhados pelos diversos atores sociais em

prol da efetivação do bem comum. O que se dizer da necessidade de todos colaborarem

na efetivação dos direitos fundamentais (e sociais) previstos na Constituição Federal de

1988.

É de se notar, ainda, que tais vínculos se intensificam em tempos de crise

econômica e financeira mundial, haja vista os nefastos reflexos que invariavelmente

repercutem no campo social e ambiental.

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Diante de tais implicações, o presente artigo tem como finalidade identificar e

enaltecer o relevante papel das empresas e do Estado Brasileiro na Ordem Social e

Democrática vigente no Brasil desde 05 de outubro de 1988, com vistas a perquirir em

que medida a promoção (fomento) do acesso ao trabalho pelas minorias e os

discriminados através das licitações e contratações públicas fere, ou não, o princípio

constitucional da igualdade, levando-se em conta a sua acepção mais apurada

(substancial).

Em outras palavras, o ensaio busca a identificar em até que ponto é legítima a

previsão de “quotas de preferência” àqueles que de alguma forma podem ser

enquadrados em qualificações do tipo: “desiguais”, “excluídos”, “marginalizados”,

dentre outras, de forma a defender que o labor seja, de fato, um exímio fator de

(re)inclusão social, pacificação e de promoção de dignidade ao ser humano, ainda mais

agora, em que se anunciam para o Brasil uma série de grandes eventos internacionais

(Copa das Confederações, Copa do Mundo de 2012 e Olimpíadas de 2016) e de

descobertas otimistas (pré-sal).

Nessa toada, também serão investigados quais os possíveis benefícios

decorrentes da promoção de ações afirmativas pela Administração Pública no exercício

de sua condição de grande, senão a maior, consumidora de produtos e serviços na atual

sociedade global, tecnológica, desigual e de riscos (leia-se sociedade “pós moderna”,

“supermoderna”, “ultramoderna”), tanto no que se refere aos destinatários das referidas

ações quanto aos envolvidos no seu cumprimento.

De fato, o objeto da presente abordagem consiste na apresentação de

argumentos que impõe uma atuação ativa da Administração Pública na busca de

concretização do desenvolvimento nacional integrado e sustentável (interesse público),

não se atendo ao papel de controle e fiscalização como até então se privilegiava. Com

efeito, o que se pretende demonstrar é que a ordem jurídica vigente no Brasil, assim

como a própria sociedade brasileira, demandam uma atuação (leia-se intervenção) do

Estado na promoção de medidas concretas, afirmativas e efetivas no sentido de

fomentar a (re)inclusão social das minorias, dos desfavorecidos, dos excluídos, sob pena

da própria sociedade se ver na situação de refém dos problemas que já estão a emergir

dessa lamentável situação de desequilíbrio social (favelas, concentração urbana,

insegurança, epidemias, escassez de produtos, desemprego em massa, etc.).

Soma-se a isso o imperativo constitucional de preservação do meio

socioambiental para as presentes e as futuras gerações, o que já está a repercutir no

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âmbito de atuação privada (responsabilidade socioambiental e função socioambiental),

mas deve, sobretudo, encontrar franca adesão nos atos e nas decisões dos agentes

administrativos em matéria de licitações e contratações administrativas, conforme se

verá adiante.

E mais, busca a investigar se esse tipo de responsabilização dos particulares

pode se revelar como um instrumento de incentivo à voluntariedade no meio empresaria

- “consciência empresarial” -, e que se revela indispensável para a verificação da função

socioambiental empresarial.

Assim, buscar-se-á a investigar em que proporção o Estado, assim como todos

os demais atores sociais (individuais e coletivos), já estão vinculados a promoverem,

conjunta e isoladamente, ações afirmativas de inclusão das minorias quando da

promoção de licitações e contratações administrativas, o que se intensificou com as

recentes legislações que visam a resguardar a observância do desenvolvimento nacional

integrado e sustentável - Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto da Microempresa;

Lei nº 8.666/93, com a redação da Lei nº 12.349/2011 (LGL); Lei nº 12.462/2011

(institui o RDC – de 08 de agosto de 2011); Lei nº 12.187/2009 (institui a Política

Nacional sobre Mudança Climática - PNMC) -.

Diante disso, o presente artigo também enfocará a função socioambiental das

licitações, levando-se em conta as implicações decorrentes da nova redação do art. 3º da

Lei 8.666/932 (Medida Provisória n.º 495/2010; Lei Federal n.º 12.349/2010) e a

consequente mudança do conceito de licitação, que passa a ser adaptado às exigências

de sustentabilidade socioambiental, ou seja, verdadeiro instrumento de promoção do

desenvolvimento (nacional sustentável).

I. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS IMPLICAÇÕES DELE

DECORRENTES

O princípio constitucional da igualdade, pela simples condição de princípio e

direito fundamental, demanda uma análise sistemática e integrada com todos os demais

princípios que regem o ordenamento jurídico, sendo que a inconstância da realidade

social faz com que a leitura e interpretação dos princípios constitucionais deva ser

2 “Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional

sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”

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adequada à determinada realidade social.

Nas exatas palavras de Antonio Enrique Pérez Luño,

la noción de la igualdad, como casi todos lós grandes valores fundamentales, presente estrechas, concomitancias com otros princípios ideales (libertad, justicia, bien comum...) dirigidos al desarollo ético-social de la comunidad humana. Esta condición, junto con la diversidad de planos y etapas históricas em los que ha venido utilizada há sido motivo de su diversidad significativa3.

Uma vez superada a visão formal de que todos seriam iguais perante a lei, cabe

agora levantar os dados e indicadores históricos que atestam a notória situação de

discriminação e exclusão social na sociedade brasileira como um todo, filtrando-as nas

devidas realidades regionais, a fim de que o valor igualdade possa ser implementado e

perseguido nas relações públicas e privadas.

Mas tal possibilidade deve ser conformada com as demais garantias e direitos

existentes em nosso ordenamento.

Foi o que levou Celso Antonio Bandeira de Mello a elaborar uma obra clássica

com vistas a responder o seguinte problema:

O que permite radicalizar alguns sob a rubrica de iguais e outros sob a rubrica de desiguais: Em suma: qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?4.

Ademais, é fato que toda espécie de discriminação (gênero, raça, cor, opção

sexual, religião etc.), ainda mais na seara do trabalho, implica numa situação de

dominação (física e moral), pois somente se discrimina aquele que, em uma escala

econômica ou social, encontra-se entre os desfavorecidos, vulneráveis, hipossuficientes.

Ao mundo antigo remonta a ideia essencial à existência humana de que os

seres humanos são iguais. A igualdade, a exemplo do princípio da liberdade, constitui

um dos pilares da democracia moderna e componente essencial da noção da justiça.

Nas origens do constitucionalismo emergiu o Estado Moderno desencadeado

3 LUNO, Antonio Enrique P. Dimensiones de la Igualdad. 2ª ed. Madrid: DIKINSON, 2007, p. 16.

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª. ed. 19ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 11.

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pelas revoluções francesa e americana, presenciando a emergência da ideia de igualdade

como princípio incontornável dos documentos constitucionais que começaram a

emergir.

A partir disso, passou-se a construir o conceito de igualdade perante a lei

(“igualdade formal”), genérica e a abstrata, devendo ser igual para todos, sem qualquer

distinção ou privilégio, o que impunha ao aplicador fazê-la incidir de forma neutra sobre

as situações jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais.

No entanto, com o decorrer do tempo, a ideia de uma igualdade meramente

formal começou a ser contestada, na medida em que era inapta para tornar acessíveis a

quem era socialmente desfavorecidos as oportunidades de que gozavam os indivíduos

socialmente privilegiados, tal qual ainda se constata na comunidade global.

Assim, seria necessário colocá-los no mesmo nível, sendo necessário falar em

igualdade de condições, estabelecendo-se uma concepção substancial de igualdade que

leve em sua operacionalização não apenas certas condições fáticas e econômicas, mas

também certos comportamentos particulares obrigatórios pelos quais se superassem

todas as formas de desigualdade injusta.

Valendo-se da lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, extraída da clássica

obra denominada “o conteúdo jurídico do princípio da igualdade”, “não existe uma

real igualdade jurídica quando há uma desigualdade de fato, sendo certo que a ação

afirmativa visa a corrigir esta distorção”5.

Assim, constata-se que proibir a discriminação não foi e ainda não é suficiente

para se conferir efetividade ao princípio da igualdade jurídica. Deve-se levar em conta

as desigualdades concretas existentes na sociedade, devendo as situações desiguais ser

tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a

perpetuação de desigualdades promovidas pela e na própria sociedade.

A partir da apurada pesquisa feita por Joaquim B. Barbosa Gomes, na obra

denominada “ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade”, pode-se

afirmar que a concepção da igualdade substancial ou material é produto do Estado

Social de Direito, a partir de quando se passou a cobrar a observância por parte dos

legisladores e dos aplicadores das normas jurídicas à variedade das situações individuais

encontradas na realidade social, de modo a impedir que o dogma liberal de igualdade

formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa dos interesses das pessoas socialmente

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. 2010. p. 11.

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fragilizadas e desfavorecidas.

Segundo Joaquim Barbosa

o direito passou, paulatinamente, a conferir “droit de cité” à idéia de igualdade de oportunidades, noção justificadora de diversos experimentos constitucionais pautados na necessidade de extinguir ou de pelo menos mitigar o peso das desigualdades econômicas e sociais e, consequentemente, de promover a justiça social6.

Na esteira deste fenômeno, resultou a promoção de políticas públicas sociais de

apoio e de promoção de determinados grupos socialmente fragilizados, o que fez com

que o ser humano passasse a ser tratado como ser dotado de características

singularizantes, na perspectiva de sujeito de direitos concretos.

Nesta esteira, Flávia Piovesan consigna que “do ente abstrato, genérico,

destituído de cor, sexo, idade, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de

direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades”7.

A essas políticas sociais dá-se o nome de ação afirmativa ou discriminação

positiva (denominação extraída do direito europeu). E mais, a consagração normativa

dessas políticas sociais representa um momento de ruptura na evolução do Estado

Moderno, “assim, nessa nova postura o Estado abandona a sua tradicional posição de

neutralidade e de mero espectador dos embates que se travam no campo da convivência

entre os homens e passa a atuar ativamente na busca de concretização da igualdade

positivada nos textos constitucionais"8.

Pode-se dizer que tal quebra de paradigmas revela-se imprescindível, na

medida em que os negros, os pobres, as mulheres, os presos e egressos do sistema

penitenciário, ou seja, todos aqueles marginalizados pela raça, pelo sexo, pela opção

religiosa etc, sempre estiveram em estado de insegurança e desalento jurídico, o que não

se pode admitir num Estado que se diz democrático.

As ações afirmativas foram inicialmente concebidas nos EUA e consistiram em

políticas públicas e privadas voltadas à concretização do princípio constitucional da

igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de

6 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade (o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 4. 7 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. Ed. Max Limonad, São Paulo, 1998, p.130. 8 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade (o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 6.

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idade, de origem nacional ou de aptidões físicas.

De acordo com Carmen Lúcia Antunes Rocha tais categorias de indivíduos

devem ser os destinatários das ações afirmativas, inclusive na seara laboral, eis que

inobstante a garantia constitucional da dignidade humana igual para todos, da liberdade igual para todos, não são poucos os homens e mulheres sem ter acesso às iguais oportunidade mínimas de trabalho, de participação política, de cidadania criativa e comprometida, deixados que são à margem da convivência social, da experiência democrática na sociedade política9.

Além disso, as ações afirmativas visam à transformação social e cultural ante o

respeito dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas de

convívio humano.

A participação ativa deve envolver todos os entes, primordialmente os órgãos

estatais essenciais, incluindo-se o Poder Judiciário, nas duas esferas: como instituição

formuladora de políticas tendentes as distorções provocadas pela discriminação, bem

como no papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo.

Inegável afirmar que a discriminação reveste-se de uma roupagem competitiva,

ou seja, discriminar significa uma tentativa de diminuir as perspectivas de uns em

benefícios de outros. O Direito Constitucional dos EUA constitui-se na fonte mais

segura para estudo deste tema, ao passo que, nele se acolhem as mais bem elaboradas

indicações sobre o modo mais eficaz de se superar os obstáculos jurídicos à instituição

dos programas de preferência em favor das minorias, especialmente no que diz respeito

ao rompimento do paradigma que prega a não aceitação de classificações e distinções

fundadas em critérios como raça, cor e sexo.

Ao abordar a possível colisão das ações afirmativas com o princípio

constitucional da igualdade, Ronald Dworkin esclarece que

A cláusula não garante que todos os cidadãos terão benefícios iguais em todas as decisões políticas; ela lhes garante somente o tratamento igualitário – com igual consideração e respeito em deliberações e processos políticos que resultem em tais decisões”10.

Com razão, o autor afirma que a análise da justiça das ações afirmativas não

pode ser feita de maneira classificatória e taxativa, mas sim caso a caso, o que

9 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Ação afirmativa – o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica, in Revista Trimestral de Direito Público n.º 15/96. p. 86. 10 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 584.

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possibilitaria um maior acerto no julgamento dos programas a serem instituídos, sendo

que os seus promovedores estariam vinculados à apresentação dos fundamentos e das

metas a serem atingidas pelos referidos programas, em especial no caso de gestão de

verba pública.

Também é verdade que a cláusula de igual proteção oferece um juízo moral

forte para o julgamento das políticas de ação afirmativa, sendo que os Juízes deverão

buscar sempre esse critério de justiça para analisar os casos concretos.

Essa classificação é justa não para compensar a discriminação realizada no

passado, mas para garantir benefícios a toda a sociedade no futuro, “segundo as quais

essas classificações podem, em algumas circunstâncias, ser do interesse geral de toda

comunidade”11.

Sobre a questão das justificativas das classificações sensíveis à raça, Ronald

Dworkin assevera que as justificativas compensatórias presumem que a ação afirmativa é necessária, (...) para compensar as minorias pelos danos a sua raça ou classe no passado, e [eu] estava certo ao assinalar o erro de se supor que uma raça “deve” compensação a outra. Mas as universidades não aplicam os critérios de admissão sensíveis à raça para compensar indivíduos nem grupos: a ação afirmativa é um empreendimento voltado para o futuro, e não retroativo, e os alunos minoritários a quem ela beneficia não foram, obrigatoriamente, vítimas, individuais, de nenhuma injustiça no passado. As grandes universidades esperam educar mais negros e outros alunos minoritários, não para compensá-los por injustiças passadas, mas para proporcionar um futuro que seja melhor para todos, ajudando-os a acabar com a maldição que o passado deixou sobre todos nós12.

Assim, o autor conclui que programas de ação afirmativa no campo da

educação que tenham por objetivo essa promoção da igualdade no presente e para futuro

não podem ser considerados injustos e, muito menos, inconstitucionais, eis que a

aplicação de critério sensíveis à raça por universidades, faculdades e escolas

profissionalizantes não são feitos para atender alguma determinação do governo central,

mas sim de atender compromissos e objetivos fixados por cada uma dessas instituições.

Valendo-se da história da sociedade brasileira - de inequívoco traços de

exploração de minorias -, de sua atual situação de desigualdade e dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, é de se afirmar que os argumentos

apresentados tem totais condições de validar as ações afirmativas que visem a

(re)inserção social dos excluídos e dos marginalizados pelo acesso ao trabalho.

11 DWORKIN, Ronald. 2005. Op. Cit., p. 605. 12 Op. Cit., p. 605-606.

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Na questão do acesso ao trabalho, impera, além da discriminação, a

hierarquização, que faz com que as ocupações de prestígio, reservando-se aos negros, às

mulheres, aos mestiços e aos egressos do sistema prisional aquelas atividades

suscetíveis de realçar-lhes a condição de inferioridade e subordinação.

Constata-se que a discriminação constitui a valorização generalizada e

definitiva de diferenças reais ou imaginárias em benefício de quem a pratica, não raro

como meio de justificar um privilégio. Assim é que a eficácia das políticas públicas

antidiscriminatórias depende da exata definição de certos comportamentos violadores da

regra da igualdade.

De tal modo é assim que o Estado se vê obrigado a revisar a doutrina

(neo)liberal de não intervencionismo: com o fim de reverter um quadro social,

generalizando atitudes e tratando culturas inteiras como subordinadas, é preciso que o

Estado assuma uma posição ativa diante da realidade.

As ações afirmativas visam a regular certos aspectos da contratação no trabalho

e o acesso à educação, o que faz Joaquim Barbosa consignar que

ao invés de conceber políticas públicas de que todos seriam beneficiários independentemente da sua ração, cor ou sexo, o Estado passa a levar em conta esses fatores na implementação das suas decisões (...) para evitar que a discriminação, que inegavelmente tem um fundo histórico e cultural, (…) finde por perpetuar as iniquidades sociais13.

No ordenamento jurídico brasileiro já se encontram algumas leis

infraconstitucionais e atos administrativo ensejadores de ações afirmativas, merecendo

destaque: o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010)14 e o regulamento

13 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade (o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 57. 14“Art. 38. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público, observando-se: I - o instituído neste Estatuto; II - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965; III - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção no 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão; IV - os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional”. “Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas. § 1o A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra. § 2o As ações visando a promover a igualdade de oportunidades na esfera da administração pública far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a serem estabelecidas em legislação específica e em seus regulamentos.§ 3o O poder público estimulará, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado(...)”.

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(Decreto nº 4.228/2002) que o antecedeu tratando das ações afirmativas; (ii) a Lei nº

12.440/2011 (que criou a CNDT – Certidão Negativa de Débito Trabalhista e a fez um

novo requisito de habilitação)15 e sua norma regulamentadora; e o projeto COMEÇAR

DE NOVO, do Conselho Nacional de Justiça, que estimula a contratação de egressos e

de encarcerados pelos parceiros contratuais da Administração Pública

Como se vê, a especial condição do indivíduo, dentre outros critérios, passam a

ser “fator positivo” para o equilíbrio das contratações nas relações de trabalho e

emprego, em especial quando celebradas com a participação do Poder Público.

A doutrina mais atenta explica que a percepção da desigualdade dos desiguais

(e o correspondente tratamento) são formas para promover a igualdade dos que foram e

são marginalizados pelos preconceitos típicos da cultura dominante da sociedade.

Constata-se, assim que não basta proibir, eis que é preciso também promover

(fomentar), tornando rotineira a observância dos princípios da diversidade e do

pluralismo, de maneira que ocorra uma significativa mudança no comportamento social,

mudando assim seus costumes, sua moral e sua história e, por que não, o seu

ordenamento jurídico.

Isso porque o Estado e as empresas estão vinculados à promoção de medidas

concretas no sentido de contratar e promover membros de minorias no seio das

empresas, conferindo-lhes igualmente posições de mando e prestígio. Nessa esteira, o

próprio “poder de compra” da Administração Pública também deve servir de

instrumento para esse tipo de promoção (art. 3º da Lei Federal 8.666/93:

“desenvolvimento nacional sustentável”).

Logo, e em segundo lugar, a busca pela igualdade material de gêneros deve ser

reforçada, tanto mediante atos legislativos como administrativos, tal qual se revela o

caso das licitações e dos contratos administrativos.

Pelo exposto, constata-se uma grande necessidade de revisitar a função das

licitações públicas e dos contratos administrativos, devendo repassar de uma função

“Art. 42. O Poder Executivo federal poderá implementar critérios para provimento de cargos em comissão e funções de confiança destinados a ampliar a participação de negros, buscando reproduzir a estrutura da distribuição étnica nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos oficiais”. 15 “Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: (...) IV – regularidade fiscal e trabalhista; (...). Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em: (...) V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1o de maio de 1943”.

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puramente econômica para aglutinar-se com um uma função social (agora, como dever

legal) que deve se preocupar com a efetivação da responsabilidade socioambiental dos

envolvidos nos processos de compra pela Administração.

Neste ideário, visualiza-se que diversas legislações recentes enfatizam as

licitações sustentáveis sob o aspecto socioambiental, as quais são molas propulsoras

para o fortalecimento do Estado Brasileiro enquanto verdadeira Ordem Social e

Democrática de Direito, e que tem como objetivo fundamental a promoção do

desenvolvimento nacional, respeitando a sua forma pluridimensional.

O que se pretende evidenciar, portanto, é que além de configurar um direito -

fundamental e constitucionalmente assegurado -, o desenvolvimento e as suas

implicações (inclusão social, igualdade material etc.) vinculam os Poderes Públicos e

todos os demais componentes do meio social.

Assim, impõe-se uma imediata reestruturação da relação entre o Estado e a

atividade empresarial, retirando do Estado o seu tradicional papel de contenção e

fiscalização e alçando-o como fator determinante ao direcionamento de políticas

públicas de fomento, sustentabilidade e inclusão social, pois dessa forma não apenas se

estará realizando uma atividade precípua do Estado, mas – principalmente – exaltando-

se direitos fundamentais e interesses públicos dos destinatários do agir estatal.

Reconhecendo-se o desenvolvimento como um objetivo da República, um

direito fundamental e, mais recentemente, um dever legal expresso (Lei Federal n.º

8.666/93) resta absolutamente legitimado ao Estado regular a ordem econômica com

vistas a fomentar a sustentabilidade e a inclusão social por meio das suas licitações e

das contratações públicas.

Conclui-se, assim, que as licitações e os contratos administrativos podem e

devem se prestar a tanto, propiciando a incrementação da responsabilidade

socioambiental das empresas que já se mostram parceiras da Administração Pública ou

que assim almejam em breve tempo, o que certamente produzirá reflexos em todo o

meio social.

II. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA

A partir do que já foi dito, merece enfrentamento outro movimento que vem

sendo fundamental ao reconhecimento da responsabilidade socioambiental empresarial,

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que decorre do movimento de maximização da eficácia dos direitos fundamentais,

através do reconhecimento de sua aplicação horizontal.

Como não poderia deixar de ser, o debate sobre a eficácia horizontal dos

direitos fundamentais se deu, inicialmente, na Alemanha, imediatamente após a entrada

em vigor da Lei Fundamental de Bonn, sendo que o estudo passou a ser objeto de

enfrentamento na Áustria, França, Espanha, Portugal, Itália, Estados Unidos, Canadá,

Argentina e África do Sul16.

A pesquisa revelou que a aptidão solidária do direito brasileiro tem

fundamentado o acolhimento da tese de aplicação horizontal dos direitos fundamentais

no Brasil. O que é reforçado pela sua realidade social, econômica, política e ambiental,

que ainda clama pela efetivação dos objetivos e direitos fundamentais assegurados pela

Constituição Federal de 1988.

Afinal, como defende Daniel Sarmento, a extensão dos direitos fundamentais às relações privadas é indispensável no contexto de uma sociedade desigual, na qual a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa”17.

Na medida em que a aproximação do direito privado e do direito público não

pode ser confundida com a existência de um único regime jurídico comum às duas

referidas esferas, a doutrina vem criando teorias que estão a orientar a forma e a

intensidade de incidência dos direitos fundamentais no campo das relações privadas no

direito comparado e no Brasil.

São elas: (a) teorias negativas, que são as que rejeitam a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas – onde daremos destaque à discussão no cenário norte-americano; (b) teoria da eficácia indireta e mediata; (c) teoria da eficácia direta e imediata; e (d) teoria que reduz a discussão sobre a eficácia interprivada dos direitos fundamentais à doutrina dos deveres estatais de proteção daqueles direitos. (d) (sic) teorias alternativas e mistas, dentre as quais figuram aquelas que procuram fundamentar de modo distinto a incidência dos direitos fundamentais na esfera privada [...]”18.

Em que pese a constatação de que o atual modelo de sociedade - global,

tecnológica, desigual e de riscos – acentua as possibilidades de agressões aos direitos

fundamentais, o regime democrático não permite a simples transferência dos

16 In: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas, 2ª ed. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 17 SARMENTO, Daniel. 2008. p. 185. 18 Op. cit., p. 187.

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particulares para a situação de sujeito passivo em que sempre esteve o Estado (regime

jurídico administrativo).

Em outras palavras, não há como se acolher qualquer teoria que proponha uma

solução radical quanto à forma de aplicação dessa especial categoria de direitos, sob

pena de colisão com outros comandos fundamentais da ordem jurídica.

Pode-se afirmar, assim, que a aplicação dos direitos fundamentais nas relações

privadas deve ser feita de forma a respeitar as peculiaridades da situação de fato

enfocada, nos seus mais particulares aspectos.

É fundamental que aplicação dos direitos fundamentais no campo privado seja

feita de forma razoável e proporcional, através de uma apurada ponderação entre os

valores (princípios) incidentes sobre a questão a se resolver, não sendo diferente no caso

das empresas.

Assim, há que se considerar o relevante papel desempenhado pelos princípios

constitucionais, os quais devem servir como as balizas aos aplicadores do direito.

Trata-se, pois, de uma proposta de nítido sopesamento entre os variados

interesses e direitos incidentes sobre a relação que reclama pela aplicação de um, ou

vários, direito(s) fundamental(is).

Afinal, a prática e a complexidade das relações verificadas no momento atual

tem revelado que a aplicação dos direitos fundamentais pode, a depender da situação,

colidir com incidência de outro direito ou garantia de hierarquia constitucional e

fundamental (exemplo: livre iniciativa; liberdade; autonomia do indivíduo; segurança

jurídica etc.), o que justifica a necessidade de preservação (ou busca) do equilíbrio entre

as partes.

E pela nítida feição social da ordem democrática brasileira a aplicação dos

direitos fundamentais nas relações privadas deve ser feita de forma sopesada e levando-

se em conta as demais normas do sistema, com o fim de equilibrar a situação dos polos

opostos.

Os direitos fundamentais são parte integrante do denominado Estado

Constitucional de Direito devido a sua relação indissociável com o princípio da

dignidade da pessoa humana e com o princípio democrático.

Isso porque na medida em que se dá a expansão do catálogo dos direitos

fundamentais, impõe-se a reestruturação dos instrumentos e instituições já existentes

com vistas à sua efetivação, tal qual se tem verificado com o direito empresarial.

Nas palavras de Daniel Sarmento:

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pelo menos no ordenamento jurídico brasileiro, que tem em seu cimo uma Constituição fortemente voltada para o social, não é possível conceber tais direitos como meros limites ao poder do Estado em favor da liberdade individual. A Constituição e os direitos fundamentais que ela consagra não se dirigem apenas aos governantes, mas a todos, que tem de conformar o seu comportamento aos ditames da Lei Maior”19.

Nesse passo, tendo como marco normativo a Constituição brasileira de 1988,

que já aproximou de modo marcante a valorização social do trabalho e a proteção do

meio ambiente – quer reconhecendo a ambas a condição de direitos sociais

fundamentais, quer por inseri-las dentre os princípios da Ordem Econômica, impende

analisar o desenvolvimento dessa categoria de direitos e como estes mecanismos de

realização foram sendo criados e recriados.

Afinal, os direitos fundamentais carecem de efetividade no Brasil, o que

impossibilita que a sua tutela se faça apenas pelos tradicionais e conhecidos métodos

que até então se mostravam satisfatórios, mormente se for considerada a visão

patrimonialista que marca o Direito Moderno e que, em última instância, tudo pretende

resolver em perdas e danos.

Identificada a insuficiência dos parâmetros até então preponderantes

(sancionador), surgirá o exercício da cidadania e a convergência do público e do privado

(estes em uma nova definição), como meios viabilizadores de realização destes direitos

tão caros para as sociedades democráticas, pela constatação de que à liberdade

corresponde uma porção de responsabilidade a qual não se pode furtar nem os

particulares (empresa e cidadão) nem o Poder Público, o que representa ainda meio de

reaproximação daquele de seu papel de corresponsável pelas decisões políticas.

Diante do exposto e considerando a Constituição de 1988, não se vislumbra

nenhuma razão objetiva para excluir a eficácia direta e imediata dos direitos em questão

nas relações privadas no Brasil, o que certamente corrobora com a ideia de

responsabilização socioambiental das empresas.

III. FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA EMPRESA (FUNÇÃO X

RESPONSABILIDADE)

Quanto à função social, a Constituição brasileira de 1988 possui previsão

expressa quanto à sua incidência no uso da propriedade, mais especificamente no Art. 5, 19 SARMENTO, Daniel. 2008. p. 235.

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XXIII, Art. 153 §4ª (alíquotas do ITR adotadas como estímulo ao uso da propriedade),

Art. 170, III, Art. 182 §2º (função social da propriedade humana), 183 e 191 (direito de

acesso a propriedade reconhecida por meio de usucapião de imóveis urbanos e rurais,

184, §§º 1 a 5, (desapropriação por interesse social); 186 (função social da propriedade

rural) e Art. 243 (desapropriação de glebas com culturas ilegais).

Uma vez que a empresa encontra-se estritamente ligada à condição de

proprietário de bens e de força de trabalho disponível, ao cogitar de se atribuir função

social à empresa implica em posicioná-la em face da função social da propriedade, da

livre iniciativa (autonomia privada para empreender) e da proporcionalidade (equilíbrio

na consecução dos interesses privados diante das necessidades sociais).

É para que isso se torne tarefa possível, Fabiane Bessa alerta que a

Constituição Federal vigente “concebe o Estado brasileiro não simplesmente como um

Estado de Direito, mas como um Estado Democrático de Direito, que pressupõe a

incorporação de valores próprios do Estado social (solidariedade, igualdade, liberdade

positiva) aos valores do Estado de Direito (igualdade e legalidade formal, liberdade

negativa, proteção à propriedade)”20.

Com efeito, a interação da empresa com o universo jurídico pressupõe que seja

imposta à pessoa jurídica o pleno discernimento quanto às consequências de suas ações

no meio social e, quando for o caso, que assuma as responsabilidades advindas de tal

exploração.

Em suma, a noção de função social da empresa se baseia numa ideia de

liberdade (livre iniciativa), que tem como pressuposto a responsabilidade.

Até pouco tempo, as grandes corporações preocupavam-se basicamente em

oferecer produtos e serviços a seus clientes e, com isso, a obtenção do seu fim maior: o

lucro. Seus acionistas faziam filantropia de forma individual, dependendo de sua visão

social e de seus recursos. Posteriormente as corporações também passaram a

empreender ações sociais na comunidade.

Atualmente, a responsabilidade social empresarial incorpora a gestão e também

abrange toda a cadeia de relacionamentos: funcionários, clientes, investidores, governos

concorrentes, acionistas, meio ambientes e a sociedade em geral, o que amplia a

margem de função social das empresas.

20 BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Social das Empresas: práticas sociais e regulação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 109.

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A função social empresarial faz com que a empresa assuma “sua co-

responsabilidade para um desenvolvimento socioambiental, a exigência de uma atuação

ética e sensível às necessidades dos grupos que, de alguma forma, são afetados peãs

atividades desenvolvidas pela empresa, e a administração adequada dos impactos

causados por tais atividades”21.

Como se vê, há uma clara aproximação entre a atuação pública e privada, o que

só pode nos conduzir a ideia de complementariedade de suas atribuições e esforços, a

fim de atingimento de uma finalidade comum.

A responsabilidade social, por sua vez, implica que a atuação empresarial seja

desenvolvida de acordo com o que dispõe o ordenamento jurídico, podendo ainda

decorrer de imposições feitas por atos administrativos legítimos e em decorrência de

contratos. Ou seja, responsabilidade socioambiental pressupõe a existência de uma

sanção em decorrência do seu descumprimento, a qual pode se configurar nas mais

variadas formas (rescisão contratual, aplicação de penalidade, proibição de contratação

com a Administração Pública, inabilitação de processo licitatório).

Ao contrário da função social, na responsabilidade não se faz presente o aspecto da

voluntariedade empresarial, que muitos tendem a denomina como “consciência

empresarial”, que é vista como a responsável pelos isolados casos de cumprimento

espontâneo de medidas desejáveis e socialmente úteis.

Nessa toada, a função social da empresa representa um acréscimo àquelas

obrigações decorrentes da responsabilização da empresa, conforme se extrai do

pensamento de Alexandre Husni:

a função social da empresa deve ser exercida em prol do cidadão e observando-se os demais preceitos de ordem pública, tais como a proteção do consumidor, a valorização do trabalho e da dignidade humana, além da defesa do meio ambiente. Quando a empresa passa a extravasar o seu objeto social e a atuar também na busca da melhoria da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável, de forma organizada, dirigida e harmônica, a função social plena será a resultante22.

Eis o porquê se vislumbra uma aproximação entre função social e filantropia,

sendo que as mesmas não se confundem.

21 BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto, 2006. Op. cit., p. 136. 22 HUSNI, Alexandre. Empresa socialmente responsável: uma abordagem jurídica e multidisciplinar. São Paulo: Quarter Latin, 2007. p. 73.

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Conclui-se, assim, que a função social da empresa é cumprida pelas empresas

que atuam além do cumprimento de todas as obrigações inerentes a sua atividade – plus

-(pagamento de tributos; respeito aos direitos dos consumidores; pagamento de

funionários etc.).

Ademais, frise-se que nem a função social sequer a responsabilidade social,

equiparam-se à filantropia. Isso porque os atos filantrópicos são aqueles que extrapolam

o objeto (atividade econômica) e objetivo (lucro) da empresa, configurando atitudes

humanísticas voluntárias, ou seja, de acordo com os recursos e a vontade de seus

dirigentes/acionistas23. Ou seja, genericamente, “caracteriza-se como doações de

recursos financeiros, materiais e humanos à comunidade e a instituições do terceiro

setor”24, nunca com caráter cogente.

IV. O DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E AS IMPLICAÇÕES NA ÁREA DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

Como acima visto, a ideia de solidarismo socioambiental revela como

indispensável a cooperação público e privada na concretização dos objetivos da Ordem

Social e Democrática vigente no Brasil, notadamente no que se refere à promoção da

dignidade da pessoa humana, do desenvolvimento econômico e social planejado

(sustentável) e do processo de restauração dos valores assumidos como da própria

sociedade por ocasião da edificação do Estado Constitucional (socioambiental) e

Democrático de Direito.

É nesse contexto que a própria dimensão econômica e socioambiental da

atividade empresarial também vem colocando em cheque os modelos tradicionais de

gestão dos agentes econômicos e as formas convencionais de distribuição de obrigações

– defendidos pelo até então prevalente discurso neoliberal. Afinal, a ideia de função

social e de responsabilidade socioambiental vem convocando as empresas, os

indivíduos e a Administração Pública a atuarem num cenário muito mais abrangente e

complexo, qual seja, o do socioambientalismo solidário, do qual decorrem uma série de

imposições absolutamente vinculantes, inclusive no que tange aos processos de

contratação de serviços e compra de produtos pela Administração Pública (o chamado

“poder de compra”). 23 BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto, 2006, p. 140-141. 24 ORCHIS, M. A.; YUNG, M.; MORALES, S. C. Impactos da responsabilidade social nos objetivos e estratégias empresariais. In: INSTITUTO ETHOS. Responsabilidade social das empresas: a contribuição das universidades. São Paulo: Peirópolis, 2002. p.61.

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É o que também justifica o surgimento do fenômeno da constitucionalização do

Direito Civil, através do qual os seus institutos e suas normas não devem ser aplicados e

interpretados sem a submissão à indispensável filtragem constitucional, não ficando à

margem disso o chamado direito de empresa25.

No que se refere à noção de desenvolvimento, Luis Carlos Bresser Pereira

assevera que “o desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e

social, através da qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornar-se

automático e autônomo”.26

Manoel Messias Peixinho e Suzani Andrade Ferraro sustentam, ainda, que o: [...] direito ao desenvolvimento nacional é norma jurídica constitucional de caráter fundamental, provida de eficácia imediata e impositiva sobre todos os poderes do Estado e, nesta direção, não pode se furtar a agir de acordo com as respectivas esferas de competência, sempre na busca da implementação de ações e medidas de ordem política, jurídica ou irradiadora que almejam a consecução daquele objetivo fundamental.27

Assim é que não há mais espaço para se falar apenas de desenvolvimento no

viés econômico, sem falar considerar os aspectos social, político, cultural, humanístico

etc., ou seja, é indispensável que se alie sempre todos os setores do local a ser analisado,

não podendo analisar somente o aspecto econômico ou social, por exemplo, de

determinada nação. Quanto à questão, Bresser esclarece que “quando falamos em

desenvolvimento, temos sempre como objeto um sistema social determinado, o qual se

localizará geograficamente em uma região, um país, um continente. Será sempre,

porém um sistema social. Suas partes, portanto, serão interdependentes. Quando

houver modificações reais na estrutura econômica, estas repercutirão na estrutura

política e social, e vice-versa”.28 Diante disso, afirma-se que o verdadeiro

desenvolvimento poderá originar mudanças na estrutura econômica, mas também

deverá surtir repercussões na esfera política, cultural e social.

25 No dizer de Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa, “pensar a função social da empresa implica, assim, posicionar a empresa em face da função social da propriedade, da livre-iniciativa *autonomia privada para empreender) e da proporcionalidade (equilíbrio na consecução de interesses privados diante das necessidades sociais).” (BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Social das Empresas: práticas sociais e regulação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 102). 26 PEREIRA, Luiz C. Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. 7. ed. Brasília: Editora Brasiliense, 1977, p. 21. 27 PEIXINHO, Manoel Messias; FERRARO, Suzani Andrade. Direito ao desenvolvimento como direito fundamental. In: XVI Congresso Nacional do CONPEDI, 2007, Belo Horizonte: Fundação Boiteux, 2007. p. 6963. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/manoel_messias_peixinho.pdf.> Acesso: 25. ago. 2012. 28 PEREIRA, Luiz C. Bresser. Op. cit. p. 21-22.

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Sobre o assunto, Carla Abrantkoski Rister expõe que o crescimento alia-se a

mudanças quantitativas, não refletindo necessariamente em melhorias na vida da

população, ao passo que o desenvolvimento “consiste num processo de mudança

estrutural e qualitativa da realidade socioeconômica, pressupondo alterações de fundo

que irão conferir a tal processo a característica da sustentabilidade, entendida esta

como a capacidade de manutenção das condições de melhoria econômica e social e de

continuidade do processo”.29

Nesse exato sentido, Fabio Konder Comparato assevera que “quando o

capitalismo avassala o Estado, ele introduz em seu funcionamento a lógica mercantil do

intercâmbio de prestações, e dele retira o poder-dever de submeter os interesses

particulares à supremacia da coisa pública, ou bem comum do povo”.30

Constata-se, portanto, que não importa ao Estado somente o crescimento

econômico, mas sim o desenvolvimento efetivo de seu povo. Caso contrário, o

crescimento econômico poderá gerar uma riqueza efêmera, a qual não repercutirá sobre

a sociedade e, em muitas vezes, deixará o Estado em sua condição precária, típica de

países subdesenvolvidos, ou atualmente denominados de países em desenvolvimento,

expressão que gera a sensação de desenvolvimento em curso, o que nem sempre é

verdade. Nas palavras do autor Fábio Konder Comparato: A dissociação da humanidade já não é, agora, um fenômeno puramente geográfico, uma espécie de deriva social dos continentes. Ela produz também um corte vertical no interior de cada nação do globo, ao universalizar aquele desequilíbrio estrutural, que os cientistas sociais sempre reconheceram como a essência do subdesenvolvimento31.

Por certo, tal constatação produz importantes reflexos forma de atuação do

Estado, o que tem revelado a aptidão do Estado em servir como um fomentador da

atuação responsável e consciente das empresas e dos indivíduos, tanto no que se refere

ao aspecto ambiental quanto ao aspecto social.

Como bem alerta Amartya Sen, “na análise do desenvolvimento, o papel da

ética empresarial elementar tem de ser tirado da obscuridade e receber um

reconhecimento patente”32.

29RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e conseqüências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 36. 30COMPARATO, Fábio Konder Comparato. A afirmação histórica dos direitos humanos, 3ª Edição, 2003. p. 542. 31 COMPARATO, Fábio Konder Comparato. Op. cit. p. 530. 32 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, p. 152.

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Ademais, há quem defenda que as necessidades e os anseios sociais seriam

pautas de evolução, capazes de impor uma reflexão no modelo de contratação

administrativa vigente, no sentido de impor ao mesmo a necessidade de promoção do

desenvolvimento econômico e social integrado e sustentável.

Na concepção de Sérgio Resende de Barros tais pautas de evolução (leia-se

desenvolvimento em matéria de contratações administrativas) “expressam conceitos

evolutivos, que acabam por confrontar preconceitos involutivos”33, tal qual vimos no

capítulo anterior.

O referido autor ressalta que não se está diante de uma pauta de ideologia, mas

sim de uma técnica de sistematização de idéias e argumentos, a fim de justificar as

conclusões que apontam a necessidade de se repensar a licitação e os contratos

administrativos.

Atendo-se ao objeto do presente artigo, confira-se a lição de Daniel Ferreira:

(...) a licitação pública no Brasil sempre pode se voltar para outro fim – adicional, secundário – que não a satisfação da necessidade direta e imediata decorrente da execução do objeto contratado. Em suma, que os procedimentos licitatórios também poderiam mirar outro objetivo, indireto e mediato, porém não menos importante, sua vocação para o cumprimento de uma função social34.

É imperioso, portanto, que se realize uma composição entre a liberdade

individual e as aspirações de justiça social, valores supremos de nossa sociedade e que,

em tese, se mostram antagônicos em matéria de contratações, impondo uma

interpretação que considere a “medida social da liberdade individual”, tal qual vimos na

evolução da noção do direito de propriedade.

