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DIREITO DO CONSUMIDOR - editoraclassica.com.br. do Consum.pdf · mitido pelo cÓdigo de defesa do...
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2014 Curitiba
Coleção CONPEDI/UNICURITIBA
Organizadores
Prof. Dr. oriDes Mezzaroba
Prof. Dr. rayMunDo Juliano rego feitosa
Prof. Dr. VlaDMir oliVeira Da silVeira
Profª. Drª. ViViane Coêlho De séllos-Knoerr
Vol. 8
DIREITO DO CONSUMIDOR
Coordenadores
Profª. Drª. viviane coêlho De séllos-Knoerr Prof. Dr. everton Das neves gonçalves
Prof. Dr. freDerico Da costa carvalho neto
2014 Curitiba
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
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EDITORA CLÁSSICA
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Luiz Eduardo GuntherLuisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos
Conselho Editorial
D597Direito do consumidor
Coleção Conpedi/Unicuritiba.Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo uliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira/ Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Coordenadores : Everton das Neves Gonçalves / Frederico da Costa Carvalho Neto / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Título independente - Curitiba - PR . : vol.8 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014.531p. :
ISBN 978-85-99651-96-4
1. Defesa do consumidor - Legislação.I. Título. CDD 342.5
Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica
Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica
MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza
Vice-Presidente Aires José Rover
Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim
Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)
Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)
Colaboradores
Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC
Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC
DiagramadorMarcus Souza Rodrigues
XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitário Curitiba / Curitiba – PR
Sumário
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................
A APLICAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA BOA-FÉ AO SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL (Andreia Fernanda de Souza Martins) ....................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
CONCEPÇÕES DO CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ....................................................
A APLICAÇÃO DA BOA-FÉ AO SUPERENDIVIDAMENTO .........................................................................
O SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL ...................................................................................................
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO COMO FORMA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E AUMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO (Karina Ferreira Soares de Albuquerque) .............................................................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
IMPORTÂNCIA DO PETRÓLEO NA ATUALIDADE ....................................................................................
RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: CONCEITO, ORIGEM E NATUREZA .........
RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E DESENVOLVIMENTO: UMA REAL NECESSIDADE ...........................................................................................................................................
RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: CERTEZA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA. UTOPIA OU REALIDADE? ..........................................................................................................................
RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: EDUCAÇÃO PARA CONSUMO E MEIO AMBIENTE ................................................................................................................................................
RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E AUMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO: UMA ATITUDE EQUILIBRADA? ............................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR ANTE A PUBLICIDADE NO MEIO DIGITAL (MAGALHÃES, Thyago Alexander de Paiva e HAAS, Adriane) .........................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
DESENVOLVIMENTO .................................................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................
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REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
A PUBLICIDADE COMO INFLUÊNCIA NEGATIVA PARA A SOCIEDADE CONSUMERISTA E A IMPOR-TÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO (Karina Pereira Benhossi e Zulmar Fachin) ................................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
A ATUAL SOCIEDADE CONSUMERISTA E A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR ............................
A PUBLICIDADE COMO MEIO PERSUASIVO-NEGATIVO NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR
A IMPORTÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO ................................................................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO PELOS DANOS CAUSADOS AO CONSUMIDOR PELO CADASTRO INDEVIDO (Luis Miguel Barudi De Matos e Marcos Vinicius Affornalli) ......................................................................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA INSERÇÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ................
DO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E SUA RESPONSABILIZAÇÃO PELO CADASTRO INDEVIDO DE CONSUMIDORES .................................................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
A RESSIGNIFICAÇÃO DA “VIDA A CRÉDITO” DE BAUMAN NO TRABALHO DE ADOLESCENTES QUE IDENTIFICAM NO TRABALHO INFANTIL UMA ILUSÃO DE DESENVOLVIMENTO (Acácia Gardênia Santos Lelis e Fábia Carvalho Figueiredo) ..................................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO .......................................................................................................
A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DO TRABALHO INFANTIL ............................................
A “VIDA A CRÉDITO” SEGUNDO BAUMAN .............................................................................................
A CONDIÇÃO DE “VIDA ATIVA” DOS ADOLESCENTES TRABALHADORES ............................................
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
A TUTELA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE LEASING FINANCEIRO SEGUNDO A VISÃO DOS TRIBUNAIS (Simone Bento e Pilar Alonso López Cid) ......................................................................
DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL NA MODALIDADE FINANCEIRA ...........................
O LEASING FINANCEIRO COMO RELAÇÃO DE CONSUMO .....................................................................
A TUTELA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ...........................
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AS QUESTÕES ATINENTES À COBRANÇA ANTECIPADA DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO ..............
OS JUROS REMUNERATÓRIOS SUPERIORES A 12% AO ANO .................................................................
POSSIBILIDADE DE PURGAÇÃO DA MORA PELO ARRENDATÁRIO NOS CONTRATOS DE ARRENDA-MENTO MERCANTIL .................................................................................................................................
A COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA CUMULADA COM OUTROS ENCARGOS MORATÓ-RIOS OU REMUNERATÓRIOS ....................................................................................................................
TARIFA DE ABERTURA DE CADASTRO (TAC), EMISSÃO DE CARNÊ (TEC) E OUTROS SERVIÇOS DE TERCEIROS ................................................................................................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................
ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS NO AMBIENTE EMPRESARIAL (Marcelo de Souza Sampaio e Viviane Coêlho de Séllos Knoerr) ..............................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A SOCIEDADE DE RISCO E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO AMBIENTE JURÍDICO CONTEMPORÂNEO ..............................................................................................
ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS NO AMBIENTE EMPRESARIAL ................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
CONTRATO DE SEGURO DOS DANOS CAUSADOS PELO ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL ADQUIRIDO NA PLANTA E UMA NOVA POSTURA EMPRESARIAL (Adalberto Simão Filho e Beatriz Spineli) ...................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
FORMA DO CONTRATO DE SEGURO .......................................................................................................
RECUSA DA SEGURADORA EM REALIZAR O SEGURO ............................................................................
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL NA PLANTA ..........................................
UMA NOVA POSTURA EMPRESARIAL APRESENTADA COMO PROVÁVEL SOLUÇÃO À PROBLEMÁTICA APRESENTADA ...........................................................................................................................................
O CONTRATO DE SEGURO COMO INSTRUMENTO DE REDUÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELO ATRASO NA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO ...............................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
CONTRATOS DE CONSUMO COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL E OS CRITÉRIOS PARA JUSTIFICAR A REVISÃO CONTRATUAL (Stephanie Aniz Ogliari Candal) ................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
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O CONTRATO COMO FERRAMENTA DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS ....................................................
BREVE INCURSÃO HISTÓRICA ACERCA DA MASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ...................................
O VIÉS SOCIAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR E SEUS DESAFIOS .......................................................
A REVISÃO DO CONTRATO COMO VIA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL ...........................................
CRITÉRIOS PAR AUFERIÇÃO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR .................................
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA RELAÇÃO ENTRE SHOPPING CENTERS (EMPREENDEDORES E LOJISTAS) E FREQUENTADORES (Danielle Hammerschmidt e Denise Hammerschmidt) .......................................................................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
APONTAMENTOS ACERCA DOS SHOPPING CENTERS ...........................................................................
DA RELAÇÃO DE CONSUMO ....................................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO: A (IN)EFICIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL NA TUTELA COLETIVA (Ariane Langner e Jaqueline Lucca Santos) ...............................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
A EVOLUÇÃO DA TUTELA PROCESSUAL COLETIVA DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO BRASIL .......
A INFLUÊNCIA RACIONALISTA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E SUA INEFICIÊNCIA NA TUTELA DE NOVOS DIREITOS .....................................................................................................................................
O DIREITO PROCESSUAL CIVIL E A TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR .................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
DIREITO DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE TURISMO: DOUTRINA E JURISPERUDÊNCIA (José Washington Nascimento de Souza) ............................................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
ANÁLISE CONSTITUCIONAL ....................................................................................................................
CONCEITOS ...............................................................................................................................................
RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................................................................................................
PRÁTICAS INACEITÁVEIS ..........................................................................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
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GLOBALIZAÇÃO, COMÉRCIO ELETRÔNICO E HIPERCONSUMO: IMPACTOS SOBRE O DESENVOL-VIMENTO ECONÔMICO (Daniele Maria Tabosa Machado e Maria Cristina Santiago Moura de Moura)
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
ALGUMAS PONDERAÇÕES SOBRE GLOBALIZAÇÃO E A SOCIEDADE ATUAL .........................................
UM POUCO MAIS DE REFLEXÃO SOBRE A POLÍTICA DO HIPERCONSUMO ........................................
ANÁLISE DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL ................................................................................
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRESCIMENTO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL .......................
REALIDADE DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL ...........................................................................
O IMPACTO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NA ECONOMIA ....................................................................
REFLEXÕES SOBRE OS IMPACTOS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
ILEGALIDADE AO ACESSO À INFORMAÇÃO NOS BANCOS DE DADOS DOS CONSUMIDORES PER-MITIDO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O DIREITO À PRIVACIDADE GARANTIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (Joubran Kalil Najjar) ............................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
OS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES ................................................................
DAS PRÁTICAS ABUSIVAS .........................................................................................................................
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .............................................
INEXISTÊNCIA DE CRITÉRIO PARA O FORNECIMENTO E ABERTURA PARA O CRÉDITO ......................
AMPLITUDES DA NORMA .........................................................................................................................
CONSUMIDORES INADIMPLENTES .........................................................................................................
O PRAZO DO ARTIGO 43, DOS PARÁGRAFOS 1° E 5º É PRESCRICIONAL OU DECADENCIAL? .............
DA REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO POR INFORMAÇÕES NOS BANCOS DE DADOS .......................
LEI 4.595 DE 1964 QUE TRATA SOBRE A POLÍTICA E AS INSTITUIÇÕES MONETÁRIAS, BANCÁRIAS E CREDITÍCIAS, CRIANDO O CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL .......................................................
LEI 9.507 DE 1997 QUE REGULA O DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO E DISCIPLINA O RITO PROCESSUAL DO “HABEAS DATA” ...........................................................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................
NEOCONSTITUCIONALISMO, NEOPROCESSUALISMO, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A CRISE DO JUDICIÁRIO (MARCELO YUKIO MISAKA) ..................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
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NEOCONSTITUCIONALISMO ...................................................................................................................
NEOPROCESSUALISMO ............................................................................................................................
PROCESSO E DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................................
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS ......................................................................................
TUTELA DO CONSUMIDOR ......................................................................................................................
NEOPROCESSUALISMO E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ......................................................
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
O CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO E O TRATAMENTO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS (Pedro Paulo Vieira da Silva Junior) .......................................................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
O CONSUMIDOR E A SUA LATENTE VULNERABILIDADE ........................................................................
O SUPERENDIVIDAMENTO E O CONSUMIDOR ......................................................................................
O CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO E OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ...........................................
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
O DIREITO DO CONSUMIDOR COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL NA CONCEPÇÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA (Daniela Ferreira Dias Batista) ...........................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR .............................................................................
CONCEITOS DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR ...............................................................................
PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR ..........................................................................
O CONSUMO COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL ................................................................
O DIREITO DO CONSUMIDOR E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ...................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
O ILÍCITO CONSUMERISTA E A POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DO DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE (Pasqualino Lamorte e Leonardo Sanches Ferreira) .....................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
APONTAMENTOS SOBRE O CONTRATUALISMO CONTEMPORÂNEO ...................................................
POLÍTICA NACIONAL, DIREITOS BÁSICOS E OS CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR ....................................................................................................................................
DANO MORAL E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE À LUZ DO CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE PATRIMÔNIO ............................................................................................................................................
O ILÍCITO CONSUMERISTA E O DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE ..................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
POR UMA INTERPRETAÇÃO TÓPICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR (Ana Caroline Noronha Gonçalves Okazaki e Anderson de Azevedo) ...............................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
O DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A INTERPRETAÇÃO ..........................................................
DA TÉCNICA TÓPICA DE INTERPRETAÇÃO .............................................................................................
A RELAÇÃO DE CONSUMO E A HERMENÊUTICA TÓPICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO .......................................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................................
RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR EM CONTRATOS DE TRANSPORTE TERRESTRE À LUZ DA TEORIA DA QUALIDADE (Leonardo José Peixoto Leal e Mônica Mota Tassigny) .......................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................
RELAÇÃO DE CONSUMO ..........................................................................................................................
TEORIA DA QUALIDADE ...........................................................................................................................
RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE TRANSPORTE ............................................................
RESPONSABILIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS NOS CASOS DE ASSALTOS, ACIDENTES E ATRASOS ....
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
RESPONSABILIDADE CONSUMEIRISTA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PELA QUALIDADE DA UNIDADE HABITACIONAL ADQUIRIDA PELO CONSUMIDOR NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (Christine Keler de Lima Mendes) .......................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR COMO POLÍTICA ECONÔMICA .......................................................
DIREITO À MORADIA: DIREITO SOCIAL QUE SE IMPLEMENTA POR RELAÇÃO DE CONSUMO ...........
RESPONSABILIDADE CONSUMEIRISTA DO OPERADOR FINANCEIRO PELA QUALIDADE DA UNIDADE HABITACIONAL ADQUIRIDA PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA ........................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
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SITES DE BUSCA E A MANIPULAÇÃO NA VONTADE DO CONSUMIDOR (Luiz Bruno Lisbôa de Bragança Ferro e Antônio Carlos Efing) .......................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INTERNET .....................................................................................................
AUTONOMIA PRIVADA DO CONSUMIDOR E A LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA ...........................
OS SITES DE BUSCA E O CONSUMO NO BRASIL .....................................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
VULNERABILIDADE PSÍQUICA E O DISCURSO MIDIÁTICO ENTRE O CONSUMO E O CONSUMISMO (Diego Bastos Braga e Vitor Hugo do Amaral Ferreira) ..............................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
PSICOLOGIA DO CONSUMO: A TRANSFORMAÇÃO DAS PESSOAS EM MERCADORIAS ......................
O DISCURSO MIDIÁTICO-PUBLICITÁRIO E OS REFLEXOS NO CONSUMO ............................................
CONSUMO(MISMO) E A VULNERABILIDADE PSÍQUICA ........................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
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Caríssimo(a) Associado(a),
Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direito do Consumidor, do XXII Encontro
Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI),
realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º
de junho de 2013.
O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente
de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos
da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma
reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,
nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela
tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do
processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos
parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN
do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da
Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro
Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.
Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,
tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da
produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no
âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a
mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não
apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as
especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.
Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a
enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)
aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a
todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-
nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido
mais difícil.
Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada
em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para
seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e
que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto
para eventos.
O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso
comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de
2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão
sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que
inserirem seus dados.
Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os
programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor
fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço
no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,
mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da
segunda versão, disponível em 2014.
Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de
programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará
importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,
além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as
dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do
Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube
conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de
elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será
fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III
Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o
estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores
do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo
livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras
parcerias e editais para a área do Direito.
Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de
Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.
Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que
agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada
logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.
Curitiba, inverno de 2013.
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente do CONPEDI
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Apresentação
Uma vez mais o Encontro Nacional do CONPEDI, em sua XXII edição, realizado no
Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, congregou diversos pensadores e críticos do
Direito, conglomerando ideias, e apresentando inovadoras reflexões acerca dos problemas que
se apresentam na atual conjuntura da sociedade.
O Grupo de Trabalho relacionado ao Direito do Consumidor trouxe novas ideias,
reunindo estudiosos de diversos estados da federação e permitindo o estabelecimento de
intercâmbios e parcerias entre pesquisadores e a consequente aproximação de programas, como
apenas o CONPEDI tem condições de promover.
As apresentações ocorridas neste encontro foram divididas em sete partes, agora
publicadas sob a forma de capítulos, os quais temos a honra de apresentar.
No capítulo destinado à análise das relações de consumo e dos contratos, Simone Bento
e Pilar Alonso López Cid em seu artigo apresentam as principais abusividades apontadas pela
sociedade consumidora nos contratos de arrendamento mercantil e o atual posicionamento
adotado pela jurisprudência pátria.
Dedicando-se ao estudo do contrato de seguro e a análise de sua aplicação como meio
de amenizar o desconforto causado pelo atraso na entrega da unidade adquirida na planta,
Adalberto Simão Filho e Beatriz Spineli utilizam-se para tanto, ao conceituar e apresentar os
elementos constitutivos do instrumento contratual, verificando o contrato de seguro típico e
abordando uma nova postura empresarial mais justa e social.
A autora Stephanie Aniz Ogliari Candal explora em seu artigo como a revisão do
contrato de consumo se consolida como ferramenta de efetiva modificação da realidade social,
garantindo ao equilíbrio da ordem econômica, e a coercitividade da Lei; da mesma forma que
busca colaborar para o esclarecimento da revisão contratual como caminho à execução da nova
ordem jurídica, voltada ao respeito ao ser humano, bem como buscar formas de facilitar ao
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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operador do direito o reconhecimento da necessidade de revisão do contrato de consumo
concretamente.
Abordando o ilícito consumerista e a efetiva possibilidade da aplicação do deferimento
judicial do pedido de dano moral, na violação dos direitos do consumidor nos contratos de
adesão de prestação de serviços de saúde, Pasqualino Lamorte e Leonardo Sanches Ferreira
analisam julgados do Superior Tribunal de Justiça que apreciam o tema proposto para
desenvolver o artigo.
No capítulo destinado ao estudo do consumidor, as mídias eletrônicas e a publicidade,
os autores, Thyago Alexander de Paiva Magalhães e Adriane Haas ao tratar da proteção do
consumidor ante a publicidade no meio digital, buscaram apresentar e discutir o impacto da
publicidade na sociedade de consumo atual, demonstrando, para tanto, a abrangência desta no
meio eletrônico, assim como a dificuldade em se garantir que estas obedeçam às diretrizes que
asseguram a defesa dos direitos dos consumidores, tendo em vista a complexidade de
relacionar a publicidade ao fornecedor que a veicula no meio eletrônico.
F om o PíPuÕo “A puNÕicidade como infÕuênciM negMPivM parM M sociedade consumerisPM e
a importância da eficácia horizontal dos direitos fundamenPMis nMs reÕMções de consumo”,
Karina Pereira Benhossi e Zulmar Fachin objetivaram refletir acerca das relações
consumeristas advindas da pósmodernidade e a predominante cultura do consumo que
prevalece na sociedade contemporânea.
Em seu artigo, as autoras Daniele Maria Tabosa Machado e Maria Cristina Santiago
Moura de Moura evidenciam que um dos efeitos da globalização consubstancia-se na adoção
de um padrão de consumo exacerbado, ressaltam o papel do avanço tecnológico, propõem uma
reflexão sobre o crescimento dessa modalidade comercial, bem como os impactos no
desenvolvimento econômico.
Trabalhando o direito do consumidor, delimitando-se ao reconhecimento da
vulnerabilidade como fator de tutela jurídica específica, Diego Bastos Braga e Vitor Hugo do
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Amaral Ferreira utiliza-se do método de abordagem dedutivo, consubstanciado ao
procedimento monográfico e bibliográfico. Neste cenário, aborda-se a psicologia do consumo,
o discurso midiático publicitário e consequentemente o consumo(mismo) decorrente da
vulnerabilidade psíquica.
Ao autores Luiz Bruno Lisbôa de Bragança Ferro e Antônio Carlos Efing tratam em seu
artigo de desenvolver uma análise dos sites de busca da internet e sua influência na autonomia
privada do consumidor, apreciando seu modo de funcionamento, bem como sua possível
prejudicialidade aos direitos consumeristas.
No capítulo sobre o consumidor e o comércio, apresentando a importância dos royalties
do petróleo como forma de distribuição de renda e aumento das relações de consumo, a autora
Karina Ferreira Soares de Albuquerque utilizou-se de pesquisa bibliográfica e o métod o
dedutivo para poder elaborar seu artigo.
Apresentando a condição social de crianças e de adolescentes que buscam no trabalho
infantil acesso a bens de consumo, numa ilusão de que esse significa desenvolvimento, Acácia
Gardênia Santos Lelis e Fábia Carvalho Figueiredo analisam o consumo inconsciente,
fomentador de um grande mal social que é o trabalho infantil, e que acarreta danos a crianças e
a jovens trabalhadores.
Estudando a relação que se estabelece entre frequentadores e shopping center, Danielle
Hammerschmidt e Denise Hammerschmidt buscam estabelecer uma possível relação de
consumo entre as partes. Inicialmente teceram-se comentários a respeito destes
empreendimentos para melhor compreender sua realidade, após foram elucidados os conceitos
de relação de consumo, consumidor e fornecedor, aplicando-os ao caso específico em comento.
Trazendo com conclusão a existência da relação consumerista não somente entre os
frequentadores e lojistas, mas também entre frequentadores e empreendedores de shopping
centers.
O autor José Washington Nascimento de Souza buscou tratar em seu artigo sobre o
turismo e o turista, como tema especial inserto nas relações de consumo, tendo em vista a
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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imporPânciM dessM MPividade, considerMda M “indúsPriM sem cOMminé” e imporPMnPe fMPor de
desenvolvimento regional, tanto por movimentar as economias locais, quanto pela forte
tendência à chegada de divisas.
Em capítulo específico sobre os órgãos de proteção ao crédito, o estudo de Luis Miguel
Barudi de Matos e Marcos Vinicius Affornalli tem por objetivo demonstrar a possibilidade de
responsabilização solidária dos órgãos de proteção ao crédito pelos danos causados aos
consumidores pela incorreta inclusão desses nos cadastros de inadimplentes, com base no
Código de Defesa do Consumidor, tendo por fundamento a existência de uma cadeia de
fornecimento e nexo de imputação.
Em “HÕegMÕidade Mo Mcesso à informMção nos bancos de dados dos consumidores
permitido pelo código de defesa do consumidor e o direito à privacidade garantida pela
F onsPiPuição FederMÕ”, JoubrMn KMÕiÕ NMÓÓMr buscou escÕMrecer os Mbusos de direiPo, onde o
consumidor se torna cada vez mais vulnerável numa sociedade de consumo como a nossa e
“bomNMrdeMdo” por informMções surgidas MPrMvés da uPiÕizMção de PecnologiMs, no cMmpo das
comunicações.
Capítulo sobre o consumidor e o superendividamento, a autora Andreia Fernanda de
Souza Martins procurou demonstrar em seu artigo a realidade da dignidade da pessoa humana
e da boa-fé ao superendividamento brasileiro diante do microssistema consumerista instaurado
através da Lei n. 8078/90, Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor e da
Constituição Federal de 1988 que reproduz em seu texto normativo vários dispositivos que
tratam da dignidade humana, tão almejada pelos cidadãos.
A situação jurídica do consumidor superendividado torna-se tema atual e latente,
sobretudo após a promulgação da CRFB/88. Com efeito, diversas alternativas têm sido criadas
para buscar solucionar os problemas enfrentados pelo indivíduo superendividado, inclusive no
âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Pedro Paulo Vieira da Silva Junior analisa os modelos
de resoluções de controvérsias atinentes ao consumidor superendividado praticados no
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, além de revisão literária sobre o assunto, objetivando a
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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elaboração e estudo de uma proposta que contemple as peculiaridades do consumidor
fluminense.
Sobre a responsabilidade civil na relação de consumo, em capítulo específico, o
trabalho de Leonardo José Peixoto Leal e Mônica Mota Tassigny analisa e tece considerações
críticas ao sistema de Responsabilidade Civil quando se refere aos contratos de transporte
terrestre de passageiros, a luz da teoria da Qualidade. Ressaltou-se os problemas mais comuns
relativos a esse serviço, tais como a questão de atrasos, acidentes e assaltos.
Já o trabalho de Christine Keler de Lima Mendes aborda em seu artigo a aplicabilidade
do Código de Defesa do Consumidor ao operador financeiro Caixa Econômica Federal não
apenas no bojo da relação de financiamento bancário, mas pela qualidade das unidades
habitacionais integrantes do Programa Minha Casa Minha Vida, por se tratar de contrato de
financiamento imobiliário especial.
Marcelo de Souza Sampaio e Viviane Coêlho de Séllos Knoerr analisam a alegada
exisPênciM de umM “indúsPriM do dano morMÕ” e os efeiPos das indenizMções consumerisPMs no
ambiente empresarial. Diante do desenvolvimento experimentado tanto pelos sujeitos de
direito, quanto pelas figuras jurídicas na contemporaneidade, surgem novas demandas
legislativas e hermenêuticas cujas aplicações devem seguir um viés funcionalizado a despeito
de sua mera leitura literal.
O capítulo sobre a defesa do consumidor em juízo traz diversas contribuições,
permitindo a efetivação dos direitos do consumidor. Como o objetivo de verificar a
(in)eficiência do Direito Processual Civil na tutela dos direitos coletivos, em especial no que se
refere aos direitos do consumidor, as autoras Ariane Langner e Jaqueline Lucca Santos adotam
uma postura fenomenológica-hermenêutica e o método de abordagem monográfico para
cumprir o proposto.
No PexPo “NeoconsPiPucionMÕismo, NeoprocessuMÕismo, F ódigo de Gefesa do
F onsumidor e M crise do Óudiciário”, MMrceÕo Kukio MisMka revisMr os conceiPos modernos
como o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo, bem como aborda a temática dos
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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princípios constitucionais processuais, demonstrando suas totais sintonias com institutos
jurídico-processuais da Lei 8.078/90 (Código de defesa do consumidor), e sugere que a
aplicação daqueles institutos jurídicos-processuais não só contribuiriam à melhora qualitativa
das decisões judiciais como também amenizariam a propalada crise do Poder Judiciário.
Analisando o direito fundamental do consumidor como garantia do mínimo existencial,
dentro da concepção da justiça distributiva, a autora Daniela Ferreira Dias Batista também
discute alguns dos graves problemas sociais causados pelo consumo desequilibrado; pois o
devido reconhecimento do direito do consumidor como garantia do mínimo existencial do ser
humano e a efetivação das normas de consumo poderiam trazer a realidade social e econômica
da sociedade mais próxima da concepção de justiça distributiva.
No MrPigo “Por umM inPerprePMção PópicM das normMs de proteção Mo consumidor” de
Ana Caroline Noronha Gonçalves Okazaki e Anderson de Azevedo, buscou-se analisar e
compreender as normas de defesa do consumidor bem como a efetivação de seus direitos, a
partir da hermenêutica.
O fomento das discussões a partir da apresentação de cada um dos trabalhos ora
editados permite o contínuo debruçar dos pesquisadores na área consumerista, visando ainda o
incentivo a demais membros da comunidade acadêmica à submissão de trabalhos aos
vindouros encontros e congressos do CONPEDI.
É com muita satisfação que apresento esta obra. É garantida rica leitura e reflexão a
todos.
Coordenadores do Grupo de Trabalho
Professora Doutora Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA
Professor Doutor Everton das Neves Gonçalves – UFSC
Professor Doutor Frederico da Costa Carvalho Neto – PUC SP / UNINOVE
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A APLICAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA BOA-FÉ AO
SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL
THE APPLICATION OF GOOD FAITH HUMAN DIGNITY TO SUPER INDEBTEDNESS
IN BRAZIL
Andreia Fernanda de Souza Martins1
RESUMO O presente estudo tem como escopo fundamental demonstrar a realidade da dignidade da pessoa humana e da boa-fé ao superendividamento brasileiro diante do microssistema consumerista instaurado através da Lei n. 8078/90, Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor e da Constituição Federal de 1988 que reproduz em seu texto normativo vários dispositivos que tratam da dignidade humana, tão almejada pelos cidadãos. Nesse sentido, observando-se a experiência constitucional dos direitos fundamentais com base na proteção da dignidade da pessoa humana. Estuda-se também sobre a urgência de uma regulamentação específica para esse consumidor que se encontra superendividado, do controle de pleitear as cláusulas abusivas de créditos e a importância da apreciação econômica do direito neste processo. Assim, a função social serve como fonte de referência para adquirir uma política de proteção ao consumidor, contudo, tornando-se dependente de forma que a presença de vícios ou inadequações na utilização do crédito irá se refletir diretamente na realidade do mercado. Logo, na sociedade superendividada a proteção do consumidor passa a exercer um valor social. Do mesmo modo, o princípio da boa-fé deverá adequar como direção para estabelecer parâmetros de conduta para as financeiras, que ficam comprometidos com os deveres que resultam de amparo desse princípio, exclusivos aqueles relativos à informação e cooperação. Diante desta definição, o superendividamento não pode ser visto de fato como inadimplência obrigacional, mas sim, como a impossibilidade de uma pessoa prover as suas necessidades básicas postas através do crédito ao consumo. Por fim, sob a ótica constitucional, tendo como marco teórico a dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, compreende-se necessária formação de um tratamento legislativo especial ao consumidor superendividado, possibilitando a valorização da justiça social a pessoa humana. Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana; Boa-Fé; Superendividamento. ABSTRACT This study has as an essential scope the reality of human being dignity and good faith to the Brazilian indebtedness before micro consumerist introduced by Law n. 8078/90, the Brazilian Protection and Consumer Protection code - CDC and the Federal Constitution of 1988, which reproduces in its normative text, several regulatory provisions dealing with human dignity, so desired by citizens. In this way, it had been observed the constitutional experience of fundamental rights based on the human dignity protection. It also considered the urgency of
1 Mestranda do Curso de Mestrado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR, Marília - Brasil
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specific regulations for that consumer who is super indebted, claiming control of credit abusive clause and the economic importance of law in the process. Thereby, the social function serves as a reference source to purchase a policy of consumer protection, however, it have become so dependent on the presence of addictions or inadequacies in the use of credit will directly reflect the reality of the market. Soon, in a super indebted society, the consumer’s protection prosecutes a social value. Similarly, the principle of good faith should be suitable as direction to establish conduct parameters for financial, that are committed to the obligations that results from the support of this principle, exclusively, those related to information and cooperation. With this definition, the super indebtedness could not be seen, in fact, as a obligatory default, but as the inability of a person to provide their basic needs, offered by consumer credit. Finally, assigning a constitutional perspective, taking as theoretical point, the dignity of the human person, which, in its own way, is understood the necessary formation of a special legislative treatment to super indebted consumer, enabling the appreciation of social justice to the human person. Keywords: Human Dignity; Good Faith; Super Indebtedness.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo primordial do texto é fazer uma análise a cultura do consumo que atinge
os consumidores de todas as classes sociais e de todas as idades. O fornecimento do crédito
para a aquisição dos produtos ou serviços quando realizado em desacordo com o Código
Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor proporciona o endividamento.
Os reflexos da concessão de crédito de forma fácil e ilimitada começaram a aparecer
perante o Judiciário, ao longo dos anos, na forma de pedidos de revisão de contratos com
fundamento no "superendividamento" dos consumidores. O fenômeno se instalou a partir da
oferta abundante do crédito fácil no país. Empréstimos consignados, empréstimos pessoais,
cartões de crédito, crédito direto ao consumidor e outros tipos que formam uma extensa e
variada gama de modelos contratuais que podem ser utilizados por pessoas físicas para tomar
dinheiro emprestado aos bancos e financeiras. O resultado é que os indivíduos não usam o
crédito de forma consciente e chegam ao superendividamento.
O superendividamento do consumidor faz parte do rol de rupturas no organismo
social, sendo claro que irregularidades como a alimentação, a saúde o desemprego, o
desabrigo, a violência, dentre outras, chamam muito mais atenção, até mesmo por terem um
maior potencial ofensivo dentro da sociedade moderna. Todavia, tal omissão afeta
diretamente a dignidade do cidadão - consumidor que se vê em diversas vezes sem condições
de prover suas necessidades mais básicas como os elementos supracitados.
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Isso nos remete à noção para uma inversão na prioridade política, social e econômica
que o superendividado brasileiro ainda não possui amparo jurídico consolidado a própria
expressão "superendividamento", pois ainda é vista com preconceitos e forma de se eximir do
pagamento de dívidas. Não obstante, o Código Brasileiro de Proteção e Defesa do
Consumidor é uma lei múltipla que pode e deve ser usada para enfrentar tais questões, em
face do seu artigo 7º que reconhece o microssistema consumerista como um sistema aberto
que estimula o diálogo das fontes.
Nessa esteira, identificado o contexto de nosso tema, podemos revelar que nossa
preocupação gravita em torno do consumidor que não tem culpa exclusiva na origem de sua
dívida, ou seja, o consumidor de boa-fé. Portanto, levando-se em consideração apenas o
consumidor de boa-fé, podemos dizer que existem duas espécies de consumidores
superendividados: a) aquele que contrai dívidas de forma passiva, ou seja, que é apenas vítima
de sua real necessidade; b) aquele que contrai dívida de forma ativa cedendo às tentações
impostas pelo mercado.
No entanto a ideia principal desta pesquisa tem como objetivo geral compreender o
superendividamento como consequência de fatores econômico, social e jurídico, advertindo-
se que apenas os superendividados passivos de boa-fé merecem a proteção do Estado.
O método de investigação usado na pesquisa foi do tipo bibliográfico, procurando
explicar e entender o assunto em tratamento através da consulta de obras que abordem direta
ou indiretamente o tema a ser exposto e através da análise do Código de Defesa do
Consumidor.
2. CONCEPÇÕES DO CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Constituição Federal de 1988 avançou significativamente rumo à normatividade
do princípio quando transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem
jurídica, declarando-o em seu art. 1º, inciso III, como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana;
Isso nos remete à noção para uma inversão na prioridade política, social econômica e
jurídica, até então existente do Estado Brasileiro Constitucionalmente idealizado. Todavia, na
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Constituição Federal de 1988 o Estado passa a ter o dever jurídico mediante políticas públicas
positivas, ou seja; garantir ao cidadão as condições materiais mínimas para uma existência
digna.
Nas palavras de Sarlet (2002, p. 50), define dignidade da pessoa humana como
sendo: Dignidade é qualidade intrínseca da pessoa humana, sendo irrenunciável e inalienável, [...] a dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo ser criada, concedida ou retirada, já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente.
Neste patamar, convém destacar que a consagração da dignidade da pessoa humana
nos leva à visão do ser humano como base principal do universo jurídico.
2.1 A Dignidade da Pessoa Humana: Princípio Constitucional Fundamental
Importa, neste momento, a expressão "dignidade da pessoa humana" para defender
direitos humanos fundamentais. Vale ressaltar que ele foi expressamente positivado pelo
constituinte de 1988 numa fórmula principiológica. Neste ponto, trata-se, de princípio
constitucional que tem a pretensão de plena normatividade.
Ademais, todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, assim o
princípio da dignidade da pessoa humana abriga um conjunto de valores, à defesa dos direitos
individuais do ser humano. São eles direitos, liberdades e garantias (art. 5º); direitos sociais
(art. 6º) interesses que diz respeito aos trabalhadores e à vida humana (art 7º), direitos de
participação política (art. 14). Dessa forma, cabendo ao Estado confirmar a sua efetivação.
Pode-se dizer que, o ser humano somente poderá desenvolver-se plenamente em um
ambiente comprometido com as modificações sociais em que se possa verificar a
aproximação entre Estado e sociedade, para que o Direito se adapta aos interesses e às
necessidades do povo.
Nesse passo, os direitos e garantias fundamentais traduzem na ordem constitucional e
jurídica, proteção à vida, à liberdade e a igualdade. Sendo assim, os princípios da justiça
baseiam-se na dignidade da pessoa humana.
No discurso de Moraes (2004, p. 129).
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente
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possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Constata-se que para vencer as desigualdades sociais requer ações afirmativas do
governo e da sociedade. Com isso, valorizar e propiciar os direitos fundamentais de todos,
para garantir uma total participação do individuo na vida, na sociedade e nas políticas sociais.
Assim, nos princípios jurídicos fundamentais, por exemplo, aqueles que estruturam o Estado
Democrático de Direito, encontram-se fundamentos para a interpretação, integração,
conhecimento e aplicação do direito positivo constitucional e infra-constitucional.
Diante dessas assertivas, concluímos que apesar dos fundamentos garantidores da
estrutura do Estado Democrático de Direito, ele se encontra comovido, devido às
desigualdades socioeconômicas e culturais na sociedade. O exercício e aplicabilidade dos
direitos e garantias fundamentais é o substrato necessário e fundamental para diminuir esses
desníveis de desigualdade, que conseqüentemente desmoralizam o Estado Democrático de
Direito.
2.2 A Dignidade da Pessoa Humana: Como Fundamento Social ao Superendividamento
Nesse contexto, o superendividamento acarreta um risco à manutenção do mínimo
existencial da vida humana, sendo de extrema necessidade a proteção do superendividado de
boa-fé, através da efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, contemplado em
nossa carta magna como verdadeiro intermediário do estado democrático de direito que
deverá direcionar, sobretudo, a realização da justiça social.
Portanto, a proteção do superendividado requer, criação pelo Estado de políticas
públicas voltadas para prevenção e orientação ao consumo de crédito de forma responsável e
consciente, com medidas rigorosas à concessão do crédito de forma visível e a necessidade de
legislação específica de tratamento do assunto, ou seja, atuação do Estado. O Estado assume a
posição de responsabilização no âmbito patrimonial intervindo nas relações contratuais em
busca da efetividade da justiça social, no qual, significa uma intensa mudança no âmbito do
relacionamento entre direito público e direito privado,
Nas palavras do Sarmento (2004, p. 71):
Ocorre que, paralelamente a esta mudança, foi também se desencadeando outro processo, vinculado à emergência do Estado Social, consistente na redefinição dos papéis da Constituição: se, no Estado Liberal ela se cingia a organizar o Estado e a garantir direitos individuais, dentro do novo paradigma ela passa também a consagrar direitos sociais e econômicos e a
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apontar caminhos, metas e objetivos, a serem perseguidos pelo Poder Público no afã de transformar a sociedade.
De acordo com Tepedino (2001, p. 70), um sistema híbrido, em que o Estado não
figura apenas nas relações pautadas pelo direito público, mas passa a atuar nas relações que
antes eram esfera apenas do direito privado.
Ainda no discurso do mencionado autor (2001, p. 73): A interpretação do direito público e do direito privado caracteriza a sociedade contemporânea, significando uma alteração profunda nas relações entre o cidadão e o Estado. O dirigismo contratual antes aludido, bem como as instâncias de controle social instituídas em uma sociedade cada vez mais participativo, altera o comportamento do Estado em relação ao cidadão, redefinindo os espaços do público e do privado, a tudo isso devendo se acrescentar a natureza híbrida dos novos temas e institutos vindos a lume com a sociedade tecnológica.
Tendo em vista, as novas solicitações sociais, resultado da explosão tecnológica e
ação da economia ou da produção em grande escala que culminam com o
superendividamento, que obriga do Estado uma nova postura regulada na intervenção como
forma de garantir o efetivo cumprimento dos novos paradigmas do Estado Social. Partindo
daí, uma profunda coerência entre o direito civil e o direito constitucional, o que motiva um
novo regulamento norteado por novas regras e fundamentos.
De modo exclusivo, à posição do Estado no momento da concretização dos novos
meios civis-constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, este deverá
conduzir-se pela necessidade de garantir os direitos do consumidor superendividado e,
segundo já citado logo acima, atuar para garantir políticas públicas de prevenção, coibição a
práticas abusivas e formação de legislação específica.
A princípio diversos doutrinadores, protegem, mediante a publicação de estudos
consolidados principalmente na obra "Direitos do Consumidor Endividado", a publicação de
lei específica de tratamento sobre o assunto. Conforme relata Marques (2008, p. 21):
Cabe-nos aqui, por fim, como organizadores deste livro, agradecer a todos que tornaram possíveis estas pesquisas e colaboraram de forma tão atenta e comprometida como o sucesso desta difícil empreitada de fornecer ao Ministério da Justiça e aos operadores do direito idéias sobre a melhor forma de prevenir e tratar, em lei especial, este nocivo "efeito colateral" novo na sociedade de consumo mais consolidado no Brasil que é o Superendividamento.
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Nesta linha de raciocínio, é importante evidenciar os ensinamentos de Costa (2002,
p. 267), que destaca dos estudos acerca do superendividamento no país, ao defender a
faculdade de retratação e prazo especial de reflexão nos contratos: A faculdade de retratação não ofende a força obrigatória das convenções porque integra o processo de formação do contrato de crédito. Ela se coloca em um momento em que o contrato não foi firmado. [...] A faculdade de retratação não desfaz um contrato já formado, ela suspende a conclusão definitiva dele: haveria então formação sucessiva do contrato, o consentimento tomando corpo é medida do escoamento do prazo de exercício da retratação.
Por conseguinte o ilustre doutrinador Giancoli (2008, p. 162), defende o
superendividamento do consumidor como suposição de revisão dos contratos de crédito, nos
seguintes termos: Com efeito, a ação revisional por aplicação do superendividamento pode ser encarada como mecanismo jurisdicional apto a tratar as dividas do consumidor de maneira a evitar sua ruína completa e, se possível, restabelecer uma situação de consumo sustentável.
Logo, a cooperação é proceder de modo leal e confiável nos melhores padrões
comportamentais fixados pela boa-fé. No entanto, não complicar e sim colaborar com a parte
de modo a prover a melhor eficácia do negócio jurídico e garantir o equilíbrio contratual,
devendo, assim, a renegociação ser fixada como uma das alternativas de tratamento ao
fenômeno do superendividamento e proteção do consumidor que se encontre nesta
circunstância.
Por fim, o superendividamento à luz do princípio da dignidade da pessoa humana
seja através da atuação do legislador, criação de políticas públicas de prevenção e repressão e
da intervenção do Estado, é dar existência ao paradigma maior do estado democrático de
direito brasileiro, que visa à pessoa como o foco do ordenamento.
3. A APLICAÇÃO DA BOA-FÉ AO SUPERENDIVIDAMENTO
No ano de 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a
boa-fé objetiva ganhou amparo legal, passando a ser adequadamente abordada pela doutrina e
jurisprudência, no qual, cita o artigo 4º, III, que menciona a boa-fé como princípio geral das
relações de consumo e no artigo 51, IV, como vetor interpretativo dos contratos,
determinando a nulidade das cláusulas contrárias aos seus preceitos éticos. Sendo assim, não
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resta dúvida que no microssistema consumerista instaurado através da Lei n. 8078/90, a boa-
fé é princípio e cláusula geral.
Leia-se, então, o artigo 4º, caput e inciso III, e no artigo 51, IV: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
É de notar inicialmente que o princípio da boa-fé, por expressa definição da Lei n.
8.078/90, certifica a garantia pelos outros princípios mencionados no artigo 170 da
Constituição Federal.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social [...].
Ao discorrer do superendividamento, sob a análise da boa-fé objetiva e subjetiva do
consumidor, sustenta a verdadeira norma de conduta que exige das partes os valores de
honestidade, franqueza, lealdade e cooperação, na fase contratual e nos momentos que
antecedem e sucedem o vínculo, para que haja um equilíbrio nas relações de consumo.
Neste instante, a boa-fé objetiva será avaliada a partir do comportamento que leva o
consumidor ao superendividamento e a sua condição econômica antes e após a caracterização
desta circunstância à frente de examinar os motivos que leva a se superendividar. Ainda
assim, apreciar o nível de desconhecimento e de modificação relacionado ao consumo. A esse
respeito, beneficia-se a boa-fé subjetiva, como preceitua o autor Cordeiro (2007, p.516) com
seus ensinamentos, “um estado de ignorância desculpável” do individuo, que, “tendo
cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas
eventualidades”.
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Deste modo, como esclarece o autor supracitado, a boa-fé subjetiva se refere à
ignorância de um individuo acerca de um fato modificador, posto isto, é a falsa esperança
acerca de uma ocorrência pela qual o operador do direito confia na sua autenticidade porque
não reconhece a real situação. Nesse intuito, a boa-fé pode ser localizada em diversos
preceitos do Código Civil, como por exemplo no art.1.561, nos arts. 1.201 e 1.202, e no art.
897.
Conseqüentemente, Nunes (2009, p.605), conceitua boa-fé objetiva como: A boa-fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças. Entretanto, para chegar a um equilíbrio real, somente com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode ser abusivo ou exagerado para um não o será para outro.
No entanto, quando se refere à boa-fé objetiva, destacam-se os deveres de lealdade e
cooperação, que consistem na atuação mútua dos contratantes, a fim de manter o respeito e o
equilíbrio contratual entre as partes e evitar o superendividamento. Principalmente em
contratos de longa duração, que visa garantir e cuidar durante toda a realização do contrato.
Tendo em vista, como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana.
Destacam-se a doutrina três espécies desempenhadas pela boa-fé objetiva nas
relações obrigacionais: a primeira delas é a de condutor interpretativo das relações e
contratos, de modo que a melhor interpretação será aquela firmada na boa fé. Isto é, a
colocação hermenêutica interpretativa da relação contratual, na qual a boa-fé representa a
função de preencher todas as lacunas possivelmente existentes nos contratos. Na sequência é a
atividade limitadora do exercício dos direitos subjetivos, diminuindo a liberdade de atuação
das partes contratuais com o intuito de se evitar o abuso. Por fim, a terceira espécie é a
formação dos chamados deveres de conduta anexos aos contratos, que são autônomos e
independentes da necessidade dos contratantes.
Enfim, pode ressaltar os deveres de esclarecimento ou informação, presentes desde o
período pré-contratual até o pós-contratual, que obrigam as partes a prestarem
esclarecimentos mútuos sobre todo ponto de vista da relação contratual. No entanto, uma das
divisões dos deveres de esclarecimento são os deveres de conselho, que se relacionam à
personalização da informação sobre o produto ou serviço mais apropriado ao consumidor.
Porém, estes deveres têm especial importância nos contratos de crédito por basearem-se na
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confiança necessária que o consumidor deposita no profissional que detém o conhecimento da
atividade. Sendo assim, eles serão mais bem esclarecidos no próximo item que aborda a
responsabilização do fornecedor de boa-fé.
3.1 A Boa-Fé do Fornecedor de Crédito
A informação é um princípio básico e dos mais importantes, orientador de todas as
relações de consumo. O desrespeito a esse princípio é um dos grandes responsáveis pela
inadimplência dos consumidores que não são informados do conteúdo e deveres do contrato e
acabam adquirindo obrigações que não correspondem ao esperado ou adquirindo produtos ou
serviços que não desejam. A informação é de extrema relevância para que o consumidor
exerça o seu direito de escolha de forma consciente e correta.
O dever de clareza da informação prestada pelo fornecedor que deve sempre adotar
informações verdadeiras, objetivas e precisas ao consumidor. A transparência exige nitidez,
precisão, sinceridade na informação prestada ao consumidor. Ela tem que ser adequada e
suficiente para que o consumidor a compreenda.
O inciso III do art. 6º do CDC diz que é um direito básico do consumidor “a
informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem”.
De acordo com art. 31 do CDC determina que:
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Os princípios da transparência e da informação estão ilustrados no caput do art. 4º do
CDC e no seu inciso IV, Na devida ordem: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo atendidos os seguintes princípios: IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Neste contexto, é de máxima importância que o consumidor, antes de contratar
qualquer serviço de crédito, tenha conhecimento de seus futuros deveres e obrigações, para
que possa manifestar de forma livre e consciente a sua vontade, sem o perigo de ser
surpreendido posteriormente com determinada disposição contratual sobre a qual não tinha
conhecimento.
Vale enfatizar que nos contratos bancários, computados os de financiamento, cartão
de crédito e empréstimo pessoal, a boa-fé objetiva se instrumentaliza nos deveres impostos ao
fornecedor de informar e cooperar com a parte contratual, prevenindo o superendividamento
do consumidor.
Posto isto, o fornecedor está obrigado a informar, de modo claro, objetivo,
verdadeiro ao consumidor os termos do ajuste a ser celebrado. Deste modo, não basta apenas
disponibilizar a informação, é preciso que o consumidor efetivamente entenda o que está
sendo informado. Apenas dessa maneira o consumidor realizará o contrato de forma
consciente, diminuindo, os riscos de danos e de insucesso de expectativas.
Embora seja de extrema importância o cumprimento das regras nas ofertas e nos
contratos de crédito como forma de prevenir o superendividamento, as instituições financeiras
vem constantemente desobedecendo a esse dever de informação, logo, absolvendo do
consumidor a possibilidade de pensar sobre as reais condições do negócio. Na prática é muito
comum a oferta de crédito sem as características que estabelece o art. 31 e sem as informações
necessárias que fixa o art. 52 do CDC.
Mas, infelizmente, na grande maioria das vezes, os contratos de crédito ao consumo
continuam a ser realizados sem a observação desses preceitos da informação e da
transparência, possuindo cláusulas mal redigidas e obscuras, dificultando a compreensão pelo
consumidor das reais responsabilidades e obrigações vindas do contrato.
3.2 A Boa-Fé do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor cita a boa-fé como princípio geral das relações
de consumo (art. 4º, inciso III). A boa-fé do consumidor é a real e verdadeira norma de
conduta que exige das partes os valores de honestidade, franqueza, lealdade e cooperação,
para que haja um equilíbrio nas relações de consumo.
Ademais, a boa-fé é a condição essencial para a caracterização do
superendividamento, que é entendido como a impossibilidade do consumidor, pessoa física, e
de boa-fé, de pagar todas suas dívidas atuais e futuras de consumo. Sendo assim, no
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sobreendividamento, a boa-fé não é vista apenas como um princípio, mas como uma condição
comportamental do consumidor. Analisam-se os consumidores de boa-fé superendividados
que, aprisionados por um gancho de endividamentos, agravaram sua situação para pagar as
dívidas antigas. Entretanto, foram declarados de má-fé aqueles que, deliberadamente,
tomaram vários empréstimos que representavam uma carga nitidamente superior à totalidade
de sua renda ou aquele que já em estado de insolvência notória, tomaram empréstimos para
efetuar novos gastos de consumo.
No entanto, o consumidor brasileiro que esta superendividado fica impossibilitado
de, mesmo com boa-fé, quitar as suas dívidas retirar o seu nome no rol dos maus pagadores,
que são chamados de bancos de dados de proteção ao crédito, ficando sem acesso ao crédito e
ao consumo. Conseqüentemente acaba comprometendo seu relacionamento familiar, de
trabalho e, em alguns casos, sua própria saúde.
Desta maneira, o registro em tais cadastros impossibilita ao consumidor o exercício
de qualquer atividade que submete análise de crédito. Por sua vez, resta prejudicado o
exercício de atividades rotineiras da vida moderna, uma vez que muitas famílias utilizam o
crédito como parte indispensável de gestão do orçamento familiar se endividando para pagar
despesas de sustento diária da sua casa.
Conceitua Lopes (2006, p. 6): Não são poucos os que se endividam para pagar despesas corriqueiras, despesas de manutenção diária ou despesas com serviços indispensáveis que já não são providos pelo Estado ou que nunca o foram adequadamente. Parte do endividamento que preocupa deriva, sobretudo, do aumento de recursos necessários para prover a subsistência. O crédito pessoal, adiantado sob a forma de cartão de crédito ou de cheque especial, crédito sem garantias reais, portanto, constitui substancial parcela do crédito ao consumo.
Ora, é preciso que se observe a situação do consumidor devido ao
superendividamento, como um princípio de extrema importância de toda a legislação
brasileira, que é o principio da dignidade pessoa humano (artigo 1º, III, CF/88 e o artigo 4º do
CDC), que condiz com as suas necessidades básicas para a sua sobrevivência. Porém é
preciso também, que o oferecimento de crédito pelas instituições financeiras deve ser feito de
forma responsável e clara para desestimular o superendividamento dos consumidores.
Associado a estes aspectos soma-se o fato de que muitas instituições financeiras
utiliza-se de abusividade na cobrança de dívidas submetendo o consumidor a humilhação,
posto que, tal prática seja ilegal expressamente pelo CDC: Conforme segue:
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Entretanto, a cobrança indevida fere o direito econômico e moral do consumidor.
Assim, o consumidor de boa-fé necessita de crédito, sendo que, à manutenção das condições
de sustentabilidade de sua família, em virtude do superendividamento, afeta a capacidade de
manutenção e equilíbrio da vida familiar, não somente do ponto de vista de efetivação e
continuidade do consumo, logo, em virtude de todos os prejuízos morais, sociais, decorrentes
da situação de exageros no consumo, gerando o endividamento.
Por fim, a impossibilidade de responsabilizar-se com pagamento tanto das dívidas
quanto das despesas do dia-a-dia o consumidor e todo meio familiar são submetidos à
situação de aflição e angústia tendo afetada a dignidade de toda família. Desta forma, vale
demonstrar que o superendividamento é muito mais do que uma questão meramente
econômica, do ponto de vista social e jurídica, porém retrata a ofensa a dignidade da pessoa
humana.
4. O SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL
A Constituição Federal de 1988 atribuiu como apoio que informa toda uma estrutura
jurídica brasileira ao incremento do bem estar do cidadão, a partir de garantias das condições
mínimas da sua própria dignidade, que incorpora, além da proteção dos direitos fundamentais,
condições materiais e espirituais básicas de existência. A dignidade do ser humano brilha
como valor supremo do ordenamento jurídico brasileiro, tendo assim, o princípio da
dignidade da pessoa humana como o mais relevante do nosso sistema jurídico, devendo por
isso condicionar a interpretação e aplicação de todo o direito positivo, tanto público como
privado.
Desta maneira, o objetivo maior de proteção e defesa do consumidor na possibilidade
de superendividamento é a sua própria dignidade, pois os efeitos decorrentes dessa condição,
já abordados, são incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Pois, o crédito permite a
satisfação de necessidades primárias para a maioria da população brasileira, salientando que
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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na relação obrigacional de crédito existem importantes elementos da vida humana que, se
desprezados, podem ameaçar a própria dignidade da pessoa.
O superendividamento, não pode ser visto como um simples momento de
inadimplência obrigacional, e sim como o estado de impossibilidade do indivíduo suprir suas
necessidades básicas que são concretizados por meio do crédito ao consumo.
Sobre esse prisma, é indispensável que se inicie compartilhando os precisos
ensinamentos que dispõe a autora Marques (2004, p. 1053) que adverte que o "direito
brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa",
como se vê adiante: O tema da cobrança de dívidas e da inexecução está intimamente ligado ao tema do superendividamento. O superendividamento define-se, justamente, pela impossibilidade do devedor - pessoa física, leigo e de boa - fé, pagar suas dívidas de consumo e a necessidade do Direito prever algum tipo de saída, parcelamento ou prazos de graça, fruto do dever de cooperação e lealdade para evitar a "morte civil" deste falido - leigo ou falido - civil.
Destarte, o direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a
este caso, principalmente se definirmos superendividamento de pobreza em nosso País. O
crescimento do acesso ao crédito, que se nota nos últimos anos, como por exemplo, os novos
milhões de clientes bancários, com duradoura privatização dos serviços essenciais e públicos,
agora alcançável a todos, com qualquer orçamento, mas dentro das severas regras do
mercado, a publicidade agressiva referente o crédito popular, a nova força dos meios de
comunicação e a tendência de abuso inadvertido do crédito facilitado e ilimitado no período e
nos valores, até também com descontos em folha de aposentados, que pode levar o
consumidor e sua família a uma situação de superendividamento.
Como enfatiza a doutrinadora, que deve ser dada uma oportunidade para aqueles que
de boa - fé, mesmo tendo contraído muitas dívidas, tenha o direito de renegociá-las com todos
os seus credores, sendo elaborado um plano de pagamento como ocorre na lei francesa e em
outros países, para que depois esse consumidor possa voltar ao mercado de consumo
consciente e disciplinado financeiramente para administrar, com responsabilidade as suas
finanças.
Os consumidores - vitimas tornaram-se o foco diante da extrema facilidade do
crédito em desrespeito as regras do direito do consumidor com base na proteção à informação,
presume-se então para a liberdade de escolha que é da dignidade do consumidor.
Contudo, a questão não se resume, por nenhuma hipótese, o fato de acontecimentos
imprevisíveis, muito mais voltada no exercício da obrigação de informação prévia e adequada
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a verdadeira compreensão do consumidor, ou seja, o hipossuficiente pode-se declinar aos
olhos dos fornecedores que há tempos infiltram na sociedade alguns agentes que atuam no
mercado de consumo e que, por isso, contribuem para a criação do superendividamento. Por
exemplo, o cartão de crédito, posto que por muitas vezes as empresas fornecedoras do produto
já iniciam o contato com o consumidor de forma extremamente abusiva, pois enviam o cartão
sem a solicitação do mesmo, conforme o artigo 39, III, do CDC.
Vale dizer que o parágrafo único do artigo supracitado considera de forma grátis os
produtos enviados ao consumidor sem a sua solicitação, o que o desobriga do pagamento de
cobranças acerca do produto, mas não dos valores das compras efetuadas com este, no caso de
compra com o cartão de crédito, o consumidor terá que pagar o produto, mas não precisará
pagar eventual anuidade do cartão. Deste modo, são também como exemplos o cheque
especial que é uma forma de financiamento, ambos oferecidos por instituições financeiras,
normalmente, contendo juros abusivos, ferindo também o CDC, posto isto, o artigo 39, V. A
publicidade também é um dos itens de superendividamento, considerando que hoje vivemos
em meio a propagandas motivadas pelos fornecedores de produtos e serviços postos em
circulação, o que nos traz como consequência uma sociedade cada vez mais consumista e, a
carência do sentido do que é realmente necessário.
Os artigos 36 e 37 do CDC regulam as disposições sobre a publicidade nas relações
de consumo. Não é difícil pensar que todo esse arranjo conduz o consumidor a ser iludido
pelos fornecedores que, com sofisticadas técnicas de propaganda, possa assegurar a
necessidade real e criar uma necessidade irreal aos consumidores.
Diante desta definição, o superendividamento não pode ser visto de fato como um
descumprimento de um contrato, mas sim, como a impossibilidade de uma pessoa prover as
suas necessidades rotineiras, como alimentos, luz, água, aluguel, vestuário, que são colocadas
através do crédito ao consumo. Nesse aspecto, está no anseio de demonstrar que não há que se
deixar ao relento o consumidor superendividado, portanto, hoje nosso ordenamento jurídico
tem seu apoio central no inciso III do artigo 1º da CF/88, que nos traz expresso o princípio da
dignidade da pessoa humana, fonte de uma nova filosofia jurídica. Muito mais voltada para a
relação humana do que para o patrimonial. É nesse sentido que a aplicação da CF/88 se faz
necessária, no qual alimenta todo um novo sistema de máxima preservação social, o que fica
visível também a proteção à integridade individual de todos.
Evidentemente, no direito comparado, a lei francesa ao consumidor visa garantir o
uso racional e refletido do crédito e criar uma noção geral do endividamento, assim como visa
garantir a lealdade nas relações de consumo, através de medidas como: a exigência de
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contrato escrito e o seu fornecimento ao consumidor, prazo de reflexão e de arrependimento,
regulamentação específica da publicidade. Criaram-se ainda comissões de
superendividamento, com natureza administrativa, que têm a finalidade de conciliar o
superendividado com o conjunto dos seus credores.
Finalizando, no direito brasileiro ainda não existe uma regulamentação específica
acerca da proteção ao consumidor superendividado, a doutrina pátria busca nos ordenamentos
jurídicos soluções para a prevenção e tratamento deste caso, despontando a solução francesa
como a mais aceita no Brasil. Notavelmente, o estudo comparado deve ser realizado, mas
nenhuma solução estrangeira poderá funcionar adequadamente, sendo que é necessário
considerar a estrutura da sociedade, do mercado e das instituições brasileiras.
CONCLUSÃO
Por todo o estudo apresentado, conclui-se que o superendividamento não é e nem
pode ser entendido como proteção da inadimplência, ao contrário, reconhecer e enfrentar esta
realidade é providência fundamental a reposicionar a discussão e trazer os fornecedores de
crédito à sua responsabilidade de fornecer adequada clareza à informação ao consumidor,
garantindo-lhe o real direito à liberdade de escolha e preservando a sua dignidade.
Diante dessas assertivas, o acesso ao crédito tem repercussões tanto positivas e
negativas, sendo o fenômeno do superendividamento do consumidor nas sociedades modernas
capitalistas, a indispensável concretização do aspecto negativo do consumo excessivo ao
crédito.
No Brasil, o crédito passa a ser oferecido de forma irrestrita, rápida, ostensiva e fácil.
Consumir a crédito, seja por meio de cartões de crédito, cheque-especial, crédito consignado,
empréstimos e dentre outras informações relevantes de financiamento, passa a ser o espírito
comum no país consolidando a cultura do endividamento.
Neste entendimento, garantir e proteger a esse grande grupo da população esses bens
e direitos é dever do Estado, que deve zelar pela ordem jurídica, pelo um Estado Democrático
de direito, baseando-se no principio da dignidade da pessoa humana.
Por esse motivo, desenvolveu-se, nesta pesquisa, a partir de estudo sobre o perfil do
superendividado brasileiro, formas de tratamento encontradas na doutrina e na legislação, com
a evidência de que a situação de superendividamento leva a perda da dignidade e ameaça a
manutenção do mínimo existencial e, como tal, merece tratamento e proteção especial.
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Neste diapasão, este trabalho defendeu que a abusividade, seja no âmbito da
publicidade agressiva e enganosa ou mediante o excesso de cobrança de juros pelas
instituições financeiras, é fato social institucionalizado no Brasil, constituindo um dos
enormes motivadores do fenômeno do superendividamento no país.
REFERÊNCIAS
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A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES
DO PETRÓLEO COMO FORMA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E
AUMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
THE IMPORTANCE OF FEATURES COMING FROM OIL ROYALTIES HOW TO FORM DISTRIBUTION OF INCOME AND INCREASED
CONSUMER RELATIONS
Karina Ferreira Soares de Albuquerque1
RESUMO
O presente trabalho destaca a importância dos royalties do petróleo como forma de distribuição de renda e aumento das relações de consumo. Diante dos recursos na área denominada de camada pré-sal, Estados e Municípios, produtores ou não, travaram uma guerra legislativa que gerou a nova Lei de Royalties do Petróleo, garantindo uma fatia maior dos recursos para as áreas não produtoras desse mineral. A pesquisa foi bibliográfica e o método, dedutivo. No entanto, não adianta a mera repartição de receitas públicas; são indispensáveis políticas públicas de conscientização das pessoas nas áreas envolvidas, notadamente no que se refere à distribuição de renda e riqueza, a fim de que esses recursos não se tornem a origem de uma ciranda de consumo desenfreada, onde o cidadão é levado a consumir, sem pensar no dia de amanhã, sob a ótica de uma suposta verdadeira felicidade e, quando não consegue pagar esse débito, vem a contrair mais e mais empréstimos, numa roda viva interminável, que faz do devedor e, ao mesmo tempo consumidor, um verdadeiro escravo à disposição de um sistema que aliena no qual, quem não pode consumir, estará à beira da mais completa marginalização. Palavras-chave: Consumo. Desenvolvimento. Renda. Royalties do Petróleo.
ABSTRACT
This study highlights the importance of oil royalties as a form of income distribution and increased consumer relations. Given the resources in the area called the pre-salt layer, states and municipalities, producers or not, waged a war that led to the new legislative Act Oil Royalties, guaranteeing a greater share of resources to areas not produce this mineral. The research was literature and the method, deductive. However, no use a simple allocation of
1 Mestranda em Direito Econômico e Sócio-ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Especialista em Teoria do Estado e Direito Público pela Universidade Tiradentes (UNIT/SE), Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (UFS/SE), Professora Assistente da Universidade Tiradentes (UNIT/SE), Advogada (OAB/SE) – Brasil, e-mail: [email protected]
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public revenue, public policies are essential awareness of people in the areas involved, particularly with regard to distribution of income and wealth, so that these resources do not become the source of a sieve unbridled consumption, where the citizen is taken to consume without thinking about tomorrow, from the perspective of a supposed true happiness, and when you cannot pay this debt, has to borrow more and more loans, an endless treadmill, which does the debtor and at the same time consumer, a veritable slave to the provision of a system that alienates where, who cannot consume, more will be on the verge of complete marginalization. Keywords: Consumption. Development. Income. Oil Royalties.
SUMÁRIO
1 Introdução – 02; 2 Importância do Petróleo na Atualidade – 04; 3 Recursos Provenientes de
Royalties do Petróleo: Conceito, Origem e Natureza – 04; 4 Recursos Provenientes de
Royalties do Petróleo e Desenvolvimento: Uma Real Necessidade – 07; 5 Recursos
Provenientes de Royalties do Petróleo: Certeza de Distribuição de Renda. Utopia ou
Realidade? – 08; 6 Recursos Provenientes de Royalties do Petróleo: Educação para Consumo
e Meio Ambiente – 12; 7 Recursos Provenientes de Royalties do Petróleo e Aumento das
Relações de Consumo: Uma Atitude Equilibrada? – 13; 8 Considerações Finais – 15;
Referências - 16
SUMMARY
1 Introduction - 02, 2 Importance of Oil in Current Events - 04; 3 Features Coming from Oil
Royalties: Meaning, Origin and Nature - 04; 4 Features Coming from Oil Royalties and
Development: A Real Need - 07; Coming from 5 Resources Oil Royalties: Certainty of Income
Distribution. Utopia or Reality? - 08; 6 Features Coming from Oil Royalties: Consumer
Education and Environment - 12; 7 Features Coming from Oil Royalties and Increase in
Consumer Relations: A Balanced Attitude? - 13, 8 Final - 15; References - 16
1. INTRODUÇÃO
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O petróleo é fonte de energia sem a qual a maior parte dos países, na atualidade, não
teria chegado a tamanhos níveis de desenvolvimento, razão pela qual se tornou motivo de
cobiça e, em casos extremos e desenfreados, a busca incessante pelo mineral gerou guerras
sem nenhum sentido, as quais levaram ao extermínio milhares de pessoas inocentes. No
Brasil, não foi diferente, já que sua importância é fundamental para o desenvolvimento
econômico do país. No entanto, não adianta só ter recursos; ou seja, os royalties provenientes
do petróleo; é necessária a correta distribuição de renda e riqueza a todas as pessoas, de
qualquer maneira, relacionadas, bem como uma política de educação para o consumo
consciente, verificando-se a sustentabilidade, palavra-chave para a manutenção da raça
humana.
Na atualidade, face ao aumento da produção, que gera excedente e do aumento de
recursos nos “cinturões de desenvolvimento petrolíferos”, pessoas são induzidas todos os dias
a comprar desenfreadamente, onde a propaganda as faz acreditar que esses bens podem
significar felicidade. E se não possuem dinheiro para comprar agora, utilizam-se do crédito,
que lhes é ofertado, de maneira vasta, sob a premissa de que não é necessário esperar para
amanhã, se é possível hoje realizar os seus desejos. De uma maneira simples, a premissa é
compre e usufrua hoje e pague somente amanhã, sem saber se o amanhã terá a necessária
solvabilidade.
No entanto, esse crédito necessita ser satisfeito, ou seja, deve ser pago. Mas também
são apresentados a cada dia novos desejos, que precisam, segundo a ótica do crédito, ser
satisfeitos, ou seja, não podem nem precisam esperar. Então a ciranda começa, isto é, são
novos créditos concedidos, para saldar os primeiros e satisfazer novos desejos, que nunca se
acabam, tornando as pessoas cada vez mais dependentes de um sistema opressor, onde a
finalidade é oferecer-lhes crédito para consumir até a mais perfeita exaustão financeira,
levando-as a uma espécie de escravidão ou, também, a um vício de crédito e mercado de
consumo, onde é mais importante o “ter” e não o “ser”, mostrando uma inversão de valores
cada vez mais presente nos dias atuais.
É importante o desenvolvimento de uma cultura de consumo inteligente e consciente
desde a mais tenra infância, sob pena do sistema continuar se reproduzindo, onde um dos
beneficiários também é o Estado, através dos impostos que recaem sobre esses créditos, além
da sociedade em peso ser transformada num universo de devedores, sem qualquer
possibilidade de ascensão, já que os recursos provenientes dos royalties do petróleo, se não
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bem empregados e distribuídos, além de não gerar o verdadeiro desenvolvimento econômico,
podem ser fonte de exclusão social.
2. IMPORTÂNCIA DO PETRÓLEO NA ATUALIDADE
O petróleo, nos dias atuais, é a principal fonte de energia do planeta, sendo
conhecido como “ouro negro”, tamanha sua relevância e importância no mercado econômico
mundial. A sociedade de hoje depende do petróleo para movimentar suas economias, cada vez
mais dependentes desse minério, que as influencia nitidamente.
Em nome da busca incessante pelo petróleo, guerras foram travadas, sob as mais
variadas e descabidas desculpas, sempre infundadas, onde milhares de pessoas foram
dizimadas, com o verdadeiro intuito de apoderar-se de suas jazidas e, assim, tentar estar
menos vulnerável ao seu poder de influência. Dentre tantos conflitos, cabe destacar a trágica
guerra Iraque - Estados Unidos, inicialmente deflagrada pelos Estados Unidos, face ao
atentado das torres gêmeas, em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001, que levou à
morte, sem qualquer oportunidade de defesa, um número expressivo de pessoas inocentes.
Diante de tais fatos, os Estados Unidos, sob a alegação de proteger a população
americana e dar uma resposta pelo acontecido aos países que abrigam terroristas no mundo
árabe, invadiu o Iraque; no entanto, mais parece que a verdadeira razão, o pano de fundo, por
detrás de tais argumentos, é a apropriação das reservas de petróleo iraquianas, uma das três
maiores do mundo, as quais, face à má administração e problemas políticos internos, não
apresentavam produção em larga escala, a fim de abastecer os mercados, cada vez mais
ávidos por esse mineral, a fim de impulsionar seu crescimento econômico e, assim aumentar
sua fonte de influência no mercado mundial.
3. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO:
CONCEITO, ORIGEM E NATUREZA
Face à descoberta de grandes reservas petrolíferas na camada denominada pré-sal,
Estados e Municípios brasileiros, com o nítido interesse de aumentar suas receitas, através de
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maiores valores oriundos do repasse proveniente da exploração do petróleo, sob a alegação de
que, segundo o artigo 20, incisos I, V, VI e IX e parágrafo primeiro da Constituição Federal,
por se tratarem de bens pertencentes à União, os recursos provenientes da exploração dessas
riquezas deveriam ser distribuídos de forma mais equânime entre todos os entes da Federação,
fato esse que gerou recentes e importantes mudanças legislativas, referentes ao assunto,
notadamente a Lei 12.734 de 30 de novembro de 2012, que ficou conhecida como a nova Lei
de Royalties. Interesses políticos e econômicos de ambas as partes, uns para manter os valores
que recebem; outros interessados em receber quantias mais vultosas, questionam as novas
regras impostas pela nova legislação de royalties do petróleo.
Preliminarmente, é importante destacar a definição de royalties: “É uma palavra de
origem inglesa que se refere a uma importância cobrada pelo proprietário de uma patente de produto,
processo de produção, marca, entre outros, ou pelo autor de uma obra, para permitir seu uso ou
comercialização2”.
De acordo com Carlos Vogt:
A origem da palavra royalty é bastante antiga e é derivada da palavra inglesa royal que significa o que pertence ou é relativo ao rei, podendo ser usada também para se referir à realeza ou à nobreza. Seu plural é royalties. Na antiguidade, os royalties eram os valores que os agricultores, artesãos, pescadores, etc. pagavam ao rei ou ao nobre, proprietário da terra ou do bem, como compensação pelo direito de extrair deles os recursos naturais de suas terras, a exemplo de madeira, água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos3.
Sábias as palavras de Sandra Silva e Jorge Oliveira, como abaixo se pode ver:
No caso do petróleo, os royalties são cobrados das concessionárias que exploram a matéria-prima, de acordo com sua quantidade. O valor arrecadado fica com o poder público. Por isso mesmo, eles têm natureza indenizatória e não tributária, pois se trata de uma participação
2 ROYALTY. Glossário do Senado. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/77253917/162/>. Acesso em 18
ago. 2012. 3 VOGT, Carlos. Royalties de petróleo: recursos para a sustentabilidade ou instrumento de barganha
política? In: PETRÓLEO. Disponível em: < http://www.comciencia.br > Acesso em 18 ago. 2012.
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financeira pelos problemas gerados na exploração destes tipos de recursos energéticos e minerais4.
Ainda segundo os autores supracitados, a natureza dos royalties é indenizatória, já que
a participação financeira dos Estados, Municípios e Distrito Federal, conforme previsto no art.
20, § 1º da Constituição Federal de 1988 é:
[...] um direito subjetivo da unidade federada. Trata-se de receita originária que lhe é confiada diretamente pela Constituição”, conforme manifestou o Min. Gilmar Mendes, no seu voto no MS nº. 24.312-1/DF, no Plenário do Supremo Tribunal Federal e na Segunda Turma, no Ag.Reg. no AI 453.025-1-DF5.
Diante de tais fatos, é indispensável destacar o voto do Ministro Sepúlveda Pertence no RE
228.800-5/DF transcrito pelos autores acima, o qual demonstra a natureza indenizatória dos royalties:
Com efeito, a exploração de recursos minerais e de potenciais de energia elétrica é atividade potencialmente geradora de um sem número de problemas para os entes públicos, especialmente para os municípios onde se situam as minas e as represas. Problemas ambientais – como a remoção da cobertura vegetal do solo, poluição, inundação de extensas áreas, comprometimento da paisagem e que tais-, sócios e econômicos, advindos do crescimento da população e da demanda por serviços públicos. Além disso, a concessão de uma lavra e a implantação de uma represa inviabilizaria o desenvolvimento de atividades produtivas na superfície, privando Estados e Municípios das vantagens delas decorrentes. Pois bem. Dos recursos despendidos com esses e outros efeitos da exploração é que devem ser compensadas as pessoas referidas no dispositivo6.
Nos termos da Lei 4320/64, a compensação financeira é uma receita corrente, de
natureza patrimonial, em relação aos órgãos da União e, nos termos da referida lei, todo
ingresso de dinheiro aos cofres públicos é denominado receita pública. Segundo Harada
4
Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. SILVA, Sandra Maria do Couto e; OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. Dos royalties do petróleo: o princípio federativo e a competência dos estados para editarem leis sobre sua cobrança e fiscalização. Nº 63, p. 2. Disponível em: <http://www.rj.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=9eed8ac7-6fd3-4bfb-8f58-8697dabd74d3& groupId =132971>. Acesso em 18 ago. 2012. 5 MS nº. 24.312-1/DF, no Plenário do Supremo Tribunal Federal e na Segunda Turma, no Ag.Reg. no AI
453.025-1-DF 6 Art. 20, parágrafo 1º da Constituição Federal.
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“Assim é possível, por meio do critério de exclusão, classificar a compensação financeira
percebida pelos Estados, DF e Municípios como outras receitas correntes”7.
§ 1º - São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes 8.
Pelo exposto, pode-se ver que royalties não são tributos devidos pela exploração de
bens da União. Royalties são compensações financeiras decorrentes da exploração desses
bens sendo, mais precisamente, receita corrente, de natureza patrimonial, referente aos órgãos
da União.
4. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E
DESENVOLVIMENTO: UMA REAL NECESSIDADE
Na atualidade, os recursos provenientes de royalties do petróleo são generosos,
todavia, não são eternos. Sendo um mineral, poderá algum dia ter suas jazidas esgotadas. É
necessário o comprometimento da população, a fim de que todos possam verificar a sua
aplicabilidade, a fim de gerar o verdadeiro desenvolvimento regional. Não adianta ter recursos
em quantidade, se esses mesmos recursos não forem aplicados para a que seja alcançado o
meio ambiente ecologicamente equilibrado, já que, sem ele, nenhum ser humano poderá
sobreviver condignamente, sendo necessários preparar as atuais e futuras gerações para o fim
da era petrolífera, encontrando outras formas de desenvolvimento, a fim de não venham a
viver em sua dependência. Nas palavras de Francisco Carrera:
Desvincular a sustentabilidade dos atuais entraves enfrentados pelas municipalidades não é tarefa aconselhável, mas alguns países em desenvolvimento ainda não avistam a sustentabilidade como uma solução para os seus problemas de desenvolvimento. Fatores sociais importantes como pobreza, qualidade de vida,
7 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 21. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.60. 8 Artigo 11, parágrafo 1º da Lei 4320/64.
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desnutrição, fome, dentre outros, não podem ser olvidados por estes países, e a política urbana há de conviver lado a lado com esses fatores. A Declaração de Hannover, de Presidentes de Câmara de Municípios Europeus na Viragem do século XXI, consagra como um de seus compromissos: “a implementação da Agenda XXI Local”, que também constitui poderoso elemento a integrar os processos de implantação da Cidade Sustentável. Nesta mesma Declaração, os dirigentes das municipalidades européias desenvolveram princípios e valores para a sustentabilidade em nível local, destacando especificamente que: “Estamos unidos pela responsabilidade de garantir no bem-estar das gerações presentes e futuras. Assim sendo, trabalhamos para proporcionar maior justiça e equidade social, reduzir a pobreza e exclusão social e melhorar a saúde e o ambiente em geral9”.
Pelo exposto, sustentabilidade é, talvez, a viga mestra para a redução das
desigualdades sociais, pois aí haveria diminuição da pobreza, o que acarretaria melhores
condições de vida e saúde, tão importantes para o alcance do tão sonhado desenvolvimento
regional.
5. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO:
CERTEZA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA. UTOPIA OU
REALIDADE?
É salutar destacar a importância do artigo 3º da Constituição Federal, que traz os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, os quais devem ser observados por todos os gestores
e ordenadores públicos de despesas:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
9 CARRERA, Francisco. Cidade sustentável; utopia ou realidade? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.3.
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Pelo exposto, um dos principais objetivos do Estado Democrático de Direito é erradicar a
pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, o que geraria o
desenvolvimento nacional. Diante das inovações trazidas pela nova Lei de Royalties do Petróleo,
Estados e Municípios não produtores passarão a receber, no tocante aos novos contratos
realizados, mais recursos. No entanto, não se pode dizer que mais recursos para o Estado ou o
Município, seja ele produtor ou não, levam a melhor distribuição de renda. Para que esse
objetivo seja alcançado, será necessária a correta aplicabilidade dos recursos provenientes de
royalties do petróleo, cada vez mais abundantes, face às descobertas da área que ficou denominada
pré-sal, o que poderá gerar um maior e mais acelerado desenvolvimento econômico, atendendo ao
disposto na Lei Maior e catapultando o Brasil, mais rapidamente à categoria de país desenvolvido,
saindo da eterna categoria de “país do futuro”.
É importante destacar as palavras de Humberto Theodoro Júnior:
O Estado democrático de direito, em seus moldes atuais, evita participar diretamente da produção e circulação de riquezas, valorizando, o trabalho e a iniciativa privados. É, com efeito, na livre iniciativa que a Constituição apóia o projeto de desenvolvimento econômico que interessa a toda a sociedade. Não é, contudo, a livre iniciativa, o único valor ponderável na ordem econômica constitucional. O desenvolvimento econômico deve ocorrer vinculadamente ao desenvolvimento social. Um e outro são aspectos de um único desígnio, que, por sua vez, não se desliga dos deveres éticos reclamados pelo princípio mais amplo da dignidade humana, que jamais poderá ser sacrificado por qualquer iniciativa, seja em nome do econômico, seja em nome do social10.
Assim sendo, royalties do petróleo podem representar valiosa fonte de recursos que podem ser
aplicados no real desenvolvimento econômico, social e ambiental, diminuindo as desigualdades
econômicas entre as pessoas, gerando distribuição de renda. Cabe ressaltar que, na atual legislação, é
proibida a sua utilização em pagamento de dívidas e de pessoal, o que reforça o seu caráter de fonte de
recursos que, se bem aplicados, poderão ser um alicerce poderoso ao desenvolvimento de um país.
É importante destacar a reportagem da revista VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de
agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo?
10 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.33.
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O AVESSO DO PROGRESSO: Canal que corta a favela de Nova Holanda, uma das que mais cresceram em Macaé: base de operações da Petrobras, a cidade atraiu empresas, universidades e hotéis de luxo, mas, sem nenhum planejamento para a nova era que veio para o pré-sal, assiste ao galopante aumento dos índices de criminalidade e favelização11.
É importante destacar que um número infindável de pessoas, atraídas pelas supostas benesses
de uma dita era de desenvolvimento econômico rápido e em larga escala, abandonam suas cidades, até
mesmo famílias, em busca de um futuro melhor, com melhor condição econômica e possibilidade de
ascensão social, sendo indispensável o planejamento estratégico.
Mais uma vez, é importante ressaltar a reportagem da revista VEJA retrocitada:
SOBRA DINHEIRO, FALTA SAÚDE: Campeão brasileiro em arrecadação de royalties, Campos dos Goytacazes, (...) é um exemplo de município que retrocedeu nos principais indicadores. Desde 2000, a situação de saúde ali despencou 1000 posições no ranking nacional. O neurocirurgião Eraldo Ribeiro Filho trabalha no maior hospital da cidade, onde se acumulam mazelas: há carência de leitos, chove na sala dos médicos e falta até material para a assepsia de pacientes. Cirurgias de emergência, só para quem espera mais de um mês na fila. “Ninguém viu a cor do dinheiro dos royalties por aqui”, lamenta o neurocirurgião12.
Não se pode esquecer que outro grande fator impeditivo da distribuição de renda é a
corrupção, tão arraigada em nosso país, que impede uma melhor distribuição de renda e riqueza, como
se pode ver, mais uma vez, através da retrocitada reportagem da revista Veja:
Outra das cidades na rota do pré-sal, Presidente Kennedy, no Espírito Santo, tornou-se palco tão escancarado dos desmandos com o dinheiro público que, em abril, a Polícia Federal prendeu o prefeito, seis secretários e quatro vereadores por contratações irregulares e fraude em licitações. Essa turma não demonstrava nenhuma cerimônia com as verbas oficiais: pagava conta de farmácia dos moradores, dava aos produtores rurais ração à vontade e bancava uma frota de tratores que prestava serviço às fazendas. Nomeado interventor, o ex-promotor Lourival Nascimento se assustou ao chegar ao município de 10 000 habitantes e encontrar as ruas de terra batida e tantas crianças fora da escola. Ele alerta: “Sem educação, o dinheiro do petróleo certamente escorrerá pelo ralo”. (grifo nosso).13
11 VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo, p. 109. 12
VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo, p. 111. 13
VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo, p. 111.
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Para que um país seja chamado de desenvolvido, torna-se indispensável o desenvolvimento
social, através de condições de melhores de distribuição de renda, capazes de garantir ao cidadão uma
vida honesta e digna, situação que deve se perpetuar, também, para o alcance das futuras gerações.
É importante citar as palavras de Antônio Augusto Cançado Trindade:
De que vale o direito à vida sem o provimento de condições mínimas de uma existência digna, se não de sobrevivência (alimentação, moradia, vestuário)? De que vale o direito à liberdade de locomoção sem o direito à moradia adequada? De que vale o direito à liberdade de expressão sem o acesso à instrução e educação básica? De que valem os direitos políticos sem o direito ao trabalho? De que vale o direito ao trabalho sem um salário justo, capaz de atender às necessidades humanas básicas? De que vale o direito à liberdade de associação sem o direito à saúde? De que vale o direito à igualdade perante a lei sem as garantias do devido processo legal? E os exemplos se multiplicam. Daí a importância da visão holística ou integral dos direitos humanos, tomados todos conjuntamente. Todos experimentamos a indivisibilidade dos direitos humanos no quotidiano de nossas vidas. Todos os direitos humanos para todos, é este o único caminho seguro para a atuação lúcida no campo da proteção dos direitos humanos. Voltar as atenções igualmente aos direitos econômicos, sociais e culturais, face à diversificação das fontes de violações dos direitos humanos, é o que recomenda a concepção, de aceitação universal em nossos dias, da inter-relação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos14.
É deveras importante destacar as palavras de Amartya Sen, citado por Laffayette Josué
Petter:
O crescimento econômico não é um fim em si mesmo. Ele tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhoria de qualidade de vida das pessoas e com as liberdades que elas podem desfrutar. (...) expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando este mundo15 (2008, p. 88).
Pelo exposto, é inquestionável que políticas públicas voltadas a investimentos na área de
infraestrutura, bem como planejamento estratégico e combate à corrupção, com política de melhorias à
14 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado, em palestra na IV Conferência Nacional de Direitos Humanos.
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/conferencias/dh/br/iiconferencia.html. Acesso em: 18 de dezembro de 2012. 15 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do
art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: revista dos Tribunais, 2008, p.88.
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empregabilidade e profissionalização, notadamente nas áreas envolvidas, inclusive quanto às pessoas
que chegam às áreas beneficiadas através de recursos provenientes de royalties do petróleo, gerando a
distribuição de renda e riquezas, incrementando o consumo, diminuindo as desigualdades econômicas
e sociais, voltadas ao real desenvolvimento humano.
6. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO:
EDUCAÇÃO PARA CONSUMO E MEIO AMBIENTE De gestão a gestão, houve diversas oportunidades para que o Brasil implementasse um
sistema educativo que o permitisse enfrentar os desafios da modernidade social e política. Recursos
existem, pois os contribuintes são pesadamente tributados, num país que, apesar de valores tão
volumosos, não consegue satisfazer as necessidades mínimas básicas, como saúde, educação,
segurança, transporte público, habitação e meio-ambiente sustentável. No entanto, até o presente
instante, há uma preocupação governamental excessiva com índices, sem realmente verificar se o
conteúdo do aprendizado entre os alunos é capaz de criar cidadãos críticos e conscientes, capazes de
refletir perante os anseios da sociedade de consumo, cada vez mais ávida por adquirir bens, sejam eles
necessários ou não.
Nas palavras de Antônio Carlos Efing:
Na medida em que o consumo consciente passa a ser exercido, o consumidor, além de efetivar seus direitos outorgados constitucionalmente, ainda melhora a qualidade dos produtos ou serviços ofertados no mercado. Assim, vários consumidores conscientes do impacto para o seu consumo e o meio ambiente (e logicamente para sua vida e para a vida das futuras gerações) irão escolher fornecedores que possuam responsabilidade socioambiental, o que é necessário para se atingir o almejado pelo art. 170 da Constituição Federal para a Ordem Econômica.O consumidor só poderá tornar-se agente capaz de interagir com o mercado de consumo a ponto de influenciar somente a manutenção de empresas sociambientalemente corretas, se for corretamente informado e educado. A conscientização crítica do consumidor demanda informações e sua educação para a adoção dos valores socioambientais tais como norteadores de suas decisões. Para isso, a atuação do Estado é necessária na medida de sua responsabilidade por tais atos (educação e informação). Além do Estado, a sociedade também é responsável pela propagação das práticas de consumo consciente, visto que a própria preservação do Planeta depende desta nova conduta. O consumo consciente tem efeitos imediatos na economia e no meio ambiente, como também surte consequências para as futuras gerações, de modo que se preserva o ambiente em que se vive para se ter qualidade de vida presente e a manutenção desta a longo prazo, saneando-se também o próprio mercado16.
16 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2012, p.126-127.
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Os recursos provenientes de royalties do petróleo são uma fonte que, se bem aplicada, poderão
ser uma solução para a falta de vontade política, gerando o atendimento das necessidades educacionais
da população brasileira, cada vez mais carente de informação de qualidade, que os façam questionar o
sistema de consumo, onde a política do “ter” tornou-se mais importante que a política do “ser”.
Nas palavras de José de Souza Martins:
As políticas econômicas atuais, no Brasil, e em outros países, que seguem o que está sendo chamado de modelo neoliberal, implicam a proposital inclusão precária e instável, marginal. Não são, propriamente, políticas de exclusão. São políticas de inclusão das pessoas nos processos econômicos, da produção e na circulação de bens e serviços, estritamente em termos daquilo que é racionalmente conveniente e necessário a mais eficiente (e barata) reprodução do capital. E, também, ao funcionamento da ordem política, em favor dos que dominam. Esse é um meio que claramente atenua a conflitividade social, de classe, politicamente perigosa para as classes dominantes.O homem deixa de ser o destinatário direto do desenvolvimento, arrancado do centro da história, para dar lugar à coisa, ao capital, o novo destinatário fundamental da vida. Isso torna os problemas daí decorrentes complicados e confusos em face de outros modelos de ver o mundo. Sobretudo porque os agentes, voluntários e involuntários, dessas políticas, podem oferecer e estão oferecendo suas próprias alternativas às vítimas do atual processo de desenvolvimento, que são as alternativas da coisificação e da adaptação excludente, da alegria pré-fabricada e manipulada 17.
Logo se pode ver que o ser humano tornou-se uma parte do círculo de consumo, fruto do jogo
de poder dos grandes detentores do poder econômico, ávidos por um mercado que absorva, sem
questionar, seus excedentes de produção.
7. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E
AUMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO: UMA ATITUDE
EQUILIBRADA?
O sistema reinante, na atualidade, é o capitalista, onde a filosofia dominante se ampara numa
premissa pouco coerente, ou seja, compre agora e pague depois, isto é, no mundo do crédito.
Na atualidade, bancos e instituições financeiras oferecem as mais variadas taxas de crédito,
para que as pessoas possam adquirir bens, resolvendo uma possível infinidade de desejos e problemas,
nem sempre tão reais. Em suma, a sociedade foi transformada numa sociedade de consumo, que se
alimenta de desejos de consumo, cada vez mais desenfreados e irracionais, onde a filosofia do negócio
17 MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003.
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ampara-se na premissa de que as necessidades nunca sejam satisfeitas, incitando o exército de
consumidores e, ao mesmo tempo, devedores, a contrair, cada vez mais, novos e maiores
empréstimos, para consumir seus novos sonhos, que não podem nem devem esperar para serem
satisfeitos. Caso não consigam pagá-los, porque têm que ser pagos, serão contraídos novos
empréstimos, numa ciranda que, assim, nunca irá acabar, levando o consumidor a um regime de
dependência e, talvez, espécie de escravidão.
Diante de tais fatos, pode-se dizer que os bancos e instituições financeiras não desejam que a
dívida seja paga; muito pelo contrário, o que desejam é que o cliente continue com débito, pois através
dele encontram sua principal fonte de lucros, por meio dos terríveis juros e, o que é ainda pior, de
forma constante e, quase sempre, crescente.
Mesmo com empréstimos e mais empréstimos, os bancos e instituições financeiras continuam
tendo lucros, no mínimo, invejáveis. Para eles, é muito mais interessante ter pessoas dependentes, ou
seja, consumidores desenfreados e cada vez mais devedores, escravos do sistema, pois fazer mais
dívidas é o único meio de salvação de dívidas anteriormente contraídas, evitando, como isso, possíveis
processos, inclusive de natureza judicial, para satisfação do crédito. Em suma, crédito gera
dependência que, diante ditas circunstâncias, fica praticamente impossível de sair.
E onde fica o papel do Estado no mundo do consumo? Ora, se os devedores não têm
condições de pagar os juros e a dívida aos bancos, vez que a ordem é consumir, sem se preocupar com
o depois, à procura da tão efêmera felicidade em adquirir bens, nem sempre duráveis, os consumidores
ainda ficam mais sacrificados, através dos impostos que são obrigados a pagar, decorrentes desse
endividamento.
Na situação atual, o estado é capitalista, garantindo a disponibilidade contínua de crédito, bem
como o conjunto de devedores vorazes por obtê-lo, mesmo que para isso custe uma infinidade de
juros, onde as pessoas tornaram-se clientes e devedores. Nesse sistema, a pobreza e a miserabilidade
são consideradas um crime, sem perdão ou condições de ressocialização, para quaisquer pessoas que
dele façam parte, onde a única solução salvadora é o crédito e, consequentemente, a ciranda do
consumo.
Como se pode ver, os recursos provenientes de royalties do petróleo aumentam
consideravelmente as receitas e, consequentemente, a cessão de crédito; no entanto, é necessário que
haja políticas públicas e projetos efetivos de aplicabilidade desses recursos, gerando a melhoria do
desenvolvimento humano, através de distribuição de renda e desenvolvimento social, com melhores
oportunidades de vida, para que se chegue a uma melhor condição de vida para as pessoas envolvidas.
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É urgente ressaltar que os recursos provenientes de royalties do petróleo não podem ser
catapultados como a fórmula mágica que porão fim a todos os problemas decorrentes da má
distribuição de renda e riqueza. Fazem-se necessárias políticas públicas e programas de
desenvolvimento econômico, que não se limitem a conceder bolsas, cujos beneficiários, nas condições
que o sistema se encontra, tornam-se fonte de transferência de recursos, sem qualquer compromisso
efetivo de real desenvolvimento econômico social.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Recentes decisões legislativas modificaram a legislação de royalties do petróleo, fruto do afã
de Estados e Municípios, através de seus representantes políticos, em receber maiores quantias, sob os
auspícios de que, como esses recursos, gerariam mais rápido e melhor o desenvolvimento econômico,
ambiental e social de suas áreas, por meio de melhor distribuição de renda, o que promoveria maior
facilidade de ascensão social e favorecimento do consumo, notadamente de bens indispensáveis à
melhores condições de vida.
Infelizmente, o que se pode evidenciar é que, em sua grande maioria, as cidades beneficiárias
de recursos provenientes de royalties do petróleo, embora pareçam um “oásis de desenvolvimento
econômico e social”, não possuem ou não utilizam os instrumentos necessários para que sejam
alcançados esses objetivos. O que se vê, em sua grande parte, é uma política desvirtuada de suas
verdadeiras funções, ou seja, que se preocupe com o bem-estar social; ao contrário, evidencia-se a
preocupação em ascender aqueles que fazem o seu sustentáculo político, mantendo fora da esfera de
benefícios a coletividade como um todo, excluindo um número exorbitante de pessoas.
São indispensáveis políticas públicas que promovam a verdadeira distribuição de renda e
riqueza a todos os seres humanos, a fim de que possam alcançar os benefícios do mercado de
consumo, através também da conscientização quanto à utilização desses recursos, a fim de as pessoas
não se tornem dependentes de um sistema de crédito, cada vez mais presente em nossos dias, que nos
induz a comprar o que não queremos e não precisamos, sob a premissa de que tais bens poderão nos
trazer melhores condições de vida e, talvez, felicidade instantânea, como se isso fosse verdadeiramente
possível.
É indispensável a formação de cidadãos críticos, que não se deixem levar aos constantes
apelos do mercado de excedentes de produção e consumo, que fornece crédito para a aquisição de
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bens, sob a ótica de que não é preciso esperar para usufruir de seus anseios, pois o crédito está aí,
disponível e farto, pronto para atender seus mais íntimos desejos.
Se não forem obedecidos tais critérios, cada dia mais crescerá o número de consumidores
despreparados e, cada vez mais, devedores de um sistema onde a ciranda de consumo é incentivada e,
para ser satisfeita, devem ser obtidos novos créditos, cada vez maiores e mais fáceis, onde o
consumidor enrola-se numa teia de quase impossível possibilidade de recuperação, onde o Estado
capitalista também é algoz, através da carga tributária, por detrás desses empréstimos.
Por fim, torna-se indispensável a prevenção quanto à chamada “doença holandesa”, presente
em alguns países detentores de grandes reservas petrolíferas, pois esta os torna dependentes das rendas
do petróleo, a ponto de quase estagnar os demais setores econômicos. Com isso, países gastam
desordenadamente seus recursos provenientes de royalties do petróleo em gastos supérfluos e bens
importados, além de criar burocracias tamanhas e sem sentido, deixando de investir maciçamente em
desenvolvimento sustentável e, consequentemente, social e econômico.
REFERÊNCIAS
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A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR ANTE A PUBLICIDADE NO MEIO DIGITAL THE PROTECTION OF THE CONSUMER AGAINST THE ONLINE
ADVERTISING
MAGALHÃES, Thyago Alexander de Paiva HAAS, Adriane
RESUMO O presente trabalho apresenta e discute o impacto da publicidade na sociedade de consumo atual, demonstrando, para tanto, a abrangência desta no meio eletrônico, assim como a dificuldade em se garantir que estas obedeçam às diretrizes que asseguram a defesa dos direitos dos consumidores, tendo em vista a complexidade de relacionar a publicidade ao fornecedor que a veicula no meio eletrônico. Diante dessa problemática, apresenta as normas já existentes a respeito da regulamentação da publicidade, assim como, uma possível solução, para conseguir, mais facilmente, fazer o relacionamento entre publicidade e fornecedor, conseguindo, desta forma, responsabilizar os fornecedores por possíveis vícios que apresentem a publicidade por eles veiculadas, evitando que os consumidores possam ser prejudicados. O objetivo deste trabalho é analisar as normas vigentes que a publicidade deve seguir para poder ser veiculada, assim como sua aplicação na prática, e sua eficácia quanto às propagadas no meio digital. Diferentemente dos demais meios, o digital necessita de uma fiscalização diferenciada, que consiga acompanhar seu dinamismo, a fim de assegurar que os direitos do consumidor estejam sendo devidamente respeitados. Como alternativa, o trabalho apresenta uma abordagem diferenciada na fiscalização, apontando como possível solução do problema que esta seja realizada no momento anterior a veiculação da publicidade, ao contrário daquela realizada após a sua veiculação como se vê hoje. PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor; Proteção do Consumidor; Publicidade Meio Digital. ABSTRACT This paper presents and discusses the impact of advertising on consumer society today, demonstrating, therefore, the scope of the electronic media, as well as the difficulty to ensure that they comply with guidelines that ensure the protection of consumer rights, and the complexity of relating to advertising provider that transmits it online. Faced with this problem, presents the existing rules regarding the regulation of advertisements, as well as a possible solution to achieve more easily the relationship between advertising and vendor, obtaining thus blaming suppliers for possible defects that present the ads aired by them, avoiding that consumers are harmed. The objective of this paper is to analyze the current regulations that advertising should follow to be conveyed, as well as its application in practice, and as to their effectiveness in the digital broadcast. Demonstrating that unlike other media, digital media requires a differentiated supervision, which can monitor its dynamism, in order to ensure that consumer rights are being properly respected. Alternatively, the paper presents a differentiated approach to surveillance, pointing to a possible solution of the
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problem that this is done in time before the placement of advertising, unlike that held after its placement as seen today. KEYWORDS: Consumer Law. Consumer Protection. Online Advertising.
1 INTRODUÇÃO
O assunto do referido trabalho é sobre a proteção do consumidor ante a publicidade
no meio digital, onde serão abordados os problemas enfrentados pelo consumidor e as
soluções para garantir que os seus direitos estejam sendo respeitados na publicidade veiculada
no meio digital, assim como analisará uma forma de fiscalizar e responsabilizar de forma mais
rígida os fornecedores que se utilizam deste meio.
Incontestável é o impacto da publicidade na sociedade de consumo atual. Com o
advento da internet, assim como a disponibilização de seu acesso em todas as classes sociais,
a publicidade se tornou ainda mais dinâmica, sendo que atualmente o consumidor vê-se
influenciado diuturnamente por intensa e hábil publicidade à aquisição de produtos.
Desta forma, é necessário assegurar que os direitos dos consumidores sejam
respeitados, garantindo os que seguem as normas previamente estabelecidas. Ocorre que, de
fato, é encontrada uma regulamentação eficaz quanto à publicidade veiculada em rádio,
televisão e impressos, sendo inclusive facilmente associada aos fornecedores que a
veicularam, não acontecendo o mesmo com relação à publicidade que circula no meio digital.
A internet é um meio muito difuso, podendo facilmente se realizar compras nos mais
diversos locais do globo, sem para isso, sem que o consumidor precise sair de seu domicílio.
O mesmo vale para o fornecedor, que pode hospedar seu site, assim como sua publicidade, em
qualquer localidade e colocar seus produtos e/ou serviços à disposição de quem queira no
mundo.
Assim, verifica-se que o fornecedor, fazendo uso dessa diversidade de opções quanto
à hospedagem de sites, pode veicular sua publicidade ocultando-a de seu site principal,
dificultando a conexão da publicidade veiculada com determinado fornecedor, tornando ainda
mais difícil sua responsabilização por possíveis vícios, imprecisões ou por conteúdo abusivo
ou enganoso.
Soma-se a isso o fato de que o meio digital é um meio muito dinâmico, que cria,
simultaneamente, necessidades ao consumidor a partir das diversas espécies de publicidade,
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induzindo-o a comprar produtos que sequer planejava, sendo então necessário obter uma
forma de controle eficaz para a proteção dos interesses do consumidor.
Ainda que a legislação atual faça essa proteção adequadamente, sua eficácia no meio
digital, como já citado, se vê prejudicada pela soma dos fatores mencionados anteriormente,
devendo, portanto, ser adotado um meio que possa agregar a eficiência demonstrada aos
demais meios de veiculação ao dinamismo apresentado pela internet.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo encontrar qual é a melhor forma de
assegurar que os direitos do consumidor sejam respeitados na publicidade de produtos
veiculada na internet.
Para tanto, pretende-se analisar as normas vigentes que incidem sobre a publicidade,
assim como sua aplicação na prática, e sua eficácia quanto às veiculadas no meio digital.
Desta forma, este artigo apresentará uma discussão sobre as atuais normas que regulam a
publicidade, debaterá a dificuldade apresentada na aplicação dessas normas no meio digital e
oferecerá uma hipótese para solucionar o problema.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Definições Sobre Publicidade e Consumidor
Inicialmente, deve-se conceituar o que se entende por publicidade, assim como o que
se entende por consumidor.
Giacomini Filho (1991, p. 15) em sua obra “Consumidor Versus Propaganda”,
conceitua: “Entende-se por publicidade ou propaganda, neste estudo, a forma de comunicação
identificada e persuasiva empreendida, de forma paga, através dos meios de comunicação de
massa.”.
Nos termos de Miragem (2010, p.159) entende-se por publicidade aquela que “se
realiza com o fim de estimular e influenciar o público em relação à aquisição de determinados
produtos ou serviços, o que em geral enseja que seja feita dentro do mercado de consumo”.
Sobre o assunto, ainda:
O comitê de definições da American Association of Advertising Agencies (AAAA) oferece a seguinte noção: “Publicidade é qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto de ideias, como de bens ou serviços, por um patrocinador identificado”. (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2010, p. 229).
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Segundo o Código Brasileiro de Autorregulamentação, publicidade é “toda atividade
destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover, instituições,
conceitos, ideias.”.
Esta pode ser considerada como anúncio veiculado por qualquer meio de
comunicação, visando atrair o consumidor para o ato de consumo (ANDRADE, 2011).
Braga Netto (2011) afirma que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 36
exige que a publicidade a ser veiculada deve ser realizada de modo claro, de forma que o
consumidor entenda que está diante de um anúncio publicitário, o que muitas vezes não
acontece na publicidade realizada pela internet.
Cabe salientar aqui, uma diferença entre publicidade e propaganda, que alguns
autores referem, interpretando que a publicidade teria a finalidade comercial e a propaganda,
uma finalidade ideológica, religiosa, política ou social (ANDRADE, 2011).
Giancoli e Araujo Junior (2011) afirmam que não há razões para tal distinção, pois a
própria Constituição Federal não o faz, pois se refere à propaganda e propaganda comercial
(art. 22, XXIX e art. 220, § 4º).
É certo que o Código de Defesa do Consumidor acabou adotando como referência
“publicidade”, mas tal distinção seria apenas uma discussão acadêmica.
Já no tocante às definições sobre consumidor, muitas são as variações, sendo no seu
sentido mais amplo: “(...) todo e qualquer ser humano, pois qualquer um tem possibilidade de
consumir algo...” (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 17).
Tal definição se mostra, inclusive, em consonância com a definição atribuída pelo
artigo 2° caput do Código de Defesa do Consumidor “Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”.
Este conceito é exclusivamente de caráter econômico, levando-se em consideração o
consumidor que adquire bens ou contrata serviços, como destinatário final, pressupondo-se
assim, que visou o atendimento de uma necessidade própria e não o desenvolvimento de outra
atividade negocial. (GRINOVER [et. al] 2007).
Sobre ser destinatário final e ainda por tratar-se de uma cláusula geral, cuja
interpretação deve ser dada pelo Poder Judiciário e a própria doutrina, estes atualmente
adotam a teoria do finalismo aprofundado, que demanda uma interpretação que engloba
inclusive os fornecedores que compram produtos e os inserem na sua produção, desde que se
denote a característica da vulnerabilidade.1
1 No mesmo sentido: “(...) dando ao bem ou ao serviço uma destinação final fática, a pessoa, física ou jurídica, profissional ou não, caracteriza-se como consumidora, pelo que dispensável cogitar acerca de sua
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Neste sentido entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça:
(...) A incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. - Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma, prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. - Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A “paridade de armas” entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido. (STJ, RMS 27.512/BA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/08/2009, DJe 23/09/2009).