As licitações e os contratos devem servir como um instrumento de progresso

social e o Estado um dos seus agentes, assim como os indivíduos, a sociedade, as

empresas, em clara homenagem à noção de subsidiariedade.

A responsabilidade e a confiança nos agentes administrativos fazem com que

desapareça a necessidade da lei esgotar todas as possibilidades em seu texto, ou de

regular rigidamente o exercício da função administrativa. É por isso que se defende a

necessidade de atuação razoável e proporcional pelos agentes administrativos no

33 BARROS, Sérgio Resende de. Liberdade e contrato: a crise da licitação. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1995. p. 159. 34FERREIRA, Daniel. Função social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável (no e do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública- FCGP. V. 9, n. 107, nov. 2010. Belo Horizonte; Fórum, 2010, p. 3.

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desempenho de suas atividades, inclusive no que se refere à utilização da licitação e do

contrato administrativo como instrumentos de fomento social.

É imperioso que se supere essa noção de desconfiança predominante nos

negócios públicos, conferindo certa margem de liberdade nas definições a serem feitas

pelo administrador, que o faz sob o manto da responsabilidade e da competência.

Ao lado da negociação, nasce a idéia de colaboração (parceria), sintetizada nas

palavras de Sérgio Resende de Barros:

A complexidade do objeto e das condições dos contratos exige a negociação e a colaboração com o particular não só na execução contratual, mas já na fase pré contratual, pois as avenças pré contratuais depende o êxito do contrato. No fundo, dirigirmos pré contratual e dirigismo contratual se completam e continuam35.

A passividade dos administrados não condiz, há muito tempo, com as

necessidades da sociedade e da própria Administração Pública.

As novas ferramentas tecnológicas certamente servirão de impulso para esta

aproximação entre a Administração e o administrado (pessoas físicas e jurídicas),

viabilizando eficientes canais de comunicação, participação e controle social

Conclui-se, assim, que se trata de verdadeiro exercício de cidadania, já que “a

lei não pode evitar a corrupção, mas a sociedade, esta sim, pode eliminá-la através da

participação e da vigilância”.36

Diante de tudo o que se abordou, fica a lição de que a ordem jurídica vigente

conferiu ao Estado o papel de gerência do processo de desenvolvimento, sempre

atrelado aos valores e interesses fixados como fundamentais pela mesma ordem jurídica,

absolutamente vinculante para o Estado, o mercado e a sociedade, caindo por terra a

noção de subsidiariedade até então prevalente.

Afinal, seja o desenvolvimento um objetivo (valor, princípio), uma política

pública de determinada época ou, como visualizam alguns, um direito fundamental, a

história do homem já possui elementos e fatos suficientes para atestar que o referido

instituto deve ter respaldo nas condições e anseios reais dos indivíduos destinatários da

norma, o que confere ainda mais relevo aos chamados direitos de ordem social, como o

é o trabalho.

35 BARROS, Sérgio Resende de. Liberdade e contrato: a crise da licitação. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1995. p. 168. 36 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Licitação. Belo Horizonte: Dela Rey, 1987, p. 53.

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V. A FUNCIONALIZAÇÃO DA LICITAÇÃO PÚBLICA COMO MEIO DE FOMENTO SOCIAL DE ACESSO AO TRABALHO PELOS DISCRIMINADOS E PELOS EXCLUÍDOS

Conforme destacado acima, as licitações públicas e as contratações

administrativas foram objeto de inúmeras inovações legislativas nos últimos tempos, as

quais tem refletido e repercutido na idéia de se agregar um novo fim (interesse) no

processo de compras da Administração, qual seja, “no sentido de materializá-la como

coletivamente útil”37.

As licitações públicas não podem ser interpretadas como um processo que tem

puramente um caráter econômico, entretanto devem ser examinadas também como um

instrumento para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Quando se fala

em desenvolvimento nacional sustentável quer dizer que os certames deverão perquirir

também os aspectos de inclusão social e de sustentabilidade relacionados à definição

dos objetos, das regras de habilitação, das condições das propostas, das condições de

execução do objeto, dentre outras questões que possam garantir a observância e a

concretização de outros interesses públicos relevantes (adicional, secundário), que não o

interesse público primário almejado com a contratação em si.

Sobre esse aspecto fomentador, Diogo Figueiredo Moreira Neto qualifica que

se trata de um “direcionamento não coercitivo do Estado à sociedade, em estímulo das

atividades privadas de interesse público. É uma atividade que se sistematiza e ganha

consistência acoplada ao planejamento dispositivo”38.

Como visto, o fomento não tem um caráter puramente econômico e nem visa

somente incentivar atividades em que a iniciativa privada está carente, isto porque a

atividade administrativa de fomento é mais ampla que o mero caráter econômico,

alcançando em diversos objetos um caráter essencialmente social, isso sem falar que

não necessariamente serve o precípuo de ajudar e incentivar somente atividades

“carentes” na iniciativa privada.

Quando se aborda este caráter do desenvolvimento nacional sustentável em

matéria de licitações e contratos, pode-se pensar que este raciocínio é inovador e

decorre diretamente da Lei n.º 12.349/2010, que alterou a redação do caput do art. 3º da

37 FERREIRA, Daniel. Função social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável (no e do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública- FCGP. V. 9, n. 107, nov. 2010. Belo Horizonte; Fórum, 2010, p. 3. 38 MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 45.

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Lei Federal n.º 8.666/199339. Todavia, a prescrição normativa do novo artigo 3º, caput,

da Lei n. 8.666/93, após alteração advinda da Lei n. 12.349/2010, simplesmente revelou

a exteriorização pelo legislador de comandos já existentes na própria Constituição da

República Federativa de 1988 e de outras legislações nacionais.

De fato, a Constituição preceitua em seu artigo 3º que constituem objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, garantir o

desenvolvimento nacional, promover o bem de todos sem qualquer preconceito e

erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. O

artigo 170 prescreve que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social, observados os princípios, dentre outros, da defesa do meio

ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental

dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação, bem como deve

buscar a redução das desigualdades regionais e sociais.

Já o artigo 174 pontua que o Estado como agente normativo e regulador da

atividade econômica exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e

planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor

privado. Além disso, em seus parágrafos também esclarece que a lei estabelecerá as

diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual

incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. Não

bastasse tais dispositivos concernentes à busca da diminuição das desigualdades sociais

e regionais ainda existe, no âmbito constitucional pátrio, o direito de todos ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo

e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Inclusive, a norma constitucional preconiza que para assegurar o direito ao

meio ambiental incumbe ao Poder Público, além de outras atribuições, o dever de

controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias

que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; bem como

39 Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

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promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização

pública para a preservação do meio ambiente.

Como se vê, pelas normas constitucionais supracitadas, verifica-se que existe

supedâneo na Carta Maior para que a Administração Pública promova o fomento

socioambiental, inclusive no relacionamento do Poder Público com as empresas por

intermédio de licitações públicas e contratos administrativos.

Nas palavras de Daniel Ferreira: (...) não parece difícil concluir no sentido de que o exercício de função administrativa sempre exigiu, desde 1988, atenção dos gestores públicos (responsáveis pelas licitações, inclusive) com vistas a (i) “garantir o desenvolvimento nacional”, enquanto objetivo republicano (de todos, portanto!), e reconhecer a (ii) “a defesa do meio ambiente” e (iii) “a busca do pleno emprego” como princípios da ordem econômica, portanto com nortes de produção e mesmo de consumo de bens e serviços”40.

Em suma, o que vem à tona é a necessidade de funcionalização (social) das

licitações e contratos administrativos, de forma que continuem a servir para o

desenvolvimento nacional equilibrado (sustentável), mas que também passem a servir

como instrumentos para a promoção dos acesso ao trabalho pelas minorias, tais como os

negros, as mulheres, os egressos do sistema prisional, os índios. Nada mais relevante e

indispensável41.

É diante desse cenário que se identifica a função social da licitação, “como um

instrumento para a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil, bem como dos demais valores, anseios e direitos nela encartados, sem

prejuízo de outros, reconhecidos por lei ou até mesmo uma política de governo”42.

Assim é que a responsabilização socioambiental não deve ser implementada de

forma isolada, mas sim, deve ser implementada de forma conjunta e integrada, através

de conformações que viabilizem segurança, lucratividade e satisfação nas relações entre

os particulares e a Administração Pública, sendo as licitações e os contratos

administrativos um setor inegavelmente propício para este tipo de relação consensual.

40 FERREIRA, Daniel. Função social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável (no e do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública- FCGP. V. 9, n. 107, nov. 2010. Belo Horizonte; Fórum, 2010, p. 10. 41 Segundo a reflexão de Amartya Sen, “a necessidade de um exame crítico dos preconceitos e atitudes político-econômicas tradicionais nunca foi tão grande. Os preconceitos de hoje (em favor dos mecanismos de mercado puro) decerto precisam ser cuidadosamente investigados e, a meu ver, parcialmente rejeitados.” SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras, p. 150-151. 42 FERREIRA, Daniel. Função social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável (no e do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública- FCGP. V. 9, n. 107, nov. 2010. Belo Horizonte; Fórum, 2010, p. 6.

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Eis a idéia de parceria e solidariedade que gera uma nova perspectiva sobre os impactos

das decisões e ações de todos os agentes sociais para a busca de uma sociedade justa,

fraterna e solidária43.

Neste novo viés, o Poder Público se revela como sendo verdadeiro fomentador

para a efetivação de ações afirmativas no campo das licitações e contratos públicos, de

forma a viabilizar o acesso ao trabalho pelas minorias.

Como visto acima, a licitação tem plena aptidão para servir como instrumento

nessa imperiosa (re)estruturação de uma nova teoria sobre a relação entre o Estado e a

atividade empresarial, retirando do Estado o seu tradicional papel de contenção e

fiscalização e alçando-o como fator determinante ao direcionamento de políticas

públicas de fomento, sustentabilidade e inclusão social.

E no caso de desrespeito por parte dos órgãos e instituições incumbidos de

realizar licitações, tais ilegalidades devem ser apuradas, “não apenas pelos interessados,

pelas Cortes de Contas e pelo Ministério Público, porém pela sociedade civil em geral,

de forma a se responsabilizar pessoalmente os desidiosos com o trato dos referidos

interesses públicos, sem prejuízo da eventual e cumulativa anulação da licitação, no

âmbito administrativo ou judicial”44.

CONCLUSÕES

Pelo exposto, constata-se uma grande necessidade de se revisitar a função das

licitações públicas e dos contratos administrativos, devendo ser ampliada no sentido de

passar de uma função puramente econômica para somar-se com um uma função social

que deve se preocupar com a efetivação da responsabilidade socioambiental dos

envolvidos nos processos de compra pela Administração.

Conclui-se, dessa forma, que a luta pelos direitos sociais e a consequente

promulgação de medidas afirmativas desempenham um relevante papel na mitigação

das desigualdades sociais e na busca de equalização das oportunidades, sobretudo no

que se refere ao reconhecimento de situações de desigualdades de acesso às

oportunidades de trabalho e desenvolvimento individual.

Na mesma toada, apurou-se que os comportamentos violadores do princípio 43 ASHLEY, Patrícia Almeida. A mudança histórica do conceito de responsabilidade social empresarial. In:ASHLEY, Patrícia Almeida (coord.). Ética e Responsabilidade social nos negócios. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57. 44 FERREIRA, Daniel. Função social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável (no e do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública- FCGP. V. 9, n. 107, nov. 2010. Belo Horizonte; Fórum, 2010, p. 17.

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constitucional da igualdade tendem a se dissimular em práticas jurídicas, sociais,

empresariais e culturais de caráter muitas vezes imperceptível, mas dotadas de uma

incomparável força de exclusão, o que deve ser combatido tanto pelo Estado quanto

pelos particulares (solidariedade)

Viu-se que os estudos tem revelado que este tipo de discriminação não podem

ser enfrentados tão somente com a promulgação de medidas legislativas de conteúdo

proibitivo. É imperioso que se vá além, que se imponham medidas de promoção

(fomento), que sejam afirmativas, e que sejam fruto de uma colaboração entre todos os

envolvidos, especialmente no domínio das relações de emprego.

Pelo acima exposto, é de se concluir como legítimas e imperiosas as ações

afirmativas em sede de licitações e contratações públicas, no sentido de serem previstas

“quotas de preferência” no acesso ao trabalho àqueles que de alguma forma podem ser

enquadrados em qualificações do tipo: “desiguais”, “excluídos”, “marginalizados”, tal

como os negros, as mulheres, os egressos do sistema prisional, dentre outras

reconhecidas minorias.

Isso porque o direito ao trabalho é instrumento para a efetivação e de outros

direitos e garantias de igual relevância, além de que importante fator de (re)inclusão

social, pacificação e de promoção de dignidade ao ser humano, ainda mais agora, em

que se anunciam para o Brasil uma série de grandes eventos internacionais (Copa das

Confederações, Copa do Mundo de 2012 e Olimpíadas de 2016) e de grande

investimentos na área de infraestrutura.

Neste ideário, visualiza-se que diversas legislações recentes enfatizam as

licitações sustentáveis sob o aspecto socioambiental, as quais são molas propulsoras

para o fortalecimento do Estado Brasileiro enquanto verdadeira Ordem Social e

Democrática de Direito.

Sob este raciocínio, a recente alteração legislativa, que adaptou a redação do

art. 3º da Lei Federal 8.666/93 e, via de consequência, o próprio conceito de licitação,

evidencia uma inovação legislativa que incrementa a responsabilidade social das

empresas a fim de participarem junto com o Estado na construção de uma sociedade

justa, equilibrada, e solidária, sendo as licitações e os contratos administrativos

instrumentos propícios para tal finalidade.

Eis o porquê da imperiosidade das licitações e dos contratos administrativos

passarem a ser analisados e aplicados com a indispensável consideração acerca da

capacidade do “poder de compra” estatal mudar (voluntariamente) comportamentos

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empresariais tidos por coletivamente importantes e numa nova e mais ambiciosa

perspectiva (de parceria e solidariedade).

O que se pretendeu evidenciar através do presente ensaio, portanto, é a

necessidade de se estruturar uma nova teoria sobre a relação entre o Estado e a atividade

empresarial, retirando o Estado do seu tradicional papel de contenção e fiscalização e

alçando-o como fator determinante ao direcionamento de políticas públicas de fomento

da (re)inclusão social, pois dessa forma não apenas se estará realizando uma atividade

precípua do Estado, mas, principalmente, exaltando-se diversos interesses públicos dos

destinatários do agir estatal.

Conclui-se, assim, que as licitações e os contratos administrativos podem se

prestar a tanto, propiciando a incrementação da responsabilidade social das empresas e a

(re)inclusão das minorias do mercado de trabalho, destacadamente das empresas que já

se mostram parceiras da Administração Pública ou que pretendem fazê-lo, uma vez que

tanto o setor público quanto o privado já estão vinculados a promoverem, conjunta e

isoladamente, ações afirmativas de (re)inclusão das minorias no campo do trabalho.

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AUTORREGULAÇÃO E HOTELARIA INCLUSIVA – UMA PROPOSTA DE CONVIVIABILIDADE E DE MERCADO1 SELF-REGULATION AND INCLUSIVE HOSPITALITY - A PROPOSAL FOR CONVIVIALITY AND FOR THE MARKET

Sandra Filomena Wagner Kiefer

Maria Constança Madureira Homem de Carvalho “Disability need not be an obstacle to success. I have had motor neurone disease for practically all my adult life. Yet it has not prevented me from having a prominent career in astrophysics and a happy family life.” Professor Stephen W. Hawking (1942 - )

RESUMO

O presente artigo aborda a importância de hotéis possuírem uma regulação própria que

permita parametrizar critérios para bem receber os consumidores com deficiência.

Cresce a cada dia a necessidade de conscientização da atividade empresarial, no caso do

turismo e hotelaria, sobre a importância de adequação a todos os segmentos de mercado,

bem definidos e específicos, como o das pessoas com deficiência. Em uma atividade

plural como é o turismo, direitos de cidadania convivem em sintonia com direitos ao

lazer, ao livre mercado, à liberdade de escolha. A acessibilidade e a não discriminação

devem orientar a atuação dos empresários do setor, visando não somente a eliminação

das barreiras físicas e comportamentais que impeçam ou dificultem a fruição dos

produtos e serviços hoteleiros como também assegurar a competitividade. Nesse

esforço, os empresários e profissionais do turismo, por sua expertise e pelo caráter

eminentemente privado da atividade, estão mais bem capacitados a estabelecer um

sistema de regras e critérios para classificar e qualificar seus produtos e serviços, sem

prejuízo de chancelas públicas, que devem ter natureza meramente complementar,

indicativa.

1 Trabalho resultante de pesquisa no Grupo de Pesquisa de Políticas Públicas, Direitos Fundamentais e

Desenvolvimento do Mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes – UCAM. Advogada formada pela Universidade de São Paulo - USP. Mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes – UCAM, Rio de Janeiro. Membro do grupo de pesquisa de Políticas Públicas, Direitos Fundamentais e Desenvolvimento do Mestrado em Direito da UCAM, Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]. Advogada formada pela Universidade Candido Mendes - UCAM, Rio de Janeiro, professora de Direito na UCAM , Rio de Janeiro e mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela UCAM, Rio de Janeiro. Membro do grupo de pesquisa de Políticas Públicas, Direitos Fundamentais e Desenvolvimento do Mestrado em Direito da UCAM, Rio de Janeiro. E-mail: [email protected].

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PALAVRAS-CHAVE: Acessibilidade. Atividade Empresarial. Autorregulação.

Deficiência. Hotelaria.

ABSTRACT

This article addresses the importance of hotels having a regulation that allows them to

establish their own criteria for welcoming customers with disabilities. Each day, the

importance of adaptation to all market segments, specific and well defined, such as the

one of people with disabilities leads to an increasing awareness of the business sector,

including the tourism and hospitality industry. In a plural activity as tourism, citizenship

rights coexist in harmony with rights to leisure, free markets, freedom of choice.

Accessibility and non discrimination should guide the actions of entrepreneurs of the

sector, aiming not only to eliminate physical and behavioral barriers that prevent or

hinder the enjoyment of the products and services as well as to ensure competitiveness

to the lodging industry. In such an effort, entrepreneurs and tourism professionals, based

on their expertise and on the eminently private nature of the activity, are better able to

establish a system of rules and criteria for ranking and qualifing their products and

services, without prejudice to public seals, which should have serve merely as indicative

parameters.

KEYWORDS: Acessibility. Business Activity. Self-Regulation. Disabilities.

Hospitality.

1. INTRODUÇÃO

A motivação para este trabalho se deve à constatação da necessidade urgente e

imperiosa de se adaptar os equipamentos e serviços turísticos, a começar pela hotelaria

brasileira, para atender a demanda das pessoas com deficiência, demanda esta

exacerbada pela realização dos próximos megaeventos esportivos no Brasil (Copa do

Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016). A bem da verdade, a

presença desse segmento de clientela no quadro de clientes tradicionais do turismo é

uma das múltiplas facetas de um processo de conscientização em nível mundial acerca

da importância da sua inclusão inexorável na sociedade como um todo.

Não é de hoje que a hotelaria brasileira conhece este fato. A diferença está na

magnitude e exiguidade de tempo que envolvem os grandes eventos esportivos antes

citados. De outra banda, o cenário é propício para que a atividade empresarial possa se

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desincumbir dos desafios que lhe vêm sendo postos no sentido de assegurar as melhores

condições de acessibilidade para seus produtos e serviços, mediante o estabelecimento

de critérios de padronização e adaptação definidos intrasetorialmente. O caráter privado

da atividade dá lastro a iniciativas emanadas interna corporis para que sejam

estabelecidos critérios compatíveis com a especificidade do negócio e expertise dos

empreendedores. Aprimora-se o produto, facilita-se sua oferta, asseguram-se os lucros,

sem prejuízo do atendimento de um ou outro grupo de clientela.

Demais, na atividade plural do turismo, direitos de cidadania convivem em

sintonia com direitos ao lazer, ao livre mercado, à liberdade de escolha. Nesse sentido, o

presente trabalho abordará especificamente a questão da acessibilidade e da não

discriminação nos meios de hospedagem, procurando demonstrar que não basta a

adaptação da infraestrutura e dos equipamentos, mas é preciso conscientização e

eliminação das barreiras pessoais e de atitude por parte da hotelaria como um todo.

Desta forma, o treinamento dos funcionários dos meios de hospedagem e terceiros que

prestam serviços em suas instalações são tão importantes quanto o oferecimento de

espaços acessíveis e equipamentos/materiais específicos como material em Braile,

telefones para pessoas com deficiência auditiva, rampas, banheiros adaptados e outros

tantos conforme se abordará adiante.

2 O HOTEL - BREVES COMENTÁRIOS

O edifício de um hotel tem como peculiaridade básica sua complexidade, que

advém da especificidade do projeto e do fato de funcionar initerruptamente. Essa

especificidade, por sua vez, decorre das funções típicas desenvolvidas pelo hotel e do

conjunto de atividades complementares que ocorrem em suas dependências. À função

de hospedar, que pressupõe unidades habitacionais confortáveis, bem dimensionadas,

devidamente equipadas e com ambientes agradáveis, somam-se atividades industriais

(produção de alimentos, lavanderia), comerciais (restaurantes e lojas), centrais de

sistemas (água fria e quente, vapor, energia, ar-condicionado, por exemplo), de

manutenção e atividades de lazer (eventos, recreação, entre outros).

A complexidade e as dimensões de um projeto hoteleiro, que precisam estar

acima de um mínimo para tornar o projeto economicamente viável, resultam em

empreendimento oneroso e muito sensível aos custos finais de construção, operação e

manutenção. Ao contrário de outros ramos de atividades, a hotelaria tem uma série de

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limitações de natureza operacional e comercial que influem no seu desempenho como

um todo. O produto hoteleiro (i) é perecível, isto é, não se recompõe quando não

utilizado (um quarto não vendido em uma noite significa uma diária irremediavelmente

a menos no faturamento); (ii) a receita anual não ultrapassa o faturamento da ocupação

realizada no período (ao contrário da indústria de produtos, cuja produção pode ser

regulada de acordo com a necessidade do mercado e da empresa); (iii) as margens de

erro nos planejamentos operacionais e financeiros são muito reduzidas e controladas,

porque os prejuízos são irreversíveis e acumuláveis. Em linhas gerais, esses são alguns

dos fatores preponderantes que pesam na concepção, execução e implantação de um

projeto hoteleiro; por isso, a necessidade de liberdade empresarial.

Em pleno século XXI, o parque hoteleiro nacional encontra-se relativamente

diversificado, embora tenha se desenvolvido de forma inconstante, a partir dos anos 70.

A isso é atribuível o fato de que, em 2011, apenas quatro capitais brasileiras (São Paulo,

Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte) concentravam 40% da capacidade de

hospedagem no país. Em âmbito nacional, segundo a Pesquisa de Serviços de

Hospedagem 2011 – Municípios das capitais, feita pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa

e Estatística (IBGE), a rede de hospedagem era constituída, na sua maioria, por hotéis

(históricos, resorts, hotéis-fazenda), ou 52,1% da oferta, seguidos dos motéis (23,5%),

pousadas (14,2%), apart-hotéis/flats (4,2%), pensões de hospedagem (3,1%) e albergues

turísticos (1,9%). Até março de 2011, havia 25.700 meios de hospedagem registrados,

perfazendo cerca de 1.1 milhão de Unidades Habitacionais (UHs), conforme Lucia

Albuquerque (2011, p. 2). Novos produtos vêm sendo criados por conta de novas

demandas como no caso do turismo de negócios, turismo cultural (espetáculos de

grande porte e/ou renome nacional e internacional), turismo de saúde (congressos

médicos e tratamentos de saúde), turismo ecológico/de aventura, entre outros.

Entre nós, a hotelaria ganhou impulso com a chegada das marcas hoteleiras

internacionais a cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, a partir da década de 70.

Empreendimentos emblemáticos nessas localidades passaram a servir de referência para

o resto do país, sobretudo, pelo incremento de eventos de naturezas diversas tais como

os congressos internacionais (médicos, por exemplo), as competições da F-1, a

Rio/Eco‟92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento). A vocação para sediar grandes eventos persiste e, mais

recentemente, o Rio de Janeiro sediou os Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos

(2007) e a Rio + 20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento

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Sustentável), entre os de maior porte, sem contar os eventos tradicionais do calendário

como o Réveillon e o Carnaval.

3 PANORAMA DA REGULAÇÃO HOTELEIRA NO BRASIL

Sempre houve e continuará a existir um ambiente de livre concorrência na

hotelaria nacional. É da sua essência. Cada empreendimento é livre para praticar as

trocas que lhe convirem, com base em critérios próprios de preço, qualidade,

localização, instalações, políticas comerciais. Cabe ao cliente e detentor do poder de

compra a escolha da oferta que melhor atenda às suas exigências/necessidades. Uma

prática cuja lógica se extrai exclusivamente da lei da oferta e da demanda. Funciona

aqui e nos destinos internacionais mais importantes. E não é prática nova. Não é

preciso esforço algum para lembrar que a comercialização hoteleira vem ocorrendo de

forma espontânea e autônoma, sem prejuízo à imagem do país e/ou das cidades

envolvidas.

No estado capitalista moderno, o grande soberano é o consumidor. Se este

decide adquirir ou não determinado bem ou serviço, estará selado o destino do

empreendedor ou fornecedor. Para que esta escolha seja feita de forma livre, necessário

se faz que ao consumidor se disponibilize o maior número possível de informações para

que sua escolha não seja nem desvirtuada e seu investimento tampouco frustrado. Nesse

aspecto, hoje, a hotelaria pode ser incluída entre as atividades econômicas, mesmo em

nível mundial, que fornecem ao consumidor mais democraticamente acesso (via

internet) às informações dos produtos bem como às opiniões de outros consumidores.

Com isso, permite que ele julgue livremente a qualidade e comodidade dos serviços.

Em tempo, acreditamos que, em uma atividade eminentemente privada como

essa, a intervenção do Estado será em regra para desequilibrar a “harmonia instável” do

mercado. Mais do que os burocratas, tanto consumidores como empresários hoteleiros

estão mais habilitados para deliberar sobre as condições de acesso e fornecimento de

serviços e produtos hoteleiros de qualidade, com escolhas de preços e níveis de serviço.

Recentemente o Decreto nº 7.500/11 regulamentou a Lei nº 11.771/08, que

dispõe sobre a Política Nacional de Turismo. No seu bojo, vieram os padrões de

classificação hoteleira vigente nos termos do art. 31-A. In verbis:

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Art. 31-A. Os tipos e categorias dos empreendimentos de hospedagem terão padrão de classificação oficial estabelecido pelo Ministério do Turismo, conforme critérios regulatórios equânimes e públicos. (grifo nosso).

A Portaria nº 100/11, do Ministério do Turismo, ato contínuo, instituiu o Sistema

Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem (SBClass) e estabeleceu os seus

critérios de classificação. O novo sistema adota a simbologia de estrelas, em uma escala que

varia de uma a cinco, para identificar as categorias nas quais serão classificados os tipos de

hospedagem. A utilização do símbolo, de acordo com a portaria, é exclusiva dos

empreendimentos submetidos ao processo de classificação do Ministério do Turismo

(MTur). Para ser classificado na categoria pretendida, o meio de hospedagem deve

demonstrar o atendimento a 100% dos requisitos mandatórios (cumprimento obrigatório) e

a 30% dos eletivos (de livre escolha). Serão avaliados itens como: serviços de recepção,

guarda-valores e alimentação; tamanhos de apartamentos e de banheiros; disponibilidade de

restaurantes; medidas para redução de consumo e coleta seletiva de resíduos, entre outros2.

Que esse sistema de classificação pretenda ser um instrumento de divulgação de

informações claras e objetivas sobre meios de hospedagem e um mecanismo de

comunicação com o mercado são presunções que não se questionam quanto à sua

legitimidade. O que se quer ressaltar é o alcance dos critérios públicos/oficiais para balizar o

enquadramento dos meios de hospedagem. A expertise dos profissionais de hotelaria não

pode ser suplantada pela visão dos „técnicos‟/gestores públicos, que estabelecem como

requisitos mínimos obrigatórios ou eletivos para a classificação, entre os muitos que

integram os anexos da Portaria nº 100/11, inúmeras exigências de natureza diversa e por

demais específicas tais como: (a) suporte ou apoio de produtos de banho no box, (b) água

potável disponível em 100% das Unidades Habitacionais (UHs), (c) copos em 100% da

UHs, (d) água quente no banheiro (pia e chuveiro), (e) roupa de cama (incluindo

travesseiros), banho e colchoaria, (f) tomada em 100% das UHs, (g) quantidade de UHs, (h)

metragem mínima para UHs, (i) número de elevadores por tipo de meio de hospedagem, (j)

número mínimo de guarda-chuvas para uso dos hóspedes/clientes e assim por diante.

Perguntas do tipo: quais os requisitos específicos para um hotel de três, quatro,

estrelas? Que níveis de serviços e conforto a classificação garante para os clientes em

2 Ver também: Regulamento do Sistema Oficial de Classificação de Meios de Hospedagem e Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem - Manual de Identidade Visual (ambos do Ministério do Turismo).

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potencial? Muitas vezes, os clientes se desapontam pela escolha do hotel, quando suas

expectativas não são atendidas. Avaliações e expectativas podem variar de acordo com

experiências vividas em hotéis da mesma categoria, com o mesmo número de estrelas...

Tendo em vista o que ora vem se expondo, é plausível defender um papel de

autoridade mais representativo para a indústria hoteleira no que tange à sua regulação

econômica. Entenda-se aqui um papel que contemple competências maiores, mais

abrangentes e condizentes com o caráter privado e com a especificidade da atividade e,

simultaneamente, um papel que desonere o Poder Público de um excesso indesejado ou

dispersão de esforços no trato da res pública.

Há esforços nessa direção. Desponta a iniciativa do setor hoteleiro, à frente a

hotelaria fluminense, na figura da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-RJ),

cuja proposta é a de um sistema de autoclassificação para os empreendimentos fluminenses

que contrataram acomodações para os Jogos Olímpicos com o Comitê Olímpico (COI), em

lugar da exigência inicial de classificação pelo Sistema de Classificação de Meios de

Hospedagem (SBClass) do Ministério do Turismo, conforme noticiado pelo Boletim

Informativo Online da ABIH-RJ. Uma vez aprovada essa nova matriz, a chancela oficial

deve ser totalmente facultativa. Ao fim e ao cabo, a pretensão é usar esta experiência como

precedente para consolidar um processo de autoclassificação para toda a indústria hoteleira

nacional.

E, mais, em paralelo a este esforço inédito, ganham força aqui os sistemas de

certificação e normalização3 voluntários. Voltados para a organização do mercado, para o

estabelecimento de uma linguagem única entre consumidor e produtor, para a melhoria da

qualidade de produtos e serviços, para o aumento da economia do país e o

desenvolvimento da tecnologia, no Brasil, estão a cargo da Associação Brasileira de

Normas Técnicas (ABNT). Pioneira na edição de normas técnicas no Brasil, a partir de

1940, por iniciativa de um grupo particular de técnicos e engenheiros, esta entidade

privada sem fins lucrativos foi reconhecida pela Lei nº 4050/62 como de utilidade

pública federal e como único Foro Nacional de Normalização pela Resolução n.º 7/92

do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

(CONMETRO). Representa as seguintes entidades: International Organization for

Standardization (ISO), International Eletrotechnical Comission (IEC), Comissão 3 Segundo a ABNT, a normalização é uma “atividade que estabelece, em relação a problemas existentes

ou potenciais, prescrições destinadas à utilização comum e repetitiva, com vistas à obtenção do grau ótimo de ordem em um dado contexto.”. Disponível em: <http://www.abnt.org.br/m3.asp?cod_pagina=931>. Acesso em: 15 mar. 2013.

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Panamericana de Normas Técnicas (COPANT), Associação Mercosul de Normalização

(AMN). Entre as vantagens apregoadas pela entidade em favor desses sistemas,

enumeram-se as seguintes: (a) melhoria de produtos e serviços; (b) atração de novos

consumidores; (c) aumento nas margens de competitividade e de confiança; (d) redução

de erros e custos; (e) maior circulação de produtos e serviços; (f) atendimento de

responsabilidades legais resultante da adoção de normas voluntárias. O custo

relativamente baixo dos processos de normalização e certificação é outro argumento em

prol da adoção deste tipo de parâmetro, otimizado pela ausência de qualquer burocracia.

Ademais, os meios de hospedagem, objeto específico do presente trabalho, já

se encontram incluídos dentre os serviços e produtos normalizados pela ABNT, que

possui noventa e três normas voltadas para o turismo em geral (ABNT NBR

15401:2006)4.

Registre-se outra modalidade de regulação hoteleira que vem se disseminando

no âmbito privado da hotelaria, sob a forma de associações de hotéis e/ou meios de

hospedagem, a partir de critérios comerciais, como é o caso, entre outros, da Associação

de Hotéis Roteiros de Charme. Entidade privada sem fins lucrativos, congrega

empreendimentos em torno da variedade de suas características e personalidades

4 De acordo com o Guia de Implementação do Sistema de Gestão da Sustentabilidade em Conformidade com a ABNT NBR 15401 “(...) A ABNT NBR 15401 foi desenvolvida no âmbito do Comitê Brasileiro de Turismo (ABNT/CB-54), sendo e foi publicada no final de outubro de 2006 pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A referência utilizada para sua elaboração foi a norma desenvolvida pela Fundação Instituto de Hospitalidade, dentro do Programa de Certificação em Turismo Sustentável (PCTS). Sua construção contou com a participação de organizações não governamentais, empresários, governo, sociedade, especialistas e diversas partes interessadas, o que justifica os requisitos detalhados nos aspectos ambientais e socioculturais. O sistema de gestão apresentado na Norma proporciona uma base estável, coerente e consistente para o alcance e a manutenção do desempenho sustentável dos meios de hospedagem. O conteúdo da Norma é direcionado ao aprimoramento da qualidade nos serviços e gestão, ao atendimento à legislação, à colocação do negócio no mercado internacional, à preservação ambiental e cultural, à consciência social e ao desenvolvimento econômico-financeiro. Em função da atualidade e importância do tema sustentabilidade para o turismo, a ABNT decidiu pela publicação deste Guia, que foi elaborado com base na experiência e no conhecimento acumulados ao longo dos destes últimos 10 anos de discussão, bem como na identificação e adoção de boas práticas sustentáveis no turismo brasileiro. A ABNT NBR 15401 visa o fortalecimento do setor turístico, onde os turistas estão cada vez mais exigentes e os destinos turísticos, tanto nacionais como internacionais, estão cada vez mais competitivos. Seu uso pelo meio de hospedagem gera benefícios ambientais, econômicos, sociais e culturais. Do ponto de vista ambiental, a Norma contribui para a conservação da biodiversidade e auxilia na manutenção da qualidade ambiental dos atrativos turísticos. Do ponto de vista econômico, ela viabiliza as áreas utilizadas pelo turismo e proporciona um diferencial de marketing, gerando vantagens competitivas para os meios de hospedagem e facilitando o acesso a novos mercados, principalmente o internacional. Nas esferas social e cultural, ela estimula boas condições de trabalho, enfatiza a preservação do patrimônio cultural e promove o respeito aos direitos dos trabalhadores, povos indígenas e comunidades locais. Do ponto de vista político, ela promove o respeito à lei e à cidadania.”

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independentes, segundo rígidos critérios quanto ao conforto, qualidade de serviços,

responsabilidade socioambiental e de forma economicamente viável e sustentável. Seus

„produtos‟ têm, portanto, uma marca que remete a conceitos de luxo, hotéis-

butique/temáticos, bem-estar, preço justo, ética e responsabilidade social. Em âmbito

internacional, a iniciativa se espelha em iniciativas como a da associação Relais &

Châteaux, criada na França, há mais de 50 anos, com o objetivo de reunir hotéis com

características extraordinárias e perfis originais que traduzam a joie de vivre (alegria de

viver). Cada vez mais comuns são também as certificações privadas e selos em geral

concedidos aos tipos de meios de hospedagem que se destacam em uma determinada

seara/contexto (ambiental, social, econômica, comercial etc). A título exemplificativo,

recentemente, uma rede hoteleira carioca recebeu o Selo Ouro na certificação do

Travelife Sustainability System (Hotels & Accomodations), sistema dedicado a

identificar práticas sustentáveis dentro da indústria de turismo. De dois mil hotéis

auditados no mundo, apenas 300 conseguiram o selo ouro de sustentabilidade, conforme

noticiado pelo Rio Convention & Visitors Bureau (RCVB), em outubro de 2012.

Embasados nessa breve análise, acreditamos que uma nova moldura para a

classificação hoteleira, na direção da autorregulação, promova, por consequência, a

adequação contínua dos produtos hoteleiros aos novos segmentos e demandas do mercado,

justificando os investimentos e construindo as bases maduras para uma concorrência

hoteleira mais perene, à altura daquela dos principais destinos internacionais.

4 DA IMPORTÂNCIA DA CONSCIENTIZAÇÃO DA HOTELARIA SOBRE AS

PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS

As pessoas com deficiência representam um público consumidor dos produtos

e serviços hoteleiros e, para que possam deles usufruir, o mercado hoteleiro deve lhe

fornecer acessibilidade.

A deficiência faz parte da condição humana. Quase todas as pessoas terão uma deficiência temporária ou permanente em algum momento de suas vidas, e aqueles que sobreviverem ao envelhecimento enfrentarão dificuldades cada vez maiores com a funcionalidade de seus corpos. A maioria das grandes famílias possui um familiar deficiente, e muitas pessoas não deficientes assumem a responsabilidade de prover suporte e cuidar de parentes e amigos com deficiências. (Relatório Mundial Sobre a Deficiência, 2011, p.3)

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Mais de um bilhão de pessoas no mundo possuem algum tipo de deficiência.

Esse número deve aumentar nos próximos anos devido ao “envelhecimento das

populações e do risco maior de deficiência na população de mais idade, bem como ao

aumento global de doenças crônicas tais como diabetes, doenças cardiovasculares,

câncer e distúrbios mentais.”, segundo o Relatório Mundial Sobre a Deficiência (2011,

p. xi). O mesmo relatório (2011, p. 46) estima que5: Há cerca de 785 (15,6% de acordo com a Pesquisa Mundial de Saúde) a 975 (19,4% de acordo com a Carga Global de Doenças) milhões de pessoas com 15 anos ou mais que vivem com alguma deficiência, com base nas estimativas populacionais de 2010 (6,9 bilhões de habitantes, com 1,86 bilhões de pessoas menos de 15 anos). Entre elas, a Pesquisa Mundial de Saúde estima que 110 milhões de pessoas (2,2%) enfrentam dificuldades funcionais bastante significativas, enquanto que a Carga Global de Doenças estima que 190 milhões de pessoas (3,8%) possuem “deficiências graves” – o equivalente às deficiências inferidas para condições tais como quadriplegia, depressão grave ou cegueira. Incluindo as crianças, estimou-se que mais de um bilhão de pessoas (ou cerca de 15% da população mundial) estariam vivendo com alguma deficiência.

Em âmbito regional, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),

organismo das Nações Unidas, no estudo Panorama Social da América Latina - 2012

(2012, p. 48), estima que atualmente cerca de 12,0% da população da América Latina e

do Caribe vive ao menos com uma incapacidade6.

No Brasil, dados do Censo de 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), revelam que cerca de quarenta e seis milhões de

brasileiros, em torno de vinte e quatro por cento da população, declararam possuir pelo

menos uma das deficiências investigadas, quais sejam intelectual (mental, na linguagem

utilizada pelo instituto), motora, visual e auditiva7.

Ban Ki-moon, Secretário Geral da ONU, em mensagem no Dia Internacional

das Pessoas Com Deficiência (2012), afirmou:

Os Jogos Paraolímpicos celebrados este ano lembraram o imenso potencial das pessoas com deficiência de servirem de inspiração. (...) As pessoas com deficiência têm um impacto positivo significativo na sociedade, e as suas contribuições podem ser ainda maiores se removermos as barreiras à sua participação. Com mais de um bilhão de

5 Outras informações podem ser obtidas no corpo do Relatório Mundial Sobre a Deficiência (2011).

6 Forma pela qual a deficiência é chamada na versão em português e que deveria ser revista.

7 Mais informações sobre o Censo Demográfico 2010 e as pessoas com deficiência ver: Censo Demográfico 2010. Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência.

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pessoas atualmente em todo o mundo com deficiência, isto é mais importante do que nunca. (...) Nosso desafio é proporcionar a todas as pessoas a igualdade de acesso que precisam e que merecem. No final, isto criará um mundo melhor para todos. Tal como concordaram os negociadores na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20 –, a acessibilidade é crítica para conseguirmos o futuro que queremos. (...)

Diante disso, pode-se entender o grande potencial de clientes com alguma

deficiência para os hotéis do mundo todo e do Brasil em especial. As deficiências não

escolhem aqueles a quem irá afetar, sem distinção de classe social, poder aquisitivo,

profissão, origem geográfica.

5 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Afinal, o que é deficiência? Quem são as pessoas com deficiência? Não há

consenso acerca da definição de deficiência. A Convenção Internacional sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção da ONU) reconhece que “a

deficiência é um conceito em evolução” (preâmbulo, letra “e”). Dessa forma, sempre

com foco no objetivo do presente trabalho e para não adentrar na seara de debates sobre

os diversos conceitos de deficiência, será adotada a definição contida no artigo primeiro,

segunda parte, da aludida Convenção para os fins aqui presentes (...) Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

De notar que a Constituição brasileira de 1988 utiliza a expressão “pessoa

portadora de deficiência” e a legislação infraconstitucional que trata do assunto8 faz uso

dessa mesma expressão ou outras, como “deficiente”, “portador de deficiência” ou

“portador de necessidades especiais”. Atualmente a expressão mais indicada e que aqui

se utiliza é aquela adotada pela Convenção da ONU: “pessoa com deficiência”.

8 Não se pretendeu esgotar aqui a análise, nem mesmo a citação da legislação relacionada às pessoas com

deficiência. A respeito, ver: Pessoa com Deficiência Legislação Federal. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR)/Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Pessoa com Deficiência (SNPD), 2012.

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De um modo didático e simplificado para os objetivos deste artigo, as

deficiências podem ser classificadas como: (a) deficiência física, (b) deficiência

sensorial (incluídas a surdez e a cegueira ou baixa visão), (c) deficiência intelectual, (d)

deficiências múltiplas. Assim como são diferentes as deficiências e as pessoas em si,

diferentes são as suas necessidades para que possam participar efetivamente da vida

social. Na verdade, “a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as

barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação

dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

(Convenção da ONU, preâmbulo, letra “e”).

6 A IMPORTÂNCIA DA INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS

NOS PRODUTOS E SERVIÇOS HOTELEIROS

De início, cabe uma reflexão feita tão bem por Ana Paula de Barcellos e

Renata Campante (2012, p. 176).

A abordagem que se faz dos direitos da pessoa com deficiência pressupõe o entendimento de que a sociedade comporta uma diversidade vastíssima de traços e características, e que não são eles, por si, que trazem desvantagens e impedimentos às pessoas, e sim o fato de que a vida social, em seus diferentes aspectos, foi concebida tendo em conta um determinado paradigma de ser humano, que não os comporta. A deficiência, assim, encerra uma condição social e está indissociavelmente vinculada à própria discriminação e ao conjunto de atitudes, políticas públicas, estruturas físicas e serviços orientados por ela, que marginalizam a pessoa com deficiência no convívio social. A necessidade atual de criar meios novos de acesso aos direitos e bens sociais, de modo que as pessoas com deficiência possam usufruir deles da mesma maneira que os demais, decorre da desconsideração histórica da sociedade em relação a esses indivíduos, e não propriamente de certos traços e características que distinguem esses indivíduos.

Além de todas as razões já apresentadas, importantíssimo realçar que o Brasil é

signatário da Convenção da ONU e promulgou referida Convenção através do Decreto

nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Como Estado Parte, o país reconheceu o direito das

pessoas com deficiência de participar na vida cultural, em igualdade de oportunidades

com as demais pessoas, e deve tomar as medidas apropriadas para que as pessoas com

deficiência possam, dentre outros, ter acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos

culturais, tais como serviços turísticos (artigo 30, 1, “c”). E mais, o Estado também deve

tomar medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência participem, em

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igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de atividades de lazer, assegurando

que elas tenham acesso a locais de eventos turísticos e aos serviços prestados por

pessoas ou entidades envolvidas na organização de atividades de lazer (artigo 30, 5, “c”

e “e”). Desta feita, o Estado e a sociedade civil como um todo devem trabalhar para

atingir os objetivos da aludida Convenção: eliminar a discriminação e exclusão, e criar

sociedades que valorizem a diversidade e a inclusão.

Cabe, pois, também à iniciativa privada, e no caso do presente artigo cabe ao

empresariado hoteleiro, providenciar para que as pessoas com deficiência possam

contratar e usufruir dos seus produtos e serviços. Neste passo, oportuna a lição de

Daniel Sarmento (2004, p. 42). (...) No contexto da economia capitalista, o poder crescente de instâncias não estatais como as grandes empresas e associações, tornara-se uma ameaça para os direitos do homem, que não poderia ser negligenciada, exigindo que a artilharia destes direitos se voltasse também para os atores privados. (...) Se a opressão e a injustiça não provém apenas dos poderes públicos, surgindo também nas relações privadas travadas no mercado, nas relações laborais, na sociedade civil, na família, e em tantos outros espaços, nada mais lógico do que estender a estes domínios o raio de incidência dos direitos fundamentais, sob pena de frustração dos ideais morais e humanitários em que eles se lastreiam. Diante da brutal desigualdade material que se verifica na sociedade, torna-se imperativo condicionar os atores privados – sobretudo os investidos de maior poder social – ao respeito aos direitos fundamentais. (...)

O mesmo autor ainda esclarece Enfim, numa sociedade em que, tal como na fazenda de George Orwell, „todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros‟, proteger os „menos‟ iguais dos „mais‟ iguais tornou-se uma das principais missões dos direitos fundamentais. Sob esta perspectiva, os direitos humanos deixam de ser vistos como deveres apenas do Estado, na medida que outros atores não-estatais são convocados para o mesmo palco, chamados às suas responsabilidades para a construção de uma sociedade mais justa, centrada na dignidade da pessoa humana. (Sarmento, 2004, p. 4).

7 ACESSIBILIDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO

Tornar um local acessível para as pessoas com deficiência envolve muito mais

que construir uma rampa ou um banheiro adaptado para cadeirantes. Não bastam apenas

estruturas físicas, como instalações e equipamentos, como se abordará adiante, mas

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devem ser removidos todos os tipos de barreira que impedem que as pessoas com

deficiência participem com segurança das atividades. O artigo 9 da Convenção da ONU

dispõe sobre acessibilidade de forma bem esclarecedora e merece atenção.

Apesar do citado artigo 9 ser dirigido aos Estados-Partes, as providências que

devem ser tomadas também afetam o âmbito privado, já que os serviços e instalações

privados abertos ao público ou de uso público também devem estar em conformidade

com o quanto disposto em termos de acessibilidade pelos Estados-Partes

(BARCELLOS; CAMPANTE, 2012, p. 182). Isso vale, obviamente, para o setor

hoteleiro, foco deste artigo9.

Para Ana Paula de Barcellos e Renata Campante (2012, p.176-177), a

acessibilidade deve “assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de

oportunidades com as demais pessoas, às condições necessárias para a plena e

independente fruição de suas potencialidades e do convívio social.” E complementam

A acessibilidade, nesse contexto, é o mecanismo por meio do qual se vão eliminar as desvantagens sociais enfrentadas pelas pessoas com deficiência (...). Não é possível falar em direitos das pessoas com deficiência à educação, à saúde, à inserção no mercado de trabalho, ou a quaisquer outros direitos [aqui também compreendido o direito a lazer], se a sociedade continuar a se organizar de maneira que inviabilize o acesso dessas pessoas a tais direitos (...). A acessibilidade, nesse sentido, é uma pré-condição ao exercício dos demais direitos por parte das pessoas com deficiência. (...)

Por sua vez, as disposições da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000

quanto à acessibilidade10 também abrangem os meios de hospedagem quando se

referem aos edifícios privados de uso coletivo (artigo 11).

Outro ponto importante a ser abordado é a forma pela qual os

estabelecimentos, especificamente os hotéis, podem se adaptar para receber as pessoas

com deficiência. É fundamental não haver qualquer tipo de discriminação, como, por

exemplo, construir uma piscina somente para uso de pessoas com deficiência. A

Constituição Federal de 1988 repudia a discriminação expressamente em seu artigo 3º

9 Há empresas e órgãos que oferecem soluções, estudos e treinamentos em acessibilidade. A título ilustrativo, cita-se o Laboratório ADAPTSE, vinculado ao Departamento de Projetos da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.adaptse.org>. Acesso em: 09 mar. 2013. 10 Conceito de acessibilidade da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000: “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.” (artigo 2º, I).

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quando, dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inclui a

promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação. Eugênia Fávero ilustra, “... a discriminação (...), por

causa da deficiência ocorre o tempo todo e, quase sempre, não de forma consciente; às

vezes, até movida por boas intenções.” (2007, p. 35).

Uma abordagem interessante a respeito das mais variadas formas de

discriminação em face das pessoas com deficiência encontra-se no Americans with

Disabilities Act of 1990 (ADA), Title 42, Chapter 126, Sec. 12101, “a” 5 individuals with disabilities continually encounter various forms of discrimination, including outright intentional exclusion, the discriminator y effects of architectural, transportation, and communication barriers, overprotective rules and policies, failure to make modifications to existing facilities and practices, exclusionary qualification standards and criteria, segregation, and relegation to lesser services, programs, activities, benefits, jobs, or other opportunities;

Ao mesmo tempo em que repudia, a Convenção da ONU define discriminação

por motivo de deficiência em seu artigo 2.

Significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;

Por sua vez, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, promulgada pelo

Brasil através do Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, e conhecida como

Convenção da Guatemala assim conceitua.

O termo “discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

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É certo que nem toda a diferenciação se traduz na discriminação tão repudiada

pelos diplomas legais citados. A própria Convenção da Guatemala aceita a existência de

diferenciação que não se constitui em discriminação, nas seguintes hipóteses.

Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação. (artigo I, 2, “b”).

Ou seja, as adaptações e diferenciações são aceitas quando necessárias e não

discriminatórias. Situações discriminatórias como a transcrita por Christiani Marques

(2012, p.166) não devem ocorrer. Certa feita, em grande loja do comércio de calçados, seus representantes legais afirmavam com veemência que seu estabelecimento possuía acesso para pessoas com deficiência. O acesso era o elevador de cargas, que transpunha uma rampa com grande aclive. Pergunta-se: será essa a forma de tratamento que as pessoas com deficiência querem receber, seu acesso pelo elevador de cargas?

E mais, como ensina Eugênia Fávero “(...) um dos instrumentos essenciais para

que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito ao lazer é a acessibilidade,

tanto arquitetônica, como a de comunicação, e até de atitude.” Para tanto, é preciso

eliminar as “barreiras que impedem as pessoas com deficiência de ir e vir, e de usufruir

as coisas mais simples da vida” (2007, p. 142-143).11

8 AUTORREGULAÇÃO E HOTELARIA INCLUSIVA - UMA PROPOSTA DE

CONVIVIABILIDADE E DE MERCADO

Bem antes da visibilidade e magnitude que grandes eventos internacionais vêm

atraindo, principalmente os esportivos (Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos e

Paralímpicos 2016), o fenômeno da globalização tem sido responsável pela difusão do

11 Para mais informações a respeito de acessibilidade e das barreiras que impedem a acessibilidade, ver inteiro teor da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

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turismo, sendo responsável pela perda do seu caráter estanque. Tanto assim que este foi

instrumento de notável contribuição para aquele fenômeno mundial e, neste diapasão,

está presente como fundamento na formulação, elaboração e execução de muitas

políticas econômicas, sociais e culturais de vários países.

A longevidade é um fato incontestável; as populações estão envelhecendo com

maior qualidade de vida, o que gera, inexoravelmente, uma diversificação da clientela

em busca de lazer e novas experiências. A segmentação hoteleira não poderia ficar

indiferente a esse processo e, por isso, as políticas comerciais passaram a direcionar

seus produtos a novos tipos de consumidores, entre eles, as pessoas com deficiências e

com mobilidade reduzida12. A realização dos megaeventos esportivos aumenta a pressão

sobre a urgência e a importância de se equipar e atualizar os produtos e serviços

hoteleiros na medida exata das necessidades específicas desses clientes. Diga-se de

passagem, não são „novos‟ clientes no mercado hoteleiro nacional. E que fique claro: na

atividade plural do turismo, direitos de cidadania convivem em sintonia com direitos ao

lazer, ao livre mercado, à liberdade de escolha.

A hotelaria sempre esteve atenta ao que pode ser considerado um „insumo‟

básico para seu desenvolvimento: a hospitalidade13 (CASTELLI, 2006, p.2). Mudaram,

sim, os padrões de exigência e de informação em ambos os lados dessa relação –

clientes e hotéis. Permanecem, contudo, os princípios universais da hospitalidade:

segurança, conviviabilidade, cuidados ininterruptos e coerência (do produto), válidos

para todos os meios de hospedagem, independentemente de porte, segmento,

localização, classificação.

A hotelaria inclusiva14 nada mais é do que uma das facetas da aplicação destes

princípios. Atender uma clientela como as pessoas com deficiência e com mobilidade

reduzida pressupõe um estudo detalhado e cuidadoso dos projetos hoteleiros em toda a

12

Existe um plano de similaridade entre pessoas com deficiência e pessoas com outras limitações ou a redução temporária de alguma função física – em relação a aspectos como o espaço e o ambiente, tais como idosos, gestantes, lactantes, pessoas com criança de colo, obesos e outros (Lei nº 10.048/00, art. 1º). 13 “Em síntese, a hospitalidade consiste na ação voluntária de inserir o recém-chegado em uma comunidade, possibilitando o benefício das prerrogativas relacionadas ao seu novo status, seja ele provisório ou definitivo.” (CASTELLI, 2006, p.2). 14 Há trabalhos a respeito de lazer e turismo, incluindo meios de hospedagem, voltados para pessoas com deficiência. Apesar de nem sempre os autores utilizarem as expressões adequadas para designar as pessoas com deficiência, a título de colaboração, cita-se como exemplo: 1. FARIA, Marina Dias de. FERREIRA, Daniela Abrantes. Diretrizes estratégicas para empresas prestadoras de serviços de lazer extra-doméstico orientadas para consumidores portadores de deficiências. VI Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 2009. 2. FARIA, Marina Dias de. CARVALHO, José Luis Felicio. Lazer turístico e marketing estratégico: um estudo das restrições ao consumo para pessoas com deficiência motora. VII Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 2010.

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sua extensão. Mister ressalvar que neste trabalho não se pretende apenas tratar sobre a

existência de ambientes especiais, sejam eles, rampas ou banheiros adaptados. As

pessoas com deficiência possuem necessidades diferentes, específicas, decorrentes de

cada tipo de deficiência. Assim sendo, cabe ao hotel a tarefa de bem receber tais

pessoas, oferecendo não somente instalações físicas e equipamentos adaptados, mas

também pessoal treinado e serviços compatíveis com os vários tipos de deficiências e

características pessoais. Ainda, todos os ambientes aos quais o hóspede tem acesso

devem estar aptos a recebê-lo com segurança, acolhimento, excelência.

No tocante à existência de normas ou regulamentação a respeito de

acessibilidade nos meios de hospedagem, de início vale ressaltar que, na já citada

Portaria nº 100/11, que instituiu o Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de

Hospedagem (SBClass), estabelecendo os seus critérios de classificação, não se

encontram, dentre as suas exigências, requisitos específicos para atendimento adequado

às pessoas com deficiência. Importante referir que, para a plena aplicabilidade do

Decreto nº. 5.296/2004 e da Lei nº. 10.098/2000, os governos federal, estaduais e

municipais devem enfatizar o cumprimento da legislação sobre acessibilidade nas

respectivas instâncias para garantir que todas as pessoas tenham o mesmo direito de

acesso aos espaços públicos, aos equipamentos, atrativos e serviços turísticos. Sendo

assim, nas regiões turísticas, onde as questões da acessibilidade são reais para os

próprios habitantes e para os turistas, todo o esforço deve ser feito pelos gestores

públicos e agentes locais para inserir nas políticas de turismo as necessidades de

acessibilidade de todos os cidadãos. No bojo dos esforços para qualificar o setor

turístico e seus produtos para o grupo de pessoas com deficiência, políticas públicas de

turismo incluem programas e ações como o “Programa Turismo Acessível” (2012), com

dotação de R$ 100 (cem) milhões para a promoção da inclusão social e o acesso de

pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida à atividade turística.

As normas da ABNT referentes ao turismo, especificamente com relação aos

meios de hospedagem - objeto do presente artigo - também incluem disposições

referentes à acessibilidade. Vale ressalvar que o próprio Ministério do Turismo

chancelou o uso da normalização para produzir o Manual de Orientações: Turismo e

Acessibilidade, com base no Manual de Recepção e Acessibilidade de Pessoas com

Deficiência a Empreendimentos e Equipamentos Turísticos15, este último, por sua vez,

15 Ambos necessitando de atualização, especialmente com relação à forma a que se referem às pessoas com deficiência.

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em conformidade com a legislação brasileira e com Normas Técnicas da ABNT. Cita-se

também a ABNT NBR 15599:2008, que fornece diretrizes gerais a serem observadas

para acessibilidade em comunicação na prestação de serviços, consideradas as diversas

condições e percepção e cognição, com ou sem a ajuda de tecnologia assistiva ou outra

que complemente necessidades individuais, em especial o item 5.6. Já a norma ABNT

NBR 9050:2004 trata especificamente da acessibilidade a edificações, mobiliário,

espaços e equipamentos urbanos e se aplica aos meios de hospedagem16.

Em junho de 2012, preocupada em atender a atual e futura demanda relativa à

mobilidade urbana dos visitantes estrangeiros e dos moradores da cidade de São Paulo,

a seccional paulista da Associação Nacional da Indústria de Hotéis (ABIH-SP)

desenvolveu, em parceria com a ABNT, um programa contínuo de sensibilização e

capacitação sobre as necessidades de funcionários e clientes com características físicas e

sensoriais especiais17. O Selo de Acessibilidade e Inclusão Social18, vinculado ao

programa, consiste em uma certificação para hotéis que seguirem as regras de

atendimento a pessoas com algum tipo de deficiência, como rampas e banheiros

adaptados, entre outras.

Nos Estados Unidos, o Americans With Disabilities Act of 1990 (ADA),

SUBCHAPTER III - Public Accommodations And Services Operated By Private

Entities, classifica os hotéis, dentre outros, como acomodação pública (public

accommodation) e contém disposições específicas para eles.

Por mais que possam parecer óbvias as observações que serão feitas a seguir, a

intenção das autoras é trazer ao debate e conhecimento os detalhes de um cotidiano que

talvez muitos desconheçam. São itens relacionados, a título meramente exemplificativo,

às necessidades que as pessoas com determinadas deficiências podem ter, sem qualquer

pretensão de se esgotar a matéria no restrito espaço deste artigo.

No tocante à infraestrutura e equipamentos, há vários itens a serem observados

pelos meios de hospedagem. Para um cliente com deficiência auditiva, por exemplo,

devem ser oferecidos meios efetivos para se comunicar, como telefones específicos,

sinalização visual apropriada e profissionais capacitados para o uso da língua de sinais

(LIBRAS). Para pessoas com deficiência visual, recomenda-se a adoção de materiais

em Braile, sinalizadores sonoros e que seja concedida permissão de acesso e oferecida 16 O item 8.3 é específico para os locais de hospedagem. 17 Conforme noticiado na Revista Hotéis, ed. 77, em 20 jun. 2012. 18 Veja a Pesquisa sobre Acessibilidade nos Meios de Hospedagem no sítio da ABIH-SP, que é um pré-requisito para a obtenção do Selo de Acessibilidade e Inclusão Social.

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estrutura para receber cães-guia, entre outros recursos. Às pessoas com deficiência

física ou mobilidade reduzida, prescreve-se rampas de acesso, banheiros adaptados,

balcões e outros mobiliários mais baixos para facilitar o acesso e a visibilidade de

pessoas em cadeiras de roda. Para a segurança de todos, é importante que os pisos sejam

antiderrapantes, firmes, sem buracos ou desníveis; que haja barras de apoio e corrimões

nos locais necessários. E não se deve esquecer que as crianças também possuem

deficiências e que, portanto, a área de recreação infantil, se existente, e tudo o mais

voltado ao público infantil, também deverá ser disability friendly.

Para os hotéis que ainda serão construídos, é imprescindível que a questão da

acessibilidade seja prevista na fase de projeto. Em termos de custos, melhor pensar em

um hotel acessível na sua concepção, do que se realizar reformas e adaptações

posteriores19.

Por outro lado, obviamente que tornar acessível um hotel que já existe não

pode se tornar oneroso demais à iniciativa privada e, por isso, importante transcrever o

conceito de “adaptação razoável” do artigo 2º da Convenção da ONU.

“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;

Uma excelente opção para a construção ou adaptação dos hotéis é a utilização

do chamado “desenho universal”, definido pela Convenção da ONU em comento20, em

seu artigo 2º: “significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a

serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de

adaptação ou projeto específico. O „desenho universal‟ não excluirá as ajudas técnicas

para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias.”. De fato,

como observam Ana Paula de Barcellos e Renata Campante (2012, p.189).

O desenho universal oferece um instrumental que procura responder, a partir de um novo paradigma capaz de dar conta da ampla diversidade humana, à necessidade de se conceber os canais de acesso ao convívio social de modo inclusivo. Essa nova abordagem permite a redação de custos e realiza o potencial de transformação inscrito nesse direito fundamental.

19 No mesmo sentido, BARCELLOS; CAMPANTE, 2012, p. 185. 20 Também adotado pela ABIH-SP como critério para o Selo de Acessibilidade e de Inclusão Social.

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Por sua vez, não bastam as adaptações de infraestrutura e de equipamentos, já

que a maneira de lidar e se comunicar com a pessoa com deficiência também devem ser

objeto de treinamento dos funcionários dos hotéis e das empresas que eventualmente

funcionem dentro deles. O uso da linguagem correta (cuidado com termos

inadequados), o respeito pelo ritmo por vezes lento de comunicação e a abordagem

apropriada é imprescindível e pode fazer a toda a diferença no atendimento às pessoas

com deficiência e seus acompanhantes. Em suma: as atitudes adequadas também são

importantíssimas e para tanto, os meios de hospedagem devem investir em treinamento.

Nesse sentido, o Relatório Mundial sobre a Deficiência 2011 é claro.

O conhecimento e as atitudes são importantes fatores ambientais que afetam todas as áreas de fornecimento de serviços e vida social. Elevar a conscientização e desafiar as atitudes negativas costumam ser os primeiros passos para a criação de ambientes mais acessíveis para as pessoas com deficiência. (2011, p. 6).

E mais adiante complementa

Mesmo depois que as barreiras físicas forem removidas, as atitudes negativas podem produzir barreiras em todas as áreas. Para superar a ignorância e o preconceito em torno da deficiência, a educação e a sensibilização são necessárias. (Relatório Mundial sobre a Deficiência, 2011, p.177).

Por outro lado, empregar pessoas com deficiência nos estabelecimentos de

hospedagem e seus prestadores de serviços também contribui para a acessibilidade

hoteleira. De sabença que a Constituição Federal de 1988 (artigo 7º inciso XXX) e a

Convenção da ONU (artigo 27) tratam especificamente do direito ao trabalho das

pessoas com deficiência. Por sua vez, empresas com cem empregados ou mais são

obrigadas a ter seus cargos preenchidos com “beneficiários reabilitados ou pessoas

portadoras de deficiência, habilitadas”, por conta do disposto na Lei nº 8.213, de 24 de

Julho de 1991. No entanto, nada impede que um hotel, por exemplo, mesmo que não se

enquadre nos requisitos da referida lei, contrate pessoas com deficiência. Ou, tendo cem

empregados ou mais, contratar um número superior ao estipulado pela lei. Não é demais

frisar que quase todos os trabalhos podem ser realizados por pessoas com deficiência, e

que, no ambiente propício, a maioria das pessoas com deficiência pode ser produtiva.

(Relatório Mundial sobre a Deficiência, 2011, p. 243). Apenas a título de ilustração, o

ano de 2013 foi declarado como “Ano Iberoamericano para inclusão de pessoas com

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deficiência no mercado de trabalho” pela XXII Cúpula Iberoamericana de Chefes de

Estado e de Governo, realizada em 2012, em Cádiz, Espanha, no documento chamado

“Comunicado Especial sobre la Declaracion del 2013 como Ano Iberoamericano para la

Inclusion em el Mercado Laboral de Las Personas com Discapacidad”.

Sendo assim, a hotelaria também deve empreender ações visando a inserção de

pessoas com deficiência em seus quadros de colaboradores, não somente nas áreas

administrativas como operacionais (áreas de uso comum/públicas). Estará, assim,

inserindo um diferencial em seus produtos e serviços, permitindo uma interação

amigável e produtiva entre seus hóspedes e funcionários.

CONCLUSÃO

Capacitar a atividade empresarial hoteleira para o desafio de bem atender as

pessoas com deficiência não é tarefa fácil pela sua complexidade e investimentos

necessários. Por outro lado, com a atual evolução dos processos de parametrização e

classificação hoteleira, mais voltados para a autorregulação, os empresários e

profissionais da hotelaria tornam-se mais confiantes e responsáveis pelo sucesso dos

empreendimentos, lastreados na sua expertise e conhecimento do negócio. Nesta toada,

é plausível que sejam perfeitamente capazes de estabelecer os critérios de adequação

dos hotéis para atender e acompanhar a demanda de um segmento como o das pessoas

com deficiência, independente da origem, da época, do objetivo da viagem/estada. Até

porque, os investimentos feitos em termos de adequação, seja na construção de novos

meios de hospedagem, seja na reforma daqueles existentes, certamente produzirão

efeitos por um longo período, resultarão em melhor imagem frente aos consumidores

em geral, inclusive em face da concorrência.

Repise-se aqui o entendimento já esposado (CARVALHO, 2012, p. 4335-4352)

sobre a inequívoca e exclusiva competência da hotelaria para se autorregular, tendo em

vista o caráter eminentemente privado da atividade. Por oportuno, a hotelaria, sendo um

dos segmentos mais representativos da atividade turística, com base na lei da demanda e

oferta, tem sido capaz de atuar em dois sentidos. Em outras palavras, tanto a oferta vem

para atender uma demanda, como a oferta pode gerar uma demanda, „criar‟ um destino

turístico.

Não se descartam de todo os diplomas legais e normativos emanados dos entes

públicos cuja função deve ser meramente indicativa, liberando os empresários das

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ingerências inoportunas da burocracia estatal. Sob esta ótica, é possível caminhar a

passos largos para a consolidação cada vez maior da profissionalização do setor, com a

consequente e necessária otimização dos recursos financeiros investidos. Resta, assim,

um espaço para que a iniciativa privada se autorregule, criando critérios e parâmetros

para a certificação de hotéis com vistas à acessibilidade e não discriminação, para bem

receber os consumidores com deficiência.

Por fim, de notar que o presente artigo não pode, por seu espaço limitado,

esgotar todas as questões abordadas, mas as autoras esperam ter colocado o tema

autorregulação e hotelaria inclusiva em debate, provocando discussões e atitudes

efetivas do mercado. Esperam também ter contribuído para que os meios de

hospedagem possam receber as pessoas com deficiência cada vez mais com segurança e

da melhor maneira possível, especialmente diante de eventos grandiosos que ocorrerão

no Brasil. Os direitos de cidadania convivem em sintonia com direitos ao lazer, ao livre

mercado, à liberdade de escolha e, por isso mesmo, não se deve esquecer da questão da

acessibilidade sem discriminação, visando a eliminação de barreiras físicas e de atitude

que possam de alguma maneira dificultar ou impedir que as pessoas com deficiência

usufruam dos produtos e serviços hoteleiros. Conscientizar e treinar funcionários,

realizar projetos hoteleiros considerando a acessibilidade e adaptar os espaços existentes

também é uma forma de cativar esse determinado consumidor, de melhorar ainda mais a

imagem do setor e criar competitividade no mercado.

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COTAS PARA MULHERES EM CONSELHOS DIRETORES – UMA REALIDADE

EUROPÉIA FACTÍVEL E NECESSÁRIA PARA O BRASIL?

MARKET RESERVE FOR WOMEN ON DIRECTORS BOARD - AN EUROPEAN

REALITY NECESSARY FOR BRAZIL?

Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini 1

Luciane Maria Trippia2

SUMÁRIO: Introdução – 1. Ações afirmativas – 2. A mulher brasileira no mercado de trabalho: condições históricas – 3. Mulheres brasileiras em cargos de direção – 4. Sobre a implantação de cotas para mulheres em cargos de direção – 5. Considerações finais – 6. Referências.

RESUMO: Nas últimas décadas aumentou a consciência de que homens e mulheres vivenciam o trabalho diferenciadamente. A discriminação de gênero determina possibilidades de acesso e permanência no emprego, especialmente em cargos de direção, tanto no Brasil, como no cenário mundial. Na Europa se utilizam ações afirmativas para minimizar tal situação. A despeito de projeto de lei no Senado Federal criando cotas para mulheres nos conselhos de administração de empresas estatais federais, objetivou o presente artigo indagar se cotas para mulheres em conselhos diretores são necessárias para o mercado de trabalho feminino brasileiro. Após uma análise das condições históricas da mulher no mercado do trabalho e dos dados relacionados a esse tema, concluiu-se pela necessidade de ações afirmativas, se de fato constatada a existência de preconceito de gênero nessa área. Palavras-chave: mulher no mercado de trabalho; discriminação de gênero; ações afirmativas; cotas em conselhos de administração. ABSTRACT: In the past few decades, the awareness that men and women experience work has increased differently. Gender discrimination determines possibilities of access and retention in employment. Gender discrimination determines possibilities of access and retention in employment, especially in leadership positions not only in Brazil, but all over the world. In Europe, there are actions taken to minimize the situation. Despite the bill in the Senate creating quotas for women on boards of state enterprises, the aim of this article is to inquire whether the quotas to women on boards are really necessary to the labor market in Brazil.

1 Doutor e Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Professor do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Professor da Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – FEMPAR. Líder do grupo de pesquisa “Ética, direitos fundamentais e responsabilidade social”. Procurador de Justiça no Estado do Paraná. Email: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/8390682026043566 2 Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Professora do Curso de Graduação em Direito do UNICURITIBA. Advogada.

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After an analysis of the historical conditions of women in the labor market and the data related to that topic, we concluded by the need for affirmative actions if the existence of gender bias in this area is indeed verified. Keywords: women in the labor market, gender discrimination, affirmative actions, quotas on board INTRODUÇÃO

A inserção da mulher no mercado de trabalho é fato consolidado, porém marcado por

diferenças e desigualdades se comparado com a inserção masculina. Segundo Faria (2011, p.75):

“as mulheres brasileiras são 42,6% da população de ocupados e os homens, 57,4%”. E, apesar de

estarem cada vez mais presentes no mercado de trabalho, sobretudo posteriormente a 1980, elas

são atingidas com mais força pelo desemprego, sendo que as mulheres representariam “58,3%

dos desocupados e os homens 41,7%”, conclui. Ressalta também que as mulheres continuam

concentradas em certos nichos da atividade (prestação de serviços, área social, comércio de

mercadorias e setor agrícola).

Ainda em relação à situação das mulheres na sociedade brasileira, menciona-se alguns

dados pesquisados por Moraes (2010): segundo indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílio – PNAD/IBGE 2007, nas últimas décadas, verificou-se aumento significativo na

participação das mulheres no mercado de trabalho. Em 2006, as mulheres representaram 43,7%

da população economicamente ativa (PEA), somando 42,6 milhões de mulheres na força de

trabalho, e com um rendimento médio de 65,6% do rendimento médio masculino.

Moraes (ibid) também realizou pesquisa em relação ao perfil das trabalhadoras, tendo

verificado que a percentagem das que têm o ensino médio completo era de 43,5%; e para os

homens, essa proporção era de um terço. Outra pesquisa realizada pelo IPEA em 2007 e citada

por Moraes mostrou que do total de contratados nas regiões metropolitanas de São Paulo, Belo

Horizonte, Porto Alegre, Salvador e DF, 63,3% eram homens, e 36,7% mulheres. Também

constatou que 31,4% das famílias eram chefiadas por mulheres.

No continente europeu, para minimizar essas dificuldades, vem sendo adotada já há

alguns anos sistema de cotas, tendo iniciado na Noruega, no ano de 2004, depois pela Espanha,

em 2007, e, em 2011, pela França, Itália, Holanda, Bélgica e Islândia, países esses onde 40% dos

assentos de conselhos diretores são reservados para mulheres.

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No Brasil, embora se verifique projeto de lei tramitado no senado federal nessa direção,

ainda não há legislação específica a esse respeito. Diante da desigualdade de gênero no mercado

de trabalho no país, o presente artigo tem por objetivo problematizar a necessidade da adoção de

ações afirmativas que visem minimizar essas desigualdades, mais especificamente a

implementação de cotas para mulheres em conselhos de direção nas empresas públicas e privadas

de capital aberto.

Para tanto, será, inicialmente, verificado o que são as ações afirmativas, procurando

compreender o porquê se justificam, bem como o histórico de tal política, seja em nível mundial,

como nacional. Na seqüência, será discutida a condição histórica da mulher brasileira no mercado

de trabalho, inclusive em cargos de direção. Tais discussões possibilitarão contribuir com a

construção de respostas à seguinte pergunta: são necessárias cotas para mulheres em conselhos

diretores no Brasil?

Para a realização da pesquisa será utilizado o método teórico-bibliográfico, pelo qual

serão aplicados textos constantes de livros, artigos e publicações jurídicas no geral. Também

serão considerados dados obtidos em pesquisas relativos à inserção da mulher no mercado de

trabalho, inclusive no âmbito dos conselhos diretores de empresas. Abordar-se-á o tema de

maneira dedutiva, dialética e crítica, no que toca ao objetivo central do artigo, sem a preocupação

da apresentação de uma solução definitiva a respeito desse relevante tema, que é o respeito à

igualdade material de gênero no ambiente de trabalho, em todos os níveis da empresa.

1. AÇÕES AFIRMATIVAS

Ações afirmativas, segundo Gomes (2001), seriam um conjunto de políticas públicas e

privadas, de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, que tem por objetivo o combate à

discriminação referente à raça, gênero e origem nacional, visando à concretização do ideal de

igualdade efetiva a bens considerados fundamentais, incluindo o acesso a educação e ao emprego.

Segundo Piovesan (2005, p. 49), as ações afirmativas podem ser consideradas como

medidas especiais e temporárias que, na busca de tentar remediar ato discriminatório ocorrido no

passado, teriam por objetivo “acelerar o processo com o alcance da igualdade substantiva por

parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, e as mulheres, entre outros

grupos”. Situa-as, assim, como um poderoso instrumento de inclusão social.

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Da mesma forma entende ainda Gomes (2001, p. 5), quanto à importância para a questão

social, ao considerar as ações afirmativas como sendo políticas sociais, as quais, para ele, seriam

“tentativas de concretização da igualdade substancial ou material”, sendo denominadas tais ações

também, no direito europeu, segundo assim afirma, como uma espécie de “discriminação

positiva”.

Gosdal (2003, p. 123) observa que a discriminação positiva, forma como as ações

afirmativas são então também conhecidas na Europa, costumam ser chamadas, nos Estados

Unidos, de “discriminação inversa”, embora advirta que a matéria em questão não é pacífica,

“havendo diversos autores que entendem que de fato o que há é uma confusão de conceitos que,

na verdade, são distintos”.

As ações afirmativas, para Pinho (2005, p. 116), “usam da discriminação para combater a

própria discriminação”. Tal expressão, entretanto, corresponderia a um conceito neutro, sem

conotação positiva ou negativa. Desta forma, seria a discriminação negativa considerada como o

centro das ações afirmativas, através de políticas públicas ou privadas, no intuito de prover

oportunidades ou benefícios para indivíduos inseridos em determinados grupos.

Para Mastrantonio (2011), as ações afirmativas podem ser conceituadas como sendo um

conjunto de políticas públicas e privadas, de caráter compulsório, facultativo, ou voluntário. Elas

podem se dirigir, notadamente, à concretização do princípio constitucional da igualdade material,

bem como à neutralização dos efeitos da discriminação de gênero, racial, de idade, e, ainda, de

origem nacional.

As ações afirmativas, tanto para Gomes (2001), como para Pinho (2005, p. 116), possuem

como justificativa principal a reparação de uma ação negativa ocorrida no passado. Assim, para

essa, há uma vinculação com a idéia de reparação, “de conduzir essas pessoas ao lugar em que

estariam se não tivessem sido discriminadas”, no caso, sob uma conotação negativa.

Segundo Mastrantonio (2011, p. 122), as ações afirmativas teriam por objetivo “a

concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o

emprego.” Enquanto uma política provisória, serviria para agilizar o princípio da igualdade,

possuindo por finalidade a correção de distorções discriminatórias sofridas por grupos

considerados vulneráveis, propiciando, desta forma, a sua promoção.

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No caso da mulher, essa recomposição visaria minimizar os danos a ela infligidos por

séculos a fio. Por muito tempo o sistema jurídico reduziu a mulher a um ser juridicamente

incapaz, abafando, de certa forma, toda a sua potencialidade. A exclusão da condição feminina

foi deveras marcada pelo patriarcalismo, tendo fundado o padrão familiar de forma desigual,

como assevera Pinho (2005).

Segundo Kloss (2010, p.77), uma das justificativas para a implementação das ações

afirmativas seria a de realizar uma “compensação histórica”. Observa que determinados grupos

ou indivíduos podem ter características pouco apreciadas em determinadas situações, e que,

mesmo proibidas atualmente, poderiam, culturalmente, emitir reflexos.

Também para Sandel (2011, p. 213) as ações afirmativas teriam argumentos

compensatórios, a fim de tentar remediar as injustiças do passado. No entanto, entende que isto

poderia dar margem a contestação, haja vista que os “beneficiários não são necessariamente

aqueles que sofreram, e os que acabam pagando pela compensação raramente são os responsáveis

pelos erros que estão sendo corrigidos”.

Outro argumento reconhecido por Sandel (ibid) para a implementação de ações

afirmativas seria o da diversidade, o qual poderia ser um meio de atingir um objetivo socialmente

mais importante, se justificando para atingir o bem comum. Nela também se verifica objeções,

entre elas a de que não haveria como garantir existência de uma sociedade mais diversificada,

nem uma maior conscientização, podendo-se correr o risco, inclusive, de gerar tensões,

provocando, desta forma, indignações entre aqueles que se submeteriam às essas ações.

O argumento da diversidade na utilização de ações afirmativas também é utilizado

Piovesan (2005, p. 49):

As ações afirmativas, como políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado de discriminação, cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático: assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve moldar-se no respeito à diferença e à diversidade.

Assim também é o entendimento de Gosdal (2003, p. 127), para a qual as ações

afirmativas apresentariam uma tríplice justificação: “evitar a permanência de condutas

discriminatórias, compensar os grupos discriminados pelo passado e valorar a diferença que diz

respeito ao grupo discriminado”. Portanto, para ela haveria, para além dos argumentos utilizados

de diversidade e compensação história, uma terceira justificativa.

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A expressão afirmative action, segundo Pinho (2005, p. 116), teria sido utilizada,

primeiramente, em uma ordem executiva federal estadunidense do ano de 1965, passando a

significar “a exigência de favorecimento de algumas minorias socialmente inferiorizadas e

juridicamente desigualadas, por preconceitos fixados histórica e culturalmente”.

Entretanto, para Gosdal (2003), as ações afirmativas teriam tido sua origem no ano de

1963, nos Estados Unidos, inicialmente tratando de discriminação quando a raça e sexo. No ano

de 1964 teria sido editada a lei sobre igualdade de salários, e, tempos depois, no ano de 1972,

uma lei que tratou sobre a oportunidade no mercado de trabalho.

Joaquim Barbosa Gomes, acerca da origem das ações afirmativas, afirma que elas

surgiram através de programas ativados pelo Presidente John Kennedy, no ano de 1961, ao

expedir um decreto executivo no intuito de inserir os negros em um sistema educacional de

qualidade, o que, até àquela data, era reservado aos estudantes de raça branca.

No entanto, Menezes (2001, p. 90) atribui a origem de tal política ao Vice-Presidente

americano, Lyndon B. Johnson, que assumiu imediatamente o cargo, dando continuidade aos

projetos de lei. Teria este aproveitado o “momento de pesar e perplexidade que recaiu sobre a

sociedade norte-americana” para, então, com habilidade política conseguir que o Congresso

tivesse aprovado referido projeto3.

No Brasil, país com a mais longa história de escravidão das Américas, e de forte tradição

patriarcal, conforme assevera Gomes (2001), as ações afirmativas começaram a ser discutidas a

partir da década de 1960. Contudo, essa discussão, segundo o autor, vem ocorrendo de maneira

equivocada na medida em que há confusão entre ação afirmativa e sistema de cotas, sendo que

“as cotas constituem apenas um dos modos de implementação de políticas de ação afirmativa”

(ibid, p. 38).

O primeiro registro de adoção de medidas que trataram de discussões acerca de

discriminação positiva, no país, segundo Mastrantonio (2011), teria sido em 1968. Naquela

ocasião uma manifestação favorável para a criação de normas para se evitar a discriminação

racial no mercado de trabalho, a qual se deu por iniciativa dos servidores do Ministério do

Trabalho e do TST, sem, contudo, ter logrado êxito.

3 Civil Right Act, de 2 de julho de 1964, o qual proibia discriminação ou segregação em lugares ou alojamentos públicos, bem como no mercado de trabalho conforme raça, cor, sexo ou origem, entre outros.