Esta primeira definição trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, em verdade
se trata da definição legal ou standard, que é complementada por outras três definições de
consumidores equiparados, como a coletividade de pessoas que tenham intervido nas relações
de consumo, conforme parágrafo único do art. 2º do CDC; todas as vítimas de um evento de
consumo, a teor do que dispõe o art. 17 do CDC e ainda, todas as pessoas, expostas às práticas
abusivas nele previstas, conforme art. 29 do CDC2. Sobre o tema:
(...) o conceito de consumidor padrão, standard, o qual vai ser complementado por outras três definições, a que a doutrina majoritária qualifica como espécies de consumidores equiparados, uma vez que, independentemente de se caracterizarem como tal pela realização de um ato material de consumo, são referidos deste modo para permitir a aplicação da tutela protetiva do CDC em favor da coletividade, das
vulnerabilidade técnica (ausência de conhecimentos específicos quanto aos caracteres do bem ou serviço consumido), jurídica (falta de conhecimentos jurídicos, contáveis ou econômicos) ou socioeconômica (posição contratual inferior em virtude da magnitude econômica da parte adversa ou do caráter essencial do produto ou serviço por ela oferecido).” (CAVALIERI FILHO, 2010, p.55). 2 Art. 2º, parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
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vítimas de um acidente de consumo, ou mesmo de um contratante vulnerável, exposto ao poder e à atuação abusiva do parceiro negocial mais forte. (MIRAGEM, 2010, p. 81)
Com as definições supra já se pode perceber uma profunda ligação entre os dois
elementos a serem aqui estudados, publicidade e consumidor, podendo ainda ser dito que a
primeira figura não subsistiria sem o segundo.
Benjamin, Marques e Bessa (2010, p. 83) ressaltam que “o consumidor não é uma
definição meramente contratual (o adquirente), mas visa também proteger as vítimas dos atos
ilícitos pré-contratuais, como a publicidade enganosa, e das práticas comerciais abusivas,
sejam ou não compradoras, sejam ou não destinatárias finais”.
Não há de se olvidar que o foco adotado pela publicidade tenta tornar cada vez mais
efetiva a sua atuação:
A publicidade sempre teve sua ação contextualizada no marketing e sua atuação frente ao consumerismo não pode ser analisada fora do propósito mercadológico. (...) As primeiras experiências mercadológicas evidenciaram uma total orientação para o lucro e maximização dos insumos produtivos, ficando a questão social à margem das preocupações empresariais. Logicamente, a publicidade, como força a serviço da empresa, seguiu este balizamento e se estruturou para atender esta orientação. (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 85)
Deve-se ainda atentar aos estudos realizados a respeito da participação dos veículos
de comunicação na publicidade. Giacomini Filho (1991, p. 90) define esta como sendo:
“Televisão – 55,9%; Jornal – 18,1%; Revista – 15,2%; Rádio – 7,7%; Outdoor – 2,1%;
Diversos – 1,0%;”.
No entanto, deve-se lembrar que tais estudos do autor sobre o tema se deram no ano
de 1991, sendo possível que estas proporções sejam diferentes na atualidade, pois na época
ainda não se falava em publicidade no meio digital.
2.2 Impacto da Publicidade no Meio Digital e Influência para o Consumidor
De acordo com os dados fornecidos pelo site do IBOPE (2012): “A internet no Brasil
registrou crescimento de 7,2% no segundo trimestre de 2012, quando comparada ao mesmo
período de 2011, totalizando 83,4 milhões de brasileiros com acesso à rede, de acordo com o
IBOPE Nielsen Online.”.
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Não se pode deixar de associar esses números a consumidores, pois como abordado
no conceito anteriormente apresentado, “todo e qualquer ser humano” é um consumidor em
potencial.
Analisando os dados apresentados, ainda que a internet se mostre um mercado em
crescimento, a mesma possui uma parcela relevante do mercado publicitário. Não se pode
negar também que se trata, sem sombra de dúvidas, de um meio muito mais dinâmico que os
demais, devido à facilidade em se veicularem publicidade e promoções.
Logo, tem-se um crescimento de 7,2% de 2011 a 2012 no número de brasileiros
acessando a rede, tendo-se por consequência, um aumento proporcional no mercado
consumidor abrangido por esta.
Considerando ainda que se trata de um meio dinâmico com diversas espécies de
publicidade sendo veiculadas simultaneamente, tem-se um verdadeiro bombardeio de
promoções, produtos e informações a cada consumidor, sem, necessariamente precisar este
sair de sua residência, criando necessidades, impulsionando desejos e compras a estes que
sequer possuíam.
Giacomini Filho (1991) mostra que desde a publicação de sua obra, a facilidade de
acesso a informações e produtos por parte do consumidor, já era um fator importante,
afirmando que: (...) o consumidor destaca o caráter informativo da publicidade, através da qual fica sabendo de novos produtos, o que está na moda, atributos de artigos que pretende comprar etc. Citando Albisson: “o grande público deseja informar-se sacrificando o mínimo possível de dinheiro, de tempo, de esforços físicos e mentais”; ou seja, a leitura dos cartazes ou anúncios de outras mídias é uma maneira cômoda e barata de informa-se sobre muitos fatos. O Mappin, ao anunciar que está oferecendo a máquina de lavar roupa por um preço “X”, evita que o consumidor interessado vá a um outro local cujo preço jamais fosse igual ou inferior. (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 93)
Nos termos de Pugliese, apud Silva (2012), a publicidade na internet seria
“equivalente, do ponto de vista do usuário do comércio eletrônico, à sensação de mergulhar
em um cartaz, conhecer a estrutura organizacional, a situação financeira, o negócio da
empresa, os diversos produtos e até viabilizar o acesso a outras home pages (este é o negócio
das search engines) tudo em escala muito maior que outros meios de divulgação”.
Inegável, assim, a relevância do meio digital perante o consumidor, devido a sua
praticidade em disponibilizar acesso a um leque de anúncios, informações e produtos, muito
maior que o possível em outras mídias.
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2.3 Normas de Direito do Consumidor Referentes à Publicidade
O Código de Defesa do Consumidor dispõe em vários de seus artigos sobre a
publicidade, reconhecendo, inclusive, que a proteção do consumidor contra a publicidade se
trata de um dos direitos básicos deste, como mostra em seu artigo 6°, inciso IV quando
assegura que “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços” compõe um dos direitos básicos do consumidor.
Dessa maneira, em alguns de seus artigos seguintes, realiza uma série de disposições
a fim de assegurar a responsabilização dos fornecedores quanto aos mais diversos vícios que o
produto possa possuir, assim como danos que possa gerar, ou mesmo perigos que possam
trazer ao consumidor, como se observa nos artigos 18, 19, 20 e 30, todos do Código de Defesa
do Consumidor3.
Não considerando, ainda, isso como o suficiente para assegurar que o consumidor
estivesse devidamente protegido das lesões que a publicidade indiscriminada pudesse causar
aquele, o Diploma Legal dedicou uma seção inteira ao tema, o que se vê na Seção III “Da
Publicidade”.4
3 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária. Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária [...] Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. 4 SEÇÃO III Da Publicidade Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores
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De fato, as disposições encontradas no Código de Defesa do Consumidor, se
mostram deveras insuficientes para a proteção do consumidor, pois este não poderia apenas
propor os pontos a serem observados sem definir quem deveria observar.
Ainda, tais situações deveriam ser fiscalizadas. Para tanto, o próprio art. 55, § 1º do
CDC, admite que podem ser emitidas outras normas que se mostrem necessárias no tocante à
competência para se legislar:
Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. § 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias. [...]
Por fim, o legislador resolveu, ainda, a fim de punir aqueles que não seguem as
diretrizes estabelecidas nos artigos anteriormente citados, e estabelece sanções a serem
aplicadas nesses casos, o que fez nos termos dos artigos 63 a 69 do Código de Defesa do
Consumidor.5
Recentemente o legislador entendeu ser necessária uma reforma ao Código de Defesa
do Consumidor para que este mantenha sua eficácia nas relações de consumo, tendo em vista
as alterações que a sociedade sofreu com o advento do comércio eletrônico, onde foi
acrescentado ao projeto uma seção dedicada inteiramente ao tema “comércio eletrônico”,
como se vê na Seção VII intitulada “Do Comércio Eletrônico”6.
ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. 5 Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. [...] Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa. Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa: Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena Detenção de um a seis meses ou multa. 6 Seção VII Do Comércio Eletrônico Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais.
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Isto demonstra a preocupação com o consumidor frente às alterações que a sociedade
moderna e tecnológica trouxe para a sociedade de consumo, como consta no projeto com a
possível inclusão do art. 45-A:
Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico ou similar. Art. 45-B. Sem prejuízo do disposto nos arts. 31 e 33, o fornecedor de produtos e serviços que utilizar meio eletrônico ou similar deve disponibilizar em local de destaque e de fácil visualização: I - seu nome empresarial e número de sua inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda; II - seu endereço geográfico e eletrônico, bem como as demais informações necessárias para sua localização, contato e recebimento de comunicações e notificações judiciais ou extrajudiciais. III - preço total do produto ou do serviço, incluindo a discriminação de quaisquer eventuais despesas, tais como a de entrega e seguro; IV - especificidades e condições da oferta, inclusive as modalidades de pagamento, execução, disponibilidade ou entrega; V - características essenciais do produto ou do serviço; VI – prazo de validade da oferta, inclusive do preço; VII - prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto. Art. 45-C. É obrigação do fornecedor que utilizar o meio eletrônico ou similar: I - manter disponível serviço adequado, facilitado e eficaz de atendimento, tal como o meio eletrônico ou telefônico, que possibilite ao consumidor enviar e receber comunicações, inclusive notificações, reclamações e demais informações necessárias à efetiva proteção dos seus direitos; II - confirmar imediatamente o recebimento de comunicações, inclusive a manifestação de arrependimento e cancelamento do contrato, utilizando o mesmo meio empregado pelo consumidor ou outros costumeiros; III - assegurar ao consumidor os meios técnicos adequados, eficazes e facilmente acessíveis que permitam a identificação e correção de eventuais erros na contratação, antes de finalizá-la, sem prejuízo do posterior exercício do direito de arrependimento; IV - dispor de meios de segurança adequados e eficazes; V - informar aos órgãos de defesa do consumidor e ao Ministério Público, sempre que requisitado, o nome e endereço eletrônico e demais dados que possibilitem o contato do provedor de hospedagem, bem como dos seus prestadores de serviços financeiros e de pagamento. Art. 45-D. Na contratação por meio eletrônico ou similar, o fornecedor deve enviar ao consumidor: I - confirmação imediata do recebimento da aceitação da oferta, inclusive em meio eletrônico; II - via do contrato em suporte duradouro, assim entendido qualquer instrumento, inclusive eletrônico, que ofereça as garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação dos dados contratuais, permitindo ainda a facilidade de sua reprodução. Art. 45-E. É vedado enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que: I - não possua relação de consumo anterior com o fornecedor e não tenha manifestado consentimento prévio em recebê-la; II - esteja inscrito em cadastro de bloqueio de oferta; ou III - tenha manifestado diretamente ao fornecedor a opção de não recebê-la. § 1o Se houver prévia relação de consumo entre o remetente e o destinatário, admite-se o envio de mensagem não solicitada, desde que o consumidor tenha tido oportunidade de recusá-la. § 2o O fornecedor deve informar ao destinatário, em cada mensagem enviada: I - o meio adequado, simplificado, seguro e eficaz que lhe permita, a qualquer momento, recusar, sem ônus, o envio de novas mensagens eletrônicas não solicitadas; e II - o modo como obteve os dados do consumidor. § 3o O fornecedor deve cessar imediatamente o envio de ofertas e comunicações eletrônicas ou de dados a consumidor que manifestou a sua recusa em recebê-las. § 4o Para os fins desta seção, entende-se por mensagem eletrônica não solicitada a relacionada a oferta ou publicidade de produto ou serviço e enviada por correio eletrônico ou meio similar. § 5o É também vedado: I- remeter mensagem que oculte, dissimule ou não permita de forma imediata e fácil a identificação da pessoa em nome de quem é efetuada a comunicação e a sua natureza publicitária. II- veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem expressa autorização e consentimento informado do seu titular, salvo exceções legais.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais. Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico ou similar.
No entanto, o legislador não fez disposições que tratassem da publicidade no meio
digital. As disposições encontradas nesta nova seção a ser inserida no Código de Defesa do
Consumidor apenas tratam do próprio ato de se comprar e vender produtos por meio do
comércio eletrônico, não dando atenção, no entanto, para a publicidade veiculada neste meio.
Como citado anteriormente, as normas previamente estabelecidas pelo diploma de
fato são suficientes para assegurar os direitos do consumidor na publicidade veiculada. No
entanto, para garantir que estes direitos estejam de fato sendo respeitados, é necessário que se
faça uma fiscalização mais rigorosa.
Diferentemente dos demais meios, a internet necessita de um controle específico,
criado de uma forma que se consiga acompanhar seu ritmo e evolução, justamente em prol de
seu dinamismo e da quantidade de publicidade que bombardeia o consumidor de uma única
vez.
2.4. Lacuna quanto à Regulamentação da Publicidade na Internet
Sobre o controle da publicidade, o ordenamento jurídico adota o sistema misto,
englobando o sistema legal e o sistema privado (autorregulamentação):
No sistema legal, o Estado controla a atividade publicitária pela via administrativa (ex.: sanções aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor, nos termos do art. 56 do CDC) e pela via judicial (ex.: ação coletiva ajuizada para proibir a veiculação de publicidade abusiva, nos termos do art. 81, I, do CDC). Já no sistema privado os próprios envolvidos na atividade publicitária procuram regrar e sanear o setor, por meio da autorregulamentação. No Brasil, essa função é exercida pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que tem como instrumento de controle o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. (ANDRADE, 2011, p. 527).
Acontece que a atuação do sistema legal, bem como o privado, não atendem de
maneira ostensiva a publicidade veiculada na internet.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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O CONAR, pela própria definição que se dá em seu site é “uma ONG encarregada de
fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária”, devendo-se salientar
que este Código foi elaborado pela própria ONG.
No entanto, ela não possui o poder de legislar ou mesmo de criar normas técnicas
sobre o tema, já que se trata de uma entidade de direito privado. Como também citado no site
da instituição, quando se refere ao histórico da sua criação, o CONAR foi instituído por
representantes da classe publicitária como forma de se autorregulamentar, por medo de que o
estado implantasse regras à prática publicitária que censurassem a sua própria publicidade.
Essa instituição, ainda que desprovida do poder de legislar e sendo apenas um
“conselho de ética profissional”, estabeleceu uma série de artigos e súmulas, a respeito da
publicidade veiculada em território nacional, sendo frequentemente utilizados a fim de definir
se certa publicidade respeita ou não os direitos do consumidor, mostrando, até então, eficácia
em preservar os direitos do consumidor nos meios televisivo, radialístico e impresso, mas
infelizmente não podendo se dizer o mesmo da implementação no meio digital.
Desta forma, mais uma vez relembrando que as adições ao Código de Defesa do
Consumidor também não trazem disposições quanto à publicidade neste meio, vemos uma
lacuna no que diz respeito à fiscalização de maneira eficiente sobre a publicidade e
promoções que circulam livremente pela internet.
2.5 Dificuldade na Aplicação das Normas à Publicidade Veiculada na Internet
Como debatido no tópico anterior, diversas são as disposições feitas a respeito da
publicidade, assim como as diretrizes analisadas em cada publicidade a fim de apurar
irregularidades que possam vir a causar prejuízo ao consumidor. Quando considerados os
meios onde estas são veiculadas, ainda que precária em alguns aspectos, a norma se mostra
eficaz.
No entanto, o meio digital segue na contramão desta regra, pois o meio em si é
difuso, podendo facilmente se criar brechas que criem barreiras, algumas vezes
intransponíveis, na responsabilização de certo fornecedor à determinada publicidade.
Um fator a se observar no meio é a facilidade em se analisar dados do usuário, que
meramente está acessando a rede mundial de computadores a fim de lhe oferecer uma
publicidade que, devido a seu perfil, lhe gere interesse em consumir determinada gama de
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
67
produtos. Este é o caso que Silva (2012) mostra no seu artigo “A Publicidade Enganosa Via
Internet”, quando da análise dos “cookies” explica que:
(...) o chamado cookie é um arquivo de texto que, via de regra, é gravado no hard disk e utilizado pela memória RAM enquanto o internauta navega na Web. Deste modo, quando de sua primeira visita a um Website podem lhe ser formuladas perguntas que vão de seu nome a informes financeiros. Tais informações serão gravadas no cookie que será colocado em seu sistema para que sua futura navegação seja personalizada. (SILVA, 2012)
Quando cita “navegação personalizada”, o que se tem estabelecido é que a rede
através dos dados gravados nos “cookies” irá trazer àquele que acessa não só sites e
informações, mas também publicidade e produtos que encaixem em seu perfil, que não
necessariamente serão seguras ao consumidor. A esse respeito, continua o mesmo autor:
(...) a Internet tem como característica principal a de ser um meio de comunicação democrático, de livre e fácil acesso. Ali navegam pessoas de todos os tipos, inclusive crianças, às quais devem ser asseguradas práticas de publicidade pautadas pela lealdade, boa-fé, pela veracidade e clareza das informações. (SILVA, 2012)
Isto mais uma vez comprova a necessidade de se certificar que a publicidade
veiculada no meio digital respeita os direitos do consumidor. Ainda que hajam diretrizes
muito específicas cunhadas com esse intuito, como citado anteriormente, a internet é um meio
que, diferentemente dos outros, torna a eficácia destes meios deficitária, por ser de difícil
fiscalização.
Silva (2012) também cita a liberdade e o fácil acesso como características principais
da internet, e são justamente essas características que apresentam o problema.
Anteriormente foi demonstrado que a maior atuação na “fiscalização”, por assim
dizer, no campo da publicidade parte do CONAR. No entanto, este não apresenta eficácia
plena.
Giacomini Filho cita, já em 1991, os problemas que a instituição apresenta, quando
diz que:
Muitos seguimentos discutem a legitimidade do CONAR perante a sociedade, pois para muitos ele representa o ponto de vista dos publicitários e não da sociedade em relação à conduta ética do setor. (...) Um problema, porém, tem ocorrido: mesmo que anunciante e veículo atendam à decisão do CONAR, e isso realmente tem ocorrido, o anúncio lesivo terá deixado sua mensagem junto ao público. Há, inclusive, agências que em certos períodos buscam uma censura do CONAR para valorização e o aumento da audiência do anúncio ou sua polemização, tal como ocorre com a censura de filme ou peça teatral. (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 103-104)
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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Pode-se facilmente trazer essas críticas para a atualidade, o que causa ainda mais
espanto, pois antes do advento do meio digital ao se sustar certa publicidade, a menos que se
guardassem recortes de revista ou jornais, ou mesmo que se gravasse em VHS, dificilmente,
ainda que o citado gerasse polêmica, haveria acesso a ele. Após o advento da internet, no
entanto, aquele que gerou a polêmica pode facilmente ser acessado por meio dos mais
diversos sites encontrados na rede, por milhares de consumidores desprotegidos.
Como citado pelo próprio Giacomini Filho (1991), já naquela época algumas
agências procuravam por essa valorização e aumento de audiência de suas campanhas, não
sendo diferente hoje, podendo-se inclusive dizer que com a facilidade encontrada no acesso a
esses anúncios publicitários, mesmo naqueles vetados de serem reproduzidos na mídia
impressa e televisiva, essa prática se tornou uma constante ainda mais nociva, pois ainda se
poderá ter acesso a essas campanhas por meio da internet.
Desta forma, ainda que as mais diversas normas sejam estabelecidas, parece que o
risco se mostra eminente, tendo em vista a ineficácia na fiscalização, pois mesmo uma
exibição de 2 minutos em rede aberta de televisão, rádio, ou mesmo uma nota de roda pé em
revista ou jornal, pode ser acessada quantas vezes cada um dos atuais 83,4 milhões de
usuários (IBOPE) da rede em território nacional.
2.6 Competência para fiscalização
A lesão apresentada até então, de fato assombra os consumidores, mesmo aqueles
meramente potenciais. Quando se pensa, então, que o risco de dano por ela causado não
cessará simplesmente tentando remover o acesso a esta, tendo em vista a complexidade do
meio digital, a ideia parece ainda mais aterradora.
Ademais, não só os consumidores sofrem com ela, “interessa também aos
fornecedores, que se valem da rede como forma de incremento de vendas de bens e serviços, a
vigilância constante contra esse tipo de publicidade, prejudicial não só aos consumidores, mas
também à boa e leal concorrência entre fornecedores”. (ULHOUA, 2012).
Pode-se ainda acrescentar a essas palavras as de Paulo Vasconcelos Jacobina (1996,
p. 87) "Extracontratualmente, ou até supracontratualmente, o controle da publicidade tem uma
característica muito forte de tutela dos interesses difusos, e portanto, tem um caráter abstrato,
e independe de eventuais lesões a interesses individuais, contratuais ou não".
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
69
De fato, a fiscalização da publicidade já publicada se mostra ineficiente à medida que
encontra suas limitações. Então, surge o questionamento de como sanar esta problemática.
Se a fiscalização se mostra ineficiente após a veiculação, por que não fazer um
controle prévio? No entanto, deve-se atentar à competência para a realização dessa
fiscalização, para então, poder se questionar como a realizar.
A Lei nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999, que dispôs sobre as competências do
Conmetro e do Inmetro claramente dispõe em seus art. 3°, inciso IV, alínea “d”, que será
destes a competência para exercer o poder de polícia administrativa, expedindo regulamentos
técnicos nas áreas de avaliação da conformidade de produtos, insumos e serviços, desde que
não constituam objeto da competência de outros órgãos ou entidades da administração pública
federal, inclusive quanto aos casos de prevenção de práticas enganosas de comércio.
Pelo exposto, verifica-se que o Inmetro seria, portanto, competente para realizar essa
fiscalização de maneira mais eficaz, tendo em vista que poderia de fato estabelecer normas
com força de lei, contribuindo desta forma para uma maior efetividade daquelas já dispostas
no Código de Defesa do Consumidor.
Poderia ser questionado o ponto que o inciso do citado artigo fala “desde que não
constituam objeto da competência de outros órgãos ou entidades”, mas como já devidamente
esclarecido, o tema atualmente tem sido “fiscalizado” pelo CONAR, o que já foi apontado
como possuidor de eficácia limitada, deficiente e, como também já debatido, se trata de uma
ONG, que atua meramente como um conselho de ética formado por profissionais da área,
logo, não apresentando óbice à competência estabelecida pela Lei nº 9.933, de 1999.
2.7 Alternativa Segura: Selo de Qualidade
Seguindo o raciocínio, foi estabelecido quem poderia realizar a fiscalização de forma
mais eficiente do que aquela atualmente aplicada, agora deve ser retomada a indagação feita:
“Se a fiscalização se mostra ineficiente após a veiculação, por que não fazer um controle
prévio?”.
Uma maneira de realizar tal controle eficientemente pode ser encontrado analisando
a própria autarquia competente. Esta, como conhecida pelo público em geral, emite selos de
qualidade em produtos, assegurando que estes são seguros ao consumo.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
70
Ora, poderia também se atribuir esse sistema à publicidade, emitindo-se selos. Não
um selo restritivo, com intuito de censura, mas sim um selo de qualidade, em que o
consumidor ao localizá-lo em uma publicidade pudesse ter a certeza de que nela seus direitos
estariam sendo devidamente respeitados.
Como a lesão provocada pela publicidade indevida gera um dano tão difícil de
prevenir por ser causado pela divulgação (ainda que pequena), este seria um meio de ao
menos minimizar possíveis danos.
Desta forma, o selo adotaria atuação similar ao selo já emitido pela autarquia, apenas
necessitando, para tanto, que a publicidade fosse previamente submetida a um controle pela
instituição, para que esta fizesse a análise em busca de irregularidades. Não as encontrando,
lhes atribuiria então seu selo de qualidade, liberando na sequência, a publicidade para que
fosse veiculada.
Poderia se discutir que o meio publicitário é dinâmico, não dispondo, assim, de
tempo para que tal controle fosse realizado, devido à demanda das campanhas publicitárias.
No entanto, as próprias campanhas podem, aqui, fazer o contraponto, pois estas não nascem
do dia para a noite. São, em verdade, fruto de um trabalho anterior, pensado e repensado, a
fim de que esta atenda todas as demandas dos clientes.
Logo, o envio da campanha para que receba o selo de qualidade, que vale salientar,
traria benefícios não apenas ao consumidor, por saber que seus direitos estariam sendo
resguardados, mas também o fornecedor, veiculador da publicidade, por ter no selo prova
cabal de que este não violou nenhum direito do consumidor, e de que não haveria prejuízo
para a campanha em si.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescimento do meio digital mostra cada vez mais, sua importância no mercado de
consumo, tendo em vista que seu advento permitiu uma nova gama de relações de consumo
não mais impossibilitadas de ocorrerem por distância física, ou mesmo pelo não
conhecimento do produto “x”, ou da marca “y”.
Atento a este fator, o Código de Defesa do Consumidor, procura constantemente se
atualizar quanto à questão, trazendo normas melhor adaptadas à situação fática, a fim de
proteger o consumidor da melhor maneira possível.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
71
No entanto, quando o citado código trata de publicidade, esquece-se de fazer a
diferenciação fundamental do meio digital aos demais, tendo em vista que este se apresenta
muito mais dinâmico, e que a publicidade divulgada neste permanece acessível ao consumidor
por muito mais tempo do que nas demais mídias, o que torna impraticável a aplicação de
determinados artigos naquele estabelecidos.
Assim, tem-se a internet como um campo não devidamente abrangido com relação à
publicidade em específico pelo Código de Defesa do Consumidor, havendo apenas normas
elaboradas pelo CONAR, que nada mais é do que um conselho de ética profissional privado,
versando sobre o tema, não dando toda a garantia e proteção ao consumidor que o meio digital
exige.
A dificuldade em se aplicar as normas existentes à publicidade veiculada na internet
se faz clara, principalmente quanto ao dano gerado por aquele fornecedor que não atende as
normas existentes, que não presta a informação adequada, pois diferentemente daquela vista
em outras mídias, sua completa remoção não se mostra possível, podendo, desta forma, ainda
continuar lesando o consumidor.
Assim a inversão da abordagem, ao se sugerir que seja aplicada uma fiscalização
rígida anteriormente à veiculação da publicidade na mídia em questão, contrariando a prática
atual, que consiste na fiscalização posterior à veiculação, se mostra como uma forma mais
adequada e eficaz para evitar possíveis danos que venham a ser causados aos consumidores.
O maior óbice a esta abordagem apontada como solução na fiscalização, seria a
criação de um órgão ou autarquia para fazê-lo, e este pode ser sanado pelo Inmetro, pois a lei
já dispõe sobre a sua competência, que poderia também abranger a publicidade no meio
digital. Logo, a prática sugere a implementação de um selo de qualidade, que poderia
facilmente ser adotado pela autarquia, que já possui prática similar no sistema atual, com
relação à qualidade dos produtos.
O consumidor, inclusive, já provou a eficácia da utilização de um selo emitido pela
autarquia quanto ao produto a ser consumido, o que se denota que facilmente poderia
estabelecer um segundo selo, desta vez em relação à publicidade do produto/serviços
veiculados na internet, e também apresentaria uma eficácia no mínimo semelhante, corrigindo
a lacuna existente e dando poderes a um órgão fiscalizador para fazer com que se cumpra a
garantia constitucional de proteção ao consumidor.
REFERÊNCIAS
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
72
ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. Rio de Janeiro: Forense, Método, 2011. BENJAMIN, Antônio Herman. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro. Ed. Forense Universitária, 1992. BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Claudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2010. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. 6ª ED. Salvador: Edições Juspodivm, 2011. BRASIL, Projeto do Código de Defesa do Consumidor. Pesquisado em 20 de Setembro de 2012. Disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/codconsumidor/default.asp>. ______. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. ______. Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. ______. Lei nº 9.933/1999. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9933.htm>. ______. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RMS 27.512/BA - 3ª T. - Rel. Ministra Nancy Andrighi - DJe 23/09/2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=27512&b=ACOR>. Acesso em 15 de outubro de 2012. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2ª ed., 2010 CONAR. Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. História. Disponível em: <http://www.conar.org.br>. Acesso em 10 de Outubro de 2012. ______. Legislação. Disponível em: <http://www.conar.org.br>. Acesso em 10 de Outubro de 2012. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. São Paulo: Summus, 1991. GIANCOLI, Brunno Pandori; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio. Difusos e coletivos: direito do consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 (Coleção elementos do direito, v. 16). GRINOVER, Ada Pelegrini, [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 9ª ed.; Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
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JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A Publicidade no Direito do Consumidor. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1996. KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do Consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. São Paulo: Atlas, 2ª ed., 2005 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1ª ed., 2008. SILVA ULHOA, Daniel da (2003). A publicidade enganosa via internet. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/3796/a-publicidade-enganosa-via-internet>. Acesso em 10 de Outubro de 2012.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
74
A PUBLICIDADE COMO INFLUÊNCIA NEGATIVA PARA A SOCIEDADE
CONSUMERISTA E A IMPORTÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
ADVERTISING AS A NEGATIVE INFLUENCE ON CONSUMERIST SOCIETY AND
THE IMPORTANCE OF HORIZONTAL EFFECTIVENESS OF FUNDAMENTAL
RIGHTS IN CONSUMER RELATIONS
Karina Pereira Benhossi1
http://lattes.cnpq.br/8422258752882441
Zulmar Fachin2 http://lattes.cnpq.br/8640721822545057
RESUMO: O objetivo do texto é refletir acerca das relações consumeristas advindas da pós-modernidade e a predominante cultura do consumo que prevalece na sociedade contemporânea. Nesse contexto, discute-se a publicidade como peça-chave para influenciar o consumo exacerbado vivenciado na atualidade, sobretudo no aspecto que envolve a ocorrência de publicidades enganosas e abusivas, veiculadas pelos meios de comunicação, o que atinge todos os consumidores indistintamente, ofendendo-os com a divulgação de conteúdos depreciativos e apelativos, bem como os induzindo a erro, por meio de técnicas que mascaram a veracidade da informação, como forma de persuadir esta parte presumidamente vulnerável nas relações de consumo. Tais relações são, em regra, formalizadas por entes particulares, onde o consumidor, por consequência, tem seus direitos fundamentais violados. Percebe-se que o tema está localizado no campo da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, os quais devem incidir nas relações de consumo de maneira a coibir a ocorrência de publicidades enganosas e abusivas em detrimento dos consumidores que merecem respeito e proteção. PALAVRAS-CHAVE: Publicidade; Consumidor; Relações de Consumo; Eficácia Horizontal; Direitos Fundamentais.
ABSTRACT: The goal of this text is to reflect on the consumerist relations that comes from postmodernity and the prevailing consumer culture that prevails in contemporary society. In this context, is discussed advertising as key to actuate the exaggerated consumption experienced nowadays, particularly in the aspect that involves the incidence of misleading and unfair advertising propagated by the media, which reaches all consumers indistinctly, offending them through the disclosure of deprecating and appealing contents, as well, misleads them using techniques that mask the truth of the information, as a way of persuading
1 Mestranda em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – CESUMAR. Graduada em Direito pela mesma instituição. Advogada. Endereço eletrônico: <[email protected] > 2 Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Docente de Direito Constitucional no Mestrado do Centro Universitário de Maringá – CESUMAR e na Universidade Estadual de Londrina; Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Presidente do IDCC - Instituto de Direito Constitucional e Cidadania. Endereço eletrônico: <[email protected]>.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
75
this part presumably vulnerable in consumer relations. Such relationships are usually formalized by private ones, where the consumer consequently has their fundamental rights violated. It’s noticed, that theme is located in the field of horizontal effectiveness of fundamental rights, which must focus on consumer relations in order to curb the occurrence of misleading and abusive advertising in detriment of consumers who deserve respect and protection. KEY WORDS: Advertising; Consumer; Consumer Relations; Horizontal Effectiveness; Fundamental Rights.
INTRODUÇÃO
Após profundas mudanças vivenciadas pela sociedade, é evidente uma característica
marcante na atual era pós-moderna, o que simboliza um marco na história da sociedade: o
capitalismo expressado pelo consumismo ilimitado.
Vive-se um período onde se vislumbra uma evidente supervalorização da cultura do
consumo. Por mais que em determinado momento da história, em algum lugar do mundo, as
relações de consumo e a aquisição de bens e serviços fossem frequentes, no direito
contemporâneo nunca se viu tanta ênfase em se cultivar o poder de “ter” em detrimento do
“ser”.
Nesse perfil consumerista, verificar-se-á que é notório o papel significativo da
publicidade como forma de influenciar a conduta consumerista, haja vista a intensa
necessidade de alimentar o capitalismo que promove a competitividade entre as marcas e
exige a publicidade persuasiva na divulgação de determinado produto ou serviço.
Por tais motivos, procurar-se-á identificar que o grande problema é a forma como a
publicidade é realizada, visto que, para atingir os objetivos esperados, fornecedores
extrapolam os limites de uma publicidade lícita e tolerável, utilizando-se de técnicas
enganosas ou conteúdos abusivos, apelativos, depreciativos e consequentemente ofensivos às
pessoas.
Em função da própria evolução tecnológica, notadamente pelos meios de comunicação
rigorosamente modernos e sofisticados, não há como mensurar o público alvo de toda
publicidade. Logo, diante da presumida vulnerabilidade do consumidor, buscar-se-á discutir o
problema da publicidade que aflige toda a sociedade, manipulando os consumidores de forma
negativa, tendo em vista a diversidade de pessoas expostas a todos os meios de comunicação,
com total acesso às publicidades, sejam elas lícitas, apelativas, enganosas ou abusivas.
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1 A ATUAL SOCIEDADE CONSUMERISTA E A VULNERABILIDADE DO
CONSUMIDOR
Atualmente vive-se um período da história cujo ato de consumir tornou-se algo
“obrigatório” ou no mínimo um comportamento gradativamente imposto pela sociedade
materialista que tanto privilegia o status do poder de consumir.
Não basta a evolução natural do percurso da tecnologia, visto que o homem atual
necessita desafiar o processo de criação, o que culmina numa preocupação muito maior.
Nesse sentido, o ser humano se faz escravo do consumo, crendo no seu prazer e na felicidade
gerada por tal ato, que contrariamente resulta numa farsa, porque afasta o homem de sua
própria essência, que realmente pode lhe promover felicidade3.
Há uma real tendência em adquirir o novo e o moderno, em contraposição àquilo que
já se tornou "velho" ou "ultrapassado". Essa não é apenas uma característica da atual
sociedade, pois, “o consumo não é um ‘dado’, é um fenômeno social e histórico. Ele é
produto de um longo processo histórico que marca a passagem do feudalismo para o
capitalismo4”.
O mercado, de modo geral, oferece inúmeras opções de escolha dos mais variados
tipos de produtos e serviços, o que induz sobremaneira o desejo do consumidor em possuir,
adquirir ou usufruir de algo. Além disso, há uma considerável interferência da economia
internacional, que reflete de forma determinante a evolução do consumo em massa:
A criação das corporações transnacionais de direito privado, algumas vezes desenvolvendo esquemas de dominação monopolista do mercado, a complexidade dos novos produtos lançados, a pluralidade de produtos e serviços destinados aos mesmos fins, a intensa veiculação publicitária destacando vantagens relativas ao preço ou à qualidade dos bens anunciados (muitas vezes envolvendo mensagens conflituosas), as novas e agressivas técnicas de venda foram determinantes da evolução5.
3 Nesse contexto, evidencia-se a preocupação com o homem, destacada com a ideia de Alessandro Severino Vallér Zenni: “A modernidade desafia o homem a procurar imitar o Criador a partir da razão, até por ela ser seu atributo na criação do mundo inteligível. Nesta empreitada esteve tão fascinado com o poder de criação que culminou por enxergar-se absorto em processo consumista, aparentemente aprazível, controlado e movimentado por pequena parcela social; paradoxalmente sente-se angustiado, tornou-se anódino e escravo, distanciado de si mesmo”. ZENNI, Alessandro Severino Vallér. A crise do direito liberal na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006, p. 19. 4 VIANA, Nildo. A sociedade consumista. Jornal da UFG, Ano V, num. 37, junho de 2010, p. 15. Disponível em: http://www.ufg.br/uploads/files/Jornal_UFG_37_low.pdf. Acesso em 18 Nov. 2012. 5 CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 22.
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Eis a cultura que paira sobre a sociedade no momento, ou pelos menos em locais em
que o acesso à publicidade e a veículos de comunicação são rápidos e fáceis. Registre-se,
nessa perspectiva, que a maior parte da população consumerista ignora fatores primordiais em
relação a excelência e qualidade do trabalho publicitário, coadunando-se muitas vezes com o
que a mídia expõe, o que pode ferir inevitavelmente os direitos fundamentais e a dignidade da
pessoa humana.
Ao falar em publicidade, sobretudo no tocante à sua ofensa a direitos fundamentais,
evidentemente remete-se à dignidade humana, cuja correlação se dá pelo fato de que em cada
direito fundamental há ao menos uma projeção da dignidade humana. Portanto, ao ofender um
direito fundamental, indiretamente também se agride a dignidade da pessoa humana. Nesse
sentido, Ingo Wolfgang Sarlet propõe que
[...] a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que ‘atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais’, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade6.
Estando na iminência de ofender direitos imprescindíveis ao ser humano, torna-se
clara a importância do tema que diz respeito à publicidade, bem como a necessidade de se
discutir os motivos e as circunstâncias que apontam os consumidores para a direção do
abismo, isto é, na crença e aceitação de uma publicidade por vezes enganosa e abusiva que os
levam ao prejuízo.
É notório o desequilíbrio7 vislumbrado nas relações de consumo, o que possibilita a
ocorrência de negócios onde o consumidor agrega apenas prejuízos em compactuar com as
regras do mercado, movido a um forte desejo de consumo do qual a sociedade faz existir e
prevalecer sempre nas relações consumeristas.
6 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 94. 7 Quanto a chamada vulnerabilidade, importante registrar o comentário de José Geraldo Brito Filomeno: “No âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro”. FILOMENO, José Geraldo Brito. In: GRINOVER, Ada Pelegrini ET AL. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 62.
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Vive-se um momento em que determinados valores encontram-se invertidos. Há uma
supervalorização das coisas fúteis, olvidando-se dos valores que realmente deveriam ter a
devida importância. Exalta-se muito mais a qualidade do “ter” do que a característica do
“ser”8. Uma pessoa é muito mais reconhecida por aquilo que ela tem e pelo que pode adquirir,
isto é, por seu status de poder, do que pela sua formação ou pelo que defende e acredita.
Infelizmente, a sociedade impõe padrões em que se delineiam comportamentos muitas vezes
contrários até ao desejo pessoal do consumidor, que na verdade age por impulso da sociedade.
Para corroborar, ensina Carlos Alberto Bittar:
Na ânsia de prover a exigências pessoais ou familiares – portanto, sob pressão da necessidade –, os consumidores têm sua vontade desprezada, ou obscurecida, pela capacidade de imposição de contratação e, mesmo, de regras para a sua celebração, de que dispõem grandes empresas, face à força de seu poder negocial, decorrente de suas condições econômicas, técnicas e políticas. A vontade individual fica comprimida; evidencia-se um descompasso entre a vontade real e a declaração emitida, limitando-se esta à aceitação pura e simples, em bloco, do negócio (contratos de simples adesão)9.
Num contexto onde o consumidor é totalmente influenciado para a aquisição não só
daquilo que é inútil, mas também do que é absolutamente desprezível, é que se constata que
os problemas envoltos a tal situação são muito maiores do que se imagina. A publicidade por
vezes, “sob a falsa promessa de geração de felicidade, de pertença na sociedade, forçam os
sujeitos desprovidos de capacidades financeiras imediatas a tomarem cada vez mais créditos
para se substancializarem10”, fazendo com que consumidores suportem sempre mais o ônus de
despender com aquilo que muitas vezes não pode.
Partindo dessa ótica, é consequente a inferência vislumbrada no comportamento
humano, que associa a cultura do consumo com o prazer e a felicidade. Consoante a ideia de
8 Acerca da defesa dos consumidores, explana Luis M. Cazorla Prieto, nas palavras de José Afonso da Silva: “A defesa dos consumidores ‘responde a um duplo tipo de razões: em primeiro lugar, razões econômicas derivadas das formas, segundo as quais se desenvolve, em grande parte, o atual tráfico mercantil; e, em segundo lugar, critérios que emanam da adaptação da técnica constitucional ao Estado de coisas que hoje vivemos’, imersos que estamos na chamada sociedade de consumo, em que o ‘ter’ mais do que o ‘ser’ é a ambição de uma grande maioria das pessoas, que se satisfaz mediante o consumo”. GARRIDO FALLA, Fernando, e outros. Comentários a la constitución, Madrid: Revista de Occidente, 1981, p. 849, apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 263. 9 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 2. 10 EFING, Antônio Carlos; STACZUK, Bruno Laskowski. Maximização da eficácia do direito fundamental de defesa do consumidor: uma medida necessária para a promoção da sustentabilidade social constitucional na pós-modernidade. In: XX Encontro Nacional do CONPEDI, 2011, Vitória. Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI Vitória/ES, 2011, p. 8437.
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Alessandro Severino Vallér Zenni, “o agravamento do problema se deu pela tecnologização
dos sistemas criados pela razão na empreitada de ‘elevação humana’, e a globalização de uma
cultura de consumo tendo no útil o valor milagroso para satisfação do anseio de felicidade do
homem11”, ou seja, a felicidade está implicitamente ligada a condição de consumo, o que
prejudica ainda mais a vulnerabilidade do consumidor.
Além disso, há uma crescente demanda de consumo ainda sem a estrutura mínima para
comportar o descarte de toda a matéria inutilizável, que eventualmente pode trazer sérios
danos ao planeta. Por isso, torna-se necessário reaver comportamentos extremamente
importantes para o crescimento e a preservação da sociedade, da qual as relações de consumo
estão no centro dos fatores que mais intensificam a cultura da degradação ambiental.
Diante de um panorama em que a sociedade se intitula como de “consumo”, é notório
o fato de que inúmeros são os tipos e as formas de veiculação da publicidade, o que leva à
premissa de que tal publicidade pode chegar a todos os lugares do planeta, atingindo todas as
pessoas que possuem qualquer acesso à informação. Logo, diante da disparidade de formação,
experiência e atenção dos consumidores em geral, determinadas publicidades podem
influenciar de forma positiva ou negativa, dependendo de quem for o receptor da mensagem
publicitária.
Quando se fala em relações de consumo, automaticamente se insere a ideia de
vulnerabilidade do consumidor, que diante de um comércio tão acirrado que detêm todas as
artimanhas para uma publicidade persuasiva, utilizando-se da linguagem por vezes complexa
para a exposição de produtos e serviços não comuns, deixa o consumidor em posição de
desvantagem, colocando-o propenso ao consumo das tendências do comércio.
Na visão de Paulo Salvador Frontini,
[...] ressalvados objetos simples, de uso comum e de conhecimento geral, houve crescente incorporação das mercadorias e dos serviços de componentes técnicos e tecnológicos cujo conhecimento, compreensão e apreensão fogem ao alcance do adquirente. Disso resulta o fator chamado vulnerabilidade do consumidor, totalmente exposto ao predomínio da oferta da mercadoria ou do serviço, ou, em termos legais, dependente da boa-fé objetiva e subjetiva deste último12.
11 ZENNI, Alessandro Severino Vallér. A crise do direito liberal na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006, p. 14.
12 FRONTINI, Paulo Salvador. Acesso ao consumo. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 209.
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Nessa massificação das práticas comerciais, diante de consumidores notadamente
vulneráveis, o que se vislumbra é a concorrência acirrada dos fornecedores, por um espaço no
mercado de consumo, sejam quais forem as negativas consequências sofridas pelos
consumidores. Por este caminho, o consumir, pois,
[...] está aberto a todos. O indivíduo não precisa ser rico, não precisa ser nobre, não precisa ter título de doutor, porque a marca do sucesso não é mais nem o ser e nem o saber. Todos estão convidados a consumir inutilidades que aparecem no mercado, desnecessidades, supérfluos, em geral13.
Logo, ressalta-se a importância do Código de Defesa do Consumidor, que preserva
todos os direitos básicos no âmbito das relações de consumo, bem como sustenta a garantia de
que o consumidor tenha acesso à informação e que ela seja adequada. Verifica-se a
necessidade de proteger o consumidor sob todos os aspectos, a fim de que ele possa não sofrer
os prejuízos advindos de uma sociedade extremamente consumerista. Nas palavras de João
Luiz Barboza,
Neste contexto de consumismo exacerbado, a importância do CDC ganha relevo, e o fornecedor deverá preocupar-se com determinados direitos textualmente garantidos ao consumidor. A informação adequada se constitui em seu direito básico, como decorrência da sua vulnerabilidade legalmente presumida14.
Na seara da publicidade, é possível constatar a ocorrência de inúmeros prejuízos ao
consumidor, vítima dos exageros publicitários, que por meio de publicidades enganosas e
abusivas, fazem com que o consumidor incorra em erro, seja ofendido e tenha seus direitos
fundamentais desrespeitados. De acordo com Carlos Alberto Bittar, o conteúdo publicitário
muitas vezes é apelativo e depreciativo, havendo
Campanhas enganosas na publicidade e na oferta de produtos (com anúncio de curas miraculosas, a descoberta de produtos substitutivos de alimentos e
13 GAULIA, Cristina Tereza. O abuso na concessão de crédito: o risco do empreendimento financeiro na era do hiperconsumo, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 71, p. 34-65, jul./set. 2009, p. 71. 14 BARBOZA, João Luiz. O direito fundamental do consumidor e seu direito à informação. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 239.
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outros); contratos pré-elaborados, com cláusulas pré-restritivas de direitos, ou leoninas; ajustes com textos de difícil leitura; excessos de garantias e outras situações de patente desequilíbrio têm sido frequentes na contratação privada, lesando-se interesses de ordem econômica dos consumidores, indefesos ante a apelos publicitários agressivos e a necessidades existentes ou criadas pela sociedade de consumo15.
Eis a necessidade de proteger as relações de consumo em todos os aspectos que
desequilibram o elo entre fornecedor e consumidor e ofendam direitos fundamentais
imprescindíveis nas relações entre particulares – eficácia horizontal – em que se constata sua
incidência como forma de proteção do ser humano. Daí extrai-se a relevância de um tema que
abrange a todos e que se mostra frequente e complexo em uma era de intensos acontecimentos
e grandes modificações que delineiam as tendências de uma sociedade amplamente
globalizada e vítima do consumismo.
2 A PUBLICIDADE COMO MEIO PERSUASIVO-NEGATIVO NO
COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR
Por primeiro, importante salientar que os termos publicidade e propaganda não são
sinônimos, embora sejam utilizados por vezes como tal. Alguns autores até entendem que não
deve haver diferenciações nestes termos, como o professor Luis Antonio Rizzatto Nunes, haja
vista o fato de que o termo ‘propaganda’ tem origem no latim, gerundivo de propagare, que
significa ‘coisas que precisam ser propagadas’, além de entender que ambos os vocábulos
podem perfeitamente expressar o sentido desejado do anunciante do produto ou serviço16.
Todavia, faz-se pertinente esclarecer que a publicidade deve ser entendida como algo que
possui o intuito de auferir lucro, tendo desígnios de caráter comercial, enquanto a propaganda
tem sua conotação de propagar ou disseminar uma ideia, cujos objetivos estão voltados à
política, à religião, ideologia, dentre outros17.
Sabe-se que, na atualidade, é praticamente impossível pensar que determinada
informação não atinja seu objetivo primordial: ter o conhecimento do público consumidor. Há
15 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 48. 16 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 446. 17 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 98.
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que se falar então na maior revolução do nosso tempo, qual seja, a das comunicações de
massa, como salienta Paulo Salvador Frontini:
O jornalismo escrito, acessível a uma minoria de letrados, revolucionou-se pela comunicação via áudio (rádio) e pelo meio audiovisual (televisão). Hoje alcança as pessoas onde estejam, pelos celulares com agregação de outras informações, tudo proporcionado pela moderníssima convergência digital. Democratizou-se o acesso à informação. Hoje, é cabível a pergunta: com a internet, até onde irá a sociedade contemporânea? Esses meios de comunicação, como não poderia deixar de ser, puseram-se a serviço das relações comerciais por meio da publicidade, também em série ou em massa18.
Destaca-se, na atualidade, a informação como um traço marcante. Ocorre que as
técnicas de informação que deveriam ampliar o conhecimento do planeta e todos os aspectos
que envolvem os objetos que o formam e os homens que o habitam, são utilizadas por atores
que tendem a priorizar apenas seus interesses e objetivos particulares19, cuja mensagem se
resume na maior parte das vezes em publicidade.
A intenção dos anúncios publicitários é fazer com que o consumidor seja conquistado,
na medida em que determinada marca possa cada vez mais se sobressair perante as outras,
independentemente das possíveis consequências suportadas pelo consumidor em relação a
concorrência acirrada na atualidade. Segundo Walter Ceneviva, [...] a publicidade e a oferta se
destinaram a forçar o consumo, através de brindes, ofertas de lançamento, concursos, enfim,
em mecanismos de pressão aptos a perturbarem o discernimento do comprador entre os
produtos concorrentes, eliminando ou sacrificando os mais fracos20.
Diante de um dilema intrínseco à era moderna, há de se ressaltar que, por imposição
da sociedade, aliada à uma publicidade fortemente persuasiva e muitas vezes apelativa por
parte das empresas, o consumidor é levado a comportar-se de forma prejudicial a si próprio e
em relação a seus dependentes, se houver, o que pode explicar o porquê da expressão
“sociedade de consumo”. É nesse sentido que preleciona Carlos Alberto Bittar:
18 FRONTINI, Paulo Salvador. Acesso ao consumo. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 208. 19 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consequência universal. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 38-39. 20 CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 23.
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Comandada por maciça e atraente publicidade, em especial através da mídia eletrônica, a comunicação dessas empresas e de seus produtos, ou de seus serviços, cria, frequentemente, novos hábitos. Despertando ou mantendo o interesse da coletividade, que assimila e adere às mensagens, inserindo-se ou conservando-se no elenco de seus clientes; com isso, sucessivos impulsos de compra são gerados, em todas as partes, aumentando-se o contingente consumidor da população terrestre (daí o nome de “sociedade de consumo” que se dá à nossa época, em que a aquisição e a fruição de bens se perfazem por sugestão e em relação à idéia de status pessoal)21.
A questão se mostra muito mais complexa ao retratar as inúmeras consequências
atraídas pela sociedade consumerista. Há um evidente transtorno nas relações de consumo
pautadas pela crença em publicidades enganosas ou abusivas, o que leva muitas vezes ao
superendividamento do consumidor. A intenção de atingir o maior número de consumidores
da forma mais persuasiva é a finalidade primeira das empresas que promovem e divulgam
seus produtos, seja qual for o público e os possíveis danos causados a consumidores que
muitas vezes não possuem a maturidade necessária para interpretar e compreender a realidade
de certos conteúdos. Mesmo com a existência de órgãos na fiscalização, com total autonomia
de veto e alteração dos conteúdos, inúmeros consumidores são convencidos e se
comprometem financeiramente sem ter as condições para arcar com o ônus da aquisição de
determinado produto ou serviço. Na visão de Antônio Carlos Efing e Bruno Laskowski
Staczuk:
[...] sob este tal imperativo de consumo desenfreado, transmitidos universalmente por certos promotores publicitários, e factíveis, inclusive, àqueles sujeitos não possuidores de aportes financeiros imediatos e suficientes, já que amparados por uma grande estrutura creditícia, é que se propicia o surgimento do superendividamento. Um flagelo social contemporâneo, em que consumidores de boa-fé, acabam contraindo dívidas de consumo para além de suas potencialidades financeiras, comprometendo não só a própria qualidade de vida, mas também daqueles que estão a ele diretamente vinculados22.
21
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 1-2. 22 EFING, Antônio Carlos; STACZUK, Bruno Laskowski. Maximização da eficácia do direito fundamental de defesa do consumidor: uma medida necessária para a promoção da sustentabilidade social constitucional na pós-modernidade. In: XX Encontro Nacional do CONPEDI, 2011, Vitória. Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI Vitória/ES, 2011, p. 8445.
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84
Ao assumir um compromisso financeiro, é preciso salientar que por vezes o
consumidor acaba por comprometer também a qualidade de vida e o bem-estar de pessoas que
estão em sua dependência, o que justifica os sérios efeitos do superendividamento.
A publicidade tem um grande poder de influência no comportamento dos
consumidores, fazendo-os adquirir ou utilizar produtos e serviços que são desprezíveis e
dispensáveis. A grande questão é que em função de uma sociedade alienada, que impõe
parâmetros de consumo, o problema não se resolverá tão facilmente. Pelo contrário, poderá
causar sérios transtornos para a economia da própria sociedade, haja vista a inexistência de
critérios para ofertar produtos e serviços para o público em geral. A publicidade se perfaz
como um fio condutor que leva com maior intensidade a ideia de consumo ao consumidor:
Ela é responsável, muitas vezes, por desencadear no consumidor a vontade de adquirir produtos e/ou serviços, dos quais ele, as vezes, nem necessita, mas os adquire. É a repetição da mensagem publicitária na televisão, no rádio, no cinema, nos outdoors, nos jornais e revistas que pode incutir na cabeça do consumidor, personagem vulnerável nessa história, a falsa ideia da necessidade de produtos e/ou serviço23.
Com a evolução tecnológica24, a sociedade ficou mais propensa a adquirir produtos e
utilizar-se de serviços cada vez mais sofisticados e inovadores. Vive-se um tempo em que a
sociedade é técnica e de massas. Na realidade, o capitalismo transformou o homem em seu
servidor. Ele está intrínseco na economia da sociedade e o homem tornou-se escravo de seu
regime. Assim, nas palavras de Fábio Konder Comparato “O espírito do capitalismo é o
egoísmo competitivo, excludente e dominador. [...] Enquanto o capital desumanizado é
elevado à posição de pessoa artificial, o homem é reduzido à condição de simples instrumento
da produção, ou ao papel de mero consumidor a serviço do capital”25.
23 GOZZO, Débora. Publicidade. In: PEREIRA JUNIOR, Antonio Jorge; JABUR, Gilberto Haddad (coords.). Direito dos Contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 224. 24 Nesse contexto, interessante a visão de João Luiz Barboza: “[...] com a evolução da tecnologia ocorrida durante o século XX, o consumo passa de fim dos meios de produção para meio de sustentação do sistema capitalista, transformando-se em foco de atenção de estudiosos atrativos e “necessidades” de consumo. Essa transformação traz em seu bojo a oportunidade para que se exerça um poder de influência sobre o consumidor, cujas consequências não podem ficar alheadas de uma atenção por parte do Estado, que agora se apresenta com a necessidade de regular as relações particulares, até para fazer frente à força dedicada à produção de consumidores”. BARBOZA, João Luiz. O direito fundamental do consumidor e seu direito à informação. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 229. 25 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 537-538.
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Nesse fenômeno de intensa propagação das informações e, estando evidente a
velocidade assustadora pela qual se multiplicam os meios de comunicação, a publicidade,
aliada a uma sociedade capitalista, ganha notável influência na vida das pessoas, ditando
moda, construindo novas tendências no mercado e mudando comportamentos. A publicidade
chega ao conhecimento de todos, muitas vezes de forma involuntária e independentemente de
qualquer interesse em questão26 . Todavia, ela acaba por atingir seus fins específicos,
manipulando e “coagindo” o consumidor a adquirir determinado produto ou serviço, o que faz
impulsionar o ciclo vivenciado pela sociedade consumerista.
As relações de consumo apresentam diversas nuances, envolvendo direitos que por
vezes o próprio consumidor não sabe que possui. Ao retratar a publicidade, por exemplo, é
possível desmembrar situações fáticas e cotidianas onde o público consumerista desconhece
que está sendo enganado e ofendido. A publicidade enganosa ou abusiva é um bom exemplo a
ser discutido, a fim de que se vislumbre a importância de o consumidor estar apto a tomar
consciência de atos ofensivos praticados por particulares que são a parte mais forte na relação.
O consumidor é em regra hipossuficiente e, portanto, merece tratamento distinto a fim de
obter proteção.
2.1 Publicidade enganosa e publicidade abusiva: aspectos relevantes
Antes de adentrar no assunto da publicidade, importante introduzir a oferta como o
gênero da divulgação, onde os anúncios e as informações sobre produtos e serviços são tidos
como espécies, ou seja, a oferta é toda informação ou publicidade27.
Acerca da oferta28, importante consignar a presença de princípios imprescindíveis às
relações de consumo, eis que o consumidor precisa ter segurança ao despender de recursos
financeiros para consumir, mesmo estando “iludido” ou convencido em função de uma
determinada publicidade. Trata-se do chamado princípio da vinculação da oferta, que obriga o
fornecedor a cumprir todas as informações veiculadas na oferta, sejam elas lucrativas ou não
26 BARBOZA, João Luiz. O direito fundamental do consumidor e seu direito à informação. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 238. 27 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 80. 28 “As divulgações do produto ou do serviço, bem como das suas propriedades e dos seus preços, caracterizam a informação ou publicidade com o fim de atrair os consumidores para adquiri-los”. GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. 3. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o novo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104.
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para o fornecedor, pois uma vez divulgadas, o consumidor tem o direito de exigir conforme
estipulado. Nesse sentido, o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor29, oferece outras
alternativas que podem ser discutidas entre ambos da relação, como aceitar outro produto
equivalente ou rescindir o contrato com direito a restituição e perdas e danos atualizados
monetariamente.
Além do princípio da vinculação, importante mencionar os demais princípios que
precisam ser rigorosamente observados no momento da publicidade, sendo necessário
observar o princípio da veracidade, que proíbe a enganosidade; o princípio da não-
abusividade, que rechaça a propaganda abusiva; o princípio do ônus da prova a cargo do
fornecedor, que incumbe a este o dever de provar que a publicidade não é ilícita; e o princípio
da correção do desvio publicitário, que impõe ao fornecedor a correção da publicidade por
meio da contrapropaganda30.
No que concerne a publicidade, indiscutível a importância de balizar alguns conceitos
que definem condutas negativas de empresas que extrapolam os limites do aceitável e
persuasivo na divulgação de um produto ou serviço.
A publicidade enganosa é um exemplo de situação que indiscutivelmente lesa
consumidores, até mesmo aqueles que se julgam mais aptos a averiguar todas as
características necessárias ao cumprimento dos requisitos que um produto ou serviço deve
possuir.
Importante delimitar as distintas esferas em que se enquadra a publicidade enganosa e
a abusiva. Ambas são publicidades ilícitas, que violam deveres jurídicos delineados pelo
Código de Defesa do Consumidor na realização, produção e divulgação de mensagens
publicitárias31 , passíveis de responsabilização tanto administrativa, como civil e penal,
entretanto, possuem características diversas na sua ocorrência.
29 Art. 35 do Código de Defesa do Consumidor: Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. 30 A contrapropaganda ou contrapublicidade, termo pelo qual a doutrina entende ser mais correto, diz repeito a “[. ..] divulgação, a expensas do infrator, de mensagem da mesma forma, frequência e dimensão, e preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de uma forma capaz de desfazer o art. 60, caput e §1º). É o desmentido, o reconhecimento de que o produto não possui as qualidades e virtudes anunciadas em peça publicitária. Evita-se, assim, que o consumidor, influenciado pela publicidade enganosa, venha a adquirir produtos ou serviços em desacordo com sua vontade e iludido quanto às suas reais potencialidades”. ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7ª. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 209. 31 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 218.
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A publicidade enganosa32 diz respeito a omissões ou inverdades acerca de elementos
essenciais para o consumo de um produto ou serviço. Essas características referem-se à
qualidade, quantidade, preço, propriedades, origem, dentre outros elementos fundamentais
para o conhecimento real daquilo que se pretende adquirir. A publicidade enganosa leva o
consumidor a erro, pois informa de maneira errada ou deixa de informar o que é preciso para
o consumidor poder escolher determinado produto ou serviço33. Nesse aspecto, oportuna a
contribuição de Luiz Antonio Rizzatto Nunes:
[...] o efeito da publicidade enganosa é induzir o consumidor a acreditar em alguma coisa que não corresponda à realidade do produto ou serviço em si, ou relativamente a seu preço e forma de pagamento, ou, ainda, a sua garantia etc. O consumidor enganado leva, como se diz, “um gato por lebre”. Pensa que está numa situação, mas de fato está em outra. As formas de enganar variam muito, uma vez que nessa área os fornecedores e seus publicitários são muito criativos. Usa-se o impacto visual para iludir, de frases de efeito para esconder, de afirmações parcialmente verdadeiras para enganar34.
A publicidade enganosa causa prejuízos, pois o consumidor consome algo pelas
características do produto ou do serviço que deseja. Se tais características não corresponderem
a realidade, não faz sentido a necessidade de seu consumo, pois não atenderá as expectativas
do consumidor. Na lição de Markus Samuel Leite Norat
32 Art. 37 § 1° do Código de Defesa do Consumidor: É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. 33 ADMINISTRATIVO. CÓDIGO DE ÁGUAS. NORMAS BÁSICAS DE ALIMENTOS. SLOGAN PUBLICITÁRIO APOSTO EM RÓTULO DE ÁGUA MINERAL. EXPRESSÃO “DIET POR NATUREZA”. INDUÇÃO DO CONSUMIDOR A ERRO. [...] 2. É assente que “não poderão constar da rotulagem denominações, designações, nomes geográficos, símbolos, figuras, desenhos ou indicações que possibilitem interpretação falsa, erro ou confusão quanto à origem, procedência, natureza, composição ou qualidade do alimento, ou que lhe atribuam qualidades ou características nutritivas superiores àquelas que realmente possuem.” (art. 21, do Decreto-lei n.° 986/69) 3. Na redação do art. 2°, inciso V, do Decreto-lei n.° 986/69, considera-se dietético “todo alimento elaborado para regimes alimentares especiais destinado a ser ingerido por pessoas sãs;” 4. Somente os produtos modificado em relação ao produto natural podem receber a qualificação de diet o que não significa, apenas, produto destinado à dieta para emagrecimento, mas, também a dietas determinadas por prescrição médica, motivo pelo qual a água mineral, que é comercializada naturalmente, sem alterações em sua substância, não pode ser assim qualificada porquanto não podem ser retirados os elementos que a compõem. 5. In casu, o aumento das vendas do produto noticiado pelo recorrido caracteriza a possibilidade de o slogan publicitário encerrar publicidade enganosa capaz de induzir o consumidor a erro. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 447.303-Rio Grande do Sul. Recurso Especial. Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02-10-2003. DJ 28-10-2003. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=publicidade+enganosa&&b=ACOR&p=tru&t=&l=10&i=18#>. Acesso em: 03. Dez. 2012. 34 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 492.
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A publicidade enganosa gera no consumidor, uma expectativa errônea sobre o produto ou serviço que está sendo oferecido, de forma que ele possa vir a adquirir este acreditando tratar-se de outra coisa, que possivelmente não iria adquirir caso tivesse o correto conhecimento sobre as reais condições deste produto ou serviço35.
Arrolada no art. 37, § 1º do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade enganosa
é uma figura que prevê o comportamento ilícito do fornecedor que leva o consumidor a erro
em função da ausência de veracidade ou omissão de informações relevantes acerca do produto
ou serviço. Logo, a responsabilidade é objetiva, independentemente de culpa.
De outro giro, a publicidade abusiva36 possui um viés mais amplo, abrangendo toda e
qualquer matéria relacionada a ofensas reais para com a pessoa do consumidor, no seu sentido
coletivo. Tais ofensas se resumem em publicidades discriminatórias; em conteúdos que
possam incitar o consumidor à violência, que o leve a se comportar de forma prejudicial ou
perigosa contra si ou contra outrem; explorar o medo ou a superstição; aproveitar-se da
deficiência de julgamento e inexperiência da criança, bem como qualquer forma de
desrespeito a valores ambientais ou contrários à ética, a moral e ordem pública37.
Diante da amplitude do dispositivo que trata da abusividade no Código de Defesa do
Consumidor, é notório que “a intenção do legislador foi garantir ao consumidor o maior
número possível de informações sobre o produto ou serviço ofertado para que, a par de todos
os dados necessários, possa decidir livremente pela aquisição ou não do produto e/ou
serviço”38.
Importante registrar que, diferentemente da publicidade enganosa, a abusividade aqui
não se relaciona necessariamente com o produto ou serviço que está sendo exibido, mas na
forma como a publicidade é apresentada. Desde então, é possível dizer que pode haver uma
35 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 127. 36 Art. 37 § 2° do Código de Defesa do Consumidor: É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 37 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 135. 38 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo: consumo e sustentabilidade. 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Joruá, 2011, p. 207.
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publicidade enganosa e abusiva ao mesmo tempo39. Aliás, o caráter abusivo da publicidade
atinge todos os consumidores indistintamente. Na concepção de Luis Antonio Rizzatto Nunes,
[...] não é necessário que ocorra de fato um dano real ao consumidor, uma ofensa concreta. Basta que haja perigo; que exista a possibilidade de ocorrer o dano, uma violação ou ofensa. A abusividade, aliás, deve ser avaliada sempre tendo em vista a potencialidade do anúncio em causar um mal40.
É preciso consignar a importância de se debater sobre o tema, pois embora haja
consumidores que não sofram diretamente o dano em questão, aqueles mais vulneráveis
poderão sofrer prejuízos imensuráveis. A publicidade é exposta por todos os meios, por todos
os canais e em todos os horários, o que faz eventualmente todo o tipo de público estar exposto
à mensagem publicitária divulgada. E diante da diversidade de consumidores, por óbvio,
alguns filtrarão de forma coerente determinadas mensagens, outros não. Além disso, não se
pode tolerar que a publicidade influencie condutas negativas, tampouco desperte desejos
impróprios às crianças ou pessoas que não possuem o total discernimento e experiência para
entender ou desconsiderar determinados conteúdos que são prejudiciais para a formação da
própria sociedade.
A vulnerabilidade do consumidor é presumida, independentemente de qualquer
circunstância. Logo, é preciso haver limites e respectivas punições a fim de evitar que
publicidades enganosas e abusivas ofendam direitos fundamentais, diante da superioridade
dos fornecedores em detrimento da vulnerabilidade do consumidor.
A publicidade abusiva41 reflete comportamentos degradantes e depreciativos como
forma de atingir o objetivo de divulgar e expor determinada marca, o que de forma indireta
acaba obtendo êxito, haja vista a polêmica que por vezes é causada a respeito da forma como
39 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 136. 40 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 514. 41 Nesse panorama, interessante complementar o assunto com um exemplo de publicidade abusiva discriminatória, julgada pelo CONAR. “Denunciante: Conar, de ofício, mediante reclamação da APROSERJ - ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DOS SECRETÁRIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Denunciado: anúncio "PRECISA-SE DE SECRETÁRIAS" Anunciante: CHAMPION HOTEL LTDA. Relator: Cons.º RUBENS DA COSTA SANTOS. O Anúncio Um tijolo de três colunas, publicado no Dia das Secretárias em jornal carioca, apregoava: ‘Precisa-se de Secretárias’. A) As candidatas deverão preencher os seguintes requisitos: 1 - Estar em dia com sua academia de ginástica; 2 - Apreciar boa música; 3 - Conhecer bons uísques e vinhos; 4 - Ter pressa em agradar o chefe e calma para o resto; 5 - Sua voz, ao telefone, deve confundir-se com um beijo; 6 - O mais importante: sua pele deve escorregar em lençóis de cetim [...]”. O anúncio excedeu claramente os limites de uma divulgação apropriada, causando ofensas à idoneidade moral e profissional das secretárias. Representação nº 126/87 Cad. 5 Caso 10 do CONAR.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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foi criada e veiculada tal publicidade. Dessa forma, a temática que envolve a publicidade é
muito mais complexa do que aparenta. Trata-se de algo inerente à sociedade e vivenciado por
todos, onde todos podem em algum momento ser vítimas.
Como grande prova de exercício da cidadania, qualquer consumidor pode fazer parte
das esferas de punição contra as publicidades enganosas e abusivas, pois tem o direito de
denunciar quando sentir que está sendo ofendido ou enganado. Além disso, o Brasil conta
com um sistema misto de tutela do consumidor, havendo órgãos administrativos, como o
CONAR – Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária, que visa promover a
liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da publicidade
comercial, combatendo a ocorrência de propagandas enganosas e abusivas, com autonomia
para exigir a alteração do conteúdo ou a sua total retirada, dependendo do caso em questão.
De outro modo, o Poder Judiciário, por meio de Ação Civil Pública, intentada pelo Ministério
Público também poderá imputar sanção ao fornecedor, arbitrando danos morais coletivos,
tendo em vista o caráter difuso das relações consumeristas que não permite a identificação e
separação dos consumidores.
O fornecedor, então, ao incorrer em práticas ilícitas, poderá ser responsabilizado
administrativamente, por meio da contrapropaganda, retificando todas as informações
errôneas ou ofensivas praticadas. Responderá civilmente, ao ter que responder por danos
morais coletivos, e, penalmente, tendo em vista as sanções estipuladas no Código de Defesa
do Consumidor para os crimes relacionados à publicidade enganosa e abusiva.
É preciso fazer uma ressalva também, pelo fato de que nem toda publicidade que
aparente ser abusiva, pode ser de fato algo que cause reais ofensas aos consumidores. Há uma
sutil diferença entre a ofensa e o mau gosto, onde o fornecedor pode ser infeliz na elaboração
de determinada publicidade, o que pode gerar certo incômodo em algumas pessoas, mas em
geral, não possuir um caráter estritamente ofensivo. A publicidade enganosa e abusiva
precisam ser penalizadas mas é preciso analisar o contexto atual e olhar sob um viés
contemporâneo, onde a sociedade muda e evolui a todo momento, valorizando tendências que
antes eram reprimidas, e supervalorizando a conduta do consumo. De qualquer forma, chama-
se a atenção para o fator preponderante, que é justamente o uso da publicidade como forma de
influência negativa e ofensa ao consumidor, utilizando a pessoa muitas vezes como coisa ou
objeto, sem se preocupar com o mínimo de limites necessários ao respeito dos direitos
fundamentais e da dignidade da pessoa humana.
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3 A IMPORTÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
A sociedade contemporânea enseja relações entre particulares cada vez mais
frequentes. Vislumbra-se uma era onde o Poder Público já não mais suporta sozinho resolver
todas as necessidades de uma nação, e o grande impulso da evolução tecnológica tende a
firmar cada vez mais relações particulares, sobretudo, no âmbito do consumo.
Resgata-se essa característica da sociedade contemporânea, para justificar a extrema
importância de se ter preservado os direitos fundamentais em relações cuja regra tem como
um dos polos o consumidor, parte vulnerável presumidamente, que sofre altos prejuízos por
sua hipossuficiência.
O direito do consumidor diz respeito a uma tutela pela qual chama a atenção de todos,
pois o ato de consumir é relativo a toda pessoa. Ele possui grande respaldo tanto no texto
constitucional como em leis esparsas. No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição
Federal, no seu artigo 5º, inciso XXXII, caracteriza a defesa do consumidor como um direito
fundamental quando afirma que “O Estado promoverá na forma da lei, a defesa do
consumidor”, estando em posição de privilégio no texto da Constituição, pois segundo a
doutrina e jurisprudência, está a salvo de uma possível reforma pelo poder constituinte42.
Além disso, oportuno evidenciar que o direito do consumidor está inserido no rol de direitos
fundamentais, “com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos
constitucionais fundamentais. Conjuga-se isso com a consideração do art. 170, que eleva a
defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica”43, conforme lição de José
Afonso da Silva.
Não obstante tais considerações, importante salientar a expressa menção feita na Carta
dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 7 de dezembro de 2000, em que seu artigo
38 assegura que “as políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos
consumidores”. Logo, é possível afirmar que os direitos fundamentais constituem o alicerce
sobre o qual se assenta o ordenamento jurídico, restando óbvia, portanto, a importância de ser
o direito do consumidor classificado como um direito fundamental. Por tais razões é que se
frisa a relevância dos direitos fundamentais, que permeia as relações harmônicas entre os
indivíduos, sendo que “toda sociedade precisa de um núcleo de valores sobre o qual assentar a
42 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 43. 43 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 262-263.
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convivência. Se não existe crença coletiva e um mínimo de valores constitutivos do grupo,
este se desintegra. Os valores são a verdadeira seiva dos grupos sociais”44, afirma Gregório
Robles.
Nesse contexto, Mádson Ottoni Almeida Rodrigues salienta que, “os direitos
fundamentais, concebidos como valores ou critérios morais, balizam as condutas dos
indivíduos e a tomada de decisões políticas e jurídicas no âmbito da sociedade”45. Eis então a
necessidade de tutelar condutas, dentre estas, as relações consumeristas, como forma de
salvaguardar direitos fundamentais imprescindíveis ao ser humano, à sua formação e respeito
à dignidade da pessoa humana.
No tocante a relação entre particulares no direito do consumidor, a grande
preocupação se funda justamente na forma de pactuar as regras de promoção do conteúdo de
um produto ou serviço, o que leva o Estado a promover o direito de proteção ao consumidor,
que por óbvio, é a parte vulnerável na relação. Nesse contexto, salienta Bruno Miragem que
[...] o direito do consumidor se compõe, antes de tudo, em direito à proteção do Estado contra a intervenção de terceiros, de modo que a qualidade de consumidor lhe atribui determinados direitos oponíveis, em regra aos entes privados, e em menor grau (com relação a alguns serviços públicos), ao próprio Estado46.
Trata-se a eficácia horizontal dos direitos fundamentais de um tema de grandes
controvérsias em todo o direito comparado, pois são inúmeras as situações em que se discute
o embate firmado pela autonomia privada, que resulta na liberdade do particular agir por
vezes em contraposição aos direitos fundamentais observados pela Constituição e
obrigatoriamente respeitados pelo Estado.
Tendo os direitos fundamentais a função de proteção contra terceiros, o termo eficácia
horizontal por si só já encontra explicação, haja vista as violações contra direitos
fundamentais provirem de uma multiplicidade de atores privados. Contudo, há divergências
sobre a forma como os direitos fundamentais devem incidir ou não nas relações entre
particulares. Nessa temática, algumas teorias foram criadas para explicar e fundamentar as
44 ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Trad.: Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 11. 45 RODRIGUES, Mádson Ottoni Almeida. A prestação jurisdicional na efetivação dos direitos fundamentais. In: MOURA, Lenice S. Moreira de. [Org.] O novo constitucionalismo na era pós-positivista: homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 373. 46 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 44.
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possíveis situações onde os direitos fundamentais não devem incidir, conforme a teoria da
state action; ou incidirem de forma mediana, intermediária, dependendo do caso concreto, de
acordo com a teoria mediata ou indireta; ou ainda, pela total incidência dos direitos
fundamentais, conforme a teoria da aplicação imediata e direta dos direitos fundamentais.
Na teoria da state action esclarece-se que sua origem se deu nos Estados Unidos e lá é
atualmente aplicada. Ela consiste na negação dos direitos fundamentais nas relações privadas
ou conforme assevera Jairo Néia Lima “os direitos fundamentais voltam-se apenas contra as
violações que provêm do Estado”47, ou seja, no âmbito particular não incidem, havendo no
máximo uma equiparação “quando o ato lesivo é praticado com algum tipo de participação ou
influência do Estado, bem como quando os poderes privados, em seu conteúdo, mostram-se
semelhantes às ações praticadas pelo Estado”48.
Como consequência, a referida teoria por desconsiderar a importância de priorizar
direitos fundamentais e por sua postura fortemente liberal que obriga o Estado se abster em
prol da autonomia privada – que por vezes é utilizada de forma desmedida e incontrolada –
acaba por facilitar ofensas a tais direitos.
De outro giro, ao mencionar a teoria da eficácia mediata ou indireta, observa-se uma
aplicação intermediária entre a teoria que nega e da que aceita a incidência dos direitos
fundamentais. Ela foi formulada por Günther During na doutrina alemã e lá atualmente é
aplicada. Trata-se de uma teoria que os direitos fundamentais são protegidos no campo do
direito privado e não por mecanismos do direito constitucional, necessitando de uma medida
concretizadora que deve mediar a aplicação, que é inicialmente a atuação do legislador
na produção do direito infraconstitucional privado em conformidade com os direitos fundamentais e, num segundo momento, caberia aos julgadores a tarefa de infiltrar os direitos fundamentais nas relações privadas por meio da interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos abertos, como boa-fé, moral, bons costumes etc49.
47 LIMA, Jairo Néia. Direito fundamental à inclusão social: Eficácia prestacional nas relações privadas. Curitiba: Joruá, 2012, p. 106. 48 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 171. 49 LIMA, Jairo Néia. Direito fundamental à inclusão social: Eficácia prestacional nas relações privadas. Curitiba: Joruá, 2012, p. 99.
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A referida teoria50 também é passível de críticas, tendo em vista a atuação omissa do
legislador na não concretização dos direitos fundamentais, e por isso a cautela em deixar a
cargo do legislador tarefa de grande importância como essa.
Destaca-se também, a teoria da eficácia direta ou imediata que rechaça a possibilidade
de não aplicar os direitos fundamentais nas relações privadas, uma vez que tais direitos podem
ser oprimidos por inúmeros atores privados. A referida teoria surgiu em função das
formulações de Hans Carl Nipperdey. A questão primordial a ser analisada, é o embate
existente entre a autonomia privada, representada pela liberdade de agir no campo privado, e
que também possui previsão constitucional em contraposição ao respeito necessário em
relação a todos os direitos fundamentais que são frequentemente violados em relações
firmadas no âmbito privado51. Nessa perspectiva, explicita Daniel sarmento que:
O ponto nodal da questão consiste na busca de uma fórmula de compatibilização entre, de um lado, uma tutela efetiva dos direitos fundamentais, neste cenário em que as agressões e ameaças a eles vêm de todos os lados, e, do outro, a salvaguarda da autonomia privada da pessoa humana52.
Mesmo com grandes controvérsias e dificuldade em poder estabelecer claramente em
quais situações ou em quais ordenamentos jurídicos determinada teoria irá prevalecer, a teoria
da eficácia direta e imediata não logrou êxito na Alemanha, contudo é majoritária em países
como a Espanha, Portugal, Itália e Argentina53.
No campo do direito do consumidor, sob o qual se encontra o enfoque da discussão, é
possível verificar inúmeras situações onde o poder exacerbado de um particular causa sérias
ofensas não só a outro particular, em que pactua determinado negócio. A ofensa pode gerar
transtornos imensuráveis, como se pode ilustrar na ocasião de determinadas campanhas
50 Interessante colacionar as palavras de José Carlos Vieira de Andrade acerca dos fundamentos defendidos pelos adeptos da teoria da eficácia indireta e mediata: “procuram defender uma margem de liberdade de ação para os particulares, tentando evitar que, através de um intervencionismo asfixiante ou de um igualitarismo extremo, se afete o sentimento de liberdade, a iniciativa e a capacidade de realização dos indivíduos concretos. Privilegiam, por isso, as normas constitucionais que indiciam a autonomia privada, o livre desenvolvimento da personalidade, a liberdade negocial”. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 285. 51 Acerca da teoria da eficácia direta ou imediata, salienta Jairo Néia Lima que “o objetivo dessa teoria é ampliar a proteção que os direitos fundamentais conferem, a fim de que possam também ser tutelados perante os ajustes privados, sem depender da regulamentação legislativa infraconstitucional”. LIMA, Jairo Néia. Direito fundamental à inclusão social: Eficácia prestacional nas relações privadas. Curitiba: Joruá, 2012, p. 103. 52 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 224. 53
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 258.
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publicitárias onde a forma como um produto ou serviço é exposto, pode ofender certos grupos
agredindo algumas culturas, etnias, religiões, mulheres, crianças, dentre outros grupos
notadamente vulneráveis.
Mesmo havendo toda a regulamentação necessária para que se impeça a divulgação de
conteúdos sexistas, imorais ou extremamente influenciáveis negativamente, os fornecedores,
detentores de alto poder na sociedade desejam e exigem que as campanhas atinjam seus
objetivos, mesmo que este ato custe a violação de direitos fundamentais de uma pessoa ou de
toda a coletividade.
Toda pessoa é consumidora de uma forma ou de outra, e tem seu direito de se informar
e adquirir o que lhe convir. Explica José Afonso da Silva que são direitos do homem
consumidor aqueles relativos à seguridade, que engloba a saúde, a previdência e a assistência
social, além da educação, da cultura, da moradia, do direito ambiental que se desdobra no
lazer e dos direitos da criança e dos idosos54.
Não se pode admitir que a autonomia privada prevaleça de forma absoluta sob o
argumento de que a liberdade de expressão também é uma garantia constitucional que pode
ser exercida ilimitadamente.
Há que se ponderar que os direitos fundamentais são a proteção do ser humano contra
qualquer ato que venha ofender, denegrir, prejudicar ou suprimir a característica de “ser”
humano. Havendo colisão entre direitos ora fundamentais, é preciso que ambos sejam
sopesados a fim de que atinjam cada qual as suas finalidades.
É preciso considerar que na relação entre indivíduos, exige-se o respeito mútuo,
significando o respeito aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, princípio
este que representa a proteção integral do ser humano sob todos os aspectos, sendo portanto, a
base de todo o ordenamento jurídico, que reconhece a pessoa como ser humano que é. Em
outras palavras,
A dignidade da pessoa humana expressa a exigência do reconhecimento de todo ser humano como pessoa. Dizer, portanto, que uma conduta ou situação viola a dignidade da pessoa humana significa que nesta conduta ou situação o ser humano não foi reconhecido como pessoa55.
54 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 307-317. 55 BARZOTTO, Fernando Luiz. Pessoa e reconhecimento – uma análise estrutural da dignidade da pessoa humana. In: FILHO ALMEIDA, Agassiz; MELGARÉ, Plínio (Orgs.). Dignidade da Pessoa Humana: Fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 51.
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Mesmo havendo controvérsias sobre o tema, há que se ponderar que a dignidade
humana deve ser sempre observada, sendo o critério que sempre prevalecerá, diga-se neste
caso, com relação à liberdade de expressão do fornecedor em determinada publicidade, ou até
mesmo quanto à sua liberdade de impor quaisquer regras na relação de consumo. A liberdade
de agir neste caso, não é absoluta, pois inviabilizaria o total respeito à parte hipossuficiente da
relação, tendo em vista que o fornecedor pretende atingir suas metas, muitas vezes a qualquer
custo. Se para a dignidade humana ser respeitada, for preciso relativizar a autonomia privada,
é assim que deve ser, ou seja, uma questão de harmonização entre direitos e princípios, a fim
de que a dignidade da pessoa não seja jamais suprimida em detrimento de outros direitos.
Nesse sentido corrobora Daniel Sarmento:
[...] autonomia privada não é absoluta, pois tem de ser conciliada, em primeiro lugar, com o direito de outras pessoas a uma idêntica quota de liberdade, e, além disso, com outros valores igualmente caros ao Estado Democrático de Direito, como a autonomia pública (democracia), a igualdade, a solidariedade e a segurança. Se a autonomia privada fosse absoluta, toda lei que determinasse ou proibisse qualquer ação humana seria inconstitucional56.
Diante de inúmeras circunstâncias em que se constata claras violações a direitos
fundamentais no âmbito das relações de consumo, é que se chama a atenção para a
importância da eficácia horizontal dos direitos fundamentais57. É por meio dela que as
relações entre particulares possam ser mais equilibradas e os direitos fundamentais, bem como
a dignidade da pessoa humana ser obviamente respeitados. Por tais razões é que se ressalta a
teoria da eficácia direta e imediata, sendo, pois, a teoria que melhor se adapta a real situação
do direito brasileiro, onde as perspectivas de concretização efetiva dos direitos fundamentais
ainda deixam a desejar. Nesse panorama, salienta Daniel Sarmento:
56 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 189. 57 Nesse contexto, interessante colacionar a explicação de Luiz Guilherme Marinoni sobre a eficácia horizontal: “[. ..] os direitos fundamentais têm como destinatário o Estado, que fica obrigado a editar normas para protegê-los em face dos particulares. Quando uma dessas normas de proteção não é cumprida, surge ao particular – por ela protegido (p. ex., direito do consumidor) – o direito de se voltar contra o particular que não a observou. Aliás, o direito de ação do particular – nessas hipóteses – poderá ser exercido mesmo no caso de ameaça de violação (ação inibitória)”. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 134-135.
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[...] a extensão dos direitos fundamentais às relações privadas é indispensável no contexto de uma sociedade desigual, na qual a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa58.
Restando clara a situação de desigualdade no Brasil, embora o desejo seja diverso do
atual panorama em que o país se encontra, é preciso reconhecer que os direitos fundamentais
não podem ser violados na frequência em que são. Tais direitos permeiam todas as relações
no âmbito jurídico, sobretudo as relações de consumo, que como ficou evidenciado, são
claramente um exemplo de desrespeito ao consumidor, que por sua vulnerabilidade muitas
vezes nem se dá conta de que está sendo lesado e ofendido, ou mesmo sentindo-se
prejudicado, não sabe como proceder. As relações consumeristas entre indivíduos são cada
vez mais frequentes na atualidade, e, portanto, não se pode admitir o desrespeito ao
consumidor, devendo ser sempre observada a eficácia horizontal como forma de evitar que a
própria dignidade humana seja deixada de lado e o ser humano seja tolhido de direitos sem os
quais nem ele mesmo se reconheça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade atual vive um momento de transição de comportamentos e valores antigos
em função da evolução sentida pelas novas tendências que impulsionam uma mudança de
paradigma, principalmente no que tange as relações de consumo. Constata-se diante do
progresso tecnológico e mudanças culturais, uma nova era de consumo ilimitado, tanto como
forma de se equiparar a determinada postura social diante da exacerbada valorização do “ter”
em detrimento do “ser”, bem como em razão de o ser humano achar que pelo consumo
alcançará a real felicidade pelo ato de satisfazer os desejos consumeristas, por vezes
supérfluos e prejudiciais.
Verifica-se que a realidade da acentuada cultura do consumo já se impregnou no
comportamento da atual sociedade. Nesse sentido, a publicidade foi um agravante que
determinou o pleno convencimento do consumidor em adquirir praticamente tudo o que vê,
sem pensar nas consequências que influenciam significativamente para o crescimento da
58 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 223.
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sociedade, como fatores voltados ao meio ambiente, diante do lixo produzido e mal
descartado, bem como o superendividamento dos consumidores, que entrava o percurso
normal da economia de toda sociedade.
A publicidade possui viés múltiplo no poder de persuasão e convencimento do
consumidor, atuando de forma negativa, pois além de ofendê-lo, com conteúdos depreciativos
– na publicidade abusiva, por exemplo –, também pode enganá-lo, ao se utilizar de técnicas
apelativas, fazendo com que o consumidor não enxergue que está sendo levado a erro.
Identificou-se que as relações de consumo são praticadas em regra por particulares –
fornecedor e consumidor –, em que ambos pactuam suas condições de negócio, muitas vezes
sem observar que direitos fundamentais de uma das partes podem estar sendo violados. O
consumidor, por sua presumida vulnerabilidade é frequentemente ofendido com publicidades
enganosas e abusivas e o fornecedor, diante de sua superioridade em detrimento da
hipossuficiencia do consumidor, utiliza-se da liberdade de expressão a fim de que sua
publicidade atinja todo o público, que diante de técnicas notadamente avançadas, fará com
que a mensagem chegue ao maior número de pessoas, esteja tal público apto ou não para
filtrar ou desconsiderar a mensagem.
Diante de um panorama que engloba todas as pessoas, haja vista o ato de consumir ser
inerente a toda sociedade, constatou-se a necessidade de reforçar a importância do respeito
aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, que tem sido sistematicamente
violados no âmbito das relações de consumo. Nesse sentido, incide a defesa da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais, como forma de garantir que nessa era pós-moderna, o
consumo não seja demasiado, e a publicidade atinja seus fins de forma lícita, promovendo a
propagação da informação e o conhecimento do consumidor de maneira positiva. Nessa
perspectiva, o consumo não pode ser visto como algo prejudicial à sociedade, mas que seja
exercido observando-se o respeito aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana,
sem os quais o ser humano não se reconhece.
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A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO
CRÉDITO PELOS DANOS CAUSADOS AO CONSUMIDOR PELO CADASTRO
INDEVIDO
LA RESPONSABILIDAD SOLIDARIA DE LOS ÓRGANOS DE PROTECCIÓN DE
CRÉDITO POR LOS DAÑOS CAUSADOS AL CONSUMIDOR POR EL REGISTRO
INDEVIDO
LUIS MIGUEL BARUDI DE MATOS1
MARCOS VINICIUS AFFORNALLI2
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo demonstrar a possibilidade de responsabilização solidária
dos órgãos de proteção ao crédito pelos danos causados aos consumidores pela incorreta
inclusão desses nos cadastros de inadimplentes, com base no Código de Defesa do
Consumidor, tendo por fundamento a existência de uma cadeia de fornecimento e nexo de
imputação. Os argumentos apresentados consideram os princípios orientadores do
microssistema de proteção ao consumidor, em especial os princípios da vulnerabilidade, da
proteção integral e da reparação integral dos danos causados nas relações de consumo, que
têm por destinatários o consumidor e aqueles a ele equiparados em decorrência dos danos
sofridos. Defende-se, portanto, a mitigação das excludentes de responsabilidade dadas aos
fornecedores de serviços de forma geral, considerando a especificidade da relação contratual
existente entre a entidade de proteção ao crédito, o fornecedor originário e o consumidor
prejudicado. Esse alargamento da responsabilização desses órgãos e sua inserção nos
princípios de proteção ao consumidor tem com premissa maior a proteção da dignidade da
pessoa humana, valor maior defendido pela Constituição Federal e que deve servir de norte
para todo o ordenamento jurídico brasileiro, impedindo que restem sem reparação quaisquer
espécies de danos, em especial aqueles que atingem sujeito vulnerável por presunção legal
absoluta, como é o consumidor. Frente a esses argumentos, o estudo, em suas considerações
finais, defende a possibilidade de reparação do dano pelos órgãos de proteção ao crédito e a
1 Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, professor da União Dinâmica de Faculdades Cataratas – UDC de Foz do Iguaçu/PR, advogado. 2 Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho – RJ, doutorando em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, professor da União Dinâmica de Faculdades Cataratas – UDC de Foz do Iguaçu/PR, advogado.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
103
posterior utilização da ação regressiva contra aquele que tenha efetivamente causado do dano
ao consumidor.
PALAVRAS-CHAVE: Proteção integral do consumidor; Responsabilidade civil; Dignidade
da pessoa humana.
RESUMEN
El presente estudio tiene por objetivo demostrar la posibilidad de responsabilizar de forma
solidaria a las entidades de protección de crédito por los daños causados a los consumidores
por la incorrecta inclusión de aquellos en los registros de deudores, con base en el Código de
Defensa del Consumidor, presentando como fundamento la existencia de una cadena de
fornecimiento y un nexo de imputación. Los argumentos presentados consideran los
principios orientadores del microsistema de protección del consumidor, en especial los
principios de la vulnerabilidad, de la protección integral y de la reparación integral de daños
surgidos de las relaciones de consumo, que tienen por destinatarios el consumidor e aquellos a
este equiparados en razón de los daños sufridos. Se defiende, así, la mitigación de las
excluyentes de responsabilidad permitidas a los proveedores de servicios en general,
considerando la especificidad de la relación contractual existente entre la entidad de
protección de crédito, el proveedor originario y el consumidor perjudicado. Ese alargamiento
de la responsabilidad de estos órganos y su inserción en los principios de protección al
consumidor tiene como premisa mayor la protección de la dignidad humana, valor mayor
defendido por la Constitución Federal y que debe servir de norte a todo ordenamiento jurídico
brasileño, para impedir que resten sin reparación cualquier espécimen de daños, en especial
aquellos que atingen el sujeto vulnerable por presunción legal absoluta, como es el
consumidor. Frente esos argumentos, el estudio, en sus consideraciones finales, defiende la
posibilidad de reparación del daño por las entidades de protección de crédito y la posterior
utilización de la vía regresiva contra aquel que tenga efectivamente ocasionado el daño al
consumidor.
PALABRAS-CLAVE: Protección integral del consumidor; Responsabilidad civil; Dignidad
humana.
1 INTRODUÇÃO
O estudo realizado não busca tratar do tema de forma definitiva, mas sim, trazer
argumentos para fundar uma nova interpretação dos postulados de defesa do consumidor com
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referência à atuação dos órgãos de proteção ao crédito e os danos causados pela inscrição
indevida dos consumidores em seus cadastros.
A partir da pesquisa realizada, demonstra-se a relevância da Constituição Federal e
seus princípios, influenciando diretamente o restante do ordenamento jurídico brasileiro,
alcançando o instituto da responsabilidade civil e sua abordagem pela lei geral – o Código
Civil – e pela legislação específica quanto às relações de consumo – o Código de Defesa do
Consumidor. Para tanto, dividiu-se o trabalho em dois tópicos.
O primeiro tópico trata da responsabilidade civil, expondo um sintético panorama
histórico, tratando em especial, da responsabilidade subjetiva e objetiva e sua abordagem pelo
Código de Defesa do Consumidor, realizando a vinculação dessa opção legislativa com os
princípios fundamentais do sistema de proteção ao consumidor, tendo como premissa maior a
dignidade da pessoa humana.
O segundo tópico traz, de forma também sucinta, o sistema de proteção ao crédito,
sua função e origem, bem como a questão da responsabilidade pela inclusão indevida do
nome de consumidores nos cadastros de inadimplentes, com o posicionamento atual da
doutrina acerca do assunto, informando posições divergentes quanto à possibilidade de
responsabilização dessas entidades perante os danos causados às vítimas diretamente e à
sociedade.
Ressalta-se que, como dito inicialmente, o presente trabalho não se propõe a
extinguir as discussões com relação ao assunto abordado, antes disso, o que se pretende é
trazer argumentos e observações para que se dê continuidade à essa discussão.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA INSERÇÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
2.1 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Em consonância com o objetivo geral proposto e em decorrência deste, bem como
dos objetivos específicos, é necessário tratar do tema da responsabilidade civil, num primeiro
momento, por meio de uma verificação de seus primórdios, passando a discussão de sua
abordagem pelo ordenamento jurídico brasileiro e, ao final, de forma específica, pelo prisma
adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, com vistas a análise crítica do instituto e a
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
105
possibilidade de propor, ao final, um fundamento diverso do que atualmente se utiliza a
ciência jurídica3.
Para o desenvolvimento desse diagnóstico, optou-se pela apreciação dos precedentes
históricos da responsabilidade civil, passando, por fim, ao exame da própria estrutura interna
do instituto, com ênfase no fundamento da responsabilidade civil na teoria da culpa e na teoria
do risco e nas suas funções de reequilíbrio econômico-social, reparação da vítima e prevenção
de danos.
2.1.1 Da responsabilidade sem culpa a culpa como fundamento da responsabilidade civil
Lima (1998, p. 13) afirma que “a crença antiga e divulgada de que a teoria das
obrigações e do contrato constitui uma ilha inacessível à evolução, tendendo à perenidade, à
uniformidade e à universalidade, em virtude de seu caráter científico e lógico, não resiste hoje
a mais simples análise”. Da mesma forma o instituto da responsabilidade civil, atrelado em
seu âmbito técnico à noção de obrigação e de contrato e, portanto, não imune à evolução
social decorrente da pós-modernidade em suas dimensões de sociedade de risco e de
consumo4.
Para adentrar à análise dos antecedentes históricos da responsabilidade jurídico, cite-
se Hironaka (2005, p. 44), para quem, “duas são as grandes referências para uma concepção,
ainda que analógica, dos antecedentes históricos da responsabilidade civil: o conceito de
responsabilidade e a codificação de um sistema de compensação”. Nesse sentido, segue a
autora, independentemente da consideração da existência de um conceito preciso de
responsabilidade civil, todos os sistemas jurídicos, antigos ou contemporâneos, indicam a
existência de um dever de compensação em razão de um prejuízo ao direito de outrem.
Nesse primeiro estágio civilizacional, no qual as instituições humanas eram tão
pouco desenvolvidas e, por conseguinte, não se cogitava qualquer forma de organização 3 Como afirma Fachin (2000, p. 5), “crítica e ruptura não abjuram, tout court, o legado, e nele reconhecem raízes indispensáveis que cooperam para explicitar o presente e que, na quebra, abrem portas para o futuro”. 4 Segue Lima (1998, p. 15-17): “Não há, sem dúvida, assunto mais atual, mais complexo e mais vivo, como observa Josserand, do que o estudo da responsabilidade aquiliana, centro do Direito Civil, ponto nevrálgico de todas as instituições. René Savatier, estudando a evolução geral da responsabilidade civil, observa que sua expansão é hoje revolucionária. Inúmeras são as causas que os doutrinadores apontam para justificar aquela asserção; umas de natureza puramente material, como as que decorrem dos novos inventos mecânicos, como o automóvel, o avião, as estradas de ferro, os maquinismos em geral, provocando situações jurídicas novas. Vivemos mais intensamente (Roosevelt) e mais perigosamente (Nietzsche), e, assim, num aumento vertiginoso, crescente e invencível, de momentos e de motivos para colisões de direitos. [...] Ao lado das causas materiais apontadas, fatores econômicos, sociais, políticos e influências de ordem moral vieram precipitar a evolução da responsabilidade extracontratual, a ponto de se afirmar que, em nenhuma outra matéria jurídica, o movimento de ideias foi tão acentuado nestes últimos dez anos”.
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106
social que não fosse decorrência do uso da força, vigorava a autotutela pela prática da
vingança pessoal como única forma de compensação por danos causados por outro indivíduo
(HIRONAKA, 2005, p. 45). A vingança pura e simples, feita pelas próprias mãos da vítima,
seria a pena privada perfeita, segundo Lima (1998, p. 20).
Passando à Roma Antiga pode-se considerar que é neste estágio de evolução jurídica
que se encontram as bases fundamentais de todos os sistemas jurídicos ocidentais, mesmo
daqueles que não derivam diretamente do Direito Romano (HIRONAKA, 2005, p. 49). Essa
tendência se percebe tanto na doutrina geral do Direito, quanto nas obras referenciais acerca
da responsabilidade civil, difundida ainda nos manuais acadêmicos sobre o tema. É do direito
romano que as legislações modernas retiraram a teoria clássica da culpa e da qual nasceu o
princípio genérico da responsabilidade extracontratual concretizado no Código Civil de
Napoleão (LIMA, 1998, p. 19). É do Direito Romano e a partir desse, a concepção de um
dever geral de não prejudicar ninguém, expresso na máxima naeminem laedere (CAVALIERI
FILHO, 1998, p. 19).
Nesta fase permanece a noção de vingança pessoal, porém regulada pelo Estado e
não se tem diferença entre responsabilidade civil e penal (PEREIRA, 2001, p. 2). Percebe-se
então a valoração econômica do dano, sendo diferenciado o valor pago em conseqüência da
pessoa do ofensor e do ofendido, bem como em razão do bem atingido pela ofensa (DIAS,
2006, p. 26).
Com o advento da Lex Aquilia, ainda no Direito Romano, é que se reconhece um
princípio geral aplicável à reparação do dano – no caso o damnum injuria datum5 –,
transformando-se em marco jurídico essencial para o tema da responsabilidade, passando a
denominar, inclusive, uma espécie desta: a responsabilidade civil extracontratual ou
aquiliana. Esta traz consigo a noção de culpa como elemento subjetivo da responsabilidade
(DIAS, 2006, p. 28).
Com o advento da lex aquilia de damno se introduziu a inovação sem precedentes da
ideia todo autor de um ato ilícito – contrário à lei ou ao direito de outrem – está obrigado de
antemão a indenizar em decorrência da causalidade da ação levada a cabo. Entretanto, a culpa
moldada pela lex aquilia não mantém relação com o sentido de culpa que se adota
5 “O damnum injuria datum consistia na destruição ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido a coisa corpore et corpori, sem direito ou escusa legal (injuria). Concedida, a princípio, somente ao proprietário da coisa lesada, é mais tarde, por influência da jurisprudência, concedida aos titulares de direitos reais e aos possuidores, como a certos detentores, assim como aos peregrinos; estendera-se também aos casos de ferimentos em homens livres, quando a lei se referia às coisas e ao escravo, assim como às coisas imóveis e à destruição de um ato instrumentário (testamento, caução), desde que não houvesse outro meio de prova.” (LIMA, 1998, p. 22).
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107
contemporaneamente na concepção de responsabilidade civil. Na visão aquiliana, o fator
fundamental é a causalidade do agente em relação ao dano, ou seja, a obrigação de reparar
está fundada no fato de o agente ter causado o dano e não na possibilidade de ter desejado
causar o dano que efetivamente causou (HIRONAKA, 2005, p. 55-57).
Já na modernidade, percebe-se o surgimento de nova realidade social, advinda da
crescente modernização decorrente da revolução industrial, da hegemonia do capitalismo
como forma de produção e, por consequência, novos contextos relacionais entre indivíduos e
a consolidação dos Estados nacionais, levando a demanda por alterações também no domínio
do Direito (DALLARI, 2011, p. 77-79).
Segundo Dias (2006, p. 30), no direito francês evoluído, independe da gravidade da
culpa do responsável, sendo estabelecidas categorias de culpa das quais advém os danos: a
que acarreta a responsabilidade penal do agente perante o Estado e a responsabilidade civil
perante a vítima; aquela das pessoas que descumprem obrigações (culpa contratual) e a que
não está vinculada a crime ou delito, mas tem origem na negligência ou imprudência do
agente (culpa extracontratual).
Entretanto, a teoria clássica fundada na culpa se mostrou insuficiente para atender às
demandas concretas decorrentes do convívio social com a evolução da sociedade moderna,
deixando sem reparação casos nos quais não se conseguia a comprovação desse elemento
subjetivo. Esse novo contexto social deu início a um movimento jurisprudencial que alargava
a interpretação do elemento subjetivo, levando à reformulação da teoria clássica da
responsabilidade civil fundada na existência de culpa do ofensor, que deu lugar a novas
teorias dogmáticas que se posicionam pela necessidade de reparação dos danos em
decorrência direta do fato ou do risco criado, sem a consideração da culpa (CAVALIERI
FILHO, 1998, p. 141-142).
2.1.2 Da responsabilidade civil subjetiva à responsabilidade civil objetiva: da vinculação
do dano exclusivamente à existência da culpa à presunção ou desconsideração da culpa
para reparação do dano
Conforme define Dias (2006, p. 57), a teoria da culpa resumida por Ihering na
fórmula “sem culpa, nenhuma reparação”, foi suficiente por muito tempo para satisfazer a
dogmática jurídica como fundamento da responsabilidade e ainda inspira parte da doutrina
que resiste em declarar sua insuficiência frente às demandas da modernidade, sem menção
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
108
ainda aos defeitos da própria concepção teórica. Entretanto, a transição da responsabilidade
subjetiva para a objetiva não foi tarefa simples ou célere (LIMA, 1998, p. 70-71).
Para contextualizar a situação que se observava então, Calixto (2008, p. 150) afirma
que ao final do século XIX se constata que a exigência da prova da culpa pela vítima do dano
dificultava, quando não impedia, a reparação do próprio dano, sendo iniciado o movimento
doutrinário e jurisprudencial no sentido de relativizar o ônus probatório da vítima, sem abolir
formalmente a culpa ou sua prova como fundamento da responsabilidade civil. Surgem assim,
segundo o autor, as primeiras teorias favoráveis à presunção da culpa do ofensor pelos danos
causados por sua ação6.