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Foi somente nos anos 80 que teria havido a primeira formulação de um projeto de lei na

tentativa de realizar uma compensação para o afro-brasileiro. Contudo, tal tentativa de propor

uma ação compensatória, cuja autoria era do deputado federal Abdias Nascimento, também não

teve êxito, sendo o projeto de lei arquivado, embora continuassem as reinvindicações.

Menezes (2001, p. 153) entende ser viável a implementação de políticas de ações

afirmativas no Brasil, visto considerar o ordenamento jurídico pátrio “pródigo em previsões que

favorecem a adoção de tratamento jurídico diferenciado para grupos sociais”, incluindo, aí, a

possibilidade de correção dos efeitos decorrentes de ações racistas e discriminatórias, o que, no

caso, pode-se considerar a história da mulher brasileira.

No que tange a discriminação em relação ao trabalho feminino, cita-se os sindicatos como

espaços onde se desenvolvem ações afirmativas de gênero, os quais teriam sido aprovados,

segundo Kloss (2010, p. 83), ainda que não exclusivamente marcado pela presença feminina,

“após a organização e influência das mulheres nas políticas e práticas sindicais, em meados de

1983”.

Assim, a busca pela igualdade de oportunidades no Brasil, notadamente relativa à questão

de gênero, para Mastrantonio (2011, p. 128), depende ainda de atitudes das empresas que

demonstrem “interesse em corrigir desigualdades e práticas discriminatórias”, protagonizando a

implantação de políticas positivas, apesar dos avanços legislativos ocorridos nos últimos anos no

campo do direito do trabalho no país.

2. A MULHER BRASILEIRA NO MERCADO DE TRABALHO: CONDIÇÕES

HISTÓRICAS

No Brasil, a história do Direito do Trabalho teve início, segundo Calil (2000), com as Leis

do Ventre Livre4 (em 1871), e a do Sexagenário 5(em 1885). Mas, sobretudo, com a Lei Áurea6,

em 1888, visto que foi em conseqüência do fim da escravidão que milhares de postos de trabalho

4 A Lei do Ventre Livre, também conhecida como “Lei Rio Branco” foi uma lei abolicionista, promulgada em 28 de setembro de 1871 (assinada pela Princesa Isabel). Esta lei considerava livre todos os filhos de mulher escravas nascidos a partir da data da lei. 5 A Lei dos Sexagenários (ou Lei Saraiva-Cotegipe) foi promulgada a 28 de setembro de 1885 e garantia liberdade aos escravos com mais de 65 anos de idade. 6 A Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353), sancionada em 13 de maio de 1888, foi a lei que extinguiu a escravidão no Brasil.

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foram criados, em especial na agricultura. Ressalta-se que o incentivo do governo à imigração

européia foi um dos fatores que influenciou a abolição da escravatura.

Rago7 (2012) assevera que, após a abolição da escravatura, o governo brasileiro procurou

atrair imigrantes europeus para o trabalho tanto na lavoura, como nas fábricas, tendo o início do

trabalho no país se dado em boa parte, portanto, por mão-de-obra de moças jovens,

principalmente brancas, em especial: italianas, portuguesas, espanholas e alemãs.

Segundo Barros8 (2012) o marco inicial do direito do trabalho teria sido o século XIX,

dentro de um contexto internacional, em um momento histórico de crise social, surgindo como

uma resposta política aos problemas sociais acarretados pelos dogmas do capitalismo liberal. Tal

crise se deu posteriormente à Revolução Industrial, ocorrida em no século XVIII, na Inglaterra,

quando então houve mudanças tecnológicas que acarretaram grande impacto no processo

produtivo.

O Estado, naquela época, teve então que intervir em razão das lutas sociais e agitações dos

trabalhadores, no continente europeu, tendo como inspiração normas que lhe atribuísse critérios

próprios, não encontrados em outro ramo do direito. Dentre essas normas, que representam os

princípios peculiares do Direito do Trabalho, está o da proteção, centralizado numa garantia de

condições mínimas de trabalho, em conjunto com o princípio da irrenunciabilidade (ibid, p. 67).

Foi neste contexto, com o surgimento da classe operária, que passou a ter mais

importância à questão salarial, a qual, segundo Castel (2010, p. 580) teria o condão de emancipar

“o trabalho e os trabalhadores do visco das sujeições locais; os camponeses, das tutelas da

tradição e do costume; a mulher, da reclusão na ordem doméstica”. Asseverando este autor,

ainda, que o salário, na sociedade contemporânea, representa o fundamento da cidadania

econômica e social.

À mulher, como visto através de Castel (ibid), necessitou passar por processo de

emancipação, haja vista sua posição de submissão ao longo da história em todo o cenário

mundial. No Brasil, durante o período colonial, a mulher era considerada como “pertencente ao

imbecilitus sexus, ou seja, posicionada junto com as crianças, louca e incapaz”, previsão esta

contida nas Ordenações do Reino, segundo informa Gosdal (2007, p. 79).

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Nas Ordenações Filipinas, posteriormente, em caso de adultério, o marido tinha o direito

de matar a mulher e o amante, a não ser que fosse o marido peão, e o amante pessoa de classe

abastada, Desembargador ou Fidalgo. Nesta época, a mulher tinha um papel maternal apenas,

embora não possuísse direito algum sobres os seus filhos, os quais eram submetidos ao poder do

pai.(ibid, p. 79)

Todavia, cumpre lembrar que legislações importantes houveram antes desse período,

como por exemplo, a Constituição de 18249, na qual foi deixado de tratar sobre a igualdade de

sexos e o trabalho feminino, tendo sido apenas previsto a igualdade de uma forma genérica.

Sequencialmente, na Constituição de 189110, não foi previsto, também, a igualdade entre

mulheres e homens, tendo sido consignada a igualdade perante a lei, extinguindo-se as ordens

honoríficas e os títulos nobiliários (GOSDAL, 2007).

No Brasil, na época do início da industrialização, a mão-de-obra feminina era empregada

em larga escala, conforme dados de 1894, na qual consta que 72,74% dos trabalhadores têxteis

eram mulheres (49,95%) e crianças (22,79%). Além do mais, estudos “demonstram que o início

da industrialização as mulheres eram empregadas exatamente em ramos que se utilizavam de

menor mecanização”, no caso as indústrias têxteis, portanto, longe das máquinas, segundo Calil

(2000, p. 26).

Na contramão do pensamento dominante, segundo Calil (ibid), foi o fato de que a

expulsão das mulheres dos postos de trabalho das fábricas não ocorreu de maneira contínua e

gradual, mas sim simultaneamente ao surgimento de legislação de proteção ao trabalho. As

mulheres foram sendo expulsas das fábricas conforme avançou a industrialização e a

incorporação do trabalho masculino. Elas, independentemente de classe social, enfrentaram

barreiras para participar do mundo dos negócios.

Segundo Matos e Boreli (2012, p. 127), as trabalhadoras, neste ambiente fabril, eram

tratadas como pessoas “frágeis, indefesas, passivas e carentes de consciência política. Na

verdade, mulheres participavam ativamente das lutas operárias, atuaram em mobilizações,

9 A Constituição do Império do Brasil de 1824 foi a primeira constituição brasileira. A carta constitucional foi encomendada pelo imperador Dom Pedro I (até então príncipe real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), proclamador da independência do Brasil (1822) do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e fundador do Império brasileiro. Tendo sido outorgada. 10

A elaboração da constituição brasileira de 1891 iniciou-se em 1889. Após um ano de negociações, a sua promulgação ocorreu em 24 de fevereiro de 1891. Esta constituição vigorou durante toda a República Velha e sofreu apenas uma alteração em 1927.

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paralisaram as fábricas”, e inclusive, fizeram reinvindicações para melhores condições de

trabalho, além da redução de jornada laboral.

Portanto, na passagem do século XIX para o XX, era este o cenário de trabalho das

mulheres, ou seja, exerciam funções desqualificadas, com baixos salários, e sujeitas a assédios. A

elas restavam as tarefas com pior remuneração, e as menos especializadas dentro das fábricas,

locais que eram, geralmente, pouco iluminados, sujos, com péssima ventilação. Além do mais,

estavam as trabalhadoras constantemente sujeitas ao assédio sexual por parte de seus superiores.

No ano de 1917, surgiu, segundo informa Gosdal (2007), a primeira lei protecionista da

mulher, a lei Estadual paulista nº 1.596, que instituiu o Serviço Sanitário do Estado, proibindo o

trabalho de mulheres no último mês de gravidez e no primeiro do puerpério em estabelecimentos

industriais. Embora outros autores entendam que a primeira lei poderia ter sido a Lei nº 3.724, de

1919, ou até mesmo o Decreto nº 21.417-A, de 1932, ambas relativas à vedação ao trabalho

noturno das mulheres.

Também para Calil (2000, p. 30) a primeira legislação de cunho protecionista à mulher

operária teria sido a lei nº 1.596, em 1917. Sequencialmente, no mesmo ano, também entrava em

vigor o Código Civil, o qual atribuía à mulher o “dever de obediência ao marido”, o qual era

considerado “chefe de família”. Segundo este Código, portanto, a mulher era considerada sujeita

à autoridade do marido, além de relativamente incapaz.

No período entre 1920 e 1940, segundo Matos e Boreli (2012) houve uma diminuição da

presença feminina no universo fabril, embora elas tivessem, ao final, conseguido se manter no

mercado de trabalho. Os motivos foram em razão das transformações no processo de

industrialização, em conjunto com as ações (públicas, médicas e do movimento operário) contra o

trabalho feminino, e à legislação dita protetora deste.

Com o advento da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, segundo Calil (2000) foi

completado um ciclo, iniciado com idéias liberais que resultaram em falta de proteção ao

trabalho, se fechando com políticas de proteção ao trabalhador. Em especial no Capítulo III, do

Título III (“Da proteção do trabalho da mulher”), o qual aborda, em cada uma das sessões:

duração e condições do trabalho, trabalho noturno, períodos de descanso, métodos e locais de

trabalho, e proteção à maternidade.

Tal legislação, embora tenha sido elaborada no ano de 1943, durante o período do Estado

Novo, sob o comando do então presidente Getúlio Vargas, está em vigência até os dias atuais,

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encontrando-se, no entanto, repleta de emendas, inclusões e supressões. O dispositivo que trata

especificamente da proteção do trabalho da mulher (Capítulo III, do Título III), inclusive, teria

sido influenciado pelo Decreto nº 21.417-A, de 1932, segundo observa Barros (2012).

Para Lopes (2006, p. 2), o ordenamento jurídico, até a Constituição de 1988, tinha por

tendência “proteger” o trabalho da mulher, o que, para ela, acabou por perpetuar a discriminação

da mulher no mercado de trabalho. Afirma, ainda, que o que se efetivamente buscava era a

proteção estrutural da família patriarcal, e que até hoje perdurariam resquícios destas disposições

“falsamente protetivas”, havendo, contudo, “riscos de retrocesso, alimentado pelo contexto de

contínua precarização laboral”.

A Constituição de 1988, entre os seus dispositivos legais, não proibiu o trabalho da

mulher em atividades insalubres, o que pode significar que o tornou permitido, segundo Martins

(2011). Mas proibiu a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão

por motivo de sexo (art. 7º, XXX). Além do mais, no artº 5, I, a Constituição assegura que

homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, não mais se justificando qualquer

distinção entre os sexos.

No âmbito internacional, a OIT11 também realça a necessidade de proteção ao trabalho da

mulher, tendo editado inúmeras Convenções sobre diversos assuntos, entre os quais, destacam-se

três, dada a relevância para a análise do presente trabalho: nº 90, de 1952 – que dispõe sobre a

igualdade de remuneração; nº 111, de1958 - referente à discriminação no emprego ou ocupação;

e a nº 165, de 1981 – que trata da igualdade de oportunidade e tratamento para os trabalhadores.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, tratou de regras não

discriminatórias por motivo de sexo. Em 1966, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais previu a igualdade entre mulheres e homens. Em 1979, a Convenção da ONU,

ratificada pelo Brasil12, vedou a discriminação no emprego e profissão, conferindo igualdade de

remuneração entre mulheres e homens para trabalho de mesmo valor. (MARTINS, 2012)

Ademais, como bem lembra Barros (2012), as medidas discriminatórias tanto relativas à

igualdade de salário, independente de sexo, como no que tange o acesso ao emprego para o

11 A OIT - Organização Internacional do Trabalho é uma agência multilateral ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), especializada nas questões do trabalho. Tem representação paritária de governos dos 182 Estados-Membros e de organizações de empregadores e de trabalhadores. Com sede em Genebra, Suíça desde a data da fundação, a OIT tem uma rede de escritórios em todos os continentes. 12 No dia 18 de dezembro de 1979 a Assembléia Geral das Nações Unidas adotava a Cedaw (Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher), em meio à década dedicada ao sexo feminino.

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provimento de cargos, são consideradas nulas tanto nas empresas privadas, como nos quadros das

três esferas do funcionalismo público, das autarquias, das sociedades de economia mista e de

empresas concessionárias de serviço público, segundo previsão contida nos artigos 461, da CLT,

e na Lei nº 5.473, de 10 de julho de 1968.

Contudo, o fato do princípio da igualdade estar inserido de forma enfática em tantos

dispositivos legais, seja nas legislações supramencionadas, como na própria Constituição Federal,

aparentemente, não seria suficiente, segundo assevera Barros (ibid, p. 884), para que esse ideal

seja penetrado na realidade. Embora a discriminação tenha sido banida dos textos legais, “ela

persiste em vários segmentos sociais e toma novas feições”, conclui a Autora.

Especificamente sobre as relações de gênero, informa ainda Gosdal (2007) que a

Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher13,

adotada em 1979, e homologada pelo Brasil, “ressalta a necessidade de discriminação positiva,

devendo os Estados adotar as medidas concretas para acelerar a equiparação de direitos em razão

de gênero”, notadamente nas relações de trabalho, onde se evidencia com maior frequência.

Às mulheres brasileiras, portanto, no tocante ao mercado de trabalho, não lhes faltam

tentativas de oferecer melhores condições, seja, então, no âmbito internacional, mediante as

Convenções adotadas pela OIT (vinculada à ONU), ou no âmbito nacional, através de previsões

contidas na Constituição Federal, e leis infraconstitucionais. Contudo, nenhuma delas teve o

condão, até o presente, de sanar a discriminação de gênero ainda existente no país.

3. MULHERES BRASILEIRAS EM CARGOS DE DIREÇÃO

A história das mulheres, segundo Silva (2010, p. 45), poderia ser dividida em duas épocas

distintas, tendo como marco divisor a revolução sexual ocorrida na década de 60. Foi a partir

desta década, segundo ele, que “as mulheres conquistaram grandes avanços no campo do

13

A Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher em 1979, após muitos anos de esforços no sentido de promover os direitos das mulheres. A Convenção é o principal instrumento internacional na luta pela igualdade de gênero e para a liberação da discriminação, seja ela perpetrada por Estados, indivíduos, empresas ou organizações. Atualmente, são 186 os Estados parte da Convenção.

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trabalho, da política, da economia e no controle do seu próprio corpo, ensejados pelo movimento

feminista, organizado a partir do ocidente”.

Tal movimento ocorrido na metade do século XX relaciona-se, de forma intrínsica, com

as contribuições teóricas para a perspectiva de gênero, segundo Silva (ibid, p.45), corroborada

pelo pensamento de Joan Scott, para a qual a presença das mulheres nas lutas sociais vem

promovendo amplo conjunto de medidas no campo democrático-popular, e produzido ações

coletivas para a emancipação dos direitos femininos. E conclui que a desigualdade entre mulheres

e homens seria uma “construção social e cultural das sociedades modernas”.

No entanto, há que se considerar a existência de diferenças biológicas entre mulheres e

homens, as quais devem ser levadas em conta quando da reivindicação de reconhecimento pela

igualdade. Para Gosdal (2007, p. 75) “as construções socioculturais, políticas e religiosas vão

muito além das diferenças biológicas”, decorrendo, daí, “toda uma construção da sociedade em

torno da base biológica”.

A necessidade do reconhecimento entre os sexos feminino e masculino está, para além das

diferenças biológicas, na questão do tratamento desigual entre estes gêneros. Considerando que a

presença das mulheres no mercado de trabalho vem aumentando nas últimas décadas, as

condições desta inserção, contudo, tem se dado marcada por forte desigualdade, segundo afirma

Faria (2011, p. 234) “as mulheres estão em postos de menor prestígio e reconhecimento social.”

A mulher, além da grande inserção no mercado de trabalho, passou a ter a “prerrogativa”

de também ser considerada “chefe de família”, previsão expressa na Lei Civil, que readequou a

semântica do termo (de “pátrio poder” para “poder familiar”), anteriormente fundada

exclusivamente na “autoridade” do pai, como forma de liberá-la de parte do resquício do ius vitae

necisque romano, conforme observam Bertolin e Carvalho (2010, p. 184).

Ainda sobre o suposto resquício paternalista, convém transcrever Sen (2000):

Existe uma relação de reciprocidade entre os preconceitos e o estatuto social — ou o

lugar econômico — das mulheres. A posição dominante dos homens está assentada em

certo número de fatores, particularmente na sua função de "ganha-pão", chave do seu

poder econômico e suposta razão do respeito que lhe é devido, mesmo entre a família.

Na outra ponta desta questão, tudo demonstra que as mulheres que conseguem ter acesso

a uma renda exterior tendem a melhorar sua posição relativa no que se refere à

distribuição no interior do lar.

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Ora, isto retrata uma situação de submissão velada da mulher ocorrida no seio das

famílias muito provavelmente na maioria dos países, e, em especial, no Brasil, país o qual teve,

segundo Calil (2000) como primeira tentativa de dar alguma visibilidade à mulher, a edição do

livro intitulado: “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens”14, que foi lançado em Recife, no

ano de 1832, tendo sido considerado, inclusive, como marco inicial do feminismo no país.

Segundo Sen (2000), uma forma da participação da mulher ganhar visibilidade no âmbito

familiar, seria quando ela passa a trabalhar fora de casa, e a trazer um salário para dentro do lar.

Desta forma, ganhariam elas independência, e, assim, passariam a ter as vozes mais audíveis.

Ademais, a liberdade de procurar e ocupar emprego fora do lar podem contribuir para a redução

de possíveis privações que as mulheres possam sofrer no cotidiano.

Contudo, as mulheres no Brasil, segundo Bertolin e Carvalho (2010, p. 191), acabam

encontrando lugares no mercado de trabalho que ainda trazem a marca da desigualdade. Tal fato

pode ser visto no trabalho informal exercido de forma significativa pelas mulheres, assim como

nas atividades a tempo parcial, domiciliares, e até mesmo na “guetização”. Isto sem contar o

desemprego havido entre as mulheres trabalhadoras.

A inserção no mercado de trabalho foi, e ainda é considerada penosa, afirma Simón

(2007, p.31), a qual ressalta que inicialmente eram vistas como mão-de-obra barata, sendo

“preferidas no setor industrial por aceitarem ganhar menos que os homens, serem mais dóceis e

menos politizadas”. Lembra também que no início da industrialização no Brasil contratavam-se

imigrantes, em especial italianos, os quais, por virem de movimento operário, acabavam sendo

preteridos pela mão-de-obra feminina.

Destaca Capelle (2010) que foi a partir da entrada da mulher no mercado de trabalho que

elas começaram a desenvolver uma maior consciência de sua condição, vindo a se organizarem e

a formar o “movimento feminista”. Para esse movimento contribuiu a obra O Segundo Sexo, de

Simone de Beauvoir (2009) lançado nos anos 40 do século XX, considerado um clássico ainda

hoje. Nesta obra a autora defende a idéia de que as opções básicas de um indivíduo não devem

14

Nísia Floresta Brasileira Augusta foi a autora da obra: “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens”, no ano de 1832.

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depender de sua sexualidade, mas se fundamentar na estrutura comum de seu ser e não em suas

diferenças.

A publicação da obra supramencionada deu início a estudos e pesquisas sobre as mulheres

em diversas áreas. Antes, que coincidia com o início da industrialização no Brasil, as

trabalhadoras estavam condenadas à exploração por quase toda a vida, como observa Simón

(2007, p. 30), haja vista a falta de acesso à educação. Tal argumento, aliás, é utilizado até hoje no

tocante ao combate do trabalho infantil.

A mão-de-obra feminina, durante a Segunda Guerra Mundial, foi amplamente utilizada.

No período pós-guerra, contudo, o trabalho das mulheres deixou de ser uma contingência

necessária, vindo a se transformar, então, em uma concorrência que não foi bem-vinda pelos

homens que estavam retornando aos seus trabalhos. Contudo, isto não chegou a afetá-las, visto a

existência de “vantagens” na contratação feminina (ibid).

Entre tais “vantagens”, importa destacar o pagamento de salário inferior às mulheres

trabalhadoras, fato este que persiste até os dias atuais. Segundo Faria (2011, p. 235) a faixa

salarial entre as mulheres é de até dois salários mínimos (77,7%), “sendo que os homens

correspondem a 80% dos brasileiros com renda superior a 20 salários mínimos (PNAD, 9.300,00

reais na época da pesquisa)”.

Faria (ibid, p. 235) informa ainda que no ano de 2009 as mulheres recebiam um

rendimento médio mensal equivalente a 67,1% do rendimento masculino, sendo que as mulheres

possuem nível escolar maior que os homens. E, o que pode ser muito preocupante é que, além das

mulheres receberem salários menores, elas estão em “menor número nos postos de chefia e outros

mais elevados na hierarquia vertical das empresas”.

No Brasil, ainda que a quantidade de mulheres, em postos de comando, esteja

aumentando, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos, no ano de 2004, eram elas

ainda minoria. Constatou-se que quanto mais alto fosse o cargo, mais alta seria a disparidade

entre os gêneros. Dentre as empresas pesquisadas, foram verificadas as seguintes proporções de

ocupação das mulheres: 11,5% para cargos de direção; 24,6% para nível de gerência; 37% para

nível de supervisão; e 35% para o nível funcional.

Em outra pesquisa também realizada pelo Instituto Ethos, no ano de 2007 as brasileiras

ocupavam, entre 50 empresas, somente 11,5% dos cargos de alta direção. Os dados são

desfavoráveis, porém, comparando com a realidade de outros países, segundo com a Global

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Entrepreneurship Monitor (GEM, 2007) há um percentual de 12,71% de mulheres

empreendedoras no Brasil, as colocando em 7º lugar em um ranking mundial entre as mais

empreendedoras do mundo.

Pesquisa mais recente realizada, no ano de 201015, verificou-se uma evolução positiva na

participação das mulheres, comparando-se como a pesquisa realizada em 2007, no nível

executivo, onde a proporção delas foi alterada de 11,5% para 13,7% nos cargos de direção.

Contudo, nos demais três cargos hierárquicos (funcional, de supervisão e gerência) a evolução foi

negativa, ou seja, não houve um aumento na participação de trabalhadoras nestes níveis.

Segundo os resultados obtidos, pode haver a confirmação de uma tendência de contínua

expansão da presença da mulher, ainda que apenas no topo, das escalas hierárquicas das

empresas. Portanto, há que se perquirir, ainda, sobre a necessidade de uma atuação política, na

essência da palavra, ante a ausência de igualdade de gênero na ocupação dos cargos de alta

direção nas sociedades anônimas.

4. SOBRE A IMPLANTAÇÃO DE COTAS PARA MULHERES EM CARGOS DE

DIREÇÃO NO BRASIL

Nos últimos tempos, o papel feminino transcendeu as tradicionais funções de mãe, esposa

e gerenciadora do lar, passando a acumular ocupações no campo do mercado de trabalho. A

considerável expansão da mulher nesse campo, em todo o mundo, parece ser algo evidente,

embora ainda marcado por algumas desigualdades, as quais, em alguns países, tem-se tentado

combater, em parte, através de política de implantação de cotas nas empresas.

Em especial no continente europeu, tal política teve início já há alguns anos, como, por

exemplo, em 2004, na Noruega (país o qual tem liderado, ultimamente, ranking mundial de

desenvolvimento humano)16, quando o governo local obrigou empresas públicas e privadas de

15

INSTITUTO ETHOS. Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas. São Paulo: Instituto Ethos, 2010. Disponível em: <www1.ethos.org.br/EthosWeb/arquivo/0-A-eb4Perfil_2010.pdf> Acesso em: 19 jan. 2013, p.15. 16 Disponível em: <www.bbc.co.uk/portuguese/.../09/120919_cotas_mulheres_ru.shtml>, acessado em 20 de jan. 2013.

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capital aberto a adotarem cotas para mulheres em seus conselhos diretores. Pela regra, 40% dos

assentos de conselhos diretores são reservados para mulheres.

O efeito dessa imposição, aparentemente, parece ter sido positivo, pois além de ser

considerado um dos melhores países para se viver, inclusive com o continua elevação de seu PIB,

a medida lá adotada acabou por servir de exemplo a outros países, também na Europa, como, por

exemplo, a Espanha, que implantou em 2007, e, em seguida, no ano de 2011, a França, a Itália, a

Holanda, a Bélgica, e a Islândia.

Ressalta-se que, atualmente, a vice-presidente da Comissão Européia, Viviane Reding,

vem cogitando a possibilidade de implantar a política de cotas femininas nas empresas dos 27

membros do bloco, no intuito de tentar corrigir a falta de diversidade no topo das empresas,

permitindo, desta forma, que as mulheres possam alcançar postos de liderança com maior

rapidez.

Naquele continente, de forma não muito diferente do Brasil, a porcentagem da presença

feminina nas empresas é em torno de 50%, sendo, contudo, nos conselhos corporativos apenas

12% a participação delas17. Aqui, o índice é de 8% de mulheres nesses conselhos das companhias

abertas, conforme Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, sendo ainda menor em

algumas empresas públicas18.

Ressalta-se que já houve no Brasil, na tentativa de minimizar a desigualdade de gênero,

porém no âmbito eleitoral, a edição de duas leis (nº 9.100/95 e nº 9.504/97), que instituíram cotas

para mulheres, caracterizando, segundo Gomes (2001, p. 67) modalidades de ações afirmativas,

que tiveram por objetivo estabelecer cotas mínimas de candidatas mulheres para as eleições.

Ademais, no Brasil, atualmente, está em trâmite um projeto de lei no Senado que também

prevê cotas para mulheres, a exemplo da política adotada em países europeus, prevendo

igualmente 40% de vagas para mulheres, nos conselhos de administração de empresas públicas e

sociedades de economia mista, com o objetivo de tornar efetiva a presença de mulheres das

empresas cujo capital majoritário seja da União.

Tal projeto, que tramita sob nº PLS 112/2010 19, de autoria da senadora Maria do Carmo

Alves, filiada ao partido DEM/SE, prevê ainda que as empresas estariam livres para realizar o

17 Ibid 18 Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/PressRelease.aspx?CodPressRelease=415>, acessado em 20 de jan. 2013. 19 PLS – Projeto de lei do Senado Federal, nº 112, de 2010. Autora: senadora Maria Carmo Alves (partido DEM/SE)

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preenchimento de cargos, contanto que elas respeitem os limites mínimos estabelecidos pela lei,

para o preenchimento das cotas, que são: 10% até 2016, 20% até 2018, 30% até 2020, e fechando

os 40% até 2022.

Contudo, trata-se apenas de um projeto de lei, o qual se encontra em fase de “audiência

pública” desde o mês de maio de 2012, sem previsão de quando, como, e se será aprovado, o que

reforça a relevância dessa pesquisa.

Todavia, há que se problematizar os efeitos que a política de cotas pode trazer quando

implantada. Para tanto, menciona-se a Noruega, país onde teve origem a implantação de tal

política. Há quem alegue, naquele país, que “para cada mulher que entra em um conselho como

resultado da adoção do sistema, um executivo tem de ser dispensado”.20 Ou seja, supõe-se que

poderia haver dispensas masculinas quando, e se adotada tal política, fato este que, por sua vez,

poderia ensejar outros desdobramentos.

Entre outras críticas havidas naquele país, entendendo serem desnecessárias, e até mesmo

perigosas as reservas de cotas para mulheres, são relativas ao comprometimento que as mesmas

poderiam ocasionar na igualdade duramente conquistada nos últimos tempos. O fato de não ser

vedado, e nem restrito o acesso de mulheres às empresas, mesmo nos cargos de direção, poderia

significar, por si, igualdade de acesso, sendo, daí, desnecessária a interferência governamental.

Este também é o entendimento de Graça Foster, primeira e atual presidente da Petrobrás,

uma das maiores empresas de energia do mundo, a qual é contra a discriminação positiva em

favor da mulher. Embora Foster afirme ser a diversidade de gênero extremamente saudável e

positiva, e ressalte que ter opiniões diferentes é importante, assevera que para promover a

igualdade de gênero não são necessárias cotas, mas sim ser combatido o preconceito no mercado

de trabalho.21

Inclusive menciona-se argumento de jurista latino americano Rodolfo E. Piza Rocafort,

citado por Gosdal (2003, p.128), que afirma que as cotas “igualam e equilibram artificialmente a

representação dos grupos sub-representados”, como seria o caso das mulheres, sugerindo, para

alcançar este efeito, optar-se por outras medidas menos “dramáticas e estereotipantes”.

20 Disponível em <www.bbc.co.uk/portuguese/.../09/120919_cotas_mulheres_ru.shtml>, acessado em 20 de jan. 2013. 21 Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120619_graca_foster_jc_ac.shtml>, acesso em 31 jan 13.

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Confirmando, portanto, a sua posição contrária às implementações de ações afirmativas e ao

sistema de cotas.

Coutinho, citado por Queiroga (2011), ressalta que a implementação de cotas apresenta

resultados melhores para as situações de discriminação quanto à raça do que em relação ao

gênero, não sendo a legislação, por si, capaz de modificar a discriminação enquanto sendo um

fenômeno social. Para a Autora, o combate à discriminação de gênero depende de percepção por

parte das próprias vítimas da segregação, devendo, então, crer na igualdade ao invés de criar

legislações a respeito.

Por outro lado, um dos argumentos em defesa de implantação de cotas diz respeito à

trajetória da mulher, fortemente marcada por um sistema patriarcal, em especial, relativo ao

mercado de trabalho, onde tiveram elas que travar verdadeiras lutas para conquistar respeito e

reconhecimento, vindo a obter o almejado direito a igualdade entre os sexos, e não, portanto, uma

mera proteção. Assim, o objetivo das cotas seria o de cumprir este direito lhes negado ao longo

da história.

Gosdal (2003, p. 129), favorável ao sistema de cotas, assevera, entretanto, que tal sistema

não deve ser generalizado para qualquer situação ou grupo discriminado, mas é ele necessário

para que haja o estabelecimento de um equilíbrio relativamente ao grupo alcançado, sugerindo,

daí, uma implantação em caráter temporário. Ademais, poderia trazer importantes contribuições,

exercendo um “papel transformador em preconceitos e estereótipos”.

Outro argumento, favorável à adoção de tal política de cotas, seria o de que “a diversidade

teria ampliado as perspectivas e os ângulos dos quais os problemas são analisados”22. Ou seja, a

presença de mais mulheres nas empresas, principalmente em cargos onde decisões são tomadas, o

resultado poderia ser diverso, quiçá até melhor, haja vista as características inerentes ao gênero

feminino que poderiam nele refletir.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas do Credit Suisse, as ações das

empresas com pelo menos uma mulher no conselho de administração ficaram 26% acima das

empresas que só contavam com homens em seus conselhos. Portanto, verifica-se, aí, um

22 Disponível:<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120619_graca_foster_jc_ac.shtml>, acesso em: 31 jan 2013.

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argumento favorável à implantação de cotas, haja vista a existência de benefício às empresas que

tenham presente a participação feminina.23

Há que se considerar, como observa Pinho (2005, p. 126), que tal medida pode ter

resultado negativo para àqueles que serão atingidos pela futura discriminação (no caso os

homens), e positivo para quem foi anteriormente afetado de forma negativa, sugerindo, desta

forma, um levantamento de dados essenciais para então informar a conveniência na adoção de

políticas afirmativas, em especial as cotas para mulheres nas empresas.

Embora não se vá afastar a polêmica existente em torno das ações afirmativas, que

tradicionalmente tem despertado os ânimos de seus defensores e detratores, o importante é o

afastamento de soluções puramente emocionais e marcadamente parciais a respeito de políticas

dessa natureza.

Antes de se dar resposta quanto à necessidade ou não de cotas para mulheres em

conselhos diretores, parece essencial o enfrentamento das seguintes questões: o longo período de

opressão pelo qual passou a mulher na história, ainda se reflete no mercado de trabalho,

especialmente na ocupação de cargos diretivos? Em caso positivo, em que medida? Haveria uma

outra razão para o reduzido número de mulheres nos conselhos diretores? São necessárias

políticas de ação afirmativa destinadas à participação da mulher no mercado de trabalho? Enfim,

há preconceito de gênero nessa matéria?

Os dados apresentadas nesse texto não responderam aos problemas acima pontuados.

As regras da objetividade, medida, adequação e temporariedade empregadas por Manoel

Gonçalves Ferreira Filho (2003) para avaliar a desigualação legítima e constitucional, separando-

a do privilégio ilegítimo e inconstitucional, merecem ser consideradas nas respostas às aludidas

indagações, e, bem assim, para a subsequente construção da solução à pergunta apresentada no

início desse trabalho.

A identificação do grupo desfavorecido e seu âmbito deve ser objetivamente determinado

(regra de objetividade). A medida do avantajamento deve ser ponderada em face da desigualdade

a ser corrigida (regra de medida). As normas de avantajamento devem ser adequadas à correção

do desigualamento a corrigir (regra de adequação), o que se exprime na sua racionalidade, regra

também de razoabilidade). Essas normas devem ter por finalidade corrigir as desigualdades

23Disponível:<http://www.swissinfo.ch/por/economia/Cotas_nao_interessam_economia_suica.html?cid=34056548>, acesso em: 01 fev. 2013.

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sociais (regra de finalidade). Por fim, as medidas devem ser temporárias, pois não visam a criar

um status jurídico permanente, mas apenas excepcional em favor de um grupo (regra de

temporariedade).24 (BERTONCINI; CORRÊA, 2012)

Embora seja certo que a participação da mulher em cargos de direção seja reduzida em

face de sua presença no mercado de trabalho, não se sabe exatamente se isso decorre ou não de

preconceito de gênero, o que impede uma resposta positiva ou negativa, devidamente

fundamentada, sobre o problema central dessa pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas observa-se um aumento da consciência de que homens e mulheres

vivenciam o mundo do trabalho de forma diferenciada. A discriminação de gênero tem sido um

dos fatores que acaba por determinar as possibilidades de acesso e permanência no emprego,

especialmente em cargos de direção, tanto no Brasil, como em todo cenário mundial.

Contudo, países do continente europeu vêm, já há alguns anos, adotando políticas de

ações afirmativas para tentar minimizar a discriminação de gênero verificada em ambientes de

trabalho, como por exemplo a Noruega, país em que tal medida teve início a reserva de 40% de

cotas para mulheres nas empresas públicas e de capital aberto.

A despeito de um projeto de lei em trâmite no país, semelhante à regra européia, mas que

não tem perspectiva de quando, como e qual será o seu desfecho, surge a indagação se tal política

de cotas proposta seria factível e necessária no Brasil, em especial em conselhos diretores,

considerando a realidade nacional.

Assim, ao se perquirir a respeito dessa política de ações afirmativas, verificou-se a

ausência de estudos capazes de apontar com a necessária certeza, se há ou não preconceito de

gênero no que tange à participação da mulher no mercado de trabalho, especialmente nos cargos

dos conselhos diretores das companhias, o que naturalmente impede uma resposta devidamente

fundamentada para essa questão, enquanto não forem realizadas pesquisas tendentes à equação

desse e de outros problemas relacionados à participação da mulher no mercado de trabalho. Antes

da solução jurídica, é essencial que se realize uma pesquisa de campo nessa área.

24 Trecho do prefácio da obra Responsabilidade Social da Empresa e as Ações Afirmativas – implicações do Estatuto da Igualdade Racial, elaborado pelo Professor Luiz Eduardo Gunther, invocando a lição de Ferreira Filho.

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Sem isso, há o risco de aprovação de uma política de ação afirmativa de cotas em

conselhos diretores ilegítima e inconstitucional. Ao contrário, detectado o preconceito de gênero,

uma política pública nesse sentido será bem vinda, haja vista a sua legitimidade e

constitucionalidade.

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O Direito de Representação dos Acionistas Minoritários no Conselho Fiscal.

The Right of Representation of the Minority Shareholders on the Audit Committee.

Cláudio Luiz de Miranda Bastos Filho

Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

Professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.

Advogado no Rio de Janeiro.

RESUMO

O presente trabalho versa a respeito da evolução do direito de representação dos acionistas

minoritários no conselho fiscal e do papel desempenhado pela Comissão de Valores

Mobiliários para a sua efetivação, culminando com o entendimento proferido no âmbito do

OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SEP/N°01/2013 de 28.02.2013 e do Processo CVM

RJ2007/11086, julgado em 06.05.2008, sendo relator o Diretor Marcos Barbosa Pinto. Em um

primeiro momento, são apresentados elementos introdutórios acerca da realidade histórica de

concentração das participações acionárias nas mãos de certos investidores, a qual vem sendo

profundamente alterada nos últimos anos. Em seguida, passa-se ao estudo do procedimento de

instalação e composição do conselho fiscal, conforme previsto no artigo 161 da Lei nº

6.404/76. Posteriormente, há o enfrentamento do direito dos acionistas minoritários de

elegerem um representante no conselho fiscal, existente em nosso ordenamento jurídico desde

o Decreto-lei nº 2.627/40 (art. 125) e, atualmente, contemplado no art. 161, parágrafo 4º, “a”

da Lei nº 6.404/76. Tal direito deve ser assegurado pela CVM, cuja atuação está voltada à

coibição de fraudes (conforme disposto no já mencionado OFÍCIO-

CIRCULAR/CVM/SEP/N°01/2013) e à facilitação do efetivo exercício desse direito. Por fim,

é realizado o cuidadoso estudo do entendimento proferido pela CVM no âmbito do Processo

CVM RJ2007/11086, ao concluir que o requisito de 10% previsto no art. 161, parágrafo 4º,

“a” da Lei nº 6.404/76 diz respeito ao total de ações de emissão da companhia em circulação

no mercado (free float) e não ao número de ações de titularidade dos acionistas minoritários

presentes à assembleia, dando maior eficácia ao direito dos acionistas minoritários de

companhias abertas de serem representados no conselho fiscal.

PALAVRAS-CHAVE: ACIONISTAS MINORITÁRIOS; DIREITO DE

REPRESENTAÇÃO NO CONSELHO FISCAL; EVOLUÇÃO HISTÓRICA;

ENTENDIMENTO DA CVM SOBRE O TEMA.

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ABSTRACT

This paper deals about the evolution of the right of representation of the minority shareholders

on the audit committee and about the responsibility of the Comissão de Valores Mobiliários

(CVM) for its accomplishment, resulting on the understanding pronounced at the OFÍCIO-

CIRCULAR/CVM/SEP/Nº 01/2013 of February, 28th, 2013 and at the Process CVM

RJ2007/11086, judged on May, 6th, 2008, in which the reporting officer was Marcos Barbosa

Pinto. At first, introductory elements are going to be presented on the historical reality of

concentration of shares by certain investors, which has been dramatically changed in the

recent past years. Then we will present the procedure of installation and composition of the

audit committee, in accordance with Article 161 of Law nº 6,404/76. Moreover we will also

present the right of the minority shareholders to elect one member of the audit committee,

right which was introduced in our legal system by the Decree nº 2,627/40 (Article 125) and is

currently contemplated on Article 161, § 4º, “a” of Law nº 6,404/76. This minority

shareholders right shall be ensured by CVM, which activities include the prevention of fraud

(as shown above in the OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SEP/N° 01/2013) and the

accomplishment of the effective exercise of this right. Lastly, a detailed study will be

conducted on the understanding given by the CVM in the context of Process CVM

RJ2007/11086. It was verified that the requirement of 10% laid down in Article 161, § 4º, “a”

of Law 6.404/76 refers to the total amount of shares of the Company available on the market

(free float) and do not refer to the number of shares held by the minority shareholders present

at the meeting, making possible the representation of the minority shareholders of publicly-

held companies on its audit committee.

KEY WORDS: MINORITY SHAREHOLDERS; RIGHT OF REPRESENTATION ON

THE AUDIT COMMITTEE; HISTORICAL EVOLUTION; UNDERSTANDING OF CVM

ON THE SUBJECT.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A LEI Nº 6.404/76 E OS INTERESSES DOS

ACIONISTAS MINORITÁRIOS. 3 PROCEDIMENTO DE INSTALAÇÃO DO

CONSELHO FISCAL E DE ELEIÇÃO DO REPRESENTANTE DOS ACIONISTAS

MINORITÁRIOS. 4 O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS ACIONISTAS

MINORITÁRIOS NO CONSELHO FISCAL DA COMPANHIA. 5 A IMPORTÂNCIA DA

EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS ACIONISTAS

MINORITÁRIOS NO CONSELHO FISCAL. 6 O ENTENDIMENTO DA CVM SOBRE O

TEMA. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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1 INTRODUÇÃO.

Historicamente, a economia brasileira caracterizou-se pela concentração de recursos

e ativos nas mãos de poucos indivíduos e investidores, o que constituiu, ao longo do tempo,

um cenário de flagrante injustiça social e econômica, cujos reflexos se fazem sentir até hoje.

No âmbito do mercado de valores mobiliários e, mais especificamente, da

titularidade de participação societária nas companhias, não foi diferente, com o

desenvolvimento de um cenário favorável à instituição das chamadas “sociedades familiares”,

cujas principais decisões e orientações, sejam elas políticas ou econômicas, internas ou

externas, permanecem concentradas nas mãos de certos investidores (os quais, em muitos

casos, são, inclusive, membros de uma mesma família).

Com se sabe, essa histórica conjuntura econômico-societária tem sofrido profundas

alterações, principalmente, nos últimos anos, tendo em vista o desenvolvimento do chamado

“ativismo acionário”, por meio do qual os acionistas minoritários deixam de se enxergar

apenas como investidores, assumindo, de fato, o papel de sócios das companhias nas quais

participam, exercendo seus direitos políticos e participando da gestão e fiscalização da

administração da companhia.

Nesse contexto, emerge a preocupação doutrinária, legislativa e jurisprudencial com

a efetivação dos direitos dessas minorias, principalmente no que diz respeito à garantia de

condições mínimas para que possam exercer tais direitos e se proteger de eventuais

desmandos ou abusos de direito porventura praticados pelos acionistas controladores.

Sobre esse aspecto, convém registrar que a preocupação legislativa com os acionistas

minoritários das companhias não é um fenômeno recente. Antes mesmo da edição da Lei nº

6.404/76, a proteção aos direitos e interesses políticos desses investidores já era objeto de

proteção legislativa por parte do Decreto-lei nº 2.627/40, conforme bem elucidado pelo

professor Waldirio Bulgarelli1 ao dispor que:

(...) o Decreto-lei 2.627, de 26 de setembro de 1940, a Lei sobre Sociedades por Ações agora revogada, já trazia referência não só à proteção das minorias mas também consagrava alguns direitos que se entendem tipicamente da minoria, acenando com a possibilidade de que um grupo titular de certo número de ações pudesse intervir na vida da sociedade, em defesa do interesse social, direta ou indiretamente. (...) Com efeito, sob a influência da então recente Lei Alemã de 1937, o Decreto-lei 2.627 de 1940 consagrava, além dos direitos gerais dos acionistas, outros dispositivos

1BULGARELLI; Waldirio. A Proteção às Minorias na Sociedade Anônima: à luz da nova lei das sociedades por

ações, Lei 6.404, de 15 de setembro de 1976. Livraria Pioneira Editora. São Paulo. 2007. p. 3.

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entendidos como flagrantemente endereçados à proteção das minorias, como por exemplo: a) direito de recesso (art. 107); b) a dissidência, podendo os titulares de um quinto ou mais do capital social e os titulares de ações preferenciais eleger, separadamente, um dos membros do conselho fiscal e respectivo suplente (art. 125); c) o direito de convocar, em casos comprovados, (se a diretoria retardar por mais de um mês a sua convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves e urgentes-V, (art. 127) a Assembleia Geral (art. 89, a); d) o direito de fiscalizar a sociedade (art. 78, c); e) o direito à exibição judicial dos livros (arts. 57 e 58,c); f) a regulamentação minuciosa do inventário e balanço (art. 99, a).

Entretanto, apesar de existir formalmente desde antes da sua edição, não resta dúvida

de que a Lei nº 6.404/76 efetivamente ampliou a proteção aos interesses dos acionistas

minoritários no ordenamento jurídico brasileiro, conferindo-lhes novos direitos e meios mais

sólidos para que os exerçam. Tal conjuntura desenvolveu-se, principalmente, no âmbito dos

direitos relacionados à participação dos acionistas minoritários na fiscalização da gestão da

companhia.

2 A LEI Nº 6.404/76 E OS INTERESSES DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS.

Conforme disposto no artigo 116 da Lei nº 6.404/76, controlador é a pessoa, natural

ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordos de acionistas, ou sob controle

comum, que (i) possui direitos de sócio que lhe asseguram, de modo permanente, a maioria

dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos

administradores da companhia; e (ii) efetivamente utiliza seu poder para dirigir as atividades

sociais e orientar o funcionamento dos órgãos sociais.

Nesse sentido, o controlador não só é titular de participação societária capaz de lhe

assegurar a faculdade de conduzir a gestão e o processo interno de tomada de decisão por

parte da companhia, como, de fato, exerce essa faculdade, devendo orientar a sociedade com

vistas à consecução do seu objeto social.

A figura do controlador possui notória relevância no âmbito societário, uma vez que

se apresenta como o principal centro decisório, de onde parte a resolução das mais relevantes

questões sociais, orientando e conduzindo a sociedade no exercício de suas atividades.

Entretanto, além do acionista controlador, a legislação brasileira tem por objetivo

proteger, também, os direitos dos acionistas minoritários, isto é, daqueles investidores que

acreditaram na sociedade e em seu sucesso, aportando recursos na companhia mediante a

integralização, ou aquisição, de participação societária.

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Apesar de não serem titulares da maioria dos votos nas deliberações da assembleia

geral e não possuírem o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia,

dirigindo as atividades sociais e orientando o funcionamento dos órgãos sociais, a atuação dos

acionistas minoritários e a efetiva proteção dos seus direitos são elementos fundamentais para

a segurança do mercado de valores mobiliários e para a consecução do objeto social da

companhia.

Sobre esse aspecto, a Lei nº 6.404/76 estabelece, em diversos dispositivos,

mecanismos de tutela dos direitos dos acionistas minoritários, dentre os quais se destaca o

direito de eleger um membro para o conselho fiscal da companhia e seu respectivo suplente

(Lei nº 6.404/76, art. 161, parágrafo quarto). Dessa forma, a lei confere ao acionista

minoritário o direito de se fazer representar no conselho fiscal da companhia, podendo, assim,

fiscalizar direta e ativamente a sua gestão.

Para que tal direito, de fato, possa sair “do papel”, sendo efetivamente exercido pelos

acionistas minoritários, mostra-se fundamental a atuação da Comissão de Valores Mobiliários

(“CVM”), assegurando aos acionistas minoritários os meios cabíveis para que possam se fazer

representar no conselho fiscal, mediante o exercício de suas funções legais de regulamentação

e fiscalização do mercado de valores mobiliários.

Como é sabido, a mera previsão legal de direitos não é suficiente para que sejam, de

fato, implementados, uma vez que a lei, por mais clara que seja a sua redação, não se aplica

sozinha, sendo fundamental a atuação do intérprete e dos órgãos reguladores para garantir que

os direitos nela contemplados sejam efetivados.

A importância do intérprete e da própria CVM para a efetivação do direito dos

acionistas minoritários é ainda maior no caso em tela, uma vez que a redação do artigo 161 da

Lei nº 6.404/76 não é, em muitas ocasiões, clara o suficiente para garantir que os acionistas

minoritários elejam seus representantes para o conselho fiscal da companhia.

Por essa razão, a CVM agiu bem ao dar “nova” interpretação ao referido dispositivo

legal, promovendo, em bases mais sólidas, o direito de representação dos acionistas

minoritários no conselho fiscal, conforme demonstra a decisão proferida no Processo CVM

RJ2007/11086, julgado em 06.05.2008, sendo relator o Diretor Marcos Barbosa Pinto

(“Processo CVM RJ2007/11086”), que será objeto de análise detalhada nos itens a seguir.

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3 PROCEDIMENTO DE INSTALAÇÃO DO CONSELHO FISCAL E DE ELEIÇÃO

DO REPRESENTANTE DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS.

Anteriormente à análise crítica da decisão proferida pela CVM no âmbito do

Processo CVM RJ2007/11086, é importante o entendimento das regras aplicáveis à

composição e ao funcionamento do conselho fiscal, dispostas no artigo 161 da Lei nº

6.404/76.

Não obstante o conselho fiscal seja um órgão de existência obrigatória em qualquer

companhia, sua instalação não será, necessariamente, permanente, uma vez que, ressalvadas

as exceções expressamente previstas em lei, não é obrigatório o funcionamento do conselho

fiscal em todos os exercícios sociais.

Nesse sentido, quando o seu funcionamento não for permanente, a instalação do

conselho fiscal poderá ser requerida pelos acionistas em assembleia geral, ainda que essa

matéria não conste do anúncio de convocação, quando solicitado, em regra, por acionistas

titulares de ações representativas de, no mínimo, 10% do capital social com direito a voto, ou

de 5% das ações sem direito a voto. Nessa hipótese, os conselheiros fiscais serão eleitos na

própria assembleia geral e seus mandados se estenderão até a próxima assembleia geral

ordinária, quando poderão ser reeleitos.

Ressalte-se que consoante o disposto no artigo 291 da Lei nº 6.404/76, a CVM

poderá reduzir, mediante fixação de escala em função do valor do capital social, a

porcentagem mínima estabelecida no artigo 161, parágrafo 2º da Lei nº 6.404/76, quando

aplicável às companhias abertas, conforme disciplinado na Instrução CVM nº 324/2000.

No âmbito da eleição, pelos acionistas, dos membros do conselho fiscal e seus

respectivos suplentes, são assegurados (i) aos titulares de ações sem direito a voto, ou com

voto restrito, o direito de eleger um representante no conselho fiscal e seu respectivo suplente;

e (ii) aos acionistas minoritários, desde que titulares de, ao menos, 10% do capital social com

direito a voto, a faculdade de eleger outro conselheiro (art. 161, parágrafo 4º, “a” da Lei nº

6.404/76).

Registre-se, também, a preocupação do legislador em resguardar os interesses do

acionista controlador, ao assegurar aos demais acionistas com direito a voto a faculdade de

eleger, em qualquer caso, igual número de conselheiros eleitos pelos acionistas minoritários

mais um (art. 161, parágrafo 4º, “b” da Lei nº 6.404/76). Nesse sentido, em sendo eleitos

representantes dos acionistas minoritários e dos preferencialistas, o conselho fiscal terá

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composição máxima (5 membros), conforme disposto no artigo 161, parágrafo primeiro da

Lei nº 6.404/76.

4 O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS NO

CONSELHO FISCAL DA COMPANHIA.

Conforme já exposto no item acima, o art. 161, parágrafo 4º, “a” da Lei nº 6.404/76

assegura aos acionistas minoritários o direito de representação no conselho fiscal da

companhia. A previsão desse direito político para as minorias, como antecipado na introdução

do presente trabalho, não se apresenta como uma novidade da Lei nº 6.40476, existindo em

nosso ordenamento jurídico desde o Decreto-lei nº 2.627/40, o qual dispunha em seu artigo

125 que:

É assegurado aos acionistas dissidentes, que representarem um quinto ou mais do capital social, e aos titulares de ações preferenciais o direito de eleger, separadamente, um dos membros do conselho fiscal e o respectivo suplente. (Grifos Acrescidos).

Dessa forma, o referido dispositivo conferia aos acionistas “dissidentes” que fossem

titulares de, ao menos, 20% (vinte por cento) do capital social, o direito de serem

representados no conselho fiscal, mediante a eleição, em separado, de um conselheiro e seu

respectivo suplente.

Nesse cenário, a Lei nº 6.404/76 inovou, ao reduzir, em seu artigo 161, parágrafo 4º,

“a”, o requisito acima mencionado de 20% para 10% do capital social com direito a voto.

Nota-se, pois, a preocupação do legislador de 1976 com a efetivação desse direito político dos

acionistas minoritários, reduzindo o percentual necessário para que a eleição de um

representante no conselho fiscal da companhia2.

A prerrogativa de eleger um conselheiro fiscal e seu respectivo suplente assumiu

relevância ainda maior após as reformas introduzidas pela Lei nº 10.303/2001 na Lei nº

6.404/76, uma vez que houve a ampliação das competências individuais dos membros do

conselho fiscal no âmbito da fiscalização dos atos de administração da companhia e da

2 Para fins de elucidação da intenção do legislador ao reduzir o referido percentual, vide: TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas. São Paulo: Editora José Bushatsky Ltda., 1979.

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denúncia das irregularidades identificadas, conforme dispõe a atual redação do artigo 161,

incisos I e IV, da Lei nº 6.404/763.

Assim, ao eleger, direta e separadamente, um membro para o conselho fiscal, os

acionistas minoritários têm a possibilidade de participarem efetivamente da fiscalização da

gestão da companhia. Trata-se, pois, de um mecanismo de democratização da governança

interna da companhia, com o disclosure de suas informações àqueles que com base

simplesmente no direito de voto não teriam condições eleger conselheiros fiscais e acessá-las

diretamente.

Como bem ilustra Carlos Henrique Abrão4:

Adjetivando a participação dos minoritários nos quadros do Conselho Fiscal, mediante eleição feita em assembleia, na realidade o legislador cunhou um campo sedimentado na defesa dos interesses daqueles que não exercem o voto e ficam privados das deliberações mais importantes em nível empresarial. Fundamental, em ambas as hipóteses, tanto no Conselho de Administração como no Fiscal anotar um maior poder de fiscalização, resultando na transparência de informes, nas análises dos dados apurados, e na segurança do mercado mediante a contribuição de haver um acompanhamento mais próximo de todo o resultado, até em função de subsistir responsabilidade nas hipóteses de omissão ou ação contrariamente aos interesses da companhia. Demonstrado que o processo eletivo influencia maior democratização nos Conselhos, coube ao legislador instrumentalizar a atividade para seu funcionamento aberto à fiscalização e controle ditados pelos riscos da consecução do lucro.

Ainda assim, ressalte-se que os membros do conselho fiscal não devem obediência

aos acionistas que os elegeram, sejam eles minoritários ou não, possuindo o dever legal de

exercerem suas funções segundo o melhor interesse da companhia e respondendo pelos

abusos praticados.

Nas palavras de Nelson Eizirik5: “o artigo 165, §1º da Lei das S.A., com a alteração

introduzida pela Lei nº 10.303/01, tornou explícito que se aplica plenamente aos membros do

Conselho Fiscal o postulado básico da sua não submissão aos acionistas que o elegeram”.

3 Registre, nesse mesmo sentido, o entendimento do professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães, ao afirmar que: “As atribuições legais conferidas ao conselho fiscal são desempenhadas individualmente por todos os membros do órgão, no exercício de seus cargos, sendo certo, porém, que as matérias sujeitas à deliberação em que todos participam – como os pareceres, a convocação das assembleias, o pedido de informações aos órgãos administrativos e a contratação de perito – são sempre obras coletivas do conselho. LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Funcionamento do Conselho Fiscal nas Companhias Abertas. Pareceres. Vol. II. São Paulo. Editora Singular. 2004, p. 1284. 4 ABRÃO, Carlos Henrique; Direito das Minorias. Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2002. p. 265. 5 EIZIRIK, Nelson; Conselho Fiscal. Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2002. p. 265.

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Tal realidade, ainda que lógica e intuitiva, é de fundamental importância para que se

evite o exercício abusivo do direito de representação no conselho fiscal do acionista

minoritário, em prejuízo da companhia e do bom andamento de suas atividades (coibi-se,

assim, a prática de “abuso das minorias”).

5 A IMPORTÂNCIA DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS

ACIONISTAS MINORITÁRIOS NO CONSELHO FISCAL.

Conforme exposto acima, é dever da CVM, como entidade reguladora do mercado,

garantir aos acionistas minoritários condições mínimas para que possam exercer o direito de

eleger um conselheiro fiscal, participando, assim, da fiscalização da gestão da companhia e

evitando fraudes ou abusos por parte dos administradores ou do próprio acionista controlador.

Nesse cenário, devem ser desenvolvidos meios para que o direito previsto no art.

161, parágrafo 4º, “a” da Lei nº 6.404/76 não seja meramente abstrato, sendo assegurado o

seu exercício por parte dos acionistas minoritários presentes na assembleia geral e evitando-se

eventuais abusos por parte dos acionistas controladores.

Sobre esse aspecto, destaca-se, por exemplo, a tentativa de acionistas controladores

de subverter a essência do instituto, utilizando-se de intermédias pessoas, jurídicas ou

naturais, para preencher o requisito previsto no referido dispositivo legal e eleger, em

separado, representantes para o conselho fiscal.

Com isso, o direito do acionista minoritário era extremamente prejudicado, uma vez

que todos os conselheiros fiscais eram eleitos com base na vontade do acionista controlador,

seja diretamente a partir dos seus próprios votos, ou indiretamente, mediante a utilização de

acionistas sob seu controle fático.

Tal evidente violação ao direito de representação dos acionistas minoritários no

conselho fiscal foi alvo de intensas críticas por parte da doutrina especializada6, sendo

expressamente criticada e afastada pela CVM, conforme consolidado no OFÍCIO-

6 À título de ilustração, pode-se mencionar o seguinte trecho de autoria de Modesto Carvalhosa, ao afirmar que: “Tem-se notícia de que, em algumas companhias, os controladores vêm tentando utilizar de forma grotesca de fraude aos direitos de minoritários, mediante a aglutinação de ações de acionistas ligados à administração e, portanto, aos controladores, para o efeito de se apresentarem com o percentual superior àquele que poderia ser agregado pelos verdadeiros minoritários votantes e os não votantes. (...) Trata-se, sem dúvida, de uma das mais evidentes fraudes contra os direitos dos minoritários, acarretando a responsabilidade civil de todos os envolvidos, inclusive daqueles administradores que participarem do controle acionário (arts. 117 e 158)”. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 3. 4ª Ed. 2009. Saraiva. Rio de Janeiro. p. 430.

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CIRCULAR/CVM/SEP/N°01/2013 divulgado em 28 de fevereiro de 2013, ao dispor o que se

segue:

Nesse sentido, o entendimento da SEP, em consonância com o disposto no Parecer de Orientação nº 19/90, é que, nos processos de eleição para o conselho fiscal previstos no artigo 161, parágrafo 4º, letra "a", e no artigo 240 da Lei nº 6.404/76, não devem participar quaisquer acionistas que não se insiram no conceito de minoria que a lei buscou proteger, ou seja, além dos controladores, também não devem participar pessoas vinculadas a eles. Ressalta-se que o Colegiado da CVM confirmou, por mais de uma vez, em processos sancionadores, que entidades sobre as quais o controlador da companhia tem uma influência determinante não podem participar da eleição em separado de membros do conselho fiscal prevista no artigo 161, parágrafo 4º, da Lei nº 6.404/76, seja na vaga dos preferencialistas, seja na vaga dos minoritários.

(...) Na análise da existência de influência determinante do controlador sobre os demais acionistas da companhia, será levada em conta, principalmente, a estrutura de governança de cada acionista.

Com efeito, ao disciplinar o direito de representação dos acionistas minoritários no

conselho fiscal da companhia, o órgão regulador do mercado de capitais brasileiro deve coibir

fraudes e facilitar a efetivação desse direito. E é justamente nessa lógica que se insere o

entendimento proferido no âmbito do Processo CVM RJ2007/11086, cuja análise será

realizada no item a seguir.

Ao assegurar aos acionistas minoritários o exercício de seus direitos políticos e

econômicos, bem como protegê-los em face dos desmandos e abusos praticados pelo acionista

controlador, a CVM promove a segurança e credibilidade do mercado de valores mobiliários

brasileiro, garantindo que haja melhores condições para que se desenvolva.

6 O ENTENDIMENTO DA CVM SOBRE O TEMA.

Para fins de elucidar o entendimento recentemente manifestado pela CVM sobre o

tema em tela, será realizada breve análise da decisão proferida no âmbito do Processo CVM

RJ2007/11086.

Em síntese, o Processo CVM RJ2007/11086 diz respeito a recurso interposto pela

Villares Investimentos e Participações Ltda. (“Investidor”) em face do entendimento

manifestado pela Superintendência de Relações com Empresas da CVM no âmbito de

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consulta acerca dos procedimentos a serem obedecidos para a instalação e eleição de

conselheiros fiscais pelos acionistas minoritários da Aços Villares S.A. (“Companhia”).

No caso em análise, o Investidor, então titular de ações representativas de 3,12% do

capital social votante da Companhia, defendeu que o requisito de 10% previsto no art. 161,

parágrafo 4º, “a” da Lei nº 6.404/76 diz respeito ao total de ações sob a titularidade dos

acionistas minoritários e não ao número de ações detidas pelos acionistas minoritários

presentes à assembleia.

Segundo esse entendimento, existindo acionistas minoritários titulares de 10% ou

mais das ações com direito a voto, aqueles que comparecerem à assembleia,

independentemente do seu número, poderão eleger um conselheiro fiscal e seu respectivo

suplente.

Tal posição foi alvo de manifestação contrária por parte da Companhia, a qual, em

suas manifestações dispostas nos autos do Processo CVM RJ2007/11086, defendia que o

percentual previsto em lei corresponde ao total de ações de titularidade dos acionistas

presentes à assembleia.

O entendimento do Investidor foi corroborado por parecer do professor Luiz

Leonardo Cantidiano e contou com a atuação da Caixa de Previdência dos Funcionários do

Banco do Brasil, que atuou como amicus curiae, apoiada em parecer do professor Calixto

Salomão Filho.

De outro lado, a Companhia, contando com a atuação da Souza Cruz S.A. como

amicus curiae, fundamentou a sua posição em pareceres colacionados aos autos de autoria dos

professores Luiz Gastão Paes de Barros Leães e Alfredo Lamy Filho.

Com a tramitação do processo perante a CVM, a Superintendência de Relações com

Empresas dessa autarquia se manifestou de forma contrária ao entendimento do Investidor, o

qual, logo em seguida, recorreu ao Colegiado.

Ao apreciar o tema, o Diretor Marcos Barbosa, então Relator, reconheceu tratar-se de

questão ainda não apreciada pelo Colegiado da CVM, não tendo sido, sequer, discutida “a

fundo” pela doutrina especializada. Assim, propôs a sua análise com base nos diferentes

métodos de interpretação jurídica.

Inicialmente, o Relator realizou a interpretação literal do dispositivo em tela. O texto

da lei, segundo a sua opinião, estaria claro: pouco importa o número de acionistas

minoritários presentes à assembleia, sendo mais relevante o total de ações com direito a voto

de que são titulares. Dessa forma, em sendo, esse percentual, superior a 10%, haveria o direito

dos acionistas minoritários de eleger um conselheiro fiscal em separado.

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Posteriormente, seguindo o método de interpretação teleológica, o Relator concluiu

ser a finalidade do dispositivo garantir aos acionistas minoritários o direito de eleger um

membro do conselho fiscal, para que possam participar da fiscalização da gestão da

companhia. Se o objetivo da norma é permitir a fiscalização da gestão social pelos acionistas

minoritários, então o percentual de 10% deveria ser interpretado de forma a facilitar e não

dificultar essa fiscalização.

Dando prosseguimento ao seu voto, o Relator passou a interpretar o dispositivo em

tela com base no método de interpretação sistemática, mais uma vez entendendo que, à vista

dos dispositivos semelhantes previstos na Lei nº 6.404/76, o referido requisito de 10% diz

respeito ao percentual de ações da companhia de titularidade dos acionistas minoritários e não

ao dos presentes à assembleia.

Por fim, ao adotar o método da interpretação histórica do dispositivo, e apenas com

base nesse método interpretativo, o Relator entendeu que a posição defendida pela Companhia

deveria ser contemplada, uma vez que o mercado comumente interpretava tal requisito como

norma de quorum presencial mínimo.

Entretanto, defendeu o próprio Relator que o método de interpretação histórica, por

si só, não tem o condão de afastar a conclusão alcançada pelos demais métodos interpretativos

e dar a “palavra final” sobre a interpretação a ser conferida ao requisito de 10% previsto no

art. 161, parágrafo 4º, “a” da Lei nº 6.404/76, sendo utilizada apenas para garantir a segurança

e previsibilidade das relações jurídicas.

Portanto, concluiu o Relator que o requisito de 10% previsto no art. 161, parágrafo

4º, “a” da Lei nº 6.404/76, referente à eleição por parte dos acionistas minoritários de um

representante no conselho fiscal, diz respeito ao total de ações de emissão da companhia em

circulação no mercado e não ao número de ações de titularidade dos acionistas minoritários

presentes à assembleia, com a aplicação dessa nova interpretação a casos futuros submetidos à

apreciação da CVM.

Esse entendimento do Relator, manifestado em seu voto, foi acompanhado pelos

demais diretores.

Com base na interpretação conferida pela CVM ao requisito de 10% previsto no art.

161, parágrafo 4º, “a” da Lei nº 6.404/76, qualquer número de acionistas minoritários que

esteja presente à assembleia geral da companhia poderá eleger um representante para o seu

conselho fiscal, desde que a companhia possua um free float correspondente a, pelo menos,

10% do seu capital social.

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Sendo assim, são garantidos, ao acionista minoritário “ativo”, meios mais sólidos

para que seja representado no conselho fiscal, diretamente participando da fiscalização da

gestão da companhia, independentemente do nível de ativismo e organização dos demais

acionistas minoritários.

Ao decidir acerca do conteúdo desse dispositivo, a CVM adotou um posicionamento

verdadeiramente protetivo perante os acionistas minoritários, assegurando maior eficácia

prática ao seu direito de representação no conselho fiscal, ao interpretá-lo e aplicá-lo,

inclusive, para além do que o próprio legislador expressamente dispôs no artigo 161,

parágrafo 4º, “a” da Lei nº 6.404/76.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Com base nos entendimentos expostos acima, pode-se concluir que o legislador

brasileiro preocupa-se, desde a vigência do Decreto-lei nº 2.627/40, em assegurar o exercício

de direitos políticos e patrimoniais mínimos por parte dos acionistas minoritários das

companhias.

Entretanto, ainda que existentes em teoria tais direitos eram pouco implementados na

prática, seja em razão da falta de meios sólidos para sua efetivação pelos acionistas

minoritários, seja pela própria conjuntura econômico-societária do nosso país, caracterizada

pela concentração de participação acionária nas mãos de certos investidores.

Após a edição da Lei nº 6.404/76 e da ativa atuação da CVM nesse sentido, houve

um substancial aumento no rol de direitos políticos conferidos aos acionistas minoritários,

bem como nos mecanismos existentes para assegurar o seu exercício.

Nesse cenário, destaca-se o disposto no artigo 161, parágrafo 4º, “a” da Lei nº

6.404/76, que assegura aos acionistas minoritários o direito de representação no conselho

fiscal da companhia, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das

ações com direito a voto.

Ao apreciar o conteúdo desse dispositivo no âmbito do Processo CVM

RJ2007/11086, a CVM entendeu que o mencionado requisito de 10% diz respeito ao total de

ações de emissão da companhia em circulação no mercado e não ao número de ações de

titularidade dos acionistas minoritários presentes à assembleia, com a aplicação dessa nova

interpretação a casos futuros submetidos à sua apreciação.

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Dessa forma, a CVM garantiu maior efetividade a esse direito político dos acionistas

minoritários, agindo bem ao garantir-lhe meios mais sólidos para que se façam representar no

conselho fiscal de companhias abertas.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ABRÃO, Carlos Henrique; Direito das Minorias. Reforma da Lei das Sociedades Anônimas.

Rio de Janeiro. Editora Forense. 2002. pp. 249-84.

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por Ações e o Anteprojeto de Lei sobre Sociedades de Responsabilidade Limitada. Reforma

da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2002. pp. 307-20.

BENCKE, Carlos Alberto. Acionista Minoritário na Sociedade Anônima: Direito de

Fiscalização. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2003.

BULGARELLI, Waldirio; A Proteção às Minorias na Sociedade Anônima: à luz da nova lei

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São Paulo. 2007.

CARVALHOSA, Modesto; Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. vol. 3. 4ª ed. 2009.

Saraiva. Rio de Janeiro.

COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder de Controle na

Sociedade Anônima. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 2008.

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influência dos investidores-cidadãos nas decisões das empresas. Rio de Janeiro. Elsevier.

2008.

EIZIRIK, Nelson; Conselho Fiscal. Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro.

Editora Forense, 2002.

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FILHO, Alfredo Lamy; Conselho Fiscal. Abuso de Minoria. Temas de S.A. Renovar. 2007.

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LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros; Funcionamento do Conselho Fiscal nas Companhias

Abertas. Pareceres. Vol. II. São Paulo. Editora Singular. 2004.

LESLIE, Amendolara. Os Direitos dos Acionistas Minoritários (com as alterações da lei

9457/97). São Paulo. Editora STS. 1998.

TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares; Das Sociedades

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2002. pp. 219-47.

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MERCADO DE CAPITAIS COMO SEDE DOS DIREITOS FUNDAMETAIS

DIFUSOS À IGUALDADE INFORMACIONAL E DE OPORTUNIDADES

DIFFUSE FUNDAMENTAL RIGHTS TO EQUALITY OF INFORMATION AND

EQUALITY OF ECONOMIC OPPORTUNITY IN SECURITIES

EXCHANGE MARKET

Karina Teresa da Silva Maciel*1

Antonio Martin**

ÁREA DO DIREITO: Direitos especiais e tutela das minorias na atividade empresarial. Eficácia horizontal e vertical dos direitos fundamentais.

RESUMO: O presente trabalho aborda os direitos difusos do mercado de capitais nacional,

dando-se ênfase à análise do direito fundamental à informação, como garantidor da igualdade

e pleno exercício da liberdade econômica. Nesse passo, a Comissão de Valores Mobiliários

(CVM) – órgão de regulação deste mercado – vem atuando diligentemente na promoção do

full disclosure (transparência de informações relevantes) das companhias abertas.

Incentivando a informação pública, clara e tempestiva do mercado, propicia o acesso ao

direito de informação dos investidores de títulos mobiliários. A informação é um instrumento

de asseguração do direito fundamental à igualdade entre todos os investidores na negociação

de ativos, que em posse de informações iguais podem decidir o melhor negócio e momento a

realizar, garantindo, em última análise, a plenitude da liberdade econômica no Mercado de

Valores Mobiliários.

* Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da Universidade Metodista de Piracicaba. Advogada. ** Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor titular da Universidade Metodista de Piracicaba e professor Assistente Doutor da Universidade de São Paulo. Advogado.

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PALAVRAS-CHAVE: Mercado de Valores Mobiliários – Direitos fundamentais difusos –

direito fundamental à igualdade informacional – direito fundamental à liberdade econômica –

transparência – companhia aberta – CVM.

ABSTRACT: This paper discusses the right of equality between investors scattered in the

Brazilian Capital Markets, getting emphasis on the right of information as a guarantee of

economic freedom. In this enforcement the Comissão de Valores Mobiliários – CVM (the

Brazilian SEC, Securities Exchange Commission from USA) is diligently acting on the

promotion of the full disclosure of the public companies. Always encouraging the public,

clear and timely disclosure of relevant information from these companies in benefit of

investors in the securities market. Thus, the information is a tool that assures the fundamental

right of equality between investors when trading assets in the Securities Exchange Market.

KEY-WORDS: Securities Exchange Market – Diffuse Fundamental Rights – fundamental

right to equality of information – fundamental right to economic freedom – full disclosure –

public companies – CVM.

SUMÁRIO : Introdução; 1. Evolução do Mercado de Capitais nas últimas décadas no Brasil ;

2. Evolução do poder de controle nas últimas décadas no Brasil; 3. Interesses difusos e

coletivos no mercado de capitais; 3.1. Interesse difuso à informação pública do mercado; 3.2.

Interesse difuso e coletivo à igualdade de oportunidades. Considerações finais. Referências.

Int rodução

O presente artigo segue a mesma corrente de estudos da publicização e

constitucionalização do Direito Empresarial, especialmente no reconhecimento da existência

de direitos difusos e coletivos no Direito entre particulares.

Esta abordagem do Direito Privado é relativamente recente no Brasil. O processo de

fortalecimento da Constituição Federal como carta de direitos fundamentais efetivos e

exequíveis (e não mais como mera carta programática ou intencional de direitos) se iniciou

com a Constituição Federal de 1988, enquanto a discussão e o reconhecimento dos direitos

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metaindividuais começaram a ter relevo a partir do Código de Defesa do Consumidor de

1990.

Mais recente ainda é a abordagem do Direito Privado, e mais propriamente, do

Direito Empresarial Constitucional e do Direito Empresarial Difuso e Coletivo. Este é o tema

central do presente estudo: interesses fundamentais difusos no mercado de capitais.

Para tanto, cumprirá apresentar, antes de tudo, a evolução histórica deste mercado e

do poder de controle nas últimas décadas, demonstrando-se a evolução da legislação estatal e

da autorregulamentação da Comissão de Valores Mobiliários, as quais se revelam cada vez

mais garantidoras dos interesses difusos e coletivos do mercado de capitais, especialmente dos

direitos fundamentais difusos de igualdade e liberdade econômica presentes nas políticas de

incentivo à transparência das companhias (full disclosure) no mercado de capitais.

1. Evolução do Mercado de Capitais nas últimas décadas no Brasil

É assente na doutrina que, a partir do séc. XIX, o capitalismo, a empresa e o próprio

Direito Comercial passaram a ser protagonizados pelas sociedades empresárias2, em especial

pelas sociedades anônimas3.

Essencial como a máquina a vapor ao industrialismo, a sociedade anônima foi a

grande mola propulsora do capitalismo (RIPERT, 2002, p. 66-67 e FRAZÃO, 2011, p. 71),

sendo a máquina jurídica capaz de juntar grande capital e, ao mesmo tempo, hábil a diluir o

risco empresarial por meio da dispersão acionária.

Esta efetiva democratização dos riscos e lucros certamente se verifica mais

acentuadamente nas companhias de capital aberto, haja vista terem seus títulos mobiliários

livremente negociados e cotados no mercado de capitais. É por meio de tal mercado que se

acessa a poupança popular e se diluem os riscos empresariais em inúmeros e infinitos

acionistas e investidores.

2 Sob o ponto de vista do fenômeno econômico, a sociedade empresária é a reunião de esforços (dos sócios capitalistas e empreendedores) tendentes a um mesmo fim econômico. 3 “Sessenta anos depois da promulgação da lei, contavam-se em França quarenta mil sociedades anônimas!” (RIPERT, 2002, p. 80)

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Assim, o Mercado de Ações, também conhecido como Mercado Acionário, Mercado

de Valores Mobiliários ou Mercado de Capitais, é a instituição que, com melhor eficiência

econômica, viabiliza a distribuição de valores mobiliários4, proporcionando liquidez aos

títulos de emissão de empresas e seu processo de capitalização. Portanto, o mercado5 é um

espaço que gera eficiência ao ensejar a concentração de agentes interessados na aquisição ou

venda de valores mobiliários.

Conforme bem apregoaram BERLE & MEANS (1984, p. 236-237.), o mercado de

capitais possui três funções:

“A primeira é a de manter um ponto de encontro e facilidades de negociações reunindo uma corrente constante de compradores e vendedores. Isso envolve a manutenção de um ‘mercado livre’. Em segundo lugar, os mercados de ações fornecem uma medida de valor contínua, tornando as ações úteis como base de crédito ou troca por todo o país por uma cifra aproximadamente baseada no preço de mercado da bolsa. Isso envolve a disponibilidade de informações adequadas sobre as quais basear uma estimativa. Em terceiro lugar, esses mercados proporcionam o único meio importante pelo qual um investidor pode retirar seu capital, seja para empregá-lo em outra parte, seja para despesas pessoais. O mercado é o guichê do caixa pagador. A quantia a pagar varia diariamente, mas praticamente não há outro meio de assegurar qualquer quantia, ou, pelo menos, todos os meios dependem da existência do mercado. Em síntese, o mercado desempenha a função de dar liquidez às ações.”

Sendo assim, o mercado é mais que um fato social: é uma necessidade, dada a sua

funcionalidade às trocas mercantis. Desta forma, mostra-se oportuna uma breve análise de seu

desenvolvimento para a compreensão da realidade atual e a importância que o Direito teve (e

tem) para a manutenção salutar do mercado de capitais.

Após alguns anos de crescimento, em razão do ingresso relevante de investimentos

estrangeiros de portfólio6 decorrentes de privatizações e da abertura da economia brasileira,

4 São valores mobiliários aqueles definidos legalmente no art. 2o da Lei nº 6.385/76, alterada pela Lei nº 10.303/01: “I. as ações, debêntures e bônus de subscrição; II. os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários; III. os certificados de depósito de valores mobiliários; IV. as cédulas de debêntures; V. as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; VI. as notas comerciais; VII. os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII. outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes e IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros". 5 O mercado de capitais é formado pela Bolsa de Valores e Mercado de Balcão, nos quais atuam as instituições financeiras autorizadas, sociedades corretoras, corretores, investidores e companhias. 6 O portfólio de investimentos é um conjunto de aplicações no mercado de ações.

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observou-se a paulatina queda nos volumes negociados no mercado nacional, bem como

grande número de fechamentos do capital de sociedades anônimas e escassas ofertas públicas

de ações a partir da metade da década de 90.7

No mercado secundário8, a média mensal de volume negociado na Bolsa de Valores

do Estado de São Paulo (Bovespa) caiu de US$ 15,9 bilhões, em 1997, para US$ 8,5 bilhões

em 2000, enquanto o número de companhias listadas na Bolsa também foi reduzido

significativamente, passando de 589 companhias em 1996 para 495 em 2000. Já no mercado

primário9, entre 1995 e 2000, aconteceram apenas 8 IPOs – registros de novas companhias

com ofertas públicas de ações – sendo certo que apenas os IPOs que envolvessem uma

listagem simultânea da companhia na New York Stock Exchange (NYSE) eram considerados

viáveis à época.10

Desta forma, em que pese à estabilidade econômica conquistada pelo Brasil a partir

da implantação do Plano Real em meados de 1994, faltavam a confiança e a credibilidade

necessárias para atrair novos investimentos ao mercado de capitais nacional. Em outras

palavras, o mercado carecia de segurança jurídica.

Nesse passo, a gradativa conquista da confiança dos investidores se deu, em grande

parte, graças à autorregulamentação11 do mercado de capitais brasileiro.

Em 1995 foi criado o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC),

entidade privada sem fins lucrativos que, além de editar um Código de Melhores Práticas e

manuais de orientação, dedica-se a capacitar dirigentes de empresas para a aplicação da boa

governança.

7 Sobre a história pregressa do mercado de capitais, consultar: <http://www.portaldoinvestidor.gov.br/cad%C3%AAmico/EntendendooMercadodeValoresMobili%C3%A1rios/Hist%C3%B3riadoMercadodeCapitaisdoBrasil/tabid/94/Default.aspx>, acesso em 11 de outubro de 2011. 8 O mercado secundário pode ser exercido simultaneamente pela Bolsa de Valores e pelo Mercado de Balcão, consistindo nas operações de compra e revenda entre investidores. 9 Mercado primário é realizado exclusivamente pelo mercado de balcão, no qual são ofertados títulos mobiliários recém emitidos aos investidores, ou seja, são realizadas operações de aquisição de títulos entre a própria companhia emitente e os investidores. 10 “Nossas companhias precisavam ‘alugar’ a credibilidade de outra jurisdição, mais atraente e amigável para os investidores, para terem sucesso nas ofertas de ações. Ao mercado brasileiro, na percepção dos investidores, faltava a indispensável segurança jurídica.” (SANTANA e GUIMARÃES, 2008, p.57-58 passim) 11 “Auto-regulação é a regulação promovida pelos próprios agentes econômicos a que a norma se destina. Os próprios agentes são os maiores interessados em contar com regras claras e de qualidade, pois disso depende a existência de uma ambiente favorável aos negócios. Pressupõe-se ainda que eles possuem os conhecimentos técnicos característicos de seus ramos de atuação e, por isso, podem ser até melhores que o regulador estatal na elaboração de regras e na identificação de problemas. E como são os próprios agentes que elaboram essas normas dentro do âmbito da auto-regulamentação, tendem a ser menores as chances de vê-las desrespeitadas.” (SANTANA e GUIMARÃES, 2008, p.60)

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Por sua vez, em 1998, a Associação dos Bancos de Investimento (ANBID) adotou a

primeira prática de autorregulamentação com o lançamento do Código para as Ofertas

Públicas de Distribuição e Aquisição de Valores Mobiliários, seguindo-se de outros códigos

sobre fundos de investimentos, securities services e private baking. Mais ainda, atualmente

possui um programa de certificação de profissionais que atuam na área de investimento a fim

de assegurar a qualidade daqueles que aí atuam.

Nessa esteira, no ano de 2000, a Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (Bovespa)

lançou segmentos diferenciados para empresas que adotam critérios rigorosos de governança

corporativa12: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado; ou seja, segmentos especiais para empresas

que melhor protegem o investimento de seus acionistas.

Mais ainda, a reforma da Lei das Sociedades Anônimas, da Lei do Mercado de

Capitais (ambas em 2001)13 e das normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em

2002 e 200314, trouxe maior proteção aos acionistas minoritários (investidores), ampliou a

competência, os poderes e a autonomia institucional da CVM, e tornou crime as práticas do

insider trading e da manipulação do mercado.