Como dito por Lima (1998, p. 113-116), o movimento evolutivo da sociedade
introduzida na industrialização torna imprescindível perquirir um novo fundamento para a
responsabilidade civil extracontratual que melhor resolvesse o problema da reparação do
dano, não sendo mais possível atender às novas demandas sociais no âmbito da
responsabilidade unicamente com fundamento na culpa. Para tanto se fez necessário abordar a
responsabilidade não mais sob o prisma do elemento moral e passar a análise do aspecto
exclusivo da reparação do dano. Sendo que dano e reparação não devem ser medidos pela
culpabilidade, mas surgir do próprio fato causador da lesão ao bem jurídico.
Em resposta à demanda social pela possibilidade de reparação mesmo na ausência de
culpa, pode-se afirmar que a teoria da responsabilidade objetiva se funda no risco, concebido
como perigo ou probabilidade de dano, sendo que aquele que exerce uma atividade perigosa
deve assumir os riscos dela decorrente e reparar os eventuais danos que possa ocasionar. Dito
de outra forma, todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por este,
independentemente de ter agido com culpa ou não. O problema da reparação se resolve pela
causalidade, dispensado qualquer juízo de valor sobre a ação do responsável, que é aquele
que materialmente causou o dano (CAVALIERI FILHO, 1998, p. 143).
2.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL:
SEGURANÇA DO CONSUMIDOR COMO PARADIGMA DE RESPONSABILIZAÇÃO
2.2.1 Código de defesa do consumidor e responsabilidade civil
6 Nesse sentido, Maranhão (2010, p. 180) afirma que “a dificuldade probatória era tão intensa e injusta que acabou sendo considerada como uma verdadeira maldade às vítimas, que, diante do dissabor de um já previsível fracasso probatório no interior de uma demanda judicial, no mais das vezes restavam totalmente iressarcidas. Daí o porquê dessa frustração técnico-probatória ter sido batizada na doutrina de probatio diabolica.”
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109
A pós-modernidade como espaço de transição da sociedade moderna para um
futuro desconhecido e incerto, traz como característica perceptível a sua natureza consumista,
ou melhor, a internalização de uma sociedade de consumo7. Com objetivo de trazer um
recorte teórico e referencial ao presente trabalho, e necessário informar algumas premissas
sobre a abordagem que se adota. Trata-se aqui de uma forma de localização do problema
proposto em determinado e específico ambiente social.
O indivíduo-consumidor, alcança posição de relevância na sociedade pós-moderna
não pela utilização de bens de tradição aristocrática, mas pelo consumo de novos produtos,
transformados em signos, cujo uso se restringe no tempo, levando à busca constante por
novos produtos, sendo o valor de representação daqueles o fator indicativo da situação social
do indivíduo. A partir da alteração desses padrões, com o consumo individualizado e ávido
por inovações tecnológicas, elevado a fator preponderante da inserção do indivíduo na
sociedade é que se conforma a atual sociedade de consumo, na qual os signos ou objetos vão
além da sua dimensão material de uso, encampando uma dimensão ideal de representação
(BAUDRILLARD, 2010, p. 50-51).
Nessa realidade social contemporânea despontam novos atores centrais – o
consumidor8 e o fornecedor9 – partes de uma nova espécie de relação jurídica – a relação de
consumo10, surgindo a necessidade de evolução do próprio ordenamento jurídico
contemporâneo, adotando medidas punitivas, protetivas e preventivas quanto às ameaças e
danos advindos das novas relações sociais resultantes.
O Direito, então, enfrenta um novo desafio: a proteção do consumidor como
fenômeno jurídico desconhecido no passado e que, a partir do século XX, quando o homem
passa a viver em função de um novo modelo associativo, a sociedade de consumo, que se
caracteriza por um número inédito e crescente de produtos e serviços disponibilizados, pelo
7 Para Barbosa (2010, p. 7), “sociedade de consumo é um dos inúmeros rótulos utilizados por intelectuais, acadêmicos, jornalistas e profissionais de marketing para se referir à sociedade contemporânea. Ao contrário de termos como sociedade pós-moderna, pós-industrial e pós-iluminista – que sinalizam para o fim ou ultrapassagem de uma época – sociedade de consumo, à semelhança das expressões sociedade da informação, do conhecimento, do espetáculo, de capitalismo desorganizado e de risco, entre outras, remete o leitor para uma determinada dimensão, percebida como específica e, portanto, definidora, para alguns, das sociedades contemporâneas”. 8 Consumidor é qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço. (FILOMENO, 2007, p.32). 9 Fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produto ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual. (FILOMENO, 2007, p.47). 10 Relações de consumo são relações jurídicas por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois polos de interesse: o consumidor-fornecedor e a coisa, objeto desses interesses, o que no caso consiste em produtos e serviços. (FILOMENO, 2007, p.50).
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domínio do crédito e do marketing, pela dificuldade de acesso à justiça. Essa nova sociedade
leva à criação do Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma (GRINOVER E
BENJAMIN, 2007, p. 6).
Essa realidade social se coloca de frente às antigas concepções e dogmas jurídicos da
modernidade, influenciando como se viu no surgimento de um novo ramo de estudos jurídicos
– o Direito do Consumidor – e também no que se refere ao instituto da responsabilidade civil,
que por sua vez, encontra sua base no Direito Civil, mas tem aplicabilidade plena e necessária
no direito consumerista, incluindo a abordagem da Responsabilidade Civil no microssistema
de proteção das relações de consumo.
Retomando o tema da sociedade de consumo, pode-se afirmar que esta, ao contrário
do que se propunha e que se imagina, não trouxe apenas benefícios aos que nela se
encontram. A posição do consumidor, encantado com os benefícios prometidos, de acesso a
bens e serviços, novas tecnologias e produtos, possibilidade de obtenção de ascensão social
através da propriedade e uso desses objetos, acabou por ser inferiorizada.
Se nas sociedades anteriores, consumidor e fornecedor se encontravam em relativo
equilíbrio de negociação, muitas vezes pela proximidade existente entre ambos, decorrente de
um mercado pré-globalização, atualmente o fornecedor assume um papel preponderante na
relação de consumo, ditando regras e condições, em contraposição à vulnerabilidade do
consumidor. O mercado, nos seus moldes atuais, não apresenta mecanismos para superar ou
mitigar essa posição de inferioridade relacional do consumidor, sendo imprescindível a
intervenção do Estado com tal objetivo. Seja editando e implementando normas jurídicas, seja
solucionando conflitos decorrentes das relações de consumo (GRINOVER E BENJAMIN,
2007, p. 6-7).
Essa condição desfavorável do consumidor se apresenta de forma complexa,
multifacetada, não sendo plausível a aceitação de que o Direito proteja apenas em parte o
consumidor. Faz-se necessário, ao contrário, que a proteção ao consumidor – elo mais fraco
da relação de consumo – seja integral, sistemática e dinâmica, com o regramento de todos os
aspectos dessa relação jurídica específica. E na vulnerabilidade do consumidor, pretendendo
sua proteção integral, é que se fundamenta o Direito do Consumidor como nova disciplina
jurídica, com objetivo precípuo de reequilibrar a relação de consumo (GRINOVER E
BENJAMIN, 2007, p. 7).
Dessa forma, tem-se que o Código de Defesa do Consumidor compõe um sistema
autônomo inserto no sistema constitucional brasileiro, estando suas normas submetidas aos
princípios constitucionais e, por outro lado, todas as outras normas do sistema constitucional
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111
somente se aplicarão às relações de consumo em caso de lacuna no sistema de defesa do
consumidor. Sob esse aspecto, sua interpretação deve ser lógico-sistemática, com base
teleológica, integrando suas regras e princípios com as finalidades para as quais fora proposto
(RIZZATO NUNES, 2010, P. 156).
Para Efing (2003, p. 88-90), os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor são
instrumentos de prevenção e repressão com vistas ao aprimoramento das relações de
consumo. Não visam a demonização do fornecedor ou se tornar a tábua de salvação dos
consumidores frente aos abusos na relação de consumo. Objetiva, por outro lado, extirpar as
desigualdades por meio de alternativas legais disponibilizadas ao consumidor, ensinando-o a
utilizá-las. A partir do momento em que o consumidor tenha conhecimento de seus direitos e
de como defendê-los, torna-se exigente em sua ação de consumo e essa exigência influencia a
atitude do fornecedor, aprimorando, por fim, a relação de consumo.
Para esse fim, a política nacional das relações de consumo é regida por
determinados princípios próprios, elencados no art. 4°, do Código de Defesa do Consumidor,
que, segundo Marins (1993, p. 37-38), têm por objetivo atender e proteger os consumidores
em sua dignidade, saúde e segurança, em seus interesses econômicos, promovendo a
transparência e harmonia das relações de consumo.
Desse sistema principiológico, destaca Efing (2003, p. 91) a importância do princípio
da vulnerabilidade e do princípio da informação, sendo que desses é possível extrair os
demais princípios informadores do Direito do Consumidor no Brasil, positivado pelo Código
do Consumidor. Para contextualizar a importância do princípio da vulnerabilidade é preciso
ter em mente a condição de submissão do consumidor na relação de consumo. Essa submissão
tem por base o poder dos fornecedores em limitar a escolha do consumidor em face dos
produtos por aqueles disponibilizados no mercado, concluindo que se o consumidor depende
do fornecedor para manifestação de sua vontade, à essa esta submisso e, portanto, torna-se o
elo mais fraco da relação.
Para Filomeno (2007, p. 79-82) a obrigação ou tarefa imposta pelo Código do
Consumidor não é apenas dos fornecedores, estendendo-se ao Estado, órgãos públicos e
entidades privadas de proteção do consumidor. O Estado desempenharia sua função educativa
e informativa por meio da educação formal, incluindo a matéria dos direitos do consumidor
nos currículos escolares em todos os níveis, bem como através dos órgãos públicos de defesa
do consumidor. Estes órgãos públicos, por sua vez, atuariam em conjunto com entidades
privadas no sentido de disponibilizar material informativo direcionado à sociedade
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
112
consumidora, com objetivo de disseminar e dar conhecimento sobre direitos e prerrogativas
atinentes ao tema das relações de consumo.
Outro dos princípios informadores do Direito do Consumidor é o princípio da
garantia de adequação, definido por Efing (2003, p. 94) como aquele que determina ao
fornecedor o dever de garantir a adequação dos produtos e serviços à demanda legalmente
constituída pela saúde, segurança, qualidade de vida e demais bens jurídicos inerentes aos
consumidores. Conforme Marins (1993, p. 41), essa adequação dos produtos e serviços está
vinculada ao binômio segurança/qualidade11 e atende concretamente aos objetivos do art. 4°
do Código de Defesa do Consumidor, que consistem no atendimento das necessidades dos
consumidores, respeitando sua dignidade, saúde e segurança, melhoria da qualidade de vida e
protegendo seus interesses econômicos.
Passando ao princípio da boa-fé nas relações de consumo, este vem expresso no
Código de Defesa do Consumidor como regra geral de comportamento e encontra-se
invocado em diversas passagens da referida lei. A transparência e harmonia previstas no
caput do seu art. 4° serão decorrentes da conduta geral de boa-fé de ambas as partes da
relação de consumo, ainda que na defesa de interesses aparentemente confrontantes. Para
tanto, ambos – consumidor e fornecedor –, devem ter em vista um objetivo comum que é o de
tornar mais eficiente e justo o mercado de consumo (MARINS, 1993, p. 41-42).
Assim, tem-se que a boa-fé inserida no Código de Defesa do Consumidor é objetiva,
definida por Rizzatto Nunes (2010, p. 196) como o dever das partes de agir conforme
determinados parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de estabelecer e preservar o
equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, mas o equilíbrio entre suas
respectivas posições contratuais. A boa-fé objetiva funciona, nesse contexto, como um
modelo, que não depende de qualquer verificação de má-fé subjetiva do fornecedor ou do
consumidor.
Como corolário dos demais princípios inseridos no Código de Defesa do
Consumidor, encontra-se o princípio do acesso à justiça, por sua função concretizadora dos
direitos afetos ao tema. De nada adiantaria a previsão de direitos e garantias formais sem a
facilitação de sua materialização através da prestação jurisdicional acessível e o tratamento
diferenciado do consumidor em juízo, ainda com vistas a sua vulnerabilidade e ao equilíbrio
na relação de consumo (EFING, 2003, p. 95).
11 Segundo Filomeno (2007, p. 82), “hodiernamente o conceito de qualidade não é mais a adequação às normas que regem a fabricação de determinado produto ou a prestação de um determinado serviço, tão-somente, mas principalmente a satisfação de seus consumidores [...]”.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
113
Para esse fim, o princípio propicia aos consumidores meios processuais efetivos e
contundentes para a busca da defesa de seus interesses e possibilitando a plena utilização dos
direitos subjetivados e positivados no Código do Consumidor e legislação correlata. Com esse
objetivo, o Código cria instrumentos de facilitação da posição processual do consumidor,
dentre os quais, a vulnerabilidade, a inversão do ônus da prova, a impossibilidade da
intervenção de terceiros nas lides de consumo, o sistema de responsabilidade civil mitigada do
fornecedor e a antecipação de tutela (EFING, 2003, p. 95).
No microssistema dos direitos do consumidor, com suas inovações de natureza
jurídica material e processual destaca-se o instituto da responsabilidade civil como
instrumento vital de concretização desses novos direitos. Não há como se falar em plena
concretização dos direitos do consumidor sem que haja a previsão da reparação dos danos
causados no âmbito das relações de consumo e, mais importante, sem que se instituam
instrumentos processuais que garantam a efetiva, integral e célere reparação desses danos.
Portanto, para o estudo das relações de consumo é imprescindível a percepção da
forma de recepção da responsabilidade civil pelo Código de Defesa do Consumidor, bem
como sua operacionalização em juízo em decorrência das prerrogativas processuais destinadas
ao consumidor para consecução do princípio do acesso à justiça em todos os seus aspectos.
Inicialmente, quanto à responsabilidade civil inserida no Código de Defesa do
Consumidor cabe aludir a Denari (2007, p. 182-183) que afirma decorrer da relação de
consumo uma relação de responsabilidade, com a inversão dos polos ativo e passivo,
adentrando o consumidor no polo ativo da relação de responsabilidade, levando consigo todas
as suas prerrogativas subjetivas. Essa inversão de posição relacional que permitiu ao Código
do Consumidor afastar a bipartição clássica entre responsabilidade contratual e
extracontratual, dando ensejo à unificação do instituto em sua aplicação às relações de
consumo. Segue Denari (2007, p. 188 e 203), informando que a responsabilidade civil adotada
pelo Código de Defesa do Consumidor é objetiva, não sendo relevante para sua determinação
investigar a conduta do fornecedor de produtos ou serviços, considerando-se apenas o fato da
colocação destes no mercado de consumo, dando causa aos danos causados por esses.
Entretanto, a responsabilidade do fornecedor, da forma como adotada pelo Código de
Defesa do Consumidor, não é absoluta, mas mitigada, sendo previstas hipóteses de exclusão
dessa responsabilidade, previstas na lei e cujo ônus da prova é do fornecedor (EFING, 2003,
p. 135). Essa opção legislativa segue a melhor doutrina que prevê que um sistema equânime
de responsabilização no âmbito das relações de consumo deve imputar o risco aquele que
tenha melhores condições de prevê-lo e que tenha melhores condições de distribuir, diluir e
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
114
reduzir tais riscos, recaindo, por fim, esse risco sobre aquele que o originou, sem que isso
signifique em responsabilidade absoluta, com vistas à harmonia na distribuição de riscos
(MARINS, 1993, p. 97).
O Código de Defesa do Consumidor, por opção legislativa, adota a concepção ampla
de fornecedor12, sendo que é solidária a responsabilidade dos participantes da mesma cadeia
de fornecimento do produto ou serviço. Com essa determinação legal, seja qual for o
fornecedor acionado pelo consumidor a responder pelos danos causados, sua concorrência
para a realização do evento danoso é irrelevante, bastando sua inserção na cadeia de
fornecimento (EFING, 2003, p. 144-145).
Por óbvio também que se faz necessária a comprovação da existência do defeito, do
dano efetivo – moral ou patrimonial – e, do nexo de causalidade entre o defeito do produto ou
serviço e a lesão. Não se comprovando ou inexistindo qualquer desses elementos não se pode
cogitar a responsabilidade civil do fornecedor no âmbito da relação de consumo (MARINS,
1993, p. 108-109). Quanto aos danos causados pelo fornecedor de serviços, sua
responsabilidade encontra fundamento nos mesmos elementos do caso dos produtos, em razão
do fornecimento de serviços defeituosos (DENARI, 2007, p. 202).
Com respeito aos serviços, Denari (2007, p. 203) relaciona três hipóteses em que
esses serão considerados defeituosos: a) quando é mal apresentado ao público consumidor; b)
quando sua fruição é capaz de suscitar riscos acima do nível de razoável expectativa; e c)
quando, em razão do decurso do tempo, desde a sua prestação, é de se supor que não ostente
sinais de envelhecimento. Esses critérios de aferição encontram-se elencados no art. 14, § 1°,
do CDC e são, segundo o autor, a simples adequação da norma prevista no art. 12, § 1°,
também do CDC e que se refere aos produtos defeituosos.
Interessante o posicionamento de Rizzatto Nunes (2010, p. 243-244) quanto aos fatos
do produto e serviço, muitas vezes denominados de acidentes de consumo. O autor defende a
utilização do termo fato em detrimento de acidente, sendo que este último poderia confundir o
entendimento da conotação desejada pelo CDC, não se adequando a determinados
acontecimentos ensejadores de responsabilidade por danos aos consumidores. Já a própria
palavra fato permite a conexão com acontecimento, implicando no entendimento de que seria
12 Sobre o assunto, Filomeno (2007, p. 47) afirma que são considerados como fornecedores todos quantos propiciem a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo, mediante desempenho de atividade civil ou mercantil e de forma habitual, sendo relevante sua distinção apenas para fins de responsabilização por danos causados aos consumidores ou, na cadeia de responsabilização, para que os próprios fornecedores utilizem seu direito de regresso, em vistas da solidariedade entre esses, imposta como garantia de efetividade da proteção dos mesmos consumidores.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
115
qualquer acontecimento e não apenas aqueles decorrentes de acidentes, no sentido estrito do
termo.
Com relação às excludentes de responsabilidade, Marins (1993, p. 145) defende sua
inclusão no CDC com vistas à justa distribuição do risco entre as partes da relação de
consumo para que se obtenha um sistema de proteção dessas relações não apenas eficaz, mas
harmônico e equilibrado, sem que a carga de responsabilidade se sobreponha de forma
desmesurada sobre um dos polos da relação, o fornecedor, mas preservando o tratamento
favorável ao consumidor. O art. 12, § 3°, do CDC relaciona de modo taxativo as hipóteses de
exclusão da responsabilidade do fornecedor de produtos, assim como o § 3°, do art. 14,
também do CDC, enumera as excludentes de responsabilidade do fornecedor de serviços.
Com a concorrência de culpa, permanece, no âmbito do CDC, a responsabilidade
integral do fornecedor. Quanto à culpa de terceiro, este deve ser pessoa estranha à relação de
consumo, sendo que se o terceiro participar da relação de consumo, de plano não seria assim
considerado. Mas, da mesma forma, se o terceiro estiver relacionado com a cadeia de
fornecimento, como empregado, preposto ou representante autônomo do fornecedor, este se
mantém como responsável integral pelo dano causado (RIZZATO NUNES, 2010, p. 261-
262).
As causas excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços se coadunam
com as do fornecedor de produtos, sendo também a inexistência do defeito e a culpa exclusiva
do consumidor ou de terceiro.
Em contrapartida, é importante analisar a questão da consideração da excludente
genérica de responsabilidade consubstanciada pelo caso fortuito ou força maior e elencadas
no Código Civil, art. 393 e inexistente no rol trazido pelo CDC. Denari (2007, p. 199-200) e
Marins (1993, p. 153-155) adotam a tese majoritária13 de que a ocorrência do caso fortuito ou
força maior deve ser analisado sob dois aspectos, decorrentes do momento do acontecimento.
Em caso de ocorrência em fase de concepção ou produção do produto, o fornecedor
permanece responsável pelo dano causado quando da sua inserção no mercado e utilização
pelo consumidor, mantendo-se intacto o nexo causal. Entretanto, em caso de acontecimento
em momento posterior, quando o produto já estiver inserido no mercado, o fornecedor já não
será responsabilizado pelos danos causados por este, já que o nexo causal que liga o defeito ao
dano não estaria mais sob seu controle.
13 Apresentando posicionamento contrário tem-se Rizzatto Nunes (2010, p. 261), que defende a responsabilidade integral do fornecedor na ocorrência de caso fortuito ou força maior, independentemente do momento do acontecimento.
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116
2.2.2 Segurança das relações de consumo em observância do paradigma da dignidade
humana
Desde a década de 1980 faz-se menção, de forma reiterada nos textos jurídicos no
Brasil, à dignidade da pessoa humana, período em que se presenciou a elaboração e
promulgação da Constituição Federal, em 1988, que deu extrema importância normativa aos
direitos e garantias individuais e coletivos e, nesse conjunto, papel proeminente à dignidade.
A partir da promulgação da CF de 1988 e, em especial no decênio posterior, que coincide com
os cinquenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vivenciou-se no Brasil a
discussão sobre o tema em proporções jamais vistas. Esse fato foi alimentado, de certa forma,
pelo histórico recente de desrespeito aos direitos humanos em nosso país e acabou por
propiciar grande produção jurídico brasileiro (HIRONAKA, 2005, p. 159-160).
Em decorrência desse movimento histórico, a Constituição Federal de 1988,
ocasionou uma reação ao período autoritário anterior e seguindo os passos de outras ordens
constitucionais, incluiu um título próprio para o tratamento dos princípios fundamentais,
inserido na parte inaugural do texto, em homenagem ao seu vital significado e função.
Através desse posicionamento, o legislador constituinte fez transparecer, de forma inequívoca,
sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e
informativas de todo ordenamento constitucional, em especial as que definem direitos e
garantias fundamentais, que ao lado desses princípios integram o núcleo essencial da nossa
Constituição formal e material (SARLET, 2010, p. 71).
Nesse contexto informado pelo núcleo essencial de nossa Constituição, tem-se a
dignidade da pessoa humana como fundamento do modelo de Estado democrático de Direito,
conforme art. 1°, inciso III da Constituição Federal de 1988. A própria CF faz menção
expressa ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana em outras passagens do
texto constitucional. Assim se torna evidente que a dignidade da pessoa humana mereceu a
devida atenção por parte da ordem jurídica positiva no Brasil (SARLET, 2010, p. 72).
Silva (2009, p. 105), define a dignidade da pessoa humana como valor supremo que
atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Dessa
apreensão decorre que a disposição constitucional de que ordem econômica há de ter por fim
assegurar a todos uma existência digna; a ordem social visará a realização da justiça social; a
educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania. Estes não
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
117
são meros enunciados formais, mas indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da
pessoa humana.
De acordo com o autor citado, a dignidade da pessoa humana é um valor supremo,
sendo um direito fundamental da humanidade, desde o seu nascer com vida. Onde se prepara
a pessoa para o seu desenvolvimento no exercício de cidadania obtendo assim seu direito a
uma vida digna.
Pela dimensão que possui a dignidade da pessoa humana, entende-se que, ao ser
positivada como princípio constitucional pela CF de 1988, esta passa a obrigar de forma
irrestrita e incontrastável o Estado e a sociedade, sendo que qualquer ação contrária a sua
prevenção, proteção e promoção há de ser considerada juridicamente nula, sendo que no
âmbito constitucional, nenhum princípio é mais valioso na função de sintetizar a unidade
material da Constituição do que o da dignidade da pessoa humana (PIOVESAN, 2009, p.
365).
Nessa dimensão, o valor fundamental da dignidade da pessoa humana acaba
permeando, senão embasando, os demais direitos e garantias fundamentais que lhe são
conexos, iniciando pelos direitos da personalidade, perpassando pelo direito à propriedade,
influenciando os direitos econômicos, sociais e culturais, atingindo os princípios de ordem
econômica e, dessa forma limitando a livre iniciativa (PIOVESAN, 2009, p. 96-106).
Nesse movimento de permeabilização, a dignidade da pessoa humana fundamenta a
proteção jurídica do consumidor no âmbito das relações de consumo, em especial no que se
refere à segurança e adequação dos produtos e serviços inseridos no mercado de consumo, à
proteção da vida e saúde, ao objetivo de equilíbrio das relações, à facilitação do acesso à
justiça e também no que tange à responsabilidade civil do fornecedor.
Considerando esses pressupostos, caberá aos órgãos administrativos de proteção ao
consumidor e de regulação das atividades econômicas envolvidas no processo a averiguação e
controle dos riscos inerentes aos serviços disponibilizados no mercado de consumo, mas,
antes da atuação do Estado, cabe aos fornecedores verificar e garantir a adequação de seus
produtos e serviços.
Assim, a segurança do consumidor, como um dos principais objetos de tutela do
CDC e da Política Nacional das Relações de Consumo, presente em vários de seus princípios
norteadores, pretende, a par de enfatizar a proteção do consumidor estimular o fornecedor a
buscar a adequação de produtos e serviços aos padrões de mercado. Some-se a esses
objetivos, o de possibilitar a responsabilização do fornecedor em caso de ocorrência de dano
ao consumidor em decorrência da não observância das normas de segurança, bem como da
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
118
frustração das legítimas expectativas do consumidor quando da aquisição de produtos e
serviços (EFING, 2003, p. 218).
Isso porque a obrigação de segurança no direito do consumidor é de natureza
eminentemente preventiva, cabendo ao fornecedor a verificação prévia da adequação e
segurança de seus produtos e serviços, em vista das expectativas do consumidor e daquelas
advindas das normas técnicas de segurança existentes. E ainda, o controle de riscos deve
prosseguir após a comercialização ou introdução do produto ou serviço no mercado, sendo
obrigado o fornecedor a relatar os órgãos administrativos competentes e, principalmente, os
consumidores os possíveis efeitos danosos que seus produtos e serviços potencialmente
produzirão, também no sentido de evitar os danos eventuais e antes desconhecidos. Estando
os fornecedores ainda obrigados a substituir os produtos defeituosos ou perigosos por outros
que correspondam às expectativas de segurança impostas (LOPEZ, 2010, p. 172).
A não observância desses quesitos – segurança e expectativa – dá ensejo à
responsabilização civil do fornecedor, seja no âmbito material, seja moral, perfazendo o
sistema de responsabilidade civil objetiva adotada pelo CDC. Essas garantias, portanto,
trazem como fundamento primeiro a dignidade da pessoa humana, protegendo e preservando
a vida, quanto à incolumidade física no que diz respeito à segurança e, no que se refere às
expectativas, preservando a esfera jurídica econômica e moral, importando dizer, como de
praxe, que ambas podem ser objeto de ação de responsabilidade conforme o ordenamento
jurídico prevê.
3 DO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E SUA RESPONSABILIZAÇÃO
PELO CADASTRO INDEVIDO DE CONSUMIDORES
Retornando ao tema da sociedade de consumo, a atual realidade social, do consumo
de massa se apresenta como um liame contínuo de relações entre consumidores e
fornecedores, sujeitando-se ao sistema de proteção do Código de Defesa do Consumidor em
vista da possibilidade, cada vez mais frequente, da ocorrência de acidentes de consumo,
causadores de danos materiais e morais para as partes envolvidas. No que se refere ao
fornecimento de serviços, surge a questão da criação e manutenção dos bancos de dados com
informações a respeito da vida econômica dos consumidores e sua capacidade de solvência.
Segundo Covas (2012), os bancos de dados destinados à proteção ao crédito são
entidades cujo objetivo é a coleta, o armazenamento e a disponibilização de informações de
crédito para utilização na análise de riscos referentes à sua concessão, sendo que no Brasil,
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
119
tais entidades surgiram na década de 1950 e, posteriormente, com a Constituição Federal de
1988 passaram a ter previsão constitucional no art. 5°, inciso LXXII, alínea “a”, sendo
disciplinadas pelo artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor. Defende o autor que tais
entidades tem fundamental importância para a segurança jurídica das relações de consumo e,
consequentemente dão maior higidez à economia.
A discussão que se pretende trazer diz respeito à responsabilidade civil dessas
entidades de proteção ao crédito pelo cadastro indevido de consumidores em seus bancos de
dados, com base nos princípios de proteção do consumidor como sendo a parte vulnerável na
relação de consumo e diante da possibilidade de equiparação da vítima de evento danoso
decorrente de relação de consumo contida no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor.
Não se trata de rever a possibilidade de consideração do dano – material e/ou moral,
relativo á inclusão indevida mas, por outro lado, discutir a responsabilidade por esse dano, a
se considerar a posição do órgão de proteção ao crédito na cadeia de consumo ou de
fornecimento existente e sua posição como ente prestador de um serviço de utilidade pública.
A proteção jurídica do consumidor não tem caráter exclusivamente contratual,
aplicável nas etapas pré-contratual, na execução do contrato e na etapa pós-contratual,
estendendo-se àqueles que, mesmo não participem da contração de modo direto, por serem
vítimas do evento danoso acabam sendo equiparados ao consumidor para fins de
responsabilização do causador do dano. Nesse sentido Sanseverino (2010, p. 119) trata do
nexo de imputação que é o vínculo que se estabelece entre o defeito presente no produto ou
serviço e a atividade desenvolvida pelo fornecedor para atribuição do dever de indenizar os
danos sofridos pelo consumidor prejudicado.
Segue Sanseverino (2010, p. 207), afirmando que o sistema de proteção ao
consumidor põe fim à dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual quando
adota tratamento utilitário à responsabilidade por acidentes de consumo, incluindo no rol de
pessoas que poderão se indenizadas os terceiros, alheios à relação de consumo originária
(bystanders), que, equiparados ao consumidor direto, poderão acionar diretamente o
fornecedor, seja qual for o vínculo contratual existente ou até inexistente, conforme artigo 17,
do CDC.
No caso da inclusão indevida do consumidor em banco de dados de inadimplentes,
mesmo que sua relação contratual não seja com o órgão de proteção ao crédito mas com
eventual fornecedor diverso, deve prevalecer a lógica da proteção integral e a possibilidade de
responsabilização deste último, considerando a cadeia de fornecimento e o nexo de
imputação.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
120
Essa possibilidade de responsabilização direta dos órgãos de proteção ao crédito pela
inclusão indevida de consumidores em seus bancos de dados, conforme defendido no presente
estudo, tem como fundamento a teoria do contato social de consumo, em conformidade com a
conceituação de Sanseverino (2010, p. 217), para quem aquele é estabelecido por meio de atos
puramente materiais, independente de manifestações claras de vontade na sociedade de
consumo de massa, aproximando o fornecedor do consumidor em momento anterior ou até
mesmo, fora de qualquer vínculo contratual.
Sempre que houver dever de indenizar em vista de danos causados por produtos ou
serviços e, sendo considerada a cadeia de fornecimento, caberá ao fornecedor acionado, em
vista da obrigação solidária, a respectiva ação de regresso contra aquele que efetivamente
tenha provocado o dano. No que se refere à responsabilidade do fornecedor de serviços,
aplica-se o disposto no art. 14, do CDC, incluindo as excludentes de responsabilidade ali
elencadas. Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva, mitigada pelas excludentes ali
elencadas mas que deve ser tratada com cautela em vista dos princípios de proteção integral
do consumidor já elencados anteriormente.
No caso dos serviços de bancos de dados, o CDC trata do tema no seu artigo 43 e 44,
indicando expressamente o caráter público dessas entidades e, assim, o destinatário de seus
serviços não é apenas o fornecedor que contrata o órgão e sim a coletividade, aplicando-se,
como afirma o art. 44, as regras do parágrafo único do art. 22, também do CDC.
Da leitura dos dispositivos citados tem-se a fundamentação para a responsabilização
direta dos órgãos de cadastro frente ao consumidor lesado, tendo em vista que o cadastro
indevido caracteriza, evidentemente, descumprimento à obrigatoriedade da prestação de
serviços adequados, eficientes e seguros, impondo a obrigação de reparação do serviço e de
indenizar os eventuais lesados, independentemente de vínculo contratual existente.
Para oportunizar a manifestação do indivíduo a ser cadastrado junto ao banco de
dados de inadimplentes e, assim, contestar a inclusão, as entidades de banco de dados devem
informar previamente o interessado, conforme § 2º do art. 43 do CDC. A partir da informação
prévia, o interessado poderá regularizar sua situação creditícia ou, em caso de não constar
motivo para o cadastro, manifestar-se nesse sentido. Sobre o tema, o Superior Tribunal de
Justiça editou a Súmula n° 35914.
14 STJ Súmula nº 359 (13/08/2008): Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
121
Ainda no que diz respeito às excludentes previstas no art. 14, § 3°, estas deveriam ser
analisadas também sob o prisma da cadeia de fornecimento, da relação de imputação e da
relação contratual existente nos serviços de cadastro e proteção ao crédito. Quando se trata
das excludentes mencionadas, verifica-se a possibilidade dada ao fornecedor de serviços de
comprovar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima ou do consumidor. No
caso das entidades de proteção ao crédito, a primeira excludente é de fácil compreensão e
interpretação, sendo comprovada excluirá o dever de indenizar do fornecedor de serviço.
Quanto à segunda excludente, defende-se uma interpretação restritiva quanto às
partes dessa relação de consumo e abrangente quanto à posição da vítima. Explica-se o
argumento: a relação de consumo, se existente no caso, vincula o órgão de cadastro
(fornecedor) e o fornecedor (consumidor) que informa o inadimplemento ou busca
informações acerca da pessoa com quem pretende negociar.
A vítima do cadastro indevido é, por óbvio, consumidor mas, de forma muito clara,
parte de uma relação de consumo diversa dessa que se estabelece entre o fornecedor do
serviço de proteção ao crédito e aquele ao qual o serviço se destina inicialmente –
comerciante, empresário. Assim, a vítima desse fornecimento inadequado do serviço ofertado
com características de entidade pública está alheia a essa relação contratual (bystander) mas,
mesmo nessa condição, encontra-se tutelado pela norma e não deve ser excluído da
possibilidade de reparação do dano sofrido.
Interpretando as normas citadas de forma sistemática, percebe-se claramente a
presença de uma cadeia de fornecimento, cabendo ao lesado propor a ação de reparação
contra qualquer dos responsáveis, que são solidários na responsabilidade decorrente e
possuem a opção de promover ação de regresso entre si.
A posição majoritária da doutrina e da jurisprudência adota a excludente de
responsabilidade dos órgãos de proteção ao crédito com base na culpa exclusiva do
consumidor ou de terceiro, no caso daqueles que solicitam a inclusão do consumidor,
eximindo as entidades de bancos de dados de qualquer reponsabilidade. Entretanto, há de se
observar também, quanto à cadeia de fornecimento o que determina o art. 23 do CDC.
Dessa forma, a lógica de que o órgão não tem conhecimento acerca das informações
que lhe são repassadas para fins de cadastramento de inadimplentes tampouco pode prosperar,
sendo que o fornecedor dessa espécie de serviço deve atuar com cautela e diligência, em
especial considerando os efeitos danosos que poderão surgir do cadastro indevido na vida
socioeconômica do consumidor prejudicado.
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122
Assim, o presente estudo defende o posicionamento de que, com base nos
argumentos expostos, existe responsabilidade objetiva dos órgãos de proteção ao crédito pelos
danos causados aos consumidores que tiverem sido cadastrados indevidamente, com a adoção
mitigada das excludentes apresentadas pelo CDC, respeitando os princípios da
vulnerabilidade e da proteção integral do consumidor.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme se tentou demonstrar no presente estudo, ao considerar os fundamentos do
ordenamento jurídico brasileiro, embasados nos princípios e garantias constitucionais, tendo
como princípio maior a proteção da dignidade da pessoa humana. Dito bem maior,
acompanhado dos demais princípios e garantias fundamentais, permeia todo o ordenamento
jurídico, influenciando e orientando, dessa maneira, também o Direito Privado, em especial o
microssistema do Direito das Relações de Consumo.
Partindo desse novo paradigma, são perceptíveis as alterações no sistema de Direito
Privado, como dito, incluindo o instituto da responsabilidade civil, que acompanhando a
dinâmica social, atinge seu atual estágio, no qual a responsabilização do agente causador do
dano transpassa a culpa como fundamento exclusivo do dever de indenizar, adotando a idéia
de risco, dando origem à responsabilidade civil objetiva em alguns casos previstos pela norma
jurídica.
A ideia do risco e da responsabilidade objetiva foram adotadas pela legislação de
proteção ao consumidor e das relações de consumo, indicando seus princípios norteadores
específicos, bem como a sistemática de funcionamento, frente ao princípio da vulnerabilidade
do consumidor, de sua proteção integral e da reparação integral do dano. Essa abordagem do
código consumerista impõe conceitos amplos de consumidor e fornecedor, bem como a
inclusão de vítimas que não fazem parte diretamente das relações de consumo mas que
poderão ser afetadas em seus direitos em conseqüência dessas relações, devendo também ser
indenizadas.
Esse é o cerne da abordagem realizada pelo presente estudo, que defende a
possibilidade de responsabilização das entidades de proteção ao crédito ou de cadastro de
bancos de dados por danos causados aos indivíduos pelo cadastramento indevido nas relações
de inadimplentes, não de forma subsidiária pela ação a ser analisada especificamente de seus
prepostos, mas de forma solidária, considerando-as como membros de uma mesma cadeia de
fornecimento.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
123
Ao adotar tal entendimento, pela solidariedade processual, permitindo ao consumidor
acionar diretamente o órgão de proteção ao crédito, ter-se-á o atingimento do objetivo trazido
pelos princípios acima elencados, em especial o objetivo de proteção integral e de reparação
integral do dano daqueles que forem por este atingidos, com base na vulnerabilidade do
consumidor e, portanto, na proteção da dignidade da pessoa humana.
Para tanto, defende-se um novo paradigma de interpretação dessa relação existente
entre as entidades de proteção e cadastro, seus contratantes-consumidores (empresas e
empresários) e o indivíduo prejudicado (consumidor). O consumidor, nesse contexto, ocupa
posição de terceiro estranho à relação que causa o dano (bystander), não sendo possível
encarar as excludentes de responsabilidade previstas no CDC, art. 14, § 3º, como aptas a, de
plano, excluir a responsabilidade dos órgãos de cadastro.
Essas excludentes devem ser analisadas sob esse prisma diferenciado da relação
jurídico-contratual existente. Por essa abordagem, o consumidor prejudicado não pode ser
considerado como parte da relação entre órgão e fornecedor originário, que se soma, nessa
posição ao órgão de proteção em uma nova cadeia de fornecimento, não sendo possível adotar
as excludentes citadas, no que se referem à culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. O
terceiro, para que atue de forma a excluir a responsabilidade do fornecedor de serviços deve
ser completamente estranho à relação contratual existente. Nessas condições relatadas, não
existe essa separação de sujeitos – todos pertencem à cadeia de fornecimento informada.
Assim, resta ao órgão de proteção ao crédito as demais excludentes: culpa exclusiva
da vítima, não fornecimento do serviço ou inexistência do defeito.
Possibilitando ao consumidor acionar diretamente o órgão de proteção ao crédito
pelos danos causados pela inclusão indevida em seus cadastros de inadimplentes, com dito
antes, permite-se a concretização da facilitação do acesso do consumidor à justiça, não apenas
do ponto de vista prático – acesso ao Poder Judiciário, mas também do ponto de vista da
eficácia da prestação jurisdicional ao analisarmos a sociedade de consumo de massa, na qual
muitas vezes não se tem um fornecedor físico, com endereço e sede, mas uma ”loja virtual”,
cujo domicílio pode estar localizado a milhares de quilômetros de distância do domicílio do
consumidor.
Nessas condições, instado o órgão de proteção ao crédito a responder pelos danos
causados, sempre lhe restará o direito à ação regressiva, decorrente da solidariedade da
obrigação, sendo que, em decorrência de sua capacidade econômica e operacional, a
possibilidade de ressarcimento dos valores efetivamente pagos a título de responsabilização se
torna mais plausível em comparação à situação do consumidor.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
124
Em vista de todos os argumentos expostos, o presente estudo propõe, de forma
inicial, a possibilidade de alteração do paradigma da responsabilidade dos órgãos de proteção
ao crédito e de banco de dados com objetivo de, efetivamente, concretizar a política de
proteção ao consumidor no que respeita à sua vulnerabilidade, proteção integral e integral
reparação dos danos causados em decorrência das relações de consumo, mitigando a
possibilidade de utilização indiscriminada das excludentes de responsabilidade civil do
fornecedor de serviços nesses casos.
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127
A RESSIGNIFICAÇÃO DA “VIDA A CRÉDITO” DE BAUMAN NO TRABALHO DE
ADOLESCENTES QUE IDENTIFICAM NO TRABALHO INFANTIL UMA ILUSÃO
DE DESENVOLVIMENTO.
LA SIGNIFICACIÓN DE LA "VIDA CRÉDITO" EN LA OBRA DE BAUMAN
ADOLESCENTES EN IDENTIFICAR UNA ILUSIÓN DE DESARROLLO DEL
TRABAJO INFANTIL.
Acácia Gardênia Santos Lelis1
Fábia Carvalho Figueiredo2
Resumo: O presente trabalho busca analisar a condição social de crianças e de adolescentes que buscam no trabalho infantil acesso a bens de consumo, numa ilusão de que esse significa desenvolvimento. Busca-se, assim, analisar o consumo inconsciente, fomentador de um grande mal social que é o trabalho infantil, e que acarreta danos a crianças e a jovens trabalhadores. A busca pela acumulação de capital em busca do desenvolvimento acarreta outro problema social aqui denominado de “vida a crédito”, numa perspectiva mais ampla, em razão de que os direitos de crianças e adolescentes incentivados ao consumo são relegados ao segundo plano. Neste sentido, o presente estudo, analisa a partir dos pressupostos teóricos de Zygmunt Bauman a ameaça dos direitos de crianças e adolescentes trabalhadores, que colocam suas vidas a crédito em razão do acesso a bens de consumo e a satisfação de necessidades imediatas. O estudo apoia-se na construção do conhecimento através da pesquisa bibliográfica de Boaventura de Souza Santos, Flávia Piovesan, Amartya Sen e especialmente em Bauman, que permitem uma compreensão de problemas aprioristicamente identificáveis. Palavras-chave: Consumo; desenvolvimento; ressignificação; trabalho infantil; vida a
crédito.
1Advogada, Mestranda em Direito pela PUC/PR, Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Sergipe, professora do Curso de Direito e Serviço Serviço Social da Universidade Tiradentes – Se, associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM. E-mail: [email protected]. 2Advogada, Mestranda em Direito pela PUC/PR, Especialista em Direito Empresarial pela FECAP, professora do Curso de Direito da Universidade Tiradentes – Se. E-mail: [email protected]
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
128
Resumen: Este estudio tiene como objetivo analizar la condición social de los niños y
adolescentes que buscan trabajo infantil el acceso a bienes de consumo, una ilusión que este
desarrollo significa. El objetivo es, pues, analizar el inconsciente de los consumidores, los
desarrolladores de un mal social importante que es el trabajo infantil, que causa daño a los
niños ya los trabajadores jóvenes. La búsqueda de la acumulación de capital en busca del
desarrollo social implica otro problema aquí se llama "vivir a crédito", con el argumento de
que los derechos de los niños, niñas y adolescentes se alienta el consumo relegado a un
segundo plano. En este sentido, este estudio examina desde presupuestos teóricos de Zygmunt
Bauman amenaza a los derechos de niños, niñas y adolescentes trabajadores que ponen sus
vidas en el crédito debido al acceso a bienes de consumo y la satisfacción de las necesidades
inmediatas. El estudio se basa en la construcción del conocimiento a través de la literatura
Boaventura de Souza Santos, Flavia Piovesan, Amartya Sen y Bauman sobre todo, lo que
permite una comprensión de los problemas priori identificables.
Palabras-clave: Consumo; desarrollo; la significación; trabajo infantil, la vida del crédito.
SUMÁRIO: 1- Introdução; 2- O direito ao desenvolvimento 3- A
busca pelo desenvolvimento através do trabalho infantil 4- A “vida a
crédito” segundo Bauman. 5- A “vida a crédito” dos adolescentes
trabalhadores 6- Conclusão.
RESUMEN- 1-Introducción 2 - El derecho al desarrollo 3 - La
búsqueda del desarrollo a través del trabajo infantil 4 - Un "vida a
crédito", según Bauman. 5 - El "vivir a crédito" de los trabajadores
adolescentes 6 – Conclusión.
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129
1 INTRODUÇÃO
O problema do trabalho infantil é visto sob os vários enfoques, tendo em vista que ao
mesmo tempo em que ele não permite o exercício pleno de todos os direitos de crianças e
adolescentes, é a alternativa encontrada por várias famílias para suprir suas necessidades
econômicas. Além disso, é visto pelo adolescente como o único meio viabilizador para o
acesso a bens de consumo, até então inacessíveis pela precariedade de recursos disponíveis
por seus familiares.
O interesse econômico que envolve o trabalho infantil é a maior barreira para seu
combate. O problema do combate do trabalho infantil é que ele é endógeno à globalização e
ao sistema capitalista. A busca pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento motiva
várias famílias a permitirem que seus filhos trabalhem mesmo sabendo o prejuízo que esse
lhes causa.
A busca do ilusório desenvolvimento através do trabalho infantil para satisfação das
necessidades imediatas ocorre em razão do incentivo ao consumo estabelecido pelo mundo
globalizado, para satisfação dos interesses econômicos da classe dominante. No entanto, o que
pretende o artigo é demonstrar que o consumo inconsciente pela sociedade, motivador do
trabalho infantil, além de permitir que os direitos humanos fundamentais sejam relegados e
banalizados é também inviabilizador do seu desenvolvimento.
Através do recorte da obra de Zygmunt Bauman intitulada “Vida a Crédito” 3 o
presente trabalho apresenta uma nova visão do seu significado, ampliando a visão do autor
sobre o seu sentido. O autor compreende que a vida a crédito é assim entendida quando o
interesse pelo consumo faz com que a população venha a contrair dívidas, mais do que ela
pode suportar, definindo o capitalismo como um parasita, e que o seu hospedeiro não sai ileso
dessa relação.
A partir da compreensão do autor, o trabalho demonstra que o trabalho de
adolescentes motivados pelo consumo, para aquisição de bens e serviços, no intuito de serem
aceitos socialmente, também significa colocar a vida a crédito, tanto no aspecto abordado pelo
3 A Vida a Crédito é uma das mais de 50 obras do polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman de cunho científico, resultado de uma compilação de suas entrevistas à jornalista mexicana Citlali Rovirosa-Madrazo.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
130
autor, do endividamento pessoal, como no endividamento dos seus direitos, que são
prejudicados pela impossibilidade de conciliação desses com o trabalho infantil. A busca pelo
desenvolvimento almejado com o trabalho infantil, não é assim atingido uma vez que o
conceito de desenvolvimento é mais amplo, e compreende além do crescimento econômico, o
desenvolvimento pessoal e social.
O desenvolvimento é reconhecido como direito humano fundamental, definido por
vários autores a partir das normas internacionais, instituidoras da garantia dos Direitos do
Homem, e que por assim ser identifica que o homem é um fator do desenvolvimento, e por
essa razão o ser humano deve ser o beneficiário do desenvolvimento. O desenvolvimento que
mais importa é o desenvolvimento humano, o qual é vilipendiado pelo capital.
2 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento é um direito fundamental do cidadão. O desenvolvimento não tem
o significado somente econômico, conceito esse já ultrapassado, e que representa hoje um
maior alcance, significando uma emancipação econômica e social. A respeito da evolução do
conceito de desenvolvimento, segundo Rister (2007) deu-se através da Assembleia Geral, por
meio da Resolução 41/128, que proclamou o direito ao desenvolvimento, pelo que é hoje
considerado um dos direitos humanos de terceira geração. Afirma ainda a autora que o
desenvolvimento é reconhecido hoje como inalienável e parte dos direitos humanos
fundamentais.
Para Campinho in Piovesan e Soares (2010):
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi um marco na consagração da proteção à pessoa humana contra a opressão, a violência e contra a negação da própria condição humana, deixando evidente que o homem sempre deve ser considerado um fim em si mesmo, e não um meio para atingir seus fins. (CAMPINHO, 2010, p. 154)
O desenvolvimento visto como direito humano é inalienável, de forma que é incapaz
de sofrer qualquer restrição ao seu exercício. Como direito humano fica condicionado à
presença da democracia. A melhor forma de expressão dos Direitos Humanos é a democracia.
A democracia, no dizer de Hanna Arendt (2007) é proporcionada pelo pleno exercício da
liberdade, assim entendida como a liberdade politica. A liberdade seria justificativa, motivo,
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
131
substância da organização política, e as ações políticas só seriam possíveis porque subsidiadas
pela liberdade. Havendo exclusão, não se faz presente a democracia.
Desenvolvimento significa assim o exercício de todos os direitos, com emancipação
econômica e social, de forma que o individuo não seja privado de qualquer deles. Na visão de
Amartya Sen (2000), para que haja o desenvolvimento:
O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação da liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. (SEN, p. 18, 2010)
O desenvolvimento consagrado como Direito Humano significa o respeito à
dignidade. Para Flores o conteúdo básico dos direitos humanos não é o direito a ter direitos.
Acrescenta o autor que:
(...) o conteúdo básico dos direitos humanos será o conjunto de lutas pela dignidade, cujos resultados, se é que temos poder necessário para isso, deverão ser garantidos por normas jurídicas, por políticas públicas e por uma economia aberta às exigências da dignidade. ( FLORES , 2009, p. 39)
Para Amartya Sen, o desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo com a
melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Sintetiza o autor que o
alargamento da liberdade é simultaneamente o fim primeiro e o principal meio do
desenvolvimento. Quanto ao valor da liberdade, Sen afirma que:
(...) a liberdade é valiosa por pelo menos duas razões diferentes. Em primeiro lugar, mais liberdade nos dá mais oportunidade de buscar nossos objetivos- tudo aquilo que valorizamos. Ela ajuda, por exemplo, em nossa aptidão para decidir viver como gostaríamos e para promover os fins que quisermos fazer avançar. (SEN, 2011, p. 262)
Nesse mesmo raciocínio o desenvolvimento é visto pelo autor como a destreza para a
realização do que se valoriza, não importando o processo através do qual essa realização
acontece. Conclui o autor que a importância da vida humana não reside apenas em nosso
padrão de vida e satisfação das necessidades, mas também na liberdade que desfrutamos,
então a ideia de desenvolvimento sustentável tem de ser correspondentemente reformulada.
(SEN, 2011)
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
132
3- A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DO TRABALHO
INFANTIL
O trabalho para muitos adolescentes representa liberdade, independência, autonomia e
acesso a bens de consumo, até então inalcançável. Para Ducan Green (2009) “a sensação de
ter direito a alguma coisa é muito mais poderosa do que simplesmente precisar dele ou desejá-
lo”. Para muitos adolescentes trabalhadores, não há exploração na relação de trabalho, mas
sim o exercício de sua liberdade em busca do desenvolvimento. Acrescenta o autor, sobre o
trabalho para suprir as necessidades básicas do cidadão, que:
No entanto, ter um trabalho decente pode ser um elemento essencial de identidade e senso de bem-estar de um indivíduo. Empregos de boa qualidade melhoram as condições de vida porque garantem direitos e liberdades e preparam os indivíduos para exercer esses direitos, assim como pagam salários decentes. (GREEN, 2009, p.158)
Acredita o autor, no entanto, que o problema da pobreza tem relação ao desemprego
juvenil, pois os jovens representam um quarto da população mundial, e que metade deles está
desempregada. Afirma ele que, ao contrário de opiniões predominantes, o desemprego entre
jovens acarreta claros custos para a sociedade em termos de talentos pedidos e da
probabilidade de jovens desiludidos com o mundo do trabalho, acabarem caindo no crime e na
violência.
Para Josué de Castro, ao contrário de Ducan Green o verdadeiro desenvolvimento
econômico é aquele capaz de emancipar de toda e qualquer forma de servidão. Afirma Castro
(2011) que “Da servidão às forças econômicas externas que durante anos procuraram
entorpecer o nosso progresso social e da servidão interna à fome e à miséria que entravaram
sempre o crescimento de nossa riqueza”.
No entanto, a Convenção n. 1824 da Organização Internacional do Trabalho que proíbe
as Piores Formas de Trabalho Infantil, estabelece em seu artigo 1º que todo país que venha
ratificá-la deverá adotar medidas imediatas e eficazes para assegurar a proibição e eliminação
das piores formas de trabalho infantil, em caráter de urgência. O Brasil ratificou a Convenção
4 Segundo Lepore e Rossato a Convenção 182 da OIT complementa a Convenção 132 sobre a Idade Mínima, e elas somadas constituem instrumentos fundamentais de combate ao trabalho infantil. Parte-se da necessidade de adoção de ações imediatas e globais, de reconhecimento da importância da educação fundamental e gratuita, retirando a criança de todos esses trabalhos, sem se esquecer das necessidades das famílias. (2011, pp. 34,35).
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133
182 da OIT através do Decreto n. 3.597 de 12 de setembro de 2000, obrigando-se a adotar
medidas para eliminar o trabalho infantil.
A proibição do trabalho infantil pela Constituição Federal é fruto de vários estudos
que identificaram os danos causados em razão do trabalho precoce, com riscos para o
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social de crianças e adolescentes. Além do disposto
no artigo 7º, inciso XXXIII, cuidou ainda o legislador constitucional de enfatizar a proibição
do trabalho infantil estabelecendo idade mínima de 16 anos, exceto aprendiz a partir dos 14
anos para o trabalho no art. 227, parágrafo 3º, na forma de proteção especial.
Na obra “O Menor Trabalhador: Um assalariado Registrado”, de autoria de Cheywa R.
Spindel (1985), organizado pelo Ministério do Trabalho, constatou-se que a oferta e demanda
de força de trabalho decorrem de fatores de ordem econômica, tanto em razão dos pais
incumbirem aos filhos às obrigações de sustento do lar, obrigações essas que seriam deles, e
são transferidas para os filhos, numa inversão de papeis, bem como no desejo da obtenção do
adolescente ter acesso a bens de consumo, e em razão da precária condição econômica de sua
família, por não ser possível que esses lhe sejam oferecidos por ela.
Essas razões são decorrentes muitas vezes da desagregação familiar, onde o
provimento do sustento do lar tem que ser feito unicamente por um dos pais, pela ausência do
outro, necessitando ser substituído pelo filho, seja pela impossibilidade física do trabalho ou
ainda pela opção de quem estaria mais apto a se responsabilizar pelos afazeres domésticos.
Pode ainda, se dá em razão da complementação da renda familiar, utilizando a força de
trabalho dos filhos, não por motivo de substituição, mas da necessidade da complementação
da renda da família, proporcionado um suposto desenvolvimento econômico da família.
Segundo o estudo de Spindel (1985), outras razões podem desencadear o trabalho
infantil, como as justificativas da participação de jovens no mercado de trabalho,
proporcionando aprendizagem, a garantia do futuro profissional, a necessidade de garantir
meios de sua educação, ou ainda para proporcionar uma autonomia da família (“para ser mais
livre”). Para o autor essa justificativa retrata uma postura individual e mais autodeterminante,
sendo por ele interpretada como mais ligada a pressões familiares. Todas essas justificativas,
que inserem os adolescentes ao labor precoce, torna-os um membro novo do proletariado.
No sistema capitalista a proletarização da população é um dos seus encargos, que no
dizer de Santos (2010), está imbricado com o desenvolvimento das forças produtivas, ao
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134
afirmar que “o desenvolvimento das forças produtivas conduziria à proletarização da
esmagadora maioria da população e à homogeneização total do trabalho, da vida e, portanto,
da consciência dos trabalhadores”.
A solidariedade familiar é a justificativa que se depreende das razões apresentadas
para o trabalho infantil, por entender, em síntese que a aspiração do desenvolvimento
econômico da família faça parte de um projeto que envolva a participação de todos os
membros da família.
4- A “VIDA A CRÉDITO” SEGUNDO BAUMAN
A obra do sociólogo Zygmunt Bauman “Vida a crédito” faz uma abordagem sobre
algumas questões morais e políticas da sociedade no mundo capitalista. Em entrevista dada a
jornalista e pesquisadora Citlali Rovirosa-Madrazo, dentre outros assuntos, ele faz uma
análise sobre o comportamento humano nas relações de consumo, e mostra que na maioria das
vezes eles se transformam em uma raça de devedores. Faz-se assim, um recorte de sua obra,
enfatizando a abordagem de Bauman da “vida a crédito” nas relações de consumo, a partir da
parte I da obra.
Traz o autor uma ideia do capitalismo parasitário, e de forma crítica analisa a condição
de trabalhadores de diferentes níveis sociais, que fracassaram ao buscar atender o sistema
capitalista, dominante em seus países. O incentivo ao consumo é aliciador, e acarreta danos
devastadores para a classe dominada. O endividamento é a outra face do capitalismo,
necessário para que a classe dominante obtenha lucro e crescimento econômico.
Nesse sentido o autor, apresenta a ideia de que a sociedade é ensinada a se endividar, e
para manutenção desse sistema, o sofrimento humano daí decorrente é ignorado, observado na
passagem de sua obra quando afirma:
O que ficou alegremente (e loucamente) esquecido nessa ocasião é que a natureza do sofrimento humano é determinada pelo modo de vida dos homens. As raízes da dor da qual nos lamentamos hoje, assim como as raízes de todos os males sociais, estão profundamente entranhadas no modo como nos ensinam a viver: em nosso hábito, cultivado com cuidado e agora já bastante arraigado, de correr para os empréstimos cada vez que temos um problema a resolver ou uma dificuldade a superar. (BAUMAN, p. 33/34, 2010)
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135
O interesse pelo consumo é uma arma no mundo capitalista. O interesse pela
satisfação dos desejos é o que impulsiona o mercado. A busca em atender o desejo presente
inviabiliza a satisfação da futura necessidade, e o que torna o capitalismo um parasitário. O
capitalismo de Marx pressupõe que a mercadoria é antes de tudo, um objeto exterior, uma
coisa que pelas, suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie.
Apresenta ainda, a participação direta do Estado como mantenedor do sistema ao afirmar que:
Para manter vivo o capitalismo, não era mais necessário ‘remercadorizar’ o capital e o trabalho, viabilizando assim a transação de compra e venda deste último: bastavam subvenções estatais para permitir que o capital vendesse mercadorias e os consumidores a comprassem. O crédito era o dispositivo mágico para desempenhar (esperava-se) esta dupla tarefa. E agora podemos dizer que, na fase líquida da modernidade, o Estado é ‘capitalista’ quando garante a disponibilidade contínua de crédito e a habilitação contínua dos consumidores para obtê-lo. (BAUMAN, p. 37, 2010)
Na visão de Bauman, o capital não pode crescer a não ser pela exploração. A
transformação ocorreu, segundo o autor, do trabalho mal remunerado para a especulação
financeira. É a descoberta do endividamento como fonte de riqueza e de empoderamento. No
momento em que esgota por completo a “terra virgem”, assim entendida como metáfora que
significa aquele que não tem dívida e o torna um endividado, busca-se, assim outra terra viva
para endividá-la.
Essa sociedade capitalista e consumista, no entender de Bauman (2007) não tem
sustentabilidade, quando afirma: “Ainda não começamos a pensar seriamente sobre a
sustentabilidade desta nossa sociedade alimentada pelo consumo e pelo crédito”.
A busca pelo prazer, pela satisfação das necessidades imediatas, o desejo pelo
consumo, segundo Bauman é o alimento para que o parasita do capitalismo sobreviva.
Segundo o autor o crédito é “um vício que alimenta um sistema parasitário- o capitalismo -
que só prejudica a saúde de quem depende dessa opção para consumir”. O hospedeiro, que é o
consumidor, não sai ileso dessa ação, que sem dúvidas não prosperará, podendo até sucumbir.
Essa necessidade desmedida pelo consumo no mundo contemporâneo transformou o homem
em uma nova raça, a raça de consumo/devedores.
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5- A CONDIÇÃO DE “VIDA ATIVA” DOS ADOLESCENTES
TRABALHADORES
O mundo capitalista pressupõe relações de troca, tais como trabalho versus salário,
mercadoria e serviços versus consumo, dentre outros. Nesse diapasão, o mundo globalizado
estimula o consumismo, o materialismo e, consequentemente, o capitalismo. No entanto, nem
todas as pessoas têm condições favoráveis ao consumo, faltando-lhes recursos disponíveis
para aquisição de mercadorias. Muitas famílias brasileiras, estimuladas pela publicidade, no
entanto, consomem além das suas possibilidades econômicas.
Apesar da precariedade de recursos as classes sociais, baixa e média têm facilitações
para concessão de crédito, com o propósito acesso facilitado a bens de consumo. Apesar
disso, ainda há limitação para aquisição de bens por jovens dessas classes sociais, o que os
impulsiona a ingressarem precocemente no mercado de trabalho. A influência da publicidade
de produtos atraentes a jovens, como aparelhos eletrônicos, tecnológicos, roupas de grife, é
determinante para que esses jovens se disponham a antecipar o ingresso no mundo do
trabalho.
Estudos já sinalizaram os danos decorrentes do trabalho precoce, e estabeleceu a idade
mínima para o trabalho. Ao definir a idade mínima para o trabalho, as normas internacionais e
nacionais já levaram em consideração o interesse do mundo capitalista, a necessidade do
trabalho precoce em razão da necessidade econômica, e o interesse pelo consumo dos
adolescentes. A idade mínima estabelecida pela norma, já é aquela que prescinde do respeito
aos direitos fundamentais, e dos prejuízos à sua formação, suportáveis em razão de sua
necessidade. Por essa razão, a violação da norma acarreta danos ao adolescente, com prejuízo
ao seu desenvolvimento.
As fases e estágios do desenvolvimento humano ocorrem de forma ordenada, que
devem ser respeitadas, sem que sejam suprimidas quaisquer etapas. Os aspectos biológicos,
sociais e psicológicos presentes em cada fase, diz respeito a um processo do desenvolvimento
humano, para que se atinja uma maturação do indivíduo. O estudo desses processos de
desenvolvimento de crianças feitos por Piaget, Freud e Erickson, deve ser compreendido
dentro de um contexto histórico, de forma que a criança deve ser compreendida sobre outro
enfoque, não se devendo impingir a elas os mesmos conceitos.
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137
No entanto, deve-se considerar alguns aspectos sobre a formação da criança, a partir
de conceitos de estudiosos como Ariés, que em nosso sentir são atemporais, e que ainda
produzem os mesmos resultados. Ariés (1981) entende que a necessidade do brincar, de
participar de atividades lúdicas é indispensável para proporcionar um desenvolvimento sadio.
O cidadão ao buscar o crescimento econômico não pode assim privar-se de outros
direitos, uma vez que assim fazendo, o seu crescimento não lhes proporcionaria o
desenvolvimento. A privação de um ambiente saudável, do convívio social, do convívio
familiar é visto por Piaget como um dano ao desenvolvimento intelectual da criança, quando
afirma:
Desde o seu nascimento, o ser humano está mergulhado num meio social que atua sobre ele do mesmo modo que o meio físico. Mais ainda que o meio físico, em certo sentido a sociedade transforma o indivíduo em sua própria estrutura, porque ela não só o força a reconhecer fatos como também lhe fornece um sistema de signos inteiramente acabado, que modifica seu pensamento [...] Não há dúvida alguma, portanto, de que a vida social transforma a inteligência pela tripla mediação da linguagem [...], do conteúdo dos intercâmbios [...] e das regras impostas ao pensamento [...]. ( PIAGET, p. 157, 1977)
No dizer de Bauman o capitalismo é parasitário e no dizer de Santos (2010) é
promiscuo. Santos, afirma que:
A promiscuidade entre produção e reprodução social tira razão ao argumento de Habermas (1982) e de Offe (1987) segundo o qual as sociedades capitalistas passaram de um paradigma de trabalho para um paradigma de interacção. É verdade que o trabalho assalariado, enquanto unidade homogênea e autônoma do tempo vital tem vindo a ser descaracterizado, mas, por outro lado, isso só tem sido possível na medida em que o tempo formalmente não produtivo tem adquirido características de tempo de trabalho assalariado ao ponto de se transformar na continuação deste sob outra forma.
Nos dias atuais produzimos ao mesmo tempo crianças e adolescentes com excessos e
privações. Incutimos em suas mentes desejos e necessidades de consumo, ao tempo que não
os educamos para ter controle sobre seus desejos, impulsos e limitações. Educamos para a
competitividade, muitas vezes sem transmitir condutas éticas e morais, os que os tornam
reproduções de nós mesmos.
Na visão de Bauman os adolescentes trabalhadores pertenceriam à geração Y, que para
ele é formada por pessoas de 11 a 28 anos de idade, nascidos em um ambiente saturado de
informações eletrônicas. Esses jovens mantêm relações distanciadas da família e dos amigos,
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
138
embora as formas de comunicação tenham evoluído e sejam, talvez, mais valorizadas do que
os laços afetivos. Já os seus pais, pessoas de 28 a 45 anos, veem o trabalho como algo
maçante, com empregos fragmentados, ocasionando a desmotivação dos trabalhadores, que
têm nele tão somente o meio para obtenção de recursos para satisfação de suas necessidades.
Desta forma, o trabalho é incerto enquanto as dívidas são permanentes. Essa visão do trabalho
é transmitida de pais para filhos, de forma que eles veem no trabalho a forma de satisfação de
suas necessidades e obtenção de bens de consumo.
O estímulo ao consumo inconsciente é assim entendido como a “vida a crédito”, numa
perspectiva de sua ressignificação, em dois sentidos: primeiro no significado de “vida a
crédito” de Bauman, por provocar o seu endividamento financeiro para o acesso desmedido
de bens, não alcançáveis na sua condição econômica, proporcionando inclusive a privação de
bens por sua família necessários ao sustento da família.
A ressignificação da “vida a crédito” está na segunda compreensão do seu sentido, vista
agora pelo endividamento social pelo prejuízo decorrente do trabalho infantil com os direitos
do adolescente trabalhador. Desenvolvimento, como anteriormente definido não compreende
tão somente o desenvolvimento econômico, mas sim também o desenvolvimento social.
O trabalho precoce retira do adolescente as oportunidades das experiências da infância.
Priva-os das oportunidades de brincar, de se divertir, de estudar, da inocência da infância,
além de outras privações. Os tornam adultos em miniatura, com responsabilidades de arcar
com a satisfação de necessidades pessoais e familiares, o que os motiva cada vez mais para o
consumo, e o meio de alcançá-los é o sacrifício pessoal, através do trabalho. Esse é o
endividamento a crédito, em uma interpretação extensiva do entendimento de Bauman, onde o
mundo capitalista ainda como predador faz sucumbir os direitos fundamentais do adolescente
trabalhador.
6- CONCLUSÃO
O trabalho de adolescente no mundo contemporâneo tem características próprias,
decorrente não só do aspecto cultural que o envolve, mas principalmente do interesse
econômico e do valor social que o circunda. O aspecto cultural envolve a camada mais pobre
da população, enquanto que o valor social do trabalho se faz mais presente na classe média e
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
139
alta. Os pais veem no trabalho dos filhos parte do compromisso moral com a família, com
caráter de reciprocidade familiar, ou seja, funda-se no princípio da solidariedade.
Para o adolescente o trabalho significa afirmação de sua individualidade, liberdade, ao
ter acesso a bens de consumo e a padrões de comportamento que definem marca dos jovens
urbanos: tênis, telefone, aparelhos eletrônicos, roupas, etc. A aquisição de bens permite a
esses adolescentes sua aceitação em grupos sociais específicos, que também consomem tais
bens e produtos.
A massificação do consumo é um dos principais fatores que atrai o adolescente ao
mundo do trabalho. No entender da “vida a crédito” de Bauman, no mundo capitalista o
trabalho é então o meio para a obtenção de bens. O trabalho maçante, frustrante sem
perspectivas, que não lhes causa prazer, é visto como sacrifício para obtenção do prazer.
Causa-lhe danos, mas que são suportados em razão da obtenção de crédito.
O interesse pelo consumo despertado desde a tenra infância é um mal produzido pela
sociedade capitalista, que acarreta danos ao desenvolvimento da criança e dos adolescentes. A
publicidade veiculada pelos meios de comunicação de produtos direcionados à criança, os
maus exemplos de consumo desmedido dos pais, promovem o interesse pelo consumo, e por
consequência a busca ilimitada de meios para aquisição de bens e serviços, fazendo delas
pequenas consumidoras. Eis a lógica capitalista, corrompe “menores”, aliena a todos e se
coloca como única alternativa de sobrevivência da espécie humana.
A ideia do “ter” é nos dias atuais um fator de aceitação social. Os que não possuem
aparelhos tecnológicos de última geração se sentem excluídos socialmente. Há uma
verdadeira massificação de que o “ter” é mais importante de que o “ser”. A roupa da moda, de
“marca”, insere o jovem em grupos dominantes.
O trabalho é visto então pelo adolescente, o instrumento capaz de atender as
necessidades de consumo, ainda que tenha que privá-los de outros interesses, como lazer,
educação, convívio social familiar.
Numa ressignificação da compreensão de Bauman da “vida a crédito” o trabalho
infantil enquadra-se assim nesse conceito, por prejudicar o desenvolvimento econômico,
social e pessoal do adolescente trabalhador.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
140
Assim, o jovem para ser aceito no grupo abdica de direitos, como educação, lazer,
convívio social. O interesse pelo consumo prevalece sobre os direitos fundamentais, pois a
visão incutida na sociedade é a da aparência como valor de aceitação social.
Conclui-se assim, que em respeito a uma sociedade plural, multifacetada, heterogênea,
que designa a existência de várias realidades no mundo contemporâneo, impõe-se o respeito à
liberdade, de forma que o enfrentamento ao problema estabeleça a possibilidade de se
permitir o trabalho de adolescentes, impondo-se limites mínimos de tolerância, não se
admitindo violação de direitos que venha a ferir a dignidade da pessoa humana e o
desenvolvimento pessoal e social do adolescente.
A solução para uma não configuração de uma vida a crédito é sem dúvida a preservação
da dignidade dos adolescentes trabalhadores, proporciona-lhe o desenvolvimento sustentável,
que também é considerado direito humano fundamental. Não se pode privilegiar os interesses
econômicos em detrimento da garantia dos direitos mínimos existenciais, que com eles
conflitam. O reconhecimento da supremacia dos direitos fundamentais já está consolidado
pelo Direito Internacional e incorporado ao Direito nacional sobrepõe-se aos interesses do
capitalismo, e a ele não deve sucumbir.
A vida a crédito em sua ressignificação compreende a privação dos direitos fundamentais
do adolescente trabalhador, uma vez que o exercício desses direitos e a atividade laboral do
adolescente são incompatíveis, e nesse conflito a escolha dá-se pelo trabalho. Estudos já
comprovaram o dano ao desenvolvimento físico, psíquico e moral e social do adolescente
trabalhador, e em razão disso estabeleceu a idade mínima para o trabalho. Mas a realidade
mostra que apesar da proibição, das políticas públicas de enfrentamento ao problema, o
trabalho infantil ainda se faz presente na sociedade, ainda que com índice reduzido. Por essa
razão, compreende-se que o sistema capitalista predador é o grande responsável pela sua
manutenção, tendo como resultado o endividamento dos direitos fundamentais dos
adolescentes trabalhadores.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
141
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
143
A TUTELA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE LEASING FINANCEIRO
SEGUNDO A VISÃO DOS TRIBUNAIS
CONSUMER PROTECTION IN FINANCE LEASE AGREEMENT PURSUANT TO
BRAZILIAN COURTS’ DECISIONS
Simone Bento
Pilar Alonso López Cid
Resumo:
O leasing financeiro constitui atualmente um dos mais comuns e importantes
instrumentos de oferta de crédito presentes no mercado, notadamente para a aquisição de
veículos automotores. Outrossim, tal negócio jurídico tem ocupado lugar de destaque no palco
das discussões jurídicas atinentes aos direitos dos consumidores. Os estudiosos do Direito têm
analisado a fundo o instituto do arrendamento mercantil e os Tribunais Superiores já
reconheceram diversos casos de abusividade em cláusulas comumente inseridas em contratos
de arrendamento mercantil, tornando concreta não só a norma do artigo 51 do Código de
Defesa do Consumidor, como também a diretriz constitucional de proteção ao consumidor e a
sustentabilidade do sistema. No presente trabalho abordamos as principais abusividades
apontadas pela sociedade consumidora nos contratos de arrendamento mercantil e o atual
posicionamento adotado pela jurisprudência pátria.
Palavras Chave: arrendamento mercantil; leasing; cláusulas abusivas; e tutela do
consumidor.
Abstract:
The finance lease agreement is currently one of most important and common credit
offer instrument found in Brazilian finance market, mainly for the acquisition of vehicles.
Furthermore, this legal transaction has often taken a particular place in law discussions
regarding to consumers rights. Law experts have been analyzing in detail this kind of
agreement and Brazilian Superior Courts have concluded as abusive several sections
commonly inserted in these finance lease agreements, observing the rule provided in section
51 of the Brazilian Consumer Protection Act, as well as the constitutional consumer
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
144
protection guideline and the sustainability of the legal system. In this paper we discuss the
main finance leMse Mgreement’s Mbusive sections pointed out by consumer’s society and the
current position adopted by Brazilian Superior Courts.
Key Words: finance lease; abusive clauses; and consumers protection.
1. Do contrato de arrendamento mercantil na modalidade financeira
O contrato de arrendamento mercantil ou de leasing é um negócio jurídico complexo,
uma vez que apresenta características típicas de outros contratos, mesclando aspectos da
locação, do financiamento e da compra e venda. Caracteriza-se, primordialmente, por facultar
à arrendatária a aquisição do bem quando do exaurimento do contrato, efetuando o pagamento
de QMlor previamente determinado, o qual é rotulMdo como “QMlor residual”B A opção de
compra do bem arrendado, portanto, é conferida à arrendatária, que, no entanto, poderá
preferir restituir o bem à arrendadora ou prorrogar o arrendamento1.
O bem é escolhido pela arrendatária, que se relaciona diretamente com o vendedor
com o intuito de negociar o seu valor. A seguir, a empresa arrendadora adquire o bem do
vendedor e o arrenda à arrendatária. No leasing financeiro, as contraprestações pagas pela
arrendatária devem ser fixadas de forma que a arrendadora consiga recuperar o valor do bem
arrendado e, ainda, obtenha lucro sobre os valores investidos. Prepondera, dessarte, o aspecto
de financiamento do contrato.
Muito embora haja duas espécies de leasing: o “leasing financeiro” ou “leasing
puro”, que também compreende o denominado “lease-back” e o “leasing operacional”, no
presente trabalho, abordaremos tão-somente o leasing financeiro, conjugando-o com a tutela
do consumidor diante de cláusulas abusivas eventualmente inseridas nestes contratos,
segundo o atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência nacional.
2. O leasing financeiro como relação de consumo
1CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. O contrato de arrendamento mercantil (leasing). In ARRUDA ALVIM, Angélica (Coord.). Atualidades de direito civil, Vol. I. Curitiba: Juruá, 2006, p. 69-83.
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145
O leasing financeiro constitui modalidade de oferta de crédito, sendo usualmente
oferecido no mercado, na forma de contrato de adesão2, notadamente para a venda de veículos
automotores. Sua alta frequência no mercado se dá em razão de seu tratamento fiscal mais
benéfico, assim como em razão do fato de que em sua estrutura legal não constam
instrumentos tão coercitivos ao devedor como ocorre na alienação fiduciária3.
Com efeito, na maior parte das vezes, os contratos de arrendamento mercantil
refletem inegáveis relações de consumo, haja vista que o arrendatário qualifica-se como
“pessoa física ou jurídicM que Mdquire ou utilizM produto ou serviço como destinatário final”,
nos termos do artigo 2º, caput, do Estatuto Consumerista e a instituição arrendadora
comercializa serviço, conceituado por Mquela lei como “Mtividade fornecida no mercMdo de
consumo, mediante remuneração”4. A despeito das respeitáveis vozes em sentido contrário,
reiteramos que a Lei Consumerista será aplicável em grande parte, mas não na totalidade das
operações de leasing financeiro, porquanto não corroboramos o entendimento de que o
Código de Defesa do Consumidor seja aplicável às hipóteses em que pessoa jurídica celebra
contrato de arrendamento mercantil para exercício da posse direta de bem utilizado em suas
atividades-fim, haja vista que nestes casos não se qualifica a arrendatária como destinatária
final do bem.
E, muito embora o artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, preveja
expressamente que “serviço é qualquer Mtividade fornecida no mercMdo de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes dMs relações de cMráter trMNMlhista” (grifo), M MplicMção de suas normas Mos
2Os contratos de adesão encontram hoje previsão expressa no artigo 54, caput do CDC. Todavia, historicamente, afirma-se que tais avenças são fruto do desenvolvimento das atividades comerciais. Com o crescimento econômico e o aumento da massa consumidora, formaram-se grandes empresas que, a fim de tornar suas atividades comerciais mais práticas, econômicas e rentáveis, passaram disponibilizar contratos uniformes e padronizados para simples adesão pelos consumidores interessados na aquisição de seus produtos e contratação de seus serQiçosB Ao tratar do tema, Rizzato Nunes relemNrM que no período pXs Revolução Hndustrial: “LBBB] no começo do século XX, instaura-se definitivamente um modelo de produção, que terá seu auge nos dias atuais. Tal modelo é o da massificação: fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, no intuito de diminuição do custo da produção, atingimento de maiores parcelas de população com o aumento dM oferPM etc” (NUNES, I uiz Antonio RizzattoB Furso de direito do FonsumidorB São Paulo: Saraiva, 2011, p. 113).
3GORDO, Milton. Ligeiras observações sobre alienação fiduciária em garantia, leasing e o Código de Defesa do Consumidor. In Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo: Jubileu de prata (1972-1997) trabalhos jurídicos comemorativos. São Paulo: Oliveira Mendes, p. 241-249.
4Artigo 3º, § 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
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146
contratos bancários (dentre eles o contrato de arrendamento mercantil) não foi aceita de
maneira imediata.
Desde o advento da Lei nº 8.078/90, a doutrina consumerista destacava que:
A norma faz uma enumeração específica, que tem razão de ser. Coloca
expressamente os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e
securiPária, antecedidos do advérbio ‘inclusiQe’. TMl designação não significa
que existia alguma dúvida a respeito da natureza dos serviços desse tipo.
Antes demonstra que o legislador foi precavido, em especial, no caso,
preocupado com o que os bancos, financeiras e empresas de seguro
conseguissem, de alguma forma, escapar do âmbito de aplicação do CDC5.
Ainda sobre o tema, advertia-se que:
não se afigura razoável excluir as partes no arrendamento mercantil da
disciplina instaurada com o CDC, seja porque aquela figura negocial envolve
bens e serviços integrados na relação de consumo, no desejável senso largo
dessa expressão, seja porque, usualmente, as fórmulas empregadas no
leasing seguem modelos elaborados pelo próprio arrendador, assim se
aproximando de um contrato de adesão, como tal considerado pelo CDC
aquele ‘cujMs cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente
ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços,
sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo’ (MrPB 54)B Pretender que o arrendador – o vero formalizador do
negócio esteja imune ao sistema de controle de validade das cláusulas
contratuais equivaleria admitir, contra o bom senso, a equidade, e o atual
estágio evolutivo do direito das obrigações, a existência de uma atividade
lucrativa a que, todavia, não correspondem riscos ou encargos (quando, ao
contrário, desde os romanos se sabe que ubi emolumentum, ibi ônus; ubi
commoda ibi incommoda6.
Mesmo assim, somente após longo debate doutrinário e jurisprudencial, o colendo
Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que: “O FXdigo de Defesa do
Fonsumidor é Mplicável às instituições financeiras” (Súmula nº 295/STJ).
5NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 140.
6MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Leasing. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 219.
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147
3. A tutela do consumidor nos contratos de arrendamento mercantil
Pacificada a discussão relativa à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
aos contratos bancários, dentre os quais se inclui o leasing financeiro, mister destacar os
direitos assegurados pelo ordenamento jurídico aos arrendatários qualificados como
consumidores. Isto porque o consumidor está hoje protegido por garantia constitucional7, que
o resguarda de excessos e abusos.
Em verdade, a proteção ao consumidor constitui princípio basilar da ordem
econômica (artigo 170, V, da Constituição Federal), que legitima a adoção de medidas de
intervenção na atividade econômica. Nesse sentido, a doutrina ressalva que:
[...] a Constituição Federal estabelece que o regime econômico brasileiro é
capitalista, mas limitado (CF, art. 1º, IV, c/c arts.170 e s.): são fundamentos
da República os valores sociais do trabalho e os valores sociais da livre
iniciativa (CF, art. 1º, IV) e a defesa do consumidor é princípio fundamental
da ordem econômica (CF, art. 170, V)8.
O direito do consumidor, ao lado do direito ao meio ambiente, direito ao
desenvolvimento e outros, insere-se na terceira dimensão de direitos fundamentais, composta
por direitos de solidariedade, pertencentes às massas sociais, ou seja, direitos transindividuais
cuja titularidade transcende o indivíduo, por pertencer a todos e, ao mesmo tempo, não
pertencer a nenhum indivíduo especificamente.
Como princípio das relações de consumo, o Código Consumerista, logo em seus
primeiros artigos, estabelece a:
harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os
princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição
Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre
consumidores e fornecedores (art. 4º, III).
7Artigo Dº, XXXIH, dM Fonstituição Federal: “o Estado promoQerá, nM formM dM lei, M defesa do consumidor”.
8NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 111-112.
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148
É justamente nesta constante necessidade de harmonização que a proteção ao
consumidor (parte hipossuficiente da relação) encontra fundamento:
Livre mercado composto de consumidores e fornecedores tem, na ponta do
consumo, o elemento fraco de sua formação, pois o consumidor é
reconhecidamente vulnerável como receptor dos modelos de produção
unilateralmente definidos e impostos pelo fornecedor. A questão não é, pois
– como às vezes a doutrina apresenta –, de ordem econômica ou financeira,
mas técnica: o consumidor é mero espectador no espetáculo da produção.
[...]. É por isso que quando chegamos ao CDC há uma ampla proteção ao
consumidor com o reconhecimento de sua vulnerabilidade (no art. 4º, I)9.
Especificamente em relação às operações de arrendamento mercantil, desde o
advento da Lei Consumerista, prevenia-se que:
[...] a maioria dos contratos-padrão formulados pelas empresas de leasing
terão de sofrer profunda reformulação para atenderem às exigências do que
se convencionou chamar Código de Defesa do Consumidor, pois é comum
conterem estes contratos cláusulas que: a) estabelecem obrigações abusivas,
impostas ao arrendatário; b) transferem a responsabilidade do arrendador a
terceiros; c) não possibilitam ao arrendatário uma visão clara e antecipada do
valor das contraprestações, com a discriminação sistemática dos diversos
encargos que as integram; d) são de natureza evidentemente leonina,
favorecendo uma só das partes - arrendador; e) são de difícil compreensão,
consideradas individual ou globalmente10.
A Lei Consumerista não trouxe um conceito estático daquilo que se qualificaria
como cláusula abusiva. De forma técnica e perspicaz, o artigo 51 daquele Código apresentou
rol não taxativo de cláusulas eivadas de abusividade, que, via de regra, violam os preceitos da
lealdade, boa-fé ou equilíbrio contratual11.
9NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p 102.
10MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. O leasing. In RT, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 645, 1989, p. 47-56.
11Nesse sentido: “o FXdigo FonsumerisPM não tentou definir M MNusividade atrMQés de um conceito MNrangente,
mas estabeleceu cláusulas gerais para identificar situações abusivas: a cláusula da lesão enorme e a cláusula geral da boa-fé” (ARAÚJO, Justino MagnoB Inexecução do contrato de leasing em razão de cláusulas abusivas. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 67).
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149
Coube à doutrina construir o conceito de cláusula abusiva. Nelson Nery Junior e
Rosa Maria de AndrMde Nery propõem M seguinte conceituação: “São Mquelas notoriamente
desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de
cláusulas abusiQMs as expressões opressiQMs, onerosas, vexMtórias ou, ainda, excessiQMs”12.
Assim, com fulcro no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que de maneira
NMstante incisiQM dispõe serem “nulas de pleno direito” Ms cláusulMs MbusiQMs, diversas
ilegalidades foram apontadas nas disposições comumente inseridas em contratos de
arrendamento mercantil. Dentre as principais, destacamos aquelas que preveem: (i) o
pagamento antecipado do valor residual garantido ou a impossibilidade de restituição dos
valores pagos antecipadamente a título de VRG em qualquer hipótese; (ii) juros
remuneratórios superiores a 12% ao mês; (iii) a impossibilidade de purgação da mora; (iv) a
cobrança de comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios ou
remuneratórios; e (v) a cobrança de taxas de abertura de cadastro (TAC), emissão de carnê
(TEC), serviços de terceiros e registro de contrato.
É bem verdade que nem todas as abusividades acima descritas foram reconhecidas de
forma irrestrita e incondicional pelos Tribunais Superiores. Todavia, nos casos em que as
Cortes de Justiça deixaram de acolher as teses mais favoráveis aos interesses dos
consumidores, tal se deu de maneira técnica e fundamentada. Além disso, em todas as
hipóteses acima citadas, ainda que em parte, reconheceu-se a existência de ilegalidades
violadoras de direitos dos consumidores.
A seguir abordaremos as teses suscitadas em prol da sociedade consumidora e o
entendimento atual da doutrina e jurisprudência pátria em relação aos tópicos acima descritos.
4. As questões atinentes à cobrança antecipada do valor residual garantido
De início, insta esclarecer que a cobrança antecipada do valor residual garantido
enseja duas diferentes abusividades. A primeira concernente à eventual descaracterização do
contrato de arrendamento mercantil em razão da diluição do pagamento do valor residual ao
12NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Leis civis comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 221.
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150
longo das parcelas e, a segunda, em relação à viabilidade de devolução do resíduo pago
antecipadamente, na hipótese de não exercício da opção de compra do bem.
Na sequência, analisaremos cada uma destas questões. Contudo, iniciaremos o tema
traçando uma abordagem histórica dos motivos que ensejaram a cobrança antecipada do valor
residual garantido.
A fim de tornar o leasing financeiro acessível a um número ainda maior de
consumidores, as instituições bancárias passaram a diluir o pagamento do valor residual
garantido ao longo das parcelas mensais do arrendamento, de forma que ao final do prazo
contratual o arrendatário não se visse obrigado a despender montantes elevados para a
aquisição do bem, o que poderia eventualmente inviabilizar o exercício da opção de compra.
Todavia, passou-se a questionar a legalidade de tal prática. Argumentava-se que a
diluição do resíduo ao longo das parcelas retirava do arrendatário o direito de optar por não
adquirir o bem. Outrossim, com base no artigo 11, § 1º da Lei nº 6.099/7413, sustentava-se que
o pagamento ao final do contrato do valor residual garantido constituiria característica
essencial do arrendamento mercantil, de forma que sua antecipação transfiguraria a avença em
compra e venda parcelada14.
Num primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça acatou tal argumentação,
chegando a editar a Súmula nº 263 nos seguintes termos, verbis: “a cobrança antecipada do
valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o
em compra e venda a prestação”.
Porém, ao cabo, prevaleceu a corrente contrária, ao argumento de que, esgotado o
prazo contratual, subsistiria para o arrendatário a opção de adquirir ou não o bem e, caso não
manifestasse interesse na aquisição, poderia exigir a restituição da quantia correspondente ao
valor residual antecipado ao longo do pagamento das parcelas. Além disso, reiterava-se que a
Resolução nº 2.309/96 do Conselho Monetário Nacional previa expressamente que o valor
13Verbis: “A aquisição pelo arrendatário de Nens arrendados em desacordo com as disposições desta I ei, será consideradM operação de comprM e QendM M prestação”.
14Mister destacar que a adoção de tal entendimento acarretaria importante impacto no âmbito tributário, haja vista que não seria possível a dedução no imposto de renda das prestações pagas (CABEZAS, Mariana de Souza. Aspectos controvertidos a respeito do contrato de arrendamento mercantil e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In WALD, Arnoldo; FONSECA, Rodrigo Garcia da (Coord.). A empresa no terceiro milênio: aspectos jurídicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 285-296).
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
151
residual garantido poderia ser pago a qualquer momento durante a vigência do contrato15. Tal
posicionamento se cristalizou na Súmula nº 293/STJ, que cancelou o enunciado anterior,
sedimentando que: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não
descMrMcterizM o contrato de Mrrendamento mercMntil”B
Uma vez pacificado que a diluição do pagamento do valor residual garantido ao
longo das parcelas não desnatura o contrato de arrendamento mercantil, cabe-nos questionar a
viabilidade de restituição ao arrendatário dos respectivos valores antecipados na hipótese
deste não exercer a opção de compra do bem, seja porque não tem interesse em adquiri-lo ou
seja porque descumpriu a avença, sendo a arrendadora reintegrada na posse.
Parte da doutrina sustenta que tais valores deverão ser integralmente restituídos ao
arrendatário, justamente porque, nestes casos, o arrendatário não exerceu sua opção de
compra. Para estes estudiosos, a negativa de devolução automática do VRG, no caso de não
exercício da opção de compra, violaria o princípio que veda o enriquecimento sem causa, a
boa-fé objetiva, além de expor o consumidor à desvantagem exagerada e à onerosidade
excessiva.
Por sua vez, outra vertente doutrinária defende que o valor residual garantido
corresponde à diferença entre a soma das prestações que o arrendatário pagou e o valor dos
custos incorridos pela arrendadora, acrescidos de sua margem de lucro. Salientam que tal
encargo apresenta dupla função: complementação do preço e garantia. Para estes, o VRG
desempenharia sua função de complementação de preço no caso de o arrendatário optar por
adquirir o bem ao final do contrato, enquanto que a função de garantia do VRG seria exaurida
nas hipóteses de devolução do bem ou inadimplemento pelo arrendatário.
Jamais se hesitou sobre a natureza de preço do VRG, restringindo-se a questão
acerca da eventual natureza de garantia. Ao debater a controvéria anterior, concernente à
desnaturação do arrendamento mercantil, em razão do pagamento antecipado do VRG, o
egrégio Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido a natureza de garantia daquele
encargo. Confira-se o seguinte trecho do voto proferido pelo ilustre Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso
Especial nº 213.828/RS (um dos recursos que deu ensejo à edição da Súmula nº 293/STJ):
15LEÃO, José Francisco Lopes Miranda. Leasing: o arrendamento financeiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 86.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
152
Na prática, o adiantamento do VRG não retira a possibilidade de, ao final do
prazo do contrato, ocorrer a sua renovação ou a devolução do bem. Apenas
representa uma garantia para o arrendante que, com a finalidade de atender
aos interesses do arrendatário, adquire bem durável, com alta probabilidade
de deterioração16.
Recentemente, aquela Corte Superior confirmou o caráter dúplice do valor residual
garantido, nos seguintes termos:
A própria definição de valor residual garantido disposta na Portaria MF n.
564/1978, item 2, revela que ele apresenta uma dúplice finalidade: para a
hipótese de o arrendatário decidir, ao final do prazo, comprar o bem, o
montante respectivo funciona como preço contratual estipulado para o
exercício dessa opção; para as outras hipóteses - rescisão do contrato ou
devolução do bem -, o valor residual funciona como valor contratualmente
garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora
na venda a terceiros do bem arrendado. Esta última situação é a que
vislumbra, especificamente, o chamado valor residual garantido ou em
garantia (VRG).
Nesse sentido, há tempos já sinalizava abalizada doutrina:
Se tiver havido antecipações do valor residual estipulado, essa antecipação
tem o caráter de caução, e, como qualquer garantia, deverá ser liberada em
favor do caucionante, uma vez integralmente cumprida a obrigação
contratual garantida. Portanto, caso o arrendatário não opte pela compra do
bem, as antecipações deverão, sim, ser restituídas a ele, depois que o bem for
vendido, alcançando pelo menos o valor previsto contratualmente. Caso não
alcance esse valor, o arrendador, como qualquer credor caucionado, pode
lançar mão da garantia, até o limite que faltar para completar o montante
estipulado. Em contrapartida, se o bem alcançar na venda a terceiro, valor
maior do que o contrato previa não somente deverá ocorrer a devolução dos
depósitos caucionários, como deverá haver, também o repasse para o
arrendatário do excesso recebido, uma vez que a estipulação contratual de
16STJ: EREsp nº 213.828/RS, j. 07.05.2003 - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
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153
valor para o bem é bilateral, valendo tanto para uma parte como para a
outra17.
Ao final, em julgamento de recurso repetitivo, nos moldes do artigo 543-C do
Código de Processo Civil, fixou-se a seguinte diretriz para a questão da devolução do valor
residual garantido no caso de inadimplemento do arrendatário e reintegração da arrendadora
na posse do bem:
Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de
arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do VRG
quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como
VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença,
cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras
despesas ou encargos contratuais18.
Destarte, a devolução integral dos valores pagos a título de VRG na hipótese de não
exercício da opção de compra do bem não se coaduna com as características econômicas e
jurídicas essenciais do VRG e das operações de leasing. De maneira bastante técnica, reitera-
se que:
No VRG não há pagamento antecipado, tanto assim que o VRG antecipado
deverá ser tratado como passivo da arrendadora e ativo da arrendatária, nos
termos da Portaria 140 do Ministério da Fazenda, de 27.7.1984, além de não
gerar, em momento algum, condomínio sobre o bem arrendado.
A função do preço de aquisição, bem como do valor residual garantido é, em
última análise, deixar a arrendatária ciente, ab initio, do quantum em
dinheiro foi investido pela arrendadora na operação, bem como o que se
espera como margem de lucro. Há equilíbrio contratual, há boa-fé19.
Via de consequência, recomendável que se perquira nos contratos de arrendamento
mercantil financeiro acerca da existência de cláusulas que vedem a devolução, em qualquer 17LEÃO, José Francisco Lopes Miranda. Leasing: o arrendamento financeiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 87.
18STJ: REsp 1.099.212/RJ, j. 27.02.2013 – Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. para acórdão Ricardo Villas Bôas Cueva.
19ABDALLA, Guilherme de A. C. O valor residual garantido em contratos de arrendamento mercantil financeiro. In Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIII, nº 133, jan-mar, 2004, p. 143-149.
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154
hipótese, dos valores antecipadamente pagos a título de VRG20. Tais previsões contratuais, se
existentes, serão abusivas e, portanto, nulas. Afinal, caso o arrendatário opte por não adquirir
o bem - seja por não mais ter interesse nele ou por já ter sido a arrendadora reintegrada na sua
posse - será de rigor a liquidação da operação e, caso o montante pago antecipadamente a
título de VRG acrescido da importância obtida com a venda do bem e subtraído o total do
VRG e dos encargos estipulados no contrato (desde que igualmente não abusivos) resulte
saldo positivo, impor-se-á a devolução da respectiva cifra ao consumidor.
5. Os juros remuneratórios superiores a 12% ao ano
Sem dúvida, a questão relativa à abusividade da cobrança pelas instituições bancárias
de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano destacou-se como uma das mais calorosas
discussões acerca dos contratos bancários em geral, dentre eles o leasing financeiro.
De um lado, as instituições financeiras pugnavam pela possibilidade da cobrança de
juros acima do patamar de 1% ao mês, sustentando que pertenceria ao Conselho Monetário
Nacional a competência normativa para a fixação de patamar máximo para a cobrança de
juros por instituições bancárias21. De outro, os consumidores, prendiam-se ao disposto no § 3º
do artigo 192 da Constituição Federal22 e no artigo 1º, caput, do Decreto nº 22.626/3323, que
limitavam a cobrança de juros a 1% ao mês.
20
Segundo I eão (2000, pB 87): “LBBB] seria MNusiQM M cláusula que estabeleçM exigência de pagMmento Mntecipado do VRG sem previsão de devolução caso não exercida a opção de compra”.
21Quanto aos bancos, entende-se, por iterativas doutrina e jurisprudência, que encontram-se eles submetidos ao regime da Lei 4.595, de 1964, art. 4º, inc. IX, que atribui ao Conselho Monetário Nacional delimitar, isto é, fixar as PMxas de juros nestes termos: ‘I imitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promoQer: LBBB]’ (RHZZARDO, ArnaldoB Leasing: arrendamento mercantil no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 106).
22Verbis: “As taxMs de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar”.
23O artigo 1º, caput, do Decreto nº 22.626/33 dispõe que, verbis: “É Qedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Cod. Civil, art. nº 1B062)”B Com efeito, os juros estariam limitados a 1% ao mês, tendo em vista que a referência ao artigo 1.062 diz respeito ao Código Civil de 1916.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
155
Ao final, a jurisprudência dos Tribunais Superiores consolidou-se no sentido de que
as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional e assemelhadas não se sujeitam às
vedações da lei da usura ou do anatocismo.
Confira-se nesse sentido o enunciado da Súmula nº 596 do Supremo Tribunal
Federal: “As disposições do decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros
encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que
integram o Sistema Financeiro Nacional”.
Outrossim, em razão da antiga redação do artigo 192 da Carta Magna, editou-se a
Súmula Vinculante nº 7: “A normM do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela
Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua
aplicação condicionadM à edição de lei complementar”B
Ainda sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp
nº 1.061.530/RS, realizado nos moldes do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixou a
seguinte orientação:
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros
remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula
596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano,
por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros
remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591
c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros
remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação
de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em
desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente
demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto24.
Muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha, ao final, entendido que a
cobrança de juros superiores a 1% ao mês, por si só, não indica abusividade, tal não significa
que as instituições financeiras estejam autorizadas a cobrar juros desmesurados. Conforme
reiteradamente assinalado acima, a Lei Consumerista não admite que o consumidor seja
submetido à onerosidade excessiva, mercê do que a jurisprudência tem advertido ser possível
o reconhecimento de nulidade nas hipóteses em que os juros estabelecidos contratualmente
24STJ: REsp nº 1061530/RS, j. 22.10.2008 – Rel. Min. Nancy Andrighi.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
156
sejam capazes de colocar o consumidor em excessiva desvantagem, i.e., sejam superiores
àqueles cobrados usualmente no mercado.
Destarte, caso determinado contrato de leasing financeiro contenha previsão de
cobrança de juros em percentual superior àqueles usualmente praticados no mercado,
padecerá a cláusula de nulidade, nos moldes do art. 51, § 1º, III, do Estatuto Consumerista,
cabendo ao arrendatário em ação revisional demonstrar tal abusividade e pleitear a declaração
de nulidade do dispositivo e, se o caso, requerer a repetição em dobro dos valores cobrados,
salvo na hipótese de engano justificável, conforme prevê o parágrafo único do artigo 42 do
Código de Defesa do Consumidor.
6. Possibilidade de purgação da mora pelo arrendatário nos contratos de arrendamento
mercantil
Muito já se debateu acerca da possibilidade de purgação da mora pelo arrendatário,
na hipótese de inadimplemento do pagamento das parcelas do arrendamento mercantil.
Arnaldo Rizzardo com propriedade e clareza expõe a celeuma:
Pergunta-se da possibilidade em purgar a mora enquanto não resolvido o
negócio.
É evidente a resposta afirmativa quando o devedor é intimado em expediente
próprio, noticiando a resolução se não satisfeita a dívida em um prazo
concedido. Entretanto, mesmo incorrendo esta medida, admite-se a purga, já
que o art. 401, I, da Lei Civil pressupõe a faculdade, autorizando o
oferecimento da prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até
o dia da oferta.
Malgrado o silêncio da Lei 6.099 e os argumentos contrários de alguns,
sustentando que, ao permitir a lei a introdução, no contrato, de cláusula
resolutória expressa, com previsão da possibilidade do locador, uma vez
caracterizada a mora do devedor, de dar por rescindido o contrato
extrajudicialmente e reintegrar-se na posse do objeto, e assim não caber ao
locatário o direito de emendar a mora, fortes razões justificam a admissão do
direito.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
157
A começar pela semelhança com institutos afins, como a venda com reserva
de domínio e a alienação fiduciária, nos quais é imperativa a necessidade de
protesto do título, e, consequentemente, a permissão de seu resgate,
presumem-se a necessidade da notificação e a faculdade em se purgar a
mora.
O Superior Tribunal de Justiça acompanha esta exegese: ‘Tendo em vista a
natureza e os objetivos do contrato de arrendamento mercantil, com opção
concedida ao arrendatário para compra do bem, a possibilidade de purgação
da mora preserva os interesses de ambas as partes e mantém a
comutMPiQidade contrMPual’25.
Acrescente-se a tais argumentos o fato de ser vedado ao fornecedor cancelar
unilateralmente o contrato de adesão, sem conferir ao consumidor o direito de manter a
relação jurídica (art. 54, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor). Bem por isso, sempre
nos posicionamos no sentido de ser injustificada e abusiva a negativa ao arrendatário de
oportunidade para purgação da mora.
Ainda sobre a matéria, a questão atinente à obrigatoriedade de notificação do
arrendatário também fomentou intensos questionamentos. Mister destacar, assim, que,
independentemente da existência de cláusula resolutiva expressa no contrato de arrendamento
mercantil, será imprescindível a interpelação do devedor, justamente a fim de possibilitar-lhe
a purgação da mora.
A ementa do seguinte julgado bem relaciona o tema da necessidade de notificação do
arrendatário inadimplente e a possibilidade de purgação da mora:
Recurso especial. Arrendamento mercantil. Ação de reintegração de posse.
Purgação da mora. É admissível a purgação da mora em contratos de
arrendamento mercantil, sendo imprescindível a notificação prévia do
arrendatário, com a especificação dos valores devidos para se configurar a
sua constituição em mora. Recurso especial não conhecido26.
25RIZZARDO, Arnaldo. Leasing: arrendamento mercantil no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 176.
26STJ: REsp nº 228.625, j. 16.12.2003 - Rel. Min. CASTRO FILHO.
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158
No mesmo sentido, o notório Ministro Ruy Rosado de Aguiar, por ocasião do
julgamento do Recurso Especial nº 139.305/RS, assim consignou:
No caso de arrendamento mercantil, tendo a arrendatária o direito ao
exercício da posse dos bens objeto do contrato, enquanto cumpre com as
suas obrigações, o seu descumprimento constitui ato ilícito que caracteriza o
esbulho e enseja a propositura de ação de reintegração de posse da
arrendadora. O desfazimento do contrato se dá em juízo e através da ação de
reintegração de posse. É mais uma particularidade do leasing.
Para propor a ação de reintegração de posse, há de existir o pressuposto da
mora da arrendatária, pois ela é a causa do esbulho. Havendo a mora há,
conseqüentemente, a possibilidade de purgá-la (art. 959 do CCiviI). Como a
ação reintegratória permite o deferimento de liminar independentemente da
ouvida da parte contrária, não terá esta oportunidade de exercer o seu direito
se antes disso não tiver sido notificada do valor do débito, especialmente
quando sujeito a reajustes e acréscimos contratados. Por isso, tenho que no
leasing, a arrendatária tem o direito de ser previamente notificada para
exercer o direito de purgar a mora ou de se defender ou de exercer defesa
preventivamente contra a pretensão recuperatória prometida pela
arrendadora.
Forte nestas razões, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se
no seguinte sentido: “No contrato de Mrrendamento mercantil (leasing), ainda que haja
cláusula resolutiva expressa, é necessária a notificação prévia do arrendatário para constituí-lo
em mora” (Súmula nº 369/STJ).
Com efeito, nula porquanto abusiva, será a cláusula que por ventura restrinja a
possibilidade de purgação da mora pelo arrendatário ou dispense sua notificação.
7. A cobrança de comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios
ou remuneratórios
A cobrança de comissão de permanência, por si só, não enseja qualquer ilegalidade.
Não obstante, frequente abusividade verifica-se quando este encargo é cumulado com outros
de natureza moratória ou remuneratória. Tal cobrança, ainda que expressamente pactuada no
contrato, padecerá de inegável nulidade.