Esta associação de medidas de autorregulamentação, alterações legislativas e

estabilidade econômica foi essencial para a recuperação da credibilidade e atratividade do

mercado de valores nacional no novo milênio.15

“A lém disso, a superação da crise de confiança de 2002, a retomada de um processo de alta nas principais bolsas de valores do mundo, especialmente as emergentes, assim como a queda na taxa de juros doméstica contribuíram para uma extraordinária decolagem da nossa bolsa. [...]” (FRAGA, 2008, p.40)

Assim, a partir de 2004, começaram a ser retomadas as ofertas de ações por parte de

novas companhias, tendo o ápice do crescimento do mercado de capitais ocorrido em 2007,

resultado dessa construção histórica e bem sucedida de medidas econômicas, financeiras e 12 ”Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho da companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, tendo em vista a separação entre controle e propriedade, facilitando o acesso ao capital.” (MARTINEZ, 2005, p. 96) 13 O diploma alterador de ambas as normas foi a Lei nº 10.303 de 31 de outubro de 2001. 14 Instruções normativas da CVM de nºs 358/02, 361/02 e 400/03 são bons exemplos da profunda revisão e edição de normas ao mercado. 15 “O Brasil foi, em 2007, o 5º mercado em volume financeiro absoluto de ofertas de ações [...] Nossa avaliação de todo esse quadro, que inclui a receptividade dos investidores estrangeiros às ofertas de empresas brasileiras listadas apenas no mercado doméstico, é que esse desempenho se deve em grande parte à evolução em nosso ambiente regulatório. Este resultado começou a ser gestado anos atrás, por meio do esforço e do compromisso com o longo prazo demonstrado pelas entidades do mercado e pelos agentes públicos.” (SANTANA e GUIMARÃES, 2008, p.60)

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jurídicas – além de estímulos governamentais16 – que propiciaram um ambiente

suficientemente seguro e atraente aos investidores.

Tanto é que, mesmo com a crise financeira experimentada em 2008, originada nos

Estados Unidos e que se alastrou numa crise de confiança generalizada nos mercados

mundiais (da qual ainda se sentem os reflexos nos Estados Unidos e especialmente na

Europa), o Brasil teve uma recuperação notável, haja vista a segurança jurídica do nosso

sistema financeiro.

2. Evolução do poder de controle nas últimas décadas no Brasil

As companhias de capital aberto são afetadas jurídica e economicamente por essa

regulamentação do mercado e pela procura de títulos por investidores (lei da oferta e procura),

devendo conformar-se às exigências atuais para se consolidar como uma companhia atrativa e

obter constante capitalização.

Nesse sentido, recentes estudos têm demonstrado que existe uma relação inversa

entre o valor de mercado da companhia e a concentração do poder de controle: quanto maior a

concentração do poder nas mãos de um único ou de poucos acionistas, menor é o valor das

ações pago pelo mercado. Logo, para uma eficiente capitalização da companhia, necessária se

faz a diluição acionária e a dispersão do poder de controle17.

16 “Outro traço marcante da evolução do mercado é a popularização do investimento em ações e outros valores mobiliários, como fruto de estímulos decorrentes de programas governamentais e da própria democratização do capital de companhias abertas. Assim é que a participação dos empregados nos investimentos de infra-estrutura, por intermédio do FGTS, foi trazida pela Lei 11.491 de 2007, integrante do conjunto de medidas do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], através da criação do Fundo de Investimento do FGTS em investimentos nos setores de energia. Rodovia, ferrovia, porto e saneamento, de acordo com as diretrizes, critérios e condições estipuladas pelo Conselho Curador do FGTS. Este mesmo tipo de instrumento foi utilizado, com sucesso, para possibilitar ao trabalhador investir seus recursos do FGTS em ações da Companhia do Vale do Rio Doce e da Petrobrás. Outro fator de estímulo a tal investimento é a isenção da incidência do importo de renda sobre os ganhos auferidos.” (MORAES, 2008, p. 199) 17 Conforme bem nota SALOMÃO FILHO (2006, p. 67), a diluição do poder de controle e sua substituição pelo poder de gestão tecnocrática apenas se verifica em sistemas jurídicos que garantem a efetiva proteção aos acionistas minoritários e a responsabilização do acionista controlador.

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Assim, a fim de complementar a compreensão da situação atual da sociedade

anônima aberta e do mercado, a justificar a disciplina dos direitos difusos e coletivos18

acompanhar-se-á a evolução do poder de controle no Brasil nas últimas décadas.

O clássico empresário individual e o antigo sócio empreendedor que geriam seus

próprios negócios vêm sendo substituídos (ao menos nas companhias abertas) pelo acionista

investidor, minoritário, que não tem intenção de participar da gestão do negócio.19

Silenciosamente, se assiste à alteração do perfil do capitalista tradicional que, de

proprietário da sociedade, passaria a se aproximar mais da figura de credor da companhia,

interessado apenas na fiscalização da sua gestão e nos dividendos que esta poderia lhe

proporcionar. 20

Na sociedade anônima aberta21, com exceção dos fundadores que efetivamente

podem discutir as cláusulas estatutárias22, a imensa maioria dos demais acionistas apenas

adere ao estatuto social com o intuito de participar dos lucros da atividade empresária a ser

desenvolvida pela sociedade. Assim, é incontestável o fato de que já ingressam na companhia

como meros investidores de capital, sem poderem efetivamente contribuir para a discussão e

elaboração dos estatutos sociais. Normalmente, estes acionistas investidores (também

18

Nas lições de ZACLIS (2007, p. 68-69): “As características comuns dos interesses difusos e dos interesses coletivos residem no elemento objetivo (os bens protegidos) e no subjetivo (titularidade). Do ponto de vista do objeto, identifica-se este pela nota da indivisibilidade. Isto significa que a lesão ou a satisfação do interesse ou do direito não se pode dar de modo fracionado para um ou para alguns dos interessados, e não para outros. [...]. Do ponto de vista subjetivo, há sempre a ausência de titulares que sejam exclusivos detentores dos interesses, diversamente do que ocorre com a categoria do ‘direito subjetivo’, em sua dimensão clássica; o que existe, ao contrário, é uma certa indeterminação dos titulares dos interesses, que pode ser maior ou menor, atingindo um grupo mais ou menos indeterminado de indivíduos. Portanto, o que se aponta como fator distintivo entre os interesses difusos e os coletivos stricto sensu é, no respectivo elemento subjetivo, a maior ou menor indeterminação deles. Os primeiros, não se fundando em nenhum vínculo jurídico, baseiam-se exclusivamente em dados de fato, genéricos e contingentes, acidentais e mutáveis, como habitar a mesma região, consumir iguais produtos, sujeitar-se a particulares empreendimentos. A indeterminação – ou a dificuldade de determinação – é aqui muito grande, e por isso espalham-se os interesses por todo um grupo social, sem possibilidade de indicação precisa dos titulares (interesses difusos). Já nos chamados interesses coletivos stricto sensu se vislumbra um vínculo jurídico, uma relação-base, que une os componentes do grupo entre si e que demanda uma certa organização: os entes profissionais, os sindicatos, as associações congregam os titulares dos interesses coletivos, permitindo sua identificação.”

19 Essa nova realidade cinde o direito de propriedade e o controle desta propriedade. 20 Alguns autores propugnam inclusive pela extinção da propriedade dos acionistas das grandes companhias – que sempre foi marco do tradicional capitalista e do capitalismo. Para estes autores, o direito de propriedade dos acionistas seria substituído pelo direito de crédito dos investidores. (EIZIRIK, 1987, p. 4) 21 A sociedade anônima de capital aberto disponibiliza seus títulos mobiliários ao grande público por meio da oferta e negociação destes títulos no mercado de capitais, mais precisamente, nos mercados de valores primário e secundário, respectivamente. 22 Urge assinalar que a criação das cláusulas de uma sociedade anônima aberta não são absolutamente livres, haja vista a extensa regulamentação deste tipo societário, quer pela Lei das Sociedades Anônimas, quer pelas regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários.

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chamados de minoritários23) continuarão alienados da vida da companhia,24 iniciando-se a

grande cisão e diferenciação entre os acionistas que a compõem.

Nesse sentido, pode-se citar quatro tipos de acionistas presentes em uma companhia

aberta: fundadores, empreendedores, investidores (ou rendeiros) e especuladores.25

No entanto, para os objetivos do presente item, levando-se em conta apenas o

exercício do poder de controle da sociedade, dividir-se-ão os acionistas em apenas dois

grupos: majoritários (ou controladores) e minoritários, colhendo-se os ensinamentos de

BULGARELLI (1988, p. 33 – 40 passim.):

“A expressão minoria não se refere a uma noção meramente quantitativa, mas a uma relação quantitativa de poder, que não corresponde ao número de pessoas, nem de ações, necessariamente. Maioria é, sob tal aspecto, o controlador – o que de fato controla e dirige a sociedade – e minoria, os que por várias razões (absenteísmo, minifúndio de ações ou coesão do grupo controlador ou de outros motivos), estão afastados do poder, dentro da sociedade. [...] Como em regra a minoria não é senão a maioria desorganizada [...] Minoria é afinal uma posição – eventual ou não – que o acionista atravessa; pode-se dizer que o acionista não é minoria, mas está em minoria. Situação, ademais, que pode ser eventual, pois que ele pode – por aquisição de novas ações, por acordo de votos ou mesmo por pressão contratual (fornecimentos, financiamentos etc.) – tornar-se maioria ou dela participar. [...] Daí a noção, hoje, bem aceita, de que a minoria é o acionista ou o conjunto de acionistas que, na Assembleia Geral, detém uma participação em capital inferior àquela de um grupo oposto.”

Portanto, a diferenciação que se opera entre os acionistas decorre da separação entre

o capital e o poder de controle26, pois, embora todos contribuam com capital para a

23 Os acionistas minoritários são aqueles que possuem um número de ações que não lhes garante a maioria nas decisões da companhia. Assim, normalmente restam alijados das decisões e poderiam ter os seus direitos suprimidos pela vontade social. 24 MENÉNDEZ (1974, p. 11) apresenta diversas razões de ordem material e psicológica para esse fenômeno do absentismo acionário que é “el alejamiento o la ausencia de los accionistas de las reuniones de la Junta General”. 25 Os acionistas fundadores efetivamente criam a sociedade anônima definindo o projeto de estatuto social (incumbindo-lhes a escolha da instituição financeira que colocará as ações no mercado, a contratação de um estudo de viabilidade econômica da empresa e a obtenção do registro de autorização da CVM para a oferta das ações publicamente). Os acionistas empreendedores são aqueles que, além da contribuição de capital, exercem funções de administração e direção na companhia. Por investidores (ou rendeiros), entende-se o acionista minoritário que, alijado do poder, objetiva tão somente participar dos lucros da companhia por meio de dividendos. Por fim, os especuladores são os acionistas acidentais, que não visam a perceber dividendos da sociedade, mas sim ao ganho individual pela negociação de seus títulos em Bolsa de Valores.

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constituição da sociedade, somente alguns (os acionistas controladores) teriam efetivamente o

poder de geri-lo.27

O poder de gerir a empresa se origina do poder decisório e soberano da Assembleia

Geral de Acionistas, na qual os acionistas reunidos tomam as deliberações mais importantes

da companhia e elegem os diretores, os membros do Conselho de Administração e os

membros do Conselho Fiscal, que formam respectivamente, os órgãos de representação e

execução; orientação e fiscalização da empresa.

Ocorre que na Assembleia Geral de Acionistas – sede maior de poder donde emanam

os poderes dos demais órgãos da companhia –, não vigora o princípio democrático, mas sim o

princípio plutocrático na formação da maioria, conforme ensina GALGANO (1990, p. 103.):

“Principio básico de La sociedad anónima es El principio mayoritario [...] Es una mayoría de capital, no de número de socios: forman mayoría los socios que detentan una mayor parte de capital o, lo que es lo mismo, un mayor número de acciones. Respecto a La sociedad anónima El principio mayoritario no debe, por esto, evocar la ideia de que los más prevalecen sobre los menos: puede suceder, y a menudo sucede, que el voto de um accionista o de un número restringido de accionistas, detentadores de una maior cuota de capital, prevalezca sobre El de una multitud de accionistas, que detentan cada uno de ellos uma pequeña parte del capital. En las asambleas políticas, em las asociaciones y, en el interior Del derecho de la empresa, en las sociedades cooperativas, se aplica el principio opuesto de la mayoria numérica: el principio mayoritario es allí un principio democrático. Aquí, en cabio, éste es um principio plutocrático: hace que el gobierno o, como se suele decir, el <<control>> de la sociedad corresponda al socio o a los socios que poseen una mayor parte del capital social. Es la regla básica del sistema capitalista: regla según la cual el poder

26 Segundo RIPERT (2002, p. 309), o poder de controle da maioria acionária seria o primeiro passo da separação entre poder e propriedade. 27 Diante desta separação entre propriedade e poder, necessária é a proteção da minoria acionária, ou seja, daqueles que não detém o poder de controle: “A possibilidade de um desenvolvimento sadio da sociedade anônima relaciona-se estritamente com uma efetiva tutela da minoria e do acionista singelo. Cumpre, de um lado, assegurar o direito da maioria, de outro lado, tutelar a minoria e, individualmente, o acionista singelo pois que, sem essa tutela, o poder da maioria pode se transformar em arbítrio, o que, aliás, acaba por obstar ao próprio desenvolvimento das sociedades anônimas e ao preenchimento da sua função. Não haverá, realmente, possibilidade de difusão das ações no público e de desenvolvimento de um mercado dos capitais e não haverá possibilidade de apelar ao público para a colheita do capital da sociedade, independentemente de uma efetiva tutela de minoria e do acionista. Caso esta falte, inevitável será que a sociedade anônima, ao invés de preencher a sua função econômica típica, fique adstrita apenas ao âmbito de uma família ou até limitada a um só indivíduo; de outro lado a falta de garantias do acionista, multiplicará os casos em que a difusão das ações entre o público se prende a empreendimentos falhos de seriedade. Por isso o problema da tutela da minoria e do acionista individualmente, acha-se estritamente ligado ao preenchimento por parte da sociedade anônima da que constitui a sua função econômica.” (ASCARELLI, 1947, p. 161-162)

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económico, o sea el control de la riqueza, depende de la propriedad de la riqueza.”28

Nesse contexto, o poder de controle acionário se constitui na efetiva maioria

plutocrática e se apresenta pela efetiva direção das atividades sociais e dos órgãos da

companhia, exercidos por acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de voto29 e

que detenham permanentemente a maioria nas deliberações da Assembleia Geral.30 O

controle, deste modo, “não é um bem da empresa, mas sim um poder exercido sobre ela.”31

Sob esse enfoque, o Brasil sempre foi conhecido pela alta concentração acionária, o

que tornava as companhias abertas pouco interessantes a novos investidores nacionais e

internacionais, haja vista que ficariam sempre alijados do poder de controle e alienados das

deliberações societárias, sem, em contrapartida, ter-lhes garantidos maiores direitos e a

transparência da gestão32.

SALOMÃO FILHO (2006, p. 63), ao tratar dessa realidade, traz os dados colhidos

no White Paper on Corporate Governance in Latin America, realizado pela Organização para

a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apontam que mais da metade

das ações das 459 sociedades anônimas abertas brasileiras pesquisadas estão concentradas nas

mãos de um único acionista, sendo que 65% destas ações estão detidas pelos três maiores

acionistas. Semelhante pesquisa realizada por Mckinsey & Company e Korn/Ferry

International em 174 empresas brasileiras (públicas ou privadas, com receita mínima de US$

250 milhões e conselho de administração) indicou que 61% das ações ordinárias pertencem a

um único acionista. Este percentual salta para 85% das ações ordinárias se fossem

considerados os três maiores acionistas. Trata-se de fatos que comprovam a excessiva

concentração de capital de controle nas companhias brasileiras.

28 Nem poderia ser diferente, pois aquele que detém o maior número de ações com direito de voto (aportando maior capital na companhia), assumiu maior risco do que alguém que adquiriu parcas ações. Logo, aportando maior capital e assumindo maior risco, justo é que o seu voto tenha maior peso, proporcional ao capital investido. 29 Sobre a disciplina do acordo de acionistas e seus limites, consultar: SALOMÃO FILHO, 2006, p. 103-119. 30 Conforme se extrai da exegese do art. 116 da Lei de Sociedades Anônimas, Lei nº 6404/76. 31 E prossegue o autor mais a frente: “Tal poder, bem conhecido dos juristas, é o clássico jus abutendi, elemento essencial da propriedade. O controle é, pois, o direito de dispor dos bens alheios como um proprietário. Controlar uma empresa significa poder dispor dos bens que lhe dão destinados, de tal arte que o controlador se torna senhor de sua atividade econômica.” (COMPARATO, 1975, p.84 e 88) 32 A incentivar a mudança deste paradigma, foram criados o Nível 1, Nível 2 e Mercado Novo, que são listagens da Bolsa de Valores específicas para companhias abertas que adotam níveis diferenciados de governança corporativa e garantem transparência de gestão e maiores aos seus acionistas.

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Entretanto, a concentração do poder de controle veio sofrendo mudanças no decorrer

do tempo em todo o mundo.33 Se originariamente este poder era obtido mediante a alta

concentração acionária nas mãos de um ou poucos acionistas, desde meados do século

passado ele já poderia ser exercido por uma minoria organizada34 em razão do fenômeno do

absentismo e da dispersão das ações (GALGANO, 1990, p. 118 e ss.).35

Os fenômenos do absentismo e da dispersão das ações estão intimamente ligados à

popularização do mercado de capitais, que cada vez mais se consolida como uma forma de

investimento à população. Assim, ao investidor que busca uma forma de rentabilizar suas

economias e não tem interesse real em participar do comando ou deliberações da sociedade, a

questão associativa (tornar-se sócio de uma sociedade anônima) fica em segundo plano.

É esta realidade volitiva dos investidores em mercado de ações e a participação cada

vez menor no capital social da companhia (decorrente da dispersão das ações entre milhares

de investidores) que geram o fenômeno do absentismo dos acionistas, que consiste na não

participação voluntária dos acionistas nas deliberações sociais. Basta a eles que haja retorno

financeiro do seu investimento através de dividendos e que a gestão da companhia seja

transparente.

Hoje, a globalização, a integração dos mercados de capitais e a necessidade de

capitalização constante das companhias para fazer frente aos grandes conglomerados, vêm

acentuando os fenômenos da dispersão de ações e do absenteísmo dos acionistas de tal forma

a obrigar a profissionalização da gestão da companhia.36 Esta “obrigatoriedade” decorre do

sentimento de maior segurança e transparência na gestão por técnicos (pessoas detentoras de

conhecimento específico para administrar e dirigir a companhia), em relação à gestão feita por

outro acionista (o acionista empresário). Esta “maior segurança” se traduz em maior

33 Em que pese à importância do assunto para a compreensão da atual companhia aberta, maiores considerações sobre a evolução do poder de controle transbordariam o objetivo da presente obra. Sobre a evolução do poder de controle, consultar a obra clássica de BERLE e MEANS, 1984, p. 85-122. 34 “A característica funcional básica não é, portanto, a concentração acionária, mas a concentração de poderes em torno da figura do controlador.” (SALOMÃO FILHO, 2006, p. 84.) 35 Digna de nota é a observação de COMPARATO (1975, p.82): “[...] o investimento capitalístico em ações, além dessa tendência à dispersão, apresentava-se sempre mais despersonalizado, primeiro com a criação das ações ao portador, depois com o surgimento dos chamados investidores institucionais – fundos ou sociedades de investimento, fundos previdenciários, companhias de seguros – afastando, decididamente, a massa de acionistas da vida empresarial [...]”. 36 Sobre o absentismo dos acionistas investidores, MENÉNDEZ (1974, p. 32), conclui que “Em defesa de las acciones de ahorro se há insistido hasta la saciedade en la institucionalizar el fenómeno del absentismo como fenómeno permanente e irreversible, tanqo porque com ello se da satisfacción al interés del accionista que no desea intervir em la gestión de la sociedad, sino hacer una colocación de su dinero en un capital-riesgo y no em un capital-obligaciones [...]”.

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atratividade e, portanto, de maior liquidez no investimento em ações, o que irá novamente

incentivar à maior dispersão das ações.

Nesse sentido, cumpre transcrever as palavras de EIZIRIK (1987, p. 3-4):

“Em primeiro lugar, conforme tal linha de raciocínio, ocorreria uma cisão nos direitos de propriedade, desaparecendo gradualmente a figura do empresário capitalista clássico, na medida em que se tornasse cada vez mais pulverizado, entre os acionistas, o poder de controle das grandes empresas. A gestão dessas macroempresas tenderia a ser exercitada por gerentes profissionais, que constituiriam uma ‘nova’ classe, mais dinâmica e aberta, na medida em que o acesso às posições diretivas se daria pela qualificação técnica e profissional, não mais pelas relações de parentesco. Assim, as famílias tradicionalmente mais ricas deixariam de controlar as grandes empresas, efetivamente ‘abertas’, permitindo a ascensão dessa nova tecnocracia gerencial. [...]”

Além dessa conjuntura social-econômica, podem ser citadas a maior intervenção do

Estado37 e a crescente responsabilização dos acionistas controladores como fatores para a

diluição do poder de controle e do fortalecimento do poder de gestão, de tal sorte a ser

possível vislumbrar o desaparecimento do poder de controle acionário (CARVALHOSA,

2010, p. 11-15).

Essa onda, ainda que em menor intensidade, também é sentida no mercado nacional.

A Lei das Sociedades por Ações de 1976, em seu art. 109, elencou os direitos

essenciais dos acionistas – que são invioláveis, irrevogáveis e imutáveis pela Assembleia ou

Estatuto Social, e indisponíveis e irrenunciáveis pelos seus detentores (CARVALHOSA,

1998, p. 292.)38 – visando, assim, a equilibrar as forças internas na companhia e a alta

concentração acionária.

Esta base legal de garantismo de direitos essenciais aos minoritários foi associada: à

responsabilização por voto abusivo (art. 115 da mesma lei)39; ao dever de informar e à

37 A referida intervenção Estatal vem se manifestando pela maior incidência do Direito Público no Mercado de Capitais, que no Brasil se traduziu nas reformas das Leis da Sociedade Anônima e de Mercado de Capitais, bem como, na maior atuação da Comissão Valores Mobiliários – questões abordadas no item anterior. 38 “Assim, à semelhança dos direitos individuais dos cidadãos, cuja inviolabilidade é assegurada pela Constituição Federal (art. 153), a Lei de Sociedades Anônimas firma o elenco dos direitos essenciais dos acionistas, assegurando-lhe a intangibilidade, de maneira expressa e taxativa. Esses direitos, somados a poderes, ônus e obrigações atinentes aos acionistas, compõem o chamado status socii, que se define como a posição do sócio dentro da coletividade social, e pressuposto comum e constante de tais direitos e deveres.” (LEÃES, 1980, p. 216). 39 Pelo qual os acionistas são obrigados a votar no interesse da sociedade anônima, fortalecendo a natureza institucional desta e afastando interesses mesquinhos e individuais contrários ao bom andamento da empresa.

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responsabilização do acionista controlador (arts. 116-A e 117); ao conjunto de deveres e à

responsabilização de administradores (arts. 153 a 159); e à garantia de assento no Conselho

Fiscal aos minoritários e preferencialistas sem direito a voto, que poderão cada qual, eleger

um membro do dito conselho (art. 161, § 1º, a, também da L. 6404/76).

Entretanto, em que pese ao fato de a maioria destes artigos estar inserta na legislação

pátria desde 1976, o movimento de diluição do poder de controle é muito mais recente e tem

sido verificado apenas nas companhias de capital aberto. E por que isto ocorre? Porque,

embora seja essencial ter uma legislação societária protetora dos minoritários, a efetiva

mudança de paradigma não decorre da lei, mas da necessidade de capitalização pública das

companhias. É por esta razão econômica que o poder de controle vem sendo diluído: para que

as companhias sejam mais atrativas a novos investidores.

Por conseguinte, a maior atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nas

últimas décadas40, combinada com a criação dos Níveis de Governança Corporativa – que

solidificaram a confiabilidade e atratividade das companhias cotadas em Bolsa e mais

contundentemente aquelas que se vinculam a um dos três níveis de governança corporativa –

vem repercutindo nas companhias abertas brasileiras, que atualmente estão mais dispostas a

equilibrar suas relações internas de poder.41

Neste momento de transição, as companhias abertas nacionais – notoriamente

conhecidas pela concentração das ações de controle da companhia – estariam passando do

poder de controle majoritário para o poder de controle da minoria acionária, haja vista a

crescente dispersão acionária.

Já em algumas das grandes companhias que adotam níveis cada vez mais elevados de

governança corporativa, a dispersão das ações e a diluição do poder de controle acionário

40 Essa atuação e poderes foram acentuados pela Lei 10303/01, que alterou as Leis do Mercado de Capitais e da Sociedade Anônima, podendo ser citadas exemplificativamente, as alterações procedidas no art. 4º e parágrafos da Lei da Sociedade Anônima, que espelham essa ampliação dos poderes da CVM e da maior seriedade e fiscalização do Mercado de Valores. 41 O fundamento da diluição do poder de controle acionário não é propriamente jurídico, mas sim econômico, conforme bem aponta SALOMÃO FILHO (2006, p. 67): “[...] Como recentes estudos têm demonstrado, existe uma relação inversa entre grande concentração e valor de mercado da companhia, o que demonstra que também para a capitalização das empresas e o desenvolvimento do mercado de capitais a diluição acionária é fundamental. [...]”.

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estariam promovendo a substituição do poder de controle acionário pelo poder de controle

gerencial.42

Nesse ensejo, apesar dos corretos argumentos sobre a tecnocracia gerencial e seus

benefícios, a substituição do poder de controle acionário pelo gerencial, em verdade, não

ameniza o problema da proteção dos minoritários e investidores. Afinal, mais dispersos e com

menor participação no capital social da empresa, os acionistas têm deixado a figura de sócio

ativo para incorporarem o papel de investidor passivo, sendo cada vez mais difícil aos

investidores participar e fiscalizar a gestão da companhia.

Assim, deverá o Estado, por meio da Comissão de Valores Mobiliários, assumir a

defesa dos investidores por meio da regulamentação do mercado, da fiscalização preventiva

dos atos e da repressão às condutas que lesem os direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos do mercado de capitais.43 Afinal, há muito tempo o mercado de capitais deixou

de ser uma forma de investimento para poucos endinheirados. Atualmente, todas as classes

sociais que conseguem guardar uma certa poupança (classes A, B e C), acabam por participar

direta ou indiretamente do mercado de capitais, seja mediante o investimento direto com a

aquisição de valores mobiliários, seja com a participação indireta por meio de fundos de

investimento bancários de renda variável ou mista44, por fundos pensão dos empregados de

uma companhia, ou por fundos autônomos de previdência privada45.

42 A transferência do controle acionário para o controle gerencial importaria assim, num capitalismo sem proprietários, sem o controle dos proprietários. A figura do “empresário” como aquele que organiza os quatro fatores de produção (capital, mão de obra, tecnologia e matéria prima) estaria sendo delegada a pessoa que não tem qualquer vínculo com a propriedade da companhia, ou seja, a um não proprietário, a um não capitalista. Sobre o desaparecimento do poder de controle acionário ler: CARVALHOSA, 2010, p. 11-15. 43 Em sentido análogo se posiciona EIZIRIK (1987, p. 4): “A nova disciplina legal das Companhias Abertas deveria, ademais, atribuir novas responsabilidades aos administradores, além de criar institutos de proteção aos acionistas minoritários, aportadores de capital, do que propriamente como sócios.”. 44 Nestes tipos de investimento bancário, parte ou a integralidade dos rendimentos do dinheiro aplicado podem advir de títulos mobiliários negociados em Bolsa de Valor. 45 Os fundos de pensão dos trabalhadores são os chamados fundos institucionais, que são investidores qualificados pela sua função social. Os fundos de pensão consistem na reserva e aplicação mensal de parte dos salários dos empregados em ações e outros títulos mobiliários, visando garantir o futuro financeiro destes empregados (por exemplo, por meio de uma aposentadoria complementar à aposentadoria pública do INSS). Por outro lado, idêntico é o fim social dos fundos de previdência privada, que é a garantia do futuro financeiro daqueles que o contratam. A distinção entre estes fundos reside apenas na qualidade dos seus beneficiários. Enquanto é livre a contratação de um fundo de previdência privada por qualquer pessoa, somente os empregados de determinada companhia podem contratar o fundo de pensão criado pela mesma. “[...] Com as atuais expectativas de vida – quase duas vezes maiores que aquelas do século passado –, a maior necessidade das pessoas de hoje é a proteção contra a ameaça de viver demais [...] o fundo de pensão é o ‘seguro da velhice’. Trata-se de uma instituição essencial em uma sociedade na qual a maioria das pessoas pode esperar sobreviver por muitos anos às suas vidas profissionais.” (DRUCKER, 1999, p. 62)

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Nesse sentido, cumpre transcrever a ponderações de DRUCKER sobre os fundos de

pensão e sua preocupação da maior intervenção Estatal na regulamentação e fiscalização dos

mesmos:

“Nunca houve antes importâncias tão grandes como aquelas atualmente nas mãos de investidores institucionais, principalmente fundos de pensão, em países desenvolvidos. [... Entretanto a] integração dos verdadeiros proprietários dos fundos de pensão, os atuais empregados e futuros pensionistas, na gerência dos mesmos é um desafio ainda não enfrentado em nenhum país. Atualmente, a única relação desse proprietários com seus fundos é a expectativa de um cheque no futuro. [...] Os fundos de pensão são um fenômeno curioso e sem dúvida paradoxal. São ‘investidores’ que controlam enormes capitais e seu investimento. Mas nem os gerentes que os administram nem seus proprietários são ‘capitalistas’ [todos são empregados]. O capitalismo dos fundos de pensão é um capitalismo sem os capitalistas. Os fundos de pensão são ‘proprietários’, mas apenas legalmente. Em primeiro lugar, eles são ‘curadores’. Os proprietários, os futuros pensionistas, são os beneficiários finais.” (1999, p.62-63)

Sendo assim, restou demonstrado estar altamente disseminado o mercado de capitais

na sociedade. Logo, o Estado deve ter um olhar atento para evitar e punir eventuais abusos

por parte dos dirigentes das companhias, dos intermediadores do mercado (corretoras e

instituições financeiras autorizadas) e dos próprios investidores, pois seus abusos lesarão um

sem número de prejudicados direta ou indiretamente – metaindividualidade que é

caracterizadora dos interesses coletivos em sentido lato.

3. Os interesses difusos e coletivos do Mercado de Capitais

Conforme foi analisado, a crescente normatização e interferência Estatal vivida no

mercado de capitais decorrem da publicização do direito privado e do reconhecimento da

existência de interesses difusos e coletivos a serem resguardados neste meio. Tal resultado é

fruto jurídico da própria evolução do regime capitalista e da economia de massa, realidade

que, transbordando os estudos da ciência econômica, tem reconhecida a tutela jurídica de

massa, ou seja, de interesses transindividuais, voltada ao mercado de valores mobiliários.

Mas que interesses são esses?

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São os interesses das próprias companhias abertas que emitem títulos mobiliários;

das sociedades corretoras, agentes e instituições financeiras que atuam no mercado de

capitais; dos investidores que adquirem e negociam esses títulos; do próprio Estado que emite

títulos públicos e, em última análise, da própria sociedade, haja vista o fato de o mercado de

valores mobiliários representar um termômetro para a aferição da economia e sustentabilidade

do País.46

Exemplificativamente, poderiam ser identificados como difusos os interesses dos

investidores em geral no que confere à transparência, credibilidade e segurança jurídica do

mercado de capitais. A transparência é o atributo do mercado abundante de informações

claras, precisas e tempestivas acerca dos títulos e das companhias que os emitem. Já a

credibilidade é a qualidade oriunda de um sistema de fiscalização eficiente do mercado, a ser

realizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), somado a um sistema punitivo

tempestivo e severo dos eventuais ilícitos, a ser executado pela própria CVM e pelo Poder

Judiciário. Já a segurança jurídica reflete o mercado bem regulamentado, com normas claras

que garantam segurança e previsibilidade às negociações efetuadas no mercado de capitais.

Tais atributos são essenciais ao mercado de valores mobiliários, visto que este possui

uma peculiaridade que o distingue dos demais: o anonimato que reveste as figuras do

comprador e vendedor. Todas as transações econômicas são realizadas através de

intermediários (corretores, sociedades corretoras, instituições financeiras ou homebrokers), de

modo que o comprador desconhece o sujeito que vende suas ações, e vice-versa.

Assim, um sistema bem regulamentado, fiscalizado e que forneça informações

abundantes aos investidores (ou seja, que atenda aos interesses difusos da segurança jurídica,

credibilidade e transparência) é essencial para a atratividade e confiança desses.

Por sua vez, coletivos seriam os interesses de determinados grupos de acionistas ou

de investidores em títulos específicos no que tange à atuação de determinada companhia ou de

agente do mercado em respeito aos direitos indivisíveis do grupo.

46 “Nenhum país se torna próspero nem se mantém próspero sem dispor de um vigoroso mercado de capitais.” (NÓBREGA, 2008, p. 22).

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Ambas as categorias de interesses são prestigiadas pelo conjunto normativo que

incentiva e fiscaliza não só a transparência das companhias como também a comunicação dos

fatos relevantes ao mercado47 e que pune a utilização indevida de informações privilegiadas.48

3.1. In teresse difuso à informação pública do mercado

Se a ordem econômica capitalista é marcada pelo direito fundamental à liberdade de

iniciativa e de lucro, tal direito não é absoluto: deve ser equilibrado pelo direito (também

fundamental) à igualdade entre os investidores, de onde o direito à informação pública

tempestiva é instrumento desta igualdade.

Na sua atuação, os atores do mercado tendem a avaliar os riscos e valores dos títulos

com base em probabilidades, num esforço de antecipar os resultados positivos ou negativos. E

a presença de informações abundantes e tempestivas (full disclosure) no mercado propicia

uma maior aproximação do valor da avaliação dos títulos (feita pelos investidores no

mercado) em relação ao valor real dos mesmos, diminuindo-se, assim, os riscos do

investimento e custos de transação.

47 Como normas e orientações destinadas a promover a maior transparência das companhias e o acesso do mercado aos fatos relevantes (aqueles que podem ensejar a variação do preço dos títulos mobiliários), podem ser citados: o art. 4º, VI e VII da Lei 6385/76 (que dispõe sobre a competência do Conselho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários para assegurar o acesso do público às informações relevantes das companhias e às práticas equitativas no mercado); o art. 176 da Lei 6404/76 (que prevê o mínimo das demonstrações financeiras e das notas explicativas a serem publicadas pela companhia) e a Instrução CVM no 358/02 (e as alterações introduzidas pelas Instruções CVM nos 369/02 e 449/07). Além destas normas, foram criados segmentos especiais na Bolsa de Valores (Níveis 1, 2 e Novo Mercado), que – além de outras práticas de governança corporativa – contém um rol de informações mais extenso a ser fornecido pela companhia ao mercado. 48 Como normas e orientações destinadas a punir a utilização de informações privilegiadas – o chamado insider trading – podem ser citados: o art. 1º, II da Lei 7913/89 (que prevê a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao mercado ou aos investidores), art. 155, §§ 1º ao 4º e art. 159, ambos da Lei 6404/76 (que tratam do dever de lealdade do administrador e da ação de ressarcimento de danos, sucessivamente); o art. 4º, IV, b, c da Lei 6385/76 (que dispõe sobre a competência do Conselho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários na proteção dos investidores em face da utilização ilegal de informações relevante por parte de controladores e administradores de companhias); o art. 9º, V e VI da Lei 6385/76 (que dispõe sobre a competência da Comissão de Valores Mobiliários para apurar em processo administrativo, práticas não equitativas por parte de controladores e administradores de companhias e aplicar-lhes as penas previstas no art. 11 da mesma lei); o art. 12 da Lei 6385/76 (que dispõe sobre a competência da Comissão de Valores Mobiliários para comunicar ao Ministério Público, eventual crime de ação pública apurado no processo administrativo); art. 3º, X da Lei 4728/65 (que atribui ao Banco Central a fiscalização da utilização de informações privilegiadas em prejuízo do mercado). Arts. 13 e 14 da a Instrução CVM no 358/02 (alterada pelas Instruções CVM nos 369/02 e 449/07).

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Certo é que o investimento em títulos mobiliários importa em risco, pois sua

lucratividade depende de inúmeras variáveis, como a conjuntura macroeconômica, a

segurança jurídica, a estabilidade bélica e econômica do país, o bom desempenho e

fundamentos da companhia emissora dos títulos, além de outras variáveis não tão lógicas

como o “sentimento do mercado” e os movimentos de manada que influenciam diretamente o

preço dos títulos em razão da lei de oferta e de procura, acarretando variações de preços nem

sempre previsíveis. Entretanto, em que pese à existência de tais variáveis características do

risco desse tipo de investimento, não se pode admitir a pura álea, a simples loteria.

Assim, para a correta tomada de decisão sobre a compra ou venda de títulos

mobiliários (e seu valor) no mercado, é necessária a disponibilidade contínua de informações

sobre os referidos papéis49 e as companhias que os emitem50, conforme bem assevera CUETO

(2003, p. 01):

“La transparencia procura asegurar un nivel de información parejo en todos cuantos participan de un modo o de outro em los citados mercados; persigue que el conocimiento de causa sobre el que asentar Ia toma de decisiones por parte de inversores de Ia más diversa condición sea relativamente equiparabIe; y genera, en fin, un ambiente de confianza alrededor deI correcto funcionamiento de los mercados, beneficioso a Ia postre para el conjunto de Ia economía.”.

Sendo assim, de forma a prevenir eventuais violações ao direito difuso e coletivo à

informação pública do mercado, a partir do lançamento público das ações,51 inicia-se o dever

de informar. Na emissão dos títulos, a Companhia e a instituição financeira autorizada (que

coloca estes papéis no mercado primário) têm o dever de prestar informações claras, precisas

e acessíveis para a avaliação dos títulos pelos investidores.52

49 Esta política de full disclosure não deve atingir apenas as companhias que mantêm títulos no mercado público (que é objeto do presente estudo), mas também às corretoras e fundos de investimento que intermediam esses papéis, que devem conter prospectos atualizados, de fácil visualização e compreensão pelos investidores, contendo informações precisas sobre a companhia, os títulos e as taxas cobradas para que o consumidor possa fazer uma consciente escolha de investimento. Sobre o assunto, consultar: ALTERBAUM, 2011, obra completa. 50 “A avaliação gira necessariamente em torno de informação. Se a perspectiva do mercado aberto é aproximar-se de um julgamento de valor, é essencial haver material para esse julgamento. [...] As bolsas mais respeitáveis, ao menos nos últimos anos, têm exigido que a companhia faça uma divulgação contínua; esse material permite a avaliação.[...]” (BERLE e MEANS, 1984, p. 233). 51 O lançamento público de ações é o procedimento de emissão e oferta de novos títulos ao público em geral, ou seja, não restrito à subscrição pelos atuais acionistas e tendente à captação de recursos da poupança popular por meio do mercado de capitais. 52 As normas instituídas pela CVM que determinam a informação clara, acessível e tempestiva do mercado a partir do lançamento dos títulos são uma manifestação de norma preventiva que decorre do poder de polícia da CVM. O poder de polícia está disposto no art. 78 do Código Tributário Nacional (L. 5172/66), que por sua

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Posteriormente, caberão apenas às sociedades anônimas o dever de continuar

informando regular e tempestivamente os fatos relevantes que possam influenciar a variação

do valor dos títulos mobiliários no mercado secundário, evitando-se, assim, a manipulação do

mercado pelos atos ou omissões da empresa que tenderiam a ocultar ou impedir uma

estimativa real de seus títulos (BERLE e MEANS, 1984, p. 235.).53

Nesse sentido, cumpre transcrever o pensamento de MARTINEZ (2005, p. 97), que

reflete a preocupação com esse sistema de informações públicas ao mercado:

“É ponto pacífico que sem uma boa política de divulgação de informações, é fácil tirar proveito dos minoritários [acionistas investidores que não detém o poder de controle]. O full disclosure emerge, então, como importante instrumento para impedir a expropriação dos investidores externos pelos internos (gestores e acionistas controladores). Assim, países como o Brasil, que têm uma realidade societária caracterizada pela alta concentração acionária54, devem esforçar-se para criar mecanismos que protejam efetivamente o minoritário, munindo-o das informações necessárias para a mais eficiente condução de seus investimentos.”