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159
Sob pena de bis in idem, há tempos o colendo Superior Tribunal de Justiça consignou
que: “A comissão de permanência e M correção monetária são inMcumuláveis” (SúmulM nº 30).
Pelo mesmo fundamento, tempos depois, aquela mesma Corte assim proclamou:
Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência,
são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado
estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. (Súmula nº 296/STJ).
Recentemente, aquele Tribunal Superior assentou que:
A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a
soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato -
exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa
contratual (Súmula nº 472/STJ).
Sobre a questão, relembramos a natureza múltipla da comissão de permanência, que
contém, ao mesmo tempo, fatores de atualização e remuneração do capital:
Quanto ao tema em apreço, a 2ª Seção do STJ, no julgamento do Resp
nº 271.214, Rel. para o acórdão Min. Menezes Direito, já teve oportunidade
de consignar o caráter múltiplo da comissão de permanência, ou seja, esta
serQe, ‘[...] simultaneamente, para atualizar e para remunerar a moeda’.
Como resultado de tal conclusão, a jurisprudência do colendo Superior
Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de impossibilitar a cumulação da
cobrança da comissão de permanência com os juros remuneratórios e com a
correção monetária, em obediência, quanto a esta, à Súmula nº 30 deste
Tribunal27.
No mesmo sentido: AgRg no EREsp nº 873277/RS, j. 11/02/2009 - Rel. Min.
Massami Uyeda; AgRg no REsp nº 1.052.336/MS, j. 23.09.2008 - Rel. Min. Sidnei Beneti;
AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 951.159/SP, j. 17.02.2009 - Rel. Min. NANCY
ANDRIGHI.
27STJ: AgRg no REsp nº 706.368 – RS, j. 27.04.2005 – Rel. Min. Nancy Andrighi.
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160
Com efeito, caberá aos arrendatários atentarem para a existência de eventuais
cláusulas que cumulem a cobrança de comissão de permanência com outros encargos e, se o
caso, pleitear a declaração da respectiva nulidade, por abusividade.
8. Tarifa de abertura de cadastro (TAC), emissão de carnê (TEC) e outros serviços de
terceiros
É comum os contratos de leasing financeiro preverem a cobrança de tarifas de
abertura de cadastro (TAC), tarifa de emissão de carnê (TEC), tarifa de registro de contrato,
tarifa de avaliação de bem e tarifa de serviços de terceiros. Muito embora alguns sustentem
inexistir óbice para o repasse ao consumidor do custo com serviços prestados por terceiros28,
atualmente tal prática tem sido alvo de diversos questionamentos.
Afirma-se que a cobrança dessas tarifas deve ser analisada à luz da regulamentação
do Banco Central, haja vista que a atividade bancária é regulamentada pela Lei nº 4.595/64,
cujos artigos 4º, VI e 9º outorgam ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central do
Brasil competência para disciplinar o crédito e as operações creditícias realizadas por
instituições financeiras em todas as suas formas.
Diversas resoluções do Conselho Monetário Nacional disciplinaram a cobrança de
tarifas de serviços de terceiros por parte das instituições financeiras e assemelhadas.
No primeiro momento, entre 25.07.1996 e 06.12.2007, vigorou a Resolução
nº 2.303/96, que trazia, em seu artigo 1º, rol de tarifas cuja cobrança era vedada. Todavia,
daquela listagem não constavam as tarifas acima descritas.
No segundo momento, foi editada a Resolução nº 3.518/2007, vigente entre
06.12.2007 e 25.11.2012, que estabeleceu que:
A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições
financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central
do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o
28
“Não Oá impedimento parM que o fornecedor, parM execuPMr seu serviço, utilize o de terceiro. [...] Contudo, o gasto com o terceiro somente poderá ser cobrado do consumidor se constar do orçamento. Se, após aprovado o orçamento, o prestador do serviço tiver de recorrer a terceiro para executá-lo, o custo dessa contratação correrá por suM conPM e risco” (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p 621).
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cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado
pelo cliente ou pelo usuário29.
Especificamente em relação aos serviços de terceiros, o parágrafo único, inciso III do
artigo 1º daquela mesma resolução previa de forma expressa que: “não se cMracterizM como
tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo
seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito
ou de Mrrendamento mercMntil”.
Na sequência, a Resolução nº 3.919 trouxe novo rol de tarifas vedadas. Porém, mais
uma vez, naquela lista não constaram as tarifas de serviços de terceiros. Por fim, em
24.02.2011, a Resolução nº 3.954 revogou o dispositivo da Resolução nº 3.919 que dispunha
não se caracterizar como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes da prestação de
serviços de terceiros.
Uma interpretação mais protetiva dos princípios estabelecidos no Código de Defesa
do Consumidor permitira aduzir que a cobrança dessas estaria vedada a partir da Resolução
nº 3.954. Contudo, tal somente ocorreu de maneira expressa em relação às tarifas de emissão
de boleto ou carnê, que passou a ser proibida a partir de 26.03.2009, conforme Resolução
nº 3.693, do Conselho Monetário Nacional. Embora minoritariamente, tal entendimento foi
adotado pela notória Ministra Nanci Andrighi:
[...] é intrigante o fato de que o próprio Conselho Monetário Nacional,
posteriormente, veio a editar a Resolução nº 3.693/2009, do Banco Central,
vedando a cobrança de taxa sobre “emissão de boletos de cobrança, carnês e
assemelhados”. Ora, ainda que essa resolução somente tenha eficácia para
vincular as instituições financeiras após 26 de março de 2009, é inegável o
fato de que a própria autoridade reguladora do mercado financeiro veio, ao
final, a reconhecer a abusividade dessa cobrança. [...]
A Resolução, ao reconhecer a abusividade de uma taxa para contratos
assinados a partir de sua vigência, apenas revela uma abusividade que, em
última análise, sempre esteve presente, mesmo porque as resoluções do
29Artigo 1º, caput, da Resolução nº 3.518, de 6 de dezembro de 2007.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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CMN, como ato administrativo secundário, somente podem conter o que já
estaria previamente autorizado pela Lei30.
Não obstante, a despeito da divergência, tem prevalecido interpretação
diametralmente diversa no colendo Superior Tribunal de Justiça, que propõe tratamento
jurídico idêntico para a cobrança de tarifas de serviços de terceiros (inclusive para as tarifas
de emissão de boletos) e para os juros moratórios pelas instituições financeiras. Aquela Corte
tem entendido prevalecer a liberdade contratual, de forma que tais encargos podem ser
exigidos se previstos expressamente no contrato e desde que não ultrapassem os valores
usualmente cobrados no mercado. Confira-se:
A alteração da taxa de juros remuneratórios pactuada em mútuo bancário e a
vedação à cobrança das taxas denominadas TAC e TEC dependem da
demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado
e da comprovação do desequilíbrio contratual31.
As tarifas de abertura de crédito (TAC) e emissão de carnê (TEC), por não
estarem encartadas nas vedações previstas na legislação regente (Resoluções
2.303/1996 e 3.518/2007 do CMN), e ostentarem natureza de remuneração
pelo serviço prestado pela instituição financeira ao consumidor, quando
efetivamente contratadas, consubstanciam cobranças legítimas, sendo certo
que somente com a demonstração cabal de vantagem exagerada por parte do
agente financeiro é que podem ser consideradas ilegais e abusivas32.
Contudo, com a devida vênia ao entendimento acima, parece-nos que a relação entre
arrendador e arrendatário no leasing financeiro não pode ser regida por normas de natureza de
infralegal (tal como é o caso das Resoluções do Conselho Monetário Nacional), tampouco
pelo Código Civil, em que impera o princípio pacta sunt servanda, mas sim pelo Código de
Defesa do Consumidor, conforme explanado mais acima.
Com efeito, a liberdade de contratar nos contratos de arrendamento mercantil de
natureza financeira encontra óbice no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor,
30REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 – Voto divergente Min. Nanci Andrighi.
31STJ: REsp 1.270.174 – RS, j. 10.10.12 – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti.
32STJ: REsp 1.246.622/RS, j. 11.10.2011 - Rel. Min. Luis Felipe Salomão.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
163
necessário à equalização daquela relação jurídica, que deve ser pautada pela transparência,
boa-fé, dignidade, saúde, segurança do consumidor (art. 4º, caput, e I, da Lei nº 8.078/90).
Estabelecidas tais premissas, a primeira grande crítica que surge em relação à
cobrança das tarifas de abertura de cadastro, emissão de carnê, registro de contrato, avaliação
do bem e outros serviços de terceiros diz respeito ao fato de que tais valores não representam
serviços destinados ao arrendatário, mas sim direcionados à diminuição do risco de crédito da
instituição arrendadora. Em verdade, trata-se de mero repasse ao consumidor de custos
inerentes à própria atividade financeira, de forma que os indigitados serviços não agregam
qualquer benefício aos consumidores. E, se não há prestação voltada ao consumidor não pode
haver contraprestação dele exigida, exsurgindo, daí, a abusividade.
Sobre a questão, o ilustre Ministro Tarso Sanseverino, em voto divergente
brilhantemente proferido no julgamento do REsp nº 1.270.174/RS, assim se posicionou:
seja qual for o nome que se dê à tarifa em questão, o fato é que sua cobrança
se destina apenas a cobrir os custos administrativos da pesquisa prévia à
aprovação do crédito solicitado.
As instituições financeiras, antes de conceder empréstimos e financiamentos,
devem tomar as medidas necessárias à averiguação da capacidade financeira
do seu cliente para reduzir o risco de inadimplência.
Embora seja imprescindível essa cautela, tanto para a atividade da instituição
financeira em particular como para a economia como um todo, é inegável
que ela não pode ser considerada um serviço prestado ao consumidor, mas à
própria instituição de crédito.
Como é cediço, a contraprestação pela concessão do crédito é o pagamento
de juros remuneratórios incidentes sobre o valor disponibilizado33.
A douta Ministra Nanci Andrighi, acompanhando o voto divergente acima transcrito,
inferiu que:
E se a taxa de emissão de carnês (TEC), é abusiva pelos motivos descritos
acima, o mesmo destino deve ter a taxa de abertura de crédito (TAC), uma
vez que tanto uma, como outra, consubstanciam cobranças impostas ao
33REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 - Voto divergente Min. Tarso Sanseverino.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
164
consumidor, sem um serviço a ele prestado como contrapartida. As taxas
destinam-se, em verdade, a cobrir custos da Instituição Financeira com o
empréstimo. Assiste, portanto, integral razão ao ilustre Min. Paulo de Tarso
Sanseverino em suas observações nesse sentido34.
Não bastasse isso, há clara violação aos deveres de informação por parte das
instituições financeiras, haja vista que, na prática, afora a singela indicação do valor e da
denominação da tarifa, não tem sido hábito incluir qualquer outro dado ou explicação
relativos àquelas cobranças.
Nestes termos, parte dos estudiosos argumenta que o dever de informar, trazido pelo
Código de Defesa do Consumidor, constitui princípio fundamental que obriga o fornecedor a
prestar, de maneira clara e precisa, todas as informações relativas aos seus produtos, serviços,
características, qualidades, riscos, valores, etc. Reitera-se, ainda, que tal princípio engloba
tanto o dever de o fornecedor prestar informações (artigo 6º, II, do CDC) quanto a obrigação
de permitir que o consumidor tenha conhecimento prévio do contrato que lhe está sendo
oferecido35.
Mais uma vez, transcrevo o seguinte trecho da decisão do eminente Ministro Tarso
Sanseverino, que sabiamente conclui o tema:
A cobrança da taxa de abertura de crédito ou da tarifa cadastral (TAC) e da
taxa de emissão de carnê (TEC), além de não corresponder a um serviço
autônomo prestado em benefício do consumidor, aumenta sensivelmente a
prestação a que ele se obriga, sem que, no entanto, lhe seja dada
transparência.
De fato, a essas taxas administrativas não é dado o devido destaque pelas
instituições financeiras, que, em regra, não informam seu custo nas próprias
mídias utilizadas para divulgação de seus produtos.
No mais das vezes, apenas há a previsão das tarifas no próprio instrumento
do contrato, ao qual o consumidor adere sem saber o motivo da cobrança e
sem ter sido previamente informado acerca do valor que é acrescido
automaticamente ao seu débito.
34REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 – Voto divergente Min. Nanci Andrighi.
35NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p 182.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
165
Ademais, a experiência comum autoriza dizer que, ao buscar crédito no
mercado de consumo, o consumidor utiliza sempre, como parâmetro de
comparação para escolha da instituição financeira com quem contratar, a
taxa de juros remuneratórios praticada, e não as taxas administrativas36.
Diante de tais robustos argumentos, inegável que a cobrança das tarifas de abertura
de cadastro, emissão de carnê, registro de contrato, avaliação do bem e outros serviços de
terceiros violam os deveres de informação, transparência e boa-fé, que deveriam reinar nas
relações de consumo, representando evidentes cláusulas abusivas.
9. Conclusão
Os exemplos acima denotam que a doutrina e a jurisprudência permanecem atentas à
salvaguarda dos direitos dos consumidores, prezando pela higidez de suas relações.
Os Tribunais Superiores vêm intervindo de modo a coibir situações que se mostrem
abusivas, opressivas, onerosas, vexatórias ou excessivas aos consumidores. Nesse sentido,
mister ressaltar o dever de imparcialidade do Poder Judiciário. Com efeito, a proteção ao
consumidor não deve ser compreendida como o singelo acatamento das teses mais favoráveis
aos seus interesses. Especificamente em relação aos temas aqui tratados, verificou-se que, nas
hipóteses em que as Cortes Superiores de Justiça não perfilharam o entendimento sustentado
pelos arrendatários (notadamente nas questões relativas ao valor residual garantido e à
cobrança de juros), pode-se dizer que os argumentos trazidos por tais vertentes doutrinárias
não se coadunam com as características econômicas e jurídicas do valor residual garantido, do
leasing ou das operações bancárias, mercê do que restaram fundamentadamente rechaçadas
pela jurisprudência pátria.
Especificamente em relação à abusividade da cobrança de tarifas de serviços de
terceiros ousamos afirmar que o tema ainda se encontra em franco debate nos Tribunais do
país. Com efeito, os votos divergentes acima transcritos, mais parecem ter reaberto a questão
no colendo Superior Tribunal de Justiça, inexistindo na jurisprudência posicionamento
consolidado pró ou contra a doutrina consumerista.
36REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 - Voto divergente Min. Tarso Sanseverino.
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166
Demais disso, a riqueza e complexidade das discussões acima abordadas demonstram
a fidelidade com que os órgãos de defesa do consumidor, advogados, defensores e Ministério
Público vêm desempenhando seus respectivos misteres. Aliás, sem sombra de dúvida, o
trabalho destes operadores do direito constitui o fator primordial para que o desaparecimento
das cláusulas abusivas se torne uma questão de tempo.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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169
ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO
DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS NO
AMBIENTE EMPRESARIAL.
NOTES ON THE ALLEGED EXISTENCE OF A "MORAL DAMAGE INDUSTRY"
AND THE EFFECTS OF THE CONSUMERS COMPENSATIONS IN THE
BUSINESS ENVIRONMENT
Marcelo de Souza Sampaio1
Viviane Coêlho de Séllos Knoerr2
RESUMO
Anotações sobre a alegada existência de uma “indústria do dano moral” e os efeitos das
indenizações consumeristas no ambiente empresarial. Diante do desenvolvimento
experimentado tanto pelos sujeitos de direito, quanto pelas figuras jurídicas na
contemporaneidade, surgem novas demandas legislativas e hermenêuticas cujas aplicações
devem seguir um viés funcionalizado a despeito de sua mera leitura literal. Neste contexto
jurídico não se pode deixar de lado o instituto da responsabilidade civil, que irá operar nos
pólos de função repressora expressa no artigo 186, e o preventiva-diretiva, expressa no artigo
187, ambos do Código Civil Brasileiro. Saliente-se este último como uma inovação
legislativa, trazendo à baila a punição pelo cometimento do “abuso de direito”. É neste
diálogo entre a Empresa e a sociedade que nascem os regramentos jurídicos para delimitar
suas condutas necessárias para a manutenção da ordem social e da preservação do interesse
coletivo, cujo escopo é alcançar de fato uma sociedade mais livre, justa e solidária. Destaca-se
neste contexto a função pedagógica que busca não apenas reparar prejuízos, mas também
desestimular o cometimento de novos danos. No tocante a tutela consumerista que
fundamentalmente é preventiva no que diz respeito à proteção do consumidor, e cujas
decisões acabam por manifestar seus efeitos no ambiente empresarial, contribui a lei para a
1 Mestrando do programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).
Especialista em Direito Processual. Integrante do Grupo de Pesquisa Direito Empresarial e Cidadania no século XXI, no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Direito. Professora e atual coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e
Cidadania – UNICURITIBA. Líder do Grupo de Pesquisa Direito Empresarial e Cidadania no século XXI, no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. E-mail: [email protected]
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170
ideologia do desenvolvimento sustentável e coaduna sua Política Nacional de Consumo, a fim
de não contrariar o ideário constitucional.
PALAVRAS-CHAVE
Responsabilidade Civil Consumerista, Indústria do Dano Moral, Efeitos das Indenizações
Consumeristas, Função Pedagógica da Indenização.
ABSTRACT
Notes on the alleged existence of a “moral damage industry” and the effects of the consumers
compensations in the business environment.Facing the development experienced by both the
subjects of law, as the figures in contemporary legal arises new legislative demands and
hermeneutical whose applications should follow a bias functionalized despite its literal
reading. On this legal basis can not leave aside the institution of the civil liability, which will
operate at the poles repressor function expressed in Article 186, and preventive-director,
expressed in Article 187, both of Brazilian Civil Code. It should be noted this one as a
legislative innovation, bringing up the punishment for committing the "abuse of rights." In
this dialogue between the company and the society that comes to define their legal rules to
delimit required to maintain social order and preserving the public interest, whose scope is in
fact achieve a freer, justice and solidarity society. It is noteworthy in this context the
pedagogical function that seeks not only to repair damage, but also discourage the
commission of further damage. Regarding the protection consumerist which is essentially
preventive in relation to consumer protection, and whose decisions end up to manifest their
effects on the business environment, the law contributes to the ideology of sustainable
development and is consistent, its National Consumer Policy, in order to not contradict the
constitutional ideals.
KEYWORDS
Consumers Liability, Moral Damage Industry, Consumers Compensation Effects, Pedagogical
Function of Indemnity.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS
SOBREDESENVOLVIMENTO, RESPONSABILIDADE CIVIL NO SISTEMA
JURÍDICO CONSUMERISTA, FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E ANÁLISE
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171
ECONÔMICA DO DIREITO. 3 ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA
DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES
CONSUMERISTAS NO AMBIENTE EMPRESARIAL. 3.1A QUESTÃO DA
ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL”. 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
A Contemporaneidade impõe novas demandas legislativas e hermenêuticas, tanto para
os sujeitos de direito, quanto para as figuras jurídicas, que devem ser aplicadas com seu viés
funcionalizado. E de tal sorte não escapa a figura jurídica da responsabilidade civil, que opera
notadamente em dois polos de função: o repressor, expressado pelo artigo 186, e o
preventivo-diretivo, expresso pelo artigo 187, ambos do Código Civil Brasileiro, consistindo,
notadamente, este último, em uma virtuosa inovação legislativa, que trouxe à baila a punição
pelo cometimento do “abuso de direito”.
É neste contexto jurídico que a Empresa interage com a sociedade, exercendo sua
garantia constitucional à livre iniciativa, seu direito econômico a obter e reter o lucro, porém,
todas as suas condutas são delimitadas pelos regramentos jurídicos que nascem da
necessidade da manutenção da ordem social e da preservação do interesse coletivo, para que
se possa, de fato, alcançar uma sociedade mais livre, justa e solidária.
No diálogo com as funções atuais da responsabilidade civil, destaca-se a função
pedagógica das indenizações, que busca não apenas reparar os prejuízos, mas também enviar
uma importante mensagem para a sociedade, desestimulando ao cometimento de novos danos.
É somando ao critério pedagógico o elemento preventivo (ao que denomina de
“função profilática”), que a autora Ana Cecília Parodi, tratou da Análise Econômica do
Direito, associada à Responsabilização Civil dos Fornecedores, para tentar responder a uma
incomoda pergunta, que emerge da experiência jurisprudencial: existiria um fenômeno
denominado pelos próprios tribunais como “indústria do dano moral”?
É com base nessa problematização, e atendendo às exigências da disciplina do
programa de mestrado, que se estruturam estas breves anotações sobre o tema, desprovido de
qualquer pretensão de esgotar o assunto.
Adotou-se, precipuamente, a metodologia da revisão bibliográfica.
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172
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A SOCIEDADE DE RISCO E A
RESPONSABILIDADE CIVIL NO AMBIENTE JURÍDICO CONTEMPORÂNEO.
O ambiente econômico contemporâneo, notadamente nos países capitalistas, é baseado
em um sistema de produção em massa, tendo no Fornecedor x Consumidor o elo mais forte da
relação econômica. E conforme José Geraldo Brito Filomeno (2007, p. 68-70), o Consumidor
é o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais
fraco. Contudo, ainda maior é o poder intrínseco do Consumidor, quem, se deixar de exercitar
seu “ato de consumo”, leva toda uma estruturação econômica globalizada ao colapso.
Prevalece neste ambiente econômico, a chamada “sociedade de risco”:
O conceito de sociedade de risco se cruza diretamente com o de
globalização: os riscos são democráticos, afetando nações e classes
sociais, sem respeitar fronteiras de nenhum tipo. Os processos que
passam a delinear-se a partir dessas transformações são ambíguos,
coexistindo maior pobreza em massa, crescimento de nacionalismo,
fundamentalismos religiosos, crises econômicas, possíveis guerras e
catástrofes ecológicas e tecnológicas, e espaços no planeta onde há
maior riqueza, tecnificação rápida e alta segurança no emprego.
(GUIVANT, 2008).
O grande desafio deste mundo contemporâneo globalizado é conseguir conciliar
desenvolvimento econômico com preservação ambiental em sentindo amplo, compreendendo
por “meio ambiente” os elementos de fauna e flora, mas também os elementos humanos e
relacionais3(SILVA, 2003, p. 23).
O Direito não resta incólume às transformações sociais e o governo jurídico das
relações privadas tem se visto alterado drasticamente desde a travessia do tempo moderno
para o contemporâneo. Ensinam os teóricos da Constitucionalização do Direito Privado4, que
todo o Direito tem passado por uma evolução, especialmente desde o advento da Revolução
3 Conforme José Afonso da Silva, o meio ambiente, na acepção contemporânea do vocábulo, vai além do tradicional “meio ambiente natural”, passando a englobar o meio ambiente cultural, laboral, negocial, dentre outros. 4A esse respeito, é recomenda a leitura da obra de: TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
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173
Francesa, em 1789, e da primeira Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra, na
metade do Século XVIII, experimentando movimentos, também de cunho hermenêutico,
como o da “repersonalização do Direito Civil”. Desde o advento do capitalismo moderno, o
Direito servia – em um sentido realmente serviçal – à moeda, ao patrimônio econômico,
deixando o sujeito de direitos para segundo plano. Prevalecia o ter sobre o ser (PARODI,
2009, p. 161). A propósito da Constitucionalização do Direito Civil, Pietro Perlingieri afirma,
em sua celebre obra Perfis de Direito Civil-Constitucional, fala sobre as bases e
contextualização do estudo dessa escola:
A unidade do fenômeno social e do fenômeno jurídico exige o estudo
de cada instituto em seus aspectos ditos privatísticos e publicísticos. A
própria distinção entre Direito Público e Direito Privado está em crise.
A Constituição Federal de 1988 nasceu justamente das lutas humanistas e consagrou
os ideais de A Era dos Direitos. E a propósito, nesse ponto vale registrar os outros principais
valores e princípios constitucionais:
PREÂMBULO: (...) para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social (...) Art. 1º A República
Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos: (...) II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana; (...) Art. 3º Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento
nacional; (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se (...) a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: II - propriedade privada; III - função social da
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174
propriedade; (...) V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de
elaboração e prestação.
Para compreender os novos rumos da responsabilidade civil no país é preciso
entender os seus pressupostos, notadamente no que diz com a “repersonalização do Direito” e
com sua reestruturação funcionalizada, à luz de Norberto Bobbio(2007), vejamos.
Repersonalização do Direito Civil significa que o indivíduo, sujeito de direitos, volta
à cena, como principal foco das atenções dos operadores do Direito, que buscam atender
àquilo que Ana Cecília Parodi (2009, p. 29) ensina ser o principal valor-fundante do Direito, o
chamado “solidarismo constitucional”, o qual, sendo mais do que um regramento, é um
verdadeiro espírito, que se compõe de outros valores como a transparência e a boa-fé
objetiva.Ensina Carlyle Popp (2004), sobre o novo momento vivido pelo Direito Privado
brasileiro, detalhando os princípios básicos que orientam a leitura e interpretação das normas
privatísticas em geral:
Ao contrário do que pensavam alguns críticos, o Código Civil vigente
é um instrumento importante para a oxigenação do sistema jurídico
civil e, apesar de repetir o conteúdo de muitos dispositivos do Código
Civil revogado, é um instrumento novo no ordenamento jurídico. Esta
novidade, a despeito da ratificação das regras vigentes, é fruto de uma
nova ideologia que se sustenta em seus princípios básicos, quais
sejam: a) eticidade; b); sociabilidade e; c) operacionalidade. Eticidade,
fruto do retorno da moral e da importância que se deu à boa-fé, em
suas diferentes manifestações. Sociabilidade como obediência ao
princípio do solidarismo constitucional descrito no art. 3º, inc. I da
Carta Magna, origem das idéias de função social do contrato, da
empresa e da propriedade. A operacionalidade principalmente pela
preocupação com o futuro, utilizando-se uma técnica legiferante que
privilegiasse o presente, sempre com vistas ao futuro. [...] Na verdade,
a leitura que se deve fazer das regras inauguradas pelo Código Civil
vigente é diversa. Não se pode interpretar o código vigente à luz do
entendimento reinante na legislação revogada, sob pena de se olhar
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
175
para o pretérito, olvidando-se do futuro. Para tanto, é de extrema valia
a conscientização de que o direito atual deve ser pensado, interpretado
e efetivado com o auxílio dos postulados do chamado pós-
modernismo jurídico [...] passando-se a privilegiar a confiança e a
ética, com um renascimento da importância do ser humano. [...] reflete
uma crise no Direito posto e como usualmente interpretado,
convidando o interprete a uma releitura do ordenamento jurídico em
face da nova realidade social, compelindo-o a uma alteração na forma
de pensar o Direito.
Norberto Bobbio (2007), nos artigos que, consolidados, materializaram a obra “Da
estrutura à função”, se opõe à doutrina preconizada por Kelsen, da Teoria Pura do Direito:
A doutrina kelseniana do culto à norma é posta em xeque pelas
escolas defensoras da hermenêutica funcionalizada, contando com
Norberto Bobbio como um de seus defensores mais ilustres. Da
estrutura à função, não apenas as normas ganham novas cores, em prol
de sua efetividade, mas também o Poder Judiciário se vê desafiado a
uma participação comissiva, proativa, para a realização da plenitude
constitucional, visando à construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, no chamamento do denominado ativismo judicial
(BATISTA, PARODI, 2010).
Das principais contribuições de Norberto Bobbio (2007), advém a idéia do direito
promocional, que estimula o “bom comportamento” dos cidadãos e sua conduta lítica, ética e
moral, em contraposição às normas meramente repressivas. A diferença mora na ideologia
dominante em cada uma das técnicas legiferantes. E também revisita ao Direito Público, uma
vez que dialoga com a funcionalização das normas, do produto legiferado, estimulando aos
legisladores e aos administradores que não atuem com vistas ao antigo regime estruturado das
normas, da mera positivição de cláusulas duras de conduta (como seria próprio da clássica
racionalidade publicista), mas que prospectem estimular aos cidadãos a se integrarem com a
Administração, com o Estado e com a Nação, que produzam normas que despertem a
cidadania e seu exercício nos indivíduos e nas empresas, não apenas para que se determinem
pela limitação da conduta ordenada, mas para que escolham fazer o que é melhor para o
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
176
interesse público, incentivando a criação de uma consciência cidadã coletiva e implementando
em menor tempo os objetivos constitucionais.
Tal escopo pode ser atingido pelo incentivo contido nas normas. Todo produto
legiferado tem caráter cogente. A norma com natureza de sanção serve como freio social e
reprime o cometimento de condutas ilícitas, impondo penalizações ao descumprimento da lei.
Mas, na prática, muitas vezes apenas “recolhe as multas” ou mantém uma previsão de
possibilidade de acionamento do Judiciário para impor eventual punição, uma vez que os
cidadãos preferem, tantas vezes, arcar com as consequências de seus atos ilegais. Por outro
lado, a natureza promocional da norma estimula uma mudança de consciência, porque
incentiva a escolha de uma conduta que seja melhor para o interesse coletivo e para o bem
comum, por meio de uma recompensa prevista em lei, a exemplo do IPTU e do ICMS
ecológico, dentre outros.
A Contemporaneidade demanda o implemento dos novos paradigmas do Direito,
que não podem se realizar em sua plena efetividade sem uma hermenêutica
constitucionalizada e funcionalizada, à luz das arcaicas ideias estruturantes de Hans Kelsen e
o próprio direito de propriedade é afetado por essas novas leituras interpretativas, conforme
Eduardo Takemi Kataoka (2000, p. 492):
Hoje não há apenas uma, mas várias propriedades muito diversas entre
si. Por exemplo, a propriedade fundiária urbana e rural, a propriedade
acionária, a propriedade intelectual, a propriedade de bens de consumo
etc. Cada uma destas propriedades têm uma disciplina jurídica
própria, sendo unificadas apenas pela sua função social comum.
Estes novos paradigmas éticos influenciam as condutas das pessoas físicas e jurídicas
e, via de consequência, ensejaram modificações estruturais no sistema da responsabilidade
civil, que restou afetada pelas inovações promovidas pelo Código Civil, no ano de 2002. E
não apenas em sua estrutura positivada, mas essencialmente em sua funcionalização.
Em resumo, não apenas visa a trazer reparação para as vítimas dos atos ilícitos, mas,
com efeito, buscando PREVENIR a ocorrência dos danos, desde o ano de 2002, o sistema
civilista codificado opera com o modo tradicional de punição do ato ilícito assim considerado
como a violação lesiva de direitos, e também com o sistema de prevenção e repressão do
abuso de direito, buscando manter balizas de segurança para que o exercício dos direitos
individuais não fira ao interesse coletivo de manutenção de uma sociedade promotora de
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
177
direitos e de bem-estar. Estas tutelas constam dos artigos 186 e 187, do Código Civil
Brasileiro. Vislumbram-se, então, as funções preventiva e pedagógica das indenizações, como
um meio de promotor social das boas condutas, conforme ainda se verá no próximo tópico.
Preleciona Carlos Eduardo Ruzyk (2002, p. 134):
A ideia de que o princípio da dignidade impõe ao Estado ações
visando a evitar a produção de danos contra a pessoa permite
vislumbrar um redesenho das possibilidades da responsabilidade civil
por danos extra-patrimoniais, ressaltando-se sua dimensão
preventiva. Se, por um lado, é certo que a responsabilidade civil
somente tem lugar após a produção do dano, não se pode olvidar sua
dimensão dialética, que permite sua utilização como instrumento
“pedagógico” de prevenção. (g.n.)
Analisando os novos paradigmas da responsabilidade civil, Anderson Schreiber (2007,
p. 79), em processo social e jurídico inverso ao que imperou durante muitas décadas e em
muitos países, o qual consistia, até mesmo por preconceitos, em limitar a reparabilidade dos
danos suportados pela vítima, afirma o autor que “a expansão do dano ressarcível” passou a
ser “noticiada por toda parte”, atingindo a outros países, inclusive e, citando Guido Alpa e
Mario Bessone, diz que “a função ressarcitória vem, por assim dizer, exaltada pelo
incremento dos danos que é um corolário típico da sociedade moderna”.
Continua o autor (SCHREIBER, p. 80-91), explicando que houve uma expansão
quantitativa (maior acorrida aos tribunais, em busca das tutelas indenizatórias) e qualitativa
(definida pela presença de novos interesses tuteláveis, em sua maior parte extracontratuais e
de natureza existencial, mas não se limitando por eles) do dano ressarcível e destacando as
novas dimensões transindividuais, difusas e coletivas dos danos, que afetam às massas de
vítimas, conjuntos de pessoas que estiveram expostas ao mesmo fato lesivo e que suportaram,
em razão disso, danos não necessariamente idênticos em proporções, mas que, estão
interconectadas pelo fator “nexo causal”, o que de fato coaduna, em muito, com a
repersonalização do direito, dantes abordada, pela compreensão social da dimensão do ser. E
como exemplo de novos danos, cita, ilustrativamente e dentre outros, as proteções aos direitos
patrimoniais genéticos.
De forma magistral e convocando ao pensamento crítico, o autor (SCHREIBER, p.
115-134) desafia os já estabelecidos paradigmas estabelecidos quanto aos interesses tutelados
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
178
na avaliação dos reflexos dos danos (e inclui, neste arcabouço, até mesmo a proporção da dor,
da ofensa e o critério de utilidade pública e da eficiência econômica):
Ainda no afã de definir um critério para a seleção dos interesses
merecedores da tutela ressarcitória, muitos tribunais têm se referido à
exigência de não obstar de utilidade pública e de manter o controle
dos efeitos econômicos da reparação de danos. De fato, as discussões
mais recentes em torno da responsabilidade civil têm se caracterizado
pela inserção, em um discurso antes denominado exclusivamente pela
Justiça, de preocupações de ordem econômica. À ética da reparação
tem se associado, com efeito, uma série de outros argumentos de
natureza utilitarista, que, se antes não eram ignorados pelos juristas,
vinham, ao menos, aditados ao debate subjacente à produção
legislativa, não já à atuação das cortes. O gradual desenvolvimento,
especialmente no common law, de um papel mais “holístico” do Poder
Judiciário, atento às consequências de suas decisões também em um
patamar social, que transcende a singularidade do caso concreto,
acabou por servir de base para a consagração mundial da eficiência
econômica como um dos objetivos a serem perseguidos pela
responsabilidade civil, como mecanismo de repartição dos prejuízos
normais à vida em sociedade(SCHREIBER, p. 126).
Acerca das inovações repercutidas sobre a ressignificação dos elementos da
responsabilidade civil tais como “agente”, “vítima” e “danos”, e também tratando do diálogo
entre as fontes (afirmando não existir revogação do Código de Defesa do Consumidor e que
ambos os sistemas de responsabilidade civil coexistem), assevera Ana Cecília Parodi (2009, p.
39-41) sobre ambos os temas:
os novos paradigmas do Direito, em diálogo com o impacto
socioeconômico da globalização e as mudanças políticas e sociais
decorrentes, principalmente, do pós-Revolução Industrial e dos dois
grandes conflitos mundiais, impõem nova leitura para a
Responsabilidade Civil, na Contemporaneidade, alargando-se a
interpretação de conceitos como “agente”, “vítima” e “dano”,passando
a englobar direitos difusos e coletivos e novas espécies de lesões,
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
179
como as ambientais e mesmo o especializado trato consumerista. A
reforma civilista de 2002 importa em nova visão para a
Responsabilidade Civil, certamente não comportando mais um arcaico
pensamento de que, nas relações a priori paritárias, o sistema de
responsabilização seria reparatório e não preventivo. Contudo, o
Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor no ano de 1990,
dois anos após promulgação da Carta Magna e setenta e quatro anos
após a edição do Código Civil de 1916, em plena vigência da
Dogmática Clássica. Assim, os parâmetros civis codificados se
mostravam insuficientes às relações de consumo, notadamente porque
se trata de uma relação entre desiguais. A tutela reparatória
consumerista é um mecanismo de intervenção estatal, delimitador e
funcionalizadorda livre iniciativa, propício a apaziguar as relações
sociais de consumo, protegendo ao consumidor em sua
vulnerabilidade frente ao fornecedor, condição pessoal que é regra
pressuposta e não se confunde com a hipossuficiência, condição
processual, verificável caso a caso.
Conclui-se que ambos os sistemas de responsabilização coadunam com os novos
paradigmas e com o ideário funcionalizado do Direito.
3 ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO
DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS NO
AMBIENTE EMPRESARIAL.
Conforme Armando Castelar Pinheiro (2005, p. 50-51):
A globalização é um fenômeno que tem economistas e profissionais
do direito como alguns de seus principais atores, na medida em que é
um processo caracterizado pela integração econômica internacional e
que, diferentemente do processo de integração do século XIX, é cada
vez mais regulamentado e dependente de contratos.
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180
O Código de Defesa do Consumidor é firmado sobre as premissas balizares da Política
Nacional de Consumo, que compreende, dentre outros, o reconhecimento da vulnerabilidade
intrínseca do Consumidor; a responsabilização objetiva do Fornecedor como regra, baseada
na teoria do risco da atividade; e define toda a tutela da responsabilização civil (incluindo os
parâmetros indenizatórios) como um sistema fulcrado na prevenção dos danos e na efetiva
reparação dos prejuízos, tomando-se por presumida a boa-fé dos consumidores; qualquerato
de má-fé precisa ser investigado caso-a-caso.
Contudo, a jurisprudência parece discordar da virtuosa política pública instituída pelo
microssistema consumerista, ao negar a plena efetividade à reparação e à compensação dos
danos de consumo, oferecendo por via reversa proteção aos fornecedores lesionantes, sob
alegação de que o arbitramento de uma condenação em valores mais substanciosos
implementaria uma acorrida desenfreada aos processos judiciais, ensejando uma “indústria do
dano moral” entre os consumidores.
O pensamento Bobbiano se implementa de forma plena no que diz com a tutela da
responsabilização civil, que se materializa um de seus expoentes máximos, posto que, por
suas múltiplas funções, tem o condão de se prestar a freio social inibitório de condutas ilícitas,
além de incentivar a prática de boas condutas. E é no diálogo com a racionalidade da Análise
Econômica do Direito que se explica, teoricamente, de que maneira a responsabilidade civil
pode ser um virtuoso instrumento indutor de boas condutas, influenciando diretamente aos
processos de tomada de decisão empresarial. Da mesma forma, se presta a justificar o
pensamento econômico que influencia o Poder Judiciário a não usar de rigor punitivo para
com os fornecedores lesionantes, em nome de um ativismo questionável. Desume-se, desde
já, que a racionalidade da AED é neutra por essência, cabendo o juízo de valor ao seu
operador.
Pietro Barcellona5, ao tratar da relação homem x propriedade, anota que as escolhas
são feitas com base nos interesses econômicos das pessoas:
O indivíduo que se libera, libera, portanto, dos vínculos pessoais,
políticos e sociais, mas a propriedade livre se constrói em uma
objetividade separada do indivíduo e, em parte, logo governa as
5Apud necessário do texto de Souza, por falta de acesso à obra original “Il declinio dello Stato”. Compete esclarecer que a citação anterior operada diretamente de Barcellona foi extraída de sua célebre obra “El individualismo proprietário”, disponível nos diversos acervos bibliotecários da cidade.
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181
condutas segundo as leis do cálculo econômico(apud SOUZA, 2012,
p. 72-73) (g.n.)
Os processos de tomada de decisão empresarial obedecem diversos padrões, que
foram definidos pela antropologia, sociologia, psicologia, matemática, e, dentre outros, pela
economia e pelo direito.Os frutuosos diálogos entre a Economia e o Direito foram
sistematizados no ano de 1961, pelo pesquisador britânico Ronald Coase, com a obra
fundamental “The Problem of Social Cost”, bem como “Some thoughts on Risk Distribution
and the Law of Torts”, este lançado por Guido Calabresi, fundando, assim, as bases do
pensamento da chamada Escola de Yale e, concomitantemente, Richard Posner fundava a
Escola de Chicago. Ambas as Escolas representam as principais linhas de estudo do
movimento conhecido como Law and Economics.
No Brasil, seus principais teóricos são Armando Castelar Pinheiro, Jairo Saddi,
Luciano Timm e Rachel Sztajn.Mas também encontra detratores, especialmente entre os
juristas e pensadores de viés humanista, por julgarem que a Análise Econômica do Direito-
AED estimule a perversidade das decisões baseadas unicamente na melhor potencial
lucratividade. Encontram respaldo, tais pensadores, especialmente em um princípio da Law
and Economics denominado “Ótimo de Pareto” que teoriza o principal motivador das
escolhas das pessoas e dos empresários, do ponto de vista da eficiência econômica.
Como ensina Irineu Galeski Jr. (2008, p. 56), diversos autores oferecem um conceito
para o princípio do ótimo de pareto, mas, em resumo, pode-se dizer que é a busca pela
máxima eficiência na produção (utilização da máxima capacidade, ao menor custo) e nas
trocas (transação pela maior margem de lucro (preço alto, custo baixo) e com o menor número
de atravessadores, para não diluir o lucro).
O problema intrínseco de qualquer decisão – seja ela judicial, empresarial ou
estritamente humana –, é que as mesmas não contabilizam, não internalizam os custos
humanos, sociais e ambientais e, dessa forma, podem causar grave insustentabilidade para
todos os pilares da Nação. Decisões motivadas unicamente pelo economicismo não cooperam
para o desenvolvimento social, humano e nem mesmo financeiro, pois o caos ambiental e
social encarecem, de maneira reflexa, o custo de vida por meio dos impostos, dentre outros
(PARODI, 2009).
Neste ponto, vale ressaltar a opinião de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk (2002, p.
138-139), crítico das benesses da aplicação da AED como método de prevenção de riscos e
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
182
danos, e isto não com base em uma ineficiência necessária do método, mas na motivação de
sua adoção, afirma, relembrando a funcionalização do instituto:
A responsabilidade civil, segundo a análise econômica do direito,
deve ter uma função preventiva de danos – função esta que também é
defendida no presente estudo, com base, todavia, em outros
princípios e valores. A crítica reside, entretanto, na finalidade e no
fundamento dessa prevenção: não se cogita, na análise econômica, a
prevenção de danos à pessoa humana, com fundamento em sua
dignidade, mas, sim, a prevenção da ocorrência de custos que
prejudiquem a eficiência e, por conseguinte, a competitividade da
economia. A responsabilidade civil se reduz a mero instrumento de
eficiência econômica (g.n.).
A Análise Econômica do Direito trabalha, ainda, com um paradigma conhecido por
Teoria dos Jogos, uma teoria matemática, que usualmente se aplica à Administração e à
Economia, e que explica por meio de fórmulas tanto as probabilidades, quanto as razões das
escolhas, inclusive do ponto de vista mais eficiente, ou seja, seguindo o critério da maior
rentabilidade para o empresário, pelo menor custo financeiro (COOTLER&ULEN, 2010).
Explica a Teoria dos Jogos que um jogo pode ser de cooperação, quando todos os
jogadores inicialmente conjugam esforços para obter o mesmo resultado; mas o jogo pode ser
de competição, quando os jogadores buscam seus próprios interesses e, em regra, são
interesses conflitantes (MARINHO, 2011). Este último é o cenário predominante no
Judiciário, após a instalação das lides judiciais.
Também é do instrumental da Teoria dos Jogos que as partes, os jogadores, atuarão
movidos pelo sistema de informações de que dispõem. Essas informações podem ser obtidas
em diversas fontes e, aqui, cabe destacar duas em especial: a expectativa do comportamento
do outro jogador, baseado notadamente na experiência passada das atuações dessa pessoa
física ou jurídica.
E também, a jurisprudência, importante fonte de informações, porque regula como
freio social inibitório a conduta dos agentes. Um jogador não ultrapassará determinados
limites de conduta social se tiver claro que a jurisprudência tende a punir os seus atos.
Contudo, se a jurisprudência for relutante, deixando margem para comportamentos sociais
negativos, então isso servirá de estímulo para que os agentes atuem, por exemplo, de maneira
socialmente irresponsável, atentando contra os ditames sustentáveis constitucionais e contra
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183
os pilares da cidadania empresarial. (PARODI, 2009).
Ou seja, no cenário da responsabilidade civil, pelos dados de mercado que informem
que o Consumidor é relutante em acionar o Judiciário, ou em nome da informação de que é
tímida a retribuição ao ilícito, o Fornecedor pode se ver estimulado a praticar danos, atuando
de forma irresponsável, deliberadamente lançando-se a lesionar.
3.1A QUESTÃO DA ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO
MORAL”
Questão de relevo se refere à coibição da chamada “indústria do dano moral”,onde,
em suma, parcela significante da magistratura brasileira acredita que o deferimento de um
quantum compensatório (por condenação de dano moral consumerista) de maior expressão
monetária, estimularia os consumidores a se aventurarem a mover lides motivados pelo
enriquecimento ilícito.
A respeito da Análise Econômica do Direito aplicada à Responsabilidade Civil (tort
law), e debatendo o sopesamento entre o princípio da eficiência e do bem-estar, Mark
Geistfeld (2009, p. 236-237) afirma que é preciso, sim, analisar, no caso concreto, a natureza
dos interesses que estão em jogo, mas unicamente um interesse pessoal contundente e bem
distinto pode justificar o afastamento da aplicação da responsabilização civil6.
Conforme preleciona Ana Cecília Parodi (2009), ao tratar da Profilaxia da
Responsabilização Civil Consumerista, com suporte em variados autores que corroboram seu
pensamento afirma que se trata de uma forma de “ativismo judicial”7, mas ao arrepio da
proteção dos melhores princípios desenvolvimentistas sociais; em verdade atuariam os
tribunais preocupadas exclusivamente com a proteção da livre iniciativa. A argumentação
jurisprudencial implica em uma grave imputação de má-fé contra os consumidores, alegando- 6Extrai-se do texto do autor, em vernáculo: “Tort Law traditionally hás given ‘peculiar importance’ to the nature of individual interests. The interests need to be distinguished only if there is some reason for prioritizing among them, and tort law does so. Most importantly, tort law gives one’s interest in physical priority over the conflicting liberty of another.” 7Conforme Luiz Roberto Barrozo (2009, p. 6): “A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”.
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184
se que os mesmos se exporiam, deliberadamente, aos danos de consumo, para se beneficiarem
de altas indenizações. Argumento este deveras incongruente com a ideologia do ordenamento
pátrio, a uma porque não há autolesão indenizável, e, porque a culpa exclusiva da vítima é
expressamente reputada como excludente da responsabilidade civil. A esse respeito, é como
afirma Evandro Gueiros Leite (2009):
O ativismo [judicial] não é, porém, um novo sistema fora da
realidade do processo, como pareceu a M. Cappelletti, ao
perguntar por que os tribunais não poderiam atuar como
legisladores na criação e adaptação constante das suas próprias
regras processuais técnicas, pois que com elas lidam
diuturnamente. (g.n.)
Do ponto de vista da análise jurídica dos impactos econômicos provocados,
compreende Parodi (2009, p. 75-144) que: i) não há que se falar de maneira absoluta em
parâmetros para o enriquecimento sem causa em uma sociedade marcada pelas desigualdades
sociais, como a brasileira; ii) a baixa retribuição judicial aos danos provocados pelas empresas
enseja – desejando-se ou não – eficiência nos termos do ótimo de pareto à conduta
empresarial de “pagar para lesionar” ao invés de se prevenir os danos, como deseja a lei
consumerista, prejudicando a segurança jurídica das relações e o desenvolvimento sustentável
da nação. Remetendo, novamente, à teoria dos jogos, Parodi afirma que, este ativismo faz
com que a jurisprudência deixe a categoria de “informação” para atuar de maneira nefasta
como um “jogador na surdina”, cooperando injustamente para desequilibrar as rodadas
processuais em favor dos fornecedores quem, via de regra, detém melhores condições de obter
informações jurídicas e de conhecer não apenas os seus direitos, mas também os andamentos
da jurisprudência; o consumidor, por outro lado, presume-se juridicamente vulnerável e, de
fato, pouco acesso tem a efetiva informação de qualidade acerca de suas garantias.
E visando a encerrar o presente trabalho de forma substanciosa, dados atualíssimos
fornecidos há menos de um mês pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ)8, dão conta da
inexistência desse alegado fenômeno:
8Dados informados Segundo Seminário de Direito, Estatística e Jurimetria, realizado na capital paulista. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jun-22/justica-ainda-primeiros-passos-elaboracao-dados-estatisticos. Acesso em: 30 jun. 2012.
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185
O estudo dos professores Bruno Salama e Flávia Püschel, por
exemplo, ilustrou bem como a coleta de informações empíricas podem
alterar alguns preconceitos. Suas conclusões, a partir da análise de
1.044 acórdãos, invalidam dois mitos: o de que existe uma indústria
do dano moral no Brasil e de que falta uniformidade ao julgar casos
do tipo.‘Os valores das condenações, pelo mesmo nas hipóteses que
observamos, não nos pareceram elevadas’, disse Salama, pouco após
revelar que 38% das indenizações ficaram em menos de R$ 5 mil e
apenas 3% em mais R$ 100 mil. ’Quanto aos critérios de cálculo,
vedação a enriquecimento sem causa e proporcionalidade com a
extensão do dano são bastantes comuns. Isto sugere uma preocupação
com a moderação das decisões e prova que a tese da altíssima
insegurança jurídica não tem sustentação’.
Por todo o exposto, percebe-se clara a influência do Poder Judiciário sobre os
processos decisórios empresariais, o qual possui o condão de atuar com a função profilática
desejável, ou, por via reversa, operando desarranjo social e econômico, acabando por ferir a
função constitucionalizada da reparação dos danos e da própria responsabilização civil,
notadamente dos fornecedores, estimulando a reincidência na prática dos atos ilícitos e a
implementação de uma “industrialização dos danos”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tutela consumerista é fundamentalmente preventiva no que diz com a proteção ao
consumidor, contribuindo a lei para a ideologia do desenvolvimento sustentável e coaduna,
sua Política Nacional de Consumo, para o ideário constitucional solidarista, promotor da
sociedade livre, justa e solidária, preocupada com a efetiva reparação dos danos e com a
prevenção de riscos.
O sistema de responsabilização civil consumerista é funcionalizado, conforme os
melhores e mais atuais vetores jurídicos dessa figura, a saber, as funções pedagógica e
profilática.
Contudo, para que qualquer teoria jurídica alce efetividade, é preciso que os tribunais
a encampe, colocando-a em prática. É grande o poder de influencia econômica das decisões
judiciais sobre os processos decisórios empresariais, sendo capaz, a jurisprudência, de
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186
implementar rumos de desenvolvimento humano e social, pelo estímulo às condutas
materializado em seu sistema de informação. Desta sorte, o poder judiciário é um dos
principais agentes titulares do direito-dever de implementar e promover as funções
pedagógica e profilática da responsabilização civil.
Por via reversa, se omisso o tribunal, estimulado estará o agente à prática de atos
ilícitos, como se vê reforçado o mau comportamento dos fornecedores, no fenômeno
identificado como “coibição da ‘indústria do dano moral’”, que leva os magistrados a negar
uma compensação por dano moral consumerista em valores mais substanciais, e portanto não
imputando os danos punitivos, à pecha de não estimular o consumidor a acorrer aos tribunais,
como se não os mesmos procurassem por seus direitos movidos por má-fé e não por previsão
de lei, contrariando, assim, o ideário constitucional e da Política Nacional de Consumo.
Contudo, os dados atualizados da Associação Brasileira de Jurimetria demonstram
que tal fenomenologia não existe no Brasil. Resta, portanto, o questionamento acerca da
dimensão que a efetividade do virtuoso sistema legislativo e doutrinário da responsabilização
civil tem (ou não) atingido no país.
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CONTRATO DE SEGURO DOS DANOS CAUSADOS PELO ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL ADQUIRIDO NA PLANTA E UMA NOVA POSTURA
EMPRESARIAL
INSURANCE CONTRACT OF DAMAGE CAUSED BY DELAY IN DELIVERY OF PROPERTY ACQUIRED IN PLANT AND A NEW ATTITUDE BUSINESS
Adalberto Simão Filho * Beatriz Spineli **
RESUMO: Dedica-se a presente pesquisa ao estudo do contrato de seguro e a análise de sua aplicação como meio de amenizar o desconforto causado pelo atraso na entrega da unidade adquirida na planta. Para tanto, iniciar-se-á com o estudo do instrumento contratual, seu conceito e elementos constitutivos, objetivando verificar a possibilidade da criação de um contrato de seguro para o caso apresentado. Em seguida, verificar-se-á o contrato de seguro típico, observando, em particular, seu objeto e forma; bem como, a possibilidade de recusa da seguradora em contratar, assim como, a função social do contrato e sua utilização como instrumento de redução dos danos causados pelo atraso na entrega das chaves. Por fim, o artigo abordará a adoção de uma nova postura empresarial mais justa e social, sendo que, a formalização de um contrato de seguro pode se enquadrar nesta nova postura, que visa não apenas o lucro, mas o bem estar de todos os envolvidos em uma relação negocial ética.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato de seguro; atraso na entrega das chaves; imóvel adquirido na planta.
ABSTRACT: Dedicated to present research to the study of the insurance contract and the analysis of its use as a means to alleviate the discomfort caused by the delay in delivery of the unit acquired the plant. To do so, it will start with the study of the contractual instrument, its concept and components in order to verify the possibility of creating an insurance contract for the case presented. Then there would be the typical insurance contract, noting, in particular, its object and form, as well as the possibility of the insurer refuses to hire, as well as the social function of the contract and its use as an instrument of reducing the damage caused by delay in delivery of the keys. Finally, the article will discuss the adoption of a new attitude and more just social enterprise, and the formalization of an insurance contract can fit in this new position, which is not only profit, but the welfare of all involved ethics in a business relationship.
KEYWORDS: Insurance contract; delay in delivery of the keys; property acquired in the plant.
* Mestre e Doutor pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós Doutor pela Faculdade de Direito de Coimbra, Docente Titular do curso de Mestrado das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Docente Titular do curso de Mestrado da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). ** Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Empresária do ramo imobiliário.
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1. INTRODUÇÃO
A realidade social contemporânea traz novas questões que necessitam ser enfrentadas.
Modelos de resoluções de conflitos eficazes em tempos anteriores já não se mostram mais
suficientes. A lei, como fonte de obrigações de natureza geral, abstrata, inovadora e rígida,
possui suas limitações diante de uma sociedade altamente mutável e de necessidades
complexas. Contudo, a mesma lei apresenta um instrumento que permite a manifestação de
vontade humana produzindo os efeitos desejados pelas partes, sofrendo apenas as limitações
concernentes ao bom senso médio da população. Esse instrumento, o contrato, possibilita a
resolução de conflitos dos mais variados, podendo ser lançado mão diretamente pelos
cidadãos em qualquer tempo, alcançando as mais diversas questões, possibilitando, através de
consenso das partes interessadas a melhor solução para todos.
Observa-se que o mercado de crédito imobiliário no Brasil, nos últimos anos, vem
ganhando espaço e crescendo de forma suportada pela estabilização macroeconômica e pela
melhoria dos índices do país que geram um ambiente propício para negócios desta natureza. O
aumento líquido do crédito imobiliário passou de R$ 10 bilhões ao ano na década passada,
para R$ 60 bilhões nos últimos anos, segundo informes governamentais. Os contratos
imobiliários para aquisição de imóveis na planta são fomentados por esses elementos
facilitadores, contribuindo para o movimento da economia como um todo. Especificamente
para o setor imobiliário, aquecido pela injeção de recursos de financiamento, é que o ambiente
específico estudado neste artigo deve ser entendido, como forma de contribuição ainda que
diminuta, da proposta que se fará. Com a assinatura do contrato de promessa de compra e
venda realizado entre o compromissário comprador e o compromitente vendedor muitas vezes
se MlimenPM o “sonho da cMsM prXpriM”B FonPudo, com o MPrMso nM enPrega das cOMves se
frustram expectativas legítimas, como a de, em um tempo pré-estabelecido, consumar-se o
sonho de moradia em uma nova residência onde se possa dispor, ou modificar, de uma
maneira própria, específica, personalíssima. Quem sabe até mesmo iniciar uma nova família
prestigiando o instituto do matrimônio. Assim, realizam-se projetos de casamento, formação
de uma novM enPidade fMmiliMr, plMnos que PrMzem “cor” à exisPênciM OumMnMB TodaviM,
tamanha é a frustração ao ver todo um sonho se prolongar por motivos, que por vezes nem se
sabe o porquê, ou entende não se justificarem.
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Assim, surge a proposta objeto deste estudo, de garantia do seguro para indenizar e
reduzir eventuais perdas dos danos ocasionados por essa frustração. Valores econômicos
podem não ter o condão de diluir todos os tipos de frustrações, mas podem diminuir os
prejuízos materiais advindos do atraso na entrega das chaves, com o pagamento de possíveis
alugueres dentre outros dissabores.
Este instrumento do contrato de seguro ora é apresentado como uma provável
atenuação, quiçá solução, ao problema causado pelo atraso na entrega de imóvel adquirido na
planta, trazendo bem estar aos contratantes, cumprindo assim, com sua função social.
O artigo visa exatamente analisar do ponto de vista jurídico tanto a eficiência da
contratação de apólice de seguro de danos gerados pelo atraso na entrega de imóvel
residencial adquirido na planta, como também a necessidade, como expectativa razoável, de
se adotar uma nova postura empresarial na solução destas questões, eivada de eticidade e
solidarismo.
1.1. Seguro de Responsabilidade Civil: Concernente a dano causado ao adquirente do
imóvel na planta, que tem frustrada expectativa legítima de entrega do bem, a termo
razoável, inicialmente fixado em contrato.
O contrato é instrumento pelo qual se criam direitos e obrigações, tendo por
característica possuir grande volatilidade, adaptando-se às necessidades sociais, em especial,
adequando-se às necessidades do mercado. Esse instituto reflete as tendências
contemporâneas em todas as suas esferas, tais como: políticas, culturais e econômicas. A
legislação dotou este instituto de forma a permitir ampla autonomia da vontade humana, com
possibilidade inventiva na medida em que surgem novas necessidades nas relações
interpessoais. Isto pode ser notado pela redação do artigo 425 do Código Civil1, que faculta
aos interessados a criação de contratos conforme a necessidade corrente2, respeitados os
1 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. 2 Causa e contrato atípico. As situações contratuais oriundas de contratos atípicos, cada vez mais frequentes na realidade cotidiana de nossa sociedade, são as que mais desafiam a identificação da causa contratual, concreta, cMPegoriMl, “do MPo OumMno doPMdo de esPMPuPo onPolXgico único, singulMr e irrepePWQel e de onde o juiz deQe partir
para, através do sistema, captar uma intenção axiolXgicM e poder, correPMmenPe, julgar, MdjudicMndo o jusPo”B É M
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limites de legalidade3, legitimidade4, função social do contrato5 e boa-fé entre os
contratantes6. Limitações essas inerentes à civilidade humana média.
A sociedade da informação trouxe uma nova realidade que necessita ser regulada por
meios legais e contratuais, sendo que, as leis, como fontes de obrigações rígidas, nem sempre
atendem a uma sociedade complexa e inconstante como é a sociedade contemporânea. Assim,
os contratos, como fonte de obrigações, mostram-se eficazes para regulamentar relações
próprias e específicas de um grupo de pessoas, como é o caso corrente, onde de um lado tem-
se a construtora e incorporadora (fornecedor) e de outro lado os adquirentes do
empreendimento na planta (consumidores).
Jean-François Lyotard, em A Condição Pós-Moderna, sob o título: A Natureza do
Vínculo Social: A Perspectiva Pós-Moderna, apresenta a característica pós-moderna em que
os particulares passam a tomar em suas mãos a solução dos problemas contemporâneos,
deixando de atribuir apenas ao Estado a função de solucionador das questões passíveis de
solvência inter partes, deixando assim, que a inércia paralise as atividades de
desenvolvimento econômico, conforme se pode observar em trecho de sua obra:
cMusM rMzoáQel, “que dá Mura de juridicidade Mo Mcordo” (LuciMno de FMmMrgo PenPeMdo – Causa concreta, qualificação contratual, modelo jurídico e regime normativo – notas sobre uma relação de homologia a partir de julgados brasileiros – RGPriQ 20/242 e 244), precisMndo exaPMmenPe como foi “cMusMdo” o negócio e quais são, exatamente, as consequências jurídicas do acordo. JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 389. 3 Art. 104 do CC – A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei. 4 Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas vezes até no uso técnico, entre legalidade e legitimidade, costuma-se falar em legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política, v.2. ed. UNB, p. 674. 5 Art. 421 do CC – A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Sobre a função social do contrato foram destacados comentários retirados do Código Civil Comentado de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, que passa a ser transcrito: Função social do contrato. Autonomia da vontade. Jornada I STJ 23: “A função social do contrato, prevista no CC 421, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesses individual relativo à dignidade da pessoa humana.” Função social do contrato. Cláusula geral. Conservação do contrato. Jornada I STJ 22: “A função social do contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”. Função social do contrato. A função mais destacada do contrato é a econômica, isto é, de propiciar a circulação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro. Essa liberdade parcial de contratar, com objetivo de fazer circular riqueza, tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante do que o aspecto econômico do contrato. Por isso fala-se em fins econômico-sociais do contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia. Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher os claros do que significa essa função social, com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. (grifo da autora) JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 378-379. 6 Art. 422 do CC – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
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O “redesdobrMmenPo” econômico nM fMse MPuMl do cMpiPMlismo, MuxiliMdo pelM mutação das técnicas e das tecnologias segue em paralelo, (...), com uma mudança de função dos Estados: a partir desta síndrome forma-se uma imagem da sociedade que obriga a revisar seriamente os enfoques apresentados como alternativa. Digamos sumariamente que as funções de regulagem e, portanto, de reprodução, são e serão cada vez mais retiradas dos administradores e confiadas a autômatos. A grande questão vem a ser e será a de dispor das informações que estes deverão ter na memória a fim de que boas decisões sejam tomadas (...). A classe dirigente é e será a dos decisores. Ela já não é mais constituída pela classe política tradicional, mas por uma camada formada por dirigentes de empresas, altos funcionários, dirigentes de grandes órgãos profissionais, sindicais, políticos, confessionais7.
O contrato de seguro surge como uma provável solução ao problema apresentado
pela demora na entrega de imóvel na planta, fruto do crescente desenvolvimento do setor
imobiliário, assim como, da defasagem administrativa-Estatal, que não vem acompanhando ao
incremento predial, causando frustração à legítima expectativa do consumidor, que tem seus
sonhos adiados, bem como, aponta como solução aos fornecedores que enfrentam crescente
onda de insatisfação, por parte dos adquirentes das unidades autônomas do empreendimento
imobiliário. Portanto, satisfazendo os elementos que constituem o contrato, tais como: o
acordo de vontades praticado entre pessoas capazes e legitimadas, visando à produção de
efeitos desejados pelas partes, com liberdade de estipulação do objeto de proteção da relação
jurídica, observando que deverá ser determinável lícito e possível, conclui-se pela
possibilidade da criação de um contrato de seguro que tenha por finalidade indenizar o
consumidor no caso de atraso na entrega da obra, bem como assegurar o fornecedor quanto a
possíveis prejuízos acarretados pelo atraso.
1.2. O Contrato de Seguro
Contrato de seguro é o negócio jurídico bilateral8, onde as partes estabelecem o
pagamento de valor na hipótese de ocorrer um sinistro9. Trata-se de um contrato aleatório,
7 LYOTARD. Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 27. 8 Bilateral são os contratos que geram obrigações para ambos os contratantes, como a compra e venda, a locação, o contrato de transporte etc. Essas obrigações são recíprocas, sendo por isso denominados sinalagmáticos, da palavra grega sinalagma, que significa reciprocidade de prestações. GONÇALVES, Carlos Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. v. 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 92. 9 Sinistro é evento causador do dano coberto pela apólice que acarreta o pagamento da indenização. SENISE LISBOA, Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. vol. 3. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 411.
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pois não se sabe se o sinistro ocorrerá ou não, por isso, o prêmio10 recebido pela seguradora é
pouco expressivo em face da indenização devida ao segurado, no caso de ocorrência do
sinistro, pois o evento danoso, poderá não vir a ocorrer. Pelo mesmo motivo, o valor do
prêmio varia de acordo com as estatísticas, ou seja, majora-se o valor a ser pago pelo
contratante, proporcionalmente ao risco assumido pela contratada. Segundo o art. 764 do
Código Civil11, o valor pago pelo segurado não será passível de devolução pela não
verificação do risco pelo qual se fez o seguro. Isso se dá porque a não ocorrência do risco não
retira do contrato sua efetividade, mostrando-se perfeito com o acordo de vontades, tratando-
se de um contrato bilateral, e aleatório, podendo ou não ocorrer o dano ou o risco de dano,
havendo nesse caso, apenas a obrigação de o contratante pagar o prêmio. Maria Helena Diniz
define o contrato de seguro:
O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador12) se obriga para com outra (segurado13), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previsto no contrato (CC, art. 75714)15.
Conforme se pode observar na definição do instituto, apresentado por Maria Helena
Diniz, o contrato de seguro tem por objeto a assunção de um risco sendo que esse pode ou não
vir a ocorrer.
10 Prêmio é a importância que o segurado paga à companhia de seguros, a título de compensação pela responsabilidade por ela assumida. SENISE LISBOA, Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. vol. 3. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 412. 11 Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio. 12 O segurador é aquele que suporta o risco, assumido mediante o recebimento do prêmio; por isso deve ter capacidade financeira e estar seu funcionamento autorizado pelo Poder Público. A atividade do segurador é sujeita à fiscalização da SUSEP (Res. CNSP n. 229/2010) e exercida por companhias especializadas, isto é, por sociedades anônimas, mediante prévia autorização do governo federal. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545. 13 O segurado é o que tem interesse direto na conservação da coisa ou da pessoa, fornecendo uma contribuição periódica e moderada, isto é, o prêmio, em troca do risco que o segurador assumirá de, em caso de incêndio, abalroamento, naufrágio, furto, falência, acidente, morte, perda das faculdades humanas etc., indenizá-lo pelos danos sofridos. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545-546. 14 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada. 15 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545.
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PMrM Senise I isNoM: “Seguro é contrato por meio do qual um sujeito (seguradora) se
obriga a pagar indenização diante de prejuízos sofridos pela outra parte ou por terceiro por
esta indicado (beneficiário), desde que ela efetue o pagamento de um prêmio16B” Pode se
observar, pelas definições apresentadas, que o seguro tem por elementos: as partes (segurador
e segurado); o objeto (risco contratado); o valor do objeto segurado e o prêmio devido,
devendo adotar a forma escrita, por expressa determinação legal, sob pena de inexistência do
negócio jurídico por vício de forma.
1.2.1. O que poderá ser assegurado
Respeitados os limites impostos pela lei, praticamente todos os riscos são passíveis
de cobertura. Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves, elucida:
O contrato de seguro é unitário, embora integrado por espécies diferentes. Caracteriza-se, quaisquer que sejam os riscos segurados, pela ideia de ressarcimento dos danos, de cunho material ou moral. Hoje, praticamente todos os riscos são passíveis de cobertura, exceto os excluídos pela lei, como os dolosos ou ilícitos e os de valor superior ao da coisa17.
O Código Civil18 ao definir o contrato de seguro expõe de maneira aberta o bem que
pode ser objeto de proteção, através de seguro, não taxando os bens passíveis de se
beneficiarem com o instituto, limitando-se à exigência da garantia de interesses legítimos do
segurado. Para Carlos Roberto Gonçalves:
A afirmação constante do art. 757 do novo Código Civil de que, pelo contrato de seguro o segurador se obrigM M gMrMntir “interesse legítimo do segurado”, represenPM, pois, um avanço, dando a necessária amplitude aos bens que podem ser objeto da proteção para abranger todo interesse segurável relativo a pessoa ou a coisa, sem
16 Op. cit, p. 409. 17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Manual de direito civil: contratos. v. 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 510. 18 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
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discriminação. O objeto do contrato de seguro é o risco, que pode, em princípio, incidir em todo bem jurídico19.
Para Caio Mario da Silva Pereira pode ser objeto de seguro, o risco (evento futuro e
incerto) que pode incidir em todo bem jurídico20. No mesmo sentido, Sílvio Venosa, define
como passível de ser assegurado, qualquer interesse, desde que legítimo.
Melhor concluir que esse contrato não possui como objeto exatamente um risco ou proteção da coisa, porém mais apropriadamente o que a doutrina denomina a garantia de interesse segurável. Esse interesse representa uma relação econômica ameaçada ou posta em risco, sendo essencial para a contratação. [...] qualquer conteúdo do patrimônio ou atividade humana pode ser objeto de seguro21.
Logo, conforme se pode notar, qualquer interesse humano, lícito, possível de se
expor a risco, pode ser assegurado pelo contrato de seguro caso o ente segurador concorde em
localizar a equação econômica financeira adequada para atender aos interesses decorrentes do
bem segurável. Apenas a título informativo e em consonância com a afirmação efetivada, o
PROCON/SP em site onde responde a perguntas mais frequentes dos consumidores informa
que: “APualmenPe, quase Pudo pode ser segurMdo, exisPindo, porPMnto, umM gamM imensM de
contratos de seguros. Os mais vendidos são os destinados a cobertura de veículos, saúde,
imóveis, vida e acidentes pessoais, aparelho celular e pager22B”
Consistindo o contrato de seguro em uma das espécies de negócio jurídico, deve se
observar o cumprimento de preceitos legais tais como: a licitude do objeto e a forma prescrita
ou não defesa em lei. Tratando-se de espécie de contrato, há que se lembrar, também, que as
partes possuem liberdade de contratar com a finalidade de produção dos efeitos desejados
pelos contratantes observando a função social do contrato.
Quanto à classificação dos seguros, pode-se dizer que os seguros privados podem ser
divididos em: terrestres, marítimos e aéreos. O Código Civil de 2002 trata dos seguros
19 GONÇALVES, Carlos Roberto. Manual de direito civil: contratos. v. 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 508. 20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 305. 21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil III: Contratos em Espécie. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 377. 22 Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor. O que pode ser segurado? Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=508>. Acesso em: 18 ago. 2012.
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terrestres, dividindo-os em duas espécies, relativas ao objeto que visam garantir: o seguro de
dano e o seguro de pessoa. Por sua vez, o seguro de dano divide-se em seguro de coisa, que
trata da cobertura por danos de bens imóveis, móveis e semoventes; e o seguro de
responsabilidade civil, que cuida da cobertura por danos a terceiros, objeto de análise do
presente trabalho.
Conforme já exposto anteriormente, podem ser objeto de contrato de seguro a
assunção de quaisquer riscos, desde que lícitos, pois o instrumento do contrato se apresenta
como a manifestação da vontade humana que produz os efeitos desejados pelas partes que o
constituem, com liberdade relativa ao seu conteúdo, devendo obedecer à forma escrita, no
caso do contrato de seguro23. Logo, a responsabilidade que assumem a construtora e
incorporadora na incorporação imobiliária, dentre essas, de entregar as unidades autônomas a
certo prazo, poderão ser objeto de seguro atenuando os riscos assumidos pelas partes
contratantes bem como, gerando lucros às seguradoras e movimentando capitais.
2. Forma do Contrato de Seguro
O Código Civil em seu artigo 760 expõe que a forma do contrato de seguro é
obrigatoriamente escrita. Para Roberto Senise Lisboa, o contrato de seguro tem por
cMrMcPerWsPicMs ser: “conPrMto consensual, de Mdesão, bilMPerMl, de trMto sucessiQo e aleatório,
pois não se pode precisMr se OMQerá ou não o pagMmenPo de indenizMção, e em que PempoB”
DeQendo “oNrigMPoriMmenPe MdoPMr M formM escriPM, soN penM de inexisPênciM24”B MMriM Helena
Diniz entende que os contratos de seguro devem obedecer à forma escrita.
Os requisitos do contrato se seguro são: (...) 3º) Formais, pois o contrato de seguro exige instrumento escrito para ser obrigatório (CC, art. 759; RT, 511:130, 526:212, 493:73), isto é, a apólice, que deverá conter, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário, as condições gerais e as vantagens garantidas pelo segurador, bem como consignar os riscos assumidos, o valor do objeto do seguro, o prêmio devido ou pago pelo segurado; o termo inicial e final de sua validade ou vigência; o
23 Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio. Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. 24 SENISE LISBOA, Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. vol. 3. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 410.
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começo e o fim dos riscos por ano, mês, dia e hora; a extensão dos riscos, pois, se os limitar ou particularizar, o segurador não responderá por outros; o limite da garantia e o prêmio devido; casos de caducidade, eliminação ou redução dos direitos do segurado ou do beneficiário; o quadro de garantia aprovado pelo Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização25.
Contudo, há entendimentos doutrinários em sentido diverso, sustentando que a forma
escrita não é mais exigida. Neste sentido, Silvio de Salvo Venosa comenta:
Embora o legislador expresse que o contrato não obriga, enquanto não reconduzido a escrito, a doutrina é homogênea em considerá-lo consensual, porque essa formalidade não é a substância do ato, tendo apenas caráter probatório. O seguro surge do acordo de vontades. O contrato conclui-se com o consentimento das partes (.BB)B A esse respeiPo, passM M MdmiPir o MPual FXdigo, no MrtB 758: ‘O conPraPo de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta destes, por documenPo comproNMPXrio do pagamento do respecPiQo prêmio’. A noQel disposição consagra a jurisprudência, respaldada nos usos e costumes como já vinham admitindo. O documento que comprova o pagamento do prêmio serve para evidenciar a existência de seguro26.
Pode-se observar, na sociedade hodierna, que os contratos de seguro, muitas vezes,
são realizados por via telefônica, onde o segurado manifesta sua aceitação às condições
expostas de forma verbal pelo agente de seguros27, que ao ser atendido avisa que a ligação
está sendo gravada gerando um número de protocolo que possibilita o eventual localização da
gravação, enviando a apólice, geralmente, entre 15 a 30 dias após a manifestação da vontade
no sentido da aceitação dos termos expostos verbalmente. MariM HelenM Giniz MfirmM que: “A
emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos
essenciais (p. ex., bens, direitos, deveres, responsabilidades, valor do prêmio e o da
indenização) do interesse a ser garantido e do risco futuro MssumidoB” FonPudo, não é o que
vem ocorrendo na sociedade da informação, realidade em que o telemarketing vem tomando
espaços cada vez maiores. Pode-se notar que a prova da constituição da relação jurídica se faz
pelo início do pagamento do prêmio (quando estipulado em parcelas). Neste sentido o Guia de 25 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. v. 3, 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 556. 26 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. v. III, 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 357. 27 “Os MgenPes MuPorizMdos do segurMdor presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos conPraPos que MgenciMrem” (CC, MrtB 775), PIS MPuMm em nome e no inPeresse da empresM securiPáriMB TMl presunção é juris tantum; provado que os agentes praticaram atos fora dos limites de suas atribuições, eles responsabilizar-se-ão perante o segurado pelos danos que lhe causaram. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. v. 3, 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545.
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Orientação e Defesa do Segurado28 fornecido pelM SUSEP expõe da seguinPe formM: “Ao
formular reclamação à SUSEP, apresente documentação que comprove seu vínculo com a
empresa, tais como: cópia da apólice, certificado de seguro, contracheque ou outro documento
que comproQe o pagamenPo do prêmio, PWPulo de cMpiPMlizMção, conPrMto ePcB” Em
esclarecimento de dúvidas a SUSEP informa quanto ao início da vigência do seguro da
seguinte forma:
No caso de seguro de propostas recepcionadas pela seguradora com adiantamento para futuro pagamento de prêmio, o contrato terá início de vigência a partir da data da recepção da proposta pela seguradora. No caso de seguro em que a proposta foi recepcionada na seguradora sem pagamento de prêmio, o início de vigência da cobertura será a data de aceitação da proposta ou outra, se expressamente acordarem segurado e seguradora29.
Quanto à aceitação da relação contratual a cartilha apresentada pela Autarquia
informa que: “A sociedade seguradora tem o prazo de 15 dias para se pronunciar quanto à
proposta de seguro apresentada pelo segurado ou seu corretor. Encerrado este prazo, não
tendo havido a recusa da seguradora, o seguro passa a ser considerado aceito30B” PorPMnto, o
contrato de seguro se mostra eficaz após a manifestação de vontade do contratante e aceitação
do contratado, fazendo prova através do pagamento parcial ou total do prêmio. Decisão
proferida pelo STJ, no Recurso Especial número 1.176.628-RS, que teve por Relatora a
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 16/9/2010, reconheceu a condição de segurado ao
contratante, que realizou contrato de seguro por via telefônica, não recebendo a devida
apólice, indevidamente retida pela seguradora31.
28 SUSEP – Superintendência de Seguros Privados. Guia de Informação e Defesa do Segurado: Informe-se, proteja-se melhor. 2. ed. Rio de Janeiro: SUSEP, 2006, p. 9. 29 SUSEP – Superintendência de Seguros Privados. Guia de Informação e Defesa do Segurado: Informe-se, proteja-se melhor. 2. ed. Rio de Janeiro: SUSEP, 2006, p. 11. 30 Ibidem. 31 SEGURO. VIDA. CONTRATO POR TELEFONE. PRESCRIÇÃO. A quaestio juris restinge-se em determinar o termo inicial da interrupção da prescrição ânua conforme disposto no art. 206, § 1º, II, b, CC/2002 e Súm. n. 101-STJ. Noticiam os autos que o recorrido celebrou contrato por telefone, ao receber ligação de corretor representante da companhia recorrente durante a qual lhe fora oferecido seguro de vida com ampla cobertura para os eventos morte acidental e invalidez. Efetuou pontualmente os pagamentos relativos aos valores do prêmio mensal, os quais eram automaticamente descontados em sua conta-corrente. No entanto, quando acionou a seguradora a fim de receber o valor correspondente à indenização que lhe seria devida porque foi vítima de isquemia cerebral, o que o deixou em estado de invalidez permanente, houve a recusa ao pagamento da indenização sob a alegação de que seu seguro não previa cobertura pelo sinistro de invalidez permanente por doença. O recorrente também afirma que nunca recebeu uma via da apólice ou qualquer outro documento que pudesse ratificar a relação contratual estabelecida entre as partes, de modo que não poderia prever a extensão da cobertura do seguro. Anotou-se que, após a comunicação do sinistro e do recebimento da sucinta recusa da indenização, o recorrido efetuou solicitação de apresentação de cópia do contrato firmado com o recorrente, sendo que a seguradora quedou-se inerte por vários meses. Assim, segundo a
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3. Recusa da seguradora em realizar o seguro
A seguradora tem o direito de recusar uma proposta de contratação de seguro, não
assumindo a determinados riscos32. Neste sentido é o entendimento da SUSEP
(Superintendência de Seguros Privados – Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda,
responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguros, previdência privada aberta
e capitalização), que exige apenas das seguradoras que fundamentem o motivo da recusa,
devendo, contudo, recusar a proposta no prazo de quinze dias, conforme questionário de
perguntas e respostas apresentado em site do órgão33. Informa, por fim, que não há norma que
estabeleça em que casos a seguradora deve aceitar ou recusar um seguro. Tal entendimento é
Min. Relatora, é evidente que o recorrido não poderia comprovar sua condição de segurado sem a apresentação da apólice indevidamente retida pela recorrente, por mais que a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, pudesse beneficiá-lo. Para a Min. Relatora, é possível afirmar que, somente após o recebimento do contrato de seguro com as cláusulas utilizadas na regulação do sinistro, recomeçou a fluir o prazo suspenso com a notificação da seguradora a respeito de sua ocorrência. Portanto, assevera que não se trata de negar vigência à Súm. n. 229-STJ, mas de interpretá-la razoavelmente com o prazo prescricional a que alude o disposto nos arts. 199, I, e 206, § 1º, II, b, ambos do CC/2002. Observa que a seguradora reteve indevidamente a apólice solicitada pelo segurado e sua procrastinação não poderia lhe trazer benefícios, levando o segurado de boa-fé à perda do seu direito de ação. Embora destaque que a jurisprudência do STJ seja pacífica no sentido de considerar suspenso o prazo prescricional em função da análise da comunicação do sinistro pela seguradora de acordo com a Súm. 229-STJ, no caso dos autos, a decisão recorrida entendeu que a solicitação administrativa da cópia da apólice pelo segurado teve o condão de interromper e não de suspender o lapso prescricional. Entende, também, a Min. Relatora que a diferença entre uma e outra posição, ou seja, interrupção ou suspensão, não é substancial para o julgamento, visto que, de qualquer ângulo pelo qual se analise a matéria, a consequência prática conduziria à manutenção do direito do recorrido, pois a contagem do prazo deve ser realizada a partir da data em que a seguradora atendeu à solicitação formulada pelo segurado de que lhe fosse remetida cópia da apólice que celebrou por telefone. Com esse entendimento, a Turma negou provimento ao recurso da seguradora. Precedentes citados: REsp 200.734-SP, DJ 10/5/1999; REsp 470.240-DF, DJ 18/8/2003, e REsp 782.901-SP, DJe 20/6/2008. REsp 1.176.628-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/9/2010. Disponível em: < www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/RTF/Inf0447.rtf>. Acesso em: 08 set. 2012. 32 Art. 779 do CC – O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa. 33 16) A Seguradora pode se recusar a fazer o seguro? R. Sim. Entretanto, deverá ser especificado, na proposta do seguro, o prazo para aceitação, bem como qualquer procedimento para comunicação da aceitação ou recusa da proposta, especificando os motivos da recusa e observando-se o período máximo de quinze dias, contado da data de recebimento da proposta. A seguradora poderá solicitar, porém apenas uma vez para segurado pessoa física, documentos complementares para melhor análise do risco. Neste caso, o prazo de quinze dias será suspenso, voltando a correr a partir da data em que se der a entrega da documentação solicitada. Caso a seguradora, mesmo após a vistoria, recuse-se a fazer o seguro dentro do prazo de 15 (quinze) dias, os valores pagos pelo segurado deverão ser devolvidos pela seguradora no prazo máximo de 10 (dez) dias. A seguradora poderá deduzir do valor pago pelo segurado, a parcela correspondente ao período em que houve a cobertura, ou, a seu critério, poderá devolver integralmente esse valor. Devem as condições contratuais dispor sobre esta regra. Caso a seguradora não restitua o valor no período de 10 (dez) dias, este deverá ser atualizado, de acordo com as normas vigentes, além da aplicação de juros de mora. Os principais motivos de recusa da proposta pela seguradora são: Veículos com parecer recusável na vistoria prévia; veículos com chassi remarcados; veículos com mais de 10 anos; veículos fora de fabricação; veículos com modelos especiais (ex.: carros de fibra ou modificados); veículos que apresentem irregularidade de emplacamento; não há norma que estabeleça em que casos a seguradora deve aceitar ou recusar um seguro.
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compatível com o instituto contratual, que tem por elemento a vontade, que deve ser livre,
visando vantagens para ambas as partes e não a assunção de uma obrigação desvantajosa a um
dos polos do contrato.
Neste sentido, a título de exemplo, traz-se posição da Seguradora Mapfre, por meio
de Manual do Segurado, onde apresenta como objetivo do contrato de seguro de
responsabilidade civil o seguinte:
O presente seguro tem por objetivo reembolsar o Segurado, até o limite máximo da importância segurada, das quantias pelas quais vier a ser responsável civilmente, em sentença judicial transitada em julgado ou em acordo autorizado de modo expresso pela Seguradora, relativas a reparações por danos involuntários, pessoais e/ou materiais causados a terceiros, ocorridos durante a vigência deste contrato e que decorram de riscos cobertos nele previstos34.
Contudo, é interessante notar que o referido Manual expõe os riscos os quais a
empresM não MceiPM Mssumir, com o PWPulo de “riscos excluWdos”B
O presente contrato não cobre reclamações por: (...) c) responsabilidades assumidas pelo Segurado por contratos ou convenções, que não sejam decorrentes de obrigações civis legais; d) danos consequentes do inadimplemento de obrigações por força exclusiva de contratos e/ou convenções35.
Portanto, no âmbito deste artigo, a responsabilidade decorrente de atraso na entrega
da obra não estaria coberta pelo seguro apresentado pela empresa de seguros Mapfre, que,
entende haver risco substancial, não condizente com o exercício de sua atividade lucrativa no
mercado de consumo. No mesmo sentido a empresa PAR Corretora de Seguros estabelece em
sua apólice de seguro, os riscos excluídos pelo seguro no modelo padrão de contrato de
34 MAPFRE, Seguros. Seguro de Responsabilidade Civil Geral: Condições Gerais. Disponível em: <http://www.mapfre.com.br/Portal/PortalMapfre/Arquivos/Download/Upload/215.pdf>. Acesso em: 06 set. 2012. 35 Ibidem.
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seguro de obras onde a sua Cláusula 4ª inciso VIII estabelece que a apólice não garante os
danos, custas, ou despesas decorrentes do atraso na entrega da obra36.
Porém, há diversas outras seguradoras que atuam no mercado nacional, bem como,
as próprias empresas estudadas, que podem mudar sua postura a depender da diminuição dos
riscos apresentados, o que é possível, desde que as construtoras e incorporadoras prevejam de
forma realista, tendo em vista a burocracia existente no país, bem como as demais
dificuldades impostas por nossa realidade nacional, o prazo de entrega do imóvel negociado
na planta. Além da diminuição dos riscos, pode-se, também, atrair tais seguradoras com uma
contrapartida mais vantajosa (prêmio), que pode ter seus custos diluídos nas despesas
suportadas pelas partes interessadas, como: fornecedor e consumidor.
4. Função Social do Contrato de aquisição de imóvel na planta
A Constituição Federal de 1988, em seu inciso XXIII do artigo 5º37, dispôs que a
propriedade deverá cumprir sua função social. O Código Civil de 2002, por sua vez, seguiu a
mesma tendência, desta feita do ponto de vista do negócio jurídico, estabelecendo que o
contrato deverá atender a sua função social. Quanto à função social da propriedade, o
Superior Tribunal de Justiça se manifestou em Mandado de Segurança número 1.856-2/DF –
1ª Seção, que teve por relator o Ministro Milton Luiz Pereira, no sentido do descabimento da
dogmática tradicional individualista, entendendo que esta deve atender a interesses comuns38.
36 PAR Corretora de Seguros. Riscos de Engenharia. Condições Gerais da Apólice. CLÁUSULA 4ª – RISCOS EXCLUÍDOS. Esta Apólice não garante perdas e danos e quaisquer custos ou despesas relacionadas com: VIII. lucros cessantes, lucros esperados, responsabilidade civil, penalidades, danos punitivos ou exemplares, danos morais, -, indenizações triplas -ou compensatórias, inutilização ou deterioração de matéria prima e materiais de insumo, multas, juros e outros encargos financeiros decorrentes de atraso ou interrupção da obra ou da instalação e montagem, ainda que decorrentes de risco coberto, demoras de qualquer espécie, perda de mercado e de contrato; enfim, a quaisquer eventos não representados pela reparação ou reposição das coisas seguradas, nos termos das coberturas concedidas por este contrato de seguro. Disponível em: <http://www.segurodeobras.com.br/site/?page_id=15>. Acesso em: 25 nov. 2012. 37 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 38 Função social da propriedade: STJ – “O direiPo priQMdo de propriedade, seguindo-se a dogmática tradicional (Código Civil, arts. 524 e 527), à luz da Constituição Federal (art. 5º, XXII, CF), dentro das modernas relações jurídicas, políticas, sociais e econômicas, com limitações de uso e gozo, deve ser reconhecido com sujeição a disciplina e exigência da sua função social (arts. 170, II e III, 182, 183, 185 e 186, CF). é a passagem do Estado proprietário para o Estado solidário, transportando-se do ‘monossisPemM’ pMrPM o ‘polissisPemM’ do uso do solo
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O Código Civil de 2002, da mesma forma afastou a concepção individualista que trazia o
antigo Código de 1916, ajustando-se às novas necessidades da sociedade contemporânea,
expondo em seu MrPigo 421 que: “A liberdade de conPrMPMr será exercida em rMzão e nos
limiPes da função sociMl do conPrMto.” I ogo, M MutonomiM da QonPMde, cMrMcPerWsPicM inerenPe
do instituto contratual, passa a sofrer também os limites exigidos para o estabelecimento de
um bem estar social.
Fala-se mais modernamente na função do direito dos contratos como orientador da relação obrigacional e como realizador da equitativa distribuição de deveres e direitos. É o que os comparatistas alemães Zweigert e Koetz visualizam como nova função do direito dos contratos, a realização da equidade contratual, dentro da concepção de um welfare state. Em nossa opinião, esta almejada justiça contratual encontra-se justamente na equivalência das prestações ou sacrifícios, na proteção da confiança e da boa-fe de ambas as partes. O direito desenvolve, assim, uma teoria contratual “com função social”, (...), o direito deixa o ideal positivista (e dedutivo) da ciência, reconhece a influência do social (costume, moralidade, harmonia, tradição) e passa a assumir proposições ideológicas, ao concentrar seus esforços na solução dos problemas. É um estilo de pensamento cada vez mais tópico, que se orienta para o problema, criando figuras jurídicas, conceitos e princípios mais abertos, mais funcionais, delimitados sem tanto rigor lógico, (...), pois só assumem significação em função do problema a resolver, (...). Esta parece ser a fase do direito atual, pois, superado o ceticismo quanto ao declínio do pensamento sistemático, a infalível descodificação, evoluímos para considerar a realidade positiva função do pensamento tópico e da re-etização do direito39.
Assim como a propriedade deve atender a sua função social, ou seja, ser benéfica não
só para seu proprietário, mas também para toda uma coletividade, sob pena de perda do bem
infligida pelo Estado visando a empregar o bem de forma que esse traga benefícios
metaindividuais, o contrato também deverá ser instrumento que possibilite não apenas um
benefício para pessoas determinadas, mas sobretudo, a toda uma coletividade. Neste sentido,
Miguel Reale ao discorrer sobre a função social do contrato dispõe que um dos motivos
determinantes desse mandamento decorre da previsão Constitucional que estabelece que a
propriedade atenda a sua função social40B O Mutor prossegue MfirmMndo que “M reMlizMção da
função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos,
cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a
(arts. 5º, XXIV, 22, II, @$, VI, 30, VII, 182, §§ 3º e 4º, 184 e 185, CF). apud, Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 8ª e. São Paulo: Atlas, 2011, p. 190. 39 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 213. 40 CF. art. 5º, XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.
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coletividade.41” Miguel ReMle segue dispondo que o conPrMto não deQe servir como NMse parM
a prática de atividades lesivas e abusivas, dispondo de maneira a exceder os limites de seus
direitos.
O que o imperaPiQo da ‘função sociMl do conPrMPo’ esPMPui é que esPe não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte conPráriM ou M Perceiros, umM Qez que, nos Permos do ArPB 187, ‘tMmNém comePe MPo ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos Nons cosPumes’. Não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária42.
Ao se estabelecer um negócio jurídico através do instrumento contratual, devem-se
observar os aspectos individuais das partes contratantes atendendo ao equilíbrio contratual,
adotando os ajustes necessários toda a vez que fato superveniente vier a modificar a condição
de equilíbrio. Fica assim clara a ideia de que os contratos imobiliários para aquisição de
unidades residenciais na planta, também estão envoltos na necessidade de bem cumprirem a
sua função social alem da função econômica e estes contratos devem atender aos interesses e
expectativas razoáveis de toda a coletividade que diretamente se encontra ao mesmo ligada,
num conceito protetivo de direitos transindividuais de quarta geração.
5. Uma nova postura empresarial apresentada como provável solução à problemática
apresentada
Caminhamos para uma mudança de comportamento, conforme apresentado por
Adalberto Simão Filho, em estudo objeto de tese de doutorado, defendida pelo autor, onde
defende o surgimenPo de umM “noQM empresMriMlidade” cMrMcPerizMdM por umM noQM formM de
exercício da atividade empresarial, onde as empresas possam não visar apenas o lucro como
única e total resposta da atividade empreendida, mas também, resultados que tragam sim 41 REALE, Miguel. Função Social do Contrato. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012. 42 Ibidem.
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lucros como forma de maximizar riquezas, mas sem atentar aos demais elementos da cadeia
produtiva e às partes relacionadas à atividade empresarial, internas e externas como se
observa:
(...) as buscas [das empresas] não sejam tão só do lucro, mas também de resultados que podem ser econômicos ou financeiros ou de qualquer outra natureza, inclusive social. A busca destes resultados, não interfere na procura da lucratividade, pelo contrário, dependendo da forma como a questão for internalizada no seio da empresa, poderá resultar no sensível acréscimo do lucro43.
Espera-se na atividade desenvolvida no seguimento imobiliário e que acaba por
redundar nos contratos de compra e venda de unidades na planta, que os empresários possam
buscar esta harmonia descrita e, no âmbito da eticidade e do solidarismo, bem entenderem
acerca da necessidade de se manter as expectativas razoáveis destes consumidores, no âmbito
da boa fé objetiva, para com relação aos prazos esperados para a conclusão do compromisso
de entrega.
A contratação da apólice de seguro sugerida neste estudo é apenas e tão só um dos
elementos que possam se fazer presentes no cumprimento desta razoável expectativa.
Por esta razão que somos da opinião de que as empresas deste setor, relacionadas ao
negócio jurídico em questão, devem em demonstração de compromisso social e do nível de
qualidade profissional na busca de uma nova empresariedade, tentar cumprir o necessário para
evitar a frustração na entrega da unidade imobiliária. Conforme preleciona Adalberto Simão
Filho, empresas inovadoras têm adotado uma nova postura empresarial, onde se busca não
apenas o lucro, mas juntamente com este, um desenvolvimento conjunto entre a empresa e a
sociedade como um todo. O autor observa que a adoção de uma atitude com vistas a um fim
maior que não seja apenas o econômico pode acarretar em maior lucratividade, uma vez que,
com a predominância da sociedade da informação onde ocorre ampla conectividade e
interdependência entre consumidores e fornecedores em âmbito global, o bom nome e boas
práticas com eticidade, se mostram como um importante aliado à lucratividade.
43Tese denominada Nova Empresarialidade – Uma visão jurídica reflexa da ética na atividade empresarial no contexto da gestão e da sociedade da informação, desenvolvida para obtenção do título de doutor em Direito das Relações Sociais defendida pelo Autor na Pontífica Universidade Católica de São Paulo no ano de 2002.
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Essa postura, que objetiva o lucro, preponderantemente, como atividade fim, independente dos caminhos jurídicos ou empresariais, adotados para a sua obtenção, parece estar sofrendo um significativo abalo, que é proveniente não só da mutação das leis, mas também, da pressão dos movimentos sociais e, sobretudo, do ingresso da economia numa fase adiante do pregado neoliberalismo, mais próxima da pós-modernidade, onde predomina a sociedade da informação, a ampla conectividade, a convergência e interdependência entre pessoas e empresas das mais diversas localidades e regiões do mundo, reduzindo sobremaneira as distâncias e possibilitando ao empresário a abertura de novos mercados44.
Nota-se que a sociedade atual, formada por um complexo sistema interligado por
tecnologias, que possibilitam a divulgação quase instantânea de informações de uma
extremidade a outra, vem passando por uma modificação comportamental por parte dos
empresários, quem sabe, também motivados pela rapidez com que se transportam as
informações, passando a exercer a atividade empresarial de maneira menos predatória,
surgindo, assim, uma nova forma de exercício da atividade empresarial baseada na ética.
Neste ponto é oportuno apresentar o escólio de Adalberto Simão Filho para com relação à
expressão empresarialidade:
Acredita-se, portanto, que a palavra empresarialidade, no contexto empregado neste estudo, possa ser atendida como a atividade empresarial em movimento constante e sucessivo, não importa se exercida pela sociedade simples ou empresária ou pelo empresário individual e o inter-relacionamento desta com os fornecedores, mercado consumidor, mercado de valores mobiliários, agentes econômicos diversificados, trabalhadores, meio ambiente, e, finalmente com relação aos próprios sócios e acionistas, gerando uma sinergia completa que culmina em vivificar a empresa e agregar valor45.
Pode-se notar pela definição de empresarialidade exposta pelo autor, que se trata de
uma nova postura empresarial abarcando todos os ramos da atividade empresarial. E é
exatamente dentro deste ideal que se efetiva a proposta de também se voltar o negócio
jurídico imobiliário para a proteção securitária.
44SIMÃO FILHO, Adalberto. FMU Direito – Revista da Faculdade de Direito. São Paulo: Ano XVII, nº 25, 2003. p. 11. 45 SIMÃO FILHO, Adalberto. FMU Direito – Revista da Faculdade de Direito. São Paulo: Ano XVII, nº 25, 2003. p. 13.
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6. O contrato de seguro como instrumento de redução dos danos causados pelo atraso na
entrega do empreendimento imobiliário
A sociedade contemporânea se fez acompanhar de problemas próprios, conexos ao
rápido e amplo crescimento populacional, tecnológico, econômico, dentre outros. Novos
problemas carecem de novas soluções. A lei com sua característica rígida e, muitas vezes
punitiva, não se mostra planamente capaz de solucionar a contento todos os problemas
contemporâneos. Contudo, a mesma legislação, fornece o instrumento para composição dos
mais diversos e atuais assuntos: O contrato. Fonte de obrigações, com atributos que
possibilitam acompanhar as rápidas modificações da sociedade, encontra-se à disposição de
todos, na forma da lei, para resolução das mais diversas questões, tal qual, a apresentada no
tema tratado, possibilitando a melhor e mais adequada solução, que atenda a todas as partes
interessadas.
Verifica-se a possibilidade de se criar contrato de seguro de responsabilidade civil:
concernente a dano causado ao adquirente do imóvel na planta, que tem frustrada expectativa
legítima de entrega do bem, a termo razoável, inicialmente fixado em contrato, como uma
provável solução ao problema apresentado pelo atraso na entrega de bens adquiridos na
planta. Objetivou-se, com esta pesquisa, sugerir solução que atenda satisfatoriamente a ambas
as partes da relação de consumo. Para isso, analisou-se, primeiramente, o instituto do seguro a
fim de expor sua possível aplicação à questão apontada. Tal pesquisa, apoiando-se na
possibilidade da adequação dos contratos às necessidades contemporâneas, demonstra a
aplicabilidade do seguro ao caso em concreto, bastando pequenos ajustes entre os
contratantes, tornando a contratação mais atrativa às empresas seguradoras, através de
diminuição dos riscos e majoração dos prêmios. Mostra-se, também, mais atraente às
incorporadoras e construtoras esta sugestão, na medida em que passam a ter um diferencial
que possibilita atrair maior número de consumidores. Assim, o seguro pode ser vantajoso para
todas as partes que o compõe, apresentando-se como uma provável solução à proposição
apresentada.
7. Conclusão
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As práticas comerciais excessivamente abusivas ou desarmônicas de outrora, que
eram aplicáveis nas atividades de mercancia em algumas situações resultando em grandes
lucros aos seus adeptos, ao custo da sacrificação e de prejuízos aos consumidores,
fornecedores, empregados e meio ambiente, hoje necessitam ser revistas. A sociedade pós-
moderna e informacional exige uma postura que amaine os olhares curiosos e desconfiados
dos consumidores e que possam suprir suas razoáveis expectativas observando-se a
principiologia da cláusula geral da boa fé.
Tentativas de se ocultar comportamentos egoístas e irresponsáveis já não se
mostram eficazes. As previsões de futuristas como George Orwell parecem se mostrar uma
realidade mormente quando parte expressiva das operações e ofertas empresariais do setor
imobiliário é efetivada por intermédio do uso de tecnologia no que se convencionou
denominar de e-commerce.
E é neste ambiente de Sociedade da informação que as oferta do segmento
imobiliário seguem feitas com a utilização de várias mídias, entre as quais se sobressaem a
televisiva e a internet, gerando múltiplos interesses de consumidores que são atraídos
avidamente pelas mesmas e seus conteúdos.
Dentro deste escopo, não é suficiente a proteção do Código de Defesa do
Consumidor no sentido de mencionar que a oferta acompanha o contrato, pois, o estudo em
análise está a demonstrar que não é raro que os prazos publicados, contratados e concedidos
pelas Construtoras para a entrega de unidades adquiridas na planta, se suplantem ao limite do
indesejável.
A solução adotada pelas leis é eficaz, porem, na nossa ótica não é eficiente, pois a
expectativa razoável do consumidor de imóveis na planta – excepcionando aqueles que optam
pelo sistema como forma de investimentos, era pela entrega do bem na forma e prazo
determinado, para pronta utilização do imóvel.
No âmbito de uma empresarialidade com traços de eticidade e solidarismo como
propomos, resta ao empresariado se curvar à nova realidade e buscar alternativas que, não
apenas satisfaçam as partes envolvidas nas tratativas comerciais como a toda sociedade que
atentamente observa, discute e critica. Isso implica em que o ambiente negocial na Sociedade
da Informação reclama comportamentos éticos e ações com resultados.
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O prazo de tolerância abalizado por uma cláusula imposta em um contrato de adesão,
característico da sociedade pós-moderna, pauta-se em costume centenário. Tal costume vem
ocasionando descontentamento social com discussões levadas ao Poder Judiciário por parte de
quem espera justiça.
Os contratos de seguros, na nossa ótica, se apresentam como alternativa razoável e
pouco onerosa, para minorar os problemas causados pelo atraso na entrega das chaves,
servindo ainda como um diferencial positivo às empresas do ramo imobiliário que os
adotarem.
Assim, a adesão a uma nova postura empresarial decorrente a uma macrovisão
mercantil, onde se adotam atitudes socialmente relevantes, pode provocar o aumento na
lucratividade da empresa podendo ocasionar a preferência dos consumidores que sentirão
maior confiança na relação de consumo, observando a função social do contrato, que implica
em comportamento ético de ambas as partes.
A sociedade contemporânea se fez acompanhar de problemas próprios, conexos ao
rápido e amplo crescimento populacional, tecnológico, econômico, dentre outros. Novos
problemas carecem de novas soluções. A lei com sua característica rígida e, muitas vezes
punitiva, não se mostra planamente capaz de solucionar a contento todos os problemas
contemporâneos.
Contudo, a mesma legislação, fornece o instrumento para composição dos mais
diversos e atuais assuntos dentre os quais se enquadra a hipótese apresentada de elaboração de
apólice de seguro para a garantia de cumprimento de prazo contratual de entrega de imóvel.
A exemplo desta utilização, tem-se especificamente, no contrato imobiliário como fonte
primária de obrigações que contem em seu bojo um conjunto de disposições e atributos que
possam refletir o negócio jurídico entabulado, a possibilidade concreta de em acompanhando
a rápida modificação da sociedade contemporânea, suprir as expectativas razoáveis dos
consumidores, possibilitando a melhor e mais adequada solução, que atenda a todas as partes
interessadas num sentido de sustentabilidade da relação jurídica empreendida.
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217
CONTRATOS DE CONSUMO COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL E OS
CRITÉRIOS PARA JUSTIFICAR A REVISÃO CONTRATUAL
CONSUMER CONTRACTS AS AN INSTRUMENT FOR SOCIAL JUSTICE AND
THE CRITERIAS TO JUSTIFY THE CONTRACT REVIEW
Stephanie Aniz Ogliari Candal*1
RESUMO
A nova teoria contratual surge para finalmente reconhecer as desigualdades materias e
equilibrar certos contratos que já de início são desiquilibrados, como os contratos de
consumo. Nesta realidade a revisão contratual é caminho a ser trilhado pelo poder judiciário
na concretização das normas e princípios trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que
tem a missão de equilibrar a relação entre consumidor e fornecedor. É necessário para a
concretização deste objetivo a atuação adequada dos operadores do direito, identificando de
maneira correta como constatar a onerosidade excessiva ao consumidor. Para tanto é útil a
adoção de alguns critérios facilitadores desta tarefa, com atenção, no entanto, para que não
seja limitada a defesa do consumidor.
Palavras chave: Nova hermenêutica contratual, contrato de consumo, revisão dos
contratos.
ABSTRACT
The new contract theory appears to recognize inequalities and finely equilibrate some
contracts that are unbalanced from the start, as consumer contracts. In reality the contractual
revision is way to go by the Judiciary Power in the implementation of norms and principles
brought by the Consumer Protection Code, which has a mission to balance the relation
between consumer and supplier. Is necessary to implement this objective the appropriate
operation of law professionals identifying the correct way observe the disadvantage to the
consumer. For both, it is useful the adoption of certain criteria enablers of this task, carefully,
however, lest it be limited consumer protection.
Keywords: New hermeneutic contractual, consumer contracts, revision of contracts.
* Graduando do Curso de direito da Centro Universitário Curitiba
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218
1 INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas, a transformação da sociedade e consequentemente um
movimento de quebra de paradigmas está se tornando um desafio cada vez mais evidente para
os juristas brasileiros.
A sociedade de consumo em massa, nascida da industrialização e divisão do trabalho
propõe novas configurações sociais distintas daquelas ensejadoras dos modelos jurídicos
clássicos. Percebe-se no momento atual mudanças significativas nas formas de contratação,
bem como em relação a posição dos contratantes no momento da negociação.
Frente às novas realidades, a Teoria Contratual deve se dobrar às novas tendências,
abandonando antigas concepções, principalmente no que diz respeito à intangibilidade dos
contratos.
Veja-se que no novo Código Civil o contrato não é mais inflexível na mesma
intensidade que era quando do Código de 1916. No entanto, é no Direito do Consumidor que
se percebe a grande mudança, o Estado passou a intervir de forma muito mais ativa na
formação e cumprimento do contrato, dada as especiais características deste ramo do Direito.
Portanto, é necessária nova interpretação do instituto do contrato, e a compreensão de
que a realidade contemporânea alterou de maneiro profunda os pressupostos de formação
contratual.
No entanto, em que pese os inúmeros avanços na tutela dos interesses do consumidor,
ainda há muita dificuldade dos operadores do direito em abandonar antigos dogmas, como o é
a intangibilidade dos contratos.
Ainda, não há consenso sobre como se dá a aplicação das regras e princípios do direito
do consumidor em concreto, principalmente quando se trata de relativizar a imutabilidade dos
pactos. É evidente o receio de que a revisão contratual prejudique a segurança jurídica das
relações comerciais, ainda que se reconheça que devem prevalecer as normas jurídicas.
Dessa maneira, é relevante explorar como a revisão do contrato de consumo se
consolida como ferramenta de efetiva modificação da realidade social, garantindo ao
equilíbrio da ordem econômica, e a coercitividade da Lei.
Dessa forma, o presente artigo tem o intuito de colaborar para o esclarecimento da
revisão contratual como caminho à execução da nova ordem jurídica, voltada ao respeito ao
ser humano, bem como buscar formas de facilitar ao operador do direito o reconhecimento da
necessidade de revisão do contrato de consumo concretamente.
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219
2 O CONTRATO COMO FERRAMENTA DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS
A compreensão da mudança de paradigmas do século anterior passa necessariamente
por compreender os fatos sociais que culminaram na massificação da produção, do consumo e
consequentemente dos contratos, além de perceber a forte vinculação do instrumento
contratual com a organização econômica vigente em determinado momento do estágio de
desenvolvimento da sociedade.
Já informa a máxima “ubi societas ibiius” que o Direito é fruto da demanda social. Ou
seja, é a partir da configuração da sociedade e de suas necessidades de organização, que o
Direito molda institutos para garantir as condições de funcionamento do sistema.
Assim, limitando-se ao objeto desta pesquisa, o contrato surge justamente como um
dispositivo que visa efetivar a vigência do sistema social. Assim, tem-se que a partir do
momento em que o homem passou do estágio de sobrevivência através da caça e coleta, e
passou a cultivar o alimento, se observa a tendência de haver trocas entre as pessoas.
Assim se inicia o processo econômico, que com o passar dos milênios ganha cada vez
mais complexidade conforme o nível de especialização e sofisticação da sociedade.
A este processo econômico se fundamenta a concepção de contrato, que nada mais é
do que a representação dada pelo Direito da confiança e expectativa que há entre as duas
partes contraentes. Conforme Enzo Roppo:
[...]os conceitos jurídicos – entre estes, em primeiro lugar, o de contrato – refletem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas maneiras, uma função instrumental. Dai que para conhecer verdadeiramente o conceito do qual nos ocupamos, se torne necessário tomar em atenta consideração a realidade econômico-social que lhe subjaz e da qual ele representa a tradução científico jurídica[...] (ROPPO, 2009, p. 02)
O contrato revela-se uma ferramenta das relações econômicas de troca, posteriormente
de vendas, e assim por diante, chegando a atual gama de contratos, que só é tão vasta devido à
complexidade da economia.
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220
3 BREVE INCURSÃO HISTÓRICA ACERCA DA MASSIFICAÇÃO DOS
CONTRATOS
É esta estreita relação entre contrato e a organização econômica da sociedade que
determina o fato de serem tão distintas as formas do contrato ao longo do tempo, e que
também justifica a necessidade de adaptação do Direito rumo a uma nova teoria contratual
para auxiliar nas relações existentes neste momento histórico.
Por isso, faz-se necessário compreender brevemente o surgimento da sociedade
massificada, que deve ser o objeto da tutela do Direito contemporâneo, o que não se fará
analisando o contrato desde seus tempos mais primórdios, mas sim a partir do modelo
clássico até o modelo contemporâneo.
O modelo de contrato liberal tem seu berço nas concepções iluministas de liberdade e
igualdade (PERRY, 1999, p. 308), bem como na ascensão da burguesia europeia por volta do
século XVII, destacando-se que tais concepções se justificavam, principalmente pelo forte
monopólio estatal do chamado antigo regime, que instituía privilégios determinados pelo
nascimento e controle absoluto das atividades econômicas. (PERROY, 1994, p. 155)
Evidentemente, este sistema não atendia aos interesses dos novos ricos da época, que
ansiavam por um governo que deixasse o mercado livre para a atividade econômica, anseio
que se justificou nas concepções filosóficas que exaltavam a liberdade do homem.
(MARTINS, 2009, p. 2)
Através de uma série de pressões políticas, observando-se como o ápice dessa
demanda a Revolução Francesa, paulatinamente a classe burguesa foi se tornando não apenas
a elite econômica, mas também a elite política, controlando o governo e editando Leis que
garantiam a plena liberdade de exercício econômico da burguesia. (HIRONAKA, 2007, p. 20)
Um dos principais instrumentos para a consolidação desta nova elite econômica foi o
contrato com fundamento liberal. Veja-se como se manifesta o autor Enzo Roppo:
Se confrontarmos as funções assumidas pelo contrato na antiguidade ou na idade média, vale dizer, no âmbito dos sistemas econômicos arcaicos, ou de um modo geral pouco evoluídos (aqueles que poderiam considerar-se os caracterizados pelo modo de produção <<antigo>>, baseado no trabalho escravo e pelo modo de produção feudal, por sua vez, caracterizado por vínculos de natureza <<pessoa>> entre produtores e detentores da riqueza fundiária, pelo trabalho artesanal independente, por uma nítida tendência para o auto-consumo e, portanto por um baixo volume de trocas), com as funções que o contrato assume no quadro de uma
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
221
formação econômico-social caracterizada por um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas e pela extraordinária intensificação da dinâmica das trocas (tal como é a formação econômico-social capitalista, especialmente após a revolução industrial e dos princípios do séc. XIX), contatamos profundíssimas diferenças quanto à dimensão efetiva, à incidência à própria difusão do emprego do instrumento contratual: ali relativamente reduzidas e marginais, aqui, pelo contrato, de molde a fazer do contrato um mecanismo objetivamente essencial ao funcionamento de todo o sistema econômico. (ROPPO, 2009, p. 25)
Portanto, neste cenário, a fórmula contratual que melhor servia aos interesses
econômicos era a que não interferisse no conteúdo do contrato, garantindo seu fiel
cumprimento.
Tal formulação encontra plena guarida nos princípios sustentados pelos iluministas de
igualdade e liberdade como direito inatos do homem. Em apertada síntese, pode-se dizer que a
conclusão da época é de que o contrato é irretocável, pois todos os homens são iguais para
barganhar seu conteúdo, e igualmente livres para aceitar ou não a convalidação do pacto.
E assim fora disciplinado o contrato no mais famoso Código Civil da época, inspirador
de tantos outros, dentre eles o brasileiro editado em 1916: O Código Civil Francês
Napoleônico, que elevava ao máximo a intangibilidade dos contratos como princípio basilar
do Direito Civil. (LOTUFO, 2008. p. 28)
Destaque-se que esta postura do legislador propiciou o desenvolvimento desenfreado
da atividade econômica, notadamente a partir da revolução industrial, momento a partir do
qual se abandonou o método de produção artesanal para dar espaço à industrialização, que
posteriormente culminaria na atual massificação dos contratos. (MARTINS, 2009, p. 96)
É evidente, no entanto, que a total inércia do Estado em relação aos grandes industriais
burgueses passou a gerar toda a sorte de abusos por parte daqueles que detinham o poder
econômico, o que gerou cada vez mais desigualdade social.
É aparentemente paradoxal, a liberdade que um dia significou o rompimento com a
opressão do Estado Absolutista passou a justificar a exploração de trabalhadores e a
concentração de renda em grande magnitude. No entanto, não há contradição neste raciocínio,
pois o que resultou nesta série de problemas sociais foi a desconsideração da igualdade
material, ou seja, da desigualdade substancial que há entre os indivíduos. (LOTUFO, 2008. p.
28)
Tal desigualdade que se traduz pela alta renda dos empresários em detrimento de
mínima condição de trabalho dos operários, acabou por gerar uma série de tensões sociais que
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
222
inevitavelmente levaram a exigência da intervenção do Estado na esfera das decisões
privadas. (CHARTELET, 2009, p. 108.)
Notadamente, é o Direito do Trabalho que surge inicialmente como interferência do
Estado, vez que foram as demandas dos trabalhadores e sua organização que culminou na
promulgação de Leis para tutelar seus interesses e equilibrar as relações entre patrão e
empregado.
Claudia Lima Marques explica:
Não há como negar que o agente social que definiu o início desta fase do capitalismo e suas mudanças nos séculos XIX e XX foi o trabalhador moderno, mas que hoje este agente social parece ser o consumidor, globalizado e virtual (trabalhador terceirizado e autônomo, financiado para a compra de quase todos os produtos, serviços e desejos, endividado fortemente mesmo perante os ex-serviços públicos, consumidor móvel, como seu celular, consumidor conectado 30 horas tanto na vida privada quanto no trabalho).(MARQUES, 2005, p. 26)
As lutas dos trabalhadores abriram espaço para a regulamentação pública das relações
até então entendidas como privadas.
É neste momento histórico que as constituições surgem não só sustentando a liberdade
e igualdade inerentes ao estado do ser humano, mas também para impor o respeito à
dignidade da pessoa humana.
Conforme Paulo Bonavides:
Emerge, assim, das ideologias, dos fatos, da pressão irresistível das necessidades sociais, aquele constitucionalismo marcadamente político e social com o qual já nos familiarizamos. É de natureza instável, dúctil e flexível, ao impetrar para todas as esferas de convivência a presença normativa do Estado, como presença governante, rápida, dinâmica, solucionadora de conflitos ou exigências coletivas. (BONAVIDES, 2004, p. 40)
Ao mesmo tempo que a dignidade da pessoa humana assume papel de maior
relevância, o direito privado passa a ser influenciado de forma evidente pelo direito público,
já que se torna função do Estado promover a justiça social com vistas ao respeito da dignidade
do ser humano. (MARTINS, 2009, p. 100.)
Dessa forma, o contrato moderno mencionado anteriormente, necessariamente deve
passar a reconhecer a livre vontade das partes na medida de sua efetiva possibilidade
barganha na estruturação do negócio. Dessa forma, a autonomia da vontade não deve ser
compreendida como uma presunção absoluta.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
223
Isso porque nas relações concretas há gritante diferença neste poder de barganha,
justamente em virtude da desigualdade resultante do poder econômico do grande empresário.
Enfim, passa-se a reconhecer que os homens são iguais em sua essência, no sentido
que todos devem ter sua dignidade e autonomia respeitada, mas que no mundo fenomênico
surgem desigualdades materiais que não podem ser ignoradas pelo sistema jurídico, sob a
pena de agravar cada vez mais a má distribuição da riqueza.
Assim, a mudança de paradigma a que se refere este texto está justamente na
passagem do contrato rígido, indiferente às mazelas sociais com as quais se vincula, para
aquele que deve se dobrar a sua função social, e que quando necessário deve ser revisto e até
mesmo desfeito, caso vá de encontro ao princípio da dignidade humana.
4 O VIÉS SOCIAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR E SEUS DESAFIOS
Da mesma forma que se revelou a necessidade de intervenção nos contratos de
trabalho, se verifica a necessidade de controle dos contratos realizados pelos consumidores,
isso porque a desigualdade nesta relação também está presente.
A sociedade atual de consumo em massa passa a existir a partir da consolidação do
modelo de produção capitalista, que divide o trabalho e massifica a produção.
Nesta configuração, cada indivíduo se responsabiliza na produção de determinada
parcela de um produto, dentro de uma cadeia de produção industrial, adquirindo tudo que lhe
é necessário a sua subsistência de um fornecedor. (MARQUES, 2007, p. 23)
Ou seja, inevitavelmente, em todos os momentos em que se consome algo fornecido,
se está celebrando um contrato. É certo que nem sempre de maneira formal ou escrita, mas há
uma expectativa em relação a qual deve ser a prestação e qual deve ser a contraprestação de
cada umas das partes.
Logo, percebe-se que a massificação da produção nas fábricas e a massificação do
consumo das famílias para seu sustento, resulta de forma evidente na massificação dos
contratos, que passam a ser formulados a todo o momento por grande parcela da população.
É certo que a relação entre o consumidor e fornecedor também é desequilibrada por
diversos fatores.
Inicialmente, o fornecedor é profissional, ou seja, só existe em função da atividade que
exerce, e por isso em todos os casos detém mais conhecimento sobre seu produto do que o
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
224
consumidor, já que conhece todas as etapas da produção do mesmo, e é justamente em virtude
disso que a maior fonte de informação acerca de determinado produto, vem de seu fornecedor.
A questão é que o fornecedor em posse dos meios de informar o consumidor tem toda
a possibilidade de dissimular fatos que desabonem a qualidade do produto, bem como para
influenciar a decisão do consumidor, que tem apenas esta fonte de informação. (BENJAMIN,
2008, p. 288.)
Dessa forma se mostra flagrante a disparidade entre as partes do contrato, sem ventilar
ainda as hipóteses de hipossuficiência gerada pela idade ou pela extrema pobreza ou ainda
pela baixa escolaridade, por exemplo.
Além disso, o consumidor tem gritante limitação não só à liberdade de barganhar o
conteúdo do contrato, mas até mesmo em relação à liberdade de escolha, posto que está
adstrito às opções oferecidas pelo mercado, além de muitas vezes não ter sequer opção, bom
exemplo é a contratação de serviço de saneamento básico. (BELMONTE, 2002, p. 45)
Não é em vão, o texto do Código de Defesa do Consumidor deixa evidente esta
situação desigual ao tutelar o consumidor justamente em virtude de sua vulnerabilidade ante o
fornecedor, reconhecendo-a. (DONINNI, 2001, p. 156)
É o que dispõe o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor no inciso I:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
Assim, o antigo princípio da autonomia da vontade, que pressupõe liberdade e
igualdade de condições para contratar, passa a não ter a mesma aplicabilidade no Direito do
Consumidor, sendo relativizado conforme exige a atual configuração econômica que limita
justamente os pressupostos de validade do antigo Princípio.
Nesta toada, somando-se a desigualdade inerente desta relação com a extensão dos
contratos de consumo na sociedade, torna-se explícito o caráter social que deve revestir o
Direito do Consumidor (DONINNI, 2001, p. 161).
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
225
A determinação legal que protege o consumidor, está em certa medida protegendo um
sem número de pessoas, todas aquelas que em determinado momento usufruem de um serviço
ou produto, ou seja, praticamente a totalidade dos cidadãos.
Justamente em virtude deste alcance significativo é que essa categoria de direitos é
entendida como uma tutela de interesses difusos, que não se vinculam apenas a indivíduos ou
a classes sociais, vinculam-se a um número indeterminado de pessoas e estão diluídos na
coletividade.
Sobre os interesses difusos ensina Ada Pellegrini:
Surgem, agora, a nível de massa, e por via substancial – enquanto o direito burguês concebia, normalmente, posições adquiridas por via formal e colocava o indivíduo, isoladamente considerado, no centro do sistema – interesses difusos: ou seja, aspirações espalhadas e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente referidas à “qualidade de vida”. (...) Nessa perspectiva vê-se claramente que não é mais suficiente, como o foi outrora, fornecer ao Estado os necessários meios de defesa da perdem pública, e ao indivíduo as salvaguardas indispensáveis ao exercício de sua liberdades.(GRINOVER, 1978, p. 2)
Portanto, dada a extensão do instituto contratual contexto de relações de massa, bem
como seu intuito de impedir o abuso do poder econômico e da informação, percebe-se a
relevância do tema, e se afirma a necessidade de intervenção.
Portanto, o momento é frutífero não para questionar a validade das mudanças de
paradigmas ocorridas a partir do século passado, mas sim para reconhecer a pertinência destas
inovações e partir em busca de soluções efetivas para os problemas gerados pela massificação
dos contratos de consumo.
O Desafio do Direito do Consumidor, portanto, se refere à chamada crise de
confiança, que, segundo Cláudia Lima Marques, é latente nos dias atuais justamente devido
aos desmandos dos fornecedores ante a despersonalização do contrato quando de sua
massificação. (MARQUES, 2005. 194)
Veja-se que a aplicação de um Direito Civil clássico, pensado para uma situação típica
do século XVIII à situações modernas, fragilizou o sistema.
Isso porque esta aplicação anacrônica da Lei e impõe disciplina inadequada para
determinadas situações, o que gera injustiça social, mais desigualdade e inevitavelmente o
sentimento de desconfiança do consumidor para com o fornecedor, como se não houvesse
meios de transpor o poder destes.
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226
É este impasse que o Direito do Consumidor tem o dever de atenuar, posto que é
ferramenta importantíssima do Estado para regular o conteúdo das relações econômicas e
promover através disso a justiça social.
Neste sentido, Claudia Lima Marques assevera:
Esta nova fase do Direto privado é vista sob muitas óticas. De um direito clássico liberal passamos a um direito liberal social, um modelo misto de Direito Privado, e que justamente a proteção do consumidor representa a face social deste. (MARQUES, 2007, p. 36)
Assim, é necessário encontrar um modo de conferir ao contrato a capacidade de
restaurar a confiança que deve haver entre as partes do negócio jurídico. Ou seja, dar
ferramentas ao consumidor para barganhar o conteúdo da avença evitando abusos, mesmo que
através do Poder Judiciário.
5 A REVISÃO DO CONTRATO COMO VIA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL
O Direito do Consumidor assume, portanto, a função de atenuar a desigualdade natural
na relação de consumo. Função que é exercida de forma preventiva e também repressiva. Ou
seja, há uma série de políticas públicas previstas pela legislação para diminuir a desigualdade,
atribuindo ônus ao fornecedor e vantagens ao consumidor. Também são preventivas as ações
coletivas, por exemplo, dentre outros mecanismos.
No entanto, a faceta preventiva não é suficiente para solucionar os conflitos nascidos
na relação contratual, e por isso é necessária a atuação do Judiciário para corrigir tanto as
práticas abusivas do fornecedor como também as cláusulas desproporcionais inseridas nos
contratos.
É neste contexto que a revisão do contrato de consumo surge como solução para a
maior parte do desequilíbrio que existe nessa relação, e assim colabora para reestabelecer a
confiança do consumidor, que está ciente de que poderá exigir o que é de direito
independentemente de sua vulnerabilidade.
Na concretização do direito do consumidor, a principal conquista do Código de Defesa
do Consumidor é a observância do princípio da boa-fé objetiva, o que significa que o
fornecedor deve agir conforme preceituam as normas de Direito, se não o fizer deste modo
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227
responderá por seus abusos independentemente de intenção de fazê-lo. (MARQUES, 2005, p.
195)
Isso se justifica pelo já mencionado profissionalismo da atividade do fornecedor. A
existência é condicionada a atividade que se exerce, ou seja, o fornecedor apenas existe para
prestar determinado serviço ou vender determinado produto, e por isto é pago, obtém lucro.
Por causa dessas características é que o erro, intencional ou não, deve ser suportado
pelo fornecedor, não pelo consumidor, conforme a construção doutrinaria que justifica a
teoria do risco da atividade.
Aplicando-se isto a análise do contrato, tem-se que o fornecedor tem o dever de
conservar a equidade do contrato, bem como de não exigir do consumidor prestação que deve
fazer parte da seara de atuação do próprio fornecedor, ou seja, obrigação ou risco inerente a
atividade exercida pelo empresário.
Veja-se a lição de Carlos Efing:
“A revisão do contrato, e, em alguns casos, a modificação, configuram instrumento para o alcance da função social do contrato e a prevalência dos objetivos das partes contraentes subordinadas (vulneráveis) às vontades das partes economicamente mais fortes que assumem os riscos da atividade, dentre os quais o de restabelecer a comutatividade contratual e alcançar os objetivos contratados, mesmo que à custa de algum sacrifício ao qual deve estar ciente e disposto a suportar.”(CONRADO, 2005, p. 73)
Dessa forma, se o fornecedor só não mantém o contrato equânime de maneira
voluntária, é direito do consumidor exigir que se faça tal condição, e como o poder de
barganha do consumidor é frágil, o Poder Judiciário exerce o poder estatal para condicionar o
cumprimento equânime das obrigações. (MARQUES, 2005, p. 196).
A revisão contratual surge então no Direito do Consumidor como ferramenta de
garantia da justiça social e observância dos princípios constitucionais, principalmente do
respeito à dignidade da pessoa humana e seus desdobramentos.
Em oposição à disciplina do Direito eminentemente civil no qual são mais restritas as
possibilidades de relativização do pacto contratual, no Direito do Consumidor a revisão
contratual é a solução recorrente quando há o descumprimento da legislação, e tal frequência
de deve ao fato de que o Direito do Consumidor interfere no conteúdo do contrato, e não
apenas na validade dos pressupostos geradores do pacto.
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228
Sobre a oposição entre o Direto Civil e o Direito do Consumidor, Marcelo Conrado
comenta:
CDC um sistema preventivo e coletivo essencialmente, diferente do CC/2002, que mostra seu caráter preventivo apenas sob determinados aspectos (como por exemplo, ao estabelecer boa-fé como fator essencial à realização de negócios jurídicos). Ademais disso é incontestável o fato de tutelar o CC/2002, relações sob o aspecto individual e não coletivo. (CONRADO, 2005, p.64)
Ora, seria digno de estranhamento se a Lei voltada à tutela do interesse do consumidor
cerceasse a possibilidade de revisão do contrato. Como poderia subsistir no mundo jurídico
pacto cujo conteúdo é flagrantemente contra o Direito? Seguramente pode-se dizer que tal
caso é muito improvável quando se trata de direito do consumidor.
Veja-se que os artigos que mencionam a possibilidade da revisão contratual no Código
de Defesa do Consumidor são vários, o que se deu justamente para evitar que eventual
mensagem de veto, guiada pela pressão dos grandes empresários mutilasse parte do intuito
protetivo do Código. (GRINOVER, 2007, p. 377)
Em um contexto de relações contratuais fragilizadas, em que a sociedade ainda não
incorporou de maneira definitiva os deveres contidos na norma de proteção ao consumidor, na
maior parte dos casos é através da revisão contratual que o consumidor obtém a efetivação de
seus direitos prescritos na Lei.
Então, em linhas gerais admite-se revisão contratual sempre que houver cláusula
abusiva ou desequilíbrio do contrato, o que significa que as hipóteses elencadas no Código
são apenas exemplo do que se considera abusivo, servindo como modelo para a interpretação
do Jurista. É notável, portanto, o fato de que as hipóteses trazidas pelo Código de Defesa do
Consumidor quando se trata de práticas e cláusulas abusivas não são taxativas. (GRINOVER,
2007, p. 374.)
Nesta toada, não há sentido buscar catalogar todas as hipotéticas cláusulas ensejadores
de revisão contratual. Isso porque tais situações são vastas e fluidas, tendo em vista a liquidez
do mercado e de suas práticas.
Assim, cabe especial destaque à norma geral contida no Artigo 6º, inciso V, do Código
de Defesa do Consumidor, que dispõe de maneira genérica acerca do Direito do consumidor
em requerer a revisão do contrato quando há clausula que o torne desmedidamente oneroso, in
verbis:
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229
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
Veja-se que este artigo traz disciplina de duas situações distintas, uma se relacionando
à pura desigualdade no conteúdo do contrato; outra diz respeito à revisão por onerosidade
superveniente a pactuação.
A segunda parte do referido dispositivo se relaciona com a teoria da imprevisão, que
na disciplina do Código Civil é uma das justificativas para a revisão do contrato.
No Código de Defesa do Consumidor, no entanto, tal disciplina surge de forma muito
mais branda do que do Código Civil. Não é requisito a que o evento superveniente seja
imprevisível, apenas que desequilibre o contrato. (NUNES, 2005, p. 134)
Justifica-se esse abrandamento justamente pela atribuição dos riscos ao fornecedor no
regime de Direito do Consumidor, como já tratado anteriormente. Isso não ocorre no Direito
Civil, em que os riscos são compartilhados pelos contraentes.
É provável que o intuito desta disposição do Código de defesa do Consumidor seja
evitar que nesta ocasião, ocorrência de evento superveniente, fosse aplicado o Código Civil
sob o pretexto de haver lacuna da Lei específica, prejudicando o consumidor em virtude de
seu rigor.
Já a primeira parte do inciso V, do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor,
positiva a possibilidade de revisão por simples desproporção no conteúdo do contrato.
Novamente em franca oposição ao Código Civil tem-se a estipulação da revisão do
contrato como verdadeira cláusula geral, bastando para tal apenas o entendimento de que há
desproporção entre as prestações ou contra prestações, ou ainda que uma prestação exigida ao
consumidor não seja devida.
Assim, a aplicação coerente deste artigo passa apenas por identificar a desproporção,
não havendo quais quer requisitos para além da própria onerosidade.
Isso ocorre, em oposição ao raciocínio clássico do direito civil, pois o Código de
Defesa do Consumidor parte do pressuposto de que o consumidor não tem plena liberdade de
contratação, por isso influencia diretamente o conteúdo do contrato.
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6 CRITÉRIOS PAR AUFERIÇÃO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA AO
CONSUMIDOR
No âmbito do direito do consumidor basta que haja desigualdade contratual, portanto,
para a determinação da necessidade de revisão contratual, deve se raciocinar acerca dos
parâmetros as que auxiliam a definir o que é demasiadamente oneroso ao consumidor.
Veja-se que como já dito, propositadamente, não há limites legais para a identificação
de cláusula excessivamente onerosa, justamente pela intenção de não restringir a tutela ao
consumidor, e sim ampliá-la. (GRINOVER, 2007, p. 374)
No entanto é útil para a correta aplicação da norma compreender algumas
características que podem indicar a presença de onerosidade demasiada ao consumidor, ainda
que não se possa considerar a ocorrência de qualquer desses aspectos como espécie de
requisito.
Ou seja, a falta de um desses aspectos não inviabiliza o reconhecimento da
desproporção, bem como a presença de um deles também não significa infalivelmente a
ocorrência de onerosidade, no entanto são vestígios que podem ser úteis na identificação da
onerosidade excessiva contida em uma clausula contratual.
O primeiro aspecto a ser salientado é o da utilidade e finalidade da cláusula para a
concretização dos fins do contrato.
Em uma primeira análise é simples identificar que qualquer cláusula que não
represente uma utilidade real ao sucesso do contrato, tendo como finalidade apenas favorecer
unilateralmente um dos contratantes tem forte tendência a ser onerosa para a outra parte.
No entanto, no contexto a que se aplica o Direito do Consumidor, a verificação da
utilidade e finalidade das cláusulas dos contratos deve compreender uma análise mais
profunda, levando em consideração a distribuição dos riscos neste tipo de relação.
Reporta-se ao já elucidado sobre o profissionalismo do fornecedor, que por esse
motivo deve assumir aquelas atividades que são inerentes ao exercício de sua atividade.
Ora, a sociedade desenvolveu um sistema no qual as pessoas não precisam se
preocupar com os pormenores da produção dos produtos que consomem, justamente por se
dedicarem ao seu emprego.
Nesta toada, a transferência ao consumidor de ônus ou obrigação inerente à atividade
do fornecedor de produtos e serviços, indica que o contrato que distribui dessa forma as
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231
obrigações é de fato demasiadamente oneroso ao consumidor. Não pode o fornecedor
transferir ao seu cliente os custos de sua própria atividade.
Dessa forma, a utilidade e finalidade da cláusula auxiliam também para identificar se
há onerosidade excessiva na medida em que revela a imposição ao consumidor de obrigação
correlata à produção do produto ou serviço que o fornecedor explora.
Neste sentido argumenta Marcelo Conrado:
Na realidade, qualquer obrigação que se mostre indevida, mesmo que não possua expressão financeira, já representa onerosidade a ponto de ensejar a revisão contratual com base na aplicação da Teoria da Onerosidade Excessiva. (CONRADO, 2005, p. 80.)
Assim, as cláusulas do contrato de consumo, em primeira análise, devem ser úteis ao
consumidor, e quando o são apenas para o fornecedor, ou devem ser essenciais à execução do
contrato ou refletir a justa contraprestação pelo serviço ou produto consumido.
Certas obrigações impostas ao consumidor não podem ser atribuídas ao fornecedor,
como seria por exemplo o dever de permitir a entrada do técnico para a instalação de
equipamento necessário ao serviço, por exemplo.
Tal obrigação é condição sem a qual é impossível a execução da avença, além disso
apenas o consumidor pode ser responsável por seu cumprimento. Por isso, não pode ser
considerada onerosa em excesso.
Da mesma forma, é evidente que cláusula que atribui preço ao produto é onerosa, mas
não dá ensejo à revisão, pois um contrato de consumo é oneroso.
No entanto, não é apenas a utilidade e finalidade da clausula contratual que é útil à
identificação de abusividade. Também é preciso observar a proporcionalidade entre as
prestações devidas pelo consumidor e pelo fornecedor.
Retomando o exemplo acima, apesar de ser devido o pagamento pelo produto, não
pode haver preço desproporcional, que não se justifique por qualquer critério como qualidade,
marca, exclusividade.
Ainda, em relação a obrigação de receber o técnico, também deve haver
proporcionalidade no conteúdo desta obrigação.
É simples perceber que, neste exemplo, quando o fornecedor não delimita a data ou
horário da visita, o consumidor é extremamente prejudicado em seus afazeres habituais, em
quanto o fornecedor tem flagrante vantagem ao não dever pontualidade ao cliente, facilitando
sua organização interna.
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232
A hipótese aqui levantada revela a desproporcionalidade entre o ônus assumido pelo
consumidor e pelo fornecedor, e por isso é passível de revisão.
Dessa forma, a comparação entre as obrigações atribuídas a cada uma das partes, ainda
que sejam coerentes com a distribuição de riscos adequada a relação de consumo, devem
enfrentar um juízo de proporcionalidade. Concluindo-se que determinada clausula é
proporcionalmente mais gravosa ao consumidor, também estará presente forte indicio de
excessiva onerosidade.
Frisa-se novamente que estas considerações tem o condão de auxiliar a identificação
de cláusulas demasiadamente onerosas, mas a análise deve ser feita casuisticamente,
preservando os interesses do consumidor nas mais diversas situações.
7 CONCLUSÃO
Diante de todas as considerações realizadas, resta claro que este processo de
modernização que ocorre nos últimos séculos não representa por si só uma ameaça ao
equilíbrio da sociedade, se o Direito perceber esta nova realidade e adequar-se para
maximizar os benefícios deste processo, coibindo eventuais abusos, o resultado será um
progresso muito positivo para toda a humanidade.
Neste contexto, o que se torna evidente através das observações deste estudo é que
novas concepções jurídicas surgem justamente para cumprir o papel de regular as relações
sociais visando a manutenção do equilíbrio e igualdade entre as pessoas, bem como o respeito
à dignidade da pessoa humana.
Sem dúvida um dos caminhos para alcançar estes objetivos é a interferência nos
contratos formulados por partes desiguais, como são os contratos de consumo.
Por isso é que dentre as normas da atual Constituição da República, há a disposição
para a proteção dos direitos dos consumidores, reconhecendo a necessidade desta defesa para
a manutenção da ordem econômica.
Portanto, frisa-se que ao impor diversos ônus a ser suportados pelo sujeito mais
poderoso, o fornecedor, não implica de forma alguma na inviabilidade da atividade
empresarial.
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233
Em primeiro lugar deve-se atentar que a necessidade de crescimento econômico é
relevante, no entanto, o crescimento da economia não pode ocorrer a custo do atropelo da
dignidade da pessoa humana.
Tal raciocínio não se justifica apenas por pura filantropia, calcado apenas na romântica
ideia de sociedade justa livre de qualquer mal. A limitação ao abuso do poder econômico deve
se dar também pela própria sobrevivência do sistema.
Ora, para que haja a possibilidade de haver trocas econômicas, deve haver pessoas que
estejam dispostas a estabelecer este vinculo, e principalmente que tenham condições materiais
para tanto.
Se o Direito sustentar um sistema jurídico no qual a exploração daqueles mais fracos é
justificada pelos conceitos de liberdade e igualdade do Liberalismo, entendidos como nos
séculos XVIII e XIX, logo se perceberá o esgotamento econômico daqueles oprimidos,
gerando assim a estagnação da economia.
Por isso, afirma-se a necessidade de que o Direito aja para coibir o abuso dos
detentores de privilégios nas negociações contratuais, com vistas ao respeito da dignidade da
pessoa humana, mas também no intuito de manter o equilíbrio e fluidez das operações
econômicas de forma global.
Assim, é plenamente justificada a opção do legislador por incluir no ordenamento
jurídico, através do CDC, as diversas normas que protegem o consumidor atribuindo
vantagens a este, ao passo que atribui desvantagens ao fornecedor.
Ainda, no contexto explorado, em que os contratos de consumo são realizados de
maneira corriqueira por grande parte da população, é visível o considerável poder deste
instituto sobre a distribuição de riquezas.
Portanto, deve-se atentar que o contrato considerado de maneira neutra pode servir de
veículo para o aprofundamento das desigualdades sociais, como ocorreu durante boa parte do
século XX, ao menos no Brasil.
Todavia, a interpretação pelo olhar dos princípios constitucionais torna o cenário
muito diferente. Ao voltar esta interpretação para a efetivação do Princípio da dignidade
humana, propondo o cumprimento de sua função social, o contrato revela-se o verdadeiro
porta voz do referido Princípio, a serviço da justiça social.
Se evidencia, portanto, a relevância da revisão do contrato como a principal
ferramenta para a efetivação das regras protetivas, posto que muitas vezes o fornecedor não
cumpre as regras atinentes ao Direito do Consumidor sem que haja a coerção necessária para
tal.
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234
Assim, é evidente o a validade do viés preventivo do Código de Defesa do
Consumidor, no entanto, ignorar sua faceta repressiva inviabiliza o objetivo de coibir as
práticas lesivas ao consumidor, além de impedir a reparação de eventuais danos.
Os critérios expostos funcionam como um parâmetro para os operadores do direito no
reconhecimento de situações que ensejam a revisão do contratos para a aplicação da Lei no
caso concreto, garantindo portanto a equidade nestas relações.
Deste modo, o Poder Judiciário deve estar atento às justificativas do sistema de
proteção ao consumidor, para que possa aplica-lo de forma a fazer cumprir seu papel,
conferindo um mínimo de paridade a uma relação contratual tão desigual.
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236
DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA RELAÇÃO ENTRE SHOPPING CENTERS (EMPREENDEDORES E LOJISTAS) E
FREQUENTADORES
THE APPLICATION OF THE CONSUMER DEFENSE CODE IN THE RELATIONSHIP BETWEEN MALLS (ENTREPRENEURS AND SHOPKEEPERS)
AND VISITORS
Danielle Hammerschmidt
Denise Hammerschmidt
RESUMO O presente artigo tem por finalidade estudar a relação que se estabelece entre frequentadores e shopping center – sendo o último aqui compreendido e estudado em sua totalidade, abrangendo no conceito tanto seus lojistas como seus empreendedores. A pesquisa foi realizada com intuito de estabelecer uma possível relação de consumo entre as partes. Inicialmente teceram-se comentários a respeito destes empreendimentos para melhor compreender sua realidade, após foram elucidados os conceitos de relação de consumo,consumidor e fornecedor, aplicando-os ao caso específico em comento. Por fim, concluiu-se pela existência da relação consumerista não somente entre os frequentadores e lojistas, mas também entre frequentadores e empreendedores de shopping centers.
PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor, Relação de Consumo, Shopping Center.
ABSTRACT This paper aims to study the relationship established between visitors and malls - understood and studied here in its entirety, covering both its tenants and entrepreneurs in the concept. The research was performed in order to establish a possible consumption relationship between the parties. Initially were presented comments about these establishments to have a better understanding of their reality, after the concepts regarding the consumption process were clarified, applying them to the specific case under discussion. At last, the existence of a relationship, not only between visitors and shopkeepers, became apparent, but it was also observed the existence of a link between the passersby (consumers and goers) and mall entrepreneurs.
KEYWORDS: Consumer Rights. Consumption Process. Mall.
Sumário: 1. Introdução. 2. Apontamentos acerca dos shopping centers. 3. Da relação de consumo. 3.1 Da aplicação do conceito de consumidor aos frequentadores de shopping centers. 3.2 Da aplicação do conceito de fornecedor aos shopping centers. 3.2.1 Da relação entre empreendedor e consumidor. 3.2.2 Da relação entre lojista e consumidor. 4. Considerações finais. 5 Referências.
1. Introdução
Este trabalho tem como objetivo principal o estudo das novas tendências de mercado
de viés concentrador, no modelo dos Shopping Centers, no que diz respeito aos diferentes
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
237
aspectos e efeitos que produzem no âmbito dos direitos e deveres das partes envolvidas,
buscando focar seus espectros mais relevantes na área das relações de consumo.
As características das relações estabelecidas entre aqueles que integram o complexo
que é o shopping center – empreendedores e lojistas – e os seus frequentadores configuram,
pois, o objeto deste texto.
Cuida-se, sobretudo, da problemática de incidência do Código de Defesa do
Consumidor (CDC) a elas. O debate traz à baila alguns aspectos relevantes a respeito dos
shopping centers – suas características marcantes, a interação existente entre empreendedores
e lojistas e a inovação que representou; as características essenciais de uma relação de
consumo e, por último, a discussão relativa a aplicabilidade dos conceitos de consumidor e de
fornecedor (CDC, artigos 2º e 3º) aos sujeitos dessa relação.
Assim, iniciando-se pelo conceito ou definição de shopping center, passa-se pelo
interessante tema das inovações contratuais trazidas por este novo e concentrado local de
compras, que vem ganhando cada vez mais espaço no mercado brasileiro, das relações de
consumo, bem como de seu objeto consumerista, do mercado de consumo e dos sujeitos dessa
relação para, em seguida, abordar o conceito de vulnerabilidade do destinatário final em face
da responsabilidade do fornecedor.
Mais voltado para o objeto do trabalho, cuida-se, então, do conceito de fornecedor
aplicável aos shopping centers, assim também da problemática das contraprestações a cargo
dele pelos benefícios e facilidades proporcionadas, como por exemplo, os estacionamentos.
A conclusão foca-se, mais, a partir das novas relações entre lojistas e consumidores
nestes complexos centros de compras, na tendência à efetiva aplicabilidade dos conceitos
consumeristas aos sujeitos dessa relação.
2. Apontamentos Acerca dos Shopping Centers
Iniciando seus estudos sobre shopping centers, Carlos Alberto Menezes Direito
destaca que o desenvolvimento do comércio nas sociedades sob o regime capitalista objetiva
sempre facilitar “a aquisição de bens e serviços, com os olhos postos no aumento da
circulação da riqueza e, com isso, evidentemente, na expansão do volume de venda ou de
prestação de serviços”1. Menezes Direito aponta que o fenômeno dos shopping centers deve
ser estudado sob esse enfoque.
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238
Esses atrativos centros surgiram na década de 50 do século XX, nos Estados Unidos,
após a Segunda Guerra Mundial2.
A ideia significou uma “verdadeira revolução tecnológica americana na área do
marketing”3, se difundiu pelo mundo e foi incorporada pelos brasileiros na década seguinte,
mais precisamente em 1966, com a inauguração do primeiro destes empreendimentos no país:
o Shopping Iguatemi de São Paulo, ainda hoje em funcionamento4. Apesar de na década de 60
já existirem alguns deles no Brasil, apenas na década de 80 se espalharam realmente por
aqui5.
Tais empreendimentos ganharam e continuam ganhando espaço no mercado
brasileiro pela sofisticação, praticidade e segurança que oferecem frente as outras opções –
tais como as lojas de rua ou galerias.
A maior associação do ramo no Brasil, a Associação Brasileira de Shopping Centers
(ABRASCE), foi criada em 1976 e hoje agrega mais da metade destes empreendimentos no
país6. A Associação define os seus afiliados nos seguintes termos:
“É um centro comercial planejado, sob administração única e centralizada, composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados de comércio, e que permaneçam, na sua maior parte, objeto de locação, ficando os locatários sujeitos a normas contratuais padronizadas que visam à conservação do equilíbrio da oferta e da funcionalidade, para assegurar, como objetivo básico, a convivência integrada e que varie o preço da locação, ao menos em parte, de acordo com o faturamento dos locatários – centro que ofereça aos usuários estacionamento permanente e tecnicamente bastante”.7
Defende Cristiano Chaves de Farias que os shopping centers são uma realidade
complexa e abrangente, que buscam primordialmente a captação facilitada de clientela8. E
para que o shopping obtenha o sucesso esperado nesta captação não basta ao empreendedor
escolher o local correto para sua implantação e o aspecto arquitetônico do edifício, mas que
também observe a destinação dos espaços – utilizando-se de técnica denominada de tenant
mix, “que consiste num agrupamento variado de diversos setores e ramos mercantis para
permanente atração da clientela”.9
Essa competição benéfica proporcionada pelo empreendedor por meio do tenant mix
favorece também o consumidor que por sua vez ganha tempo, porque num só lugar é capaz de
encontrar uma grande diversidade de lojas e ainda conferir a variação de preços nos bens e
serviços ali ofertados10. Caio Mário da Silva Pereira em estudo sobre o tema argumenta
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239
“O shopping não é uma loja qualquer; não é um conjunto de lojas dispostas num centro comercial qualquer; não se confunde com uma loja de departamentos (store magazine), já inteiramente implantada em nossas práticas mercantis há algumas dezenas de anos. Na sua aparência externa é um edifício de grandes proporções, composto de confortáveis salões para instalação de numerosas lojas, arranjadas com gosto e até com certo luxo, distribuídas ao longo de vários andares, selecionadas em razão de ordenamento espacial que atende a estudos destinados a distribuir os ramos de atividades segundo uma preferência técnica (mix), e levando em consideração que é necessário fixar a atenção dos consumidores sobre certas marcas ou denominações de maior atração (lojas-âncora). A situação topográfica é da maior relevância, porque pretende livrar a clientela dos inconvenientes impostos pela concentração urbana em bairros de elevado índice demográfico. Levando ainda em consideração que a freguesia mais numerosa é composta por pessoas de classe média, que usam para sua locomoção o carro unipessoal ou unifamiliar, o shopping tem de oferecer amplo estacionamento para veículos. Atendendo a que, além do cliente certo que vai à procura de determinado produto, o shopping não descura a clientela potencial, oferecendo atrativos (cinema, playground, rink de patinação, centro de diversões) distribuídos com tal arte que alia o centro comercial a local de lazer”.11
Outro aspecto relevante dos shopping centers diz respeito à inovação contratual
trazida por este novo local de compras.
Rubens Requião, citando Roberto Langoni, observa que os empreendedores de
shopping center, ao adotarem um esquema totalmente diverso do convencional de
remuneração de investimentos (aqueles com base na venda de imóveis ou aluguel pura e
simplesmente), estabelecendo uma relação direta entre sua rentabilidade e a rentabilidade das
atividades que ali irão se desenvolver, criou uma otimização do marketing em nível nunca
antes imaginado12, permitindo a exploração mais eficiente possível do mercado potencial13.
João Augusto Basilio, na mesma esteira, conclui que uma das maiores inovações que
esses empreendimentos trouxeram para o país foi a forma de contratar – onde o empreendedor
garante sua participação em parte do que faturam as lojas ali localizadas, permitindo assim
uma integração nunca antes desenvolvida no país, que deu base “à realização posterior de
ganhos de produtividade”14, da qual expressiva parcela é passada aos consumidores das mais
diversas formas, inclusive por meio de sorteios de prêmios, etc.
Discutem largamente os doutrinadores brasileiros15 sobre qual seria a natureza dos
contratos estabelecidos entre lojistas e empreendedores e das relações que se estabelecem
entre os shopping centers e os seus lojistas.
Para o estudo que se deseja realizar, entretanto, tal discussão se apresenta
demasiadamente profunda e desnecessária, motivo pelo qual se optou pela não abordagem do
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
240
tema. Ladislau Karpat defende que o interessante a ser estudado não são as formas de
constituição da figura jurídica que é o shopping center, mas sim a série de responsabilidades
geradas entre àqueles o que integram e seus frequentadores16 e é nesta linha de pensamento
que este estudo prosseguirá.
Os elementos agregados aos shopping tais como segurança, estacionamento fácil, a
ampla gama de produtos e serviços oferecidos, além do horário de funcionamento dilatado,
facilitaram e trouxeram comodidade aos consumidores.
Gonzalez lembra que, enquanto consumidores, todos já passaram por situações
desagradáveis ao fazer compras nas lojas de rua da cidade: cansativas caminhadas, tempo
valioso perdido em busca de uma vaga, a tensão de assaltos, além do “restrito” horário de
funcionamento do comércio que praticamente coincide com o horário de trabalho17.
Sem dúvida, afirma Cristiano Chaves de Farias, os shopping centers transmitem um
convite aberto e massificado para que o consumidor se sinta mais seguro e confortável
realizando suas compras. Vende-se facilidade, conforto e segurança19. Nesse mesmo
sentidoDinah Pinto ressalta que o conforto com que se brinda o frequentador permite que se
transforme o ato de fazer compras num prazer20.
Não descuide-se de observar, no entanto, que nenhuma dessas comodidades é
ofertada por altruísmo, como mera cortesia ou despropositadamente. Tudo que é oferecido
nestes centros de entretenimento é estudado e implantado com a finalidade de atrair maior
clientela e, assim, auferir maiores vantagens econômicas.
Levando em consideração o que fora argumentado, fácil é a constatação de que os
shopping centers ganharam espaço no mercado brasileiro não apenas pela comodidade de
encontrar de tudo, ou quase tudo, que se procura num mesmo lugar, mas, além disso, também
é possível concluir que a preferência dada a estes estabelecimentos em detrimento dos outros
se dá, primordialmente, pelas facilidades ofertadas, em especial a segurança e o lazer
proporcionados nestes espaços.
3. Da Relação de Consumo
Antes de adentrar a principal análise deste trabalho – qual seja, o estabelecimento (ou
não) da relação de consumo entre shopping centers e frequentadores; mister que se faça um
brevíssimo estudo da relação de consumo em si.
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241
Sendo fruto de expressa determinação constitucional21, o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) surgiu com o intuito de regular as relações de consumo, reequilibrando as
forças dos contratantes, assegurando ao consumidor e ao fornecedor direitos e deveres, com o
fim de prevenção de eventuais danos e reparação dos que efetivamente ocorressem.
Como bem salientam Pablo Malheiros da Cunha Frota e Marcos Catalan, o CDC não
define o que seja uma relação de consumo22, e não despropositadamente, mas com o intuito
de dar cobertura ao maior número de situações possível.
O legislador preocupou-se, no entendimento de Roberto Senise Lisboa, tão somente
em delimitar a aplicação deste microssistema jurídico ao vínculo no qual se encontram
presentes os elementos da relação23.
Cláudia Lima Marques defende que por força do art. 1º do CDC24, este se aplica
somente aos contratos onde está presente um consumidor defronte a um fornecedor de bens
ou serviços25. É certo, contudo, que a relação de consumo não se esgota apenas em seus
sujeitos – fornecedor e consumidor.
Seguindo os ensinamentos de Ricardo Lorenzetti e de Antonio Carlos Morato, Frota
e Catalan indicam os elementos da relação de consumo, a serem considerados quando da
análise de um caso concreto
“(a) sujeitos (consumidores e fornecedores); (b) objeto (atividade de fornecimento de bens e/ou serviços); (c) causa (a finalidade de utilização do bem e/ou serviço como destinatário final); (d) vínculo acobertado pelo direito; (e) função (socioambiental do bem e/ou serviço fornecido e utilizado pelos citados sujeitos); (f) mercado de consumo (sem o qual não haverá incidência do CDC, mesmo havendo a presença dos outros elementos).” 26
Considerem-se, então, estes aspectos para análise que se pretende realizar. Ressalte-
se desde já que os sujeitos da relação serão pormenorizadamente estudados adiante.
O objeto de uma relação jurídica consumerista é a atividade exercida pelo
fornecedor, que consubstancia-se numa série de atos que são praticados de forma organizada
para a finalidade de produzir ou circular bens ou serviços27, ou seja, é o próprio fornecimento
de produtos e/ou serviços28, (CDC, art. 3º). Roberto Senise Lisboa subdivide o objeto da
relação em imediato e mediato. O objeto imediato da relação jurídica seria o ato ou negócio
jurídico em si; e o mediato o bem da vida – sendo ele corpóreo ou incorpóreo, móvel ou
imóvel, que o sujeito de direito deseja perceber por meio da realização do negócio jurídico
(objeto imediato), impulsionado pelo “sentimento próprio de necessidade ou utilidade da
coisa”29.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
242
A causa, no entendimento do retrocitado autor, é a finalidade de utilização dos bens
e serviços, é o objetivo, o fim, a razão30 pela qual os sujeitos de direito se vinculam em dada
relação jurídica.
E este vínculo jurídico, dotado de características próprias, denomina-se relação de
consumo31. Os vínculos podem advir do contrato social, do contrato e extracontratualmente –
distinção esta que no fim das contas, segundo Frota e Catalan, não tem relevância jurídica,
pois que não são diferidos os direitos e os deveres do consumidor ou do fornecedor devido às
circunstâncias em que foram gerados32. Nesse sentido, Roberto Senise Lisboa afirma ser
dispensável a classificação por se aplicar a legislação em razão da existência de uma relação e
não por causa da espécie de negócio jurídico firmado entre as partes33.
Catalan e Frota ainda dão destaque à questão do respeito à função socioambiental da
relação jurídica estabelecida, à medida que os sujeitos fomentarão “interesses individuais,
sociais, econômicos e ambientais no momento em que entabulam uma relação de consumo
e/ou na fase em que se ofertam os bens e os serviços no mercado consumerista.”34
E por fim, deve-se levar em consideração para a possível caracterização de uma
relação consumerista o mercado de consumo: é neste ambiente que se dá a movimentação dos
elementos supracitados, que resultam no consumo35. Apesar da conceituação deste ambiente
não ser pacífica na doutrina e nem clara no CDC, Newton de Lucca informa de forma simples
que seria ele um encadeamento de relações de fornecimento tanto de bens quanto de serviços,
realizadas por diversos agentes econômicos36. Por fim, destaque-se que como salientado por
Frota e Catalan, fora dele, mesmo incidindo todos os outros elementos citados, inexistirá
relação de consumo.
A seguir, analisam-se os sujeitos dessa relação.
3.1 Da Aplicação do Conceito de Consumidor aos Frequentadores de Shopping Centers
O ponto de partida adotado neste trabalho para análise da relação jurídica é o
conceito do sujeito consumidor, onde o campo de discussão é intenso, pois que guarda
imensa relevância acadêmica e prática, por ser o delimitador do campo de incidência da
legislação consumerista37.
Considerado a parte vulnerável e/ou hipossuficiente, o consumidor constitui o pólo
mais fraco da relação38, merecendo por este motivo a tutela legislativa do CDC.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
243
Cláudia Lima Marques, lembrando o que leciona Amaral Júnior, defende ser o
consumidor vulnerável por não dispor dos conhecimentos necessários à elaboração dos
produtos e à prestação dos serviços postos no mercado de consumo. Em razão disso, o
consumidor não tem, portanto, condições de avaliar com correctibilidade o grau de perfeição
dos produtos e serviços prestados39.
Explica ainda a autora que em sua compreensão o consumidor padece de quatro
tipos de vulnerabilidade: “a técnica, a jurídica, a fática e a informacional”40.
Na vulnerabilidade técnica, ensina a autora, o comprador desconhece as
especificidades do objeto que está tomando para si e, portanto, é mais facilmente ludibriado a
respeito das características do bem ou serviço, ou mesmo quanto à sua serventia41. A
doutrinadora ainda leciona ser ela presumida no sistema do CDC para o consumidor não
profissional, mas também em alguns casos podendo atingir mesmo o profissional, destinatário
final de fato do objeto da relação.
Já a vulnerabilidade jurídica ou científica constitui a falta de conhecimentos
“jurídicos específicos, conhecimentos de contabilidade ou de economia”42. Esta
vulnerabilidade, no sistema do CDC, é presumida para o consumidor não profissional, e para
o consumidor pessoa humana.
A vulnerabilidade fática ou socio-econômica é aquela em que se destaca a posição do
fornecedor em relação ao consumidor. A vulnerabilidade é aqui vislumbrada em razão da
superioridade com que se impõe o fornecedor frente aqueles que com ele se relacionam – seja
por sua posição de monopólio, tanto fático quanto jurídico, seja pelo poder econômico que
detém ou pela essencialidade dos serviços que prestam.43
Por fim, define a autora que a vulnerabilidade informacional seria aquela inerente à
relação consumerista, pois compreende-se que os fornecedores são os únicos detentores das
verdadeiras informações dos produtos ou serviços por eles fornecidos no mercado de
consumo44.
Frota e Catalan destacam que o aparecimento de qualquer uma das vulnerabilidades
num caso concreto, acompanhado das demais exigências, determinará que a relação
entabulada é de consumo45.
A hipossuficiência se relaciona com características intrínsecas do consumidor no que
diz respeito a sua posição econômica e social, e diferentemente da vulnerabilidade, não é
presumida. Mas quando provada gera como prerrogativa a inversão do ônus da prova46. Paulo
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
244
R. Roque A. Khouri afirma que os dois conceitos não se confundem. "Enquanto esta
[hipossuficiência] é um traço marcante e individual de alguns consumidores, particularmente
considerados, aquela [vulnerabilidade] é regra geral e engloba todos os consumidores
indistintamente.”47
Neste sentido, citando Arruda Alvim, Paulo R. Roque A. Khouri diz ser a
vulnerabilidade “um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou
ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns – até
mesmo a uma coletividade, mas nunca a todos os consumidores”48. Resume, então, a questão
afirmando que a vulnerabilidade refere-se ao direito material do consumidor enquanto a
hipossuficiência tem ligação com o direito processual49.
Posto isso, inicia-se a análise dos conceitos de consumidor. O texto do CDC abarcou
dois tipos de consumidores: (a) os consumidores strictu sensu ou consumidores padrão (art.
2º, cabeça); e (b) os agentes equiparados a consumidor “para fins de tutela protetiva”50 ou
também chamados consumidores lato sensu (art. 2º, parágrafo único; art. 17 e art. 29).
O caput do art. 2º do CDC informa que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica
que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O consumidor strictu
sensu é aquele que é o elo final da cadeia produtiva51, aquele que põe fim a ela.
Tão amplo é este conceito jurídico de consumidor que a legislação protetora de
consumo alcança qualquer pessoa, inclusive a pessoa jurídica, os entes despersonalizados e o
nascituro – claro, desde que destinatários finais do produto ou serviço.52
Mas para a completa compreensão deste termo é necessário indagar: quem pode ser
considerado destinatário final?
A expressão inspirou muitas ideias na doutrina, daí surgindo sete teorias
interpretativas: “(i) mercados; (ii) segmento econômico; (iii) insumo jurídico; (iv) fundo de
comércio; (v) maximalista ou objetiva; (vi) finalista ou subjetiva; (vii) finalista aprofundada;
(viii) causa final”53.
Destas oito, três tiveram (e têm) maior destaque: (a) maximalista ou objetiva; (b)
finalista ou subjetiva; e (c) finalista aprofundada; sendo as outras, muitas vezes, simplesmente
suprimidas do debate doutrinário.
A teoria maximalista, como o próprio nome sugere, define que o destinatário final é
todo aquele que adquire ou utiliza bens e serviços (destinatário fático, portanto)54, vez que
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
245
enxergam o CDC como um regramento geral de todas as interações ocorridas no mercado
consumo e não somente uma norma protetiva do consumidor não profissional55.
Realçam Pablo Malheiros da Cunha Frota e Marcos Catalan o aspecto de não haver
qualquer preocupação para essa corrente em qualificar o destinatário final ou com a
destinação dada ao bem ou serviço que se consome56. Explicam os autores que a única
barreira colocada é que o valor de troca do bem ou serviço deve ser exterminado, sendo
vedada a “reinserção ou reincorporação no mercado ou em outro bem e/ou serviço”57.
Em sentido adverso, os que defendem a teoria finalista entendem que a expressão
destinatário final deve ser restritamente interpretada, para que sejam tutelados os direitos de
quem realmente necessita58, sob pena de banalizar a aplicação do CDC. Ou seja, para os
adeptos desta teoria, consumidor é somente aquele que, para uso próprio ou familiar, obtém
bem ou serviço sem profissionalidade, pois que a finalidade do CDC seria proteger
especialmente determinado grupo de pessoas mais vulneráveis59. Para a corrente finalista,
para ser considerado consumidor o sujeito deve ser, além de destinatário fático do produto ou
serviço, ser também o destinatário econômico dele60.
Catalan e Frota manifestam a influência dessa teoria quando apontam que a maioria
da doutrina a acompanha, mas evidenciam um ponto importantíssimo de que se olvidam os
finalistas: a vulnerabilidade. Coloca-se em primeiro lugar a utilização do bem ou do serviço
para eventual caracterização de quem é consumidor e descarta-se a qualidade intrínseca de
todos eles que é a vulnerabilidade61.
Cláudia Lima Marques explica que a partir de 2003, com a entrada em vigor do novo
Código Civil, a teoria finalista começou a ser aplicada de forma mais razoável e prudente
pelos julgadores, em especial pelo STJ62. Sendo a primeira considerada desmedidamente
ampla e a segunda extremamente restritiva, a doutrina e a jurisprudência caminharam para um
abrandamento da teoria finalista, que recebeu o nome de finalista aprofundada.
Essa mudança na interpretação teórica do conceito de consumidor tem por objetivo,
nos dizeres de Marcos Catalan e Pablo Malheiros da Cunha Frota, assentar meios de
identificação mais precisos para a distinção da vulnerabilidade e do consumidor final
imediato, haja vista a necessidade de ampliação conceitual para as outras circunstâncias
previstas na legislação consumerista, podendo ser indicados, entre eles
“ (a) a extensão do sentido de consumidor prevista no CDC é medida excepcional; (b) é imprescindível que se caracterize a vulnerabilidade da
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
246
parte no caso concreto, para que haja a equiparação de sentido e legal, mormente nos casos de pessoa jurídica empresária de porte financeiro”63.
Para teoria mencionada o principal critério de decisão a respeito da aplicabilidade ou
não da legislação consumerista é a constatação da vulnerabilidade concreta, não somente
abstrata.64
As teorias acima conceituadas parecem não dar ao consumidor a definição mais
adequada, deixando de fora da tutela legislativa verdadeiros consumidores. Sugerem Pablo
Malheiros da Cunha Frota e Marcos Catalan, então, uma nova teoria, denominada teoria
conglobante. Nesta nova concepção proposta
“Para ser considerada consumidora, a pessoa humana, a pessoa jurídica nacional ou estrangeira, pública ou privada, simples ou empresária, o ente despersonalizado e o nascituro devem conglobar, a partir do caso concreto: a aquisição ou a utilização de um bem e/ou serviço sem profissionalidade, mesmo que seja na atividade em que atuam, sem repassar o custo – diretamente – para o preço de sua atividade profissional (ou não) e sem utilizá-los para continuar o ciclo produtivo, mas sim de modo definitivo e colocando fim na cadeia econômica”.
A característica essencial desta teoria é o olhar sobre a vulnerabilidade do
consumidor frente ao fornecedor, não fazendo distinção entre pessoa humana ou jurídica, ou
se a pessoa jurídica tem (ou não) aporte econômico vultuoso, ou mesmo se as partes são
profissionais da mesma área. Para a concretização dessa conceituação os únicos obstáculos
opostos são (a) impossibilidade do bem ou do serviço ser incorporado ao processo produtivo
da atividade exercida pelo consumidor, (b) o descumprimento da função socioambiental e (c)
a ausência de vulnerabilidade entre as partes65.
O que interessa à teoria conglobante é a aferição no caso concreto de algum tipo de
vulnerabilidade “abstrata ou concreta” por parte do sujeito que consome, considerando-se
todos os já citados elementos da relação de consumo bem como os princípios e os valores que
regem a relação de consumo.
Apesar de muitas vezes o resultado final da análise do caso ser o mesmo que o da
teoria maximalista, fundamentam-se as teorias em premissas completamente distintas.
É evidente que in casu pretende-se estudar a relação que mais comumente ocorre nos
shopping centers: pessoas humanas, jurídicas ou coletivas buscando bens e serviços, além de
lazer e alimentação que lhe são proporcionados por meio daqueles.
É tranquila, portanto, a caracterização dessas pessoas como consumidoras quando
adquirem e usam bens e serviços postos no mercado de consumo. Primeiramente porque
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247
cumprem requisito primordial para configuração de uma relação de consumo – o de haver
fornecedor frente a consumidor; depois porque os outros elementos também estão presentes –
tais como o objeto da relação, o vínculo, o mercado... facilmente perceptíveis.
Como já explicitado, o conceito de consumidor não se encerra no caput do
retrocitado artigo. Tratou ainda o CDC dos chamados “consumidores lato sensu” – que são
pessoas que não participam diretamente da relação de consumo, mas que de certa forma nela
interferem. São três as figuras de consumidor por equiparação, a seguir aprofundadas.
O art. 2º, parágrafo único do CDC informa que “equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de
consumo”.66
Tratou o Código, então, no entendimento de Zelmo Denari, não somente daqueles
que são típicos consumidores finais e adquiriram produtos ou serviços, mas também daqueles
que potencialmente poderiam vir a adquiri-los67.
Citando o professor Waldírio Bulgarelli, Zelmo Denari afirma que o consumidor
aqui pode ser considerado “aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir,
estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem dúvida, porém a que se
deve dar uma valoração jurídica, a fim de protegê-lo, quer evitando, quer reparando os danos
sofridos”68.
Vislumbra-se claramente, de acordo com este dispositivo e a argumentação dos
autores, que as pessoas que transitam pelos shopping centers podem ser consideradas
consumidoras pela simples potencialidade de aquisição de produtos ou utilização dos serviços
ali disponibilizados.
Em seguida, o art. 17 do diploma citado complementa a figura dos antes chamados
“terceiros”, agora bystanders, na Seção II69 do Capítulo IV, ao definir que “Para efeitos dessa
Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.
O dispositivo estabelece a responsabilidade do fornecedor de reparar os danos
materiais e extramateriais sofridos pelos consumidores nos chamados “acidentes de consumo”
– que ocorrem quando produtos e serviços não oferecem a segurança que deles legitimamente
se espera.
Sustenta Leonardo Roscoe Bessa que no art. 17 do CDC a lei não se ocupa com “a
identificação do elemento subjetivo da relação jurídica”, mas sim com o “alto caráter ofensivo
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
248
e danoso da atividade (risco)”71. E, nesse sentido, entende o autor que, pelos termos do art. 17
do CDC, mesmo que alguém não tenha qualquer relação contratual anterior com determinado
fornecedor, poderá invocar, a seu favor, as normas da citada seção72.
No mesmo diapasão, Sérgio Cavalieri Filho explica que o embasamento da
responsabilidade “deixa de ser a relação contratual para se materializar em função da
existência de um outro tipo de vínculo: o produto defeituoso lançado no mercado e que, numa
relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente[...]”73.
Anote-se a observação feita por Paulo R. Roque A. Khouri
“Ao equiparar toda e qualquer vítima do acidente de consumo a consumidor, fez avançar consideravelmente o ordenamento jurídico brasileiro, criando uma outra espécie de relação obrigacional, que não nasce do contrato nem do ato ilícito, mas pelo simples fato de um produto ou serviço, ainda que sem culpa do fabricante, ou seja, por um ato lícito, causar danos a terceiros não consumidores stricto sensu”.74
Cláudia Lima Marques ainda reforça o entendimento elucidando que “basta ser
vítima de um produto ou serviço para ser privilegiado com a posição de consumidor
legalmente protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva” 75 pelo fato do produto ou
do serviço.
Posto isso, é de se concluir que com este artigo o Código de Defesa do Consumidor
expandiu a sua abrangência àqueles não participam diretamente ou ativamente da relação
negocial, possibilitando àqueles consumidores não contratantes prejudicados por defeitos nos
bens ou serviços demandarem o fornecedor diretamente, independentemente de qualquer
conduta culposa por parte deste.76
A título de exemplo, relembra-se o famoso caso da explosão no Osasco Plaza
Shopping77. Na ocasião, houve um vazamento de gás por falta de manutenção das tubulações
que abasteciam a praça de alimentação do shopping e estima-se que cerca de 350 (trezentos e
cinquenta) pessoas tenham sido vítimas deste evento, sendo mais de 40 (quarenta) delas
fatais.
Todos aqueles que estavam transitando pelo shopping foram equiparados e
considerados consumidores para os efeitos da lei, permitindo, dessa forma, que o shopping
fosse demandado em juízo com o fim de compensar os danos, tanto extra quanto materiais,
sofridos pelas vítimas e seus familiares.78
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
249
Há ainda a figura do art. 29 do CDC, definido por Cláudia Lima Marques como “a
mais importante norma extensiva do campo de aplicação da nova lei”79. Diz o art. 29 “Para os
fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.
Essa norma permite que todas as pessoas, determináveis (ou não), expostas a práticas
abusivas dos fornecedores sejam protegidas pelo CDC. Sobre o tema, citando Maria
Antonieta Zanardo Donato, Cláudia Lima Marques ensina
"O art. 29, como já mencionado, possui uma abrangência subjetiva bem mais extensa e ampla, bastando, para nessa categoria subsumir-se, a simples exposição do consumidor àquelas práticas. Prescinde-se, pois, da efetiva participação da pessoa na relação de consumo (art. 2.º) ou de ter sido atingida pelo evento danoso (art. 17). Mostra-se suficiente estar exposto a essas práticas para receber-se a tutela outorgada."80
De acordo com esse entendimento, a Ministra do Superior Tribunal de Justica, Nancy
Andrighi,
“Nesse contexto, deve, também, ser enfocada a responsabilidade civil derivada de falha na publicidade veiculada. Se a publicidade sobre os níveis de segurança existentes, como veiculada pelos hipermercados e shoppings centers, funciona como fator de captação de clientela, constituindo fonte de lucro indireto, cumpre ao fornecedor, então, prover a 'segurança' adequada, como 'promete' na publicidade que veicula. Ocorrida a falha na segurança do hipermercado, com o conseqüente dano para o consumidor ou sua família, a responsabilização do fornecedor se impõe, não obstante amiúde em muitos julgados se afaste o dever de indenização fundado nas hipóteses em que a mercancia não tenha qualquer relação, isto é, conexão com o fornecimento de serviços de guarda e segurança”.
Compreende-se, portanto, que os frequentadores de shopping center, quando
atingidos pelas práticas que o art. 29 condena, são considerados consumidores para fins de
tutela legal.
Cláudia Lima Marques conclui que o resultado dessa expansão do conceito de
consumidor pelo CDC resultou na superação da figura do terceiro81. E ainda a respeito do
conceito de consumidor estabelecido na legislação consumerista, resume
[No campo contratual] “... O CDC utiliza-se de uma técnica multiplicadora do seu campo de aplicação, qual seja a de dividir os indivíduos entre consumidores (art. 2º, caput) e pessoas equiparadas a consumidor (parágrafo único do art. 2º). No campo extracontratual, o CDC considera suas normas aplicáveis a ‘todas as vítimas do evento danoso’ causado por um produto ou serviço, segundo dispõe o seu art. 17. As vítimas não são, ou não necessitam ser consumidores strictu sensu, mas a elas é aplicada a tutela especial do CDC por determinação legal do art. 17, que as equipara a consumidores.”82
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250
Por toda a exposição de motivos realizada aqui se conclui que, para o CDC,
consumidor não é somente aquele que de fato adquire produtos e serviços – como aquele
sujeito que vai ao shopping center e adquire determinado produto ou utiliza de determinado
serviço ofertado – como, por exemplo, o serviço de segurança.
Mas, por expressa disposição legal, são equiparados a ele, recebendo toda a tutela da
legislação consumerista, aqueles que potencialmente podem agir como consumidores – como,
por exemplo, os mesmos frequentadores de shopping center; aqueles efetivamente atingidos
pelo evento danoso decorrente do fornecimento do produto ou da prestação de serviços – por
exemplo no caso defeito na escada rolante que provoca a queda de uma criança, ou mesmo
um tiroteio que aconteça dentro do estabelecimento; além dos que foram expostos a praticas
comerciais abusivas – perfeitamente cabível também ao caso, a medida que qualquer pessoa
pode ser atingida por publicidade enganosa ou abusiva nestes centros de entretenimento.
3.2 Da Aplicação do Conceito de Fornecedor aos Shopping Centers
Parte-se agora à análise do outro pólo da relação consumerista. O fornecedor será aqui
análisado com enfoque nas relações que se pretende estudar: primeiramente a relação entre
empreendedor e frequentador consumidor será elucidada, em segundo momento a relação
entre lojista e frequentador consumidor será esmiuçada.
3.2.1 Da relação entre empreendedor e consumidor
Seguindo o entendimento de João Augusto Basilio83, para se firmar a pretendida
relação de consumo entre o shopping center e os seus frequentadores, “a primeira indagação
que se deve fazer é se o empreendedor pode ser considerado um fornecedor de serviço”. O art.
3º do Código de Defesa do Consumidor traz a definição de fornecedor,
“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.84
Agostinho Oli Koppe Pereira afirma que quando o CDC elencou as atividades
possíveis para o fornecedor o fez apenas a título de exemplo, certo que a intenção da lei
consumerista é estender o máximo possível os casos de incidência da imputação de
responsabilidade pelos danos possivelmente causados85.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
251
Fornecedor, para Paulo R. Roque A. Khouri, é aquele que oferece ao mercado com
habitualidade bens e serviços visando ao lucro, participando da cadeia produtiva ou
praticando alguns atos dentro dela, seja produzindo diretamente, distribuindo ou
simplesmente intermediando o fornecimento de bens e serviços86.
Rizzatto Nunes, em entendimento elucidado por Pablo Malheiros da Cunha Frota e
por Marcos Catalan, informa que não interessa a habitualidade típica ou eventual da atividade
para configuração como de fornecimento de bens ou serviços, mas que seja caracterizada
como atividade empresária87.
Destacam também Frota e Catalan a doutrina de Newton de Lucca, onde este afirma
existirem duas categorias de fornecedor – o fornecedor imediato e o mediato. De acordo com
o entendimento dos autores, o fornecedor imediato é aquele com quem o consumidor tem
contato direto (ou seja, é o que comercializa o produto ou serviço, mesmo que por meio de
seus prepostos, mandatários ou empregados). E o mediato é aquele que integra o ciclo de
produção do objeto da relação jurídica, mas que não celebrou efetivamente o contrato com o
consumidor88.
Ainda sobre o entendimento de Newton de Lucca, ressaltam os supracitados autores
que não instiga a formação de relação de consumo a atividade episódica praticada por
determinada pessoa89 e que a atividade empresarial e profissional habitualmente exercida é
configurada como fornecimento no mercado consumerista. Quando, no entanto, o agente não
for profissional, será um fornecedor por equiparação.90
Mas para a completa compreensão do termo fornecedor, faz-se necessário
questionar: o que pode ser considerado serviço? Vejamos o parágrafo 2º do já citado artigo:
“§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”
Roberto Senise Lisboa91 afirma que o legislador ao elaborar o Código de Defesa do
Consumidor procurou relacionar a idéia de ‘produto’ à ‘bem’, e de ‘serviço’ à ‘atividade’.
José Geraldo Brito Filomeno, citando Philip Kotler, esclarece dizendo que serviços
podem ser considerados “atividades, benefícios e satisfações que são oferecidos à venda”92.
Destaque-se, no entanto, que muitas vezes a atividade prepondera sobre os outros
elementos da relação de consumo! Este é o entendimento de Pablo Malheiros da Cunha Frota
e Marcos Catalan para as seguintes situações, litteris
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
252
“(a) nos casos de pessoas atingidas por uma atividade desenvolvida no mercado de consumo e que possuem a tutela protetiva da relação consumerista (CDC, arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29); (b) nas hipóteses de atividades abarcadas pelo CDC (bancos de dados, e cadastros de consumo, publicidade, cobrança de dívidas, mútuo feneratício etc.); (c) nos casos de fornecedores por equiparação”.93
Acerca da contraprestação a ser paga pelo consumidor, Basílio afirma que em
conformidade com a interpretação que vem sendo dada pela doutrina a respeito da exigência
remuneratória imposta pela lei, tem se compreendido poder ser ela tanto direta quanto
indireta, sem que se anule o caráter da relação de consumo a carência de contraprestação
imediata paga por quem consome – sendo suficiente que o prestador de serviço seja de
alguma forma remunerado, ainda que indiretamente.94
Sobre o tema, trazendo a discussão para os shopping centers, discorre Paulo R.
Roque A. Khouri afirmando ser típica situação de contraprestação indireta a do
estacionamento de shopping centers e supermercados, que aparentemente são fornecidos de
forma graciosa. É de se notar, no entanto, que a atividade de fornecimento de estacionamento
é de importância fundamental para sua atividade-fim, pois que é importante atrativo de
clientela a facilidade e segurança ao estacionar. Informa o autor que o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) já decidiu pela existência da relação de consumo apesar da aparente gratuidade
devendo o fornecedor compensar os danos a que venham a ser submetidos os veículos dos
consumidores95.
No mesmo sentido, Yussef Said Cahali defende que oferecimento de espaço
reservado para estacionamento de veículos, a que se propõe o shopping center não pode ser
entendido de forma alguma como ‘mera cortesia’, sendo esta, sim, uma prestação de serviço
atrelada à sua atividade, visando a captação de clientela – dado que a comodidade é oferecida
como importantíssimo atrativo, “com natural repasse dos encargos de sua manutenção nos
custos operacionais ou nos preços de seus produtos”96. Esse argumento, segundo o autor, mais
se fortalece quando relembra-se que, como mencionado no início da pesquisa, o serviço
ofertado é parte integrante do conceito do empreendimento97.
A respeito ainda da remuneração indireta recebida pelos shopping centers, poder-se-
ia ir além. Situação típica que ocorre nestes estabelecimentos é a daqueles que o adentram à
procura de entretenimento, sendo um dos serviços mais procurados o do Cinema. A respeito
da relação estabelecida entre frequentadores, Cinema e shopping center, pode-se dizer que
sendo o Shopping Center remunerado pelo Cinema através do que este paga sobre seu
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
253
faturamento àquele, recebe o shopping indiretamente uma remuneração por parte do
consumidor, tornando-se parte da cadeia de fornecimento do serviço, configurando-se a
relação de consumo, então, não somente entre frequentadores e Cinema, mas também entre
frequentadores e empreendedores. Mas não apenas por isso.
Em havendo caracterização de prestação de serviços dos shopping centers pelo
oferecimento de estacionamento – como sustentada pelos autores citados e pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) em seus diversos julgados a respeito do tema98, inclusive havendo
enunciado de súmula consolidando o entendimento99; é plausível concluir que haja também
responsabilidade pela prestação do serviço de segurança – primordialmente por ser este um de
seus chamarizes mais atrativos100.
Segurança esta que dele legitimamente se espera, dado que é um dever do fornecedor
de serviços, consoante o que se infere do disposto no CDC101, zelar pela incolumidade
psicofísica de seus consumidores, preservando-lhes a saúde e a segurança.
Corroborando com essa argumentação, observe-se este trecho do voto do Relator
Pedro Baccarat, à época Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento
da Apelação de n. 0091332-49.2003.8.26.0000, da Comarca de Osasco, que julgou demanda
proposta por uma das vítimas da explosão ocorrida no Osaco Plaza Shopping:
“A Apelante sustenta, em síntese, que não presta serviços aos usuários do ‘Shopping Center’, mas aos lojistas que são seus locatários, sugerindo que sua atividade está limitada a locação de lojas. As administradoras de centros de compras são efetivamente locadoras dos espaços destinados à instalação das lojas, mas as relações existentes que decorrem da exploração dos shopping centers são mais complexas e vão muito além da singela locação de um imóvel. Aos administradores cumpre, agindo em parceria com os clubes de lojistas, implementar estratégias comerciais dirigidas a atrair o maior número de consumidores possível, de sorte a aumentar o faturamento das lojas e, por conseguinte, o seu próprio ganho, porque a este faturamento estão atrelados os aluguéis. Esta atuação envolve toda a organização do espaço de compras oferecido aos consumidores, assim, compreendidos os serviços de segurança, a limpeza das áreas de uso comum, merecendo destaque no caso, o dever de manter adequadamente a edificação e seus equipamentos, de sorte que não venham a causar danos aos freqüentadores. Há, portanto, atividade de fornecimento de serviços aos consumidores pelas administradoras dos centros de compras.
E estão compreendidos na categoria de consumidores todos os que, em razão de qualquer atividade exercida regularmente no centro de compras, fazem uso de suas instalações cuja manutenção e segurança configuram, como anotado, efetiva prestação do serviço. A relação de consumo bem reconhecida pela sentença de primeiro grau é suficiente para fixar a responsabilidade independentemente da existência de culpa, consoante expressamente dispõe o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.”
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
254
Em posterior reanálise do caso103, o Ministro Menezes Direito observou em seu voto-
vista que sem qualquer margem para dúvidas, o shopping center constitui uma unidade de
serviços, isto é, uma entidade, uma pessoa jurídica fornecedora de serviços ao público
frequentador104.
Nessa esteira, argui o Ministro que o serviço que presta o shopping center está
consubstanciado nas opções de compras e lazer ofertadas aqueles que o frequentam, que,
nesse sentido, assumem o caráter de consumidores dos tais serviços105. Mas as relações que se
estabelecem entre essas partes não são as únicas possíveis, conforme evidencia Menezes
Direito, pois que aquele consumidor-frequentador, além daquela firma mais outra com as
lojas e serviços que são prestados no seu interior106. Firmando neste sentido o seu
entendimento, conclui o ministro
“Há, portanto, na minha compreensão, uma relação de consumo, na modalidade de serviço, entre o freqüentador do shopping e a entidade jurídica respectiva e uma relação de consumo entre esse mesmo freqüentador e as entidades jurídicas que se encontram reunidas naquele espaço determinado. Não há como aceitar que exista, apenas, relação jurídica entre o shopping center e as empresas instaladas dentro dele. Negar a relação jurídica do shopping center, como unidade de serviços, e os freqüentadores é negar a realidade”107
Por toda a argumentação apresentada entende-se que o empreendedor de shopping
center pode, sim, ser considerado fornecedor de serviços em diversas situações (pelo
estacionamento ofertado, a oferta de alternativas de compra, de lazer, de segurança, entre
outras) e responsabilizado pelos acidentes de consumo ocorridos no interior de seus
empreendimentos.
3.2.2 Da relação entre lojista e consumidor
Um típico caso de relação estabelecida entre shopping centers e frequentadores é a
daqueles que adquirem ingressos para assistir a filmes e o Cinema que presta este serviço.
De acordo com o que foi exposto, enquadram-se no conceito de fornecedor ou
prestador de serviços aqueles que habitual e profissionalmente oferecem ao mercado
“atividades, benefícios e satisfações”109 visando ao lucro.
Fazendo uma análise da atividade de um Cinema observa-se que ele coloca à
disposição da população, com habitualidade, com profissionalidade, mediante remuneração,
no mercado de consumo, o serviço de projeção de filmes para entretenimento do público em
geral.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
255
Desta brevíssima análise é possível se depreender que o Cinema claramente preenche
os requisitos postos no conceito de fornecedor de serviços, caracterizando-se como tal.
Lembrando que Cláudia Lima Marques110 ensina que o Código de Defesa do
Consumidor impõe, pelo seu art. 1º, que só haverá uma relação de consumo quando presentes
um fornecedor frente a um consumidor, analisa-se agora o outro pólo da relação.
Consumidor, de acordo com o já citado art. 2º do CDC, é todo aquele que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final. Ora, aquele que adquire ingresso para
assistir a determinado filme em sala disponibilizada pelo Cinema é um consumidor, dado que
adquire o ingresso com a finalidade específica de utilizar-se do serviço prestado no mercado
de consumo, estabelecendo-se, claramente, uma vinculação jurídica entre eles.
É translucida, portanto, a relação de consumo existente entre o lojista (no caso, o
Cinema) e o adquirente de produto ou serviço por ele oferecido.
4. Considerações Finais
Inicialmente este estudo elucidou algumas das características básicas dos shopping
centers – enfatizando que estes nasceram com o intuito de facilitar a aquisição de bens e
serviços, significando verdadeira revolução na área do marketing e também da remuneração
de investimentos, além de se destacar que tudo que está ali presente tem a intenção de atrair
maior clientela e assim aumentar sua lucratividade.
Em seguida foram expostos os elementos de uma relação de consumo, examinou-se à
minúcia os sujeitos desta, com o intuito de verificar se cabível a aplicação deles aos
empreendedores, lojistas e frequentadores de shopping centers.
Após esta análise compreendeu-se que claramente possível enquadrar como
consumidoras as pessoas que adentram os shopping e adquirem bens ou utilizam-se de
serviços ali dispostos – aqui compreendidos os serviços de estacionamento, segurança...
Ademais, também as outras espécies de consumidor (ou melhor dizendo, os sujeitos a ele
equiparados) podem estabelecer relação com o empreendedor e os lojistas: (a) os
frequentadores, se não compreendidos como aqueles que utilizam, por exemplo, do serviço de
segurança, podem ser classificados como consumidores equiparados pela simples
potencialidade de consumir; (b) aqueles que sofreram acidentes de consumo, tal como uma
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
256
queda por defeito na escada rolante; e (c) aqueles que foram submetidos a práticas comerciais
abusivas pelo empreendedor ou pelo lojista executadas.
Superada essa discussão, analisou-se o outro pólo da relação: o fornecedor de bens ou
serviços. Entendeu-se que o empreendedor de shopping center pode, sim, ser considerado
fornecedor de serviços em diversas situações (pelo estacionamento ofertado, a oferta de
alternativas de compra, de lazer, de segurança, entre outras) e responsabilizado pelos
acidentes de consumo ocorridos no interior de seus empreendimentos.
Depois de esclarecida a relação com o empreendedor, analisou-se aquela estabelecida
com o cinema e concluiu-se pela existência de relação de consumo, pois que o cinema se
enquadra perfeitamente no conceito de fornecedor e consumidor, o lojista e aquele que
adquiriu ingressos para usar do serviço de entretenimento oferecido.
Por fim, em atenção a todo o exposto, foi possível concluir que existe sim relação de
consumo entre frequentadores-consumidores, lojistas e empreendedores de shopping centers
e, em razão disso, ser a aplicação do Código de Defesa do Consumidor inafastável nessas
situações.
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2 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.2.; e, GONZALEZ,
Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.17;
3 GONZALEZ, Cristiane Paulsen.Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.17.
4 Disponível em <http://www.iguatemisp.com.br/quem-somos/grupo-iguatemi.shtm>. Acessado em 10 abr. 2012.
5 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.17.
6 Disponível em <http://www.portaldoshopping.com.br/sobreaabrasce.asp?codAreaMae=1&cod Area=2&codConteudo=1> . Acessado em 5 abr 2012.
7 GONZALEZ, Cristiane Paulsen.Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.19.
8 FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade civil dos shopping centers por danos causados em seus estacionamentos: um brado contra a indevida informação. Revista de Direito Privado, vol. 21, p. 69 e ss. Jan/2005. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012.
9 Citado por GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.23; a autora ainda complementa citando Pinto Ferreira in Comentários a Lei do Inquilinato, p. 221 e 223, “o tenant mix é uma locução de origem inglesa consistente na denominação das lojas por ramo e dos ramos de comércio dentro do shopping”, que “tem seu fundamento na teoria da ‘atração cumulativa’ exposta e desenvolvida por Richard L. Nelson, segundo a qual, dado certo número de lojas atuando em um mesmo campo de negócio, elas atrairão mais vendas quando localizadas uma perto das outras”.
10 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 6. 11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping centers – organização econômica e disciplina jurídica.
Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, vol. 5, p. 611 e ss., jun/2011. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012.
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259
12 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no
Brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 795 e ss, dez/2010. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012.
13 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no Brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 795 e ss., dez/2010. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012.
14 BASILIO, João Augusto. Shopping Centers.Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5. 15 Apenas a título exemplificativo, claramente não exaustivo, podemos citar PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Shopping Centers – organização econômica e disciplina jurídica. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, vol. 5, p. 611 e ss., jun/2011; GOMES, Orlando. Traços do Perfil Jurídico de um Shopping Center. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 765 e ss, dez/2010; REQUIÃO, Rubens. Considerações Jurídicas sobre os Centros Comerciais (Shopping Centers) no Brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 795 e ss, dez/2010; PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001; BASÍLIO, João Augusto. Shopping Centers. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003;
16 KARPAT, Ladislau. Shopping Centers – manual jurídico. São Paulo: Hemus, 1997, p. 137. 17 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e
empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 25 19 FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade civil dos shopping centers por danos causados em
seus estacionamentos: um brado contra a indevida informação. Revista de Direito Privado, vol. 21, p. 69 e ss., jan/2005. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012..
20 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 6. 21 Nos termos dos seguintes artigos: inciso XXXII, do art. 5º da Constituicão Federal Brasileira;
inciso V, art. 17 da Constituicão Federal Brasileira; bem como no art. 48 das suas disposições transitórias.
22 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 02.
23 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 140.
24 Dispõe o art. 1º do CDC: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas disposições transitórias”.
25 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 302.
26 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 02
27 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor – Teoria Geral da Relação Jurídica de Consumo. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 140.
28 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 04.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
260
29 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 141 e 142. 30 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 141 e 142. 31 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,143 e 144. 32 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas
décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 06;
33 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, 143 e 144.
34 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 06 e 07.
35 DERANI, Cristiane. Política Nacional das Relações de Consumo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 29, p. 29 e ss., jan/1999. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012.
36 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor – teoria geral das relações jurídicas de consumo. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.152-153.
37 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 08.
38 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 304.
39 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.320.
40 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 320-321.
41 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 320-321.
42 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 322-323.
43 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 325.
44 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 330
45 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 17.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
261
46 Notas de aula da Matéria de Direito do Consumidor, ministrada em 14/03/2011 pelo professor José
Galvão no UniCEUB. 47 KHOURI, Paulo R. Roque A. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília
Jurídica, 2002, p. 34. 48 KHOURI, Paulo R. Roque A. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília
Jurídica, 2002, p. 34. 49 KHOURI, Paulo R. Roque A. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília
Jurídica, 2002, p. 34. 50 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas
décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 09.
51 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90, de 11 de setembro de 1990). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 28.
52 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 10.
53 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 10. Destaque-se o estudo pormenorizado realizado pelos autores sobre cada uma das teorias, p. 10-16.
54 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 13.
55 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 304 e 305.
56 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 12; sobre a questão da falta de qualificação destacam os autores a seguinte crítica, na mesma obra, p. 14: “a crítica que se faz ao modelo é a que ele teria ampliado a moldura delineadora do que seja o consumidor sem se preocupar: (a) se na relação existe um vulnerável (ou não), (b) qual é a destinação dada ao serviço e/ou bem adquirido ou utilizado, (c) qual a função socioambiental conferida a estes, (d) se a aquisição ocorreu no mercado de consumo, (e) qual a causa da relação, ou seja, com os demais elementos da relação consumerista. Frise-se que a ideia de consumidor para os maximalistas pode ser jurídico ou material, abarcando de forma neutra e técnica todos os tipos de mercado”.
57 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 12; Frota e Catalan dão exemplos da teoria baseados em diversos autores, na mesma obra, p. 13, “os maximalistas entendem que existe relação de consumo quando: (a) a fábrica de toalhas compra algodão para transformar; (b) a fábrica de celulose compra carros para transporte de visitantes; (c) o advogado compra uma máquina de escrever para o seu escritório; (d) o Estado adquire canetas para uso nas repartições; (e) a dona-de-casa adquire produtos alimentícios para família; (f) o agricultor adquire adubo para o plantio; (g) sociedade empresária contrata o transporte de pedras preciosas; (h) o agricultor compra máquina agrícola para a sua atividade profissional; (i) sociedade empresária faz contrato de cartão de crédito; (j) pessoas humanas, jurídicas e entes despersonalizados fazem contratos com instituições bancárias, securitárias e financeiras”.
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262
58 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 303-304
59 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 304.
60 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 14.
61 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 15, ainda na mesma obra e página demonstram os autores o equívoco da teoria finalista, pois que “trata como secundária eventual vulnerabilidade havida no âmbito relacional, afastando a incidência do CDC em relação ao agente profissional, à pessoa jurídica, ao empresário, à sociedade empresária, ao ente despersonalizado, contrariando a dicção do art. 2º, caput daquele, caso levada à risca a teoria finalista”
62 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 305.
63 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 15
64 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 15
65 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 22
66 Afirma Cláudia Lima Marques que “A importância do parágrafo único do art. 2º é seu caráter de norma genérica, interpretadora, aplicável a todos os capítulos e seções do Código. Como ensina o TJRS, este “ex-terceiro” contratual também poderia ser incluído como destinatário final do produto ou do serviço, uma vez que faticamente ‘usou’ ou ‘consumiu’ (art. 2º), e foi sábio o CDC ao incluir a visão coletiva (e indeterminada) do dano a este bystander, afirmando assim de forma inequívoca a sua legitimação material e processual”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 356.
67 GRINOVER, Ada Pelegrini ... [et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 38
68 Zelmo Denari in GRINOVER, Ada Pelegrini [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 38
69 Intitulada de “Seção II – Da Responsabilidade pelo Fato do Produto ou do Serviço” 71 BESSA,Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: Análise crítica da
relação de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 65. 72 BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: Análise crítica da
relação de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 64. 73 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.
489.
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263
74 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil
e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 57 75 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 356.
76 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 56 e 57.
77 Destaque-se o artigo publicado sobre o caso – que reproduziu na íntegra a petição inicial da ação civil pública movida contra o shopping e as co-rés: LOBO, Ana Lúcia Silva Cardoso Arrochela. Ação civil pública - vício - segurança - produto/serviço - vazamento de gás explosão em shopping center - reparação dos danos morais e/ou patrimoniais sofridos por todas as vítimas do acidente (fundamento nas teorias da responsabilidade objetiva do cdc e civilistas - art. 1.528, cc) e à desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Direito do Consumidor, vol. 21, p. 195 e ss., Jan/1997. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 12 abr. 2012.
78 STJ. REsp 279273; Segundo resume Sergio Cavalieri Filho: “O alcance a importância do art. 17 do CDC ficaram evidenciados no grave acidente ocorrido no Osasco Plaza Shopping/SP, em 11/06/96, consistente em explosão por acúmulo de gás em espaço livre entre o piso e o solo, acarretando a morte de 40 pessoas, mais de 300 feridos e a destruição de mais de 40 lojas e locais de circulação. O acidente ocorreu na hora do almoço, em época de muito movimento, às vésperas do dia dos namorados, nas imediações da praça de alimentação, local destinados a bares, restaurantes e lanchonetes. No julgamento do rumoroso caso, o Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 279.273/SP), por sua Terceira Turma, aplicou o art. 17 do CDC, estendendo a todas as vítimas do acidente (consumidores diretos e por equiparação) a mesma cobertura indenizatória. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 293.
79 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 359. Ainda sobre o tema, na mesma obra retrocitada, págs.358/359, ressalta a professora ser o art. aplicável a todas as seções do capítulo (a seção sobre oferta – arts. 30 a 35; sobre publicidade – arts. 36 a 38; sobre práticas abusivas – arts. 39 a 41, sobre a cobrança de dívidas – art. 42; sobre bancos de dados e cadastros de consumidores – arts. 43 a 45) e também ao próximo capítulo, que versa sobre a “proteção contratual”.
80 MARQUES, Cláudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no código de defesa do consumidor a evolução das obrigações envolvendo serviços remunerados direta ou indiretamente. Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor, vol. 4, p. 68, jan/2000. Acessado em 27/04/2012 por meio digital. Disponibilizado pela Revista dos Tribunais Online < www.revistadostribunais.com.br> .
81MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 371.
82MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 317.
83 BASÍLIO, João Augusto. Shopping Centers. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 199 84 Art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, Lei. 8.078/90. 85 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. Responsabilidade civil por danos ao consumidor. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003, p. 102 86 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil
e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 58
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264
87 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas
décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03.
88 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03.
89 DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 140-145; CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p.03
90 DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 140-145; CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03
91 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 197.
92 GRINOVER, Ada Pelegrini... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto.8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 48.
93 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03. Sobre o tema “fornecedor por equiparação”, destaque-se também o trabalho de BESSA, Leonardo Roscoe. Fornecedor equiparado, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 61, p. 126-141, jan./mar. 2007.
94 BASÍLIO, João Augusto. Shopping Centers. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 200
95 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor:contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 60
96 PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de, coordenadores. Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 240-242.
97 PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de, coordenadores. Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 240-242.
98 Como se observa em STJ. REsp 35021, 3 T., Rel. Nilson Naves, DJ 13/09/1993, p. 18560. “Estacionamento mantido por shopping center. Furto de veiculo. Indenização devida, conforme inúmeros precedentes do stj, dentre outros os REsp's 5886, 5905, 6517, 7159, 25821 e 34802. Caso em que a ação foi julgada improcedente pelo acordão. Recurso conhecido e provido; também em STJ. REsp 45455, 3 T, Rel. Costa Leite, DJ 09/05/1994 p. 10871. “Civil. Responsabilidade. Furto de veiculo. Estacionamento de shopping center. A gratuidade de estacionamento não arreda a obrigação de indenizar, pois, ante o interesse da empresa em dispor da facilidade para atrair clientela, patenteia-se o dever de guarda e vigilancia.precedentes. Recurso conhecido e provido”.
99 STJ. Enunciado de Súmula. 2 Seção, DJ 04/04/1995, p. 8294: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veiculo ocorridos em seu estacionamento”.
100 Nesse sentido STJ. REsp 419059. 3 T, Rel. Nancy Andrighi, DJ 29/11/2004, p. 315. “Responsabilidade civil. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Assalto à mão armada iniciado dentro de estacionamento coberto de hipermercado. Tentativa de estupro. Morte da vítima ocorrida fora do estabelecimento, em ato contínuo. Relação de consumo. Fato do serviço. Força maior. Hipermercado e shopping center. Prestação de segurança aos bens e à integridade física do consumidor. Atividade inerente ao negócio. Excludente afastada. Danos materiais. Julgamento além do pedido. Danos morais. Valor razoável. Fixação em salários-mínimos. Inadmissibilidade. Morte da genitora. Filhos. Termo final da pensão por danos materiais. Vinte e
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quatro anos. - A prestação de segurança aos bens e à integridade física do consumidor é inerente à atividade comercial desenvolvida pelo hipermercado e pelo shopping center, porquanto a principal diferença existente entre estes estabelecimentos e os centros comerciais tradicionais reside justamente na criação de um ambiente seguro para a realização de compras e afins, capaz de induzir e conduzir o consumidor a tais praças privilegiadas, de forma a incrementar o volume de vendas. - Por ser a prestação de segurança e o risco ínsitos à atividade dos hipermercados e shoppings certers, a responsabilidade civil desses por danos causados aos bens ou à integridade física do consumidor não admite a excludente de força maior derivada de assalto à mão arma ou qualquer outro meio irresistível de violência. [...]”
101 Conforme observa Zelmo Denari in GRINOVER, Ada Pelegrini... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p.167, encontram-se sob a tutela das disposições normativas do Código de Defesa do Consumidor a saúde e a segurança dos consumidores (constantes dos arts. 8º ao 25), dispondo inclusive o seu art. 8º que os produtos e serviços, em princípio, não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores. Sem embargo, tratando-se de riscos qualificados como ‘normais e previsíveis’, serão tolerados pelos consumidores, desde que acompanhados de informações claras e precisas a seu respeito.
103 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847 &dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012.
104 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847 &dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012.
105 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847& dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012.
106 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847& dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012.
107 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847& dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012.
109 GRINOVER, Ada Pelegrini [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 48.
110 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 302.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
266
DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO: A (IN)EFICIÊNCIA DO DIREITO
PROCESSUAL CIVIL NA TUTELA COLETIVA
CONSUMER PROTECTION IN COURT: THE (IN) EFFICIENCY OF CIVIL
PROCEDURE IN COLLECTIVE PROTECTION
Ariane Langner1
Jaqueline Lucca Santos2
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo verificar a (in)eficiência do Direito Processual Civil na tutela dos direitos coletivos, em especial no que se refere aos direitos do consumidor. No intuito de cumprir o proposto, a pesquisa adota uma postura fenomenológica-hermenêutica, que se preocupa com a descrição dos próprios fatos observados, pois parte da tese de que a experiência vivida é em si mesma essencialmente um processo interpretativo, no qual a realidade é compreendida, interpretada e comunicada. Utiliza-se, ainda, o método de abordagem monográfico, dada a verificação das condições de possibilidade da tese defendida. Verificou-se, assim, que os direitos do consumidor no que tange a esfera da tutela coletiva encontram-se tutelados por um rito ordinário-plenário, essencialmente individualista, que relega à consciência do julgador a fundamentação da decisão. Nesta senda, necessária se faz o repensar da jurisdição processual dos direitos coletivos do consumidor, principalmente através da criação de locais de sumarização da jurisdição material, a fim de que os direitos metaindividuais sejam adequadamente tutelados, adaptando-se à dinamicidade das transformações sociais. Palavras-Chave: direito do consumidor; tutela coletiva; processo civil; racionalismo. Abstract: This study aims to determine the (in) efficiency of Civil Procedure in the protection of collective rights, especially with regard to consumer rights. In order to accomplish the proposed the research adopts a phenomenological-hermeneutic approach, which is concerned with the description of observed facts themselves, as part of the thesis that the experience itself is essentially an interpretive process, in which reality is understood, interpreted and communicated. It is used also the method of monographic approach, given the possibility of verifying the conditions of the argument. It is thus that the consumer's rights regarding the sphere of collective protection are protected by an rite ordinary-plenary, essentially individualistic, which relegates to the conscience of the judge the reasons for the decision. In this vein, it is necessary to rethink the jurisdiction procedural collective rights of consumers, primarily through the creation of local summarization of material jurisdiction, so that rights are properly protected, adapting to the dynamics of social change.
1 Graduanda do 9º semestre do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS no projeto de pesquisa “Processo civil e metafísica: os novos desafios da jurisdição-processual no século XXI”, que apoia o presente trabalho. Integrante do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil da Universidade Federal de Santa Maria – NEAPRO. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda do 9º semestre do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Integrante do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil da Universidade Federal de Santa Maria – NEAPRO. E-mail: [email protected].
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Key Words: consumer law; collective protection; civil procedure; rationalism.
INTRODUÇÃO
As primeiras tentativas da tutela do direito coletivo do consumidor no âmbito do
direito processual brasileiro foram estimuladas, principalmente, em vista dos movimentos
sociais oriundos das transformações históricas, em especial no segundo pós-guerra. Não se
ignora eventual proteção ao direito do consumidor dispensada anteriormente a este período,
porém, após as duas grandes guerras houve um crescimento exacerbado do desenvolvimento
industrial e, por consequência, o surgimento da sociedade de consumo.
A fim de proteger a figura do consumidor, parte mais vulnerável na relação
consumerista, exigiu-se a criação de mecanismos legais para sua tutela. Nesta senda,
destacam-se os direitos metaindividuais do consumidor, típicos de uma sociedade
massificada, que necessitavam disciplina legal, a fim de que se evitasse o ajuizamento de
demandas com a mesma causa de pedir e que estas viessem a ter decisões contraditórias.
Em que pese a tutela dos interesses coletivos não seja um fenômeno contemporâneo,
a preocupação doutrinária e legislativa em identificá-la e protegê-la surgiu apenas nos últimos
anos, diante da constante violação a esses direitos. Tal fato, então, exigiu (e ainda exige) que a
tutela dos direitos transindividuais fosse (re)pensada a fim de ser realizada sob uma nova
ótica.
Bessa (2008) ao lecionar acerca da inserção do direito coletivo no âmbito do direito
do consumidor refere que a configuração processual clássica – A versus B – mostrou-se
absolutamente incapaz de absorver e dar uma resposta satisfatória aos novos litígios, que
acabavam ficando marginalizados e gerando, em consequência, intensa e indesejada
conflituosidade.
O presente artigo, dessa forma, não objetiva exaurir o tema da tutela coletiva do
direito do consumidor no direito processual brasileiro, mas verificar como esta se encontra
tutelada no ordenamento jurídico e se há efetividade do ponto de vista do consumidor que
aguarda uma resposta jurisdicional. Para tanto, partir-se-á de uma análise da evolução da
tutela transindividual do consumidor para entender como as ações coletivas estão
processualmente amparadas. A partir disso, busca-se verificar o papel do processo civil na
proteção dos novos direitos, como são os direitos coletivos do consumidor, e se aquele é
eficiente em dar efetividade a tais direitos.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
268
No intuito de cumprir o proposto, a pesquisa adota uma postura fenomenológica-
hermenêutica, que se preocupa com a descrição dos próprios fatos observados, pois parte da
tese de que a experiência vivida é em si mesma essencialmente um processo interpretativo, no
qual a realidade é compreendida, interpretada e comunicada. Utiliza-se, ainda, o método de
abordagem monográfico, dada a verificação das condições de possibilidade para uma efetiva
tutela dos direitos coletivos do consumidor.
Cabe ainda destacar que no estudo se utilizará o conceito de direitos coletivos em
sentido amplo, sem uma análise profunda da diferenciação de direitos difusos, coletivos ou
individuais homogêneos, já que todos são igualmente protegidos pela tutela processual que
lhe é oferecida pelo Código de Processo Civil.
1 A EVOLUÇÃO DA TUTELA PROCESSUAL COLETIVA DO DIREITO DO
CONSUMIDOR NO BRASIL
A Lei n.º 4.717/65 (Lei da Ação Popular) é usualmente indicada como a pioneira na
tutela processual dos direitos metaindividuais no Brasil. Esta foi seguida, alguns anos depois,
pela edição da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) que introduziu uma nova ação no
ordenamento jurídico pátrio, assim como a possibilidade desta ser exercida através de
legitimados extraordinários.
Entretanto, maior relevância à temática da tutela do direito coletivo se deu a partir de
Constituição Federal de 1988 (CF/88) e da publicação da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor). Enquanto a primeira buscou universalizar a proteção coletiva dos interesses
transindividuais, ausente limitação quanto ao objeto do processo, a segunda instituiu um
microssistema de processos coletivos composto pela interação do Código de Defesa do
Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, em disposições aplicáveis a ambas, sendo
utilizado o Código de Processo Civil de forma subsidiária.