A definição de ato ou fato relevante ao mercado é fornecida pelo art. 157, § 4º da Lei

6404/76 e art. 2º da Instrução CVM nº 358/0255, e consiste em qualquer decisão de acionista

controlador, de deliberação da Assembleia Geral ou dos órgãos de administração da

companhia aberta, ou de qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico,

negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir

generalidade, pode ser utilizado para a definição do poder da CVM: “considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança [...] à disciplina da produção e do mercado, [...] ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” No presente caso, esse poder de polícia administrativa se manifesta nos regulamentos e atos administrativos que limitam o direito de propriedade e de liberdade individuais para resguardar os interesses difusos e coletivos do mercado. Associado à tutela preventiva, o poder de polícia administrativa também se manifesta na forma repressiva, por meio das sanções administrativas que a CVM pode impor àqueles que atuam e se servem em desalinho ao interesse público do mercado de capitais. 53 Embora este não seja o enfoque do presente trabalho, cumpre citar que é garantido o direito de informação aos acionistas por meio da fiscalização direta e indireta da administração. A fiscalização indireta da administração da companhia é realizada por meio do Conselho Fiscal que, embora seja de existência obrigatória, tem funcionamento facultativo. Assim, não sendo de funcionamento permanente, o Conselho Fiscal poderá ser instalado por meio do requerimento de um número mínimo de acionistas – que nas companhias fechadas é fixado no art. 161, § 2º da Lei 6404/76, e que nas sociedades anônimas abertas é determinado pela Instr. CVM nº 324/00. O direito de informação direta e privada do acionista sobre a administração e administradores da companhia (em contraposição às informações públicas prestadas ao mercado), também requer um percentual mínimo de ações, disposto no art. 157, § 5º da Lei de Sociedades Anônimas. 54 Cumpre assentar, entretanto, que esta realidade brasileira está sendo alterada paulatinamente, ao menos nas grandes companhias que adotam níveis cada vez mais elevados de governança corporativa. Estas têm dispersado cada vez mais suas ações, diluindo o poder de controle acionário. 55 A mesma norma, em seu parágrafo único e incisos, traz exemplos de atos ou fatos potencialmente relevantes a serem comunicados ao mercado com a maior tempestividade possível.

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de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta, na

decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários ou de

exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela

companhia ou a eles referenciados.56

A responsabilidade pela divulgação de tais informações ao mercado pela companhia

é do Diretor de Relações com Investidores e, em caso de sua omissão, dos acionistas

controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de

quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, que

tenham conhecimento do ato ou fato relevante, segundo os ditames do art. 3º da Inst. CVM

358/02.

Assim, estes fatos e atos57 deverão ser comunicados diretamente à CVM58 e

simultaneamente ao mercado59 através de qualquer meio de comunicação, como informação à

imprensa (em jornal de grande circulação usualmente utilizado pela companhia e notícias

veiculadas na rede mundial de computadores - internet), reuniões com entidades de classe,

investidores, analistas ou com público selecionado,60 tudo a fim de tornar pública esta

56 Cumpre assinalar outros dispositivos que tratam do dever de informar previsto no art. 157 da Lei das Sociedades por Ações e que devem ser considerados na compreensão da extensão desse dever: art. 186 (que trata do levantamento e publicação periódica da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados); art. 187 (que trata da apuração e publicação periódica da demonstração do resultado do exercício); art. 188 (que trata da demonstração das origens e aplicações de recursos); o art. 224 e incisos (que tratam das informações a serem publicadas em caso de incorporação, fusão e cisão da companhia), os arts. 234 e 247 (que tratam das informações a serem fornecidas sobre as sociedades coligadas, controladoras e controladas); art. 126, § 3º (que garante a qualquer acionista, detentor de ações que representem meio por cento do capital social, obter a relação de endereços dos demais acionistas para o envio de pedido de procuração para representá-los na Assembleia Geral) todos da Lei 6404/76. 57 A distinção de ato jurídico e fato jurídico é colhida dos ensinamentos de REALE (2002, p. 199-206): O primeiro decorreria da “deliberação volitiva do homem, à qual a norma jurídica confere conseqüências de direito, tais como as de constituir, modificar ou extinguir uma ‘relação jurídica, ou mais amplamente, uma ‘situação jurídica’.” O negócio jurídico, representado pelos diversos tipos de contrato, portanto, seria uma espécie de ato jurídico. Já o fato jurídico decorre de mero acontecimento natural, que juridicamente qualificado, é apto a gerar conseqüências jurídicas, ou seja, de constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. 58 E, se for o caso, à Bolsa de Valores e entidade do Mercado de Balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação. 59 Nos mercados nacional e exterior, em que os títulos da empresa sejam negociados. 60 Digna de nota a ressalva de BERLE e MEANS (1984, p. 234): “[...] Esses meios, além de muitos outros, constantemente despejam no mercado um relato contínuo de fatos, cifras, opiniões e informações de todo o tipo, que determina ou se julga que influencia o valor dos títulos negociados. Evidentemente grande parte do que é divulgado não é necessariamente verdade, e grande parte do que é verdade nunca chega ao mercado; a situação ideal – divulgação constante de todas as informações que influenciam o valor – é necessariamente inatingível. Mas é possível aproximar-se dela e certamente é verdade que os mecanismos de divulgação estão tão desenvolvidos, que quaisquer fatos que influenciam o valor podem tornar-se propriedade do mercado de forma quase instantânea.” Por esta razão, um dos pilares sobre os quais se assenta a governança corporativa é a informação ampla (full disclosure).

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informação e preservar a igualdade de oportunidades aos investidores externos à empresa e

aos insiders61.

3.2. Direito fundamental difuso à igualdade de oportunidades e o insider

Mais do que o dever de informar o mercado, a proteção aos direitos difusos e

coletivos ali presentes se dá por meio do acesso tempestivo a estas informações. Este é, em

verdade, o grande problema na disciplina da comunicação dos fatos relevantes, pois a análise

do momento de liberação destas informações compete às companhias.62 E nem poderia ser

diferente, já que se tratam de assuntos privados, cuja divulgação prematura poderia pôr em

risco interesse legítimo da companhia.

Entretanto, é justamente nesse meio tempo – entre a descoberta da informação

relevante pelo insider e a sua divulgação ao mercado63 – que poderá ocorrer a violação do

legítimo direito difuso e coletivo dos demais investidores ao tratamento igualitário no

mercado de capitais.

Esta desigualdade material entre os investidores exteriores e o insider que detém

informação privilegiada (ou seja, privada) reside justamente na impossibilidade dos primeiros

61 Os insiders são pessoas que, em razão da posição que ocupam na companhia, desfrutam de acesso a informações relevantes sobre o andamento da mesma, como os integrantes da administração, diretores e conselho de administração. 62 Conforme preveem o art. 157, § 5º da L. 6404/76 e o art. 6º da Instrução CVM nº 358/02, compete às companhias abertas decidir sobre a recusa de prestar informações sigilosas que coloquem em risco legítimo interesse da companhia. Entretanto, esta decisão pode ser reformada pela CVM de ofício, ou a pedido de qualquer administrador ou acionista. Ainda sobre o assunto, COELHO assenta: “A transparência na administração não pode, e não precisa, comprometer a reserva das informações estratégicas da empresa, devendo os direitos de um ou alguns acionistas ceder diante dos interesses gerais da sociedade anônima.” (2002, p. 296). A mesma experiência é vivida em Espanha “En cualquier caso, se mantiene Ia posibilidad de que Ios administradores puedan denegar Ia información solicitada en los casos en que a juicio deI presidente, su publicidad perjudique Ios intereses sociales. Denegación que no procederá cuando Ia soIicitud de infonnación este apoyada por accionistas que representen, al menos, Ia cuarta parte deI capital social.” (PORRÚA, 2003, p. 38). 63 “A obrigação de divulgação imediata de fatos que tenham ocorrido na esfera de atuação do emitente e sejam relevantes para as cotações também serve para reprimir a utilização abusiva de informações privilegiadas (publicação ad hoc). Essas informações geralmente são confidenciais, de maneira que sua divulgação, as libera da qualidade jurídica de informação privilegiada. Suprimem-se destarte os prejuízos factuais para uma operação com utilização de informação privilegiada. A característica fundamental de um fato confidencial é não ser publicamente conhecido. Portanto, a sua divulgação encurta o período de tempo no qual a informação privilegiada pode ser utilizada abusivamente.” (KÜMPEL, 2007, p. 27-28)

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possuírem informações que não sejam públicas – o que coloca os insiders em posição de

vantagem desigual em relação aos demais.

Em tal cenário, os investidores externos se vêem tolhidos do real exercício da

liberdade para fazerem boas ou más escolhas de investimento, na medida em que não detêm

informações relevantes das companhias que emitem títulos mobiliários. Mais ainda, se a

negociação do insider se baseia em informação privilegiada, ou seja, privada, indisponível a

todos os investidores do mercado, faz-se presente uma grave distorção econômica.

Por esta razão, a própria instrução da CVM nº 358/02 e a Lei de Sociedade Anônima,

que permitem o resguardo de informações em prol da proteção dos interesses legítimos da

companhia, proíbem a negociação de títulos mobiliários pelos insiders com base nas

informações privilegiadas a que têm acesso.64 Ademais, impõem aos acionistas controladores

e aos administradores o dever de sigilo65, vigilância66 e comunicação imediata do fato ao

mercado caso haja a oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores

mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciado67 – o que indicaria o

vazamento de informações e a atuação abusiva do insider.

No entanto, quando isto ocorre, a lesão aos direitos difusos e coletivos dos

investidores em relação à justa expectativa de igualdade de oportunidades no mercado de

capitais já terá ocorrido pela prática não equitativa.68

Conforme bem assenta KÜMPEL (2007, p. 26-27):

“A confiança dos investidores assenta especialmente na sua expectativa (digna de proteção) de serem tratados igualmente. Isso pressupõe que os investidores estejam protegidos principalmente contra a utilização de informações privilegiadas por um insider. Operações realizadas com a utilização de informações privilegiadas

64 Arts. 13 e 14 da Instrução CVM nº 358/02 e art. 155, § 4º da L. 6404/76. 65 Art. 155, § 1º da L. 6404/76 e art. 8º da Instrução CVM nº 358/02. 66 Art. 155, § 2º da Lei de Sociedade Anônima, art. 3º, § 1º e art. 4º, parágrafo único, da Instrução CVM nº 358/02. 67 Art. 4º, § 2º e art. 6º, parágrafo único, da Instrução CVM nº 358/02. 68 Nesse sentido, notório é o interesse direto da União no que tange à proteção dos direitos difusos lesionados pela conduta ilícita do insider trading, pois, além da ofensa dos direitos dos demais investidores (que obviamente estão desprotegidos perante os grandes acionistas e demais detentores de informações privilegiadas), há o prejuízo indelével do próprio mercado de capitais, com a aniquilação da confiança na lisura de suas atividades. Segundo CAVALI (2011, p. 15), não se trataria de ofensa genérica a bem ou interesse da União, ou ofensa mediata e indireta em razão da CVM ser autarquia federal responsável pela fiscalização do sistema. A ofensa é direta e frontal ao interesse da União, visto que o ilícito da utilização de informação privilegiada acarreta desconfiança de todos os atores que atuam no mercado de capitais, e assim, pode gerar a alteração de investimentos realizados e a descapitalização deste mercado.

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são vistas pelos investidores como ofensa ao princípio de que lhes deve ser oferecida a mais ampla igualdade de oportunidades possível. Investidores que se sentem tratados de maneira desleal em um mercado afastam-se dele e desviam seus capitais de investimento para outros mercados [...]”69

Em decorrência disso, falhando as normas de caráter preventivo à atuação do insider

trading, caberá a atuação repressiva do Direito mediante a punição daqueles atores que, por

ação ou omissão, lesionaram esses direitos70, a fim de resguardar a confiabilidade no mercado

e desaconselhar a repetição da conduta abusiva.71

Neste sentido cumpre parabenizar a diligente atuação da Comissão de Valores

Mobiliários no desenvolvimento deste mister, que aplica multas pesadas e impõe penas

restritivas de direitos às Companhias, insiders e investidores que violam os direitos

fundamentais difusos de igualdade de informação e liberdade econômica.

Considerações finais

A dimensão econômica do sujeito de direito é essencial num sistema pós-capitalista.

Mas no sistema pós-capitalista, que é sede de relações massificadas, a leitura dos

direitos fundamentais não deve ser feita a partir do cidadão isolado – situação essa que no

Liberalismo trouxe grande opressão econômica dos mais fortes sobre os mais fracos. Hoje, a

compreensão dos direitos fundamentais deve ser feita a partir da sociedade, da coletividade,

69 No mesmo sentido aponta a Nota Explicativa nº 28 à Instrução CVM nº 31, de 8 de fevereiro de 1984: "O objetivo primordial do sistema de divulgação acima articulado é propiciar ao investidor uma decisão consciente, embasada numa ampla gama de informações que espelhem fidedignamente a situação da companhia. Garantida a efetividade do sistema de informações, pretende-se, adicionalmente, garantir ao investidor que pessoas intimamente ligadas aos negócios da companhia não poderão utilizar-se de informações ainda não disseminadas ao público. Só assim se promoverá a confiabilidade do investidor no mercado de valores mobiliários." 70 “Aceitando a hipótese econômica de que uma ação constitui basicamente uma expectativa capitalizada, estimada pela avaliação que o mercado aberto faz da situação da companhia e da indústria, e aceitando também que é bastante previsível (como realmente é) que as avaliações variem de acordo com as afirmações dadas, não é difícil supor que a diretoria de uma empresa seja responsável por a) distorção voluntária de fatos com intuito de induzir uma iniciativa por parte de qualquer pessoa que compre ou venda no mercado; b) negligente apresentação dos fatos sem a intenção de induzir negociações, mas que resulta numa flutuação importante; c) não divulgação de um fato importante, levando assim a uma avaliação errônea [...]”(BERLE e MEANS, 1984, p. 252) 71 No mesmo sentido: BITTENCOURT e BREDA, 2010, p. 368; SANCTIS, 2003, p. 107 e PROENÇA, 2005, p. 27.

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entendida como sede de um conjunto de interesses difusos a serem protegidos e que limitam

os direitos individuais.

É sob esse enfoque – dos direitos fundamentais difusos – que a disciplina do

mercado de capitais se desenvolve. A sociedade anônima de capital aberto hoje não mais

representa os interesses privados e individuais de um punhado de capitalistas. Devido à

abertura de capital e negociação de títulos mobiliários em Bolsas de Valores cada vez mais

interligadas pela globalização dos mercados, as companhias alcançaram uma dispersão de

ações com proporções até então inimagináveis, com investidores altamente pulverizados e

localizados em diferentes partes do globo.

A somar esse quadro, o próprio perfil dos antigos acionistas e o controle de poder na

companhia vêm sendo alterados. Grande parte dos proprietários (acionistas) das companhias

não são mais os capitalistas tradicionais (e sim trabalhadores de diferentes classes sociais); e o

poder de controle, de gestão da companhia, também não vem sendo mais exercido pelos

capitalistas tradicionais, mas sim por administradores técnicos, normalmente não

proprietários, visto que não detêm ações das companhias que administram. Assim, atualmente

pode-se falar num capitalismo sem proprietários ou num capitalismo sem capitalistas – o que

chacoalha todo o sistema ideológico que originou o capitalismo. Trata-se da “revolução

socialista do capitalismo”, em que a propriedade da empresa está cada vez mais dispersa nas

mãos do povo, e a gestão (o controle dos bens de capital que a sociedade detém e produz) está

nas mãos de não proprietários, administradores profissionais.

Sendo assim, resta claro que os interesses privados nos desígnios da companhia

aberta se difundiram na sociedade, devendo o Direito abrir um novo olhar para a disciplina

dos direitos difusos no mercado de capitais.

Nessa toada, a atuação do poder regulamentador, fiscalizador e punitivo

desenvolvido pela Comissão de Valores Mobiliários é profícua para a proteção dos direitos

difusos e coletivos do Mercado de Capitais, especialmente no que tange à igualdade e

liberdade econômicas dos investidores. As normas que determinam a transparência e

tempestividade das informações dos fatos relevantes das companhias (full disclosure) e a

proibição do abuso de informações privilegiadas sobre esses fatos relevantes (insider trading),

são aprimoramentos legislativos que geram efetividade aos direitos fundamentais difusos e

coletivos, que associados à estabilidade econômica, geram maior confiabilidade e segurança

ao mercado, impulsionando a economia brasileira.

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MEIO AMBIENTE, EMPRESA E CIDADANIA: RISCOS PLANETÁRIOS EM UMA SOCIEDADE GLOBAL

ENVIRONMENT, COMPANY AND CITIZENSHIP: PLANETARY RISKS IN A GLOBAL SOCIETY

Andreza de Souza Toledo*

Lucélia Simioni Machado**

RESUMODiante da progressiva e relevante preocupação ambiental planetária e da expressiva importância de práticas cidadãs, em face do objetivo coletivo em alcançar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, empreende-se o estudo acerca da ordem econômica brasileira e das empresas nacionais. Outrossim, sob os ditames do contemporâneo cenário social, caracterizado por uma sociedade global e de risco, são tecidas considerações acerca do desenvolvimento sustentável, visando identificar e analisar, na atual conjuntura do País, os princípios, atitudes e ações práticas a serem consideradas pelas empresas, no sentido de compatibilizarem o desenvolvimento com a sustentabilidade. Nessa senda, atendo-se ao delineamento do Estado brasileiro enquanto Democrático e Socioambiental de Direito, imprescindível se faz a assunção de novas posturas públicas e privadas, a fim de que seja propiciada a efetiva proteção e concretização da dignidade da pessoa humana, da justiça social e da plena consumação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. No presente estudo, procura-se identificar e avaliar as possibilidades de compatibilização das atividades empresariais e a proteção/preservação ambiental, meio ambiente ecologicamente equilibrado e desenvolvimento sustentável, em uma sociedade contemporânea global e de risco. Para tanto, os métodos utilizados no presente estudo são o dedutivo e hipotético-dedutivo, em um estudo monográfico, através da revisão bibliográfica tradicional e da pesquisa legislativa. Objetiva-se avaliar e identificar, na atual conjuntura social do País, as implicações advindas da estrutura legal do Estado Democrático e Socioambiental de Direito que venham a favorecer e as que desfavorecem a compatibilização entre as atividades empresariais e a proteção/preservação ambiental, para a concretização do meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento sustentável. Com isso, espera-se encontrar os subsídios fundamentados na estrutura legal do referido Estado que, coadunados com a prática empresarial, possam melhor embasar a efetiva compatibilização entre o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento sustentável.PALAVRAS-CHAVE: Cidadania; Meio Ambiente; Empresa; Sociedade; Globalização; Riscos; Desenvolvimento; Sustentabilidade

ABSTRACTGiven the progressive and relevant global environmental concern and the significant importance of citizen practices, in face of the collective goal to reach an ecologically balanced

* Mestranda no curso de Especialização Stricto Sensu, Mestrado em Direito Ambiental e Sociedade, na linha de pesquisa Direito Ambiental, Políticas Públicas e Desenvolvimento Socioeconômico, pela Universidade de Caxias do Sul-RS (UCS), Bolsista PROSUP/CAPES, a partir de março/2013. Pós-graduanda em Gestão Pública, pelo IFPR. Especialista em Direito Processual Civil, pela FSG. Bacharela em Direito, pela UCS, com aprovação no Exame da Ordem nº 03/2007. Servidora Pública no RS. E-mail: [email protected].

** Mestranda no curso de Especialização Stricto Sensu, Mestrado em Direito Ambiental e Sociedade, na linha de pesquisa Direito Ambiental e Novos Direitos, pela UCS. Bacharela em Direito pela UCS. Integrante do grupo de pesquisa “direito ambiental em paralaxe” na UCS. Servidora Pública no RS. E-mail: [email protected].

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environment, undertakes the study about the Brazilian economic order and national companies. Moreover, under the dictates of the contemporary social scenario, characterized by a global and risk society, considerations are made about sustainable development, to identify and analyze the current situation of the country, the principles, attitudes and practical actions to be considered by companies in order to match development with sustainability. In this path, in keeping with the design of the Brazilian state as Democratic and socio-environmental, it is essential the assumption of new public and private postures in order to be afforded the effective protection and realization of human dignity, social justice and full consummation of an ecologically balanced environment. The present study seeks to identify and assess the possibilities of compatibility of business activities and the protection/preservation of the environment, ecologically balanced environment and sustainable development, in a global and risk society. Therefore, the methods used in the present study are the deductive and hypothetical-deductive, in a monographic study through traditional bibliographic and legislative research. The objective is to evaluate and identify, at the current social juncture of the country, the implications arising from the legal framework of a Democratic and Socio-Environmental State of Law, that may favor and disfavor the compatibility between business activities and the protection/preservation of the environment, for the implementation of an ecologically balanced environment and sustainable development. Thus, one expects to find grants based on the legal structure of that State that, matched with business practice, can effectively base the best compatibility between the ecologically balanced environment and sustainable development.KEYWORDS: Citizenship; Environment; Company; Society; Globalization; Risks; Development; Sustainability

INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva a análise da cidadania e da atuação cidadã em face das

preocupações ambientais e, objetivando a concretização de um meio ambiente ecologicamente

equilibrado, propõe-se a avaliar as tendências contemporâneas da ordem econômica e

financeira brasileira, bem como as inclinações das empresas brasileiras, em um complexo

cenário que contempla uma sociedade global de risco, em busca obtenção de um

desenvolvimento sustentável.

Inicialmente, resta reconhecida e demarcada a crescente e relevante preocupação

ambiental, em nível internacional e nacional, inquietação esta que vem reunindo esforços de

várias nações no sentido de encontrar novos caminhos e soluções para amenizar os efeitos das

degradações já ocorridas e para impedir que novos episódios indesejáveis, nesse sentido,

voltem a se suceder ou continuem a se propagar.

Diante nessa novel preocupação, resta ao Estado e aos povos adequarem-se a essas

prementes necessidades e, conjuntamente rumarem ao desenvolvimento sustentável, mesmo

em um cenário que enseja e abriga a sociedade de risco. Remanesce concebida a atuação

cidadã como forma sublime de efetivação da sociedade democrática e da materialização de

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ações condizentes com as intenções voltadas à preocupação com as questões sócio-

econômico-ambientais e à realização de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Para tanto, serão elencados os princípios que norteiam a ordem econômica e

financeira, no contexto brasileiro, prenunciados a partir da previsão constitucional dos

fundamentos a serem perseguidos nas operações de mercado e demais atividades afins,

considerando o seu caráter misto, caracterizado por abranger interesses liberais e sociais,

ressaltando, outrossim, a preocupação com as questões socioambientais.

São trazidas à baila as inclinações do Estado brasileiro contemporâneo, delineado a

partir das premissas de um Estado Democrático e Social, ou ainda, e Socioambiental de

Direito, inseridas em contexto empresarial e econômico. Mostrar-se-á que às empresas

incumbe um diferenciado agir em suas práticas de mercado, a partir da imprescindibilidade da

compatibilização dos princípios inerentes ao desenvolvimento econômico e à

sustentabilidade, abarcando os interesses liberais e sociais do Estado Democrático e

Socioambiental de Direito.

Dessa forma, compete às empresas, outrossim, avançar para o atingimento de novas

metas, agregando em seus planejamentos estratégicos a prioridade de, aos produtos e serviços

por elas prestados, incrementarem um diferencial comprometido com as questões ecológicas.

Nesse sentido, importante se faz a definição de metas e a inserção destas às suas práticas, em

todos os aspectos, abordando e proclamando a preservação ambiental, de maneira a planificá-

la para o presente, com vistas ao futuro.

São tratados os temas relativos à sociedade global, que ao mesmo tempo em que

promove a expansão e a mobilidade dos mercados e dos capitais, pressupõe e apresenta riscos,

talvez ainda não conhecidos e estudados, mas que, a seus turnos, podem vir a comprometer o

desenvolvimento (que se pretende sustentável), os ecossistemas, a vida e, por consequência

incontestável, a dignidade da vida humana, bem como extirpar qualquer pretensão da

realização da sustentabilidade.

1 CIDADANIA E PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL

Constando na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (2012, p. 23),

a cidadania faz parte do rol dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro.

De acordo com a significação jurídica do vocábulo, para Aquaroli e Costa ([200-], p.

111), cidadania, “No Direito Constitucional, é o vínculo político que liga o indivíduo ao

Estado e lhe atribui direitos e deveres de natureza política.” (grifos dos autores).

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Cidadania provém do termo latino “civitas” e significa “cidade”. Na época de Platão

e Aristóteles, na Grécia antiga, eram reputados cidadãos todos aqueles que estivessem em

condições de dar a conhecer suas opiniões sobre qual caminho devia seguir a sociedade.

Então, sob esse argumento, os comerciantes, os estrangeiros, os escravos e as mulheres,

estavam excluídos e não podiam opinar sobre o destino do Estado, não pertencendo à

condição de cidadãos.

A seu turno, De Plácido e Silva (1996, p. 427) enfatiza que:

“Segundo a teoria, que se firma entre nós, a cidadania, palavra que se deriva de cidade, não indica somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas, mostrando a efetividade dessa residência, o direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside.” […] A cidadania é expressão, assim, que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos, que se indicam, pois, o gozo dessa cidadania. [...]." (grifos do autor).

José Afonso da Silva (1998, p. 108), ao explicitar os fundamentos do Estado

brasileiro, pondera quanto à cidadania:

A cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular. (grifo do autor).

E, mais adiante, complementa o autor:

Cidadania, já vimos, qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política. Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências. (SILVA, 1998, p. 346-347) (grifos do autor).

Ser cidadão, em apertada síntese, é ser sujeito de direito e de deveres. Em um sentido

mais amplo e além disso, cidadania deve ser pensada como condição fundamental para a

existência de uma sociedade democrática. Porém, para tanto, é preciso preliminarmente a

compreensão do significado de cidadania e de como ela pode ser cabalmente praticada.

Gentili e Alencar (2001, p. 87) afirmam que “a cidadania deve ser pensada como um

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conjunto de valores e práticas cujo exercício não somente se fundamenta no reconhecimento

formal dos direitos e deveres que a constituem na vida cotidiana dos indivíduos”.

Cidadania significa, além do reconhecimento dos direitos e deveres dos cidadãos, o

cumprimento dos mesmos por parte da sociedade. De outra banda, tanto o reconhecimento

quanto o cumprimento destes direitos e deveres, não devem – como é de senso comum – se

restringir à esfera política, ou seja, ao direito e ao dever de votar e ser votado. Um outro

aspecto importante é que a cidadania tem na igualdade uma condição de existência. Igualdade

de direitos, de deveres, de oportunidades. Igualdade, enfim, de participação social e política; e

o mais importante de tudo, nessa senda, é a prática dessas definições.

Considerando que, sem o exercício prático da cidadania, não se pode pretender a

subsistência de uma sociedade democrática, são os cidadãos que “conferem ao princípio da

discussão a forma jurídica de um princípio democrático [...], tomando parte em discussões

racionais.” (HABERMAS apud MACHADO, 2006, p. 45).

Lorenzetti (2010. p. 96) pondera que, embora tenha sido herdado o “estatuto do

poder desenhado no século XIX”, que estabeleceu constitucionalmente a democracia

representativa e ainda não tenham sido delineados novos sistemas constitucionais, isso não

significa que não se esteja redimensionando e redesenhando o sistema, no sentido de

comportar novas formas de participação social direta em decisões que afetam os cidadãos.

Partindo dos sábios ensinos de Rech e Rech (2010, p. 234), é possível depreender-se

sobre a correlação existente entre cidadania e os Planos Diretores municipais, in verbis:

É totalmente impossível que se possa educar para a cidadania, sem o cidadão conhecer o projeto de seu município e de sua cidade, assim como não é possível construir o que não se conhece. Só se ama o que se conhece, e quem não conhece e não ama não vai participar da construção.

Dessa forma, é consabido que a educação se consagra como um instrumento

essencial para que possa ser conhecido e entendido o verdadeiro sentido de cidadania, além de

possibilitar a sua prática, na vivência diária dos homens em sociedade. Para tanto, consoante

afirma Mészáros (2005, p. 59), o atual sistema educacional deve ser remodelado, suscitando

formas de educação mais abrangentes, que são necessárias para a transformação da sociedade,

associando a educação formal a uma educação para a vida toda, em um progressivo e

consciente intercâmbio, possibilitando as indispensáveis aspirações emancipadoras.

Faz-se necessário o despertar da consciência humana para a sua importância

enquanto ser humano, homem, mulher, cidadão, a fim de que compreendam que todos têm a

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sua parcela de participação e responsabilidade em tudo o que acontece na sua comunidade,

sociedade, cidade, país e Planeta. Isso porque, até mesmo a não-participação, exteriorizada

por uma ação negativa ou uma omissão, terá um significado e contribuirá para a formação de

um resultado, do qual todos são igualmente responsáveis, porém em diversas proporções.

É através da ação voltada à construção dos projetos das cidades que o munícipe pode

dar os seus “primeiros passos” rumo à efetivação da sua cidadania, participando nos trâmites

das decisões coletivas orientadas para a obtenção do bem comum.

O tema ambiental atualmente tem recebido muitas atenções e também trazido

inquietações globais, assim como, em virtude disso, as Nações têm-se lançado à tomada de

decisões, por intermédio de medidas individuais e conjuntas, tencionando a melhora das

condições ambientais Planetárias ou, ao menos, o não agravamento da vigente situação, ainda

que sob o amparo da iminente égide do desenvolvimento. Desse modo, os povos, inclusive o

povo brasileiro, vêm-se unindo e aglutinando esforços, no sentido de se obter a harmônica

trajetória do desenvolvimento e da dignidade humana, compatibilizando e equilibrando os

arcabouços constitucionais condizentes com os referidos temas, bem como com a respectiva

gama de direitos humanos.

Partindo de uma concepção de Estado Democrático de Direito, com a Constituição

Federal de 1988, a Nação brasileira passou também a comportar os ditames de Estado

Socioambiental de Direito, proclamando, dessa forma, sua preocupação quanto à proteção das

minorias excluídas, ao combate às injustiças sociais e à promoção do bem de todos,

conduzindo, outrossim, seus propósitos na defesa do ambiente que, na realidade, está

diretamente relacionada à garantia da perpetuação da vida humana e da existência do Planeta.

Firmando essa concepção, Streck (2002, p. 127) esclarece que:

O Estado brasileiro caracteriza-se como sendo Democrático de Direito, pautado na defesa constitucional da democracia, igualdade, justiça social, dignidade da pessoa humana e na “garantia dos direitos humanos fundamentais” (grifo do autor).

Sendo assim, o País, ciente da grandeza do tema e das implicações que uma má

gestão das questões ambientais pode desencadear, firmou seus “olhares” à presente temática,

fazendo constar na Carta Magna a ampla proteção a esses direitos. Tendo presente a sua

relevância, o conteúdo do artigo 225 da Constituição Federal pátria, segundo Nery Júnior

(2012, p. 848-849) revela a responsabilização solidária do Estado brasileiro e da coletividade

para o comprometimento com a promoção de uma sadia qualidade de vida, respaldada no

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pressuposto da existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, para a presente e

para as futuras gerações.

Tem-se, dessa forma, que não só o Brasil, enquanto Estado-Nação, obrigou-se na

defesa do meio ambiente, mas também impôs, ainda que indiretamente, tal obrigação aos seus

órgãos, instituições, povo, empresas e organizações privadas; enfim, todos, sem exceção, são

responsáveis pela efetiva concretização desse objetivo. Oportuno destacar que a proteção ao

meio ambiente encontra-se prevista, na Constituição Federal brasileira, até mesmo no capítulo

que trata da Ordem Econômica, dispondo o artigo 170 da Carta Magna, no que interessa:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

[...].

Milaré (2011, p. 187) observa que tal fato - a previsão da defesa do meio ambiente no

capítulo que trata da ordem econômica brasileira -, constitui um dos principais avanços da

Constituição em relação à tutela ambiental.

No contexto atual, as questões ligadas à preservação ecológica têm recebido maior

atenção e ênfase, suscitando o desenvolvimento de metologias e aplicativos para o

acompanhamento das medidas ou ações que são adotadas e efetivadas em função desse

assunto considerado estratégico, nos âmbitos governamental e privado. Porém, mais do que

investigar e quantificar as perdas e danos ambientais causados por mau uso do meio natural

pelos seres humanos, e suas consequências muitas vezes catastróficas, enseja-se a necessidade

de preparo de um mecanismo de acompanhamento organizacional, preventivo e gerencial, a

ser utilizado pelas empresas públicas e privadas.

Considerando a expressiva e significativa gama de princípios exarados no artigo 170

da CF/88, cabe frisar que o fato de o presente estudo ter-se inclinado para a apreciação da

ordem econômica e a atuação empresarial voltada às questões ambientais não torna menos

importantes os demais princípios do sistema econômico e financeiro nacional. Muito pelo

contrário, os preceitos restantes são igualmente pertinentes.

Mais do que o despertar para uma consciência ecológica, imprescindível se faz o

estímulo para o desenvolvimento de uma “cidadania planetária” que, em uma apertada síntese

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das considerações de Beuter (2006, p. 115-132), consiste em uma visão unificadora do Planeta

e da sociedade mundial, que abrange, além de novas posturas coletivas no que tange às

questões ambientais, o engajamento generalizado ao encontro da superação das desigualdades

sociais e das diferenças econômicas que caracterizam tanto o expressivo poderio econômico

quanto os mais esfacelados e desumanizantes miséria e subdesenvolvimento.

Dentre os principais motivos da adesão a esse enfoque está a necessidade de abordar

temática que denota uma das maiores preocupações atuais em nível mundial, com reflexos

diretos na produtividade e competitividade das empresas, e que consiste em um dos

mecanismos mestres para a promoção da sadia qualidade de vida humana. Tal enfoque tem

por escopo acirrar debates, incentivar o aprofundamento de análises e fomentar a pesquisa

científica sobre o assunto, almejando a conjugação de entendimentos e soluções diversas, a

fim de minimizar e, quiçá, erradicar os problemas ambientais que vêm sobressaltando a

humanidade.

2 AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

As agressões ao ambiente, ainda que em proporções variadas, sempre existiram. No

entanto, foi a partir da Segunda Guerra Mundial (final da década iniciada em 1940) que esses

fenômenos passaram a receber, em termos mundiais, um tratamento jurídico especial,

motivando uma preliminar consciência social sobre os problemas relacionados às questões

ecológicas (LANFREDI, 2007, p. 72).

Na Conferência da Organização das Nações Unidas, realizada em junho de 1972, em

Estocolmo, Suécia, foi proclamada a Declaração do Meio Ambiente, também conhecida como

Declaração de Estocolmo, na qual foi reconhecido o direito ao meio ambiente humano e, em

consequência, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Desde então, a estruturação

dessa novel concepção acarretou alterações em conceitos seculares de regimentos jurídicos,

podendo-se citar o direito de propriedade, ao qual incluíram-se os conceitos de função social e

ambiental. Merece, ainda, especial atenção a questão indissociável da busca pelo equilíbrio

nas relações homem e natureza, entre o desenvolvimento humano tecnológico e o meio

ambiente saudável, rumo ao alcance do desenvolvimento sustentável.

No Brasil, a definição de meio ambiente restou consolidada com o advento da Lei

Federal nº 6.938/1981, conceituando-o como o “conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as

suas formas."(art. 3º, I, da Lei Federal nº 6.938/1981). Nesse sentido, Silva (1994, p. 2)

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arrematou, referindo ser o meio ambiente a "interação do conjunto de elementos naturais,

artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas."

Sequencialmente, a Constituição Federal de 1988 instituiu, no corpo do artigo 2251, a

síntese da proteção nacional dispensada ao meio ambiente, consagrada também em diversas

leis nacionais esparsas, tais como o Código Florestal Brasileiro, o Estatuto da Terra, dentre

outros, sendo conveniente repisar que a defesa do meio ambiente também foi incluída como

princípio da Ordem Econômica, na Constituição Federal, sendo que, em 2003, com a

promulgação da Emenda Constitucional nº 42, passou a ser prevista a possibilidade de

“tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus

processos de elaboração e prestação” (art. 170, VI, da Constituição Federal brasileira).

Nessa senda, patente a inclusão do meio ambiente ecologicamente equilibrado como

verdadeiro direito fundamental, embora não esteja expressamente elencado no artigo 5º da

CF/88, sendo tal interpretação permitida pelo § 2º do referido dispositivo legal, que dispõe:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do

regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte.”

É, em suma, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito

fundamental da pessoa humana2, que passou a ser positivado, ensejando a formulação de

novas definições sociojurídicas e de direitos e obrigações ambientais. Assim, estando o meio

ambiente ecologicamente equilibrado intimamente ligado a manutenção da vida humana, a

dignidade da vida e da própria pessoa humana - objetivos primordiais de um Estado

Democrático de Direito -, a sua defesa (do meio ambiente ecologicamente equilibrado)

impõe-se a todos, posto que, em verdade, constitui patrimônio da humanidade e fonte

primordial e imprescindível para a perfectibilização de uma vida digna.

Este direito é portador de uma mensagem de interação entre o ser humano e a natureza para que se estabeleça um pacto de harmonia e de equilíbrio. Ou seja, um novo pacto: homem e natureza. Fixada sua importância, passa a ser reconhecido como direito fundamental, embora não conste como tal no catálogo destes direitos. (TEIXEIRA, 2006, p. 67).

1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

2 Nesse sentido: ROSSIT, Liliana Allodi. O Meio Ambiente de Trabalho no Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001. p. 55; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987. p. 186; TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente como Direito Fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 67. (N.A.).

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Para a garantia da sadia qualidade de vida, esse direito pode ser adotado em desfavor

dos detentores do poder econômico e social, hipótese em que não mais estará direcionado à

atuação como direito de defesa do indivíduo na sua esfera pessoal (TEIXEIRA, 2006, p. 70).

Caracteriza, Sarlet (1999, p. 138-139), o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, primeiro, enquanto direito humano e, sendo assim, um direito fundamental,

reconhecido pelo direito constitucional positivo, do qual são titulares as pessoas sob a

jurisdição estatal e, segundo, enquanto direito humano, que é universal, porém não

reconhecidos pelo sistema legislativo de um povo. Vai mais além Sarlet (2001, p. 75),

referindo que “Os direitos fundamentais são a concretização do princípio fundamental da

dignidade da pessoa humana – princípio que também é basilar para o sistema ambiental-

econômico.”, corroborando as assertivas de compatibilização dos interesses ecológicos e

econômicos, prenunciadas na Declaração do Ambiente Humano, de Estocolmo (1972).

Alexy (2008, p. 443), na trilha de análise dos direitos fundamentais, sustenta que o

direito fundamental ao ambiente conforma-se como “um direito fundamental completo ou

como um todo”, isto é, elucida-o sob duas perspectivas: a subjetiva e a objetiva.

Na primeira, cuida-se do reconhecimento dos direitos a ele vinculados, tal como o

respeito, proteção e promoção do ambiente, firmando a possibilidade da via judicial para a

resolução do conflito, quando da verificação de lesão ou dano causado por particular ou pelo

Estado. A segunda perspectiva propugna um complexo de projeções normativas que suscitam

o dever fundamental de proteção do ambiente aos particulares, o dever de proteção do Estado

quanto à tutela ambiental, as dimensões organizacionais e procedimentais desse direito e a

eficácia entre particulares, no que tange ao direito fundamental ao ambiente.

No entendimento de Bobbio (1992, p. 06), o direito fundamental e humano a viver

em um ambiente equilibrado, saudável e seguro configura-se um direito de terceira geração,

reivindicado pelos movimentos ecológicos, que enfatizam “o direito de viver num ambiente

não poluído”.

A respeito, pontuam Fensterseifer e Sarlet (2012, p. 38):

E, assim como os direitos liberais tem o seu alicerce normativo no princípio da liberdade e os direitos sociais são formados sob a égide do princípio da igualdade, os direitos ditos de terceira dimensão, como é o caso do direito ao ambiente, encontrariam – segundo importante doutrina – o seu suporte normativo-axiológico no princípio (e dever) da solidariedade.

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Sendo assim, a Constituição Federal brasileira, ao conciliar em seu arcabouço legal

os princípios da liberdade e da solidariedade como premissas intrínsecas à República

Federativa, no contexto de um Estado Democrático e Socioambiental de Direito, propulsiona

a prática concomitante e harmônica desses preceitos/princípios no que tange, respectivamente,

à ordem econômica e ao meio ambiente, com vistas a um desenvolvimento sustentável.

3 EMPRESA E ORDEM ECONÔMICA NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO E O MEIO AMBIENTE

Segundo Ferrari (2011, p. 425), com o advento da Constituição mexicana de 1917, a

ordem econômica e financeira passou a ter expressão jurídica, oportunidade em que “as

Constituições passaram a dela tratar”.

Insta salientar que, no Brasil, a primeira Constituição a prevê-la foi a de 1934,

inspirada na Constituição de Weimar de 19193, o que desencadeou, no País, a implantação dos

ideais da social-democracia. No Título VII da Constituição Federal brasileira de 1988, estão

firmadas as diretrizes da ordem econômica e financeira, estabelecendo que a matéria

constitucional está ancorada nos ditames do Estado Democrático de Direito e Social de

Direito, além de estar enunciada a partir dos fundamentos da República Federativa (NERY

JUNIOR, 2012).

As referidas afirmações restam roboradas pelas expressas menções constantes no

artigo 170, no preâmbulo e no artigo 1º da Carta Magna de 1988, quanto aos interesses sociais

(justiça social, desigualdades sociais, função social da propriedade, defesa do consumidor e

busca do pleno emprego), diretamente engrenados às preocupações sociais a que o Estado

Social se direciona, bem como quanto aos aspectos intrínsecos ao Estado Democrático, ao

expor valores de liberdade (livre iniciativa), bem-estar (existência digna), desenvolvimento

(livre concorrência) e justiça.