Acerca da proteção constitucional conferida ao direito do consumidor, Marques
(2008) destaca que este possui previsão tanto como direito fundamental no art. 5, XXXII,
quanto como princípio da ordem econômica nacional no art. 170, V, ambos na CF/88. Sendo
que por se tratar de direito fundamental é um direito subjetivo, que pode e deve ser reclamado
e efetivado em prol desse sujeito de direitos constitucionalmente assegurados, o consumidor,
seja contra o Estado ou em suas relações privadas. Completa ainda a autora (2008, p.26) que
sendo o direito do consumidor direito fundamental e cláusula pétrea deve ser “respeitado de
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
269
acordo e em conformidade com a lei infraconstitucional e as exigências da dignidade da
pessoa humana”.
Para tanto, o Código de Defesa do Consumidor introduz em um título específico a
temática da tutela processual, denominando-o “Da Defesa do Consumidor em Juízo”.
Segundo Grinover (2011), membro da comissão do Conselho Nacional de Defesa do
Consumidor, responsável pela minuta do anteprojeto do Código, o título fornecido ao capítulo
que trata da defesa do consumidor em juízo tem o objetivo de ser amplo, ou seja, não
compreende apenas a defesa processual do consumidor, mas toda e qualquer atividade
exercida em juízo, tanto na condição de autor como de réu. Trata-se, portanto, da tutela
judiciária dos direitos e interesses do consumidor.
A referida autora (2011) afirma que tal fortalecimento da posição do consumidor em
juízo exigiu do legislador que previsse efetividade ao processo destinado à proteção do
consumidor, além de facilitação ao acesso à justiça. As ações coletivas, dessa forma, não
devem significar o desprezo às ações individuais, mas sim o acesso fácil ao Judiciário, devido
à quebra de barreiras socioculturais, evitando a banalização que decorre da fragmentação de
ações e confere peso às decisões de cunho coletivo.
Ainda nesse sentido Bessa (2008, p.382) leciona a respeito da titularidade para o
exercício dessas ações Ressalte-se, especificamente em relação ao mercado, a inserção do consumidor num contexto econômico-social globalizado, o que, por consequência, veio a exigir uma nova postura do legislador e do jurista diante do que se convencionou chamar de sociedade de massa. Percebe-se que alguns direitos transindividuais – os difusos – por ausência de um titular específico, ficariam carentes de proteção jurisdicional e eficácia, se não houvesse um representante para levá-los à Justiça. Ademais, a solução concentrada de conflitos evita ou diminui sensivelmente decisões contraditórias e o volume de processos, possibilitando resultados mais céleres.
Dessa forma, além de facilitar o acesso, as ações que tutelam direitos
metaindividuais do consumidor possibilitam aos legitimados extraordinários sua titularidade,
evitando que direitos que talvez individualmente não seriam objeto de proteção,
coletivamente podem ser exercidos, impedindo que estes sejam novamente violados. É o caso,
por exemplo, de diferenças de valores em produtos da prateleira para o caixa, que
individualmente somam valores ínfimos (muitas vezes centavos), mas que quando somados
dentre os vários consumidores, se tornam grandes fontes de lucro para os fornecedores e
lesam coletivamente os consumidores.
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Acerca do papel social a ser exercido pelos procedimentos coletivos na busca de
solução de conflitos oriundos das relações geradas pelas economias de massa, Watanabe
(2011, p. 04) leciona que o “processo deve operar como instrumento de mediação dos
conflitos sociais neles envolvidos e não apenas como instrumento de solução de lides”.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, considerado um microssistema
por introduzir tanto regras de direito material quanto processual, realizou grandes
modificações no âmbito das ações individuais e das ações coletivas.
Nas ações individuais devem-se destacar regras como a competência do domicílio do
consumidor autor (art. 101, I), vedação de denunciação à lide e chamamento ao processo em
determinadas hipóteses (art. 88 e 101, II), entre outras. No que se refere à tutela dos direitos
coletivos, especifica-se e amplia-se a tutela dos interesses dos consumidores por intermédio
de categorias - interesses difusos, coletivos e individuais homogênios -, são aperfeiçoadas
regras de coisa julgada, litispendência e da legitimação e dispensa de custas de honorários
advocatícios (art. 87).
Tais disposições do Código de Defesa do Consumidor não só forneceram novos
meios para a tutela dos interesses coletivos, como também, através de alterações na Lei da
Ação Civil Pública, ampliaram o rol dos direitos tutelados, que originalmente se encontravam
adstritos a temas como o meio ambiente, direito do consumidor e o patrimônio cultural. No
sistema atual, conforme dispõe, por exemplo, o inciso IV do art. 1º da Lei n.º 7.347/85,
qualquer direito difuso ou coletivo é passível de ser objeto de ação coletiva.
Na ótica do direito do consumidor, houve, nas palavras de Grinover (2011, p. 03)
uma “necessária reestruturação dos esquemas processuais clássicos para sua adaptação aos
conflitos emergentes, próprios de uma sociedade de massa, de que os decorrentes das relações
de consumo representam um ponto nodal”.
Analisada a evolução da tutela coletiva do consumidor no ordenamento jurídico
brasileiro e as inúmeras alterações introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor em
outras legislações, passa-se a verificar a influência do processo civil e sua aplicabilidade na
defesa do consumidor em juízo.
1.1 O procedimento ordinário e as ações coletivas do consumidor
Inicialmente, deve-se mencionar que há uma interação entre o Código de Defesa do
Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública, sendo elas de aplicação mútua em face das
inúmeras alterações introduzidas no segundo diploma pela Lei n.º 8.078/90. Especificamente
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271
no que tange a tutela dos interesses metaindividuais do consumidor, a Lei da Ação Civil
Pública aplica-se de forma subsidiária ao que o Código de Defesa do Consumidor for omisso,
por esta se tratar de lei especial. Em todos os casos, o Código de Processo Civil aplica-se
quando nas demais legislações não existir previsão.
Na tentativa de abarcar de forma ampla a tutela dos direitos coletivos, o art. 83 do
Código de Defesa do Consumidor permite que “para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar
sua adequada e efetiva tutela”. Tal artigo visa garantir a efetiva tutela do direito material até
mesmo em prol do direito processual permitindo àquele que teve seu direito violado o
ajuizamento de qualquer demanda para a satisfação deste. Segundo Grinover (2007), há um
alargamento dos limites objetivos da tutela jurisdicional.
É evidente que esta preocupação em tutelar constitucionalmente e
infraconstitucionalmente os direitos metaindividuais visa dar efetiva aplicabilidade aos
direitos do consumidor, a fim de que estes não estejam desamparados no ordenamento
jurídico num contexto social de profundas transformações e desigualdades.
No entanto, em que pese a proteção material dispensada a esses direitos, tanto o
Código de Defesa do Consumidor em seu art. 90, a Lei da Ação Popular no art. 7º e a Lei da
Ação Civil Pública no art. 19, estabeleceram a aplicabilidade das disposições do Código de
Processo Civil às ações coletivas, sendo eleito para a tutela dos direitos metaindividuais o rito
ordinário.
Por óbvio não é possível desconsiderar as inúmeras modificações positivas
introduzidas pela legislação como as possibilidades de legitimação extraordinária e
substituição processual, ampliando-se o número de legitimados para as ações, assim como as
alterações contidas no que se refere a temática da coisa julgada. No entanto, por não haver
previsão expressa do rito dispensado as ações coletivas para tutela do direito do consumidor, a
elas se aplica o tradicional rito do processo civil, o ordinário.
Vale destacar que não se ignora a existência de projetos de lei em tramitação a fim de
alterar a Lei n.º 8.078/90, como o Projeto de Lei do Senado n.º 282/2012, introduzindo
procedimentos para as ações coletivas e aprimorando a proteção dos direitos metaindividuais,
como a prioridade de processamento e julgamento das ações coletivas, excetuadas a ação
popular e as de alimentos.
Contudo para que sejam realizadas alterações, a fim de que estas não sejam
superficiais, deve-se verificar se o rito ordinário, atualmente responsável por tutelar esses
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272
direitos, oferece plena aplicabilidade e eficácia aos direitos transindividuais em tempo hábil a
sua utilização.
2 A INFLUÊNCIA RACIONALISTA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E SUA
INEFICIÊNCIA NA TUTELA DE NOVOS DIREITOS
Os novos marcos da constitucionalização dos direitos e as novas codificações daí
decorrentes, como o Código de Defesa do Consumidor, exigem um reposicionamento do
direito processual civil, que se encontra imerso em uma tradição racionalista e dependente de
um rito que é ordinário-plenário-declaratório.
Tal postura não viabiliza o trato das causas do ponto de vista material, mas induz a
uma perspectiva puramente quantitativa, isto é, uma abordagem da eficiência através de
números, banalizando os inúmeros processos em tramitação no país e a importância (e
eficiência) do vetor processual à efetivação desses novos direitos. Dessa forma, não há uma
preocupação com a efetividade do processo ou com a concretização do direito pleiteado, e sim
com a quantidade de decisões proferidas.
Isso se deve a um problema que encontra raízes muito mais profundas, já que o
processo civil em si não se encontra preparado para tutelar esses novos direitos, tanto do
ponto de vista individual (ações relativas a privacidade e uso da imagem em meios virtuais),
quanto do ponto de vista coletivo (ações para proteção do meio ambiente, dos direitos do
consumidor). Isto porque o processo civil clássico foi idealizado (especialmente após a
Revolução Francesa) para dimensionar conflitos privados e individuais (prioritariamente
questões envolvendo a propriedade, relações contratuais, família e sucessões: a denominada
litigiosidade individual) não conseguindo alcançar o grau de complexidade e dar a devida
importância a essa nova quadra histórica (NUNES, 2012).
Dessa forma, ainda que louvável a tutela desses direitos do ponto de vista do direito
material, é inviável sua plena satisfação diante do rito eleito pela legislação, o rito ordinário,
historicamente responsável por garantir direitos individuais. Faz-se necessária a percepção de
que a função do sistema processual civil deve transcender em muito a busca de resolução de
questões privatísticas para buscar viabilizar, mediante uma processualização
constitucionalmente idônea, um dimensionamento da litigância individual e coletiva
(NUNES, 2012).
O procedimento ordinário encontra-se fortemente ligado a um ideal racional-
iluminista que afastou o direito processual civil da facticidade e da oralidade, essenciais ao
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273
deslinde de questões coletivas. Em seu lugar, faz uso da ordinarização e da plenariedade,
colocando em seu procedimento “fase a fase” a busca pela garantia desses direitos e a
obtenção da “certeza” do julgador, que deve apenas declarar a vontade da lei ao fim da
cognição (ISAIA, 2012).
Essa forma de cognição se deve a geometrização do pensamento jurídico que,
segundo Silva (2006), ocorreu pela aplicação às ciências do pensamento de um procedimento
típico das ciências demonstrativas, acarretando o apego à ritualização e a necessidade de uma
cognição exauriente, a fim de que a “verdade” pudesse ser alcançada no provimento final. Tal
apego à ritualização gera a renúncia a qualquer processo interpretativo e retira do julgador a
possibilidade de analisar o mérito da demanda antes da completa cognição, com a realização
do contraditório prévio e extensa produção probatória (ISAIA, 2011).
O direito material resta desamparado, dessa maneira, pois é o principal prejudicado
por essa obsessiva busca por verdades claras e distintas, ensinamento aplicado por Descartes
às ciências demonstrativas e não às ciências do pensamento, como é o direito (SILVA, 2006).
Acerca da função meramente declaratória do julgador já analisou Saldanha (2011,
p.192):
A marca da ordinariedade é, por essa via, a realização da cognição plena e exauriente cujo ponto culminante é a sentença declaratória daquilo que “previamente” fora dito pelo legislador. Tão estreita tem sido a associação entre o conhecer e o declarar que o primeiro resta absorvido pelo segundo e, com isso, o sistema processual tem-se mantido fechado ao reconhecimento de outro tipo de cognição. Mas essa ética era necessária para o sistema “assegurar” a certeza jurídica, um valor da sociedade capitalista que a jurisdição tinha por missão resguardar.
Dessa forma, o processo civil, há vários séculos, vem sendo tratado da mesma forma,
partindo da pretensão de fornecer um procedimento universal, capaz de desvelar verdades
universais e garantir certeza ao julgador que tem apenas a função de declarar o que já está
posto. Tal modelo, especialmente no que tange ao papel do juiz após a Revolução Francesa,
ocupava lugar necessário no ordenamento a fim de evitar a discricionariedade e arbitrariedade
do governante.
No entanto, mesmo passadas várias décadas esta configuração não foi abandonada o
que gerou, em alguns casos, o apego à ritualização e o esquecimento do papel jurisdicional de
dar eficácia aos direitos constitucionais previstos e, por outro lado, o surgimento de ativismos
judiciais, possibilitando que o julgador decida à luz da sua “consciência”.
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274
Streck (2012) já alertou que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete
quer que ele seja, não podendo o juiz entender que não se subordina a “nada”, a não ser ao
tribunal da própria razão.
O ato jurisdicional é (filosoficamente) interpretação e não mera subsunção do texto
legal ao fato, fazendo-se necessária a realização de uma filtragem hermenêutico-
constitucional para afastar da consciência do julgador a “fundamentação” da decisão
(STRECK, 2011). Dessa forma, o sentido não estará mais na consciência (do julgador), e sim
na linguagem que é condição de possibilidade de ser-no-mundo.
São antidemocráticas, do mesmo modo, decisões que partem diretamente da
consciência do julgador, quando este acredita ser possível desvelar verdades através de
métodos de observação do objeto investigado e de sua consciência. Essa postura subjetivista é
a marca da filosofia da consciência, que se liga muito com os postulados positivistas de
Kelsen (STRECK, 2011).
O direito (e por consequência o processo), assim, deve possuir a marca da coerência
e integridade, possíveis de serem realizadas através de uma filtragem hermenêutico-
constitucional, que foi introduzida no direito a partir da invasão pela filosofia. O processo não
deve ser reduzido a um mecanismo no qual o Estado-juiz implementa sua posição de
superioridade de modo que o debate processual é relegado a segundo plano. Este deve servir à
implementação de direitos, especialmente, fundamentais. (NUNES, 2012)
Hommerding (2007, p.121) já alertou acerca da necessidade do processo se adaptar
frente às modificações sociais e da complexidade das relações hoje existentes:
O processo é ideológico. Representa a tradição liberal-individualista que se forjou junto com a modernidade, visando atender ao ideal liberal, pela manutenção do status quo, ou seja, conservando, impedindo o “curvar-se criticamente sobre si mesmo” (Ovídio) e, portanto, as mudanças sociais.
Assim, não é possível conceber a tutela dos interesses coletivos - e de novos direitos
como o meio ambiente, direitos da era digital, direitos do consumidor - de forma
extremamente complexa como se apresenta atualmente, a um procedimento que além de
renunciar ao novo, à mudança, continua a insistir na certeza e no ideal racionalista-liberal,
renunciando a qualquer processo interpretativo.
3 O DIREITO PROCESSUAL CIVIL E A TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS DO
CONSUMIDOR
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275
A constante violação a direitos e garantias fundamentais constitucionalmente
previstos leva a juridicização crescente do tecido social que se traduz no fato que o direito é, a
partir de então, chamado a reger as relações humanas que se submetiam anteriormente a
modos de regulação extrajurídicos ou fundados na confiança. É também a demonstração de
uma ampliação da complexidade da organização social, que impõe uma regulação mais
acurada pelo direito. (CHEVALLIER, 2009)
Dessa forma, em que pese existirem alguns autores, inclusive mencionados na
primeira parte do presente trabalho devido as grandes contribuições realizadas no âmbito do
direito do consumidor brasileiro, suas análises devem ser lidas com inúmeras ressalvas. Estes
afirmam que a tutela do direito coletivo no ordenamento jurídico ensejou o rompimento com a
estrutura individualista do processo civil, com o nascimento de um novo ramo da ciência
processual (GRINOVER, MENDES e WATANABE, 2007).
Na verdade, conforme já analisado, o direito tem funcionado como um “obstáculo à
transformação social”, pois os juristas não conseguem abandonar sua atitude teorizante a fim
de se dedicarem à efetiva resolução dos problemas sociais (HOMMERDING, 2007).
O processo civil, em especial o rito ordinário responsável por tutelar os direitos
coletivos dos consumidores, não conseguiu abandonar o paradigma que está imerso, a fim de
verificar outras formas de garantir efetividade à jurisdição. O modelo hoje utilizado
visivelmente não dá conta de conferir em tempo hábil a fruição do direito que, na maioria das
vezes já foi repetidamente violado.
A título exemplificativo da ineficiência do direito processual na tutela dos direitos
coletivos do consumidor colaciona-se ementa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO CONSUMIDOR. NORMATIZAÇÃO DO INMETRO. APREENSÃO DE TIJOLOS CONFECCIONADOS EM DESCONFORMIDADE COM INSTRUÇÃO NORMATIVA. 1. Consoante o artigo 5º da Lei 9.933/99: "As pessoas naturais e as pessoas jurídicas, nacionais e estrangeiras, que atuem no mercado para fabricar, importar, processar, montar, acondicionar ou comercializar bens, mercadorias e produtos e prestar serviços ficam obrigadas à observância e ao cumprimento dos deveres instituídos por esta Lei e pelos atos normativos e regulamentos técnicos e administrativos expedidos pelo CONMETRO e pelo INMETRO". 2. É possível a aplicação das penas de multa e apreensão de mercadorias cumulativamente, nos termos do art. 8º da Lei 9.933/99. 3. Considerando que os réus infringiram o dever de depositário das mercadorias apreendidas pelo INMETRO, ante a impossibilidade de entrega dos bens, correta a decisão que fixou indenização de acordo com o preço médio do mercado. 4. Apelações improvidas. (TRF4, AC 5000669-86.2010.404.7204, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 17/05/2012)
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276
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia – INMETRO em face de Intelcom Indústria e Comercio de Tijolos
LTDA e Estor Luiz Macari, em 26 de abril de 2010. Isso ocorreu após a empresa Ré ter
firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de Santa
Catarina em 21 de junho de 2006, através do qual foi deferido o prazo até 30 de novembro de
2006 para adequação dos produtos por ela comercializados (tijolos) às normas técnicas
competentes.
Contudo, em 19 de novembro de 2007, a Empresa Ré foi autuada, pois havia
colocado à venda blocos cerâmicos com erro formal, descumprindo o TAC firmado. Em que
pese terem sido aplicadas as penalidades administrativas de multa e apreensão das
mercadorias com defeito pelo INMETRO, esta última não foi efetivada pelos Réus, que
permaneceram como depositários dos produtos. Ajuizada a ação civil pública foi requerida a
procedência da demanda sendo os requeridos condenados a entregar os bens objeto dos autos
de infração ou, sucessivamente, a pagar o valor de cinco vezes o montante dos bens em
questão.
No decorrer do lapso temporal da instrução probatória até a prolação da sentença,
que se deu em 17 de junho de 2011, os tijolos que deveriam ser apreendidos sumiram, não
existindo informação se foram descartados ou vendidos a consumidores.
Percebe-se, então, que o apego a ordinarização e à cognição exauriente podem ter
prejudicado inúmeros consumidores que compraram produtos tecnicamente frágeis e que não
oferecem a segurança necessária para construção de residências, empreendimentos
comerciais, entre outros, em visível violação aos direitos dos consumidores e à dignidade da
pessoa humana.
Diante de tais casos, necessária se faz uma releitura dos procedimentos responsáveis
por tutelar os direitos metaindividuais, incluindo-se aqui o direito do consumidor, a fim de
afastar a influência histórica dos ideais racionais-iluministas no direito processual civil e no
rito ordinário. Para tanto, é possível a criação de locais de sumarização para a tutela dos
direitos metaindividuais.
Neste ambiente processual, o direito material poderia ser rapidamente protegido, sem
a realização da cognição exauriente e do contraditório prévio naquele procedimento, sendo
este postergado através do contraditório eventual ou diferido. Acerca de tal possibilidade já
lecionou Saldanha (2011) ao defender a possibilidade da sumarização material, sendo que o
contraditório poderia ser realizado posteriormente, até mesmo com o ajuizamento de nova
demanda.
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277
O apego à realização de um contraditório prévio, para que o julgador possa emitir um
juízo de “certeza”, encontra respaldo nos princípios provenientes do cristianismo, como a
benignidade e a benevolência, tornando um processo civil que deveria ser do Autor, um
processo civil do Réu, principalmente devido à morosidade que ocasiona (SALDANHA 2011,
ISAIA 2012). Dessa forma, ao invés de se dar efetividade ao direito do Autor que faz jus a
sua efetivação, através de documentos e provas já anexadas à exordial, por exemplo, permite-
se que o Réu produza todos os tipos de provas (cognição exauriente) antes do julgador se
manifestar de forma definitiva (por uma decisão de mérito) acerca da questão.
Vale ressaltar que existe na legislação ainda a previsão de uma audiência de
justificação prévia (art. 83, § 3º do Código de Defesa de Consumidor e art. 12 da Lei da Ação
Civil Pública), semelhante a existente nas ações possessórias, que pode ser designada pelo
juízo caso este não se convença de imediato da verossimilhança das alegações. Poder-se-ia
questionar por que não tornar este um momento processual uno em que todos os atos
processuais seriam realizados em uma única data? Em caso de ações referentes ao meio
ambiente ou ao direito do consumidor, por exemplo, poder-se-ia realizar a oitiva de
testemunhas e a produção de outras provas necessárias, para que, ao fim, fosse prolatada
decisão que julgasse efetivamente o mérito da demanda e não fosse meramente processual.
Em caso de procedência a parte Ré poderia ajuizar nova demanda, aí sim no rito ordinário,
para discussão e reanálise da controvérsia, mas o direito material já estaria protegido.
Há muito tempo já questionou Silva (2006) acerca do tratamento dispensado às
antecipações de tutela, consideradas decisões processuais e não de mérito, pois o juiz não
poderia julgar o mérito da demanda apenas com base na verossimilhança. É visível, neste
ponto, o apego à ordinarização e ao ideal racionalista da verdade e da certeza.
A sumarização material da jurisdição (SALDANHA, 2011) é necessária para
possibilitar a entrega de uma prestação jurisdicional mais eficiente e protetiva aos direitos
metaindividuais que não podem aguardar um provimento final para ocorrer a análise do
mérito.
Não se esquece, por óbvio, do grande avanço realizado com o advento da Lei n.º
8.952/94 que possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela com a inclusão do art. 273 e seus
parágrafos no Código de Processo Civil. Esta decisão que defere ou indefere a antecipação
dos efeitos da tutela, porém, é tratada como meramente processual e não como uma decisão
sobre o mérito da demanda, ainda que, na maioria das vezes, a sentença (provimento final)
seja uma literal cópia do que foi a decisão que antecipou os efeitos da tutela.
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278
Assim, a fim de se dar efetividade a tutela coletiva dos direitos do consumidor se
aposta em um processo que afaste o ideal racional-iluminista e, através da sumarização
material da jurisdição e de um contraditório dinâmico e concentrado, possam se produzir
melhores e mais eficientes decisões (NUNES, 2012).
Acerca da responsabilidade da jurisdição em efetivar os direitos fundamentais,
incluindo-se o direito do consumidor, leciona Cambi (2009, p.222)
A adequação da tutela jurisdicional da sua aptidão para realizar a eficácia prometida pelo direito material, sendo, para tanto, indispensável conjugar, da melhor maneira possível, os valores da efetividade e da segurança. O direito fundamental à tutela jurisdicional faz com que o direito ao processo não seja caracterizado por um objeto formal ou abstrato, assumindo um conteúdo modal qualificado (direito ao processo justo), que é a face dinâmica do devido processo legal. Com efeito, não se garante uma perspectiva meramente formal ao fenômeno jurídico, possibilitando que os institutos processuais sejam filtrados pela Constituição, sendo substancialmente conformados pelos direitos fundamentais. A dimensão objetiva do art. 5º, XXXV da CF e, consequentemente, a sua eficácia irradiante sobre as leis (processuais) infraconstitucionais permite a construção de técnicas processuais adequadas, céleres e efetivas à realização dos direitos fundamentais.
Face ao exposto, necessário se faz o repensar da jurisdição processual dos direitos
coletivos do consumidor, principalmente através da criação de locais de sumarização da
jurisdição material, a fim de que os direitos metaindividuais sejam adequadamente tutelados,
adaptando-se à dinamicidade das transformações sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O discurso do presidente norte americano John F. Kennedy, no ano de 1962, pode ser
considerado o início de uma reflexão jurídica mais profunda sobre a temática da defesa do
consumidor. Foi a partir deste momento que se verificou que “todos são consumidores”, ou
seja, que em algum momento todas as pessoas terão este status, este papel social e econômico,
estes direitos ou interesses legítimos, que são individuais, mas também são os mesmos no
grupo identificável (coletivo) ou não (difuso), que ocupa aquela posição de consumidor
(MARQUES, 2008, p. 24).
Considerando então este importante papel desenvolvido por cada consumidor, e a
partir de uma análise da legislação nacional produzida, percebe-se que, apesar dos inúmeros
esforços para tutelar materialmente os direitos metaindividuais, a estes foi imposta a proteção
processual do rito ordinário. Este é historicamente responsável pela tutela de direitos
individuais, tendo sido utilizado especialmente para a proteção dos interesses burgueses após
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a Revolução Francesa. O rito ordinário, portanto, não acompanha as mudanças sociais e nem
mesmo os novos direitos, permanecendo completamente estagnado.
O processo ainda se encontra atrelado a um ideal racionalista que aposta no rito e na
consciência do julgador a tarefa de encontrar a verdade após o contraditório (conhecido
apenas na modalidade prévia) e de ampla produção probatória.
Não é possível mais conceber a ideia de que novos direitos, como os direitos
coletivos do consumidor, que atingem não só os envolvidos na relação consumerista, mas
toda a sociedade, ainda sejam reféns de um procedimento originado no Estado Liberal,
incompatível com o ideário do Estado Democrático de Direito.
Assim, torna-se indispensável perceber o impacto das concepções dinâmicas da
tutela coletiva dos direitos fundamentais do consumidor para com o direito processual,
propiciando a criação de locais de sumarização material, com a valorização das decisões
proferidas com base na verossimilhança do direito para o julgamento do mérito da demanda e
o afastamento do contraditório prévio e da cognição exauriente. Isto no intuito de permitir a
obtenção de resultados eficientes e legítimos aos cidadãos consumidores que possuem seu
direito fundamental violado e que está sendo tutelado por uma ação coletiva.
REFERÊNCIAS
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____. Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. ____. Lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do Código de Processo Civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 dez. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8952.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. _____. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n.º 5000669-86.2010.404.7204/SC. Apelante: Estor Luiz Macari; Intelcom Industria e Comercio de Tijolos LTDA; Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO. Apelados: Os mesmos. Relator Desembargador Federal Fernando Quadros Da Silva. Julgado pela Terceira Turma em 15 de maio de 2012. Disponível em: <www.trf4.gov.br/ >. Acesso em 16 mar. 2013. CAMBI, E. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. CHEVALLIER, J. O Estado Pós-Moderno. Tradução de Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009. GRINOVER, A. P.; NERY JUNIOR, N.; WATANABE, K. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. vol. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. GRINOVER, A. P. Direito Processual Coletivo. In: GRINOVER, A. P.; MENDES, A. C.; WATANABE, K. (Org.). Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. GRINOVER, A.P. (et al.). Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. HOMMERDING, A. N. Fundamentos para uma compreensão Hermenêutica do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. ISAIA, C. B. Processo Civil, atuação judicial e hermenêutica filosófica. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2011. _____. Processo Civil e Hermenêutica. A crise do procedimento ordinário e o redesenhar da jurisdição processual civil pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá, 2012. NUNES, D. J.C. Fundamentos e dilemas para o sistema processual brasileiro: uma abordagem da litigância de interesse público a partir do Processualismo Constitucional Democrático. In: FIGUEIREDO, E.H.L.; MONACO, G.F.C.; MAGALHÃES, J.L.Q. (org.). Constitucionalimo e Democracia. 1.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
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SALDANHA, J. M. L.. Substancialização e efetividade do direito processual civil - A sumariedade material da jurisdição: proposta de estabilização da tutela antecipada em relação ao projeto de novo CPC. Curitiba: Juruá, 2011. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n.º 282, de 02 de agosto de 2012. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina das ações coletivas. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106771>. Acesso em 16 mar. 2013. SILVA, O. A. B. Processo e Ideologia: o Paradigma Racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2006. STRECK, L. L. O que é isto – decido conforme a minha consciência? 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. _____. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2011.
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DIREITO DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE TURISMO: DOUTRINA E JURISPERUDÊNCIA.
DERECHO DEL CONSUMIDOR EM LAS RELACIONES DE
TURISMO: DOCTRINA Y JURISPRUDENCIA.
José Washington Nascimento de Souza
RESUMO São constantes, as reclamações de turistas tanto brasileiros quanto estrangeiros, tendo
em vista os diversos problemas que lhes são ocasionados, por vícios ou defeitos na
prestação de serviços. São problemas com cartões de crédito, exploração por parte dos
taxistas em geral, mal atendimento nos bares e restaurantes, hotéis sem verdadeira
estrutura para receber hóspedes, atrasos ou cancelamentos em vôos, entre outros. No
Brasil, temos órgãos oficiais, a exemplo da Embratur, que cuida da política de turismo,
mas que não exerce um papel de fiscalização das mazelas que muitos empresários
proporcionam para os viajantes. As delegacias especializadas em questões de turismo,
normalmente só atuam quando o problema já ocorreu; não há uma atividade preventiva
efetiva. Por outro lado, a qualidade da prestação de serviços é tão ruim, que as agências
reguladoras vêm aplicando multas atrás de multas nas empresas que mais problemas
ocasionam aos usuários. No caso da atividade aérea, a ANAC – Agência Nacional de
Aviação Civil editou em 09 de março de 2010, a Resolução de nº 141, dispondo sobre
as condições gerais de transporte aplicáveis aos atrasos e cancelamentos de vôos e às
hipóteses de preterição de passageiros, visando coibir abusos por parte das diversas
companhias aéreas que trafegam no Brasil. Por sua vez, o nosso Código de Defesa do
Consumidor – Lei 8.078/90, não poderia deixar de ser o instrumento mais adequado à
defesa do turista, pois, atribui aos fornecedores de produtos e serviços, a
responsabilidade civil, acerca dos diversos vícios e defeitos no fornecimento de
produtos e na prestação de serviços. O turismo é considerado uma das atividades, senão
a atividade mais rentável do mundo, e cabe aos governos nas diversas esferas, cuidar
cada vez mais pelo seu desenvolvimento, primando pela qualidade que devem oferecer
àqueles que se dispõem a sair das suas residências, para visitarem outros lugares, em
busca de diversão, aventura, ou mesmo descanso.
Palavras chave: Turista; consumidor; qualidade; serviço.
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RESUMEN
Son constantes las reclamaciones de turistas, tanto brasileños como extranjeros,
causadas por los diversos problemas que le son ocasionados, por vicios o defectos en la
prestación de servicios. Son problemas con tarjetas de crédito, explotación por parte de
los taxistas en general, mal atendimiento en bares y restaurantes, hoteles sin verdadera
estructura para recibir a sus huéspedes, atrasos o cancelación de vuelos, entre otros. En
Brasil tenemos órganos oficiales, por ejemplo Embratur, que cuida de la política del
turismo, pero que no ejerce un papel de fiscalización de las molestias que muchos
empresarios les proporcionan a los viajeros. Las comisarías especializadas en cuestiones
de turismo normalmente solo actúan cuando el problema ya sucedió; no existe una
actividad preventiva efectiva. Por otro lado, la calidad de la prestación de servicios es
tan mala que las agencias reguladoras están aplicando una multa detrás de otra en las
empresas que más problemas les ocasionan a los usuarios. En el caso de la actividad
aérea, la ANAC – Agencia Nacional de Aviación Civil- editó el 9 de marzo de 2010 la
resolución n°141, que dispone las condiciones generales del transporte, aplicables a los
atrasos o cancelaciones de vuelos, y a las hipótesis de maltrato de pasajeros, con la
intención de limitar los abusos que cometen diversas compañías aéreas que funcionan
en Brasil. A su vez, nuestro Código de Defensa del Consumidor- Ley 8.078/90, no
puede dejar de ser el instrumento más adecuado para la defensa del turista, pues les
atribuye a los proveedores de productos y servicios, la responsabilidad civil acerca de
los vicios y defectos en el abastecimiento de productos y en la prestación de servicios.
El turismo es considerado una de las actividades más rentables del mundo y les
corresponde a los gobiernos en sus diversas esferas, cuidar cada vez más por su
desarrollo, priorizando la calidad que deben ofrecer a aquellos que se disponen a salir de
sus residencias para visitar otros lugares, en busca de diversión, aventura o descanso.
Palabras clave: Turista; consumidor; calidad; servicio.
1. INTRODUÇÃO
Este texto busca tratar o turismo e o turista, como tema especial inserto nas
relações de consumo, tendo em vista a importância dessa atividade, considerada a
“indústria sem chaminé” e importante fator de desenvolvimento regional, tanto por
movimentar as economias locais, quanto pela forte tendência à chegada de divisas.
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Não é à toa, que muitas cidades que tinham uma fraca economia, produto
interno bruto baixíssimo, tendo em vista uma política de décadas voltada para o
desenvolvimento do turismo, passaram a ser consideradas pólos internacionais e
visitadas por turistas de todo o mundo, a exemplo de Maceió e Fortaleza, tidas como
duas das cidades mais pobres do país.
Um caso a se destacar, é o da cidade de Salvador, hoje um dos pólos
turísticos mais visitados do Brasil, que sem sombra de dúvidas, buscou a sua vocação
turística através da forte tendência de seus inúmeros gêneros musicais. A Bahia, como
um todo, há cerca de quatro décadas, era mais conhecida como um Estado cuja capital
era composta de centenas de igrejas e de um sem número de ladeiras, na qual tinha
alguns cantores, a exemplo de Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria
Betânia, além de ser a terra do acarajé e da capoeira.
Hoje Salvador se destaca no cenário mundial como pólo turístico, recebendo
anualmente milhões de visitantes que veem desfrutar das suas belezas naturais, da sua
musicalidade, da culinária, e, porque não dizer da sua mística cultura como um todo.
Locais anteriormente considerados sem muita expressão encontraram no
turismo a sua maior vocação, e conseguiram ser enxergados em todo o mundo como
propícios para investimentos de todas as espécies.
Entretanto, alguns estados com grande vocação turística e imensa recepção
anual de viajantes, carecem de uma estrutura maior de segurança pública, que possa
trazer para o turista a tranqüilidade que eles esperam em suas viagens, quer sejam
pessoas residentes no país, ou vindas do exterior.
A criação de delegacias especializadas para o turista é de pouca solução,
pois o mais importante não é ter a quem recorrer numa hora de infortúnio fora de seu
domicilio. O que mais interessa, é o cidadão poder andar nas ruas, ir aos bares e
restaurantes, às casas de espetáculos senão com total, mas com relativa segurança, o que
só será possível, com uma considerável estrutura policial ostensiva, o que é por demais
carente em nosso Brasil.
Apesar de o Brasil ser um dos destinos mais visitados por turistas de todo o
mundo, ainda está aquém na prestação de serviços de alta qualidade, tanto no que se
refere aos estabelecimentos comerciais, quanto às companhias aéreas, só para citar.
E como no nosso país temos um Código de Defesa do Consumidor dos mais
avançados, cabe ao turista local ou estrangeiro, valer-se da nossa tão bem elaborada
legislação, para, em sendo desrespeitado nos seus direitos, buscar a devida reparação.
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2. ANÁLISE CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal do Brasil primou em seu texto, pela aplicação de
diversos princípios, em especial pelo princípio da dignidade da pessoa humana,
insculpido no seu artigo 1º (Dos Princípios Fundamentais), inciso III.
Reza o caput do artigo 5º da Carta Magna:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à Vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (EC nº 45/2004): (Sem grifo no original). Por sua vez, o inciso XV, prevê que: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
Amparados pelos textos acima transcritos, um sem número de brasileiros, e
até mesmo de estrangeiros, se locomove dentro do território nacional, buscando entre
outras modalidades diferentes de vida, o lazer em outras localidades, lazer esse tratado
como um direito social presente no caput do artigo 6º da Constituição Federal:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Sem grifo no original).
O lazer, como atividade principal do turista, é tratado na Carta Magna,
juntamente com o direito à liberdade que tanto se busca, e a segurança que tanto se
necessita.
E a Constituição Federal de 1988, também trouxe no seu bojo, a
preocupação com o consumidor, categoria essa na qual se enquadra o turista, quando em
seu artigo 5º, inciso XXXII, estabeleceu que “o Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor”.
E a defesa daquele enquadrado na categoria de consumidor, está prevista em
um instrumento da mais alta qualidade, que é o Código de Defesa do Consumidor,
instituído pela Lei 8.078/90.
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3. CONCEITOS
Este trabalho não teria o alcance desejado, se não fossem informados os
conceitos dos diversos institutos a serem estudados, conforme se segue:
3.1 Relação de Consumo
Objetivamente, relação de consumo nada mais é, do que a relação contratual
existente entre consumidor e fornecedor. Paulo R. Roque A. Khouri, (2005, p.42),
informa que:
É preciso, então, em primeiro momento, estudar mais detidamente o conceito de consumidor e de fornecedor, nascendo, da relação entre ambos, a relação de consumo, habitat próprio da atuação do microssistema jurídico, cujo centro é o CDC. A relação de consumo vai comportar dois elementos fundamentais: o subjetivo e o teleológico. O subjetivo manifesta-se na qualidade dos partícipes dessa relação. É que necessariamente deverão estar nela envolvidos um fornecedor e um consumidor. Já o elemento teleológico se manifesta no fim da aquisição do bem ou serviço, qual seja, a destinação final. A doutrina fala ainda em um elemento objetivo, que seria o produto ou o serviço. Por sua vez, Antônio Carlos Efing (2010, p.32), assevera que: Mostra-se de extrema relevância o estudo das relações celebradas entre consumidores e fornecedores, já que inevitavelmente nos encaixamos, todos, na categoria de consumidores, e, muitas vezes, também na de fornecedores.
Como bem observado, independentemente da teoria que se adote acerca de
quem efetivamente é consumidor, em algum momento seremos consumidores de
produtos ou de serviços. Observe-se que mesmo grandes grupos empresariais que
adquirem produtos ou serviços para comercialização, em determinados momento
adquirirão produtos ou serviços para consumo próprio, como destinatário final.
3.2 – Consumidor
A Lei 8.078/90, em seu artigo 2º, de forma sucinta conceitua fornecedor,
como:
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.
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Com esse texto, diversas transações de compra e venda, por exemplo, não
poderiam ser enquadradas como uma relação de consumo, e a sua discussão jurídica
passaria pelo crivo do Código Civil, e não do Código de Defesa do Consumidor.
Por outro lado, no que concerne ao termo “destinatário final”, duas teorias
se destacam, segundo Sérgio Cavalieri Filho (2010, p. 55/56):
O que deve entender por destinatário final? Em torno dessa questão há duas correntes doutrinárias. A corrente maximalista ou objetiva entende que CDC, ao definir o consumidor, apenas exige, para sua caracterização, a realização de um ato de consumo. A expressão destinatário final, pois, deve ser interpretada de forma ampla, bastando à configuração do consumidor que a pessoa, física ou jurídica, se apresente como destinatário fático do bem ou serviço, isto é, que o retire do mercado, encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que inseridos o fornecimento do bem ou a prestação do serviço. Não é preciso perquirir a finalidade do ato de consumo, ou seja, é totalmente irrelevante se a pessoa objetiva a satisfação de necessidades pessoais ou profissionais, se visa ou não ao lucro ao adquirir a mercadoria ou usufruir do serviço. Dando ao bem ou ao serviço uma destinação final fática, a pessoa, física ou jurídica, profissional ou não, caracteriza-se como consumidora. A corrente finalista ou subjetivista, a seu turno, entende ser imprescindível à conceituação de consumidor que a destinação final seja entendida como econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a utilização de um serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente ou utente, pessoa física ou jurídica, e que não objetive o desenvolvimento de outra atividade negocial. Não se admite, destarte, que o consumo se faça com vistas à incrementação de atividade profissional lucrativa.
Segundo dicção do texto acima, não pode ser considerado consumidor,
aquele que adquire o produto no mercado, e o devolve através de uma transação
comercial de revenda, no papel de intermediário. É esse o entendimento de Efing (2010,
p.32), nas palavras a seguir transcritas:
Dessa forma o intermediário encontra-se excluído do pólo passivo da relação de consumo de acordo com a corrente finalista, eis que não possui a finalidade de utilizar o produto ou o serviço como destinatário final, mas como interlocutor na aquisição dos mesmos.
3.3 – Fornecedor
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Quase nenhuma discussão se faz acerca do conceito de fornecedor, como
explicita o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor:
É toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno (2008, p.32), fornecedor:
(...) em última análise, é todo aquele que provê o consumidor de produtos e serviços.
Some-se ao conceito de fornecedor, a característica da habitualidade, o que
exclui o vendedor ou prestador de serviço eventual, da aplicação do Código de Defesa
do Consumidor. Nas palavras de De Plácido e Silva, (2008, p. 635)
Derivado do francês fournir (fornecer, prover), de que se compôs fournisseur (fornecedor), entende-se todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessários a seu consumo.
3.4 – Turismo
Houaiss (2001, p.2788), define turismo como:
Ação ou efeito de viajar, basicamente com fins de entretenimento e eventualmente com outras finalidades (ex, culturais). 1.1 prática ou exercício de excursionar, ger. em grupo, por entretenimento ou estudo.
No conceito supra, o turismo é relacionado não apenas a viagens de lazer,
entretimento, mas viagens por motivos diversos, sendo esse o entendimento, e ainda
ampliado, de Luciana Padilha Leite Leão da Silva (2005, p. 12):
Como um todo estrutura, o turismo não é mais do que um produto composto ou uma combinação de serviços, cuja funcionalidade depende de uma série de conhecimentos
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operacionais e de paciente dedicação para atendimento cabal dos requisitos da oferta e das exigências da demanda. Assim, o turismo apresenta-se como um conjunto de prestações de serviços que tem por objetivo o planejamento, a promoção e a execução de viagens, e os serviços de recepção, hospedagem e atendimento aos indivíduos e aos grupos, fora de suas residências habituais.
Envolve o turismo um conjunto de atividades que devem ser
sistematicamente planejadas, visando o conforto do turista, atividades estas que muitas
das vezes são desenvolvidas por uma única empresa especializada que oferece desde a
passagem, hospedagem, alimentação, ao translado, ao city tour, etc.
E muitas vezes os serviços fornecidos pelas operadoras não atendem às
expectativas dos consumidores, que, insatisfeitos, buscam a guarida do poder judiciário
visando à reparação pelos danos possivelmente sofridos.
3.5 – Turista
No dizer de Houaiss (2001, p. 2788), turista é o “indivíduo que faz turismo”.
Sendo assim, o Turista é aquele indivíduo que busca em suas viagens,
aventura, lazer, cultura, descanso, entre outras formas de convivência longe de suas
residências. E esse indivíduo, em regra, coloca todas as suas expectativas nos ombros de
empresas especializadas, as quais muitas vezes não cumprem nem boa parte do que fora
prometido. E o turista não tem problemas fora do seu domicílio apenas com as empresas
responsáveis por suas viagens. Outros problemas podem surgir, a exemplo dos que
iremos relatar.
Para a realização de uma viagem, em qualquer das suas modalidades, é
realizado um contrato de turismo. Nas palavras de Paulo Sérgio Feuz (2003, p.63):
O contrato de turismo é aquele que é realizado com o intuito de lazer, ou seja, um prestador de serviços que oferece a um consumidor final a oportunidade de diversão em qualquer meio ambiente natural, artificial e cultural.
Cláudia Lima Marques, citada por Feuz (2003, p.63/64), informa que:
Estes contratos são fechados entre agências de turismo e consumidores, incluindo em seu objeto não só a viagem (aérea, marítima ou terrestre), mas também a hospedagem, os translados e uma série de atividades recreativas, com excursões, idas a
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museus, shows, etc. é um contrato de prestação de serviços, mas os serviços nem sempre são prestados pela agência e sim por uma verdadeira rede de fornecedores, ficando a depender destes a qualidade da prestação total.
E quando a prestação do serviço, total ou parcial não atende às expectativas
que foram criadas pelos turistas, surge então o dever de indenizar, preconizado no
Código de Defesa do Consumidor, combinando tal dever ainda, com o teor do disposto
nos artigos 186 e 187 do Código Civil.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil decorre pura e simplesmente, da inobservância dos
ditames previstos no Código de Defesa do Consumidor, combinado com a previsão
contida nos artigos 186 e 187 do CDC.
A responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva, ou seja,
independe da comprovação de culpa.
No caso de contrato de turismo, que se caracteriza como uma prestação de
serviços, o artigo 14 do CDC assim prescreve:
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequada sobre sua fruição e riscos.
Quanto a excludentes de responsabilidade, Rafael Augusto de Moura Paiva,
(2012, p.262/263), assim se manifesta:
Um ponto a ser discutido é o que se refere às causas de exclusão ou excludentes de responsabilidade. Para nós, somente o facto exclusivamente devido à actuação da vítima e o fortuito externo, entendido como o evento inevitável completamente alheio à actividade do profissional turístico, devem ser capazes de afastar a responsabilização do profissional (em prejuízo do consumidor. O facto exclusivo de terceiro deve ser alvo de discussão, mas pensamos, para o momento, que o imperativo social de reparação e a protecção dos interesses econômicos dos turistas apontam para a responsabilização objetiva do profissional do turismo em tais casos, especialmente levando em conta a possibilidade de exercícios do direito de regresso contra terceiros.
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Questão que gera alguma discussão é o grau de responsabilização pelo vício
do serviço, inserto no artigo 20 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Cavalieri, (2010, p. 302), entende que:
Responsáveis pela reparação são todos os fornecedores, solidariamente, inclusive o comerciante. Embora o art. 20 do CDC não fale expressamente em solidariedade, o termo fornecedor, de acordo com o art. 3º do mesmo código, é o gênero daqueles que desenvolvem atividade no mercado de consumo. Assim, toda vez que o CDC refere-se a fornecedor, está envolvendo todos aqueles que participaram da prestação do serviço, pelo que poderá o consumidor escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos.
O certo é que o Código de Defesa do Consumidor, enquanto instrumento de
proteção dos consumidores em geral, é o dispositivo mais adequado que existe para
dirimir dúvidas nas relações de consumo, fazendo com que o consumidor possa, em
caso de ter seu direito lesado, buscar a devida reparação.
5. PRÁTICAS INACEITÁVEIS
O Código de Defesa e Proteção do Consumidor prevê exemplificadamente
em seu artigo 39, uma série de práticas abusivas, costumeiramente utilizadas por
diversos tipos de fornecedores de produtos e serviços.
De forma explícita, algumas práticas afetam diretamente o turista, que por
seu caráter de vulnerabilidade, longe do seu domicílio, está mais exposto ao sofrimento,
ao dano.
No rol de práticas abusivas, é possível enquadrar diversas situações às quais
os fornecedores de produtos e serviços impõem aos consumidores, em especial aos
turistas, práticas estas que não têm guarida em nossos tribunais.
5.1 Não responsabilização por objetos deixados no interior dos apartamentos.
É comum ao adentrar ao quarto de um hotel, o turista defrontar-se com uma
placa atrás da porta, com os dizeres “não nos responsabilizamos por objetos deixados no
interior dos apartamentos”.
Tal “cláusula” não tem valor jurídico, considerando-se a responsabilidade
objetiva do fornecedor de produtos e serviços, e o dever de guarda e segurança da
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bagagem dos seus hóspedes. Esta abusividade enquadra-se perfeitamente no teor do
artigo 51, I, do Código de Defesa do Consumidor:
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.
Esse é também o posicionamento dos nossos Tribunais, conforme julgado a seguir transcrito:
EMENTA: Responsabilidade civil. Subtração de objetos em quarto de pousada. Arrombamento comprovado. Dever de guarda. Dano material. Dano moral configurado, quantum da compensação. Redução. 1. Dever de guarda. É presente o dever de guarda do estabelecimento hoteleiro com relação aos pertences dos hóspedes. Assim, comprovado satisfatoriamente o arrombamento da janela do quarto e a subtração de objetos de posse e propriedade dos clientes, é dever do fornecedor dos serviços indenizar os danos sofridos pelos autores, tanto os materiais, quanto os imateriais. 2. Dano material. Apresenta-se razoável concluir que os objetos listados pela parte autora estavam na cabana no momento do furto, pois as vestimentas e os óculos são ordinariamente necessários, sendo os aparelhos de som, de filmar e de fotografar usualmente utilizados pelos turistas, a fim de registrarem os acontecimentos da viagem. Hospedagem que se deu no fim de semana comemorativo ao dia dos namorados. 3. Dano moral. Esse Tribunal já sedimentou entendimento segundo o qual o furto de objetos em hotel ou em pousadas dá azo ao reconhecimento dos danos morais. Do fato negativo emergem certamente sentimentos de desgosto, impotência, dissabor, além de todos transtornos causados, a quebra da paz e tranqüilidade dos hóspedes, rompendo o equilíbrio dos momentos de lazer. Tais fatos colocam a figura do dano moral e reclamam indenização. 4. Quantum. Montante fixado na sentença que vai reduzido, tendo-se em conta as condições econômicas da ré. Apelo parcialmente reduzido. (Apelação Cível Nº 70026206177, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, julgado em 13.11.2008).
Como apresentado, a jurisprudência sempre caminhou no sentido de que a
responsabilidade do fornecedor do serviço é objetiva, e o fornecedor de produtos e
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serviços tem o dever de indenizar, independentemente de culpa, desde que não haja
nenhuma das excludentes previstas nos incisos I e II, do § 3º, artigo 14 do CDC (em,
tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro).
No caso em tela, o turista deve comparecer a uma delegacia competente (do
turista, plantonista, etc), solicitar que se preencha o respectivo boletim de ocorrências,
descrever os objetos furtados, e solicitar o ressarcimento aos responsáveis pelo
estabelecimento. Na hipótese do não atendimento, ajuizar a respectiva ação, sendo
competente o foro do domicílio do consumidor (turista).
5.2 Atrasos, cancelamentos de vôos e extravio de bagagem.
Um dos maiores problemas com os quais se depara o turista, é com atrasos
ou cancelamentos de vôos. E o dissabor nem sempre se resume apenas a chegar ao
destino com atraso, mas, em muitas vezes, o consumidor/turista sofre além de danos
materiais (perda de negócios, por exemplo), verdadeiro dano moral motivado muitas
vezes pelo estresse e longa espera para chegar ao seu destino final.
Em 9 de março de 2010, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil
emitiu a Resolução nº 141, dispondo sobre as condições gerais de transporte aplicáveis
aos atrasos e cancelamentos de vôos e às hipóteses de preterição de passageiros,
trazendo em seu texto, por exemplo, a obrigação de a companhia aérea informar sobre o
atraso do vôo.
Em caso de atraso no aeroporto de partida por mais de quatro horas, o
transportador deverá oferecer as seguintes alternativas ao passageiro, de acordo com o
artigo 3º da retro mencionada Resolução:
I – a reacomodação em vôo próprio que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em vôo próprio a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; II - o reembolso do valor integral pago pelo bilhete de passagem não utilizado, incluídas as tarifas; Poderá ainda o fornecedor do serviço oferecer ao passageiro, a reacomodação em vôo de terceiro que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino.
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Havendo atraso no aeroporto de escala ou de conexão por mais de quatro
horas, o transportador deverá oferecer as seguintes alternativas ao passageiro (art. 4º da
Res. 141 da ANAC):
I – a reacomodação em vôo próprio ou de terceiros, que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em vôo próprio a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; II – o reembolso integral, assegurado o retorno ao aeroporto de origem, ou do trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro; III – a conclusão do serviço por outra modalidade de transporte.
O artigo 8º da Resolução 141 da ANAC prevê que no caso de cancelamento
do vôo ou interrupção do serviço, o transportador deverá oferecer ao passageiro as
mesmas alternativas contidas no artigo 4º, sendo que o reembolso integral ou a
conclusão do serviço por outra modalidade de transporte ocorre somente no caso de
interrupção.
Estabelece o artigo 14, que nos casos de atraso, cancelamento ou
interrupção de vôo, o transportador deverá assegurar ao passageiro que comparecer para
embarque o direito de assistência material, dependendo do tempo de espera, nas
seguintes condições:
I – atraso no embarque superior a uma hora: facilidades de comunicação, tais como ligação telefônica, acesso a internet e outros; II – se o atraso for superior a duas horas, alimentação adequada; III – se superior a quatro horas, acomodação em local adequado, traslado e, quando necessário, serviço de hospedagem, podendo deixar de oferecer este último, se o passageiro residir na localidade do aeroporto de origem.
Não são raros os atrasos e cancelamentos de vôo promovidos pelas nossas
companhias aéreas. Cabe ao passageiro, portanto, buscar os meios legais para se ver
ressarcidos de eventuais danos materiais e/ou morais pelos defeitos e vícios na prestação
do serviço aéreo.
O STJ se manifestou da seguinte forma, acerca do assunto:
EMENTA: Agravo Regimental em Agravo de Instrumento. Indenização. Transporte Aéreo. Cancelamento de vôo. Aplicação do CDC. Precedentes do STJ. Responsabilidade. Verbetes nrs. 7
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e 83 do STJ. Incidência. Danos morais e materiais. Valor arbitrado pela instância ordinária. Revisão. Dissídio jurisprudencial não configurado. 1. "Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil do transportador aéreo pelo extravio de mercadoria subordina-se ao princípio da ampla reparação, afastando-se a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia" (AgRg no Ag 1230663/RJ, relator Min. João Otávio de Noronha, DJe 3/9/201). 2. A desconstituição das premissas fáticas lançadas pelo Tribunal de origem, na forma pretendida, demandaria a incursão no acervo fático, procedimento que encontra óbice no verbete nº 7/STJ. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, excepcionalmente, em sede especial, o reexame do valor fixado a título de danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que a verba indenizatória, consideradas as circunstâncias de fato da causa, foi estabelecida pela instância ordinária em conformidade com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 4. Dissídio jurisprudencial que não se reconhece, seja pela ausência de semelhança fática entre as hipóteses confrontadas, ou pela falta de atendimento aos regramentos legais e regimentais da espécie. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (processo AgRg no Ag 1341046 RJ. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2010/0150249-9. Relatora Ministra Maria Isabel Galollti. Órgão julgador T4 – 4ª Turma. Data do julgamento: 07/08/2012).
No que tange ao extravio de bagagem, será ela considerada extraviada, se
não for entregue no seu posto de destino. Nesta hipótese, deve o passageiro procurar o
balcão da companhia aérea para o preenchimento do formulário de Registro de
Irregularidade de Bagagem. Serve também para o caso de a bagagem vir danificada.
Independentemente do tempo para a recuperação da bagagem, o passageiro
poderá comprovar que teve danos com o respectivo extravio, e acionar o Poder
Judiciário, visando à devida reparação.
É farta a jurisprudência no sentido de indenizar o passageiro, por todos os
dissabores sofridos, conforme exemplo transcrito:
EMENTA. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos materiais e morais. Extravio de bagagem. Dano material. Limitação prevista na Convenção de Montreal que não prevalece, ante a incidência do CDC. Responsabilidade objetiva do transportador (art. 114, “caput” do CDC). Dano moral. Prejuízo que decorre do simples fato da violação. Relação de consumo caracterizada. Quantum arbitrado que não comporta redução. Sentença mantida. (Processo Apelação nº 0111164-64.2009.8.26.010.2. Comarca
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296
de São Paulo).
5.3 Overbooking
O overbooking é uma prática em todo o mundo, que consiste em a empresa
aérea vender mais bilhetes do que o disponível no vôo, tendo em vista a média de
desistência de passageiros em vôos anteriores. Observa-se a média de ocupação, e
verifica-se que em muitas vezes, a aeronave voa com assentos vazios.
Ocorre que, mesmo observando essa média, em determinadas ocasiões a
quantidade de passageiros a embarcar é maior do que o número de assentos, fazendo
com que alguns sejam preteridos.
O artigo 10 da Resolução 141 da ANAC estabelece que:
Deixar de transportar passageiro com bilhete marcado ou reserva confirmada configura preterição de embarque
Em seu parágrafo único, prevê o dever de informação, conforme teor
transcrito:
Quando solicitada pelo passageiro, a informação sobre o motivo da preterição deverá ser prestada por escrito pelo empregador.
Prevê o artigo 12, que em caso de preterição de embarque, o transportador
deverá oferecer ao passageiro as mesmas alternativas previstas no artigo 4º, bem como a
mesma assistência material estabelecidas no artigo 14 da Resolução 141 da ANAC, já
tratado no item anterior.
Independentemente das providências administrativas a serem adotadas pelas
companhias aéreas, as mesmas são passíveis de reparação civil pela prática do
overbooking, conforme decisões a seguir transcritas:
RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos morais. Perda de vôo para a cidade de Palmas que impediu o autor de desfrutar alguns dias de férias na companhia de sua família. Prática de "overbooking" confessada pela companhia aérea. Responsabilidade civil configurada. Danos morais caracterizados. Indenização fixada em R$ 10.000,00, com correção monetária desde a data de ajuizamento da ação. Possibilidade de ratificação dos fundamentos da sentença quando, suficientemente motivada, reputar a Turma Julgadora ser o caso de mantê-la, o que se verifica em relação à configuração dos danos morais indenizáveis. Aplicação do disposto no artigo 252, do Regimento Interno do Tribunal de
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
297
Justiça do Estado de São Paulo. Provimento parcial do apelo exclusivamente para reduzir o valor da condenação imposta à companhia aérea a R$ 5.450,00, corrigidos da data do acórdão. Recurso provido, em parte. (Processo Apelação nº 9267704-15.2008.8.26.0000. Comarca de São Paulo.
Considerando que o contrato de transporte aéreo se trata de uma relação de
consumo, é possível também enquadrar o overbooking na situação de consumidor por
equiparação, conforme disposto no parágrafo único do art. 2º do CDC e de acordo com
julgado a seguir transcrito
EMENTA. Apelação Cível. Indenização por danos morais e materiais. Overooking ocorrido com a irmã da autora/apelante que deixa de embarcar para fazê-la companhia em pleno Natal. Dano moral por ricochete. Consumidora por equiparação. Indenização por danos morais devida. Valor arbitrado em R$ 15.000,00. Danos materiais demonstrados em parte. Decaimento em parte mínima do pedido do réu que deve arcar integralmente com o pagamento das custas e dos honorários advocatícios. Recurso parcialmente provido. (processo 847230-4. Acórdão 34210. Órgão julgador: 8ª Câmara Cível. Relator: Jorge de Oliveira Vargas. Tribunal de Justiça do Paraná. Data do julgamento: 26/07/2012).
5.4 Taxa de “rolha” sem prévio aviso
Taxa de “rolha”, como tradicionalmente é conhecida, é uma cobrança que se
pratica em hotéis, bares e restaurantes, para cada bebida aberta e servida por seu
serviço, ou simplesmente levada pelos hóspedes para os respectivos estabelecimentos.
Alguns restaurantes e hotéis colocam tradicionalmente avisos com a
informação relativa a essa taxa, sendo, portanto, um procedimento lícito, pois a
informação necessária é prestada antecipadamente.
Ocorre que alguns hotéis, em especial resorts que não adotam o sistema all
inclusive, só prestam a informação no tocante à cobrança da taxa de “rolha”, no
momento em que o hóspede já se encontra devidamente acomodado, ou seja, a
informação só é passada ao turista muito tempo depois da contratação do serviço.
O aviso em regra encontra-se no cardápio, e o hóspede só toma
conhecimento da referida taxa quando horas depois vai fazer uma refeição, e aproveita
para beber a bebida que levara em sua viagem, muitas vezes adquirida nos free shops.
No caso em tela, quando o consumidor só toma conhecimento da citada
“cláusula”, horas após a contratação (assinatura da ficha de hóspede, recepção da chave
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
298
do apartamento, acomodação, etc), tem-se que o artigo 46 do CDC aplica-se à espécie,
fazendo com que o fornecedor arque com todos os prejuízos porventura causados ao
consumidor, no caso o turista. A seguir o teor do citado artigo.
Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Também é direito do consumidor, a teor do inciso III do artigo 6º do CDC a
informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre
os riscos que apresentem.
No dizer de Benjamin, Marques e Bessa (2009, p. 58/59):
No CDC, a informação deve ser clara e adequada (arts. 12, 14, 18,20, 30, 33, 34, 46, 48, 52 e 54), esta nova transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato, o próprio contrato e o momento pós-contratual. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54), ou, se falha, representa a falha (vício) na qualidade do serviço oferecido (arts. 18, 20 e 35). Da mesma forma, se é direito do consumidor ser informado (art. 6º, III), este deve ser cumprido pelo fornecedor e não fraudado (art. 1º). Assim, a cláusula ou prática que considere o silêncio do consumidor como aceitação (a exemplo do art. 111 do CC/2002), mesmo com falha da informação, não pode prevalecer (arts. 24 e 25), acarretando a nulidade da cláusula no sistema do CDC (art. 51, I) e até no sistema geral do Código Civil (art. 424 do CC/2002). O direito à informação, assegurado no art. 6º III, corresponde ao dever de informar imposto pelo CDC ao fornecedor nos arts. 12,14, 18, e 20, nos arts. 30 e 31, nos arts. 46 e 54.
No caso em exame, no qual o cliente só toma conhecimento da cobrança da
taxa de “rolha” após a fase contratual, incorrendo em falha de comunicação por parte do
fornecedor, nenhum efeito jurídico pode ter em relação ao consumidor, que se sentirá
então, desobrigado do seu cumprimento.
5.5 Limites de saques/compras no cartão de crédito/débito nas viagens
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
299
Atualmente é comum as operadoras de cartões de crédito/débito, solicitarem
que seus clientes sempre que efetuarem alguma viagem as comuniquem, para efeito de
liberação dos cartões e de respectivos limites para compras e saques.
Ocorre que não é raro algumas instituições financeiras por falhas nos seus
sistemas de processamento ou de informação, efetuarem bloqueios de cartões ou não
liberarem recursos acima de determinados valores, sem avisarem aos clientes,
correntistas ou não.
Algumas instituições limitam saques em outras praças em, por exemplo, R$
100,00 ao dia, sem se darem ao trabalho de avisarem ao cliente de que devem avisar
para liberar quantias maiores, antes da viagem. E observe-se que isso independe da
quantia depositada na instituição financeira, do saldo que possui o correntista.
Então, num belo jantar em um ótimo restaurante e com excelentes
companhias (família, amigos, etc), um cliente de determinado banco vai pagar a conta, e
recebe a informação do garçom que o cartão não tem limite para tanto. Surge então a
vergonha, o desespero perante os presentes, se caracterizando então, o dever do
fornecedor em indenizar àqueles que passaram por tamanho dissabor.
Falhas na prestação de serviços no que se refere a cartões de
débitos/créditos são comuns, mas que afetam diretamente o turista, por ter maiores
dificuldades na solução do problema.
Visando coibir abusos dessa natureza, os nossos Tribunais assim têm decidido:
Ementa: Tentativa de saque em caixa eletrônico que não foi concretizada Apelante que se encontrava em cidade que não era a de sua residência Danos materiais e morais Ocorrência O dano moral está consubstanciado no prejuízo sofrido pelo cliente ao não receber o valor debitado de sua conta e ainda ficar impossibilitado de efetuar outras transações financeiras durante o dia, tudo em decorrência de falha na prestação do serviço bancário e os danos materiais são devidos em função da frustração dos objetivos da viagem Recurso parcialmente provido para condenar o apelado ao pagamento de danos morais no valor de R$ 1.000,00, corrigidos a partir do arbitramento, e danos materiais no valor de R$24,00, corrigidos a partir da ocorrência do evento danoso. Processo nº 0002945-93.2009.8.26.0470. Relator(a): Pedro Ablas.
Comarca: Porangaba. Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Privado. Tribunal de Justiça de São Paulo. Data do julgamento:
29/02/2012. Data de registro: 07/03/2012.
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300
6. CONCLUSÃO
Como dito anteriormente, o turismo é uma das atividades que mais gera
dividendos em todo o mundo. Existem no Brasil, diversos Estados e Municípios com
grande vocação para o turismo. E, entendendo que esse é o caminho que todos devem
trilhar para alcançar o desenvolvimento, muitos governos têm incentivado a atividade
turística, com a criação de diversos pólos, divulgação maciça em outros lugares,
incentivo à instalação de novos empreendimentos, etc.
Mas isso não é tudo. É necessário que os governantes se voltem também
para uma política de segurança pública, fazendo com os turistas, em especial os
estrangeiros, se sintam protegidos em nosso país e tenham o desejo de retornar. Estamos
às portas de dois eventos mundiais de grande envergadura, com apenas dois anos de
diferença de um para o outro. A Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, esta a
ser realizada no Rio de Janeiro, estado do qual, apesar da onda de pacificação nas
favelas nos últimos anos, ainda carece de segurança para a sua população como um
todo.
Internamente, sofrem os turistas com a má qualidade das acomodações em
muitos estabelecimentos classificados como de superior qualidade. Além do mais, as
companhias aéreas não fornecem, de um modo geral, a qualidade que todo turista
espera. Ao contrário, muitas vezes a espera, é no saguão dos aeroportos para o
respectivo embarque.
Como demonstrado, em diversas ocasiões as instituições financeiras são
causadoras de verdadeiros suplícios para os turistas, em especial aqueles não muito
familiarizados com viagens, ao não lhes prestarem as devidas informações, no caso de
deslocamentos para outros Estados. E ai, o sofrimento termina transformando uma bela
viagem, em um caso judicial. São demandas e mais demandas nos juizados especiais,
por conta de vícios na prestação de serviços.
Se o serviço não atende às expectativas do consumidor, turista, no caso em
estudo, resta ao Poder Judiciário, proporcionar ao viajante, a devida reparação pelos
danos possivelmente sofridos.
7. REFERÊNCIAS
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301
BENJAMIN, Antônio Hernan V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Rescoe. Manual de Direito do Consumidor. 2ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2010 EFING, Antônio Carlos (organizador). Direito do Consumo. 2ª edição. Juruá: Curitiba, 2010. FEUZ, Paulo Sérgio. Direito do Consumidor nos Contratos de Turismo. São Paulo: Edipro, 2003. FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 2008. GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antonio de Vasconcellos; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa e Proteção do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. KHOURI, Paulo R. Roque A. Khouri. Direito do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2005. PAIVA, Rafael Augusto, de Moura. Direito, Turismo e Consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. SANTANA, Héctor Valverde. Dano Moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense 2008. SILVA, Luciana Padilha Leite Leão da Silva. A responsabilidade Civil nos Contratos de Turismo em face do Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; BARIONI, Fabiana Carvalho Rodrigo. Aspectos Processuais do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
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302
GLOBALIZAÇÃO, COMÉRCIO ELETRÔNICO E HIPERCONSUMO: impactos sobre o desenvolvimento econômico
GLOBALIZATION, ELECTRONIC COMMERCE AND HYPERCONSUMPTION:
impacts on the economic development
Daniele Maria Tabosa Machado1 Maria Cristina Santiago Moura de Moura2
Resumo
Evidencia-se que um dos efeitos da globalização consubstancia-se na adoção de um padrão de consumo exacerbado, nos moldes praticados pela sociedade estadunidense, identificada pela terminologia hiperconsumo. Ainda dentro do contexto desse processo, ressalta-se o papel do avanço tecnológico, voltando atenção para o incremento do comércio eletrônico. Assim, propõe-se uma reflexão sobre o crescimento dessa modalidade comercial, bem como os impactos no desenvolvimento econômico. Para tanto, parte-se de uma análise do termo globalização, identificando-o como processo histórico, político e econômico. Em seguida, aborda-se a temática do comercio eletrônico e traça-se um paralelo entre este e o crescimento econômico. Por último, diferencia-se o crescimento econômico do desenvolvimento econômico e aborda-se a questão do hiperconsumo e sua interface com desenvolvimento econômico. Palavras chaves: globalização; comércio eletrônico; hiperconsumo. Abstract It is evident that one of the effects of globalization is consolidated on the adoption of a standard of excessive consumption, on the molds practiced by the American society, identified by the terminology of hyperconsumption. Yet in the contest of the globalization process, it is noteworthy the part played by technological progress, highlights for electronic commerce. Finally, it is proposed a reflection about this business arrangement and the impacts on the economic development. To this end, one starts with an analysis of the term ‘globalization’, identifying it as a historical, political and economic process. Next, one talks about electronic commerce and draws a parallel between it and economic growth. Lastly, one must distinguish between the economic growth of economic development and consider the question of hyperconsumerism and its interface with economic growth. Key words: globalization; electronic commerce; hyperconsumption.
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Advogada. 2Mestranda do Curso Pós-Graduação em Ciências Jurídicas – Área de concentração em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Professora do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê. Professora do Curso de Pós-Graduação de Psicologia Jurídica do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê. Advogada.
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303
1 Introdução
Pretende-se, através do presente texto, propor uma reflexão sobre os efeitos da
globalização, e consequentemente do comércio eletrônico, no desenvolvimento econômico.
Primeiramente, procurar-se-á demonstrar que o processo de globalização enseja
conseqüências de diferentes matizes. Assim, tanto provoca efeitos positivos, como também,
possui o condão de impactar negativamente no desenvolvimento econômico de alguns países
integrantes da comunidade internacional. Como base de sustentação para a presente
afirmação, serão analisados alguns conceitos sobre a globalização e suas conseqüências.
Assim, será visto que a globalização pode ser concebida como elemento desencadeador de
vários processos simultâneos, a exemplo da difusão internacional de notícias através da
internet3, possibilitando a identificação da abordagem internacional de temas como
preservação do meio ambiente, direitos humanos e integração econômica global.
Analisar-se-á, ainda alguns aspectos da sociedade atual, ressaltando-se o impacto do
avanço tecnológico, e sua marca na sociedade de hoje. Igualmente, será discutido, no presente
artigo, o acolhimento da política do hiperconsumo estadunidense e sua repercussão na
economia brasileira.
Aborda-se o papel do avanço tecnológico e do crescimento do comércio eletrônico
como tendência natural da atualidade e sua relação com o aumento do consumo na sociedade
hodierna. Enfim, serão analisados os impactos do crescimento do comércio eletrônico na
economia brasileira, questionando-se se o crescimento econômico aferido pelo aumento do
PIB (produto interno bruto) traduz-se em sinônimo de desenvolvimento econômico para o
Brasil?
Ainda, propõe-se no texto em epígrafe, observar as modificações ocorridas no
comércio eletrônico e que são, a nosso entender, consequência inerente à sociedade de
tecnologia que se vivencia na contemporaneidade. Finalmente, tece-se considerações sobre o
crescimento econômico oriundo do implemento das relações de consumo pela internet e faz-
se um contraponto com a questão do desenvolvimento econômico do país.
2 Algumas ponderações sobre globalização e a sociedade atual
3 Para o conceito de internet, utiliza-se o proposto por Pedemonte, reproduzido no livro Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil, de Liliana Minardi Paesani, segundo o qual tem-se: “Hoje, a internet é vista com um meio de comunicação que interliga dezenas de milhões de computadores no mundo inteiro e permite o acesso a uma quantidade de informações praticamente inesgotáveis, anulando toda distância de lugar e tempo” (PAESANI. 2012, p.10).
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304
A sociedade que se descortina na atualidade encontra-se marcada por inseguranças, e
incertezas. A rapidez com que as informações são veiculadas em virtude do avanço
tecnológico enseja nas pessoas efeitos de diferentes nuanças. Proliferam-se, no espírito do
homem, múltiplas inquietações, levando-os, muitas vezes, a experienciarem uma profunda
angústia. Surgem, simultaneamente, questionamentos jurídicos, filosóficos e morais a respeito
da vida humana, do meio ambiente e da sociedade na qual se está inserida.
Percebe-se que o avanço da tecnologia afeta consideravelmente a sociedade
contemporânea, sendo instrumento preciso na concretização do fenômeno da globalização.
Tem-se que globalização é um termo plurissignificativo, no entanto para o presente escrito
toma-se o conceito proposto na obra Paradigmas Inconclusos: os contratos entre a autonomia
privada, a regulação estatal e a globalização dos mercados, oferecido pelo filósofo italiano
Zolo, segundo o qual “a globalização pode ser vista, em sentido mais específico e atual, como
processo social – fortemente influenciado pela inovação tecnológica e pela informática – que
deu origem a uma rede mundial de conexões espaciais e de interdependência funcional”
(FEITOSA, 2004, p. 40).
Diga-se, ainda, dentre as inúmeras conseqüências advindas do processo globalizador,
que marca a atualidade, tem-se o contato ou interface entre vários atores sociais e fatos
econômicos, culturais e políticos que, apesar do distanciamento geográfico do local de suas
ocorrências, produzem efeitos sociais e humanos, em diferentes localidades.
Registre-se, também, que nem sempre essas conseqüências são positivas, em razão
das diferenças históricas, culturais, políticas e econômicas imanentes a cada país. (FEITOSA,
2004, p. 40-41). Para a exata compreensão da assertiva posta acima se entende, pertinente,
relembrar alguns aspectos relevantes dos países, analisados em uma perspectiva econômica
internacional e que foram sistematizadas em teorias: a teoria da dependência4, a teoria da
modernizaçã5o e a teoria do sistema-mundo.6
4 Como representantes dessas escolas destacam-se o alemão André Gunder Frank e o ucraniano Paul Baran, dentre os autores brasileiros, seus principais formuladores são Ruy Mauro, em 1997 e Theotônio dos Santos, entre outros. Em um artigo clássico, A estrutura da Dependência, publicado em 1970 na revista American Economic Review, Theotônio dos Santos conceitua a dependência como sendo uma situação na qual a economia de certos países é condicionada pelo desenvolvimento e pela expansão de outra economia à qual está subordinada. A relação de interdependência entre duas ou mais economias, e entre estas e o comércio internacional, assume a forma de dependência quando alguns países (os dominantes) podem se expandir e serem autossustentáveis, enquanto outros (os dependentes) só podem fazê-lo como um reflexo daquela expansão, o que pode ter um efeito positivo ou negativo sobre seu desenvolvimento imediato. (Revista Carta Capital Edição de 06. 2012.) 5 As teorias da modernização pretendem ter validade geral e alcance global, mas seu objetivo específico é a mudança no mundo pós-colonial, pensando-a no interior da concepção norte-americana de Guerra Fria, que essas mesmas teorias ajudaram a consolidar. Identifica um padrão de sociedade “tradicional” e um padrão de sociedade “moderna” e define modernização como o processo de passagem de um padrão a outro, passagem,
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305
Os adeptos da teoria da dependência concentram sua atenção nos países
subdesenvolvidos construindo uma visão crítica sobre a relação destes com os países centrais.
Para se compreender a unidade nacional ou regional, seria preciso verificar o progresso da
economia. Assim, dentro do sistema político-econômico mundial, seriam centrais as
economias que adotassem técnicas capitalistas de produção e periféricas aquelas que
permanecessem atrasadas no ponto de vista do incremento tecnológico em sua produção. Por
sua vez, a teoria da modernização, de viés funcionalista e sociológica distingue as sociedades
tradicionais das modernas, categorizando o mundo em três seguimentos. O primeiro formado
por países de economia industrializada; o segundo formado por países de economias
planejadas, caracterizadas pelo sistema socialista e o terceiro constituído por países
subdesenvolvidos e dependentes. Enfim, tem-se a teoria sistema-mundo cuja construção
dogmática parte de uma análise global do processo capitalista e da sua influência nos sistemas
sociais. Assim, a teoria do sistema-mundo contempla em seu bojo a existência de uma
categoria intermediária entre o centro e a periferia, denominada semiperiferia7.
Desta forma, determinados países são centros de acumulação do poder mundial – em
razão de controlarem o excedente produzido – enquanto outros suportam a exploração e
impotência. Cumpre-se, no entanto, esclarecer que no entendimento de Wallerstein a
semiperiferia é composta por países que tanto desenvolvem atividades de núcleo
(industrialização) como, também, atividades de periferia (agricultura). Diga-se, ainda, que as
categorias de Wallerstein foram revisadas pelo economista Arrighi, que apesar de identificar
porém, que a própria teoria não explica. “By defining a singular path of progressive change, the concept of modernization simplified the complicated world-historical problems of decolonization and industrialization, helping to guide American economic aid and military intervention in post-colonial regions. Unfortunately, the story typically concludes, modernization theory was hopelessly reductionist in its conception of change abroad, fundamentally conservative in its politics, and blindly reflective of the political and social prejudices of the mid-century American Establishment.” (GILMAN, 2003, p. 3) (artigo em pdf teorias do desenvolvimento de Miriam Limoeiro Cardoso). 6 A partir dos anos 70 do século XX, com as obras seminais de Immanuel Maurice Wallerstein e Giovanni Arrighi, abre-se a possibilidade de uma abordagem alternativa e contra-hegemônica às propostas realista e liberal do sistema internacional. Influenciados pelo estruturalismo de Braudel, por vários escritores dependentistas, e por diversos analistas comprometidos com a renovação e aplicação do marxismo, Wallerstein e Arrighi realizaram a importante obra de construir uma ponte entre estes analistas e o campo da Política Internacional. O resultado foi uma fecunda e criativa interpretação do sistema internacional que, além de seus claros avanços metodológicos, produziu uma abordagem comprometida com a crítica ao “status quo” em uma área do conhecimento tão caracterizada pelo conservadorismo positivista e liberal. (Ref. Arquivo em pdf Márcio Roberto Voigt). 7 Contudo, para fins de fundamento da reflexão proposta, no presente escrito, verifica-se, pertinente, tecer-se algumas considerações sobre a teoria do sistema-mundo na visão de seu criador Imanuel Maurice Wallerstein e, também, na perspectiva proposta por Giovanni Arrighi. Para Wallesrstein há um único mundo, articulado por um complexo sistema de trocas econômicas, caracterizado pela dicotomia capital e trabalho e pela acumulação de capital entre agentes em concorrência. Ainda, segundo sua ótica todos os países incluem dentro de sua estrutura interna de mercado, simultaneamente, atividades de “núcleo orgânico” e de “periferia” (FEITOSA, 2011).
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306
as fragilidades conceituais da teoria de Wallerstein da semiperiferia8, passou a adotá-la,
fazendo, entretanto, algumas considerações. Assim, evidencia-se a generalidade e abstração
dos critérios definidores da categoria dos países semiperiféricos, mas, mesmo assim, acolhe o
termo, e expõe o seu pensamento de que podem integralizar essa categoria os Estados que
exportam grande quantidade de produtos; revelam grande disparidade de salários e de
margens de lucro; e buscam atingir grande variedade de políticas para o desenvolvimento do
mercado interno e inserção no mercado internacional.
Percebe-se, pelo escritos dos teóricos que o fenômeno da globalização, não tem o
condão de modificar essa situação de desigualdade existente na atual estrutura da economia
mundial. Interessante, ressaltar-se, neste ponto particular, o pensamento de Arrighi,
notadamente, no que diz respeito ao reconhecimento da existência de um vício histórico,
marcado pela preponderância de determinados Estados e mercados no controle global das
riquezas, onde o processo de globalização resulta, em última análise, na instrumentalização
dessas riquezas globais em seu próprio benefício (FEITOSA, 2011).
Desta forma, pode-se afirmar que as questões econômico-sociais dos países da
semiperiferia e os da periferia não são prioridade nos debates propostos dentro do chamado
núcleo orgânico.
Neste ponto de escrito, pode-se, facilmente, compreender os impactos negativos de
algumas políticas econômicas implantadas com sucesso em determinados países. Trata-se da
constatação de que os países integrantes da comunidade global não guardam entre si
semelhanças sociais, políticas e econômicas. Notadamente, se integram categorias
diferenciadas. É o que se verifica, por exemplo, com a política do hiperconsumo que será
tratada, logo mais, no presente escrito. Contudo, nesta oportunidade, entende-se, ainda,
importante ressaltar o entendimento do economista Celso Furtado em obra intitulada, O
Capitalismo Global, na qual o teórico reproduz como traço de seu pensamento a concepção de
que no Brasil é patente a tendência da concentração da riqueza e da renda, nas mãos de uma
minoria, associada a uma falta de investimento no fator humano. O resultado desta equação,
na visão do autor, é uma sociedade marcada por extremas desigualdades sociais. Registra,
ainda, a influência dos Estados Unidos sobre o Brasil, destacando, também, o papel do
hiperconsumo estadunidense, como elemento incentivador do endividamento interno e
8 Interessante, registrar, ainda, dentro desta categoria de semiperiferia, o posicionamento de Feitosa em ensaio articulado sobre desenvolvimento econômico e direitos humanos, no qual é proposta a separação entre comandos políticos e econômicos, indispensáveis às formulações de Arrighi. Para tanto, a ensaísta esclarece sua pretensão de ampliação teorias existentes em volta do conceito de semiperiferia. Aduz, também, que compõem esta categoria os países da America Latina, dentre os quais, referencia de forma expressa o Brasil. Para esta reflexão sugere o enfoque na relação existente entre políticas públicas e direitos humanos. (FEITOSA, 2011).
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307
externo do nosso país. Ressalta, ainda, o economista que o hiperconsumo, presente no Brasil,
é fruto do processo de globalização (FURTADO, 2007). E a globalização proporcionou o
surgimento do consumo eletrônico, por meio da internet, daí o porquê de se afirmar que existe
íntima relação entre o desenvolvimento do comércio eletrônico e o consumismo. E que,
obviamente, ambos refletem no crescimento econômico do País.
3 Um pouco mais de reflexão sobre a política do hiperconsumo
Para falar em consumo toma-se como referencial teórico a obra de Zygmunt Baumn,
especificamente, Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, no qual o
autor trabalha a questão do consumo e do consumismo, trançando-se, inclusive, um liame
distintivo entre as duas categorias.
Entende-se importante, inicialmente, pontificar alguns entendimentos sobre
sociedade, porque é a partir de uma compreensão da sociedade de tecnologia que se chegará
ao conhecimento do papel do consumo e do consumismo e sua análise a partir do
desenvolvimento do comércio eletrônico.
É importante, destacar, também, que na fase atual da sociedade a forma pela qual se
concretiza as relações interpessoais são, essencialmente, via mídia eletrônica, daí, porque
alguns autores já trazem a expressão cibervida, aludindo-se a parte da rotina mediada
eletronicamente, no que a vida social se transmuda em vida eletrônica, ressaltando-se, que a
maior parte dessa vida, se passa ao lado de um computador, um i-Pad ou celular, apenas
“secundariamente ao lado de seres de carne e osso” (BAUMAN, 2008, p. 9).
Ainda, sobre o tema da tecnologia, crê-se oportuno reproduzir um trecho da obra de
Bauman:
Cada vez mais pessoas preferem comprar em websites do que em lojas. Conveniência (entrega em domicilio) e economia de gasolina compõem a explicação imediata, embora parcial. O conforto espiritual obtido ao se substituir um vendedor pelo monitor é igualmente importante, se não mais. [...] É tão mais reconfortante saber que a minha mão, só ela, que segura o mouse e meu dedo, apenas ele, que repousa sob o botão (2008, p. 27).
Associada a esse desejo de isolamento e de preservar-se do contato direto, físico e
pessoal com vendedor, tem-se, também a vivência da era dos desktops, laptops, dispositivos
eletrônicos e celulares, cada vez mais portáteis, e que permitem a expansão do comércio
eletrônico, objeto do tópico seguinte. Ainda, citando-se Bauman, registre-se que:
E como as lojas da internet permanecem abertas o tempo todo, pode-se esticar à vontade o tempo de satisfação não contaminada por qualquer preocupação com
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308
frustrações futuras. Uma escapada para fazer compras não precisa ser uma excursão muito planejada- pode ser fragmentada numa série de agradáveis momentos de excitação, profusamente, borrifados sobre todas as outras atividades existenciais, acrescentando cores brilhantes aos recantos mais sombrios e monótonos (2008, p. 28).
Destas palavras reproduzidas do sociólogo é fácil compreender o crescimento do
comércio eletrônico na era da tecnologia. Este fenômeno já tinha sido detectado, no final da
década de 20, por Kracauer, pensador de notável perspicácia, citado por Bauman, que
percebeu uma tendência, ainda invisível, para muitos teóricos, da transformação da sociedade
de produtores em sociedade de consumidores (2008. p. 13).
Sobre o consumo o autor esclarece tratar-se de uma condição praticamente imanente
à própria condição humana, sendo inclusive integrante das formas mais e rudimentares de
arranjo social. Ainda segundo o autor o consumo é um padrão de comportamento, sendo
identificado como elemento inseparável da “sobrevivência biológica” (BAUMAN, 2008, p.
37). Existindo, dessa forma, ao longo da história, apenas uma modificação no padrão de
consumo, sendo, assim, marcado por uma continuidade.
Para explicar o consumo é preciso visualizar a existência de uma cadeia que perpassa
toda a história humana. Integram essas cadeias as atividades de consumo e correlatas, como
produção, armazenamento, distribuição e remoção de objetos de consumo. É importante,
destacar, no entanto, que tanto a produção como o consumo adquiriram autonomia um em
relação ao outro (BAUMAN, 2008, p. 38). Dessa forma, o autor identifica o rompimento
histórico de uma “era paleolítica”, marcada por uma existência precária de povos coletores,
para uma fase marcada pela estocagem ou “era dos excedentes”. Contudo, para o sociólogo,
somente, milênios mais tarde aconteceria uma revolução reconhecida como um divisor de
águas, com relação a esse fenômeno a chamada revolução consumista9.
Neste ponto, do escrito, é imprescindível discorrer que para tratar do consumismo, o
sociólogo alemão, tomou as categorias chamadas de “tipos ideais” de Max Weber, para
reportar-se à “sociedade de consumidores” e do “consumismo”.
Assim, para Bauman consumimso “é um tipo de arranjo social da reciclagem de
vontades, desejos e anseios humanos rotineiros e permanentes” (2008, p. 38).
Nota-se a partir do que foi até o momento proposto pelo teórico que enquanto o
consumo é uma característica e uma ocupação de seres humanos como indivíduos, o
consumismo é um atributo da sociedade.
9 Segundo Bauman, a “revolução consumista” ocorreu milênios mais tardes, com a passagem do consumo ao consumismo, quando aquele, como afirma Colin Campbell, tornou-se “especialmente importante, se não central”para a vida da maioria das pessoas, “o verdadeiro propósito da existência” (BAUMAN:2011:38).
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309
Desta forma, entende-se, que diante da tecnologia, que é instrumento eficaz no
processo de globalização, se concretiza o consumo e o consumismo no comércio eletrônico.
De acordo com Murguel Branco:
O consumismo é um processo eticamente condenável, pois faz com que as pessoas comprem mais do que realmente necessitam. Por meio de complexos sistemas de propaganda, que envolvem sutilezas psicológicas e recursos espetaculares, industriais e produtores induzem a população a adquirir sempre os novos modelos de carros, geladeiras, relógios, calculadoras e outras utilidades, lançando fora o que já possuem (2002, p. 44).
Destarte, o comércio eletrônico em razão das facilidades oferecidas, como se verá
adiante, entre outros motivos, estimula cada vez mais o consumo, levando as pessoas a
adquirirem bem mais do que realmente necessitam.
4 Análise do comércio eletrônico no Brasil
Entende-se necessário, ainda de forma preliminar, traçar algumas considerações
iniciais a respeito do conceito de comércio eletrônico.
Inúmeros conceitos são dados ao comércio eletrônico, e todos eles se preocupam
em definir a forma por meio da qual esse comércio se realiza, uma vez que é o novo meio
que o caracteriza, qual seja a rede mundial de computadores.
De acordo com a autora Cláudia Lima Marques o comércio eletrônico pode ser
definido de maneira estrita e ampla:
O comércio eletrônico pode ser definido de uma maneira estrita como uma das modalidades de contratação não-presencial ou á distância para aquisição de produtos e serviços através do meio eletrônico. Já de maneira ampla abrange qualquer forma de transação ou troca de informação comercial ou visando a negócios, aquelas baseadas na transmissão de dados sobre redes de comunicação como a internet, englobando todas as atividades negociais, juridicamente relevantes, prévias e posteriores á venda ou à contratação (2004, p. 38).
Dessa forma, trata-se de uma definição extensa que inclui os setores produtivos e de
distribuição, o setor público e o setor privado, os bens materiais e imateriais, os contratos
entre empresas e entre empresas e consumidores.
Assim sendo, o comércio eletrônico traduz-se na negociação de bens e/ou serviços
realizada através do processamento e transmissão eletrônico de dados. No mesmo sentido
Ricardo Lorenzetti entende que se trata de uma modalidade de compra e venda à distância,
constituída pela aquisição de produtos e ou serviços através de equipamentos eletrônicos de
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
310
transmissão de dados, por meio dos quais são transmitidas e recebidas informações (2004, p.
91).
Para a Comissão da União Européia o comércio eletrônico compreende várias
atividades, tais como: a comercialização de bens e serviços por via eletrônica, a distribuição
on –line de conteúdo digital, a realização por via eletrônica de operações financeiras e de
bolsas, a obra pública por via eletrônica e todo procedimento deste tipo celebrado pela
administração pública (LORENZETTI, 2004, p. 92).
Existem duas modalidades de comércio eletrônico tendo em vista o critério dos
sujeitos que o praticam e o critério do modo de cumprimento das transações (PEREIRA.
2002, p. 175). Quanto ao critério dos sujeitos que o praticam, divide-se em: B2B (business-to-
business), comércio eletrônico realizado entre empresas ou entidades equiparadas; B2C
(business-to-consumer), comércio eletrônico realizado entre empresas e consumidores; C2C
(consumer-to-consumer), negócios realizados entre consumidores finais e G2B/B2G
(government-to-business/business-to-government), negócios entre o governo e empresas.
Por fim, quanto ao critério do modo de cumprimento das transações, divide-se em:
comércio eletrônico direto (bens digitalizáveis), que se consubstancia na encomenda,
pagamento e entrega direta em linha de bens incorpóreos e serviços, susceptível de entrega
eletrônica, como, por exemplo, a compra e venda em linha de programas de computador, e
comércio eletrônico indireto (bens não digitalizáveis), o qual consiste na encomenda
eletrônica de bens que têm de ser entregues fisicamente por meio dos canais tradicionais,
como os serviços postais.
5 Considerações sobre o crescimento do comércio eletrônico no Brasil
Será visto adiante que o comércio eletrônico oferece uma série de vantagens tanto
para os consumidores, quanto para as empresas, bem como para os países, o que proporcionou
um extraordinário crescimento deste setor no Brasil e no mundo.
No que se refere às causas de crescimento do comércio eletrônico, pode-se citar aqui
algumas delas, que favorecem o consumidor, tal como a relativização do tempo e do espaço
devido a eliminação das barreiras geográficas, uma vez que para o consumidor realizar uma
compra por meio da internet não precisa mais sair de casa, ou mesmo pode realizá-la de onde
quer que esteja desde que tenha acesso à internet por meio de um celular, notebook, tablet,
etc. Com isso o consumidor não precisa mais se dirigir a determinada loja, economizando,
dessa forma, tempo, algo que nos dias de hoje está cada vez mais limitado. Essa nova forma
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311
de se contratar, também, permite a eliminação das barreiras geográfica, podendo o
consumidor adquirir produtos de qualquer localidade do país, bem como alcançar mercados
internacionais, possibilitando a escolha de produtos pelo mundo.
Os preços competitivos e as facilidades de pagamento oferecidas pelas lojas virtuais
também foram motivadores para as vendas. Os preços no mercado virtual são na maioria das
vezes inferiores aos preços nas lojas físicas, por diversos motivos, um deles é a maior
competitividade neste setor, pois cada vez mais as lojas estão indo para o mundo virtual; sem
falar na questão dos custos reduzidos para manter as empresas virtuais, pois uma série de
despesas próprias de lojas físicas são eliminadas.
Comprar pela internet também proporciona a possibilidade de comparação de preços
de forma mais fácil e rápida, através de sites especializados, assim, o consumidor não precisa
mais ir de loja em loja pesquisando preço.
O sortimento limitado em lojas tradicionais devido á falta de espaço físico para
estoque de mercadorias, não é um problema encontrado nas lojas virtuais, o que faz com que
os consumidores procurem cada vez mais o comércio eletrônico para realizarem suas
compras, visando uma maior disponibilidade de produtos.
Outro fator que fez aumentar os números do comércio eletrônico no Brasil foi o
barateamento dos custos para acesso, tanto no que se refere aos equipamentos para acesso
como computadores, quanto aos serviços oferecidos pelos provedores, como banda larga.
Ambos com preços cada vez mais acessíveis à população principalmente de baixa renda.
Já as políticas de inclusão digital do Governo Federal também contribuíram neste
processo, pois passa a oferecer acesso à internet gratuito para as pessoas mais pobres. Assim,
todas essas medidas incentivam cada vez mais a utilização da internet e consequentemente a
celebração de contratos por meio dela.
Para as empresas são inúmeras as vantagens oferecidas pelo comércio eletrônico, tais
como redução de custos com aluguel, vendedores, decoração, vitrines, segurança e
saneamento, comparando-se aos custos de uma empresa física. Tais vantagens implicam em
produtos com preços mais baixos e competitivos; disponibilidade de atendimento todos os
dias da semana, produtos direcionados a público global e não apenas local; entre outros.
O comércio eletrônico também ajuda os empresários a encontrarem novos clientes e
fornecedores de forma mais rápida e com menos custos, pois ao conectar diretamente
produtor e consumidor muitos intermediários são eliminados, restando apenas aqueles que
não representam custos, mas apenas agregam valor ao produto.
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312
Assim, a internet contribui para a eficiência das empresas e abre um leque de
oportunidades para a expansão dos negócios de todos os envolvidos, devido à redução dos
custos nas transações, aumento da competição, podendo ajudar a reduzir os preços dos
produtos. Logo, de um lado está o fornecedor, que ganha competitividade ao ampliar a
atuação geográfica no país, além de possibilitar o acesso aos mercados globais; do outro, o
comprador, o cliente empresarial, que descobre um poder maior de barganha. No final, a
economia do país é a maior beneficiada.
Assim, o comércio eletrônico também proporciona o crescimento econômico dos
países em desenvolvimento, pois melhora a competitividade no comércio internacional.
A principal vantagem do comércio eletrônico segundo a OMC para os países em
desenvolvimento é a possibilidade de ele poder ajudar seus produtores e consumidores a
superarem alguns de seus principais problemas no comércio, como a distância dos mercados e
a falta de informação sobre oportunidades e ofertas disponíveis.
Assim, como as estradas de ferro no século passado, a Internet pode gerar um ganho
quantitativo e qualitativo nas economias nacionais através da dinamização da cadeia de
fornecedores, diminuindo custos e estoques (GICO Jr., 2003, p. 267).
Assim, o comércio eletrônico é tido como fator de crescimento nas nações mais
pobres, pois requer pouco investimento. Além de que fomenta o consumo, o que gera
circulação de riquezas e consequentemente o crescimento econômico para os países em
desenvolvimento.
6 Realidade do comércio eletrônico no Brasil
Quanto ao crescimento do comércio eletrônico no Brasil, somente em 2011 este setor
cresceu 26%, que, por sua vez, movimentou 18,7 bilhões de reais, segundo os dados da
Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Em 2010, o crescimento do setor foi acima do
comum de 40%, faturando 15 bilhões de reais. Sendo que o crescimento médio anual nos
últimos 10 anos foi de 43,5%, pois faturava algo ao redor de R$ 0,5 bilhões em 2001. Assim,
esses números mostram um estrondoso crescimento do comércio eletrônico no Brasil. E a
estimativa é que em 2012 se alcance um faturamento de 23,4 bilhões, o que representa um
acréscimo nominal de 25% em relação a 2011.
Também vem crescendo o número de pessoas comprando pela internet, que são os
chamados e_consumidores, de 2010 para 2011 houve um crescimento de 37%, sendo 9 milhões de
novos e-consumidores em 2011. Com isso, chega-se a 32 milhões de pessoas que realizaram, ao
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313
menos, uma compra online até hoje. Outro fator importante é que dentre os novos consumidores
incluem-se pessoas das mais diversas faixas etárias e cada vez mais de menores níveis de
renda, uma vez que dos 9 milhões de novos e-consumidores 61% pertencem à classe C.
Em 2011, as categorias de alto valor agregado, como Eletrodomésticos, Informática e
Eletrônicos, foram a preferência dos e-consumidores, segundo informações do site do
mercado livre.
De acordo com a Pesquisa TIC Domicílios e Usuários 2007, o acesso à internet nas
regiões brasileiras mostra fortes variações, principalmente entre o eixo Sul/Sudeste e
Norte/Nordeste. As dificuldades históricas de desenvolvimento econômico e social nessas
duas últimas regiões explicam a baixa proporção de indivíduos que já usaram internet. A
Região Sul apresentava o maior percentual de pessoas que já acessaram a internet (46%); a
Região Norte, o menor (32%).
A A. T. Kearney divulgou, um estudo chamado “Índice de e-Commerce de Varejo
2012” no qual o Brasil aparece como o segundo colocado dentre os países emergentes com
maior potencial de crescimento no varejo online, atrás da China, além do mais atraente para
investimentos no varejo.. Este estudo avaliou o potencial em e-commerce de cerca de 30
países emergentes para o desenvolvimento do e-commerce, levando em conta o acesso à
internet, a legislação e a infra-estrutura. Ainda de acordo com referido estudo, a estimativa é
que o comércio online brasileiro cresça 12% anualmente pelos próximos cinco anos.
Por fim, como expressão de todo esse crescimento, segundo o levantamento
encomendado pela Visa à América Economia Intelligence o comércio eletrônico brasileiro
representa hoje cerca de 1% do PIB brasileiro.
7 O Impacto do comércio eletrônico na economia
Quanto ao impacto do comércio eletrônico na economia brasileira, ele pode ser
sentido em vários setores, entre eles: o de serviço de comunicação devido à emergência da
telefonia pela Internet; os serviços de entrega ou logística também vêm crescendo bastante,
além do mercado financeiro que também será fortemente afetado ao transformar a forma
como os serviços financeiros serão prestados.
Outro impacto na economia brasileira advêm da questão da arrecadação, a nível de
comércio eletrônico, do ICMS, que é o imposto de maior arrecadação no Brasil e a principal
fonte de receita dos Estados, o que leva os Estado a uma verdadeira “guerra fiscal” na disputa
pelos valores arrecadados, em face do crescimento vertiginoso do comércio eletrônico. Os
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estados do sul e sudeste como são mais desenvolvidos, abrigam a maior quantidade de centros
de distribuição das empresas que vendem pela Internet. Assim, os estados menos
desenvolvidos pleiteiam a partilha do ICMS. A PEC n° 103/2011 propõe a divisão dos
recursos adquiridos a título de ICMS nas comercializações via internet, de forma que 60%
fica com os Estados de destino e 40% com Estados de origem. Essa divisão está
proporcionando a descentralização do desenvolvimento nacional, saindo do eixo sul, sudeste e
proporcionando o crescimento do norte, nordeste.
Por fim, um dos principais impactos provocados na economia brasileira é o aumento
do consumo pelos brasileiros, o qual se deve ao crescimento desse setor de forma acelerada, o
que faz aumentar, consequentemente, o número de consumidores virtuais, e, por trás deste
forte incremento do e-commerce encontra-se o incentivo ao consumo, com uma maior
variedade de produtos e serviços à disposição dos consumidores, bem como da facilidade do
sistema. Além do surgimento de novos fluxos comerciais com ampliação do mercado
consumidor internacional, proporcionando aumento nas exportações. Portanto, o comércio
eletrônico está incentivando e estimulando cada vez mais o consumismo.
8 Reflexões sobre os impactos do comércio eletrônico no desenvolvimento econômico
A cultura consumista é a marca da geração atual. Seja pela propensão a satisfação
imediata dos desejos, dentre os quais se ressaltam o de “ter” e de “juntar”, seja pela ansiedade
presente na humanidade e na tomada de decisões de forma instantânea, tida como “cultura
agorista”. Aliada a esse traço característico da sociedade de consumidores, tem-se no avanço
tecnológico a ambiência perfeita para a prática do consumo.
Nota-se, que o avanço tecnológico, igualmente, foi instrumento de fundamental
importância para o processo de globalização. Dentro desse processo verificou-se que a
comunidade internacional não se desenvolveu de maneira homogenia. O grau de
desenvolvimento de um país, não é aferido, unicamente pelo seu desenvolvimento econômico,
dissociado de outros elementos como questões sociais. Sobre o assunto, na mesma linha de
raciocínio, afirma Belo “Portanto, revela-se insuficiente qualquer compreensão puramente
econômica do desenvolvimento” (BELO, 2012).
Assim, um dos índices de aferição desse desenvolvimento é a diminuição das
chamadas desigualdades sociais, fruto de uma disparidade na concentração de renda dentro da
população, marcada pelo antagonismo de pessoas muito ricas contrapondo-se a uma grande
parcela da população em estado de miserabilidade. Verificou-se no presente ensaio que houve
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315
no Brasil o crescimento do PIB em razão do desenvolvimento do comércio eletrônico, no
entanto não se pode assegurar que este aumento garantiu o desenvolvimento do país.
Esta afirmação pode ser entendida com o seguinte fato de que, embora cada vez
mais, exista a disseminação de produtos eletrônicos entre a população do país, ainda, existe
grande parte da população alijado desta inclusão digital. Assim, compreende-se que muitas
vezes o desenvolvimento do comércio eletrônico, pode acentuar, ainda mais as disparidades
sociais e econômicas existentes no Brasil.
9 Considerações Finais
Depois de tudo o que foi dito, pode-se reforçar o comentário de que o processo de
globalização oferece o contato de vários elementos políticos, culturais, sociais e econômicos
entre os países. Contudo, partindo-se de uma análise histórica percebe-se uma preponderância
de determinados Estados e respectivos mercados sobre os demais. Muitas vezes essa
hegemonia concretiza-se no controle global das riquezas, tornando, desta maneira, a
globalização em instrumento eficaz para solidificar esta hegemonia. Em razão dessa
diferenças sociais, culturais e políticas é que determinado padrão de comportamento não
enseja necessariamente as mesmas características. Logo, após detalhada análise do tema
afirma-se que a política do hiperconsumo, aquecida pelo comércio eletrônico, não impacta de
forma positiva o cenário nacional, sob o ponto de vista do desenvolvimento. Assim, pode-se
concluir que embora no Brasil venha se faturando bilhões com o crescimento do comércio
eletrônico e este venha se tornando importante para a economia brasileira, não importa em
verdadeiro desenvolvimento econômico para o país.
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316
Referência Bibliográfica BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BELO, Manoel Alexandre Cavalcante. Política e Desenvolvimento: uma abordagem sistêmica. Curitiba: Juruá, 2012. BRANCO, Samuel Murgel. O meio ambiente em debate. 3 ed. São Paulo: Ed. Moderna, 2002. Centro de estudos sobre as tecnologias da informação e da comunicação. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2007/index.htm>. Acesso em: 08 de julho de 2012. Comissão da União Européia. Uma iniciativa européia em matéria de comércio eletrônico (COM. 97.157). In LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio eletrônico. Tradução de Fabiano Menke; com notas de Claudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. Dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Disponível em: <http://www.camara-e.net>. Acesso em: 07 de julho de 2012. Dados do Mercado livre. Disponível em: <http://www.mercadolivre.com.br>. Acesso em: 07 de julho de 2012. E-Commerce Is the Next Frontier in Global Expansion. Disponível em: <http://www.atkearney.com/research-studies/e-commerce-index>. Acesso em: 09 de julho de 2012. FEITIOSA, Maria Luíza Pereira de Alencar Mayer. Direito Econômico da Energia e do Desenvolvimento. Ensaios interdisciplinares. Organizadoras: Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa e Maria Marconete Fernandes Pereira. São Paulo: Ed. Conceito, 2012. FEITOSA, Maria Luíza Pereira de Alencar Mayer. Padigmas inconclusos: os contratos entre a autonomia privada, a regulação estatal e a globalização dos mercados. São Paulo: Ed. Coimbra, 2007. FURTADO, Celso. O capitalismo global. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 2007. GICO Jr., Ivo Texeira. Solução e prevenção de litígios internacionais. Rio de Janeiro: Ed. Forense, Vol. III, 2003. LORENZETTI, Ricardo L. Comércio eletrônico. Tradução de Fabiano Menke; com notas de Claudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MARQUES, Cláudia Lima. A proteção do consumidor de produtos e serviços estrangeiros no Brasil: primeiras observações sobre os contratos a distância no comércio eletrônico. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: jan. – março, nº 41, 2002. ___________. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor (um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comercio eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
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PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2012. PEREIRA, Alexandre Dias. A globalização, a OMC e o comércio eletrônico. Revista Sequência, n° 45, 2002.
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Ilegalidade ao acesso à informação nos bancos de dados dos consumidores
permitido pelo Código de Defesa do Consumidor e o direito à privacidade garantida
pela Constituição Federal.
Joubran Kalil Najjar1
RESUMO
A escolha deste trabalho tem como principal fator, a verificação dos ilícitos
praticados por empresas de cobrança em face dos consumidores inadimplentes,
configurando-se em verdadeiros constrangimentos, através de coações, resultando em
prejuízos para as práticas da vida civil, principalmente nos negócios jurídicos.
Como forma de praticar estes atos, os credores se aproveitam da não positivação de
normas específicas de proteção aos consumidores, perante aos serviços de proteção ao
crédito, atitudes estas contrárias as garantias asseguradas na Carta Magna, umas vez que
estes institutos não possuírem normas regulamentadoras para as suas atividades.
O objeto de estudo, através de algumas reflexões, vai tentar esclarecer os abusos de
direito, onde o consumidor se torna cada vez mais vulnerável numa sociedade de consumo
como M nossa e “bombardeMdo” por informações surgidas Mtravés da utilizMção de
tecnologias, no campo das comunicações.
Palavras-chaves: consumidor, crédito e banco de dados.
1 Advogado, mestrando pela Faculdades Metropolitanas Unidas- F.M.U. do Estado de São Paulo.
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Acceso ilegal a la información en las bases de datos de consumidores permitido
por el código de protección al consumidor y el derecho a la intimidad, garantizado
por la Constitución Federal.
Joubran Kalil Najjar2
RESUMEN
La elección de esta obra tiene como elemento principal, la verificación de los
delitos practicados por las empresas de recogida de cara a los consumidores morosos,
configuración de limitaciones reales, a través de la coerción, lo que resulta en pérdidas para
las prácticas de la vida civil, especialmente en el negocio legal.
Como una manera de hacer estas cosas, los prestamistas tomar ventaja de
positivización no existen normas específicas para la protección de los consumidores ante
los servicios de protección al crédito, estas actitudes se oponen a las garantías previstas en
la Constitución, cada vez que estos institutos no tienen normas reglamentarias para sus
actividades.
El objeto de estudio, a través de algunas reflexiones, tratará de esclarecer los abusos
de la ley, donde el consumidor es cada vez más vulnerable en una sociedad consumista
como la nuestra y "bombardeados" por la información obtenida mediante el uso de
tecnologías en el campo de la comunicaciones.
Palabras clave: consumidor; crédito y base de datos.
2 Abogado, egresado de facultades Metropolitanas Unidas-F.M.U. del Estado de São Paulo en Brasil.
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INTRODUÇÃO
O nosso CDC é funcionalista quando conceitua consumidor e ontológico quando
trata de produto, porém, a vulnerabilidade é um princípio absoluto dado pela lei, conforme
reza o artigo 4º, enquanto que a hipossuficiência é um princípio relativo, de acordo com o
artigo 6°, VIII do mesmo CDC, podendo ou não ser reconhecido pelo magistrado.
No que tange a pessoa jurídica, conforme preceitua o artigo 51, I do CDC, somente
poderá haver a indenização, quando existir uma justificativa plausível, do contrário aplica-
se o Diploma Civil, e não o CDC, apesar de uma contrariedade que também a conceitua
como consumidora.
Podemos verificar hoje, que os bancos de dados e cadastros - Serasa e SPC
interferem de forma direta nos negócios jurídicos realizados entre as pessoas,
principalmente no comércio, uma vez que cuidam de informações totalmente voltadas ao
crédito, sendo que a partir delas, os fornecimentos, compras ou prestação de serviços, serão
realizados ou não, dependendo exclusivamente da transmissão da informação passada ao
interessado, principalmente nas questões relacionadas com o consumo.
Todavia, muitas empresas de cobrança, se utilizam de métodos nada convencionais
e sem critérios de justificação, no que tange as informações, e acabam constrangendo os
consumidores inadimplentes através de atitudes que resultam em constrangimento ilegal,
como a própria coação exercida pelo credor, para que a divida seja adimplida.
Apesar da existência na forma de atuação do SPC e Serasa previstos no Código de
Defesa do Consumidor e também na Constituição Federal de 88, o ordenamento jurídico
deixa a desejar no que diz respeito a falta de uma positivação de norma específica com
objetivo de proteger verdadeiramente o consumidor, quando o assunto trata de proteção ao
crédito, devendo estes institutos serem regulamentados e fiscalizados de forma correta,
afim de evitar danos, abusos e distorções nas informações, muitas vezes irreparáveis.
Contudo temos o prazo de cinco anos, como regra restrita imposta pelo CDC, como
permanência máxima do nome do consumidor no Serviço de Prestação ao Crédito, sendo
que o próprio Código estabelece que prescrita a Ação de Cobrança referente a títulos que
possuem regra em lei especial, o Banco de Dados não podem transferir a terceiros
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
321
quaisquer informação a respeito, logo decorrido o tempo mencionado, a respectiva
informação deverá ser totalmente excluída dos bancos de dados. Normalmente a prescrição
de cobrança se dá em três anos, salvo exceções.
A responsabilidade que existe no nosso CDC é igual ao europeu, onde as proteções
são de direitos não patrimoniais, mas na prática jurídica, isto não ocorre quando existe a
figura do dano punitivo, pois o vício não precisa ser oculto, basta que exista na época da
contratação, para isso serve a inversão do ônus da prova.
Há uma explosão da quantidade de processos judiciais ingressados por
consumidores contra empresas fornecedoras de bens e serviços, instituições financeiras e
de concessão de crédito e, consequentemente, contra órgãos de proteção ao crédito,
bastando uma simples pesquisa nos tribunais de justiça podemos confirmar o constante
aumento na quantidade de processos relacionados à atividade consumerista.
Todavia, a indenização por danos morais é o ponto fundamental das ações e
decisões judiciais que tratam de inscrições ilícitas daqueles que são os responsáveis pelo
depósito das informações de crédito que devem agir com responsabilidade na veracidade
de seus arquivos, respeitando os consumidores na sua honra, imagem e privacidade,
evitando qualquer tipo de constrangimento.
1- Os bancos de dados e cadastros de consumidores
Somente por curiosidade, no ano de 1955 em porto Alegre, os bancos de dados
surgiram com a criação do SPC (Sistema de Proteção ao Crédito), através de uma
Associação Civil, formada por comerciantes, que praticavam venda a crédito, todos com o
interesse em comum de cadastrar os maus pagadores, objetivando a evitar futuras
inadimplências na realização dos negócios. Pouco tempo depois, em 1968 surge a
SERASA – Centralização de Serviços de Bancos S/A, empresa com finalidade de dotar o
sistema bancário com informações (negativas) de devedores em geral. É uma das empresas
maiores do mundo em informações e análises econômico-financeiras, observando que
aquele se preocupa com consumidores, já este com devedores em geral.
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322
No Mrtigo 43 cMput, o consumidor “ficOMdo” Pem o direito de saber qual a fonte que
resultou seu nome no arquivo. Diferente, por exemplo, nos casos fora do contexto do CDC,
onde a fonte é protegida por sigilo (materiais jornalísticos), funcionando como uma
verdadeira máscara de covardia. Já o § 5º do mesmo artigo, parece não existir, frente a
nossa realidade, pois mesmo decorrido o prazo de cinco anos, algumas empresas
“favorecidas” conseguem os nomes dos consumidores inadimplentes Mpós o prMzo de cinco
anos.
Assim posiciona-se o dispositivo:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às
informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo
arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros
e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas
referentes a período superior a cinco anos.
§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá
ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros,
poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis,
comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de
proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não
serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer
informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos
fornecedores.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
323
1.1- Diferenças entre Bancos de Dados e Cadastro de Consumidores
Para muitos, os dois institutos são sinônimos, e por este motivo, é fundamental
estabelecermos que banco de dados é um conjunto de informações de fornecedores sobre
um determinado consumidor que auxilia na concessão ou não do crédito. Este visa
principalmente proteger o mercado, estando à disposição dos fornecedores que realizam
operações de crédito para que corram menos riscos. Com isso, quem nega o crédito é o
próprio fornecedor baseado nas informações contidas nos bancos de dados e não o SPC ou
SERASA. Já no que tange ao cadastro de consumidores trata-se de dados informativos de
um fornecedor ou intermediário, repassado pelo próprio consumidor como renda mensal,
estado civil, entre outros, para a obtenção de crédito pessoal.
Banco de Dados realiza coleta aleatória de informações arquivadas sem o
consentimento do consumidor e Cadastro de Consumidores faz coleta individualizada,
sejam de consumo ou juízos de valor, repassada pelo próprio consumidor e com objetivo
imediato relativo a operações de consumo presentes ou futuras 3.
Vale salientar que os Bancos de Dados e Cadastros cumprem função essencial nas
relações de consumo, na medida em que possibilitam ambas as partes, ou seja,
fornecedores e consumidores informações primordiais, pertinentes ao crédito e a qualidade
dos produtos e serviços ora fornecidos.
2- Das práticas abusivas
Numa sociedade de consumo em que vivemos a sobrevivência de qualquer cidadão,
tem como pré-requisito bom nome na praça entendido como um verdadeiro patrimônio
individual, que está a mercê dos abusos cometidos pelas ilegalidades dos arquivos de
consumo, o que pode ocasionar circunstâncias desastrosas ao arquivado 4.
3 EFING, Antonio Carlos. Bancos de Dados e Cadastro de Consumidores, São Paulo: RT, 2002. p. 36.
4 Ibidem, p. 44.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
324
Sabemos que muitas das empresas, algumas sendo as próprias credoras, outras
agindo através dos patrocínios dos credores como intermediários, agem através de coação e
constrangimento, para a satisfação do inadimplemento.
Na explicação do Ministro do STJ, Antônio Herman V. Benjamin, às práticas
Mbusivas nada mais seja: “M desconformidade com os padrões mercadológicos de boa
conduta em relação ao consumidor" 5.
Tais institutos também possuem seu lado negativo, eis que restringem o crédito,
prejudicando as pessoas que lá foram cadastradas, as quais, algumas vezes indevidamente,
por abuso de direito daqueles que promovem a sua inscrição.
Vale ressaltar que a simples ameaça de ingressar com uma execução, não tipifica o
ato de coagir ou constranger, pois o credor estaria num simples exercício regular de direito,
apesar de alguns juristas não pactuarem com a ideia, pois, para eles, não precisa falar, basta
ingressar com a ação.
Alguns anos atrás, credores contratavam bandas para tocarem e cantarem na porta
de devedores, às vezes isso ainda acontece. Toda e qualquer forma de cobrança é
vexatória, afinal ninguém gosta de ser cobrado, ainda mais diante de um público
desconhecido, agravando ainda mais o constrangimento.
O auxílio pelos institutos de consumo tem sofrido deturpação em virtude das
técnicas informatizadas de coleta, armazenamento e divulgação das informações, tornando-
se grandes problemas atuais a serem enfrentadas e resolvidas.
Estas características de auxílio pelos Institutos de Consumo têm sofrido deturpação
em virtude das técnicas informatizadas de coleta, armazenamento e divulgação das
informações, tornando-se um dos grandes problemas atuais a serem enfrentados e
solucionados 6.
5 BENJAMIN, Antonio Herman. Manual de direito do Consumidor, São Paulo: RT, 2009. P. 216
6 EFING, op. cit., p. 37-2
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
325
A realidade é que numa sociedade da informação, a mesma é tida como verídica,
funcionando como verdadeira sentença transitada em julgada, prevalecendo sobre qualquer
outro conceito de crédito no mercado financeiro, sem o devido respeito ao contraditório e a
ampla defesa do ofendido.
3- A Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor
Com a criação da Constituição Federal em 1988, deveriam ser extintos tanto o SPC
criado em 1955, assim como o SERASA surgido em 1968, muito antes de 1988, porém isto
não ocorreu, no entendimento de que o artigo 5º, X da Constituição Federal é tido como
norma de eficácia plena e faz parte dos direitos e garantias fundamentais, logo qualquer
norma que trate de informações não consentidas, relacionadas a qualquer pessoa não
merece eficácia. Todavia, a informação negativa do consumidor desrespeita a sua imagem,
enquanto que a informação seja ela positiva ou negativa, conflita com o direito da
privacidade.
O inadimplente é apenas aquele que, por motivos pessoais, não pagou uma dívida.
Isso não faz dele melhor ou pior do que ninguém. Não o torna menos digno. Contudo, não
o faz ser alguém que possa ter sua imagem ou vida privada violada. E é mais uma vez o
próprio texto constitucional que impõe dever de respeito ao devedor, consignando que não
haverá prisão civil por dívida (Art. 5º, LXVII, da CF), muito ao contrário, o que o sistema
jurídico brasileiro estipula é a garantia de que o devedor não pode ser constrangido.
Das várias interdições impostas, a lei proíbe as ações do credor e/ ou se cobrado
que exponham o consumidor ao ridículo, submeta-o a constrangimento ou ameaça, tudo
isso de maneira injustificada. Constrangimento ilegal é tudo aquilo que é usado pelo credor
e/ou seu cobrador e que não tenha como finalidade precípua fazer com que o consumidor
pague sua dívida e, portanto resolva seu problema. Se a atitude do credor/cobrador não
tiver intenção de não constranger, então entendemos ser ilegal.
Entretanto, o respectivo artigo deveria se encontrar em outro título da CF, prevendo
a sua eficácia limitada através de regulamentação quanto à privacidade das pessoas, dando
força normativa para o art. 43 do CDC, pois a partir do momento que mesmo permite o
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
326
“ficOMmento” no NMnco de dados de forma negativa ao consumidor, em nada defende o
consumidor, muito pelo contrário.
Sem dúvida houve uma falha de técnica jurídica, quando se deixou que o artigo 43
permanecesse no CDC, pois M sua redação, vai de encontro com o nome: “Fódigo de
DefesM do Consumidor”, logo deveria se extirpado deste ou no mínimo ter sido aproveitMdo
no momento oportuno, para colocá-lo no novo Código Civil, uma vez que as informações
tratadas pela norma caracteriza uma forma genérica e não específica se referindo apenas ao
consumidor.
Não havendo uma possibilidade de extinguir os institutos, responsáveis pelas
informações relacionadas ao consumidor, pois causaria uma enorme revolta aos
empresários e prestadores de serviços, então que no mínimo exista norma reguladora que
proteja o consumidor frente às ações abusivas dos Serviços de Proteção ao Crédito, que
fere os princípios de direitos fundamentais e contradizem as garantias individuais
asseguradas constitucionalmente, porque inevitavelmente, dessa atividade decorrem a
abertura de um procedimento de cobrança no qual condiciona a interdição do acesso ao
crédito; a privação da liberdade individual de contratar e de negociar se não satisfeito o
procedimento de cobrança, e por último, a inevitável situação de humilhação, a desonra.
No entanto, o § 1º do art. 43 do CDC dispõe os requisitos necessários para a
inserção de assentamentos em Cadastros e Bancos de Dados de dados de Consumidores,
quais sejam, a necessidade de que estes dados sejam “objetivos, claros verdadeiros e em
linguagem de fácil compreensão, pois trata-se de um direito muito subjetivo, que vai
depender de cada consumidor, no momento de compreensão destas informações.
4- Inexistência de critério para o fornecimento e abertura para o crédito
A inadimplência tem uma única causa; a falta de critério para conceder o crédito e
medidas econômicas sociais não adequadas aplicadas no que tange a cobrança do devedor,
com altas taxas abusivas e inconstitucionais, ferindo o direito de propriedade do devedor,
pela falta de critério no momento do empréstimo financeiro.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
327
A discussão sobre taxa de juros no Brasil é discussão interminável e causa
instabilidade na ordem econômica de qualquer país, pois mesmo com todas as informações
expostas sobre todos os indivíduos, sempre haverá risco em todas as operações de crédito,
que não leva em consideração a aplicação do princípio da igualdade neste tipo de
transação. Portanto os bancos esperam a criação de um fundo garantidor das operações de
crédito. A intenção é boa, como todas outras que pretende fazer com que o custo ao cliente
seja menor do que o atual.
O custo poderá baixar, se for criado um fundo garantidor, mas o fundo se esgotará
rapidamente. Certamente, o dinheiro do fundo, será formado com recursos do BNDES,
tesouro Nacional, dos bancos e dos próprios tomadores dos empréstimos bancários, nos
quais seria embutida uma taxa com essa finalidade. A falta de critério para uma concessão
de crédito pode resultar em taxas de juros abusivas, justamente para compensar a falta de
capacidade de analisar o caso concreto. O crédito, sem dúvida, cumpre uma função social,
de possibilidades as pessoas e dar acesso ao consumo.
5- Amplitudes da norma
Toda e qualquer informação relacionada nas relações de consumo seja fornecedores
ou prestadores de serviços frente aos consumidores, encontram-se no artigo 43 do CDC
como única fonte direta e imediata ao acesso nos bancos de dados perante ao negócio
jurídico a ser realizado.
Examinaremos detalhadamente o funcionamento dos chamados serviços de
proteção ao crédito, que se espalham pelo Brasil nos SPCs, geralmente ligados ao setor do
comércio (Associação de lojistas, Clube de lojistas, Federação do Comércio etc.) e na
Serasa, empresa privada, originalmente ligada ao setor bancário para entendermos o que a
lei permite.
5.1- Os serviços de proteção ao crédito
As questões relevantes no que respeita aos chamados Serviços de Proteção ao
Crédito (SPC, SERASA, etc.) e o direito a negativação que tem os credores, sempre foi
prática usualmente aceita. Tais serviços se da em virtude do nome de alguém estar
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
328
inadimplente em relação ao pagamento de uma obrigação. Logo, estar no cadastro, gera
reflexo negativo aos consumidores, valendo salientar que costume não pode revogar
norma, ainda mais constitucionais de eficácia plena, como é o caso em tela.
Claro que para a negativação dos devedores, são necessários: a existência da dívida
vencida; valor líquido e certo, ou seja, que não exista qualquer duvida em relação ao valor
devido e que não tenha nenhuma discussão entre as partes, como o surgimento de um caso
ainda em subjudice. Todos esses fatores, de um conjunto descrito, é o que “permite” que o
nome de determinada pessoa seja negativado.
6- Consumidores inadimplentes
A lei 8.078/90 não perpetrou nenhuma “proteção exMgerMda”, como querem Mlguns.
Ela apenas trouxe para o Brasil o que existe de mais moderno nos mercados do primeiro
mundo no que respeita à cobrança dos consumidores. Deve estar claro ao fornecedor que o
inadimplente é apenas um cliente que pode estar com problemas passageiros, que uma vez
solucionados, fará compras novamente.
Na norma positivada, além do fato de que não constituir crime o fato de ser devedor
inadimplente, o inverso é que está tipificado quando surge cobrança abusiva, concretizando
a existência do delito, porquanto a cobrança abusiva gera o crime. De um lado, o
fornecedor e do outro o consumidor que, inadimplente não está amplamente protegido; ou
ele pagM ou é negMtivado, e será taxMdo como “o devedor”, “o inadimplente”, “Mquele que
não cumpre seus compromissos”, fecOMndo-lhe as portas à aquisição de bens.
Indiscutivelmente, o serviço de proteção ao crédito tem por objetivo proteger o
mercado estando à disposição de todos os interessados nas relações de direitos e
obrigações ao pretenderem fazer operações de crédito. Essa questão é dirigida aos
fornecedores em geral e não ao mercado pertencente a toda uma sociedade, pois o artigo
170 da Carta Maior fornece um entendimento de que as pessoas que se encontram nos
ramos das negociações, dentro do mercado financeiro, pressupõe um risco de quem a
explora, pois lhe garante direito ao lucro, mas lhe impõe respeito ao consumidor e
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
329
obrigação de responder legal e eticamente por seus atos em prol do bem comum pela
própria razão da atividade econômica.
7- O prazo do artigo 43, dos parágrafos 1° e 5º é prescricional ou decadencial?
Nenhuma informação negativa pode estar arquivada após 05 (cinco) anos de sua
inserção e, consumada a prescrição relativa à cobrança do débito acontece o mesmo,
cancela-se o apontamento negativo. O tempo máximo que um consumidor pode ficar
”negMtivado” é de cinco anos. Mas haverá prazos menores em determinados casos, como
exceção à regra.
A dúvida do tema em questão é o de que nenhum dado negativo será mantido em
arquivos de consumo por prazo superior a 05 anos (art. 43, § 1º) se, em prazo inferior ao
quinquênio, verifica-se a prescrição da Ação de Cobrança do débito inadimplido.
(...) é o lapso que o código considera razoável para que uma conduta irregular do consumidor seja esquecida pelo mercado. Se ate os crimes mais graves prescrevem, não há razão para que o consumidor fique com sua folha de antecedentes de consumo “maculadM Md eternum” 7.
No direito civil, o objetivo é neutralizar os conflitos de interesses surgidos entre
particulares. Nesse contexto, muitas vezes o tempo é considerado como um aliado, no
sentido de que seu decurso influencia a aquisição e a extinção de direitos, no sentido de
manter situações já consolidadas, muito embora importem no convalescimento de uma
violação ao direito subjetivo do particular. Dito de outra forma, o direito tem um prazo a
ser exercitável, não podendo ser eterno, sujeitando-se, pois, à prescrição ou à decadência. É
no intuito de preservar a paz social, a tranquilidade da ordem jurídica, a estabilidade das
relações sociais que devemos buscar o fundamento dos institutos da prescrição e da
decadência.
7 BESSA, Leonardo Roscoe. O Consumidor e os Bancos de Dados de Proteção ao Crédito, São Paulo: RT,
2003. p. 209.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
330
A decadência atinge diretamente o direito em razão também da desídia do titular
durante certo lapso temporal. Portanto, a decadência é a extinção do direito pela inércia do
titular, quando a eficácia desse direito estava originalmente subordinada ao exercício
dentro de determinado prazo, que se esgotou, sem o respectivo exercício.
As principais características da prescrição são: a existência de um interesse privado;
a renunciabilidade tácita ou expressa; o impedimento da modificação dos prazos pela
vontade das partes; a sua alegação se dá em qualquer grau de jurisdição; admissibilidade de
suspensão e interrupção, podendo ou não ser reconhecida de oficio pelo magistrado.
Já no que diz respeito as características da decadência, são de interesse público,
inadmissível a sua renuncia, também como na prescrição, podem ser reconhecidas em
qualquer grau de jurisdição, porém não se admitem suspensão e interrupção e o magistrado
tem o dever de reconhecer de oficio, caso seja verificada a sua aplicação.
O jurista que trabalha de forma por exclusão nas questões de prescrição, se
utilizando do Diploma Civil, respectivamente dos seus artigos 205 e 206, acaba
demonstrando falta de capacidade técnica para diferenciar um instituto de outro,
completamente diferentes entre si, principalmente no que diz respeito aos resultados
decididos para a resolução do conflito.
Na questão em tela, o prazo é decadencial, até porque o Código de Defesa do
Consumidor é tratado como matéria de ordem pública, logo não se trata de prazo
prescricional, como alguns juristas entendem, mas o importante é ter a consciência de que
a ficha de negativação do devedor, nos arquivos de bancos de dados, pode ser mantida no
prazo máximo por cinco (05) anos, nunca podendo superar este tempo.
A propósito da Súmula 13 do TJRS:
“M inscrição do nome do devedor no Serviço de Proteção Mo F rédito – SPC deve ser
cancelada após o decurso do prazo de cinco anos, se, antes disso, não ocorreu à prescrição
da Mção de cobrançM”B
Vale salientar a Súmula 323 do STJ:
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
331
“A inscrição de inadimplente pode ser mantida nos Serviços de proteção Mo F rédito
por, no Maximo, 05 (cinco) Mnos”.
8- Da reparação do dano causado por informações nos bancos de dados
A responsabilidade civil dos órgãos que depositam nos arquivos, informações dos
consumidores inadimplentes, ou até mesmo informações inverídicas, através dos bancos de
dados, como o próprio SERASA, SPC, devem responder por suas atitudes que causarem
prejuízos, uma vez que prestam serviço público, através da administração pública,
aplicando-se a teoria do risco administrativo, bastando provar apenas o nexo de
causalidade entre o serviço publico prestado para o consumidor.
O entendimento é fundamentado pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, no
seu artigo 43, § 4º, quando considera que:
“Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção
Mo crédito e congêneres são considerMdos entidades de cMráter público”B
Além do mais, a reparação dos danos é matéria de Direito Constitucional, tratada
no FMpitulo H “Dos direitos e Deveres Hndividuais e coletivos” do Titulo HH “Dos Direitos e
gMrantiMs FundMmentais”, o inciso V do Mrt. 5º dispõe que “MssegurMdo o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem.
O problema atinge proporções mais preocupantes, a partir do momento em que as
ações dos arquivos de consumo afrontam a órbita das garantias fundamentais do cidadão,
expressos pelos direitos à personalidade (intimidade, vida privada, honra e imagem). A
ocorrência desta situação acarreta consequências negativas que atuam de maneira direta na
vida socioeconômica do consumidor. Por sua vez, a inscrição abusiva decorre de dado
mantido em arquivo de consumo mediante o lapso temporal de 5 anos, salvo algumas
exceções, ou a própria má-fé do arquivista, passível de indenização.
A lei, ao disciplinar os bancos de dados de proteção ao crédito, indica objetivamente as diligências que devem ser observadas... Ora, ao se constatar que
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
332
tais cuidados não tenham sido respeitados, há, necessariamente, duas possibilidades: ou o ato foi praticado com vontade dirigida – dolo - ou houve negligência - culpa - da entidade arquivista em seguir as diligências exigidas 8.
A indenização por danos morais é o enfoque principal das ações e decisões judiciais
que tratam de inscrições ilícitas em bancos de dados de proteção ao crédito. Há várias
razões para tanto. O registro indevido atinge, inexoravelmente, a honra e privacidade do
consumidor; afeta, também, o estado anímico da pessoa física, gerando sentimentos
negativos, como constrangimento, vergonha e revolta. Este cabe tanto para os fichamentos
inverídicos como para aqueles que são verdadeiros e mantidos no prazo superior a cinco
anos.
9- Lei 4.595 de 1964 que trata sobre a política e as instituições monetárias,
bancárias e creditícias, criando o conselho monetário nacional
A questão, conforme verificamos, o respectivo artigo 38 da lei é claro ao
determinar que: “as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e
passivas e serviços prestados”.
§ 1º - as instituições e esclarecimentos ordenados pelo poder judiciário, prestados
pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e
documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles
ter acesso às partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos
à mesma.
(...)
§ 7º - a quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os
responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber,
o código PenMl e o Código de processo PenMl, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”.
Cabe indagarmos se as instituições financeiras podem terceirizar serviços que lhes
são autorizados e que estão disciplinados pelo art. 38 da Lei nº. 4.595/64. Mas, só o fato
8 BESSA op. cit., p. 237-1
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
333
das instituições financeiras necessitarem dos serviços de proteção ao crédito, não as tornam
uma instituição financeira ao ponto de poder manipular informações regidas pela
normatização que disciplina o Sistema Financeiro Nacional.
Além do fato de terceirização do serviço prestado pelos órgãos prestadores de
informações sobre o crédito, existe também o fator de delegação desses poderes entregues
pelas instituições financeiras, valendo lembrar que aqueles são empresas privadas, mas de
caráter público, pelo nosso CDC, em razão do serviço prestado.
Não é demais lembrar que as instituições financeiras relutaram em submeterem-se
aos ditames do CDC, agindo de maneira ilegal, quando mantém empresa, que não é
instituição financeira, mas que acabam processando informações de caráter sigiloso sobre
pessoas que se utilizam da prestação dos serviços bancários.
A troca de informações direta entre as instituições financeiras sobre questões
creditícias é aceita, pois, quando feitas de banco a banco, é realizada por pessoas tidas
como bancárias e obrigadas ao sigilo bancário. Já os funcionários da Serasa não o são e ao
receberem tais informações ocorre a quebra de sigilo bancário, posto que são terceiros
nesta relação de informações.
Concluímos que tendo em vista o artigo 37 da Constituição Federal, e por motivos
que caracterizam os órgãos privados depositários do banco de dados como entidades de
caráter publico, conforme o § 4º do CDC, logo faz parte da administração publica, deve ser
levado em consideração o princípio da legalidade, onde o particular pode fazer tudo que a
lei não proíba, enquanto que os que se encontram dentro da administração púbica só
podem agir conforme determina a lei, logo as atitudes do SERASA, SPC e outros, são
totalmente ilegais.
10- Lei 9.507 de 1997 que regula o direito de acesso à informação e disciplina o
rito processual do “habeas data”
Trataremos do direito ao conhecimento e à retificação de dados pessoais do
consumidor, perante aos órgãos responsáveis pelos arquivos nos bancos de dados baseado
no Mrtigo 4° da lei que: “constMtada M inexMtidão de qualquer dado M seu respeito, o
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
334
interessado, em petição acompanhada de documentos comprobatórios, podem requerer sua
retificMção”B
§ 1°(...)
§ 2° “Minda que não se constMte M inexMtidão do dado, se o interessado Mpresentar
explicação ou contestação sobre o mesmo, justificando possível pendência sobre o fato
objeto do dado, tal explicMção será Mnotada no cMdMstro do interessado”B
Perante a lei, tem o consumidor, o direito de retificar os seus dados incorretos ou
apresentar uma justificativa plausível, mediante documentos comprobatórios explicando os
motivos ocorridos, de que seu nome fora negativado, ou seja, é uma forma de concretizar o
princípio do contraditório e da ampla defesa, pois o surgimento de casos fortuitos ou força
maior podem atingir a todos, resultando em enormes prejuízos.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
335
CONCLUSÃO
O Código de Defesa do Consumidor, conhecido pela lei 8.078/90 trouxe avanço
significativo em nosso ordenamento jurídico, colocando a disposição do movimento
consumerista princípios modernos e inovadores de defesa da sociedade, instituindo, ainda,
instrumentos ágeis e efetivos de proteção e defesa do consumidor, deixando um pouco de
lado normas referentes aos bancos de dados dos mesmos que se encontram inadimplentes
por diversos motivos.
Todavia, passados mais de vinte anos, necessário proceder-se à sua
atualização, haja vista aos avanços tecnológicos, as mudanças na conjuntura econômico-
social e o aumento do crédito e do consumo, principalmente no que toca ao
superendividamento do consumidor.
O crescimento do comércio eletrônico por meio eletrônico, nos últimos
anos, demonstra que essa nova forma de contratação é cada vez mais utilizada, seja pela
gama de ofertas, comodidade e facilitação de acesso, seja pelos sucessivos recordes de
faturamento. Mas se há muitas vantagens e benefícios, há também maior vulnerabilidade
do consumidor.
Com essa nova realidade, deve também existir um reforço aos direitos de
informações não precipitadas, transparência, lealdade, e principalmente mecanismos
normatizados que proporcionem a segurança das transações, e a proteção da
autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais, objetivando uma menor
desigualdade do consumidor perante aos demais.
Enquanto o panóptico encarnava um modelo ótico e espacial de visão total, a
vigilância digital põe em obra uma visibilidade que é informacional e temporal, onde não
basta ver tudo, mas principalmente prever, a ponto de preceder o evento. Ou melhor, tudo
ver no âmbito do espaço e dos corpos atuais e presentes só faz sentido, só é operacional se
essa visão for capaz de projetar cenários, tendências, preferências. E mais, essa antevisão
produz efeitos não tanto pela sua acuidade na previsão do futuro, mas sim pelo próprio
processo de antecipação, que acaba por intervir nas escolhas, comportamentos e ações
presentes, tornando efetivo o que se antecipou.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
336
A vigilância moderna instaurou uma série de rituais de observação e exame que
acabam tentando tornar as superfícies transparentes e revelam, sob os disfarces da
aparência, a verdade recolhida na profundidade dos corpos e alma. Diferentemente, a
vigilância digital não está tão interessada na verdade e na profundidade, mas no
desempenho, nos fluxos de informação e comunicação. A visibilidade aí construída não
corresponde ao desvelamento de uma profundidade essencial, mas a antevisão e construção
de superfícies ou cenários que orientem e intervenham no campo de ações, escolhas,
cuidados dos indivíduos.
As capacidades de vigilância das infraestruturas de negócios, transportes e do
governo se multiplicam rapidamente, mas os indivíduos e grupos têm dificuldade em
descobrir o que acontece com suas informações pessoais, quem lida com elas, quando e
com que fim. De fato, na maioria das vezes, os cidadãos comuns e consumidores
simplesmente não têm tempo ou incentivo para procurar esses detalhes. Enquanto isso,
pouco a pouco, seus dados pessoais são usados para moldar suas oportunidades na vida e
orientar suas escolhas.
No entanto, dado o poder das grandes organizações, com capacidades sofisticadas
de vigilância, parece justo que as pessoas comuns tenham sua voz ouvida, ainda que pelo
menos em nível de princípio. Pode-se lutar por isso não apenas através de agencias
especializadas, mas também por meio de grupos jurídicos e pela própria mídia.
Os dados coletados por tecnologias de vigilância fluem por redes de computadores.
Muitos podem consentir em oferecer seus dados em certa situação, mas o que acontece
quando esses dados são transferidos para outro lugar? Com frequência uma variedade cada
vez maior de bancos de dados é consultada. No entanto, tanto o público quanto as agências
que compartilham esses dados sabem muito pouco sobre os locais exatos por onde esses
dados trafegam. A ideia de que intervenções políticas sejam orientadas pela inteligência se
firmou, e essa ideia, somada as redes e ao potencial de cruzamento de dados das
infraestruturas digitais contemporâneas, significa que a vigilância parece operar segundo
uma lógica própria.
Mas essa lógica precisa ser questionada, examinada e verificada, particularmente no
que diz respeito a processos que envolvam fluxo de dados de um local para o outro. Esse
fluxo de dados requer descrição e análise. É importante perguntar qual é o grau de
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
337
segurança dos bancos de dados contra o acesso não autorizado e o vazamento de
informações, mas é ainda mais vital questionarmos: até que ponto deve ser permitido que
os dados transmitam de uma esfera para outra.
Os dados pessoais, coletados e usados para um propósito e para realizar uma
função, muitas vezes assumem outros propósitos e funções, que ampliam e intensificam a
vigilância e as invasões de privacidade além do que havia sido entendido originalmente e
considerado socialmente, eticamente e legalmente aceitável. O mundo real da sociedade da
vigilância é muito complexo para respostas tão rápidas.
Os bancos de dados e seus perfis operam como máquinas performativas com uma
função quase “oraculMr”, dado que não representa uma reMlidade préviM ou subjMcente, nem
preveem um futuro certo e necessário, mas efePuam uma “reMlidade” ou “identidade” nM
medida mesma em que a preveem, projetam ou antecipam.
É vidente que as tendências e inclinações projetadas no perfil acabam condenando o
presente e o futuro simulado, sufocando inúmeras outras possibilidades certamente
presentes na identidade de uma pessoa, sendo necessário chamar a atenção para o fato de
que tais constrangimentos e perigos próprios desta forma de poder não acabem resultando
em presunções injustas e exclusões sociais.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
338
BIBLIOGRAFIA:
A Privacy International - O site da organização disponibiliza um grande acervo de
documentos sobre a matéria: http://www.privacyinternational.org/. (acesso no dia
31/03/2009).
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NEOCONSTITUCIONALISMO, NEOPROCESSUALISMO,
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A CRISE DO
JUDICIÁRIO
NEOCONSTITUTIONALISM, NEW SCIENCE PROCEDURAL, CODE OF CONSUMER AND CRISIS OF
JUSTICE
MARCELO YUKIO MISAKA1
RESUMO: O presente artigo pretende revisar conceitos modernos como o
neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo, bem como abordar a temática dos
princípios constitucionais processuais, demonstrando suas totais sintonias com institutos
jurídico-processuais da Lei 8.078/90 (Código de defesa do consumidor), e sugerindo
que a aplicação daqueles institutos jurídicos-processuais não só contribuiriam à melhora
qualitativa das decisões judiciais como também amenizariam a propalada crise do Poder
Judiciário. Ademais, além da proposta de uma jurisdição como instrumento de proteção
dos direitos fundamentais, lança a ideia de processo e jurisdição destinados à
concretização dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º, da Constituição
Federal de 1988).
Palavras-chaves: Neoconstitucionalismo. Neoprocessualismo. Código de defesa do
consumidor. Poder Judiciário.
ABSTRACT: This article intends to review moderns concepts as neoconstitutionalism
and “new science of process” as well as addressing the issue of procedural
constitutional principles, and demonstrating their harmony with legal and procedural
instituts of the Law 8.078/90, and suggesting that the application of these legal and 1 Mestrando do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Campus de Jacarezinho/PR; Juiz de Direito do Estado de São Paulo; Professor Universitário da Unitoledo/Araçatuba.
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341
procedural instituts not only contribute to the qualitative improvement of judicial
decisions as soften the widespread crisis of Justice. Moreover, the proposed addition of
a jurisdiction as an instrument of protection of fundamental rights, launches the idea of
process and jurisdiction for the implementation of the fundamental goals of the
Republic (Article 3 of the Federal Constitution of 1988).
Keywords: Neoconstitutionalism. New science procedural. Code of Consumer
Protection. Judiciary.
INTRODUÇÃO
O neoconstitucionalismo, conferindo prestígio central aos princípios,
caracteriza-se como fator marcante da ciência jurídica moderna. Como corolário desse
giro hermenêutico, nasce o neoprocessualismo. E ambos (neoconstitucionalismo e
neoprocessualismo) representaram vetores importantes à ciência processual, sobretudo
no tocante à postura do magistrado frente aos princípios constitucionais (de direito
material e processual).
À luz do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo, então, analisar-se-ão
os princípios processuais, com ligeira reorientação quanto ao escopo da jurisdição e do
próprio processo, refletindo sobre a contribuição daquela definição (escopo
jurisdicional) à amenização da crise de legitimidade do Poder Judiciário.
A seguir, levando-se em consideração que expressiva quantidade de demandas,
postas à apreciação do Poder Judiciário, versam sobre relações de consumo, procurar-
se-á identificar os principais institutos processuais da Lei 8.078/90 demonstrando a sua
harmonia com o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo. E, com isso, pretende-se
sugerir uma via, dentre as inúmeras existentes, para a implementação do
neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo na atividade judicial, auxiliando na
redução da crise do Poder Judiciário.
1 Neoconstitucionalismo
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342
A história do Direito e do próprio constitucionalismo, retrata uma fase de
preponderância das questões filosóficas e morais sobre a lei (jusnaturalismo), seguida de
uma etapa do Direito totalmente despida de questões éticas ou filosóficas, com
predomínio apenas da lei em sentido formal (positivismo).
Atualmente, receosos das incertezas geradas pela primeira fase (jusnaturalista),
mas também insatisfeitos com as injustiças oriundas do positivismo, vive-se uma
tentativa de unificação daquelas escolas.
A base para esse novo pensamento partiu do deslocamento dos princípios, de
meros auxiliares subsidiários na interpretação do Direito, para o centro do ordenamento
jurídico. Eles passam a ter eficácia e aplicabilidade direta no cenário jurídico, ou seja,
independente de outras leis para lhes atribuir tal eficácia. E tornam-se vetores primários
de interpretação do Direito, dando unidade ao sistema jurídico e representando os
valores erigidos por uma determinada sociedade naquela época.
Nas palavras de Luis Roberto Barroso:
Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a
síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a
ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão
unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e
atenuando tensões normativas. De parte isso, servem de guia para o
intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior
que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico,
até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os
papéis desempenhados pelos princípios: a) condenar valores; b) dar unidade
ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete (2009, p. 239).
Essa eficácia dos princípios, conferindo-lhes a importância de centro do
ordenamento jurídico, são características peculiares do neoconstitucionalismo. Ou,
como destacou Luiz Guilherme Marinoni: O neoconstitucionalismo exige a
compreensão crítica da lei em face da Constituição, para ao final fazer surgir uma
projeção ou cristalização da norma adequada, que também pode ser entendida como
‘conformação da lei’ (2012, p. 46).
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343
Os princípios representam os valores erigidos pela sociedade em determinada
época e por isso são capazes de conferir unidade ao sistema jurídico, sendo importantes
vetores hermenêuticos na tarefa de harmonização dos diversos valores encampados pela
ordem constitucional. Assim, atuam à semelhança dos institutos filosóficos e morais que
os jusnaturalistas pretendiam ver encampados na ordem jurídica.
De outro lado, como são dotados de normatividade, pois devem estar expressos
ou ao menos implícitos no texto constitucional, conferem a segurança jurídica almejada
pelos positivistas, sem descurar do aspecto valorativo do Direito, de origem
jusnaturalista.
Nessa nova ordem jurídica (neoconstitucionalismo), confere-se importância
especial aos princípios, a ponto de se afirmar que:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada” (MELLO, 2006, p. 903).
2 Neoprocessualismo
A estrutura do Estado, tido como mero garantidor das liberdades públicas
(Estado Liberal), também sofreu profunda alteração com o passar dos anos.
A postura do Estado Liberal não era suficiente, pois se percebeu que as pessoas
não tinham as mesmas condições de concretizar a felicidade. Não bastava então ao
Estado simplesmente abster-se de limitar a liberdade dos indivíduos para se garantir tal
bem- estar. Exigia-se do Estado uma postura ativa, de efetiva promoção do bem- estar
social (Estado do Bem- Estar Social).
Ademais, os poderes políticos (Executivo e Legislativo) não conseguiam
atender aos anseios sociais para qual foram eleitos, dando ensejo a uma crise da
democracia representativa.
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A necessidade de atuação positiva do Estado para a realização do bem comum,
aliada à crise da democracia representativa, exigiram, do Poder Judiciário, a redefinição
do seu papel na estrutura dos poderes.
A omissão dos poderes políticos na realização dos comandos constitucionais de
implantação dos direitos fundamentais (cuja eficácia é fornecida pelo
neoconstitucionalismo) culminou com o acionamento do Poder Judiciário para suprir a
inércia dos demais. Essa atividade judiciária pioneira pode ser chamada de
protagonismo judiciário (CAMBI, 2009, p. 243).
O protagonismo judiciário em busca da concretização dos mandamentos
constitucionais (notadamente de implantação dos direitos fundamentais), e a própria
aplicação do neoconstitucionalismo no âmbito do Direito Processual (conferindo
eficácia aos princípios constitucionais processuais fundamentais), caracterizam o
neoprocessualismo.
Na visão de Eduardo Cambi:
Portanto, o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo não são tendências
que devem ficar apenas no plano teórico, exigindo do operador jurídico
novas práticas para que, assim, seja possível resistir, sempre com apego na
Constituição, a toda forma de retrocessos, o que servirá- e isto, por si só,
não é pouco- para a concretização da consciência constitucional e para a
formação de uma silenciosa cultura democrática de proteção dos direitos e
garantias fundamentais (2006, p. 683).
3 Processo e direitos fundamentais
Os direitos fundamentais, antes relegados a mero limite de atuação estatal
frente ao indivíduo, passaram a ocupar local de destaque no estudo do Direito
Constitucional. De normas limitadoras do arbítrio estatal gravitaram para o centro do
constitucionalismo moderno, atuando como guia condutor de todo o ordenamento
jurídico.
Com esse giro hermenêutico, os direitos fundamentais, além do seu aspecto
subjetivo tradicional (direito subjetivo invocável pelo indivíduo contra seus pares ou
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contra o Estado), assumiram uma dimensão objetiva ao balizar e também nortear toda a
atuação do Estado nas esferas administrativa, legislativa e judicial.
A concretização dos direitos fundamentais torna-se um dos objetivos do agir
estatal. Afinal, são fundamentais e neste contexto é que se afirma conterem os direitos
fundamentais uma ordem dirigida ao Estado no sentido de que a este incumbe a
obrigação permanente de concretização e realização dos direitos fundamentais
(SARLET, 2012. p. 659).
Nesse ponto, a doutrina processual não se descurou desse ideário. Atenta à
nova formatação do Estado, de valorização dos direitos fundamentais, passou a lecionar
a necessidade de se pensar no processo não como instrumento apenas, mas como um
meio de se concretizar também os direitos fundamentais.
Como bem concluiu Eduardo Cambi: Um Estado que apenas assegura os
direitos daqueles que já possuem condições mínimas de existência consagra a
desigualdade. Perde a sua capacidade de integrar os membros de uma sociedade e
passa a exercer um papel de mero perpetuador de injustiças (2009, p. 501).
3.1 Processo e os objetivos da República na Constituição Federal
Sobre o processo, quiçá seja possível uma reflexão ousada, avançando-se um
pouco mais em relação a sua finalidade e da própria jurisdição.
A República Federativa do Brasil tem como objetivos fundamentais (art. 3º, da
CF): a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento
nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Acerca daqueles objetivos fundamentais, estampados de forma pioneira na
nossa Magna Carta, escreveu José Afonso da Silva:
É a primeira vez que a uma Constituição assinala, especificamente, objetivos
do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os
fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das prestações
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346
positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e
cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana (2000, p.
110).
De bom alvitre mencionar a intrínseca relação entre processo e jurisdição,
porque esta é o produto final da atividade estatal no aspecto judicial. O processo é o
método pelo qual essa atividade se manifesta.
Na feliz síntese de Cândido Rangel Dinamarco a existência de processo numa
ordem jurídica é imposição da necessidade do serviço jurisdicional: o processo existe
acima de tudo para o exercício da jurisdição e esse é o fator de sua legitimidade social
entre as instituições jurídicas do país (2009, p. 304).
Destarte, em última análise a jurisdição e o próprio processo são espécies de
atuação do Estado. Logo, eles também devem atuar – por imperativo constitucional-
com vistas a concretizar os objetivos fundamentais do Estado (art. 3º, CF). Haja vista
que existe um feixe de objetivos a serem alcançados mediante a atividade jurisdicional,
pois, se o Estado tem seus objetivos, ele também usará da jurisdição para o
cumprimento da sua missão institucional através dos valores consagrados e definidos
constitucionalmente pela sociedade (FERNANDES; PEDRON, 2008, p. 65).
Então, tanto processo como jurisdição, por serem manifestações da atividade
estatal, devem servir como instrumento de concretização dos objetivos da República
Federativa do Brasil, ou seja, construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; bem como promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Nesse sentido:
O Judiciário, ao lado dos demais poderes do Estado, é tão responsável quanto eles pela consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. É poder constituído, evidentemente subordinado à vontade constituinte e não tem o direito a sentir-se alheio ao grande projeto de edificar uma sociedade livre, justa e solidária (NALINI, 2006, p. 253).
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347
A natureza instrumental do processo e da própria atividade judicial, se
considerado aquele escopo jurisdicional (concretização dos objetivos fundamentais da
República), residem exatamente nessa redefinição do papel do Poder Judiciário. De
órgão protetor dos direitos e garantias fundamentais a instrumento estatal de
concretização dos objetivos fundamentais do Estado por meio do processo.
No aspecto político, essa redefinição do escopo jurisdicional tem o condão de
trazer luzes a um ponto obscuro da atuação judicial, que é o déficit de legitimidade das
decisões judiciais, notadamente no tocante à eficácia da tutela jurídica prestada pelo
Estado-juiz.
Evidente que a alteração do escopo, por si só, não tem o condão de modificar
totalmente o quadro estrutural em que inserto o Poder Judiciário. Há diversos outros
fatores e vias resolutórias. Não obstante, a realocação daquele escopo jurisdicional
confere substrato teórico-científico à atuação do magistrado- sempre balizado pelos
valores consagrados na Carta da República – mas detentor de uma capacidade criativa e
resolutiva digno da confiança constitucional que lhe fora depositada.
4 Princípios constitucionais processuais
Contudo, para que a atividade estatal processual, e jurisdicional, possa atingir
aquele desiderato delineado no item anterior, é preciso também que os princípios
constitucionais processuais sejam efetivados e interpretados à luz dos objetivos traçados
pelo art. 3º, da Constituição Federal.
Por isso, passa-se à análise dos princípios processuais mais importantes para o
desenvolvimento deste trabalho.
4.1 Princípio do devido processo legal
O princípio do devido processo legal é o alicerce de todo os demais princípios
de natureza processual, a partir daquele que nascem os outros, formando o sistema de
princípios constitucionais processuais.
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348
Ele é um direito fundamental de conteúdo complexo. Trata-se de uma cláusula
geral e, portanto, aberta, que a experiência histórica cuida de preencher (DIDIER JR,
2006, p. 59).
A doutrina costuma dividi-lo em devido processo legal formal e substancial.
Quanto ao primeiro, cuida-se do direito fundamental a um processo em conformidade
com as previsões legais, respeitando-se os direitos e garantias processuais dos litigantes.
Ou, nas palavras de Tavares:
O devido processo legal, no âmbito processual, significa a garantia concedida à parte processual para utilizar-se da plenitude dos meios jurídicos existentes. Seu conteúdo identifica-se com a exigência de paridade total de condições com o Estado persecutor e plenitude de defesa (2012, p. 741).
Sob a ótica substancial, é cláusula geral, preenchível de acordo com os valores
históricos e culturais contemporâneos ao momento da exegese, representa a exigência
de razoabilidade como um direito fundamental.
Então, pode-se asseverar que o princípio do devido processo legal enfeixa
garantia dupla. A formal de respeito ao procedimento previsto em lei, com
concretização de todas as demais garantias processuais; e também no aspecto
substancial de que as decisões judiciais ou qualquer ato estatal de interferência na vida,
liberdade e no patrimônio dos indivíduos deve ser equilibrada. Ou seja, necessária,
adequada e proporcional.
A adoção do princípio do devido processo legal, nos aspectos formal e
material, além de possibilitar a adaptação das decisões judiciais às circunstâncias de
cada caso (COMPARATO, 2000, p. 145), confere meios para o magistrado interpretar
as normas jurídicas à luz dos valores consagrados na Constituição. O juiz que apreende
o conteúdo do direito do seu momento histórico sabe reconhecer o texto de lei que não
guarda ligação com os anseios sociais, bastando a ele, em tal situação, retirar do
sistema, principalmente da Constituição, os dados que lhe permitem decidir de modo a
fazer valer o conteúdo do direito do seu tempo (MARINONI, 1999, p. 110).
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349
4.2 Princípio da igualdade processual
A noção de igualdade é um dos princípios basilares da Constituição Federal, já
que em diversas passagens daquela Carta o Poder Constituinte se preocupou com o
tratamento igualitário ou com a proibição da discriminação. A título exemplificativo
veja-se os artigos 3º, inciso III; 4º, inciso V; 5º, caput, dentre outros.
O princípio da igualdade também comporta duplo aspecto: formal e material.
Quanto ao primeiro, significa que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza. É a conhecida igualdade perante a lei, fruto do pensamento liberal
clássico, onde se partia da premissa de que todos os indivíduos possuíam as mesmas
condições. Assim, para se alcançar a justiça bastava que a lei não os discriminasse.
Contudo, essa igualdade de condições entre os indivíduos é noção filosófica
apartada da realidade, pois as pessoas se diferenciam em inúmeros aspectos (físicos,
sociais, econômicos etc), de sorte que não se pode falar em igualdade originária sempre.
Destarte, a lei não poderia apenas contentar-se em tratar igualitariamente os
indivíduos, já que isso era insuficiente à concretização de uma justiça.
Com efeito, desenvolveu-se o aspecto material do princípio da igualdade,
assentando-se no postulado de que as pessoas são naturalmente diferenciadas. Em
alguns casos, para alcançar a igualdade material era preciso o tratamento diferenciado,
desde que justificado.
Leciona Ferreira Filho que:
O princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Veda apenas aquelas diferenciações arbitrárias, as discriminações. Na verdade, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça (2011, p. 309).
A partir dessas noções de igualdade (formal e material), bem como à luz do
princípio do devido processo legal, conclui-se que o princípio da igualdade é aplicável
no âmbito processual.
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350
É a exigência de paridade de armas entre os litigantes e de tratamento
processual isonômico como manifestações de um devido processo legal. Além de
envergadura constitucional, tal exigência está expressa também no art. 125, I, do CPC.
Como em todos os ramos do Direito, no campo do Direito Processual, o
princípio da igualdade deve ser observado sob a dupla dimensão: formal e material.
Para atender àquele princípio, insuficiente que a lei ou o magistrado se
abstenha de conferir tratamento diferenciado entre os litigantes. É preciso, outrossim,
que se possibilite às partes igualdade de condições (par conditio) na atuação processual,
até mesmo com tratamento diferenciado para concretizar a igualdade em sentido
material.
Câmara escreve que já foi dito que o processo é um jogo. Que seja ao menos
um jogo equilibrado, em que as partes têm as mesmas chances de êxito, o que
assegurará o sucesso a quem seja efetivamente titular de uma posição jurídica de
vantagem (2011, p. 145).
Com efeito, para se concretizar um devido processo legal é imprescindível que
aos litigantes seja conferido tratamento igualitário (isonomia processual formal) e
também igualdade de condições na atuação processual (isonomia processual material).
4.3 Princípio do contraditório
O art. 5º, inciso LV, da CF, determina que aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Nesse inciso, assim, foi estabelecida a garantia do contraditório e da ampla
defesa em qualquer processo.
A garantia do contraditório implica não apenas a ciência da existência de um
processo, mas também a de participar, ser ouvido e influenciar na convicção do órgão
julgador.
Há uma legitimação das decisões judiciais por meio do contraditório e do
devido processo legal, “querendo-se com isso destacar que a manifestação do Estado-
de todo ele, não só do Estado-juiz- será tanto mais legítima quanto maior for a
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351
possibilidade de os destinatários de seus atos, de suas decisões, que têm caráter
imperativo e vinculante, poderem se manifestar para influenciar a autoridade
competente antes de ela decidir (BUENO, 2011, p. 145)..
4.4 Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
A Constituição Federal estabeleceu, em seu artigo 5º, inciso XXXV, o
princípio da inafastabilidade jurisdicional ao determinar que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Por isso, é direito fundamental do indivíduo o acesso à Justiça, a prerrogativa
de socorrer-se do Poder Judiciário quando houver lesão ou até mesmo ameaça de lesão
ao seu direito. E tal direito não lhe pode ser subtraído pelo legislador, nem mesmo pelo
Poder Constituinte Derivado ante a impossibilidade de relativização das cláusulas
pétreas (art. 60, §4º, IV, CF).
Infere-se que o primeiro destinatário da norma em comento é o legislador, o
qual tem a sua autonomia legislativa relativizada nesse ponto, pois se vedou a produção
de leis que restrinjam em demasia (sem justificativas constitucionalmente aceitáveis) o
acesso à Justiça.
Sobre aludido princípio, Alvim destaca que:
Isto quer dizer que nenhuma lesão ou mera ameaça de lesão de direito individual ou não, pode ser por lei infraconstitucional subtraída do conhecimento do Poder Judiciário; decorre disto, necessariamente, que a jurisdição é aquela que é exercida por Juízes de Direito, dos diversos graus de jurisdição existentes e com as garantias tradicionais da magistratura (1990, p. 145).
O acesso à Justiça é instrumento que efetiva o Estado Democrático de Direito,
pois permite ao indivíduo, lesado em seu direito ou mesmo diante de iminência de lesão
(ameaça) invocar o Poder Judiciário contra eventuais arbítrios do próprio Estado ou de
particulares.
Diante da importância do aludido princípio no Estado Democrático de Direito,
ao legislador é vedado obstaculizar injustificadamente o acesso à Justiça. Mas também
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352
se exige dele uma atuação positiva, a de promover o acesso à ordem jurídica, pois essa a
vontade do Poder Constituinte Originário. E tal atuação positiva está em consonância
com a concretização de um Estado Democrático de Direito.
De forma magistral destacou o Min. Celso de Mello que:
A regra inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da Lei Fundamental, garantidora do direito ao processo e à tutela jurisdicional, constitui o parágrafo régio do Estado Democrático de Direito, pois, onde inexista a possibilidade de amparo jurisdicional, haverá, sempre, a realidade opressiva e intolerável do arbítrio do Estado ou dos excessos dos particulares, quando transgridam, injustamente, os direitos de qualquer pessoa (STF. Rcl 6534 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-01 PP-00160 RTJ VOL-00206-03 PP-01036 RT v. 98, n. 879, 2009, p. 162-170 RF v. 104, n. 400, 2008, p. 360-370).
O art. 5º, inciso XXXV, da CF, também permite outra leitura, elencando como
destinatário daquele comando não só o legislador, mas também o magistrado. Pois é o
presidente e condutor do processo.
Ao prever o acesso ao Judiciário como direito fundamental do indivíduo,
certamente o Poder Constituinte conferiu importância substancial à atuação dos
magistrados, o que legitima aquela conclusão no sentido de que a jurisdição e o
processo são instrumentos de promoção dos direitos fundamentais. E mais, de
concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa (art. 3º, CF).
De nada adianta franquear o acesso à Justiça se a tutela jurisdicional buscada
também não se permear de todos aqueles ideários que inspiraram o Poder Constituinte
ao eleger as finalidades da jurisdição e do processo, bem como guardar estrita
observância aos demais princípios constitucionais processuais. A garantia de acesso à
Justiça seria meramente formal.
4.5 Acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz
Para se implantar uma verdadeira garantia de acesso à justiça, que não se
restrinja ao aspecto meramente formal, é preciso avançar. A inafastabilidade do controle
jurisdicional deve ser comando dirigido ao legislador e também ao magistrado.
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353
Tal ilação é extraída da interpretação sistematizada do princípio do acesso à
justiça (art. 5º, XXXV, CF) e da cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).
Ou seja, além de ser desejo da Constituição Federal o amplo acesso ao Poder Judiciário,
o processo (instrumento pelo qual se manifesta a jurisdição) tem que ser adequado
(devido) e em conformidade com a legislação (e com a própria Constituição Federal).
Então, o integrante do Poder Judiciário deve ter em mente as finalidades do
processo e da jurisdição (promoção de direitos fundamentais e dos objetivos
fundamentais da República), e concretizar os princípios constitucionais processuais. A
esse aspecto denomina-se garantia a uma ordem jurídica justa, célere e eficaz.
Cappelletti e Garth já ensinavam que a garantia do acesso à justiça serve para
determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico- o sistema pelo qual as pessoas
podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado.
Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir
resultados que sejam individual e socialmente justos (2002, p. 8).
Nesse ponto, pode-se dizer também que a ideia de acesso àquela ordem jurídica
qualificada é comando dirigido ao magistrado (na sua atuação profissional), mas
também aos poderes Legislativo e Executivo (administrador público). Ao legislador
incumbe a elaboração de leis condizentes com aludido princípio. E ao Executivo, com
aval do legislativo, a destinação de recursos financeiros para aparelhar materialmente e
com servidores o Poder Judiciário.
Sem um mínimo de estrutura adequada de trabalho e de recursos humanos a
assessorarem os magistrados, ante o excesso de processos judiciais, mesmo que imbuído
dos mais prestigiosos valores constitucionais, torna-se impossível ao juiz (sozinho)
concretizar o comando constitucional de acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz.
Como bem destacou o magistrado Silveira não se pode simplesmente ignorar a
realidade de trabalho dos juízes brasileiros, permeada por dificuldades que vão além
do excesso de processos, especialmente por não contarem com assessoramento
especializado e estrutura informatizada hábil (2012, p. 51).
De qualquer sorte, como meta a ser alcançada, é possível se fincar a noção de
que o acesso à Justiça por si só é insuficiente para se garantir um processo e uma
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354
jurisdição segundo os comandos da Constituição Federal. É preciso, ademais, que a
própria jurisdição seja célere e eficaz.
A celeridade processual atualmente encontra amparo no art. 5º, LXXVIII, da
CF, que é a garantia da duração razoável do processo: “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”.
O princípio da celeridade é:
Dirigido, em primeiro lugar, ao legislador, que deve cuidar de editar leis que acelerem e não atravanquem o andamento dos processos. Em segundo lugar, ao administrador, que deverá zelar pela manutenção dos órgãos judiciários, aparelhando-os de sorte a dar efetividade à norma constitucional. E, por fim, aos juízes, que, no exercício de suas atividades, devem diligenciar para que o processo caminhe para uma solução rápida (GONÇALVES, 2012, p. 54).
A eficácia da jurisdição, ainda dentro de uma ordem jurídica justa, relaciona-se
com as consequências da decisão judicial. Se até este momento a preocupação era com
os meios adequados à tutela jurisdicional, a partir da noção de efetividade do processo
preocupa-se com os resultados da decisão proferida pelo juiz. A maneira de se garantir,
àquele que teve a sua situação jurídica favorecida pela decisão, o resultado prático
equivalente ao que ele obteria se não precisasse acionar o Poder Judiciário.
Enquanto o princípio do acesso à Justiça e do devido processo legal e os que
dele derivam, voltam-se, basicamente, à criação de condições efetivas de provocação
do Poder Judiciário e de obtenção da tutela jurisdicional mediante uma devida
participação ao longo do processo, com vistas ao reconhecimento do direito (ameaçado
ou lesionado) de alguém pelo Poder Judiciário, o princípio da efetividade do processo
volta-se mais especificamente ao reconhecimento práticos deste reconhecimento do
direito, na exata medida em que ele o seja, isto é, aos resultados da tutela jurisdicional
no plano material, exterior ao processo (BUENO, 2011, p. 185).
Essa nova postura judicial, de órgão concretizador dos direitos fundamentais e
dos objetivos da República (art. 3º, CF), cuja decisão será sempre resultado de respeito
absoluto aos princípios constitucionais processuais, homenageando-se o acesso à ordem
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
355
jurídica justa, célere e eficaz, quiçá seja o ponto de partida para a solução da aventada
crise do Poder Judiciário.
Como bem destacou Nalini:
O protagonismo saudável é assim chamado por caracterizar a atuação de um juiz que se não conforma com o exercício automático e formal de sua função, mas se sente responsável pelas consequências concretas de sua decisão, mormente quanto à sua compatibilidade com o justo. Um ativismo político radical o levaria a instrumentalizar a função e até mesmo à revolução. O imobilismo inercial clássico em nada permitiria a modificação do quadro atual de descrédito no Judiciário (2006, p. 283).
5 Tutela do consumidor
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, determinou que “o
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Assim, a defesa do consumidor foi erigida, pela Lei Fundamental, como
garantia fundamental do indivíduo a ser implementada na forma da lei.
A Carta Maior não se contentou apenas com aquela previsão normativa. No art.
24, inciso VIII, atribuiu competência concorrente para legislar sobre responsabilidade
nas relações de consumo.
No art. 150, §4º, da CF deixou expresso que “a lei determinará medidas para
que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre
mercadorias e serviços”.
Dentre os princípios da ordem econômica elencou a defesa do consumidor (art.
170, IV, da CF).
Ademais, preocupado com a mora legislativa, no art. 48 do ADCT determinou
que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da
Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
Com base na interpretação sistemática daqueles dispositivos constitucionais
infere-se que a tutela das relações de consumo mereceu singular atenção do Poder
Constituinte. Além da previsão no rol dos direitos e garantias fundamentais, em diversas
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
356
passagens da Constituição o tema foi renovado. Ao final, estabeleceu-se prazo para que
o Congresso Nacional legislasse a respeito do tema.
Destarte, do texto constitucional se extrai que a tutela da relação de consumo
deve mesmo ser diferenciada das demais relações jurídicas, sem que isso signifique
violação da Constituição Federal.
5.1 Tutela do consumidor como instrumento de promoção da igualdade material
Em cumprimento ao comando constitucional, editou-se a Lei 8.078/90,
denominada Código de Defesa do Consumidor.
No seu artigo 1º já se destaca que “o presente código estabelece normas de
proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos
arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas
Disposições Transitórias”.
O artigo 4º, inciso I, da Lei 8.078/90, ao tratar da Política Nacional das
relações de consumo fixa a premissa de que o consumidor é a parte vulnerável naquela
relação jurídica.
Tal tomada de posição é fundamental na análise da legitimidade do tratamento
diferenciado que aquela lei conferiu aos consumidores, pois demonstra que o legislador
almejou concretizar o princípio da igualdade material. Vale dizer, o tratamento
diferenciado em prol do consumidor conferiu equilíbrio a uma relação jurídica
naturalmente desigual entre consumidores e fornecedores ou prestadores de serviços.
Esse também o entendimento de Grinover ao afirmar que “no âmbito da tutela
especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável,
se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o
controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem
produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro (2007, p. 69).
A necessidade de equilíbrio na relação de consumo, com a harmonização dos
interesses dos participantes daquele negócio jurídico, resta nítida com a leitura do art.
4º, inciso III, da citada lei.
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357
harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores
Na realidade, essa a pedra de toque a guiar a finalidade do tratamento
diferenciado do consumidor. Todo e qualquer tratamento especial deve ser com vistas a
atingir o art. 4º, inciso III, da Lei 8.078/90, compatibilizando a proteção do consumidor
com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, viabilizando-se os
princípios da ordem econômica e não se olvidando da boa-fé e equilíbrio naquela
relação.
5.2 Mecanismos de proteção do consumidor
Inspirada na vulnerabilidade do consumidor e na necessidade de conferir
equilíbrio às relações de consumo, a Lei 8.078/90 trouxe inúmeros institutos de proteção
especial ao consumidor.
Dentre eles, podem ser citados, sob o enfoque material: a) a responsabilização
do produtor e do fornecedor pelo fato do produto e do serviços, respectivamente (artigos
12 e 14 da Lei 8.078/90); b) a responsabilidade por vício do produto e do serviço
(artigos 18 a 20 da citada lei); c) a desconsideração da personalidade jurídica (art. 28);
d) a regulamentação da oferta e da publicidade de produtos e serviços (art. 30 a 38); e)
especificação de práticas abusivas (art. 39 e 40); f) a proteção contratual (art. 46 a 50)
com as cláusulas consideradas abusivas e por isso nulas (art. 51 a 53); g) previsão de
regras de interpretação dos contratos de adesão (art. 54).
Já no campo processual, o Código atuou em duas vertentes. No campo das
ações individuais e das coletivas (GRINOVER, 2007, p. 788). Quanto às primeiras,
podem ser citadas: a) competência pelo domicílio do consumidor (art. 101, I); b)
vedação da denunciação à lide e um novo tipo de chamamento ao processo (art. 88 e
101, II); c) previsão de adequada e efetiva tutela jurisdicional por intermédio de toda e
qualquer ação (art. 83); d) nova configuração da tutela específica, nas ações que tenham
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
358
por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 84); e) extensão
subjetiva da coisa julgada apenas para beneficiar as pretensões individuais (art. 103); f)
inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII); g) implementação dos juizados de pequenas
causas (art. 5º, IV); h) assistência jurídica integral e gratuita ao consumidor carente (art.
5º, I) dentre outros.
No âmbito das ações coletivas, são dignos de notas os seguintes institutos
processuais2: a) tutela dos consumidores ampliada por meio da categoria dos interesses
difusos e coletivos (art. 81, I e II); b) nova espécie de ação para o tratamento coletivo da
reparação dos danos pessoalmente sofridos (art. 81, III e Capítulo II do Título III), sem
prejuízo da eventual fluid recovery (art. 100); c) aperfeiçoamento das regras de
legitimação e dispensa de custas e de honorários advocatícios da Lei 7.347/85 (art. 87);
d) novo tratamento à coisa julgada no processo coletivo (art. 103).
6 Neoprocessualismo e Código de Defesa do Consumidor
Sob o aspecto processual, então, o Código de Defesa do Consumidor, em
inúmeros dispositivos, foi iluminado pelo neoprocessualismo, com assunção do
conceito de acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz. Vejamos alguns deles.
A regra do art. 94 do CPC, que estabelece a competência territorial no
domicílio do réu, foi derrogada pela Lei 8.078/90 quando a demanda versar sobre
relação de consumo. Pois, o art. 101, I, da citada lei, conferiu a prerrogativa de esta ação
ser proposta no domicílio do consumidor.
É evidente que tal regra concretizou o acesso à Justiça aos consumidores, pois
lhes facilitou a propositura de ações, não precisando se deslocar de cidade para ingressar
com as demandas consumeristas.
O próprio STJ já decidiu que, tratando-se de regra beneficiando o
hipossuficiente, a cláusula contratual de eleição de foro que a afasta poderá ser
declarada nula.
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359
PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE CONSÓRCIO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. NULIDADE. DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. PARTE HIPOSSUFICIENTE DA RELAÇÃO. FORO ELEITO.
1. A jurisprudência do STJ firmou-se, seguindo os ditames do Código de Defesa do Consumidor, no sentido de que a cláusula de eleição de foro estipulada em contrato de consórcio há que ser tida como nula, devendo ser eleito o foro do domicílio do consumidor a fim de facilitar a defesa da parte hipossuficiente da relação.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1070671/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 10/05/2010)
Na mesma esteira, a vedação de denunciação à lide (art. 88, da Lei 8.078/90) se
justifica para que as ações que discutem relação de consumo não sejam retardadas pelo
ingresso de terceiros na lide. Assim, buscou-se trazer maior celeridade e efetividade
àqueles processos, em consonância com o princípio da duração razoável do processo.
A previsão de toda e qualquer ação para defesa dos direitos dos consumidores
(art. 83), bem como da tutela específica nas obrigações de fazer (art. 84), encontram
amparo constitucional no princípio do devido processo legal e, sobretudo, na jurisdição
(e no processo) como instrumento de tutela dos direitos fundamentais. Ou, pela nossa
proposta, como meios de concretização dos objetivos fundamentais da República (art.
3º, CF).
Com efeito, a tutela do consumidor está prevista no rol dos direitos e garantias
fundamentais, razão pela qual merece ser erigida como um dos escopos jurisdicionais
por força da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Não bastasse isso, a relação
de consumo se caracteriza pela hipossuficiência de uma das partes, de sorte que a
jurisdição deve buscar reduzir esse desequilíbrio e promover a integração social.
Por isso a previsão de cabimento de toda e qualquer ação destinada a proteger a
relação de consumo (pois inserida no rol de direitos e garantias fundamentais) e da
existência de tutela específica, que representa valioso instrumento para que o
magistrado exerça seu mister de proteção dos direitos fundamentais.
A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, inciso VIII, da Lei 8.078/90, é
instrumento que confere concretude aos princípios da inafastabilidade do controle
jurisdicional e do devido processo legal.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
360
Nada adiantaria facilitar o acesso à ordem jurídica se o consumidor ainda
encontrasse dificuldades em demonstrar suas alegações em juízo à luz da regra
tradicional de ônus da prova (art. 333, do CPC). Seria o mesmo que negativa substancial
do acesso à ordem jurídica.
Então, para que a tutela do consumidor ocorresse de forma adequada,
respeitando-se o devido processo legal (formal e substancial), criou-se o instituto em
comento (inversão do ônus da prova), a ser operado pelo juiz (e não pelo legislador)
ante o preenchimento de certos requisitos.
Para a inversão, a lei exige que a alegação do consumidor seja “verossímil” ou
ele seja “hipossuficiente”.
Em relação à verossimilhança, o legislador optou pela técnica de cognição
sumária (ou rarefeita), a bastar que a alegação do consumidor tenha aparência de
verdadeira.
Ademais, estabeleceu que a “hipossuficiência” seria o outro requisito. Mas,
seria apenas a hipossuficiência financeira, ou estaria também englobada a técnica?
Levando-se em consideração o desiderato que inspirou a inversão do ônus da
prova (acesso à ordem jurídica justa e adequada), a melhor exegese é no sentido de que
tanto a hipossuficiência financeira como a técnica são suficientes para a inversão do
ônus.
Em juízo, a dificuldade do consumidor em produzir determinada prova
habitualmente ocorre em razão da sua desigualdade financeira perante a outra parte
litigante.
Mas, há casos em que embora haja paridade de armas sob o enfoque financeiro,
o consumidor pode estar em desvantagem porque não reúne o conhecimento técnico
suficiente para encaminhar aquela prova. Nesse caso, há um desequilíbrio
comprometedor da paridade de armas, e também da própria justeza da decisão, pois as
partes não teriam as mesmas oportunidades e poderes de influenciar o juiz.
De qualquer sorte, não se pode olvidar da regra de ouro prevista no art. 4º, III,
da Lei 8.078/90, que determina a harmonização dos interesses do consumidor com a
necessidade de avanços econômicos e tecnológicos, bem como o respeito à boa-fé e o
equilíbrio nas relações de consumo.
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361
Nessa esteira, pese o respeito aos posicionamentos contrários, a inversão do
ônus da prova só pode ocorrer quando presente os dois requisitos de forma cumulativa.
Ou seja, quando for verossímil a alegação do consumidor e este for hipossuficiente
(financeira ou tecnicamente).
A exigência dos requisitos cumulativos, além de evitar demandas infundadas
(tutelando-se a boa-fé nas relações de consumo), confere tratamento igualitário, não
discriminatório, à relação de consumo. Compatibiliza os interesses do consumidor e do
fornecedor ou prestador, nos termos do art. 4º, III, da citada lei.
Registre-se, por oportuno, que para uma tutela judicial adequada das demandas
envolvendo relações de consumo, pese entendimento diverso prevalente no STJ, melhor
seria que naquele que tem o ônus de arcar com a prova também recaísse o ônus de
custear a produção probatória. Do contrário, estar-se-ia dando com uma mão e tirando
com a outra (NUNES, 2011, p. 846).
Por fim, a regulamentação das ações coletivas latu sensu também é medida de
concretização dos princípios constitucionais processuais e da jurisdição como
instrumento de implantação dos objetivos fundamentais da República Federativa.
Com a ampliação dos legitimados, e do processo de resultados (uma demanda
solucionando a situação jurídica de diversas pessoas), as questões submetidas a
julgamento serão solucionadas de forma uniforme para várias pessoas, sem que estas
(consumidores) tenham despendido qualquer valor.
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor contribuiu à criação de um
microssistema das ações coletivas.
Para Gidi:
A parte processual coletiva do CDC,fica sendo, a partir da entrada em vigor do Código, o ordenamento processual civil coletivo de caráter geral, devendo ser aplicado a todas as ações coletivas em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Seria, por assim dizer, um Código de Processo Civil Coletivo, como ordenamento processual geral (1995, p. 77).
CONCLUSÃO
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362
Hodiernamente muito se debate acerca da propalada crise do Poder Judiciário,
cujo foco principal é a inaptidão daquele órgão em emitir o pronunciamento
jurisdicional de forma célere e eficaz às milhares de demandas que lhe são colocadas
para sua apreciação.
Inegável que tal taxa de congestionamento processual deve ser atacada por
diversas frentes, dentre elas as imprescindíveis alterações legislativas e o fornecimento
de condições pessoais e estruturais adequadas para o bom funcionamento do sistema
judiciário.
Todavia, pertinente à qualidade da tutela jurisdicional a ser prestada, avulta de
importância a noção de neoprocessualismo, não só a nortear a atuação legislativa como
a do administrador público e, sobretudo, a do magistrado.
De efeito, pensar-se na jurisdição - enquanto manifestação do poder estatal -
destinada a efetivação dos direitos fundamentais, e dos objetivos fundamentais da
República Federativa (art. 3º, CF), é conferir salto qualitativo àquela espécie de
atividade estatal. Não é só.
O próprio delineamento dos princípios constitucionais processuais, naquela
ótica, representa uma nova postura estatal. De mero acesso formal à Justiça transcende-
se para a necessidade de oferecer um acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz.
Nessa ordem de ideias, destaque-se que uma expressiva quantidade das ações
judiciais protocolizadas diariamente tem como objeto as relações de consumo. E os
institutos do Código de Defesa do Consumidor guardam estreita sintonia com o
neoprocessualismo, sendo concretizações deste, aliás.
Afirmar-se que a Lei 8.078/90 espelha o neoprocessualismo e por isso é
instrumento de acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz tem consequências
importantes.
A primeira, de ordem jurídica, é a de que o neoprocessualismo e os princípios
constitucionais processuais são vetores hermenêuticos indispensáveis na interpretação
daqueles dispositivos processuais insertos na Lei 8.078/90.
A segunda, de cunho político, consiste na possibilidade de o magistrado – e
com ele o Poder Judiciário por aquele representado – ao fazer valer o
neoprocessualismo naquela espécie de demanda (que representam uma imensa
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
363
porcentagem das ações ajuizadas), contribuir ao resgate da confiança no Poder
Judiciário. Pois depositada na figura imparcial do magistrado a esperança da efetivação
dos direitos fundamentais, com a redução das desigualdades sociais e financeiras, com
vistas à promoção de uma sociedade mais justa.
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O CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO E O TRATAMENTO NOS JUIZADOS
ESPECIAIS CÍVEIS
THE OVER-INDEBTED CONSUMER AND TREATMENT IN SMALL CLAIMS
COURTS
Pedro Paulo Vieira da Silva Junior
Advogado. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF
RESUMO
A situação jurídica do consumidor superendividado torna-se tema atual e latente, sobretudo após a promulgação da CRFB/88, que previu a tutela dos consumidores (artigo 5º, XXXII). Com efeito, diversas alternativas têm sido criadas para buscar solucionar os problemas enfrentados pelo indivíduo superendividado, inclusive no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, o que demonstra uma preocupação em se ter garantido o acesso à justiça dos consumidores nesta situação. Nesse trabalho, almeja-se a análise dos modelos de resoluções de controvérsias atinentes ao consumidor superendividado praticados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, além de revisão literária sobre o assunto, objetivando a elaboração e estudo de uma proposta que contemple as peculiaridades do consumidor fluminense. PALAVRAS-CHAVES: Direito do Consumidor; Juizados Especiais Cíveis; Superendividamento
ABSTRACT
The legal situation of over-indebted consumer becomes latent and current theme, especially after the promulgation of CRFB/88, who predicted the protection of consumers (Article 5, XXXII). Indeed, several alternatives have been created to seek resolve the problems faced by over-indebted individuals, including under the Small Claims Courts, which demonstrates a concern in having guaranteed access to justice for consumers in this situation. In this paper, aims to analyze the models resolutions of disputes relating to consumer over-indebted practiced at the Court of Rio de Janeiro, and review the literature on the subject, aiming at developing and studying a proposal that addresses the peculiarities of consumer the state. KEYWORDS: Consumer Law, Small Claims Courts; overindebtedness
I. Introdução. II. O consumidor e sua latente vulnerabilidade. III. O Superendividamento e o
consumidor. IV. O Consumidor Superendividado e os Juizados Especiais Cíveis. V.
Conclusão. VI. Referências Bibliográficas
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367
I. Introdução
A realidade socioeconômica brasileira apresenta, por um lado, uma situação de
alarmente possibilidade de crédito fácil e, de outro, ausência de legislação específica sobre a
figura do consumidor superendividado, a despeito de outros países que já a possui (EUA,
Dinamarca, Suécia, França, Portugal etc.).
Tal fato ensejou, no âmbito de alguns tribunais brasileiros, a elaboração de soluções,
para que o preceito constitucional da inafastabilidade da jurisdição (Art.5º, XXXV) não
restasse prejudicado. É o que se observou com os projetos-pilotos implantados no Rio Grande
do Sul (2007) e no Paraná (2010). Em ambos os casos, visou-se o tratamento das situações de
superendividamento do consumidor.
A possibilidade de haver um tratamento jurídico para os casos em que o consumidor
está superendividado torna-se urgente no contexto que se está aqui descrevendo. A oferta fácil
de crédito vem acompanhada da oferta de felicidade, bem-estar, prestígio social, que, do
ponto de vista da psicologia, são finalidades que muitos seres humanos colocam para suas
vidas.
Nesse sentido, pode-se dizer que é no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e na
Defesa do Consumidor, ambos constitucionais, que está a razão de haver um modo de
tratamento específico para uma realidade igualmente específica.
Antes de tudo, vale destacar algo que está na base da Defesa do Consumidor, qual
seja a sua vulnerabilidade. Está aqui a dizer que, mesmo sem considerar o
superendividamento, o consumidor já merece tratamento específico, pudera àqueles que estão
nessa situação.
II. O Consumidor e a sua latente vulnerabilidade
Para que a norma legal incida igualmente sobre determinada relação jurídica,
necessário o equilíbrio entre as partes. Se for manifesto o desequilíbrio, o princípio da
isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei, consoante artigo 5º, inciso I da Carta
Magna, mostra-se injusto, visto que a igualdade prevista na Constituição não é absoluta, ou
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368
seja, não se limita à igualdade formal, exatamente para proteger certas finalidades acolhidas
pelo Direito. Daí a necessidade da lei tratar de forma desigual os desiguais, na medida em que
se desigualam para buscar a igualdade material entre as partes, sendo tal critério exigência do
próprio conceito de justiça.
Preleciona Rizzatto Nunes (2004, 34-35) que se afere a adequação ou não ao
princípio da isonomia material, verificando-se a harmonização dos seguintes elementos: a) a
discriminação; b) correlação lógica da discriminação com o tratamento jurídico atribuído em
face da desigualdade; c) afinidade entre essa correlação e os valores protegidos no
ordenamento constitucional.
Destaca-se, contudo, que o constitucionalismo com relação ao princípio da igualdade
não está limitado à igualdade perante a lei, mas em garantir a cada cidadão iguais
oportunidades para a realização dos seus próprios objetivos. A igualdade material ou
substancial vem, portanto, complementar a igualdade formal, conferindo aos cidadãos, além
da igualdade em direitos e obrigações, a garantia que o Estado será um ente preocupado em
efetivar a isonomia, proibindo aos administrados desigualações injustas e sem motivo
(LEMOS, 2004).
A tutela do consumidor parte deste princípio constitucional, visto que é
manifestamente a parte mais fraca da relação de consumo e, por esta razão, precisa ser tratado
de forma desigual, na medida em que se desiguala dos fornecedores, através de garantias
previstas em lei. Dessa forma, as garantias dadas aos consumidores não servem para
privilegiá-los, mas para igualar a relação jurídica.
Portanto, o reconhecimento da vulnerabilidade, nas palavras de Claudia Lima
Marques, é o pilar que sustenta a tutela especial dos consumidores. Tanto é assim que a
expressão “destinatário final” contida no art. 2o, caput, do CDC deve ser interpretada
restritivamente, para alcançar apenas uma parcela dos consumidores considerada mais fraca
(vulnerável). Tal interpretação é defendida pela corrente Finalista, segundo a qual a referida
tutela especial “só existe porque o consumidor é a parte mais vulnerável nas relações
contratuais no mercado, como define o CDC no art. 4o, I. Logo, convém delimitar claramente
quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é consumidor e quem não é.”
(MARQUES, 2002, 253-254). Ou seja, consumidor seria aquele que apenas adquire ou utiliza
produto ou serviço para satisfazer uma necessidade pessoal que lhe trará um benefício próprio
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369
ou para outrem e não para revendê-lo ou utilizá-lo como insumo, acrescentando-o a sua cadeia
produtiva. Assim, “consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de
maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável” (idem).
A vulnerabilidade está ligada ao próprio conceito de consumidor, pois vulnerável
todo consumidor é, em face das publicidades, das técnicas de marketing, dos contratos de
adesão, que frequentemente são impostos. (GUIMARÃES, 2001, 54). Isto se deve à perda de
seu poder de barganha em função da atuação de monopólios e oligopólios compostos pelas
grandes corporações, as quais detêm as técnicas de fabricação, de persuasão, de
convencimento e as informações sobre qualidade, preço, crédito e outras características dos
produtos e serviços.
Logo, em virtude do poderio econômico das grandes corporações e das informações
que só os fornecedores detêm, os consumidores ficam sujeitos a toda sorte de abusividade, por
mais que não sejam hipossuficientes.
Nesse diapasão, urge salientar que os termos vulnerabilidade e hipossuficiência não
se confundem. A vulnerabilidade, como já tido alhures, pertence ao conceito de consumidor
trazido pelo CDC, e, por esta razão, entendemos seja absoluta, inadmitindo prova em
contrário. Já a hipossuficiência está ligada à falta de recursos econômicos. Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira conceitua hipossuficiente como aquela pessoa que é economicamente fraca,
que não é autossuficiente. Portanto a hipossuficiência sempre será econômica. Por óbvio que
esta falta de recurso tornará o consumidor muito mais vulnerável.
José Geraldo Brito Filomeno (2004,23) ainda nos traz à colação a noção de
hipossuficiência dada pelo parágrafo único do art. 2o da Lei 1.060, de 05.02.50, utilizada
como sinônimo de necessidade, sendo hipossuficiente aquele que tem direito à gratuidade de
justiça por não ter recursos econômicos para arcar com honorários e custas judiciárias.
Portanto, poderá haver um consumidor vulnerável, mas não hipossuficiente. Não
pode ser outra a explicação, já que o inc. XIII do art. 6o do Código de Defesa do Consumidor
prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova no caso de verossimilhança na alegação ou
quando for o consumidor hipossuficiente. Ora, se o legislador utiliza a expressão ‘quando’, é
porque, por óbvio, previu situações em que a hipossuficiência não existirá (GUIMARÃES,
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370
2001, 55). Assim, pode-se dizer que a hipossuficiência é um plus em relação à
vulnerabilidade.
Logo, para a conceituação de consumidor e a consequente aplicação do CDC à
relação jurídica, necessário sabermos se ele é vulnerável, pois a hipossuficiência poderá ou
não estar presente.
Há, no entanto, consumidores que são mais vulneráveis que outros, ou seja, cuja
vulnerabilidade é superior à média. São os consumidores ignorantes e de pouco
conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja
posição social não lhes permita avaliarem com adequação o produto ou serviço que estão
adquirindo, além, é claro, do superendividado.
Assim, a utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitam
da fraqueza ou ignorância do consumidor tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou
condição social para impingir-lhe seus produtos ou serviços (art. 39, IV, CDC), é considerada
prática abusiva.
III. O Superendividamento e o consumidor
Importa salientar que superendividamento, na conceituação de Cláudia Lima
Marques (2006, 256), “é a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor,
leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo”.
Se o superendividamento - aquela situação brutal de insolvência em virtude da
extrapolação da capacidade de consumo de crédito – é considerado consequência da falta de
informações relevantes à tomada de decisão consciente, pode-se entendê-lo, sem dificuldades,
como risco da atividade de concessão de crédito. Explica-se:
O superendividado é aquele que não consegue fazer frente a uma dívida assumida a
qual ultrapassa seu ativo. E para análise do superendividamento, necessária a aferição da boa-
fé por parte do consumidor que acredita poder fazer frente à dívida assumida porque foi
convencido das facilidades do crédito, concedido inexplicavelmente e sem nenhum critério
pela instituição financeira quando o consumidor não tinha patrimônio para garantir à dívida.
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371
Ora, se se concede crédito nestas condições, o superendividamento só pode ser entendido
como risco da atividade exercida pelas instituições financeiras. Tal é o fundamento da Teoria
do Risco, adotada pelo CDC, ao impor a responsabilidade civil do fornecedor sem a
necessidade de aferição de culpa porque este assumiria os riscos do exercício de sua atividade.
A concessão de crédito realizado sem critérios se observa nas peças publicitárias que
incentivam o consumo de crédito aos aposentados e pensionistas do INSS. O atrativo destas
linhas de crédito é exatamente a sua concessão sem a pesquisa necessária sobre a
solvabilidade do consumidor interessado.
Márcio Mello Casado já atentava sobre a responsabilidade civil das instituições
financeiras no fornecimento inadequado de crédito ao prelecionar que “O crédito é um
produto nobre. A sua concessão, por isto, deve respeitar critérios altamente especializados. O
próprio Banco Central do Brasil, atento a tal situação, editou a seguinte norma: É vedado ao
banco comercial (...) b) realizar operações que não atendam aos princípios de seletividade,
garantia, liquidez e diversificação de riscos; MNI-Bacen 16.7.2.2.'b' “. Assim, como garantir a
liquidez da dívida contraída se não há seletividade? Há nítido abuso do direito de conceder
crédito cujo excesso deve responder a instituição financeira.
Se há normas técnicas sobre métodos de concessão de crédito e dever imposto pelo
CDC ao fornecedor de informar adequada e claramente acerca dos produtos e serviço que
oferta, as consequências danosas ao consumidor advindas da ofensa a esses preceitos
normativos fazem surgir o dever de indenizar da instituição financeira. Nesse caso, a
consequência mais marcante, como já exposto, é o superendividamento do consumidor, que,
seduzido pelas vantagens do crédito fácil através de técnicas de persuasão poderosas, acaba
comprometendo seu próprio sustento e de sua família. E é por esta razão que o tema do
superendividamento toma tamanha proporção.
O superendividamento obriga o consumidor a se desfazer de seu patrimônio para
fazer frente à dívida em prejuízo de sua sobrevivência com o mínimo existencial, núcleo
material elementar da dignidade da pessoa humana. A situação se agrava se a dívida assumida
pelo consumidor é descontada diretamente em sua folha de pagamento, o que não lhe dá,
como já salientado, nem a possibilidade de inadimplência, agravando-lhe muito mais os meios
de sobrevivência dignos. Evidencia-se, portanto, a necessidade de tutela do consumidor
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372
superendividado elevada a direito fundamental, pois que imprescindível à proteção da própria
dignidade da pessoa humana.
A análise da literatura jurídica versando sobre o tema do Superendividamento
demonstra o quanto as pesquisas ainda precisam avançar nessa área, tendo em vista a escassez
de dados empíricos correspondentes às distintas situações de consumidor superendividado
possíveis de serem listadas.
A doutrina tem classificado o superendividamento em Ativo e Passivo. No primeiro
caso, entende-se que o próprio consumidor colaborou para estar na situação de devedor, ou
seja, pessoas que não tem controle de suas finanças. Já no segundo caso, considera-se que o
consumidor está na situação de devedor não por vontade própria, mas por razões externas
(desemprego, falecimento de parentes próximos, divórcio).
A necessidade de que haja um tratamento específico é ratificada por GIANCOLI
(2008, 123), para quem o tratamento do superendividamento permite "a correção da
assimetria de uma ou diversas relações jurídicas contraídas pelo consumidor, em razão da
existência de um conjunto de dívidas estruturais ajustadas de boa-fé, capazes de ameaçar ou
lesionar sua dignidade pessoal".
Com efeito, a qualificação “superendividado” coloca em xeque o modo como o
consumidor nessa situação vem sendo tratado, uma vez que, para se ter protegida a Pessoa
Humana em sua integralidade (na ótica do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da
Tutela do Consumidor), é preciso considerar um mecanismo que contemple um trabalho
conjunto de profissionais de diversas áreas (juristas, economistas, administradores, psicólogos
etc.).
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por meio da Resolução nº02/2012 – do
Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais (CSJEs), criou e disciplinou as atividades
concernentes ao Núcleo de Assessoria Psicossocial dos Juizados Especiais do Estado.
Já não se pode mais desprezar os dados estatísticos que revelam os fatores que levam
ao superendividamento e a proporção em que a renda dos indivíduos superendividados é
comprometida.
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373
Nesse sentido, a pesquisa realizada no Rio de Janeiro (2005), coordenada por
Rosângela Cavallazzi, professora da UFRJ, e Heloísa Carpena, procuradora do MPE,
demonstra que, entre 80 endividados selecionados, 39% comprometiam 60% da renda, ou
mais, em dívidas. Em 50% dos casos, o desemprego é a causa para o desequilíbrio financeiro.
Além disso, somente 37% receberam a cópia do contrato e em 88%, não se pediu sequer
garantia para o empréstimo.
IV. O Consumidor Superendividado e os Juizados Especiais Cíveis
É verdade que os conflitos envolvendo consumidores superendividados não ficam à
margem do Poder Judiciário, até mesmo considerando o Princípio da Inafastabilidade da
Jurisdição (Art. 5º,XXXV da CRFB/88 - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito).
Contudo, como asseveram Delton MEIRELLES e Marcelo de MELLO (2010, 255),
em estudo feito sobre os juizados especiais e a tutela do consumidor,
“Diversamente do que se poderia supor, a absorção integral destes conflitos
massificados e usuais pelos juizados especiais não significa garantia de pleno acesso à justiça,
conceito este mascarado pela realidade de um demagógico acesso aos órgãos judiciários, cujo
resultado é, muitas vezes, uma prestação jurisdicional deficiente e de baixa qualidade”.
Desde o Direito Romano até a Idade Média, o devedor insolvente tinha como destino
tornar-se servo do seu credor, em razão de sua dívida. Em épocas mais remotas da
Antiguidade e nos primeiros anos de Roma, admitiu-se até a execução pessoal do devedor. As
Ordenações Manoelinas e filipinas chegaram a prever prisão civil por dívida (in
DANEMBERG, 2010, 301).
A mesma condição já não é mais exposta os consumidores superendividados no
Brasil. Com efeito, a partir da legislação consumerista, esse consumidor não precisa passar
pelo ultrapassado processo de execução por quantia certa contra devedor insolvente, como
apontado no CPC, nos artigos 748 a 748-A. O consumidor pode, por exemplo, antecipar-se e
propor uma ação revisional, ação de resolução contratual, entre outras, com fulcro no artigo
83 do Código de Defesa do Consumidor.
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374
Apesar dessa possibilidade, o que se nota é a falta de utilização desses mecanismos,
até pelos custos que eles impõem ao consumidor já superendividado. O Juizado Especial Civil
seria uma saída para esse problema, se não fosse o fato de não atentar-se para essa
característica de parte de sua clientela, o superendividamento.
Com efeito, as causas apresentadas perante os Juizados Especiais Cíveis pertinentes
aos consumidores superendividados não são analisadas em sua singularidade como deveriam
ser, o que pode significar, em última análise, uma prestação jurisdicional deficitária.
Atualmente, no TJRJ, os Juizados Especiais não desenvolvem qualquer trabalho específico
com este público, seja previamente às audiências ou no decorrer delas. Isto faz com que
propostas conciliatórias plausíveis deixem de existir, visando superar a situação de
superendividamento.
É certo que a ausência de legislação específica dificulta a realização de
procedimentos especiais (tais como a mediação) para solucionar estes litígios. Entretanto,
após o Código de Defesa do Consumidor, o consumidor não precisa mais ser compelido ao
sistema de execução por quantia certa contra devedor insolvente. Com efeito, o artigo 83 do
Código de Defesa do Consumidor prescreve que “para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar
sua adequada e efetiva tutela”.
Em relação às vantagens e obstáculos encontrados nos JECs, para que haja tutela do
consumidor superendividado no âmbito do Poder Judiciário, aponta-se que a desnecessidade
de assistência por advogado nos processos instaurados perante os Juizados Especiais Cíveis,
no importe de até 20 salários mínimos, representa uma alternativa para o consumidor
superendividado que, ao que se entende, não possui condições de arcar com os custos na
contratação de um advogado.
Além disso, no que tange à competência, o consumidor superendividado deve ficar
atento aos órgãos competente para julgar a lide, considerando quem é o seu credor, pois pode
estar diante de uma ação a ser ajuizada no âmbito dos juizados especiais federais ou nos
estaduais, a depender da condição jurídica do mesmo.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
375
Outro ponto importante de se mencionar diz respeito ao valor da causa, uma vez que
a tutela do superendividado nos juizados especiais cíveis ou federais não pode exceder ao
montante previsto nas respectivas legislações (9.099/95 e 10.259/01).
Ainda, no que tange ao valor da causa, insta salientar que, nas lições de
DANEMBERG (2010, 306), “se o consumidor estiver discutindo apenas parte de uma dívida
contratual, deverá o valor da causa corresponder a esta, que será o objeto da lide, e não o valor
integral questionado”.
O Tratamento do Superendividamento no âmbito dos Juizados Especiais do Paraná
não guarda qualquer limitação quanto ao valor individual ou global para o fim de fixação da
competência, conforme preceitua o artigo 3º, §1º da Resolução 01/2011 – CSJEs.
Objetiva-se com a presente pesquisa o aprofundamento teórico do instituto do
superendividamento, bem como análise das jurisprudências obtidas dos juizados especiais
cíveis do estado do Rio de Janeiro.
Alguns julgados do TJRJ trazem a questão do consumidor superendividado em seu
bojo, como nesses abaixo selecionados:
Agravo de instrumento. Empréstimos bancários. Descontos em conta corrente. Superendividamento. Revisão de contratos. Antecipação de tutela determinando a limitação de tais descontos a 4,28% para cada credor, observando-se a margem consignável de 30% (trinta por cento) dos valores creditados na conta da parte autora. Irresignação por um dos credores.Se a consumidora incorreu em débitos contratuais, deve honrá-los, consoante se aferir no mérito da demanda. Mas em se considerando a natureza alimentar dos vencimentos da mesma, além da prodigalidade com que a instituição financeira oferece contratos de financiamento, correta a limitação dos descontos efetuados. Precedente do STJ.Decisão que se prestigia. Improvimento, liminar, do recurso nos termos do art. 557, caput, do CPC. 2009.002.14132 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. PEDRO FREIRE RAGUENET - Julgamento: 14/04/2009 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LIMITAÇÃO. SUPERENDIVIDAMENTO. Inteligência do art. 6º § 5º da Lei 10820/03. Apelante que se insurge contra a sentença que julgou improcedente o pedido de nulidade de cláusulas contratuais cumulado com limitação dos descontos de débitos em sua conta bancária. Possibilidade da limitação pretendida. Preservação do
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376
mínimo existencial. Princípio constitucional da dignidade (art.1º, inciso III CF/88). Boa fé objetiva nas relações de consumo que impõe conduta de lealdade e cooperação com o hipossuficiente. Verbas de natureza alimentar que são impenhoráveis. Inteligência do art. 649 IV CPC. Lei do empréstimo consignado que aponta que os descontos e as retenções financeiras relativos aos titulares de aposentadoria e pensão não poderão ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios. Precedentes jurisprudenciais. Recurso a que se dá provimento, na forma do art. 557 § 1º-A CPC. 2009.001.19452 - APELACAO - DES. CRISTINA TEREZA GAULIA - Julgamento: 24/04/2009 - QUINTA CAMARA CIVEL 1
Tais julgados demonstram a possibilidade de que o consumidor superendividado
pleiteie no âmbito dos JECs, seja renegociação das suas dívidas, proposição de novo
parcelamento com maior prazo, ou obtendo um período de carência que lhe permita retomar o
pagamento das dívidas, seja reduzindo os encargos. É claro que, em certos casos, o credor
poderá até mesmo perdoar parte do débito (DANEMBERG, 2010, 309).
Assim, nesses projetos, só são incluídas dívidas resultantes da relação de consumo,
não sendo atendidas dívidas de outra natureza. O que se objetiva é a mediação da
renegociação de dívidas decorrentes de relação de consumo (não profissionais) do devedor
que se vê impossibilitado de pagar todas as suas dívidas.
A par dessas considerações, surge o questionamento de como está sendo tratada a
problemática do consumidor superendividado no contexto do Tribunal do Estado do Rio de
Janeiro. Mesmo porque, ainda que não haja legislação pertinente, a CRFB/88 e o CDC já
possibilitam, de início, a tutela do consumidor nesta situação.
Nesse diapasão, torna-se muito importante investigar a forma como vem ocorrendo a
tutela do consumidor superendividado nos Juizados Especiais Cíveis, levando-se em conta
que este é um grande viabilizador do acesso à justiça, ao lado da tutela do consumidor.
Com efeito, a jurisprudência fluminense tem tratado do consumidor superendividado,
sobretudo no que concerne aos empréstimos consignados e a limitação dos descontos.
Contudo, algumas questões surgem quando se aprofunda o estudo do tema, tais como o a
maneira como o judiciário entende o consumidor superendividado que possui diversos
credores, ou ainda, os mecanismos adotados para resolução das controvérsias instauradas etc. 1 Disponível em: <http://www.flaviocitro.com.br/v1/index.php/2009/05/17/superendividamento-jurisprudencia-
tjrj-2009/> Acesso em: 25 fev.2012
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
377
V. Conclusão
A vulnerabilidade do consumidor, como já extensivamente exposto, justifica a tutela
especial conferida pelo Código de Defesa do Consumidor. É, por assim dizer, a razão mesma
de sua existência.
Essa vulnerabilidade é mais evidente no consumidor superendividado que se
apresenta, muitas vezes, abalado emocionalmente, tornando-o alvo de práticas comerciais que
se beneficiam deste estado para incentivá-los ao consumo. Por ser uma categoria especial de
consumidores, os superendividados merecem tutela específica do Direito, mormente haja
algumas iniciativas no âmbito de determinados tribunais, para tratar da sua situação.
De fato, o “crédito se apresenta, de um lado, como motor do processo capitalista,
financiando a atividade econômica; e por outro, como fonte de abusos por parte do fornecedor
(...)” (CARPENA & CAVALAZZI, 2005, 134).
Grande é a responsabilidade do fornecedor de crédito que o concede, nessas
condições, incentivando o consumo inconsciente, porque dependente de informações claras,
capazes de fazer com que o consumidor compreenda os riscos a que se expõe ao adquirir
crédito, ainda mais quando as parcelas do financiamento são descontadas em folha.
A necessidade de consumir, portanto, leva a aquisição de crédito por vezes
irresponsável, porque incompatível com a capacidade econômica do consumidor. O resultado
é um estado de superendividamento, comprometendo a possibilidade de se viver dignamente,
porque o consumidor pode ser obrigado a fazer frente à dívida assumida, já que essa poderá
ser descontada diretamente da sua folha.
Necessário, portanto, meios capazes de prevenir tais abusos. A doutrina brasileira já
vem sinalizando para formas de tutela do consumidor superendividado, vítima de ofertas
enganosas e abusivas de crédito fácil.
Quanto às publicidades, assim como ocorre com bebidas e cigarros, produtos estes
nocivos e perigosos à saúde e segurança do consumidor, poder-se-ia exigir de seus
patrocinadores a inclusão de advertência sobre o risco de superendividamento (“consuma
crédito com moderação”) e da importância do planejamento financeiro. Nesse sentido,
poderíamos considerar o crédito produto nocivo à saúde e segurança do consumidor porque,
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378
se consumido de forma indevida, poderá levar à miséria, à fome e à falta de saúde,
inviabilizando o acesso a níveis dignos de subsistência. Assim, impor-se-ia ao fornecedor de
crédito os deveres previstos nos arts. 8o a 11 do Código de Defesa do Consumidor que tratam
da proteção à saúde e segurança do consumidor, sob pena de responderem pelo fato do
produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC).
Entende-se que, não obstante as dificuldades para se encontrar formas eficazes de
tutela do consumidor superendividado, o caminho está na própria hermenêutica constitucional
que sinaliza para a necessidade de interpretar todas as normas infraconstitucionais à luz da
dignidade da pessoa humana, que elevada à norma jurídica de eficácia plena, impõe ao
próprio Estado condutas positivas através de ações afirmativas para fazer cessar qualquer
ameaça ou lesão aos direitos da personalidade.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
379
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381
O DIREITO DO CONSUMIDOR COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL NA CONCEPÇÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
THE CONSUMER LAW AS GUARANTEED MINIMUM OF DESIGN OF JUSTICE IN EXISTENTIAL DISTRIBUTIVE
Daniela Ferreira Dias Batista1 RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o direito fundamental do consumidor como garantia do mínimo existencial, dentro da concepção da justiça distributiva, discutindo alguns dos graves problemas sociais causados pelo consumo desequilibrado. A importância do tema é evidenciada no dia-a-dia da atual sociedade capitalista e consumista em que vivemos, na qual o consumo de produtos e serviços se tornou sinônimo de bem-estar pessoal e social. As políticas públicas de diminuição de juros e de facilitação do crédito para aquecer a economia do país, demonstram a preocupação do Poder Público em transformar o consumo em processo de civilização ou cidadania. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), regulamentando as relações jurídicas de consumo, visa garantir a existência digna do ser humano com a distribuição igualitária dos bens de consumo, principalmente aqueles considerados essenciais, evitando graves problemas sociais como o superendividamento das famílias brasileiras, o que, consequentemente, pode levar à exclusão e à marginalização social. O devido reconhecimento do direito do consumidor como garantia do mínimo existencial do ser humano e a efetivação das normas de consumo poderiam trazer a realidade social e econômica da sociedade mais próxima da concepção de justiça distributiva. Palavras-chave: Direito do consumidor; Direito fundamental; Mínimo existencial; Justiça distributiva.