Por outro lado, urge sobrelevar que os enunciados “Estado Democrático de Direito”,

“soberania nacional”, “dignidade da pessoa humana” e “valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa”, constantes no artigo 1º da CF/88, e que denotam os fundamentos da República

Federativa do Brasil, estão também presentes, como já observado anteriormente, nos

dispositivos do artigo 170 da CF/88, do mesmo diploma legal.

3 Constituição de Weimar de 1919 - Constituição do Império Alemão – foi o documento que governou a curta república de Weimar (1919-1933) da Alemanha. Foi um marco do movimento constitucionalista que consagrou direitos sociais, de 2ª geração/dimensão, atinentes às relações de produção e de trabalho, à educação, à cultura, à previdência, reorganizando o Estado em função da sociedade e não mais do indivíduo. (N.A.).

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Ademais, neste mesmo dispositivo legal, encontram-se reprisados os objetivos

fundamentais da Nação atinentes à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, à

garantia do desenvolvimento nacional, à erradicação da pobreza e da marginalização, bem

como da redução das desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem-estar de

todos, o que ultima realçando o compromisso valorativo das transações econômicas para com

a fundamentação e manutenção do Estado Democrático de Direito.

Mais que isso, Nery Júnior (2012, p. 793, passim) afirma que a subordinação da

“ordem econômica aos objetivos fundamentais da República não permite afirmar que a ordem

econômica está subordinada ao Poder Estatal.”, o que indica que a interferência estatal está

adstrita à manutenção da livre concorrência, visto o Estado também ser um agente econômico,

mas que não pode agir de maneira a impor “um dirigismo econômico que comprometa a livre

iniciativa”.

Nessa esteira, depreende-se que, ao Estado brasileiro, subsistem as funções de

“controle e fiscalização, com o limite de intervenção mínima” (NERY JUNIOR, 2012, p. 794-

795), o que demanda somente a tomada de medidas razoáveis e proporcionais em situações

que ponham em risco os direitos de propriedade, a livre iniciativa e a atividade econômica.

Ao discorrer sobre a ordem social e econômica na história da humanidade, Max

Weber (2009, p. 121) assinala o principal foco que diferencia as sociedades feudais das

sociedades capitalistas atuais, declarando que:

[...] nas sociedades capitalistas modernas a propriedade de certos bens e as possibilidades de usá-los no mercado estão entre os determinantes essenciais da posição de seus membros. Assim, o predomínio da esfera econômica nas sociedades capitalistas tornou a riqueza e as propriedades os principais fundamentos da posição social, enquanto nas sociedades feudais europeias valorizava-se a origem, ou linhagem – fatores que são relevantes quando a esfera predominante é a social – como principal elemento de classificação.

Para reforçar o raciocínio, Weber (2009, p. 124) ainda expõe:

Essa forma de estratificação já foi mais significativa no passado e pode chocar-se com a racionalidade presente na esfera econômica dominante na sociedade capitalista. Isso significa que, nas sociedades ocidentais contemporâneas, embora a situação de status não esteja determinada pela mera posse de bens, a longo prazo a propriedade torna-se reconhecida como uma qualificação estamental, porque a própria possibilidade de manter um estilo de vida distintivo exige uma certa disponibilidade de recursos a qual, é, por sua vez, garantida por uma participação regular no poder econômico.

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Transpondo o mote conceitual de ordem econômica, Washington Albino Peluso de

Souza (1994, p. 36), alude que “as normas de direito econômico versam obrigatoriamente

sobre a realidade econômica, sob o ponto de vista da política econômica.”

Farjat, citado por Eros Grau (2001, p. 44), entende que a ordem pública econômica é

o "conjunto das medidas, empreendidas pelo poder público, tendentes a organizar as relações

econômicas; opõem-se à ordem pública econômica tanto a ordem privada econômica quanto a

ordem mista [...]".

A seu turno, o Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau

(2001, p. 52-53, passim), assinala duas acepções para a mesma expressão “ordem

econômica”. Na primeira, a ordem econômica (mundo do ser), é “utilizada como termo de

conceito de fato, para conotar o modo de ser empírico de determinada economia concreta,

apresenta essa mesma economia, realidade do mundo do ser, como suficientemente

normatizada.” Na outra acepção, a ordem econômica (mundo do dever ser) é estipulada com

“um caráter jurídico e não econômico, assim entendido esse último sentido como parcela da

ordem jurídica.”

Dessa forma, tratando-se de uma ordem econômica constitucional, como é o caso da

Constituição Federal Brasileira de 1988, é possível afirmar sobre a existência de uma

Constituição Econômica, consoante o faz Eros Grau (2001, p. 57), em aludindo aos ensinos de

Vital Moreira in Economia e Constituição. Portanto, na visão dos doutrinadores supra,

Constituição Econômica é aquela que “visa estabelecer uma nova ordem econômica destinada

a alterar a estrutura econômica existente”.

Essa alteração estrutural na ordem econômica existente pode ser verificada no

sentido da substituição da ordem econômica liberal pela ordem econômica intervencionista,

passando a ser evidenciado um comportamento estatal de intervenção na área econômica do

País, acrescendo responsabilidades e princípios a serem observados pelo setor privado.

Diante disso, as ordens econômicas precedentes, caracterizadas pela disposição do

“mundo do dever ser”, “parcela da ordem jurídica”, consoante dispõe Eros (2001, p. 53),

passam a ser qualificadas pela inserção e implementação de políticas públicas, agasalhando

um contexto abrangente da ordem social. A seu turno, essa modificação é visivelmente

veiculada no aporte constitucional atinente à ordem econômica e financeira nacional,

inclusive pela leitura e análise mais atenta, em especial, dos artigos 170 e 173 da CF/88.

Cristiane Derani (2008, p. 42), ao citar Mertens e, corroborando essa ideia, menciona

que “Cada regulamentação econômica deve ter em conta ao mesmo tempo o problema de

integração das ações econômicas no conjunto das ações sociais.”

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Assim sendo, a ordem econômica nacional contemporânea resta consubstanciada na

Suprema Carta, que agasalha dois fundamentos importantes da ordem econômica, sendo um

de natureza social e o outro que enseja o primado da liberdade, apresentando feições do

modelo liberal, contradições estas que podem ser sanadas mediante a interpretação sistemática

e relativizada, tendo por alvo atingir soluções para as questões econômico-sociais

(SANGALLI, 2010, p. 67) e, ao mesmo tempo, concretizar a justiça social e assegurar a

existência humana digna.

Nesse ínterim, incumbe relembrar que o aspecto relativizado, empregado nesse

processo, é inerente ao cunho “pluralista da codificação pátria e vai ao encontro do modelo

jurídico adotado na atualidade: o social-liberalismo, no sentido da convivência harmônica e da

convergência de ideologias propostas por Reale.” (SANGALLI, 2010, p. 67)4.

E é nesse enredo socioeconômico que se encontram inseridas as empresas nacionais,

tanto de cunho privado quanto as de natureza pública. Nessa via, a eficiência na distribuição

de recursos materiais e humanos, bem como o desempenho da atividade organizacional

privada não se exaurem na técnica administrativa que tenha como foco apenas o ambiente

empresarial, a produção de riquezas, a acumulação de capital, expansão de mercados e os

interesses respectivos dos seus proprietários e acionistas no mercado.

Mais que isso, reclamam mensuração concreta das implicações socioeconômicas da

atividade empresarial, que não pode deixar de ter presente "a magnitude do interesse público

em jogo." (OLIVEIRA, 2004, p. 116).

Para tanto, o compromisso ético-social da organização privada para com a

comunidade deve ser valorado e destacado, empenhando a empresa não somente na visão do

lucro, da competitividade, da quantidade da produção e dos serviços prestados, mas sim em

uma visão comprometida com a qualidade desses, coincidindo, outrossim, com a satisfação do

ser humano consumidor e com a propagação de saudáveis existências humanas.

Em vista da relevância dessa modalidade de comprometimento empresarial, cabe

salientar a pertinência dos interesses dos consumidores, sendo que o consumo deve ser

entendido como “um ato de cidadania, de acesso a bens […], visando a manutenção e

preservação do bem-estar pessoal e social.” (OLIVEIRA, 2004, p. 124), desprovido de

qualquer tendência à coisificação humana e à redução do consumidor à figura desumanizada

de ser que, mera e desenfreadamente, deseja o consumo de bem e serviços.

Levando em conta que a atividade empresarial consiste uma manifestação da

4 Nesse tópico, o autor aludiu a Miguel Reale, que tratou do referido tema, em específico, sobre as ideologias no Estado Democrático de Direito, em sua obra "O Estado Democrático de Direito e os Conflitos das Ideologias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005." (N.A.).

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propriedade privada, por consequência, agrega a funcionalização ínsita do direito de

propriedade, assinalada com a prerrogativa de observância da sua correspondente função

social (NERY JUNIOR, 2012, p. 795).

Conforme previsão expressa no artigo 1.277, do Código Civil Brasileiro vigente, as

agressões ao meio ambiente advindas do uso abusivo e anormal da propriedade individual

suscita conflito de interesses, visto que provocam interferência na propriedade

extrapatrimonial coletiva (meio ambiente), além de confrontos envolvendo o Direito de

Vizinhança e a responsabilização civil ambiental. Isto posto, Pilati (2011, p. 75-76) debruça-se

sobre o tema, analisando as situações sócio-econômico-ambientais do cenário empresarial, em

especial as do âmbito privado:

Assim, a empresa que tem lucro com a atividade nociva ao ar e à saúde não cumpre a função social, e essa pendência com a coletividade é independente e sem prejuízo das medidas de polícia que deva tomar o órgão público competente. Vale dizer, ao lado da dimensão de direito público, penal e administrativo, de polícia, há uma dimensão civil constitucional de coletividade - portanto, de República Participativa, que se resolve com processo em foro de ágora.

Em atenção aos parâmetros da promoção da justiça social e da dignidade da vida

humana, a empresa deve ocupar-se da harmonização da “garantia dos direitos fundamentais

de cidadania e a tutela do modelo de economia de mercado.” (NERY JÚNIOR, 2012, p. 795).

Ademais, é primordial que as empresas, na contemporaneidade, assumam uma

conduta de zelo para com os interesses dos trabalhadores, incentivando e colaborando com a

ocorrência do pleno emprego, pois a atividade laboral também compreende uma das

principais formas de promoção da dignidade do trabalhador, garantindo a inclusão social e o

perfeito exercício da cidadania.

É o empresariado responsável pelas condições de uma das modalidades de Meio Ambiente: o do trabalho e começa a perceber que é mais lucrativo ser ecologicamente correto. Em cursos de gerenciamento ambiental despontam nítidas as inúmeras vantagens de uma postura ambientalmente equilibrada. (SÉGUIN, 2002, p. 339).

Outra questão social que deve receber especial atenção empresarial é a que diz

respeito ao tema ambiental, também constante dentre os princípios preconizados no artigo 170

da CF/88, cuja importância e premência vêm sendo reconhecidas mundialmente, ensejando

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significativa mudança cultural (BERGUE, 2011, p. 538-539) das empresas, em suas estruturas

e em seu aporte humano, em geral, bem como através de ações planejadas e atitudes

repensadas, além de outras medidas que se fizerem necessárias e compatíveis com o

desenvolvimento sustentável, temática que está diretamente relacionada à dignidade e

manutenção da vida humana.

Consoante ressalta Bergue (2011, p. 538), referindo-se às organizações públicas:

Esse dinamismo crescente dos processos de mudança, observados com mais intensidade nas variáveis exógenas à organização, está exigindo dos gestores públicos respostas mais céleres e coerentes com um trajetória de evolução estruturada e sustentável do ponto de vista dos objetivos institucionais.

Não somente o Estado e os gestores públicos brasileiros estão deparando-se com o

panorama ambiental atual no qual estão inseridos e precisam dar-se conta da necessidade

premente da assunção de nova postura diante das questões ecológicas, mas também os

gestores das empresas privadas, a população em geral, as lideranças comunitárias e os

estudiosos do assunto devem assim proceder, tanto na teoria, quanto efetivamente, na prática.

Dessarte, resta traçado um desafio, em especial, tanto para as organizações públicas

quanto privadas, em suas respectivas atuações, para que, diante da degradação e do

esgotamento dos recursos naturais, da contaminação atmosférica, hídrica e dos solos,

combinados com a questão social da garantia da qualidade de vida populacional (que, não se

pode deixar de destacar, constituem os trabalhadores e consumidores dos serviços e produtos

produzidos/prestados pelas empresas), encontrem soluções sustentáveis que conciliem o

desenvolvimento econômico, "que vem acompanhado da elevação da qualidade de vida"

(SCHENINI, 2012, p. 110), e o cumprimento dos quesitos socioambientais.

Nesse sentido, alertou Milaré (2011, p. 187):

[...] não podem prevalecer - as atividades decorrentes da iniciativa privada (da pública também) que violem a proteção do meio ambiente. Ou seja, a propriedade privada, base da ordem econômica constitucional, deixa de cumprir sua função social - elementar para sua garantia constitucional-quando se insurge contra o meio ambiente.

As empresas privadas, acompanhando as mesmas trilhas estatais e igualmente

enredadas em uma sociedade de risco (BECK apud FENSTERSEIFER e SARLET, 2012, p.

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32), devem procurar ater-se aos pressupostos elencados na Agenda 215, propendendo à

circunspecção das temáticas relacionadas à gestão dos recursos naturais, agricultura

sustentável, cidades sustentáveis, infraestrutura e integração regional, redução das

desigualdades sociais e à ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável.

Além disso, devem elas também planejar-se estrategicamente6, visando o

desenvolvimento econômico sustentável e objetivando atingir metas ambientais, previamente

delineadas, garantindo, assim, sucesso em todos os seus empreendimentos, através da

confecção do seu planejamento estratégico que, segundo Sertek, Guindani e Martins, é o

"processo que determina como a organização pode chegar onde deseja e o que fará para

executar seus objetivos."(SERTEK, Paulo; GUINDANI, Roberto Ari; MARTINS, Tomás

Sparano, 2011, p. 43).

As companhias, em suas rotinas, devem atentar para uma gestão sustentável,

seguindo parâmetros indispensáveis à sua manutenção e sucesso no mercado, tais como:

adequar-se às legislações em geral e às ambientais, estabelecer metas para o uso de

tecnologias limpas, tanto gerenciais, quanto operacionais, controlando a poluição nos seus

serviços e atuando no sentido de fomentar o desenvolvimento sustentável, estando abertas à

fiscalização de terceiros (que poderão inclusive elevá-las ao padrão de exemplo ao mercado

ou de pioneirismo nessas iniciativas), sempre mantendo registros, controle e o monitoramento

dessas atividades.

Sopesando o novel prisma a ser perseguido pelas empresas, qual seja, o de congraçar

o desenvolvimento econômico com as questões sociais e ecológicas, devem empreender

também nesses sentidos, pois dedicar esforços nas áreas sociais e ecológicas,

inquestionavelmente, trar-lhe-ão benefícios futuros, uma vez que essas preocupações e

medidas práticas direcionadas evidenciarão um diferencial da empresa, dos seus produtos e

serviços prestados. Alguns novos padrões, ilustrando essas inovações empresariais, são

trazidos pela revista Guia Exame de Sustentabilidade 2012, que retrata resultados de

5 Agenda 21 é um programa de ação, baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais ousada e abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. É um documento consensual para o qual contribuíram governos e instituições da sociedade civil de 179 países num processo preparatório que durou dois anos e culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de Janeiro, também conhecida por ECO-92. Além da Agenda 21, resultaram desse processo cinco outros acordos. Fonte: <http://www.ecolnews.com.br/agenda21/>. Acesso em: 02 mar. 2013. (N.A.).

6 Planejamento Estratégico é a definição e seguimento de estratégias como regras e diretrizes que embasarão a tomada de decisões e que orientam o processo de desenvolvimento de uma organização, sob todos os aspectos. Nessa esteira: BERGUE, Sandro Trescastro. Modelos de Gestão em Organizações Públicas: teorias e tecnologias para análise e transformação organizacional. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2011. p. 444-449. ANSOFF, Harry Igor. A nova estratégia empresarial. São Paulo: Atlas, 1990. (N.A.).

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pesquisas sobre as ações das empresas no que tange à efetivação das suas responsabilidades

socioambientais, tendo participado, do levantamento, quase 150 companhias que operam no

país. Das investigações realizadas, restou constatado que "Nos últimos anos, as empresas

brasileiras avançaram nos temas relacionados ao desenvolvimento sustentável, mas o caminho

ainda é longo.", sendo ressaltado, outrossim, que "Neste ano, por exemplo, 78% das empresas

participantes declararam fazer inventário de emissão de gases de efeito estufa - ante 54% das

empresas participantes do levantamento em 2009."

Referente à matéria em epígrafe, a pesquisadora do GVces7 e responsável pela

metodologia do questionário utilizado pela revista Exame, Roberta Simonetti, manifesta-se:

[...] esse resultado mostra que é preciso encurtar a distância entre a intenção das empresas e o que de fato elas praticam. "Assinar um protocolo de intenções é o primeiro e mais fácil passo, mas é necessário criar indicadores e estabelecer metas", [...] "caso contrário, empresa e sociedade acabam ganhando muito pouco".

Logo, a exemplo da Danone, AES, Braskem, Natura e Bunge (para citar alguns

exemplos de organizações referidas no Guia Exame de Sustentabilidade 2012) e de tantas

outras empresas que já estão se destacando no ranking mundial e nacional, as demais

companhias podem e devem partir para atitudes similares, incorporando-as às suas metas.

Ante a perspectiva da contemporaneidade, as empresas devem repensar os seus

verdadeiros papeis nesse mundo globalizado, reavaliando as suas funções econômicas, sociais

e ambientais, a ponto de trazerem à baila o questionamento quanto a estarem ou não

correspondendo às expectativas guiadas pelos atuais valores concebidos e defendidos,

atinentes ao desenvolvimento sustentável, de maneira unissonante. Esses ideais dizem

respeito à eticidade, como fruto do retorno da moral e da importância da boa-fé; à

sociabilidade, em sujeição ao princípio do solidarismo constitucional descrito no artigo 3º,

inciso I, da Carta Constituinte, no sentido da construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, que ensejou se cogitar da função social da propriedade, da empresa e dos contratos;

e à operacionalidade, que diz quanto a uma preocupação com o futuro, ao mesmo tempo em

que é utilizado o momentâneo sistema legiferante.

4 SOCIEDADE GLOBAL DE RISCO E SUSTENTABILIDADE

Desde a segunda metade do século XIX, a deterioração ambiental e seus funestos

7 Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas.

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efeitos, em nível planetário, ocasionaram estudos e as primeiras atitudes no sentido de se

conseguir fórmulas e métodos de redução dos danos ecológicos. Nesse norte, em 1948,

autoridades admitiram oficialmente os infortúnios ambientais, na reunião do Clube de Roma,

quando restou constatada a ruína dos recursos naturais e pleiteado o estudo intitulado

“Limites do Crescimento”, liderado por Dennis Meadows.8

No século XX, a economia global cresceu vertiginosamente em virtude da evolução

tecnológica, ambiental e social, transformando os setores produtivos público e privado em

fonte do progresso e do desenvolvimento econômico. O crescimento está diretamente

relacionado à produção, quer na indústria, na agricultura e no setor dos serviços em geral. Em

uma primeira análise, este seria o método essencial e ideal para se alcançar o progresso

material e social. No entanto, deve ser levado em conta, em termos de projeto de

desenvolvimento, outro fator muito importante, isto é, as questões ambientais, as quais estão

intrinsecamente atreladas à manutenção da vida e à concretização do bem-estar geral.

Por muito tempo, acreditou-se que a tríade especialização do trabalho, investimentos

e transformações tecnológicas seria suficiente para proporcionar efeitos sobremaneira

positivos no crescimento econômico e no progresso social, tal como era reputado pelos

clássicos pensadores Smith, Ricardo e Malthus (RAMOS, 2013, p. 10).

Porém, com o passar do tempo e com as várias catástrofes ambientais acontecendo e

o empobrecimento material humano se intensificando, este evidenciado pelos visíveis e cada

vez mais expressivos cinturões de marginalizados nas cidades, foi-se chegando à conclusão de

que desenvolvimento e evoluções tecnológicas, para serem considerados sustentáveis, não

podem ocasionar e fortemente contribuir para o significativo aumento da pobreza e dos

excluídos sociais. Ou seja, o desenvolvimento e as inovações tecnológicas, além de

incompatíveis com o crescimento da pobreza e marginalização, em uma racionalização

lógico-matemática, não poderiam equacionar o aumento diretamente proporcional destes.

Diante desse novel cenário e das atuais exigências da contemporaneidade, faz-se

imprescindível, sempre que algum empreendedor for apresentar projetos de ampliação dos

seus negócios, uma prévia reflexão quanto às maneiras de controle da poluição, em todas as

suas facetas, na proteção da fauna e da flora, enfim, na preservação do meio ambiente. Não

deverá ele (o empreendedor) somente visar o seu desenvolvimento econômico, o aumento da

produção e dos lucros a serem obtidos.

Há que salientar que, no preâmbulo da Constituição brasileira, o “desenvolvimento

8 Dennis L. Meadows (1942-?) é um cientista americano e emérito professor de Gerenciamento de Sistemas, e coautor do livro “The Limits to Growth” (Os limites do crescimento). (N.A.).

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aparece como um dos “valores supremos”, algo que, por certo, não se coaduna com nenhuma

visão […] degradante da natureza, nem com a falta da sensibilidade característica das relações

parasitárias”. (FREITAS, 2011, p. 113-114). Isso posto, e no dizer de Freitas (2011, p. 114), “a

carga axiológica impregna-o, desde o início”, tanto que, do art. 3º, III, da CF, entende ele

emergir que o desenvolvimento sustentável “é que figura como um dos objetivos

fundamentais da República, incompatível com qualquer modelo do crescimento pelo

crescimento que, às vezes, por sua disparatada injustiça distributiva, ostenta tudo, menos

densidade ética republicana.”

Vai mais além Freitas (2011, p. 114-115), quando assevera que o desenvolvimento

sustentável “remete à realização de todos os objetivos fundamentais, que se traduzem em

metas indeclináveis, tais como a redução das desigualdades sociais e regionais e o combate

severo aos regressivismos, por mais arraigados que estejam nos cérebros e nos corações” dos

governantes e dos sectários de oligarquias dominantes. Sob esses olhares, o desenvolvimento

requer um redimensionamento em múltiplos dispositivos constitucionais, assim como aponta

Freitas (2011, p. 115):

[...] tais como o art. 174, parágrafo primeiro, o art. 192, o art. 205 (vinculado ao pleno desenvolvimento da pessoa), o art. 218 (desenvolvimento científico e tecnológico, com o dever implícito de observar ecológicos limites) e o art. 219 (segundo o qual será incentivado o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica).

Nesse ínterim e na ótica sistemática defendida, o desenvolvimento, “um dos valores

constitucionais supremos”, somente se esclarece e pode configurar se e quando conjugado à

sustentabilidade. Por isso, conforme defende Freitas (2011, p. 116), “a sustentabilidade, ela

própria, passa a ser valor supremo e princípio constitucional-síntese.”

Por tais razões, é de extrema importância que essas preocupações partam tanto da

sociedade quanto do Poder Público, e deste, em especial, no sentido de criar/apresentar

estruturas e mecanismos a serem difundidos e utilizados coletivamente para que, sem impedir

o progresso, salvaguardem o crescimento, o equilíbrio econômico, as novas tecnologias e as

necessidades das populações. Essa realidade pode e deve ser atingida, principalmente a partir

de maiores investimentos estatais nos setores da pesquisa e educação. Defende-se que não são

os processos de desenvolvimento os grandes vilões, responsáveis pelas crescentes

deteriorações ambientais e desequilíbrios naturais e sociais, mas sim o estilo de crescimento

indiscriminado, em todos os sentidos, que é insustentável ecológica e socialmente.

Veiga (2010, p. 171) elenca o que designa de tripé dos objetivos de sustentabilidade

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sob o ponto de vista ecológico, que são: “- a preservação do potencial da natureza para a

produção de recursos renováveis; - limitação do uso de recursos não renováveis e; - respeito e

realce para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais.”

Mediante recomendação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (WCED, na sigla em inglês), criada pela ONU para proceder a um reexame

das questões ambientais mais pungentes e apresentar propostas realistas e factíveis para

abordá-las e propor novas formas para a cooperação internacional, foi criado o Relatório

Brundtland (“Nosso Futuro Comum” - 1987, p. 09). Neste relatório, objetivando concretizar

as propostas apresentadas, vislumbra-se o conceito da expressão “desenvolvimento

sustentável”, que é definida como sendo uma forma de atender às necessidades da atual

geração, sem comprometer a capacidade das futuras gerações em prover as suas próprias

demandas. Isto é, o desenvolvimento econômico, social, científico e cultural das sociedades,

assegurando mais saúde, conforto e conhecimento, sem exaurir os recursos naturais do

planeta.

Para tanto, todas as formas de relação do homem com a natureza devem ocorrer com

o menor dano possível ao ambiente. As políticas, os sistemas de produção, a transformação, o

comércio, os serviços - mineração, indústria, agricultura, turismo - e o consumo têm de

persistir, mas também, concomitantemente, promovendo a preservação da biodiversidade.

As observações do Relatório vão mais além:

[...] o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudanças no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras. […] Assim, em última análise, o desenvolvimento sustentável depende do empenho político. (CMMAD, 1991, p. 10).

E nesse sentido, questiona Garcia (2007, p. 47), procurando entender como é que os

Estados soberanos, “regra geral preocupados com a prossecução de interesses próprios,

aceitam cooperar, trabalhar em conjunto, de modo a defender recursos ambientais”.

A globalização iniciou-se há mais tempo do que se imagina. Entre 1870 e 1913, ela

foi caracterizada pela alta mobilidade de mão de obra e de capital, sendo que, em função do

advento da 1ª Guerra Mundial, restou interrompida essa sua primeira fase. Outrossim, a

globalização experimentou acentuada queda em 1930, iniciando uma nova fase integrativa

após o término da 2ª Guerra Mundial. Em 1944, os 45 (quarenta e cinco) países aliados

firmaram um acordo internacional, que ficou conhecido como “Bretton Woods” e cujo

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principal objeto era controlar a política econômica mundial, mediante o estabelecimento de

algumas diretrizes.

Entre 1945 e 1973, a globalização sujeitou-se a uma nova fase, quando as instituições

de Cooperação Internacional atuaram na economia e no comércio, obtendo uma expansão

significativa no comércio de manufaturas. Já no final do século XX, a expansão do comércio

livre e a presença de empresas transnacionais motivou a criação de um sistema de produção

integrada no crescimento da mobilidade de capitais e na homogeneização dos modelos em

desenvolvimento.

Na discussão sobre o atual processo de globalização, Castells (1999, p.111) observa

que “uma economia global é uma nova realidade histórica, diferente de uma economia

mundial [...] é uma economia com capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real,

em escala planetária [...]”. Quanto a essa definição de Castells, cabe realçar que o termo

“tempo real” utilizado por ele “é semelhante à divisão como no conceito de

internacionalização e de globalização” (RAMOS, 2013, p. 67). Em função da velocidade

impressa nesse termo, ele reflete as mudanças que ocorrem em todas os âmbitos (econômica,

social, cultural, etc.), em uma velocidade nunca antes verificada. Sendo assim, são recebidas e

emitidas informações em tempo real pela internet, televisão, celular, e outras formas de

disseminação de informação.

Entendendo a globalização como um processo de internacionalização dos mercados,

produtos e consumidores, é possível depreender-se que a modernidade surgiu impingindo

transformações econômicas, industriais e culturais, no final do século XIX, trazendo em seu

âmago a marca do progresso, inovação e esperança no futuro, como forma de melhoria das

condições de vida das civilizações em geral.

Entretanto, o progresso e as inovações em diversos ramos trouxeram consigo tanto o

bem-estar, melhoria de qualidade de vida, quanto significativas preocupações no que tange

aos efeitos e consequências a eles intrínsecas, como a degradação ambiental e social, o

desgaste das relações interpessoais, variadas insatisfações humanas, e incontáveis ameaças à

saúde e a todas as espécies vivas. Outra questão que deve ser analisada e debatida é a que diz

respeito aos beneficiários dos efeitos positivos disponibilizados pelos referidos avanços, bem

aos sentimentos, ações e reações que acabam causando naqueles que vivem em condições de

exclusão, não tendo acesso a essas benesses e, dessa forma, não podendo usufruí-las e

propagá-las.

Acontece que, aqueles os quais são tocados e podem fruir das novas facilidades

ofertadas na modernidade, compõem um pequeníssimo grupo de privilegiados, quando

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comparados à grande maioria de pessoas que mal consegue garantir o seu minguado sustento.

Não obstante a isso, os sentimentos de insatisfação, impotência, desamparo, exclusão

e não-pertencimento social, que caracterizam uma desatinada necessidade consumerista e uma

“eterna busca” de felicidade nunca atingida, mesmo ainda quando já em posse do objeto de

consumo pretendido, geram expressivos revoltas e conflitos nos seres humanos, situações

essas que acabam ensejando ações direcionadas às infrações e acarretando reações criminosas.

É bem provável que, em uma visão mais drástica da realidade, alguns acontecimentos dessa

ordem venham a acarretar em aumentos das populações carcerárias e de adolescentes

infratores.

Goldblatt (1996, p. 05), aponta que Ulrich Beck, em sua obra “Risk Society”,

apresenta a expressão, por ele criada - a tão comentada “sociedade de risco”. Nela, expõe suas

ideias, sendo as principais divididas em três pontos, que Goldblatt sintetiza magistralmente.

No primeiro ponto, Beck descreve as "características e os efeitos das ameaças e

perigos causados pelos processos de modernização e industrialização" […] evidenciando

como isso "alterou a dinâmica e a construção da sociedade industrial clássica que os

ocasionou", o que enseja uma "modernização reflexiva"9 anunciada por novos perigos e

riscos. No segundo, o teórico social associa esta superfície dilatada de "penumbra, risco e

insegurança, a processos complementares de modernização reflexiva, de perda das tradições,

de individualização nos domínios do trabalho, vida familiar e identidade própria." E no

terceiro, o autor investiga os meios através dos quais os dois processos anteriores interligados

"alteraram o estatuto epistemológico e cultural das ciências e a condução e constituição da

política contemporânea."

Nessa senda, então a sociedade de risco pressupõe a modernização como "um

processo de inovação autônoma" e, como tal, com a "obsolência da sociedade industrial".

(BECK, 1997, p. 15).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidadania deve ser bem compreendida, para poder ser praticada e embasar a

existência e a manutenção das sociedades democráticas, especialmente quanto à atuação

9 Na visão de BECK, modernidade reflexiva significa “uma mudança da sociedade industrial - ocorrida sub-repticiamente e sem planejamento no início da modernização normal, autônoma, e com uma ordem política e econômica inalterada e intacta - que implica na radicalização da modernidade, que vai invadir as premissas e os contornos da sociedade industrial e abrir caminhos para outra modernidade.” (BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997. p. 13.). (N.A.).

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cidadã dos povos nos aspectos sócio-econômico-ambientais. São exemplos disso, dentre

outros, as participações populares nas audiências públicas para a confecção dos planos

diretores municipais, como também nas audiências públicas ou consultas públicas para

ciência dos interessados sobre o estudo de impacto ambiental levado a cabo quando da

instalação de obra ou atividade causadora ou potencialmente causadora de significativa

degradação ambiental, o que possibilita o engajamento populacional na tutela do meio

ambiente e da existência humana, bem como a responsabilização consciente e compartilhada

com os entes públicos pelos rumos tomados a partir dos consensos obtidos.

Caso não haja um verdadeiro entendimento de como praticar a cidadania,

obviamente ela não poderá ser exercida de forma plena e, sendo assim, a democracia

tampouco poderá acontecer, tendo em vista que ela se faz por meio da participação dos

cidadãos. Inobstante a isso, não se trata da cidadania “do papel”, isto é da teoria, mas da

cidadania em termos práticos, a que deve acontecer com a participação de cada membro, cada

cidadão consciente de seus direitos, deveres e valor.

A ordem econômica e financeira pátria contempla, em sua essência, um misto de

ideais sociais e liberais, retratados nos artigos do Título VII da Constituição Federal de 1988,

pautando-se, outrossim, nos ditames do Estado Democrático e Socioambiental de Direito, no

intuito de compatibilizar o desenvolvimento com as questões ambientais, sob o prisma da

sustentabilidade.

No que tange aos interesses inerentes ao Estado Democrático, sobressaltam-se os

direitos fundamentais, especialmente associados aos direitos humanos fundamentais,

culminando com a preocupação final de promoção da dignidade da pessoa humana. Ainda sob

o manto da democracia e dos pressupostos liberais, encontram-se os valores de liberdade

(livre iniciativa), bem estar (existência digna) e desenvolvimento (livre concorrência).

Outrossim, a ordem econômica abrange interesses sociais, destacando a busca da redução das

desigualdades sociais, a função social da propriedade, a defesa do consumidor, o pleno

emprego, etc. Esse modelo misto enseja uma intervenção estatal mínima, condizente com a

proteção dos aspectos democráticos e sociais, sem contudo sufocar ou engessar o sistema

econômico, atuando mais como controlador e fiscalizador, salvo em casos outros que a

própria constituição preveja diversamente.

De outra banda, resta evidenciada a importância da defesa do meio ambiente, no

sentido da defesa dos interesses ecológicos, otimizando a busca pela sadia qualidade de vida,

através da existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, concretizado a partir

da união de esforços estatais e da coletividade, responsabilizando-os solidariamente quanto às

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situações que atentarem contra o ambiente. Nesse sentido, deve-se levar em conta que a sadia

qualidade de vida perseguida nesse contexto tende a direcionar-se à plenitude da dignidade da

vida humana.

Tendo presente as tendências mundiais acerca da preocupação ambiental, da

manutenção da vida humana e planetária, em virtude da relevância do tema e das implicações

que podem gerar, verifica-se o crescente engajamento das Nações, no sentido de voltarem-se

para a busca de soluções, de medidas que amenizem ou minimizem as consequências das

degradações ambientais já causadas, além da busca por alternativas factíveis que

proporcionem a preservação do meio ambiente e, ao mesmo tempo, não inviabilizem o

desenvolvimento econômico. O Estado brasileiro, por sua vez, tal como Democrático e

Socioambiental de Direito, além da defesa dos valores e princípios inerentes a tais predicados,

deve criar mecanismos para fiscalizar e também para compelir as empresas reticentes no que

tange à adequação às novas realidades sócio-econômico-ambientais, para que, o mais breve

possível, estas venham a alcançar o patamar almejado.

Nesse mesmo ínterim, as empresas brasileiras, seguindo essa mesma linha estatal,

devem conquistar uma posição de destaque, pioneirismo e modelo em iniciativas compatíveis

com a promoção dos ideais sociais e ambientais preconizados pela Carta Magna, no sentido

de promover, em suas práticas, a harmonização da garantia dos direitos fundamentais de

cidadania e a tutela do modelo de economia de mercado. Diante disso, faz-se primordial a

atuação empresarial voltada ao desenvolvimento sustentável, visando, nesse sentido, a

definição de metas a serem alcançadas, vinculando-as a um planejamento estratégico levado a

cabo com afinco.

Devem as organizações, outrossim, trabalharem em prol do desenvolvimento

econômico e tecnológico, do fortalecimento de expansão dos fatores de produção, do aumento

de postos empregatícios e das inovações mercadológicas. No entanto, devem sempre primar

pela manutenção da vida e dignidade humana, jamais tentando se desonerar ou se omitir da

realização dos fatores inerentes à concretização desses fins últimos.

Ademais, devem as empresas repensarem os seus papeis diante das exigências do

mundo globalizado, redefinindo-os em conformidade com os princípios da eticidade,

sociabilidade e operacionalidade, de forma a agregarem, em seus horizontes práticos

mercadológicos, ações que contribuam para impulsionar a efetiva implementação do meio

ambiente ecologicamente equilibrado, até mesmo porque, em última análise, é a população

que compõe os trabalhadores e os consumidores dos serviços/produtos oferecidos pelas

empresas. Nessa esteira, devem as empresas ocuparem posições cidadãs e cumprirem com as

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suas respectivas funções sociais.

Resultando da conjunção dos comandos constitucionais expressos nos artigos 3º,

170, VI e 225, todos combinados do com o preâmbulo da CF/88, aflora o límpido mérito

constitucional da sustentabilidade, com a sua pluridimensionalidade - consubstanciada sob os

prismas ético, social, econômico, jurídico-político e ambiental -, reclamando um pleno ajuste

no clássico modelo de desenvolvimento, sob a pretensão de não restringi-lo à mediocridade,

que o limita e é limitante, do crescimento material iníquo.

Assim, é possível depreender-se que irrompe da Carta Magna a relevância máxima

da sustentabilidade, elevada à condição de princípio, que institui o desenvolvimento

continuado e durável, socialmente mitigador das iniquidades, para presentes e futuras

gerações, sem contudo avalizar o crescimento econômico incongruente, atroz e que fere a

ética. Em face das constatáveis predisposições que norteiam os processos de globalização,

convergentes ao foco voraz no capital e na expansão mercadológica, faz-se imperiosa a

valorização dos aspectos humanos e a sensibilização para atual situação dos ecossistemas

naturais, que constituem a base imprescindível para que praticamente tudo isso possa

acontecer, pois além de fornecer as matérias-primas necessárias, ainda disponibilizam os

insumos e energias suficientes para a propagação da vida.

Ainda mais, resta inquestionável o dever de o homem atentar-se para a necessidade

premente de, antes e acima de tudo, conduzir-se para uma outra globalização viabilizada a

partir de uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as

ações seja localizada no homem, em detrimento do dinheiro e do capital, valorizando

sobremaneira o "humano" em todas as circunstâncias, colocado em primeiro patamar. Mais

que isso, devem ser unificadas todas as intenções e pensamentos para a consubstanciação da

solidariedade entre os povos, em salvaguarda à vida.

É preciso analisar e repensar os rumos do desenvolvimento material humano, sob

pena de acabar sinalizando as populações para o caos, sob os seus diversos ângulos, visto os

desordenados passos que já foram percorridos, concomitantemente, à destruição dos sistemas

ecológicos, o que também encaminha um futuro com a extinção da espécie humana. O

desenvolvimento é sustentável e positivo, na medida em que proporciona o progresso, a

evolução e as respectivas melhorias da qualidade de vida dos seres indistintamente, sem com

isso destruir as bases da vida e sem privilegiar ou preferir uns a outros, sob pena de, se assim

não ocorrer, este desenvolvimento não poder mais vir a ser considerado ou caracterizado

como sustentável.

Sob essa ótica, alguns questionamentos são pertinentes e demandam reflexões, quais

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sejam: - Como falar em desenvolvimento sustentável se apenas uma parte da totalidade pode

desfrutar de situações de vida que seriam as ideais para todos ou para a maioria? - O que

distingue a maioria sem privilégios da cota social minoritária e privilegiada? - Como justificar

a destruição e poluição do meio ambiente em prol de uma pequena parcela da população

mundial? - Como sustentar e perpetuar esse tipo de desenvolvimento? - Qual a efetiva

utilidade de discutir-se sobre o tema “desenvolvimento sustentável” sem procurar transformar

e alterar a atual realidade?

Os riscos que qualificam a sociedade global contemporânea designam uma fase do

seu desenvolvimento em que os riscos sociais, políticos econômicos e individuais tendem

cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial e

que, por um lado, pelo desconhecimento público, eles podem não se tornarem questões

públicas ou o centro dos conflitos políticos e, por outro, quando esses perigos da sociedade

industrial começam a dominar os debates e conflitos públicos (públicos e privados), as

instituições da sociedade industrial podem tornar-se os produtores e legitimadores das

ameaças que, a seu turno, não conseguem controlar. Isso é bastante preocupante e requer

reflexões.

Considerando que, ser cidadão, de acordo com a origem grega do vocábulo, e em

termos primordialmente genéricos, exprime a condição de ser o habitante da cidade, isso

implica, automaticamente, no pertencimento a determinado espaço geográfico. Entretanto, o

que se pode reconhecer é que para a globalização não existem barreiras. Sendo assim, ao

extrapolar esses limites, faz desvanecer as peculiaridades de cada espaço e também dos

indivíduos incursos. Dessa forma, serão todos “cidadãos do mundo”, sujeitos indefinidos

socialmente, mas que, atrelados a um determinado território de onde são originários,

defenderão os interesses dessa região específica e, além disso, dedicar-se-ão outrossim à

defesa das relevantes questões mundiais, propagando e perpetuando uma espécie de cidadania

mundial solidária, sujeita ainda à respectiva e bem compreendida construção e disseminação,

essencialmente voltada em prol da defesa da vida.

Ante os pressupostos da sociedade global, na iminência de perigos e riscos, alguns

conhecidos, mas em sua maioria, desconhecidos e inimagináveis, ora especialmente aqui

centrados no aspecto ambiental, seguem-se os trâmites da vida, de suas transformações e das

transformações dos cenários em que ela se desenvolve, a caminho da consolidação de uma

nova modernidade, ainda não suficientemente compreendida, delineada e explorada. E assim,

questiona-se: onde, como e em que circunstâncias, se chegará? A resposta, na presente

conjuntura, como se pode facilmente concluir, é desalentadora.

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