ABSTRACT This article aims to analyze the fundamental right of the consumer as a guarantee of existential minimum, within the concept of distributive justice, discussing some of the serious social problems caused by unbalanced consumption. The importance of this issue is the day-to-day current capitalist and consumerist society we live in, in which the consumption of products and services has become synonymous with personal wellbeing and social. The public policy of reducing interest and facilitating credit to boost the economy of the country, demonstrating the concern of the government to transform the consumer in the process of civilization or citizenship. The Consumer Defense Code (CDC), regulating the legal relations of consumption, is to ensure the existence worthy of human beings with equal distribution of consumer goods, especially those considered essential to avoid serious social problems such as over-indebtedness of Brazilian families, which, in turn, can lead to social exclusion and marginalization. Due recognition of consumer rights as guaranteed minimum existential human standards and effective consumer could bring social and economic reality of society closer to the concept of distributive justice. Keywords: Law of the consumer; Fundamental law; Minimum existential; Distributive justice. 1 Aluna do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Professora das disciplinas de Direito do Consumidor, Direito Ambiental e Agrário e Introdução ao Direito Público e Privado na Fundação Educacional Miguel Mofarrej – FIO (Faculdades Integradas de Ourinhos). Membro do Grupo de Pesquisa “A intervenção do Poder Público na vida do indivíduo”. Realiza pesquisa na área de Direito do Consumidor. Advogada, especialista pela UEL – Universidade Estadual de Londrina/PR.
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382
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo foi elaborado com o objetivo de favorecer reflexões sobre a
necessidade de reconhecimento do direito do consumidor como direito humano fundamental,
bem como sua efetividade para a conscientização da sociedade para o consumo equilibrado e
consciente, de pretender trazer conhecimentos sobre o direito ao consumo básico como
garantia do mínimo existencial do ser humano e a questão da justiça distributiva, destacando
alguns problemas sociais causados pelo consumo desacerbado.
Nos dias atuais são evidentes os efeitos que o consumo de produtos e serviços
provoca no indivíduo e no meio social em que este convive. A sociedade, de forma geral,
rotula as pessoas de acordo com os bens que consomem, incluindo-as ou excluindo-as de sua
convivência, e, muitas vezes, esse “rótulo” não condiz com a verdadeira realidade econômica
e social do indivíduo.
Na sociedade capitalista em que vivemos, o consumo se tornou uma “máxima” de
existência digna do ser humano, e o pior é que não estamos falando de produtos ou serviços
essenciais, como alimentos, água e energia elétrica. O que realmente preocupa é o consumo
de itens desnecessários e supérfluos, que se tornaram ilusoriamente essenciais para se atingir a
um determinado status social ou até uma condição de incluído, de aceito socialmente. Ou seja,
certo ou errado, temos que lidar com a atual realidade, em que o consumo é visto pela
sociedade como um adjetivo líquido e certo de riqueza, de inteligência, de beleza, de força, de
popularidade ou de todos os seus antônimos.
Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman,
A sociedade de consumidores é um tipo de sociedade que “interpela” seus membros (ou seja, dirige-se a eles, os saúda, apela a eles, questiona-os, mas também os interrompe e “irrompe sobre” eles) basicamente na condição de consumidores. Ao fazê-lo, a “sociedade” espera ser ouvida, entendida e obedecida. Ela avalia – recompensa e penaliza – seus membros segundo a prontidão e adequação da resposta deles à interpelação. Como resultado, os lugares obtidos ou alocados no eixo da excelência/inépcia do desempenho consumista se transformam no principal fator de estratificação e no maior critério de inclusão e exclusão, assim como orientam a distribuição do apreço e do estigma sociais, e também de fatias da atenção do público. (BAUMAN, 2088, p. 70-71).
Sendo assim, na sociedade consumista é pública e notória a inversão de valores, na
qual é o produto ou o serviço que dita a existência social de uma pessoa; é o celular mais
moderno, a roupa da moda ou de grife, o último modelo de carro, que vai determinar a
inclusão do indivíduo na sociedade. Dessa forma, sua existência social e por consequência
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
383
digna, acaba sendo atrelada aos seus bens de consumo e não ao seu valor moral ou ao seu
valor como pessoa e como cidadão.
A realidade da exclusão ou inclusão social causada pelo consumismo fica muito bem
ilustrada na frase da artista norte-americana, Barbara Krugman, citada em um comentário de
economia do sociólogo Joelmir José Beting, que, ao resumir o estado de espírito presente nos
tempos atuais, arrisca-se a transformar a famosa máxima da filosofia ocidental "Penso, logo
existo", em "Consumo, logo existo". (BETING, 2012, online).
A sociedade capitalista industrial criou o mito do consumo como sinônimo de bem-estar e meta prioritária do processo civilizatório. A capacidade aquisitiva vai, gradualmente, se transformando em medida para valorizar os indivíduos e fonte de prestígio social. A ânsia de adquirir e acumular bens deixa de ser um meio para a realização da vida, tornando-se um fim em si mesmo, o símbolo da felicidade capitalista. (Disponível em: http://gritodeumabocaemsilencio.blogspot.com.br/2010/06/consumismo-problemas-sociais-e.html. Acesso em: 25 jul. 2012).
Com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei Federal 8.078, de 11 de
setembro de 1990, surgiu no Brasil uma regulamentação expressa e específica da proteção e
defesa do consumidor, que busca primordialmente atingir o equilíbrio nas relações de
consumo. As normas consumeristas trazidas nesse estatuto legal são de ordem pública e
interesse social, caracterizando os direitos do consumidor como indisponíveis e fazendo com
que todo ato ou negócio jurídico contrário às previsões do código, seja considerado nulo de
pleno direito, ou seja, sem validade ou efeito no mundo jurídico.
O consumo de produtos e serviços está diretamente relacionado à dignidade da
pessoa e à sua sobrevivência digna, principalmente em relação aos produtos e serviços
essenciais, como os alimentos, o tratamento de esgoto e o fornecimento de água e energia
elétrica. Por isso, há a necessidade latente de efetivação das normas de consumo, buscando a
conscientização da sociedade e o equilíbrio na relação jurídica de consumo.
2. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR
O direito consumerista emanou da previsão expressa na Constituição Federal
Brasileira por representar grande influência social, visto que o consumo de produtos e
serviços pode determinar, mesmo que erroneamente, a existência digna de uma pessoa em
sociedade.
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384
Até o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988, os direitos do consumidor
não contavam com uma tutela constitucional específica. O regime anterior não destinara
especificamente qualquer dispositivo à defesa do consumidor, a qual só recebeu consagração
constitucional com a atual Carta Magna.
A preocupação do constituinte com os direitos do consumidor foi deveras
retumbante, o que se revelou pelo significativo destaque que a matéria mereceu, tendo sido,
inclusive, situada entre os direitos e as garantias fundamentais indisponíveis, previstos
expressamente no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. Isto é, a proteção do
consumidor é elencada constitucionalmente junto com os direitos mais importantes tutelados
na hierarquia constitucional, como por exemplo, o direito à propriedade e à igualdade entre
homens e mulheres.
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (...)
A Constituição Federal prevê a defesa do consumidor como garantia e direito
fundamental, consequentemente, os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor,
ganham status de direitos fundamentais, protegidos rigorosamente pela Carta Magna
brasileira.
O Poder Constituinte mencionou, ainda, de forma expressa a defesa dos diretos do
consumidor em outros vários dispositivos da Constituição Federal:
Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Artigo 150. § 5º. A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Artigo 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) II - os direitos dos usuários; (...) IV - a obrigação de manter serviço adequado.
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385
Artigo 48. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.
Destacamos, na previsão constitucional, a defesa do consumidor como um dos
princípios gerais da atividade econômica no Brasil, o que elevou a defesa do consumidor à
condição de princípio constitucional.
Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor. (Constituição Federal Brasileira de 1988).
Comparato (1988, p. 80) entende que não há por que distinguir a defesa do
consumidor, em termos de nível hierárquico, dos demais princípios econômicos declarados no
artigo 170 da Constituição Federal. Quer isto dizer que o legislador, por exemplo, não poderá
sacrificar o interesse do consumidor em defesa do meio ambiente, da propriedade privada, ou
da busca do pleno emprego, nem inversamente, preterir estes últimos valores ou interesses em
prol da defesa do consumidor.
Tendo em vista que a Constituição Federal Brasileira é a lei maior, mais importante
do sistema legal brasileiro, base e fonte para todas as demais leis, a previsão nesta, da
proteção do consumidor deixa evidente a importância do tema e a preocupação do legislador
em amparar de forma específica a relação jurídica de consumo, justamente porque esta gera
cada dia mais, efeitos diretos na existência digna do cidadão em sociedade.
3. CONCEITOS DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR
Para que tenhamos um entendimento consistente do tema aqui proposto e para
compreendermos a real importância do direito do consumidor, necessário será tecermos
alguns comentários quanto aos protagonistas da relação jurídica de consumo, conceituando o
consumidor e o fornecedor, sem os quais não teremos a aplicabilidade das leis consumeristas
e, consequentemente, não poderíamos assegurar o direito ao consumo dos bens e serviços
essenciais a existência digna do ser humano.
A relação de consumo é definida legalmente com bastante precisão, como aquela que
se forma entre, pelo menos, um fornecedor e um consumidor, tendo como objeto a aquisição
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
386
de produtos ou utilização de serviços disponibilizados no mercado de consumo, devendo ser o
consumidor destinatário final destes.
Conforme previsão expressa do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor,
consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.”
É exatamente essa expressão “destinatário final” usada pelo legislador que nos
remete às teorias que definem o consumidor a ser protegido pela lei consumerista.
A primeira teoria é a chamada finalista ou subjetiva que, em suma, define o
destinatário final como destinatário fático e econômico do produto ou serviço. Ou seja, o
consumidor, nesse caso, é aquele que adquire o produto ou utiliza o serviço para satisfazer
uma necessidade pessoal ou familiar, retirando-o definitivamente da cadeia de produção e
distribuição de riquezas. Para essa teoria, o consumidor que adquire um produto para uso
profissional, com intuito de angariar lucros, mesmo que indiretamente, não terá a proteção do
CDC.
Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção, cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. (BENJAMIN, 2010, p. 85).
Já a segunda corrente, chamada maximalista ou objetiva, defende que o destinatário
final é aquele que retira o produto ou serviço do mercado e o utiliza, o consome, não
importando se existe ou não a intenção de obter lucro; seria, por exemplo, o caso de uma
escola que adquire aparelhos de ar-condicionado para suas salas de aula.
Sendo assim, para os “maximalistas”, será considerado consumidor a pessoa física ou
jurídica, profissional ou não, independentemente do fim buscado por ele (o consumidor) ao
adquirir o bem ou utilizar o serviço. O que importa na verdade é que não haja a
comercialização direta do serviço ou a revenda do bem. A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. (BENJAMIN, 2010, p. 85).
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
387
A jurisprudência, em especial do Superior Tribunal de Justiça, para tentar resolver o
conflito hermenêutico da doutrina, se posicionou pelo finalismo, ou seja, aplica a teoria
finalista ou subjetiva, porém com certos abrandamentos, quando verificada a vulnerabilidade
da pessoa jurídica ou da pessoa física profissional que adquiriu o produto ou utilizou o
serviço, sem revendê-lo.
Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. CDC - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. - Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. (476428 SC 2002/0145624-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/04/2005, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/05/2005 p. 390. Grifo nosso).
Assim, podemos afirmar que a jurisprudência majoritária entende que as normas
consumeristas devem ser aplicadas nos casos de empresas ou profissionais liberais que sejam
destinatários finais e que comprovem sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor, para que
assim, seja alcançado o verdadeiro sentido do CDC, que é buscar o equilíbrio na relação
jurídica de consumo firmada entre as partes.
O consumidor também pode ser definido de forma coletiva como prevê o parágrafo
único, do artigo 2º, do CDC: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
Tal extensão conceitual revela a ampla dimensão do conceito de consumidor e
destaca sua natureza de direito difuso e coletivo, permitindo-se à coletividade consumidora,
seja um conjunto indeterminado de pessoas, seja um grupo, classe ou categoria determinada,
abrigar-se da proteção do CDC, facultando-lhes o exercício dos direitos do consumidor.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
388
Na mesma linha, este Código, além de promover a referida equiparação, prevê a
defesa coletiva dos direitos do consumidor, instrumentalizando-a com a ação civil coletiva, o
que garante a sua efetividade por meio de execução coletiva e individual.
Também se equiparam aos consumidores as vítimas do fato do produto ou do serviço
objeto de uma relação de consumo, ou seja, as vítimas do evento chamado de acidente de
consumo. Essa equiparação, que vem expressa no artigo 17, do CDC, autoriza terceiros, isto
é, estranhos à relação entre consumidor e fornecedor, a acionar este pela responsabilidade
civil pelas perdas e danos decorrentes de defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto ou
serviço.
Conforme o artigo 29 do CDC, são também equiparadas ao consumidor as pessoas
expostas às práticas comerciais previstas nos Capítulos V e VI, do Título I, desse estatuto
legal, as quais compreendem a oferta, a publicidade, as cláusulas gerais dos contratos, as
práticas comerciais abusivas, as cobranças de dívidas e os contratos de adesão, bem como os
bancos de dados e os cadastros de consumidores. Portanto, os estranhos à relação de consumo
podem albergar-se da proteção do estatuto consumerista contra essas práticas comerciais,
como se fossem consumidores.
Definida uma das partes da relação jurídica de consumo, necessário será agora
compreendermos o conceito de fornecedor, o outro protagonista da relação.
Prevê o artigo 3º, da Lei Federal nº. 8.078/90 (CDC), a conceituação do fornecedor
como um dos participantes da relação de consumo:
Artigo 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Com vistas a se promover a proteção máxima ao consumidor, o conceito legal de
fornecedor é de larga abrangência, podendo ser definido sinteticamente como sendo todo ente
que coloca à disposição, no mercado, produtos ou serviços destinados ao consumo.
É fornecedor quem tenha a atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (GAMA, 2006, p. 39).
No conceito de fornecedor, a lei trouxe um elenco de diversas atividades econômicas
de provisão do mercado de consumo; o legislador adotou critério econômico e objetivo, ou
seja, não há subjetividade, sendo relevante apenas, para a configuração do fornecedor, que
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
389
este, desenvolvendo atividade civil ou mercantil de forma profissional, disponibilize
diretamente ou não, produtos ou serviços no mercado.
A exigência da profissionalidade vem implícita no termo legal “atividade”, sendo
assim, para seja caracterizado como fornecedor, este deve praticar atos de comércio ou de
indústria de forma continuada e habitual. Destacamos que esses protagonistas que exercem a
mercancia de forma irregular, como, por exemplo, os vendedores ambulantes e os camelôs,
também podem ser reputados como fornecedores, sujeitando-se à legislação consumerista.
Observamos, ainda, que, no conceito de fornecedor, além de constar a pessoa jurídica
privada, são também incluídas as pessoas jurídicas públicas, o que quer dizer que o Poder
Público, por meio das empresas públicas, das concessionárias e das permissionárias de
serviços públicos (empresas de transporte coletivo, telefonia, radiodifusão, televisão, energia
elétrica, fornecimento de água e tratamento de esgoto etc.), se sujeita à disciplina do CDC, na
qualidade de fornecedor, quando participar de uma relação de consumo.
Assim, podemos afirmar, sinteticamente, que o Poder Público também será
considerado fornecedor quando disponibilizar no mercado de consumo produtos ou serviços
que possam ser adquiridos pelo consumidor mediante o pagamento de tarifa ou preço público,
pois nessa condição, agem à maneira dos fornecedores particulares, isto é, sem que prevaleça
o poder de império do Estado, como por exemplo, ocorre na cobrança e pagamento de
impostos.
Por fim, o conceito legal de fornecedor inclui as pessoas físicas que deverão
responder aos termos do Código de Defesa do Consumidor quando disponibilizarem direta ou
indiretamente no mercado de consumo produtos ou serviços com intuito de obter lucro, de
forma profissional e habitual, caracterizando os atos de comércio, como por exemplo, os
vendedores de “porta em porta” ou os popularmente conhecidos como “sacoleiros” ou
“biscates”.
Conhecendo, então, os conceitos legais, jurisprudenciais e doutrinários de
consumidor e fornecedor, podemos tratar de forma mais clara e objetiva do tema proposto.
4. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
Ao conceituarmos o consumidor, ficou muito clara a preocupação latente do
legislador consumerista com a vulnerabilidade deste em relação ao fornecedor e, tendo em
vista que o direito à igualdade e às questões de justiça social estão diretamente vinculados à
condição vulnerável e até de exclusão do consumidor, é necessário fazermos uma breve
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
390
análise do princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto expressamente no estatuto
consumerista.
O Código de Defesa do Consumidor foi criado com a fundamentação de defender e
proteger um segmento de pessoas consideradas vulneráveis, ou seja, o consumidor que, antes
do surgimento da lei específica, não conseguia proteger efetivamente seus interesses legítimos
contra os danos causados pelos fornecedores, tendo em vista a diversidade de condição entre
estes.
Sendo assim, prescreve o Código de Defesa do Consumidor:
Artigo 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (...)
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é uma das medidas essenciais
adotadas pelo estatuto consumerista para efetivação da isonomia garantida na Constituição
Federal, sendo o princípio básico mais importante para aplicação dos direitos do consumidor,
como bem afirma o Superior Tribunal de Justiça: 4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios. (586316 MG 2003/0161208-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 17/04/2007, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/03/2009).
A vulnerabilidade do consumidor, pessoa física e destinatária final de serviços e
produtos, deve ser presumida de forma absoluta, sem que seja necessária prova de sua
existência (BENJAMIN, 2010, p. 199).
Quando falamos em consumidor vulnerável significa dizer que este é a parte fraca,
mais frágil da relação jurídica de consumo, o que provoca claramente um desequilíbrio, uma
desigualdade na relação jurídica e, consequentemente, uma afronta ao princípio constitucional
da isonomia que busca uma igualdade substancial.
O Código de Defesa do Consumidor, prevendo a vulnerabilidade do consumidor,
busca assegurar a igualdade entre as partes da relação de consumo, reconhecendo a sempre
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
391
lembrada, Oração aos Moços, de Rui Barbosa que, inspirado na lição secular de Aristóteles,
retrata o direito a igualdade devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais na medida de suas desigualdades. (BARBOSA, 2013, online).
Essa “fraqueza” do consumidor em relação ao fornecedor é real, concreta, e pode ser
constatada no aspecto técnico, jurídico ou fático.
Em relação ao primeiro aspecto que podemos classificar como vulnerabilidade
técnica, o consumidor não possui conhecimentos técnicos, específicos o suficiente, sobre o
bem que está adquirindo ou o serviço que está utilizando, sendo mais facilmente enganado ou
ludibriado quanto às características e, até às qualidades daquilo que está consumindo.
A vulnerabilidade técnica está diretamente ligada aos meios de produção, cujo
conhecimento é, em regra, monopólio do fornecedor, ou seja, é o fornecedor que escolhe o
que, quando e como, produzir um produto ou prestar determinado serviço; nesse caso, o
consumidor não tem poder de decisão ou escolha, ficando à mercê daquilo que é colocado à
sua disposição no mercado.
Já no segundo aspecto, ou seja, na chamada de vulnerabilidade jurídica ou
científica, o consumidor é vulnerável por não ter conhecimentos jurídicos específicos como,
por exemplo, conhecer o direito contratual ou normas financeiras para debater em pé de
igualdade as cláusulas de um contrato de financiamento de veículo, nesse caso.
Por fim, no terceiro e último aspecto, temos a vulnerabilidade fática ou econômica,
que “é aquela desproporção fática de forças, intelectuais e econômicas, que caracteriza a
relação de consumo” (BENJAMIN, 2010, p. 198), isto é, normalmente o fornecedor possui
uma maior capacidade econômica que o consumidor e ainda existem aqueles comentários
populares, muitas vezes errôneos, que enfatizam a perda de tempo em litigar com uma grande
empresa.
Por todo o exposto, podemos concluir que a vulnerabilidade do consumidor é o
grande fundamento da proteção consumerista, visto que esta busca garantir a igualdade entre
as partes, para que a relação jurídica de consumo seja equilibrada a ponto de satisfazer os
anseios da sociedade consumista, sem prejudicar a livre iniciativa econômica, necessária ao
desenvolvimento socioeconômico do país.
5. O CONSUMO COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL
O direito do consumidor é um direito humano, visto que não há possibilidade de
existência digna do ser humano sem o consumo de produtos e serviços essenciais, como o
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consumo de alimentos, utilização dos serviços de fornecimento de água e tratamento de
esgoto, bem como a distribuição de energia elétrica e, por que não o próprio direito à moradia
que também acaba por resultar em uma relação de consumo.
O consumismo é uma necessidade inerente da natureza humana desde que,
como afirma Colin Campbell, tornou-se “especialmente importante, se não central” para a vida da maioria das pessoas, “o verdadeiro propósito da existência”, E quando “nossa capacidade de ‘querer’, ‘desejar’, ‘ansiar por’ e particularmente de experimentar tais emoções repetidas vezes de fato passou a sustentar a economia” do convívio humano. (BAUMAN, 2088, p. 38-39).
Nos artigos XXII, XXIII e XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
ONU (Organização das Nações Unidas), fica evidente a condição de essencialidade e de
mínimo existencial do consumo para o ser humano, ao caracterizá-lo como o conjunto de
bens indispensáveis ao provimento das necessidades básicas do indivíduo e da família,
assegurando que sua existência seja compatível com a dignidade humana e, com um padrão
de vida capaz de assegurar saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis.
Artigo XXII. Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo XXIII. (...). 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. (...) Artigo XXV. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
O direito do consumidor é de suma importância por combater os desequilíbrios nas
relações de consumo para aquisição dos produtos e serviços considerados essenciais à
condição de existência digna do ser humano, regulamentando principalmente a qualidade, as
informações e a eficiência dos bens disponibilizados ao cidadão no mercado, como é o caso,
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393
por exemplo, dos alimentos, que são produtos vinculados diretamente à saúde do consumidor,
à desnutrição e às doenças que podem ser causadas ou agravadas pela ingestão de produtos de
má qualidade, sem a devida conservação ou ainda, de produtos com informações incorretas
ou imprecisas.
Sendo assim, não pode o direito do consumidor ser considerado secundário na
ciência jurídica, pois este ramo do Direito lida diretamente com o essencial da vida humana,
visando garantir os princípios da dignidade humana e o mínimo existencial, este entendido
como “o conjunto de garantias materiais para uma vida condigna”. (SARLET, 2007, p. 103).
Como bem destaca Sarlet (2007, p. 94) ao tratar da evolução da doutrina e da
jurisprudência germânica quanto à questão do mínimo existencial, “sem os recursos
materiais para uma existência digna, a própria dignidade da pessoa humana ficaria
sacrificada”.
No Brasil não há previsão expressa na Constituição Federal ou nas demais leis que
garanta o mínimo existencial ao ser humano, então, é a proteção do consumidor, prevista
expressamente no artigo 5º, XXVII, da Carta Magna, que fundamenta e reconhece o direito
de cada ser humano ao mínimo essencial dos bens materiais, para que possa viver
dignamente, principalmente com saúde e segurança.
A defesa do consumidor está diretamente relacionada aos direitos fundamentais,
principalmente ao maior deles, que é o direito à vida. O Código de Defesa do Consumidor
prevê como direito básico do consumidor, a proteção da sua vida, saúde e segurança
(artigo 6º, I), impondo ao fornecedor, em contrapartida, a obrigação de zelar pelo bem
maior do ser humano ao dispor no mercado de consumo seus produtos e serviços. Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; (...)
É evidente que a humanidade não sobrevive mais sem a utilização de certos
produtos e serviços considerados essenciais, como a energia elétrica, por exemplo, mas o
que ocorre atualmente e, que deve ser preocupante, é que a sociedade está cada vez mais
consumista, de forma inconsciente e desequilibrada, adquirindo bens de consumo
supérfluos e totalmente desnecessários, motivados apenas por uma “boa” publicidade ou
pela ilusão de estar garantindo um reconhecimento na sociedade.
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Quando se pensa nas consequências deste cenário, é possível observar uma ampliação nos níveis de consumo de bens duráveis, principalmente dentre aquelas parcelas mais pauperizadas da população. Levantamentos como a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam claramente como houve um aumento no consumo de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, gastos com alimentação (principalmente bens supérfluos), além de um incremento na renda mensal das famílias. (SCIRÉ, 2013, online).
A prática desse consumo irracional coloca o consumidor, cada vez mais, exposto
aos perigos que os produtos e serviços inadequados podem trazer, como por exemplo o
risco de morte ou de uma enfermidade grave ao ingerir um alimento vencido ou ao dirigir
um veículo com defeito de fabricação nos freios. Fica claro nessa questão que a norma
consumerista vai muito além da proteção de relações jurídicas privadas e individuais que
tenham por objeto bens materiais, muito pelo contrário, o Código de Defesa do
Consumidor estabelece normas de ordem pública e interesse social, que visam proteger e
garantir a vida, a segurança, a saúde e a dignidade de cada ser humano.
As políticas públicas de diminuição de juros para aquecer a economia do país e a
facilitação do crédito no atual cenário econômico, aliadas à falta de efetividade das normas de
consumo, acabam gerando um consumismo desequilibrado e desnecessário, o que resulta em
graves problemas sociais de exclusão e marginalização, como é o caso, por exemplo, do
superendividamento, fenômeno crescente identificado pelos órgãos de proteção e defesa do
consumidor e evidenciado pelas pesquisas do Banco Central brasileiro.
De acordo com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério
da Justiça brasileiro:
[...] o superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio. (CADERNO de Investigações Científicas, 2012, on line).
O Banco Central do Brasil divulgou, em 26 de junho de 2012, que a taxa de
inadimplência das pessoas físicas e das empresas, que mede o atraso de pagamento superior a
noventa dias, subiu, atingindo 6%, o que demonstra o consumo exacerbado de produtos e
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serviços, sem a conscientização dos consumidores quanto à real necessidade da aquisição dos
bens, do comprometimento de sua renda e da responsabilidade de honrar suas dívidas.
Tendo por objeto toda aquisição de produtos e toda prestação de serviço, incluindo
até mesmo a prestação de serviços públicos, o Código de Defesa do Consumidor se
presta a tutelar a qualidade de bens e serviços essenciais à vida digna e saudável de todo ser
humano, tais como alimentos, medicamentos, serviços de assistência à saúde em geral,
fornecimento de água e de energia elétrica, tratamento de esgoto, vestuário, habitação,
educação, crédito, seguros, previdência etc.
Desse modo, o Código de Defesa do Consumidor busca evitar graves problemas
sociais causados pelo consumo exacerbado, compensando as desigualdades do mercado, ou
seja, entre consumidores e fornecedores, regulamentando e equilibrando a relação jurídica de
consumo, com o fim maior de garantir a dignidade da existência humana, o que possibilita o
acesso justo de todo e qualquer cidadão aos produtos e serviços disponíveis no mercado de
consumo, principalmente àqueles considerados essências ao mínimo existencial do ser
humano.
6. O DIREITO DO CONSUMIDOR E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
O direito do consumidor, ao contrário do que possa parecer, busca atender
rigorosamente ao princípio da igualdade, regulamentando as relações jurídicas de consumo
para equilibrá-las, ou seja, para colocar as partes no mesmo nível de capacidade contratual.
Como já foi apreciado neste estudo, o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo
e assim necessita de uma proteção específica para se igualar de forma técnica, jurídica e
econômica em relação ao fornecedor, por isso, as normas consumeristas estabelecem direitos
aos consumidores, tratam os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades.
Como explica Luigi Ferrajoli, ao corresponder aos interesses e à expectativa de todos, dado o seu caráter universal, os direitos fundamentais constituem a base da igualdade jurídica e os direitos patrimoniais a base da desigualdade. Por conseguinte, os direitos fundamentais são a dimensão substancial da democracia, que é prévia à dimensão política ou formal. No Estado democrático de direito, a dimensão substancial, que no Estado moderno compreendia apenas os direitos de liberdade e propriedade, ampliou-se na perspectiva do Estado social, incluindo expectativas vitais como a saúde, a educação e a subsistência. (PASQUALOTTO, 2009, p. 71).
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396
A igualdade econômica e social, como objetivo do direito do consumidor, usa como
instrumento a justiça distributiva. A teoria da justiça distributiva procura ser uma resposta às
desigualdades ou até as injustiças, que se podem verificar no mundo de hoje, nomeadamente
nas sociedades de economia de mercado. A teoria define alguns princípios de justiça que
permitem identificar quais os aspectos relevantes que devem servir de base para uma
distribuição equitativa de responsabilidades e benefícios.
John Rawls, filósofo político americano, um dos maiores expoentes da teoria de
justiça distributiva, afirma que poderíamos entender a justiça, nos indagando sobre quais
princípios concordaríamos em uma situação em que todos estão em condição de equidade,
pois somente em um nível exato de igualdade seria possível chegar a um consenso dos
princípios que regeriam nossa vida. (SANDEL, 2012, p. 177).
Rawls propõe uma experiência mental, na qual, ao nos reunirmos para elaborar um
contrato social, definindo então os princípios que regulamentarão nossas vidas, estaríamos em
uma posição original de equidade, ou seja, não teríamos conhecimento da classe social,
econômica ou profissional da categoria a que pertenceríamos na sociedade, assim, os
interesses próprios de cada pessoa não seriam motivação para qualquer decisão.
Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou gênero pertencemos e desconhecemos nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou desvantagens – se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos em uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria em uma posição superior de barganha, os princípios escolhidos seriam justos. (SANDEL, 2012, p.178).
Dessa forma, para Rawls, a sociedade optaria por um sistema cooperativo, cujas
decisões dele decorrentes distribuiriam, de modo equitativo, os benefícios pelos seus
membros, sem beneficiar interesses particulares de alguns grupos, ou seja, reconhecendo a
igualdade de oportunidades e como tal proceder a algumas correções na distribuição dos bens.
Esse filósofo americano acredita que desse contrato social hipotético poderiam surgir
dois princípios fundamentais que regulamentariam a vida em sociedade: o Princípio da
Liberdade Igual e o Princípio da Diferença e da Oportunidade Justa.
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397
O primeiro oferece as mesmas liberdades básicas para todos os cidadãos, como liberdade de expressão e religião. Esse princípio sobrepõe-se a considerações sobre utilidade social e bem-estar geral. O segundo princípio refere-se à equidade social e econômica. Embora não requeiro uma distribuição igualitária de renda e de riqueza, ele permite apenas as desigualdades sociais e econômicas que beneficiam os membros menos favorecidos de uma sociedade. (SANDEL, 2012, p.179).
Sendo assim, a concepção de justiça distributiva de Rawls pressupõe que todos os
bens sociais primários (liberdades, oportunidades, riqueza, rendimento e as bases sociais da
autoestima) devem ser distribuídos de maneira igual, excepcionando uma distribuição
desigual de alguns ou de todos os bens, desde que haja um beneficio aos menos favorecidos,
o que indiretamente proporcionaria o bem geral da sociedade.
Rawls (2008, p. 337-338) entende que “a justa distribuição de bens e serviços
depende da existência de instituições políticas e jurídicas adequadas, respeitando-se as
peculiaridades de cada sociedade”. Essas instituições devem ser justas, com o fim de garantir
as mesmas liberdades de cidadania, a igualdade de oportunidades na educação, na cultura, nas
atividades econômicas, na escolha de ocupação, assegurando, por fim, um mínimo social, ou
seja, um mínimo existencial do ser humano.
Para implantar essas instituições de fundo, Rawls preconiza que o Estado se divida em quatro setores de atividades, que podem ser desenvolvidas por uma diversidade de órgãos: o setor de alocação, responsável por manter um sistema de preços competitivo e pela correção dos desvios de eficiência; o setor de estabilização, que deve responder pelo pleno emprego e pelo acesso ao crédito; o setor de transferências, que deve proporcionar o mínimo social [mínimo existencial], considerando-se que um sistema competitivo de preços não leva em conta as necessidades e, portanto, não pode ser o único instrumento de distribuição; e o setor de distribuição propriamente dito, cuja função é cuidar de uma tributação justa. (PASQUALOTTO, 2009, p. 72).
Como já foi elucidado neste trabalho, o direito humano fundamental à proteção e
defesa do consumidor, está diretamente vinculado à garantia de um mínimo existencial aos
cidadãos, buscando, com seus regulamentos atingir à melhor concepção de justiça possível na
distribuição dos bens de consumo, assegurando que as pessoas, independentemente da classe
econômica, posição social, nível cultural ou até etnia, tenham acesso aos produtos e serviços
necessários a uma existência digna do ser humano, como por exemplo, alimentação, saúde,
moradia, fornecimento de água e energia elétrica, sendo assim, fica evidente a fundamentação
das normas de consumo na teoria de justiça distributiva.
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A concepção de justiça distributiva apresenta três aspectos distintos: reequilibra as relações de poder, desenvolve uma concepção welfarista2 de justiça contratual e propõe o direito como instrumento de modificação da sociedade e particularmente o direito do consumidor como mecanismo de acesso à cidadania. (MACEDO JÚNIOR, 2007, p. 231).
O Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente instrumentos que
coadunam com a concepção de justiça distributiva, como a responsabilidade civil objetiva do
fornecedor por defeito e vícios dos produtos e serviços, a desconsideração da personalidade
jurídica, a vinculação da oferta do fornecedor ao contrato de consumo, a vedação de práticas
comerciais abusivas, a proteção contratual, dando um destaque especial ao direito de
arrependimento do consumidor, a nulidade de cláusulas contratuais abusivas e, no plano
processual, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor.
Todas essas regulamentações consumeristas buscam equilibrar a relação de consumo,
colocando os consumidores no mesmo nível de igualdade dos fornecedores para garantir a
distribuição justa das responsabilidades e dos bens de consumo, necessidade latente para a
vida digna do ser humano na sociedade atual consumista.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A efetivação das normas de consumo no Brasil é suma importância para o alcance da
justiça no acesso e na distribuição dos bens materiais de consumo, principalmente dos
produtos e serviços considerados essências, garantindo assim, o mínimo existencial a cada ser
humano.
De acordo com os dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), em 2011, o consumo de produtos e serviços pelas famílias brasileiras representou
61% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, comprovando que mais da metade da economia
do país depende direta ou indiretamente das relações jurídicas de consumo, o que torna
evidente a necessidade da efetividade do direito fundamental do consumidor para que
tenhamos uma relação jurídica justa e equilibrada, que possa realmente “sustentar” o
desenvolvimento socioeconômico do nosso país.
2 Welfarista: “[...] é a concepção de que as únicas coisas de valor intrínseco para o cálculo ético e a avaliação dos estados são as utilidades individuais." (SEN, Amartya. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 56). Disponível em: http://verbofilosofico.blogspot.com.br/2012/01/welfarismo.html. Acesso em: 13 jan. 2013.
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399
O principal desafio da proteção e defesa do consumidor contemporâneo não é tão
somente a distribuição correta das obrigações e dos direitos do fornecedor e do consumidor,
mas sim a conscientização deste último, quanto à necessidade da aquisição de produtos e
serviços, muitas vezes supérfluos, de forma exacerbada, desvirtuando a característica de
direito humano e fundamental da proteção consumerista.
Esperamos que com o reconhecimento da importância do direito do consumidor
como fator necessário à existência digna do ser humano, ou seja, como direito fundamental
essencial ao cumprimento do princípio da dignidade humana, o objetivo da previsão
constitucional da defesa do consumidor seja alcançado, trazendo equilíbrio às relações
jurídicas de consumo, diminuindo graves problemas sociais como os índices de inadimplência
dos brasileiros. Isso porque, conforme nota da Serasa Experien, empresa de proteção ao
crédito com o maior banco de dados da América latina, no primeiro semestre de 2012,
registrou alta de 19,1% de inadimplência, comparando com os primeiros seis meses de 2011.
De acordo com a empresa Serasa Experien, nos primeiros seis meses de 2012, o
consumidor brasileiro estava com sua renda totalmente comprometida com dívidas caras e de
vultosos valores, que possuíam juros altíssimos, como o cheque especial, o cartão de crédito e
o financiamento de veículos e imóveis. Em média, cada consumidor inadimplente possuía
quatro dívidas não honradas e 60% deles tinham compromissos firmados acima de 100% de
sua renda.
Uma recente pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo do Estado de São Paulo (FEDERAÇÃO, 2012, online), revelou que 62,5% das
famílias brasileiras estavam endividadas no ano de 2011, o que demonstra que bem mais da
metade das famílias do país estão com seu patrimônio em risco, o que acaba por dificultar e
até impossibilitar a aquisição dos bens que realmente são necessários para o desenvolvimento
saudável e digno da estrutura familiar.
Importante destacarmos que o endividamento causado pelo consumo desequilibrado
e, muitas vezes até irracional, traz um grave reflexo negativo na vida social e pessoal do
consumidor. Com o inadimplemento de suas obrigações, o consumidor tem seu nome
registrado ou “negativado” nos órgãos de proteção ao crédito, como por exemplo, o Serasa e o
Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), os mais conhecidos popularmente.
A inclusão no rol de devedores causa, aos consumidores, problemas como a negativa
de novos créditos para aquisição de bens essenciais à sua sobrevivência e a dificuldade de
inclusão no mercado de trabalho, o que torna quase impossível negociar as dívidas e,
consequentemente, honrá-las. Sendo assim, torna-se um círculo vicioso, em que o consumidor
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400
endividado não consegue renda para quitar suas dívidas e com estas tem seu nome negativado
e não consegue emprego.
Essa situação do consumidor superendividado, causa no mínimo, um sério
desconforto ao cidadão que não consegue viver de forma digna, abdicando de seu próprio
sustento e de suas necessidades básicas, o que na sociedade consumista em que vivemos,
acaba sendo sinônimo de exclusão e marginalização social.
Por todo o exposto, podemos concluir que o direito do consumidor é essencial ao
desenvolvimento econômico e social digno de qualquer ser humano, e os problemas causados
pelos desacertos das relações de consumo trazem uma realidade social muito distante da
concepção de justiça distributiva que seria necessária a uma sociedade ideal.
Com o devido reconhecimento da proteção do consumidor como direito humano
fundamental para garantia do mínimo existencial e com a efetivação das normas
consumeristas, esperamos que o equilíbrio nas relações de consumo seja efetivado,
conscientizando as partes envolvidas, consumidor e fornecedor, das consequências de suas
ações no mercado de consumo, consequências estas, que afetam suas vidas diretamente e
acabam por refletir na sociedade em geral, principalmente nos grupos sociais menos
favorecidos e marginalizados.
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O ILÍCITO CONSUMERISTA E A POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DO
DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
THE CONSUMERIST ILLICIT AND THE MORAL DAMAGES IN CONTRACTS OF
HEALTH PLANS
PASQUALINO LAMORTE 1
LEONARDO SANCHES FERREIRA2
RESUMO
O presente artigo aborda o ilícito consumerista e a efetiva possibilidade da aplicação do deferimento judicial do pedido de dano moral, na violação dos direitos do consumidor nos contratos de adesão de prestação de serviços de saúde. Demonstrando que, na Contemporaneidade, o contrato possui viés socialmente funcionalizado, aborda aspectos dos direitos essenciais dos consumidores e da política nacional das relações de consumo, passando ao marco teórico conceitual dos contratos de adesão e dos danos morais, o que revela a importância da responsabilidade social dos contratos firmados. Finalmente, adentra ao tema proposto, analisando julgados do Superior Tribunal de Justiça que apreciam a especial ilicitude em comento. Adotou-se a metodologia da revisão bibliográfica e jurisprudencial. PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor; Contrato de Adesão; Dano Moral; Plano de Saúde; Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
ABSTRACT:
This article addresses the illicit consumerist and the effective possibility of applying judicial approval of the request for moral damages, in violation of consumer rights in the subscription agreements for the provision of health services. Demonstrating that, in Contemporary, the contract has bias socially functionalized, covers aspects of basic rights of consumers and the national politics of consumer relations passing theoretical and conceptual framework of adhesion contracts and moral damages, which reveals the importance of social responsibility contracts. Finally, the proposed theme enters, analyzing judged the Superior Court to appreciate the wrongfulness in special comment. We adopted the methodology of literature review and case.
1 Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Membro do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, liderado pela Profª Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr, registrado no CNPQ. Advogado. Professor da PUC/PR. 2 Membro do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, liderado pela Profª Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr, registrado no CNPQ.
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KEYWORDS: Consumer Law; Subscription Contract; Moral injury; Health Plan; Decisions by the Superior Court.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Apontamentos sobre o contratualismo contemporâneo; 3 Política Nacional, Direitos Básicos e os Contratos no Código de Defesa e Proteção do Consumidor; 3.1 As relações consumeristas e os contrato de adesão; 4 Dano moral e os direitos da personalidade à luz do conceito contemporâneo de patrimônio; 5 O ilícito consumerista e o dano moral nos contratos de planos de saúde; 5.1 O dano moral dos contratos de planos de saúde na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 6 Considerações Finais; Referências Bibliográficas. 1 INTRODUÇÃO
O pressuposto deste artigo consiste na demonstração da importância do dano moral e
função social dos contratos nos negócios jurídicos realizados entre as empresas de plano de
saúde e a sociedade em geral, mediante os contratos em massa.
A partir de uma análise histórica da construção do conceito dos contratos de consumo,
busca-se evidenciar a importância de haver uma preocupação com o equilíbrio contratual
nestes tipos de negócio jurídico, tendo como finalidade a justiça social.
A realidade das pessoas jurídicas vem sofrendo uma grande mudança, visto que, a
partir do século XX, o caráter individual cedeu lugar a uma visão mais coletiva, o que
resultou em uma mudança de perspectiva, pois se deixou de ter uma preocupação somente
individual e se passa a ter um olhar social.
Logo, o contrato deixa de ter uma finalidade eminentemente econômica e passa a
vislumbrar uma atividade com caráter social e a elaboração de contratos que realizem uma
justiça social, principalmente nos contratos de consumo, em especial nos contratos de plano
de saúde.
O presente artigo analisa o dano moral em caso de inadimplemento na jurisprudência,
trazendo assim, casos concretos que demonstram a ocorrência de dano moral nos contratos de
plano de saúde.
Adotou-se a metodologia de revisão bibliográfica e jurisprudencial.
2 APONTAMENTOS SOBRE O CONTRATUALISMO CONTEMPORÂNEO
No modelo liberal, a concepção de contrato dava atendimento aos valores
individualistas e egoísticos, confirmando o princípio da igualdade formal (segundo o qual,
todos são iguais perante a lei), como bastante garantidor do equilíbrio entre os contratantes;
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bem ainda, autorizando a livre atuação da autonomia da vontade, como elemento suficiente
para formar obrigações que se tornariam intangivelmente “lei entre as partes”.
As profundas alterações econômicas e sociais que advieram das múltiplas lutas sociais
afetaram o governo jurídico das relações privadas, modificando inclusive a hermenêutica
constitucional, que migra do individualismo proprietário3, para o solidarismo ético, daí
emergindo a devida proteção da dignidade da pessoa humana e a prospecção da função social
de todas as figuras jurídicas, convertendo-se no valor fundante de toda a praxis normativa,
conforme explicita Ana Cecília Parodi (2009, p. 29-30):
O solidarismo é um espírito, um princípio de justiça, e não, um simples regramento. Generalismo consistente, que permite, inclusive, o tutelamento das questões genéricas. Ensina Paulo Nalin (2001, p. 125-200) que a dignidade da pessoa humana é um princípio fonte, que influencia, de modo irrevogável, a todas as relações particulares. Essa intervenção estatal na amplitude da vontade das partes decorre, também, do interesse maior da sociedade de que sejam regulados os limites básicos das relações, para que o equilíbrio – material e moral – entre as pessoas, seja preservado, visando ao atingimento do ideário humanista: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, independentemente de preconceitos. Em favor da meta do personalismo ético, aumentando a preocupação com o comportamento solidário, passou a ter maior relevância a denominada função social, segundo a qual todo instituto legal ou doutrinário possui um objetivo/conteúdo, ajustado à finalidade constitucional. Assim, um contrato deixa de ser o arcaico mecanismo de troca entre as partes, para significar um instrumento de consolidação socialmente responsável de direitos materiais, o que equivale a dizer que a transação é efetuada sem lesão financeira ou moral para ambas as partes, desequilíbrio que refletiria, inevitavelmente, em toda comunidade. Do personalismo ético emanam novos princípios orientadores das relações privadas, a saber a boa-fé (objetiva) negocial, o equilíbrio das prestações, a transparência, entre outros. Tudo se resume na solidariedade, fruto do espírito ético, apregoado nesta era. Novos princípios? Nem tanto. Mais valorizados e explicitados no ordenamento? Sem dúvida. Reflexo das diretrizes constitucionais da Carga Magna – norma pública –, no cerne da codificação civilista – de ordem privada. A função social dos institutos jurídicos consiste em um mecanismo interpretativo pré e/ou pós-efetividade, em sentido revisional, quer modificando seu conteúdo classicamente conhecido, quer limitando seu campo de atuação. Atinge não penas os instrumentos materializados, mas igualmente os conceitos e abstrações jurídicas.
Nessa senda, a moderna autonomia da vontade faz a travessia para a contemporânea
autonomia privada, na dicção de Giovanni Etore Nanni (2008, p. 168):
3 Expressão consagrada por BARCELLONA, Pietro. El individualismo proprietário. Traducción de
Jesús Ernesto Garcia Rodriguez. Madrid : Edtorial Trotta. 1996.
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Sem qualquer dúvida, o princípio da autonomia da vontade é um princípio existente no direito civil, mas que perdeu espaço atualmente para a autonomia privada que possui uma concepção muito mais elaborada, com esteio na teoria do negócio jurídico, entendendo-se esta como o verdadeiro fundamento para a possibilidade de firmarem-se normas jurídicas individuais.
Sintetiza Neimar Batista (2012, p. 30):
Inicialmente predominou o absolutismo das cláusulas contratuais, que tinham no princípio da autonomia da vontade toda a sua base interpretativa, obrigando as partes a tudo o que fora pactuado sem a possibilidade de intervenção estatal, princípio esse decorrente da análise puramente estrutural da norma baseada na interpretação positivista derivada da teoria pura do direito de Hans Kelsen. Esse modelo perdurou até a metade do século XX, quando surgiu uma nova conformação estatal baseada nas Constituições normativas. A segunda metade do século XX, mais precisamente depois da Segunda Guerra Mundial, marcou a transição entre o Estado Legislativo de Direito e o Estado Constitucional de Direito. O progresso trouxe influências sociais e econômicas aos contratos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, que tiveram de se adaptar às novas regras interpretativas, iniciando com a flexibilização das relações contratuais que envolvem partes economicamente vulneráveis. A adoção de novas teorias interpretativas da legislação, com influências sócio-econômicas e parâmetros axiológicos, mais baseada na função que na estrutura da lei, introduziu alterações na jurisprudência e, consequentemente, acabou por implantar legislações específicas que previam a aplicação da boa-fé, função-social e equidade como parâmetros de validade das previsões contratuais. A teoria funcional do direito, que teve em Norberto Bobbio seu maior defensor, foi relevante na transição do estado repressor para o estado promocional, derivando delas novos parâmetros interpretativos dos negócios jurídicos. Nessa esteira foi promulgada a Constituição Federal de 1988 que é, basicamente em muitas de suas dimensões essenciais, uma Constituição do Estado social.
No modelo social, os contratos são revisitados, alterando-se não apenas o seu conceito
pelo viés teórico, mas de maneira essencialmente prática, na operabilidade negocial, contando
com a salutar intervenção estatal. A esse respeito, Claudia Lima Marques (2006, p. 211):
o espaço reservado para que os particulares autorregulem suas relações será reduzido por normas imperativas, como as do próprio Código de defesa do consumidor. É uma nova concepção de contrato no Estado social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social.
E na busca pela “redefinição de contratualidade”, César Fiuza (2007, p. 331-332):
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o contrato deve ser percebido como ato jurídico lícito, de repercussão pessoal e socioeconômica, que cria, modifica ou extingue relações dinâmicas de caráter patrimonial, formado pelo encontro de comportamentos típicos socialmente reconhecíveis, levados por duas ou mais pessoas, que, em regime de cooperação, visam atender suas necessidades e seus desejos, orientados pela preocupação fundamental de promoção da dignidade humana.
Portanto, na contemporaneidade e pontualmente no sistema brasileiro, vigem o dever
ético e o valor da fraternidade como funcionalizadores de toda relação jurídica, autorizando a
interferência estatal para a consecução e preservação do interesse social.
3 POLÍTICA NACIONAL, DIREITOS BÁSICOS E OS CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR
Em 1988, Constituição Federal contemplou, pela primeira vez no ordenamento
jurídico brasileiro, a previsão da tutela e proteção dos direitos do consumidor, em seu artigo
5º, inciso XXXII: “O Estado promoverá, na forma da Lei, a defesa do consumidor”. E na
sequência, em 1990, por obediência ao artigo 48 das Disposições Constitucionais Transitórias,
promulgou o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, ínsito na Lei 8078, de 11 de
setembro de 1990.
Desde então, o consumidor e o fornecedor ganham uma personalidade jurídica
expressiva e específica.
Sob uma ótica econômica, José Geraldo Brito Filomeno (1987, p.12) afirma que
consumidor “é todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não
adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens”. Othon Sidou (1977.
p. 2) oferece uma perspectiva jurídica:
Consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para sua utilização, a aquisição de mercadoria ou prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação de vontade; isto é, sem forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir.
Por sua vez, Antonio Herman Benjamin (1988, p. 14):
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408
Consumidor é todo aquele que, para seu uso pessoal, de sua família, ou dos que se subordinam por vinculação doméstica ou protetiva a ele, adquire ou utiliza produtos, serviços ou quaisquer outros bens ou informação colocados à sua disposição por comerciantes ou por qualquer outra pessoa natural ou jurídica, no curso de sua atividade ou conhecimento profissionais.
E ainda, por inteligência do artigo 2º do Código de Defesa e Proteção do Consumidor
- CDC, o consumidor “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final”, equiparando-se a ele as vítimas do fato lesivo4.
De acordo com o artigo 3º da Lei 8.078/90, Fornecedor é:
Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
João Batista de Almeida (2003, p. 14) conceitua:
Fornecedor é rodo aquele que fornece produtos, praticando uma das seguintes atividades: produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização.
Antes do advento desse diploma, o consumidor restava desamparado, em meio a
economia de massa e o poderio econômico. E justamente um dos méritos mais relevantes da
Lei 8.078/90 foi o estabelecimento das linhas gerais e específicas (conquanto não exaustivas),
de uma Política Nacional das Relações de Consumo:
A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de
4 Conforme parágrafo único, do artigo 2o, do Código de Defesa e Proteção do Consumidor.
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modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços (...); VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo (...) VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. (g.n.)
E assim, desde o caput salientam-se as premissas da cidadania consumerista, com
especial destaque para o atendimento das necessidades dos consumidores e a proteção de sua
dignidade, saúde, segurança, interesses econômicos e melhoria da qualidade de vida.
Nos artigos 6º e 7º, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor contempla os
direitos básicos do consumidor.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;(...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos (...); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
E registrar o artigo 7º que:
Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
De per si o artigo 7º, CDC, elimina quaisquer questionamentos sobre a prevalência das
leis e aplicabilidade sistêmica no âmbito da proteção dos contratos consumeristas. A esse
respeito, Ana Cecília Parodi (2009, p. 17):
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410
Dado que não há referências legais, descabe falar da revogação do Código de Defesa do Consumidor e fato é que ambos os códigos coexistem, podendo causar alguns conflitos pontuais, relativo à escorreita aplicabilidade da norma, bem como algumas dúvidas interpretativas – a exemplo da tutela da oferta, promovida pelo artigo 429, Código Civil de 2002, e 30 e 35, Código de Defesa do Consumidor. Incongruências estas, definidas por Sauphanor (2000, p. 31) como antinomias, ou “incompatibilidade entre as diretivas relativas ao mesmo objeto”, perante a abstenção da coerência, em livre tradução do original francês. A proposta de Erik Jayme (1995, p. 259) é a coordenação flexível e útil de ambas as fontes, um solucionamento de diálogo – dialogue de sources –, como mecanismo próprio da Pós-Modernidade apregoada pelo autor, tempo este que é marcado pela comunicação e pela superação de conflitos, pela coexistência pacífica, em busca de unidade e aproveitamento da boa porção que cada sistema tem a oferecer, em sua justa medida. Em livre tradução5: ‘desde que se pensa a comunicação, em direito internacional privado, o fenômeno mais importante é o fato de que a solução dos conflitos de leis emerge como resultado de um diálogo entre as fontes mais heterogêneas. Os Direitos do Homem, as Constituições, as Convenções Internacionais, os Sistemas Nacionais: todas essas fontes não se excluem mutuamente; elas “falam” uma a outra. Os juízes são obrigados a coordenar essas fontes, escutando o que elas dizem’.
Heloísa Carpena (2004, p. 29-48) opta pelo critério da flexibilidade e da utilidade,
propondo como campo de aplicação do Código de Defesa e Proteção do Consumidor a partir
da “ideia de vulnerabilidade, que é o cerne do conceito de consumidor, e princípio que orienta
seguramente a interpretação da expressão destinatário final”.
Enquanto a hipossuficiência do consumidor é característica que precisa ser perscrutada
casuisticamente na sede processual, a vulnerabilidade é qualidade intrínseca do agente,
reconhecida de plano, vinculando-se apenas ao enquadramento jurídico da pessoa como
consumidora. De acordo com Claudia Lima Marques (2006, p.320):
Vulnerabilidade é mais um estado da pessoa, um estado inerente de risco ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificado no mercado, é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação.
Segundo Bruno Miragem (2008, p. 62):
Associa-se à identificação de fraqueza ou debilidade de um dos sujeitos da relação jurídica em razão de determinadas condições ou qualidades que lhe são inerentes ou,
5 No original: “Dès lors que l’on evoque la communication em droit international prive, le phénomène
le plus important est le fair que la solution de lois émerge comme résultant d’um dialogue entre les sources le plus hétérogènes. Les droit[es] de l`homme, les constitutions, les conventions internacionales, les systémes nationaux: toutes ces sources ne s’excluent pas muttulenment; elles ‘parlent’ l’une à l’autre. Les juges tenus de coordonner ces sources en écoutant ce qu’elles disent”. Cf. PARODI, Op. Cit.
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411
ainda, de uma posição de força que pode ser identificada no outro sujeito da relação jurídica.
Compreendido que a Lei 8.078/1990 é, essencialmente, um microssistema, que
especializa a proteção do consumidor e dialoga com todo o sistema jurídico, no aspecto
contratual, foram trazidos para o bojo da lei, além de instrumentos eficazes em favor do
consumidor no tocante a responsabilidade objetiva do fornecedor e a possibilidade de
inversão do ônus da prova carreada para o fornecedor, princípios de direito contratual que a
doutrina tradicional já adotava há muito, na exegese de proteção do contratante mais fraco.
A inversão do ônus da prova caracteriza-se como uma grande conquista para o
consumidor.
As grandes inovações trazidas pelo codex consumerista afetam ao campo processual,
na criação de novos mecanismos de defesa do consumidor, do hipossuficiente e no tocante a
responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, que aqui interessa em
particular.
O Código de Defesa e Proteção do Consumidor tem a função de reequilibrar as partes
e atenuar a desigualdade das partes nos contratos, presente de forma inerente em relações
contratuais estabelecidas entre partes economicamente desiguais. Conforme Gabriel Saad
(2006, p. 31):
Na busca do lucro, o que é perfeitamente admissível em nosso regime sócio-político, o empresário tem, nos valores sociais do trabalho, um dos seus limites. Continua ele: Nessa ordem de pensamento, não deixa de ser legítima a conduta do Estado que, por meio de lei, procura coibir eventuais abusos desses empresários (neste código, chamado de “fornecedores”) em dano dos interesses desses consumidores que, na população do país, têm peso maior que o dos trabalhadores. Só nos resta concluir que o CDC é compatível com o artigo 1º, inciso IV da Constituição Federal.
Eis estampada a forte relevância do Código do Consumidor para restaurar o equilíbrio
entre atores econômicos desiguais, legando à empresa uma necessária visão valorativa-social
dos bens que coloca em circulação, e dos meios como presta serviços.
3.1 AS RELAÇÕES CONSUMERISTAS E OS CONTRATO DE ADESÃO
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412
Conforme Anderson Passos dos Santos (2013)6, partes e polos contratuais não se
confundem:
A doutrina tradicional define o Contrato como um tipo de negócio jurídico que pressupõe a participação de, no mínimo, duas partes. [...] A priori é importante distinguir Parte de Pessoa. A parte se caracteriza por ser um centro de interesses, um pólo de incidência normativa, gerando deveres e obrigações. Já as pessoas, são os entes, individualmente considerados, que participam do contrato.
E aduz, Passos dos Santos (2013)7, aos dois elementos inerentes ao instrumento – o
estrutural e o funcional.
Os Contratos se configuram como o instrumentos criadores, modificadores ou extintores de relações jurídicas obrigacionais. Os contratantes acordam o seu comportamento em relação a determinado objeto em busca de efeitos jurídicos queridos por ambos. Têm como fundamento a vontade humana protegida, que é, pelo ordenamento Estatal. Ante o exposto, pode-se identificar dois elementos fundamentais nos contratos, quais sejam: a) Estrutural – a alteridade: o contrato só é concebido na fusão de duas ou mais vontades contrapostas, ou seja, é negócio jurídico bilateral. (Obs. quando falamos de bilateralidade nos referimos aos contratos que possuem duas partes. O que a doutrina chama de contrato unilateral, seria na realidade contrato bilateral com carga obrigacional unilateral, tal que em todo contrato sempre haverá, no mínimo, duas partes, não obstante, os efeitos obrigacionais estarem a cargo de apenas uma delas). b) Funcional – a composição de interesses contrapostos, mas harmonizáveis, constituindo, modificando e extinguindo direitos e obrigações de caráter econômico2 . É a função social e econômica do contrato, que deste modo representa o elemento legítimo para garantir as relações negociais entre os indivíduos. Se A quer vender algo, e B quer comprar, realizar-se-á contrato de compra e venda, se se quer disponibilizar um bem a outrem, mediante ulterior dever de restituir, far-se-á contrato de empréstimo. Deste modo, o contrato é o instrumento eficaz para a concretização dos interesses patrimoniais dos contratantes3 , compondo interesses não coincidentes.
Heloísa Carpena (2004, p. 29-48) explica que o fornecedor e o consumidor formam,
ambos, os elos mais relevantes da cadeia produtiva, da qual depende todo o sistema
econômico mundial, sendo que, dentre os dois, o consumidor certamente ocupa a posição de
6 PASSOS, Anderson Santos dos. Problema e teoria dos contratos de adesão. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4012>. Acesso em: 17 mar. 2013.
7 PASSOS, Anderson Santos dos. Idem.
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413
maior relevância, porque em sua ausência, não haveria escoamento dos produtos e cessaria a
prestação de serviços. Mas essa força econômica não ilide sua vulnerabilidade.
A propósito da materialização das relações consumeristas, tratando dos contratos de
adesão, assim dispõe o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, em seu artigo 54:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Enquanto a liberdade de contratar pressupõe a livre manifestação da efetiva vontade de
todas as partes envolvidas, o contrato de adesão é marcado pela “força”, pela supremacia
jurídica da parte dominante (o Fornecedor) sobre a parte vulnerável (o Consumidor), a quem é
imposto uma “carta de dispositivos” pré-arranjados, sem a possibilidade de negociação
bilateral das cláusulas, comportando, no máximo, algumas adequações pontuais. Conforme
Josimar Santos Rosa (1994, p. 31):
Perante o contrato de adesão, o processo manipulador tem sido uma constante, fazendo-se por requerer até a intervenção do Estado para conter os abusos. Por meio das decisões, o Poder Judiciário vem prestando considerável contribuição, contando com competentes decisões que visam controlar a prática abusiva no contrato de adesão, meio supressor para a indefinição normativa.
Enquanto o contrato tradicional é fruto dos tempos modernos e tem como marca
essencial sua intangibilidade em razão da autonomia privada, o contrato na modalidade “por
adesão”, em que pese não ser um tipo de instrumento necessariamente novo, contudo
certamente guarda profunda intimidade e dá atendimento às imposições da globalização
econômica.
Eis a lição de Arruda Alvim (2001, p. 37):
Marcados [...] pela identidade ou pela similaridade, do que delas deve resultar, pois os textos em que estão estampados destinam-se a inumeráveis contratações; são tais contratos feitos para acudir a grandes quantidades de contratações com a mesma qualidade medular, isto é, com os mesmos elementos contratuais e com efeitos similares ou idênticos, tais como intencionalmente queridos por aquele que elabora o contrato padrão ou modelo.
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414
Todas as cláusulas já estão predispostas por uma das partes. E teoricamente, o
Consumidor teria a prerrogativa de se recusar a negociar, contudo, nem sempre existe essa
viabilidade, pela dominância econômica do Fornecedor em seu respectivo ramo de atuação,
limitando ainda mais a esfera de atuação volitiva do Consumidor, que se vê compelido a
contratar, a exemplo dos contratos bancários, dos serviços públicos delegados, de espetáculos
públicos, dentre outros (2004, p. 29-48).
Ainda que a modalidade “por adesão” seja de per si um ótimo facilitador do cotidiano
das transações comerciais contemporâneas, essa contratação tem dado margem para o
cometimento de múltiplos abusos clausulados, impostos sobre os consumidores, que são
vulneráveis por qualidade intrínseca, como já foi dito.
A celeridade da contratação pressupõe, para o atendimento de seus objetivos, um
contrato já pronto, pensado de forma a se aplicar ao máximo de pessoas possível, sem
considerar as características e/ou necessidades pontuais de cada processo negocial, razão que
majora a impendência da intervenção do Estado visando à pacificação das relações e a
conferir efetividade para a justiça social e para a função social do contrato, protegendo o
consumidor em uma sociedade estruturada nos moldes consumistas.
4 DANO MORAL E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE À LUZ DO CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE PATRIMÔNIO
Dentre outras prescrições constitucionais que protegem os direitos da personalidade, o
inciso X do art. 5º da Constituição da República faz referência a direitos especiais como a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Personalidade não é apenas um direito; é, antes um valor intrínseco, como descreve
Pietro Perlingieri (2007, p. 155): “está na base de uma série aberta de situações existenciais,
nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela.”
Desde que a própria Constituição Federal previu o tutelamento dos direitos
consumeristas, cujo microssistema, por sua vez, estipulou como direito básico do consumidor
a efetiva reparação e prevenção dos danos materiais e morais, pouco se deveria, em teoria,
debater sobre a sua viabilidade jurisprudencial.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; [...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
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415
Contudo, o panorama ainda demonstra uma desvalorização desse instituto.
Mas o dano moral está associado, diretamente, com a preservação dos direitos da
personalidade.
A noção de dano moral como lesão a direito da personalidade é difundida por grande
parte da doutrina. O Professor Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 74) descreve-o como uma
noção de lesão: “o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a
liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e
humilhação à vítima.”
Portanto, o dano moral está relacionado à violação de uma classe especial de direitos:
os direitos da personalidade ou personalíssimos.
Sobre alguns direitos da personalidade que podem receber o direito de reparação,
descreve Caio Mário da Silva Pereira (2000, p. 65):
Aludindo a determinados direitos, a Constituição estabeleceu o mínimo. Não se trata, obviamente de numerus clausus, ou enumeração taxativa. Esses, mencionados nas alíneas constitucionais, não são os únicos direitos cuja violação sujeita o agente a reparar. Não podem ser reduzidos, por via legislativa, porque inscritos na Constituição. Podem, contudo, ser ampliados pela legislatura ordinária, como podem ainda receber extensão por via de interpretação, que neste teor recebe, na técnica do Direito Norte-Americano, a designação de construction.
Carlos Alberto Bittar (2010, p. 41) ensina que:
Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social.
É mister ressaltar que é deveras ultrapassado considerar o dano moral como de
natureza “extrapatrimonial”, porque o próprio conceito de patrimônio foi revisitado pela
Contemporaneidade.
Estes antiquados paradigmas patrimoniais economicistas já não servem para abarcar a
totalidade das patrimoniais existentes, colocando em debate a validade do conceito arcaico de
patrimônio, e ensejando a sua necessária releitura, revisitando, via de consequência, a
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categorização dos danos civis, conforme os autores da teoria em comento, Carlyle Popp e Ana
Cecília Parodi (2009, p. 127)8:
[...] reconhece a doutrina que é tempo de transformação do paradigma, resgatando, a todo o discurso jurídico, a visão antropocêntrica individual e coletiva, traduzida nos princípios basilares “dignidade da pessoa humana” e “promoção do bem comum”, constitucionalizando, assim, as normas de Direito Privado, impondo limitação ao uso abuso da livre autonomia da vontade e tratando o discurso jurídico sem dicotomias extremadas, dialogando entre as esferas. Movimentos teóricos buscam essa reforma axiológica, com destaque para os denominados de repersonalização e despatrimonialização. E os paradigmas contemporâneos levam ao reconhecimento de novas categorias patrimoniais intrinsecamente dissociadas da apreciação econômica, seja por natureza, seja por necessidade de preservação. Considerando que os bens imateriais da pessoa humana são tão ou mais importantes do que as suas propriedades materiais, visto serem constitutos de sua personalidade, e que a repersonalização do Direito é fenômeno irrefreável, tendo a constitucionalização como caminho axiológico, então, certamente, é tempo de alargar as tendas dos significados investigados, passando a compreender o patrimônio como o conjunto das titularidades do Homem, independente de possível apreciação econômica, prestando-se a mesma reforma à categorização dos danos civis – todos de gênero patrimonial, subdivididos em espécie econômica e moral. Nesta ordem, portanto, reconhecer que os direitos da personalidade integram o patrimônio imaterial de cada sujeito de direito é forma também de valorizar a dignidade da pessoa humana e tornar mais ampla a dicção do caput do artigo 170 da Constituição Federal, pois garantir a todos uma existência digna passa a significar, ainda, que a atividade econômica deve manter proteção forte e eficaz aos direitos da personalidade. [...] Nesta esteira, patrimônio imaterial deixa de abranger somente marca comercial ou o crédito, assumindo uma concepção ampla, típica da categoria gênero e de magnitude excedente à apreciação econômica do bem ou direito em tela, e, logicamente, a ser especializado pelo campo do conhecimento analisado, desumindo-se, apriorísticamente, que o patrimônio imaterial da pessoa humana diverge do patrimônio imaterial da empresa ou do Estado.
Desume-se que o mais adequado é prospectar não a “despatrimonialização”, mas o
afastamento da economicização das relações jurídicas. Pelo mesmo viés, é inadequada da
categorização dos danos civis em “patrimoniais” e “morais”; o tutelamento do dano
patrimonial é gênero (tanto para pessoas físicas, quanto jurídicas), do qual os danos
econômicos e morais são espécies.
5 O ILÍCITO CONSUMERISTA E O DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE
8 Saliente-se que o artigo citado é uma adaptação do artigo publicado no Conpedi-Brasília, e mereceu
menção honrosa no I Concurso de Artigos Científicos Conpedi-Banco do Brasil, em 2008.
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Como visto, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, sendo uma lei protetiva,
em linhas gerais, abarca e, portanto, não conflitua com os postulados básicos do direito
contratual e do direito privado.
Ilustrativamente, considera nula cláusula contratual incompatível com a boa-fé ou com
a equidade, conforme inteligência do artigo 51, CDC, estabelece um elenco de causas
abusivas da contratação, dentre elas:
SEÇÃO II - Das Cláusulas Abusivas - Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; [...] XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; [...]
De maneira virtuosa, o preceito também estipula limites para a manifestação da
vontade, mesmo em sede dos contratos de adesão, formando de per si possibilidades de
questionamento judicial, passíveis de risco – para o Fornecedor – de condenação em danos
morais, conforme a repercussão e a extensão das ilicitudes:
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
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418
Inclusive em nome da função social do contrato, existe proteção para a essência
pactuada, quando não restar eivada de mortificação pela abusividade perpetrada. E reafirma
os poderes para que o Ministério Público atue em favor dos consumidores:
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. [...] § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Os contratos de prestação de serviço de saúde (planos de saúde) são regidos por duas
leis, em específico.
Por inteligência da Lei 9.961/2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar possui,
dentre outras competências, poderes para “art. 4º, inciso VII - estabelecer normas relativas à
adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de
regulação do uso dos serviços de saúde”. E ainda: “XV - estabelecer critérios de aferição e
controle da qualidade dos serviços oferecidos pelas operadoras de planos privados de
assistência à saúde, sejam eles próprios, referenciados, contratados ou conveniados”; “XVI -
estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de
registro dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde”; “XXI -
monitorar a evolução dos preços de planos de assistência à saúde, seus prestadores de
serviços, e respectivos componentes e insumos”; “XXIII - fiscalizar as atividades das
operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas
atinentes ao seu funcionamento”; “XXIV - exercer o controle e a avaliação dos aspectos
concernentes à garantia de acesso, manutenção e qualidade dos serviços prestados, direta ou
indiretamente, pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde”.
A Câmara de Saúde Suplementar é integrada por diversos membros, dentre eles: “VI -
por dois representantes de entidades a seguir indicadas: a) de defesa do consumidor; b) de
associações de consumidores de planos privados de assistência à saúde”.
A Lei 9.656/1998 se tornou um divisor de águas na regulação econômica e jurídica dos
planos de saúde, pondo fim a uma era de injustos legais, e trazendo a dignidade da pessoa
humana do beneficiário e do consumidor, para o cerne dessa tutela jurídica especial.
De acordo o diploma, por definição:
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I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo;
III - Carteira: o conjunto de contratos de cobertura de custos assistenciais ou de serviços de assistência à saúde em qualquer das modalidades de que tratam o inciso I e o § 1o deste artigo, com todos os direitos e obrigações nele contidos.
Visto no tópico anterior que é direito fundamental do consumidor a efetiva reparação e
prevenção das lesões morais e materiais de consumo, sendo-lhe assegurada políticas públicas
para essa finalidade, ao se tratar de planos de saúde, a questão é ainda mais sensível, uma vez
que está em jogo o bem jurídico de maior relevância: a vida humana. Conforme Luciano
Brandão (2013)9:
É fato notório que os planos e seguros saúde constantemente negam a seus clientes coberturas aos mais variados procedimentos médico-hospitalares, determinados materiais, tratamentos e medicamentos. Normalmente o fazem de modo genérico, informal, verbalmente, com base em cláusulas contratuais de legalidade duvidosa ou dispositivos normativos de interpretação ambígua. Como resultado, é cada vez maior o número de consumidores que recorrem ao Poder Judiciário com forma de buscar tutelar o que entendem ser de direito e, não raro, cumulam-se as ações com pedidos de indenização por dano moral. Durante muito tempo, os tribunais foram reticentes com a fixação de dano moral nesse tipo de caso. O entendimento que prevaleceu durante muito tempo – e ainda é encontrado em algumas cortes -, é no sentido de que o mero descumprimento contratual não gera, por si só, direito à reparação por danos morais.
E prossegue o mesmo autor (BRANDÃO, 2013)10:
No caso específico de contratos de planos de saúde, no entanto, além de submeterem-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicabilidade é inconteste diante da edição da Súmula 469, STJ, há que se
9 BRANDÃO, Luciano Correia Bueno. O dano moral e os planos de saúde. Jus Navigandi,
Teresina, ano 16, n. 3012, 30 set. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20102>. Acesso em: 19 mar. 2013.
10 BRANDÃO, op.cit.
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420
considerar a natureza dos bens jurídicos discutidos. Com efeito, por trás de ações envolvendo planos de saúde, via de regra há um paciente já debilitado em sua saúde, angustiado, e que se vê obrigado a socorrer-se de advogados, defensores públicos e juizados especiais, como forma de tutelar direitos que, na grande maioria das vezes, são legítimos. Diante disso, tem-se verificado recentemente uma tendência dos tribunais – e especialmente das cortes superiores -, no sentido de reconhecer que as negativas indevidas e injustificadas de coberturas a procedimentos e tratamentos vai além da esfera de simples descumprimento contratual ou mero dissabor, ensejando a ocorrência de danos de ordem moral.
Passa-se, agora, no próximo tópico, à análise pontual do tratamento do tema no
Superior Tribunal de Justiça.
5.1 O DANO MORAL DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Retomando as lições de Luciano Brandão (2013)11, o Superior Tribunal de Justiça tem
consolidado o entendimento de que o próprio sofrimento impingido ao consumidor, pela
própria doença e pela recusa de cobertura materializam o dano moral inerente à má prestação
do serviço por parte dos planos de saúde:
No Superior Tribunal de Justiça, a tese de que a negativa indevida e injustificada de cobertura a tratamentos e procedimentos enseja dano moral vem se tornando consistente. A ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do STJ já entendeu que "maior tormento que a dor da doença é o martírio de ser privado de sua cura". No mesmo sentido, a 4ª Turma do STJ recentemente entendeu que "a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a sua situação de aflição psicológica e de angústia do espírito". Diante desse novo posicionamento que vem se solidificando nas cortes superiores, também os tribunais de segunda instância têm começado a reconhecer, com maior frequência, a incidência de dano moral nos casos relacionados à negativa de coberturas. Trata-se de um passo significativo no sentido de impor – ainda que indiretamente -, que os planos de saúde preocupem-se em não negar coberturas de forma aleatória, genérica e indiscriminada.
Percebe-se que, apesar de alguns julgados contrários à incidência de dano moral em
caso de atraso no cumprimento contratual, há uma tendência no sentido de aplicação deste
dano moral em caso de mora ou retardamento no cumprimento de obrigações derivadas de
contratos de plano de saúde.
11 BRANDÃO, op.cit.
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421
Nos planos de saúde, tem sido reconhecido o dano moral de recusa, por parte das
empresas contratadas, de cobertura de tratamento médico ou de internação hospitalar.
Conforme análise de decisões jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça
verifica-se que, as empresas de Planos de Saúde que recusam o tratamento médico
injustificadamente são sujeitas á indenização por dano moral em virtude de tal recusa,
conforme poderá ser comprovado pelo tópico abaixo.
A jurisprudência tem reconhecido o dano moral em casos de plano de saúde através de
inadimplemento contratual.
O plano de saúde que se recusa de proceder à internação de associado em UTI,
injustificadamente descumpre o contrato entabulado entre partes, gerando assim um dano
moral indenizável.
PLANO DE SÁUDE, RECUSA INJUSTIFICADA DE PROCEDER INTERNAÇÃO EM UTI. COMA. DESCUMPRIMENTO DE NORMA CONTRATUAL A GERAL DANO MORAL INDENIZÁVEL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. A recusa injustificada para a internação de associado de Plano de Saúde, em estado de coma, configura abuso de direito e descumprimento de norma contratual, capaz de gerar dano moral indenizável. A angústia experimentada pelo esposo e filhos da paciente, em face do medo de óbito, o temor em não conseguir obter o numerário às despesas de sua internação, acarretando a venda de bem imóvel familiar, caracterizam situações que vão além de mero aborrecimento e desconforto12.
Quanto aos contratos de planos de saúde, tem-se reconhecido o dano moral em casos
de recusa, por parte das empresas que contratam os contratos de tratamento médico ou de
internação hospitalar. Assim, é nesse sentido a decisão de Sergio Cavalieri Filho13:
A recusa injustificada de internação dá motivo à indenização por dano moral, arbitrada de forma a refletir a aplicação sensata, justa e equilibrada das regras jurídicas, capaz de compensar a angústia, a aflição e o risco de vida daí decorrentes, além de representar a justa punição, de caráter pedagógico e prevenção geral.
No mesmo sentido14:
DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DO CDC. PRÓTESE NECESSÁRIA À CIRURGIA DE ANGIOPLASTIA. ILEGALIDADE DA EXCLUSÃO DE “STENTS” DA COBERTURA SECURITÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DOS DANOS MORAIS. - Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento
12 REsp 907.655/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
02/12/2010, DJe 09/12/2010.
13 TJRJ, Apelação Cível nº. 2003.001.24751, 2ª. Câmara Cível. Rel. Des. Sergio Cavalieri Filho. 14 REsp 986947/ RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 26.03.2008.
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não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. - A quantia de R$5.000,00, considerando os contornos específicos do litígio, em que se discute a ilegalidade da recusa de cobrir o valor de “stents” utilizados em angioplastia, não compensam de forma adequada os danos morais. Condenação majorada. Recurso especial não conhecido e recurso especial adesivo conhecido e provido.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o de permitir a reparação moral
quando decorre da própria situação de abalo psicológico em que se encontra o doente ao ter
negada injustamente a cobertura do plano de saúde que contratou15.
Conforme poderá ser comprovado pelas decisões colacionadas, o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça é o de permitir a reparação moral quando, os danos não decorrem
de simples inadimplemento contratual, mas da própria situação, em geral vexatória, criada
pela conduta de determinadas empresas de plano de saúde, conforme verifica-se na presente
decisão:
AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INDEVIDA NA COBERTURA DE CIRURGIAS. O reconhecimento, pelas instâncias ordinárias, de circunstâncias que excedem o mero descumprimento contratual torna indevida a reparação moral. Recurso Especial não conhecido16.
Para boa parte das decisões do Superior Tribunal de Justiça, a recusa injustificada de
Plano de Saúde para cobertura de procedimento médico é capaz de gerar dano moral
indenizável. Assim, é o presente julgado:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDDE CIVIL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INJUSTIFICADA DE COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. DESCUMPRIMENTO DE NORMA CONTRATUAL A GERAR DANO MORAL INDENIZÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DA NÃO APROVAÇÃO DO MEDICAMENTO PELA ANVISA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1 A recusa injustificada de Plano de Saúde para cobertura de procedimento médico e associado, configura abuso de direito e descumprimento de norma contratual, capazes de gerar dano moral indenizável. Precedentes. 2 As cláusulas restritivas ao direito do consumidor devem ser interpretadas de forma mais benéfica a este, não sendo razoável a seguradora se recusar a prestar a cobertura solicitada. 3 Agravo regimental não provido17.
16 REsp 714.947/S, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA. Quarta Turma, DJ 29.05.2006.
17 AgRg no REsp 1253696/SP, 2011/0108765-4. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta Turma. Julgamento: 18/08/2011. Dje 24/08/2011.
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Quando o inadimplemento contratual ensejar uma aflição psicológica ou alguma
ofensa anormal à personalidade, verifica-se que a maioria das decisões do Superior Tribunal
de Justiça entende ocorrer dano moral indenizável em favor do contratante consumidor.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dignidade da pessoa humana é valor fundamental, a ser preservado em toda e qualquer
relação jurídica, em nome do solidarismo ético constitucional.
Com o estabelecimento moderno de uma sociedade de consumo, e, posteriormente, na
contemporaneidade, com a globalização criou a necessidade do tutelamento de novas espécies
de contratação, a exemplo dos contratos de adesão, modalidade em que as cláusulas negociais
estão previamente estabelecidas, permitindo pouca ou nenhuma interferência do aspecto
modificativo do exercício da vontade do consumidor.
O Código de Defesa e Proteção do Consumidor dispôs sobre garantias importantes
para o ator econômico mais importante da cadeia produtiva, dentre elas assegurando o direito
à plena reparação e à efetiva prevenção dos riscos e das lesões consumeristas.
Contemporaneamente, a lesão moral é reputada também como espécie do gênero
patrimonial, porque em risco estão aspectos inclusive de seu patrimônio imaterial, dentre eles,
o bem da vida.
De nada serviria, no entanto, haver leis salutares, se as mesmas não encontrarem eco
de efetividade na atuação do Poder Judiciário. Desta sorte, é imperiosa a consolidação da
jurisprudência nos tribunais superiores, em favor do deferimento do dano moral em face do
descumprimento contratual e da má prestação dos serviços de planos de saúde.
A sociedade de hoje é imediatista e consumista. Os bens e serviços são adquiridos para
serem prontamente utilizados e consumidos. Por isso, deve-se perceber a tendência em nosso
sistema jurídico em atender ás necessidades do consumido em especial nos contratos de
planos de saúde, conforme bem descrito nas decisões analisadas no presente artigo.
Para que um determinado contrato de adesão de planos de saúde, oriundo de uma
relação entre fornecedor e consumidor, ou de uma determinada empresa, seja declarado como
socialmente responsável, deverá este ter conhecimento do seu papel na sociedade.
Desta forma, emerge a necessidade de o ordenamento jurídico acompanhar esta
realidade social e buscar, por meio de seus operadores e institutos, resolver os conflitos
derivados das relações consumeristas, não se esquecendo de sua finalidade: a promoção da
paz social e do bem coletivo.
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424
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TJRJ, Apelação Cível nº. 2003.001.24751, 2ª. Câmara Cível. Rel. Des. Sergio Cavalieri Filho.
REsp 986947/ RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 26.03.2008. REsp 714.947/S, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA. Quarta Turma, DJ 29.05.2006. REsp 907.655/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 09/12/2010. AgRg no REsp 1253696/SP, 2011/0108765-4. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, T4 –
Quarta Turma. Julgamento: 18/08/2011. Dje 24/08/2011.
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POR UMA INTERPRETAÇÃO TÓPICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR
FOR A TOPICAL INTERPRETATION OF RULES OF CONSUMER PROTECTION
Ana Caroline Noronha Gonçalves Okazaki1
Anderson de Azevedo2
RESUMO
A presente análise busca compreender as normas de defesa do consumidor bem como a efetivação de seus direitos, a partir da hermenêutica. Verifica-se que o CDC é dotado de normas abertas, ou seja, que se mostram disponíveis a várias formas interpretativas conforme as necessidades que surgem no âmbito das relações consumeristas, bem como o período social que se vivencia a sua aplicabilidade. Assim, muito mais essencial que ter conhecimento deste conjunto de regras que tratam sobre a defesa do consumidor é aplicá-las fazendo uso de meios hermenêuticos adequados a concretizar as soluções que são dadas para os problemas que surgem e decorrem em cada momento social. Por tal motivo é que se torna benéfica a utilização da técnica tópica para a interpretação das normas entabuladas no CDC, vez que, esta se volta para o problema concreto, para o caso em exame, e dele, segundo as suas especificidades, busca trazer soluções adequadas. Isto é, partindo-se do topois se desenvolvem a fórmula genérica para o caso concreto, pois somente assim será possível o alcance do fim maior que se traduz no interesse coletivo, no bem comum, logo, na defesa do consumidor. PALAVRAS-CHAVE: Normas; Consumidor; Interpretação; Técnica; Tópica
ABSTRACT
This analysis seeks to understand the rules of consumer protection and the realization of their rights, from hermeneutics. It is found that the CDC is provided with open standards, or which show interpretive available in various forms according to the needs that arise in relations consumeristas, and the period social experience that their applicability. So much more essential to have knowledge of this set of rules that deal with consumer protection is to apply them
1 Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Direito Previdenciário pela UEL, graduada em Direito pelo Centro Universitário Filadélfia – Unifil –Londrina. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Direito negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Filosofia Política e Jurídica pela UEL, formado pela Escola Superior da Magistratura do Paraná, professor de Direito das Relações de Consumo em cursos de MBA de Gestão Empresarial e Pós-graduação no Estado do Paraná e São Paulo, professor de História do Direito, Direito Civil e Direito das relações de consumo em instituições de ensino superior no Paraná, professor da Escola Superior do Ministério Público do Paraná (Londrina). E-mail: [email protected]
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making use of the appropriate hermeneutic means to implement solutions that are given to the problems that arise and arise in every social moment. For such reason is that it is beneficial to use the technique for topical interpretation of rules consultations undertaken at CDC, since this turns to the specific problem, for the case at hand and it, according to their specificities, seeks to bring solutions appropriate. That is, starting from the topois develop a generic formula for the case, because only then can the higher end of the range that translates the collective interest, the common good, therefore, the consumer. KEYWORDS: Standards; Consumer; Interpretation; Technique; Topical
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A
INTERPRETAÇÃO. 2. DA TÉCNICA TÓPICA DE INTERPRETAÇÃO. 3. A RELAÇÃO DE
CONSUMO E A HERMENÊUTICA TÓPICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR COMO
INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
É certo que os sistemas jurídicos visam refletir as novas tendências ocorridas nas
relações sociais, pois, caso contrário, seriam inexeqüíveis. Assim, não poderia ser diferente com
as normas que protegem as relações de consumo, que, devido à dinâmica das transformações
sociais, demandam uma reestruturação constante das suas instituições jurídicas, de modo a
equilibrar os novos modelos de convivência social e as novas situações do mundo da vida.
Mas também é certo afirmar que esses mesmos sistemas devem disponibilizar
mecanismos de interpretação e aplicação das normas que o compõe.
Em se tratando do Direito das Relações de Consumo, há praticamente um consenso de
que se trata de um microssistema jurídico, dotado de autonomia, não apenas legislativa, mas
principalmente axiológica. Isto significa a presença de um conjunto de princípios que lhe
outorgam identidade, diferenciam esse ramo dos demais ramos da Ciência do Direito, e
proporcionam uma maneira especial de interpretação jurídica.
Essa diferenciação pode ser verificada pelos signos lingüísticos de estruturação das
regras integrantes do seu núcleo legislativo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
428
8.078/90), donde, os principais dispositivos legais desse paradigma legislativo são compostos de
expressões abertas ou cláusulas gerais, que permitem sensível variação conceitual e
interpretativa.
A característica que ora se revela é, na verdade, uma forma de concretização e
efetivação dos direitos previstos nesse Estatuto. Isso porque outorga ao intérprete o poder de
construir, a partir das cláusulas gerais, uma regra específica para cada caso concreto, o que é
indispensável para a dinâmica das relações de consumo, marcada pela instantaneidade e pela
constante mutação. Isso exige do intérprete uma permanente conexão interdisciplinar conceitual,
capaz de transmitir as exigências da sociedade, que mudam a cada momento, para a seara
jurídica.
Na antiguidade, quando o Direito Romano Clássico Ius Civile não mais conseguiu,
com suficiência, atender ao anseio da civilização romana que se encontrava em forte
crescimento, os magistrados Pretores, desenvolveram a técnica de interpretar e aplicar os
princípios do Ius Civile criando regras específicas para casos concretos, antes não regulados pela
norma. Na Jurisprudentia romana convencionou-se chamar essa técnica de Tópica.
Na modernidade, a Tópica foi retomada por Teodor Viehweg, nos anos 50, como um
processo dialético de tratamento de controvérsias, pela mobilização de referenciais práticos
sugeridos pelas próprias controvérsias. Uma forma pragmática e casuística de analisar,
compreender e resolver controvérsias, que depende de uma conexão interdisciplinar e
muldisciplinar, o que se alinha perfeitamente à proposta hermenêutica do Direito das Relações
de Consumo.
Esse excerto, partindo da perspectiva hermenêutica do Direito das Relações de
Consumo e da necessidade da participação do intérprete na construção do próprio Direito,
identificará a Tópica, partindo de uma metodologia histórica dedutiva, como uma adequada
forma de hermenêutica nessa senda jurídica e, principalmente, como instrumento de garantir a
efetivação dos direitos previstos, no seu principal referencial legislativo, qual seja o Código de
Defesa do Consumidor.
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429
1. O DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A INTERPRETAÇÃO
No Brasil, a Magna Carta de 1988 teve excelência em disciplinar os direitos do
consumidor, dispondo em seu artigo 5º, inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da
lei, a defesa do consumidor”. Ainda, o artigo 170, inciso V, instituiu a defesa do consumidor
como um princípio geral da ordem econômica, aduzido por Canotilho (1991, p. 177-179) como
“princípio constitucional impositivo”3, cuja função é dupla: a primeira se traduz num
instrumento para a realização do fim de assegurar a todos a existência digna e, a segunda, o
objetivo particular a ser alcançado.
Inobstante, conforme propõe Thierry Bourgoignie (1988, p. 60-61), trata-se o
consumidor de “une personne physique ou morale qui acquiert, posséde ou utilize um bien ou
um service placé na sein du systeme économique par um professionnel sans en poursuivre elle-
même la fabrication, la transformation, la distribution ou la prestation dans le cadre d’un
commerce ou d’une profession”. Nesse diapasão, considera ainda “une personne exerçant une
activité à caractere professionnel, commercial, financier ou industriel ne peut être considérée
comme um consommateur, sauf à établir par elle qu’elle agit em dehors de as spécialité et
qu’elle réalise un chiffre d’affaires glogal inférieur à... millions de franc par an"4.
Acerca dessa condição de vulnerabilidade do consumidor diante do mercado, reflete
Eros Grau (2005, p. 250), contemplando os mercados como “formas assimétricas”, que o
consumidor é, em regra, aquele que se encontra em uma “posição de debilidade e subordinação
3 Para o Autor (CANOTILHO, 1991, p. 177 -179), os princípios constitucionais impositivos subsumem-se todos os princípios que, no âmbito da constituição dirigente, impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. Assim, são estes os princípios dinâmicos, prospectivamente orientados. Designam-se, muitas vezes, tais princípios por “preceitos definidores dos fins do Estado”, “princípios directivos fundamentais” [...]. Como exemplo de princípios constitucionais impositivos é possível apontar o princípio da independência nacional [...]. Assim, traçam, sobretudo para o legislador, linhas direcionadoras da sua atividade política e legislativa. 4 Nesse sentido Fábio Konder Comparato (1978, p. 474-475; 478): “Na verdade, a dialética produtor x consumidor é bem mais complexa e delicada do que a dialética capital x trabalho. Esta comporta definições claras e separações radicais, ao contrário daquela. A rigor, todos nós somos consumidores; o próprio Estado é consumidor, e dos mais importantes; e grande parte dos consumidores acha-se, também, inserida no mecanismo da produção, direta ou indiretamente. Eis porque, na arbitragem de conflitos desse tipo, nem sempre nos deparamos com uma nítida distinção entre ‘fracos’ e ‘poderosos’ em campos opostos. Os consumidores mais desprotegidos, diante de uma medida administrativa que afete organismo de produção para o qual trabalham, tenderão a tomar o partido deste e não da ‘classe’ dos consumidores em geral, como tem sido visto, em episódios recentes. [...] A consciência de classe é fruto de uma reflexão sobre a situação dos homens no ciclo de produção econômica, não no estágio do consumo de bens ou serviços. Nesta concepção a preocupação com a tutela do consumidor revela-se propriamente alienante.”
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430
estrutural” quando comparado ao produtor do bem ou serviço de consumo. De forma que, a
concepção apresentada tem como intuito afastar as situações de “consumo” e de “fruição”.
Noutro sentido, mister referir a respeito da não configuração das medidas voltadas à
defesa do consumidor como simples expressões da “ordem pública”, de forma que deve ser a
sua promoção exarada mediante a implementação de específica normatividade e de medidas
dotadas de caráter interventivo.
Por tais razões e necessidades, em 1990 foi promulgada a Lei nº. 8.078, dispondo sobre
a proteção do consumidor, constituindo desse modo, uma das legislações mais avançadas e
protetivas de consumo.
Nesta esteira, segundo Antônio Azevedo (1996, p.17) “a demora na atualização do
Código Civil fez com que o Código de Defesa do Consumidor, de uma certa forma, viesse a
preencher a vasta lacuna que, no campo do direito privado, a doutrina e a jurisprudência
percebiam a muito tempo”.
Com as transformações sociais do século XX, o espaço ocupado pelo Estado passou a
se expandir e assim, verificou-se um maior equilíbrio entre o Estado e a sociedade em geral, de
modo que, passou a existir uma tutela em maior extensão para os cidadãos mais desfavorecidos
e um progresso econômico, acrescentando em muito o exercício e a concretização dos direitos
fundamentais5.
Dessa forma, as legislações que regulam as relações consumeristas surgiram, então,
para proporcionar o desenvolvimento de igualdades materiais, mediante a implementação de
prestações positivas, que, tem como objetivo findar a discrepância de poderes ora existente entre
fornecedor e consumidor.
Segundo Freire Soares (2008) as legislações que tutelam os direitos fundamentais
tendem a ser estruturadas através de conjecturas principiológicas, as quais sinalizam para os
valores e fins maiores a serem tutelados pela ordem jurídica. Nesse contexto, não é diferente
com o sistema que regula o direito do consumidor, que, igualmente absorve uma carga
5 Expressando-se nesse aspecto, Ada Grinover (1998, p. 06) colaciona que o homem deste século (XX) vive em detrimento de um modelo novo de associativismo, em que a sociedade de consumo (mass consumption society ou konsumgesellschaft) é caracterizada por uma elevada e crescente produção de serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, bem como pelas dificuldades de acesso à justiça. Razão pela qual, tais fatores marcaram o nascimento e o desenvolvimento do direito do consumidor como meio autônomo dos demais ramos inerentes ao direito.
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431
significativa de valores. Valores estes que são expressos em modos de comportamento, do qual
se exige uma interpretação capaz de atender à realização das finalidades deste ramo jurídico.
Assim, a interpretação das normas consumeristas devem apresentar uma natureza
teleológica capaz de buscar significados socialmente adequados que, longe de ser caracterizados
como dissociados do hermeneuta, emergem justamente de sua vivência, de sua experiência,
como um consumidor.
Logo, é certa a relevante função que exerce o intérprete na reconstrução do sentido do
microssistema do Código de Defesa do Consumidor, principalmente no que concerne à
necessária abertura aos valores sociais.
Desse modo, é necessário que o intérprete e aplicador do direito seja um mediador
quando da análise e emprego das normas consumeristas para que haja a concretização de tais
normas e para que seus valores satisfaçam os anseios da sociedade. Havendo, assim, a
substituição da referência hermenêutica da voluntas legislatoris pela voluntas legis, em que
confere espaço para uma interpretação guiada por princípios.
Como expõe Rodolfo Luis Vigo (2005, p. 3 -10), é preciso que haja efetivamente uma
passagem do Estado de Direito legal para o Estado de Direito constitucional em que é deixado
para trás a visão de que a fonte do direito é a lei, e por tal motivo é necessário sempre ao
intérprete descobrir a vontade do legislador para enfocar o direito em uma forma muito mais
ampla, de modo que se inicia com o constituinte e termina com o juiz (ou seja: com a
jurisprudência). Ainda, é preciso que haja um aperfeiçoamento mediante aproximação do
método ponderativo e não tão somente subsuntivo6, ou seja, do silogismo dedutivo clássico para
o macrossilogismo, que clama ao juiz a definição de questões controvertidas, “a fixação da
premissa maior (dos fatos alegados e provados), o estabelecimento da premissa maior (qual é o
Direito justo aplicável?) e as imposições das consequências equitativas que melhor resolvem o
caso”.
No que tange aos princípios inerentes ao Código de Defesa do Consumidor, por ter este
uma conjectura indeterminada e expansiva, o intérprete exerce função essencial para a
concretização dos ideais jurídicos previstos nessa legislação. Diante de uma diversidade fática e
6 Nesse contexto, expõe Luiz Flávio Gomes e Rodolgo Luis Vigo (2008, p. 37) que, “do método subsuntivo ao método ponderativo: a preocupação antiga era só a de enquadrar o caso no texto da lei (método subsuntivo). Hoje o juiz precisa antes de tudo descobrir o Direito justo aplicável para depois demonstrá-lo racionalmente na sua decisão; com frequência deve ponderar o valor de casa princípio, para eleger o mais razoável na situação concreta”.
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432
de acontecimentos tantos, quase impossíveis de serem determinados, existe a necessidade dede
previsão de regras de caráter principiológico, fundada em conceitos e expressões
indeterminadas, ou seja, abertas a diversas interpretações e a constantes mutações.
Trata-se da possibilidade da utilização principiológica de uma verdadeira transmutação
que veio do regralismo até o principialismo, cujo modelo positivista legalista que se encontrava
fundado inteiramente nas regras legais fora deixado para trás, dando aparição para o
neoconstitucionalismo que direcionou a essência dos princípios e dos valores implicados em
cada um deles. Assim, do Direito das regras (Savigny, Kelsen, Hart, etc.) adveio o Direito dos
princípios (Esser, Dworkin, Alexy, Zagrebelsky, etc) (GOMES; VIGO, 2008, p. 38), momento
em que Sanchís (2003, p. 26-40) reconheceu “a nova idade de ouro dos princípios”, pois estes
não apenas são diferentes como controlam a lei.
Nesse diapasão, alude Freire Soares (2008 a) que o artigo 4º do Código de Defesa do
Consumidor ao dispor sobre o objetivo da Política Nacional de Relações de Consumo mostra-se
como referencial teleológico para a interpretação de todo o sistema normativo do Código, visto
que, diante da compreensão dos princípios jurídicos expressos no artigo 4º, o intérprete logra
apreender os fins maiores que emanam a legislação consumerista. Portanto, por ser todo o
conjunto de normas do Código cunhado de princípios, exercem função reguladora teleológica da
atividade interpretativa, que clareiam a aplicação das normas entabuladas em tal dispositivo
legal.
Newton de Lucca (1995, p. 42), em semelhante menção, expressa que o artigo 4º do
Código define uma série de princípios, e, como tais, orientam a interpretação dos demais
dispositivos deste, no sentido de que eles sejam efetivamente conservados, jamais sendo
suprimidos por simples regras. Assim, por ser o universo jurídico um composto de normas,
podem ser simples regras ou verdadeiros princípios. Donde estes últimos afastarão a aplicação
das primeiras se contrariarem o seu princípio fundamental.
Nesse contexto, são as palavras de Rizzato Nunes (2002, p.19) ao mencionar que:
Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo os sistema ético-jurídico, os mais importantes a serem considerados, não só pelo aplicador do direito, mas por todos aqueles que, de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam. E essa influência tem uma eficácia efetiva, real e concreta. Não faz parte apenas do plano abstrato do sistema. É de ser levada em conta na determinação do sentido de qualquer norma, como exigência de influência plena e direta.
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433
Em relevante menção Dworkin (1987, p.44) alude que as pautas devem ser observadas
não porque viabilizam ou asseguram a busca de dada situação econômica, política ou social que
seja caracterizada como conveniente, mas sim porque a sua observância compreende a um
imperativo de justiça, de honestidade ou de outra dimensão da moral.
Assim, dada a necessidade da utilização principiológica junto às questões também
consumeristas, é preciso analisar este sistema a partir de uma interpretação constitucional, uma
vez que a interpretação teleológica da hermenêutica clássica busca a fixação do sentido
imediato, enquanto que a interpretação conforme a Constituição remete a norma aos fins do
ordenamento jurídico e do Estado Democrático de Direito, levando a uma sistematização
axiológica una do ordenamento jurídico (Freire Soares, 2008 b)7.
Assim, quando elevada a defesa do consumidor à espécie de princípio constitucional, é
preciso que as demais normas, quais sejam, infraconstitucionais passem a utilizar das vertentes
fáticas e jurídicas, de modo a favorecer os mais exaltados valores, pois, é necessário que a
defesa do consumidor não se esgote em normatizações e sim, que haja a concretização de tal
defesa (Freire Soares, 2008 c).
No entanto, para que haja tal concretização, é preciso que seja apresentada a correta
aplicação das disposições normativas, donde se mostra essencial a prudente interpretação por
parte do aplicador. Assim, indispensável o conhecimento e o desenvolvimento das funções
hermenêuticas. Pois, como muito bem expõe de Eros Grau (2005 p. 193), o direito passa a ser
operacionalizado tendo em vista a implementação de políticas públicas, políticas referidas a fins
múltiplos e específicos, em que há uma definição dos fins em que é enunciada, precisamente em
textos normativos que consubstanciam normas-objetivo e que a mercê disto, passam a
determinar os processos de interpretação do direito, reduzindo a amplitude da moldura do texto
7 Nesse sentido, leciona ainda Gomes e Vigo (2008, p. 39-40) trazendo determinadas considerações do pensamento sistemático ao pensamento problemático da seguinte forma: “Para Savigny e Kelsen a ciência jurídica só podia ser construída a partir da sistematização do direito. O sistema jurídico seria dotado das seguintes características: (a) unidade (o Estado cria o sistema jurídico), (b) hierarquia (de acordo com a pirâmide de Kelsen a lei é válida quando encontra fundamento em outra norma superior); (c) completude (o sistema não possui lacunas); (d) coerência (o legislador racional cria regras sem contradições e sem privilégios); e (e) economia (o sistema evita redundâncias normativas). Tudo isso está completamente ultrapassado. Wiehweg (na década de 50) viria a sustentar que do pensamento sistemático devemos evoluir para o pensamento problemático (para descobrir o direito justo em cada caso concreto); o juiz tem o dever de encontrar a justiça por meio do Direito. [...] O sistema positivista legalista, fundado na lei, via a Constituição apenas como um programa político dirigido ao legislador, que tinha total liberdade para criar o direito. No sistema constitucionalista a lei é destronada e a proeminência é assumida pela Constituição, que é a Grundnorm (a norma fundamental e o parâmetro de validade de todas as demais normas); o direito confundia-se com a lei e era produto do legislador. Este era o “senhor do direito””.
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e dos fatos, para que nela não mais caibam soluções que não sejam absolutamente adequadas a
tais normas-objetivo.
Desse modo, para que as disposições da Lei nº. 8.078/90 sejam concretizadas e que
ultrapassem as conceituações de regras abstratas, é necessário interpretá-las buscando sempre o
fim social que satisfaça os anseios e necessidades da sociedade. Diante de uma sociedade de
massa que, a cada dia detêm novos conceitos e em conseqüência, novas dificuldades,
necessidades e inverteres, não é possível ter a mesma visão e interpretação do CDC que fora
dada quando da sua criação, visto que, assim, certamente a solução para os conflitos não seriam
satisfatórias para a sociedade. Por isso, é que se pode afirmar que se trata este Código normativo
de um conjunto de regras que se vincula diretamente às práticas interpretativas. Nesse contexto,
Plauto Faraco de Azevedo (1996, p. 70-71) expõe:
É indispensável não só conhecer os fatos, como ser capaz de compreendê-los em conexão com as forças sociais em presença. Precisa o jurista cultivar verdadeira paixão pelos fatos, tendo em vista ser sempre a ordem jurídica uma tentativa, historicamente mais ou menos bem-sucedida, de regulá-los, visando a determinados efeitos sociais e, de modo geral, a realizar o convívio justo, segundo diversas escalas de valores. [...] Para conhecer os fatos, deve-se observar e sentir a realidade, olhando as multidões nas ruas, querendo saber como vivem e de que vivem os homens, que trabalho executam e que salário recebem, onde e como moram, como e em que medida contribuem ao agregado social e o que, de outro lado, dele recebem sob as mais variadas formas, tais como proteção, segurança e assistência social.
Sendo tais práticas interpretativas8 o que denota o ato de compreender, ato este que é a
chave para a “experiência hermenêutica”, que consiste na edificação de sentidos para a
existência e coexistência humana. Assim, Sergio Alves Gomes (2008, p. 111) expõe que
“interpretar o fato de se estar no mundo com possibilidades de muitas vivências e convivências
faz parte do modo humano hermenêutico de ser”.
8 Nesse diapasão, Heidegger (2002, p. 206-207) expõe que “a interpretação sempre se funda numa visão prévia, que ‘recorta’ o que foi assumido na posição prévia, segundo uma possibilidade determinada de interpretação. O compreendido, estabelecido numa posição prévia e encarado numa ‘visão previdente’ (vorsichtig), torna-se conceito através da interpretação. A interpretação pode haurir conceitos pertencentes ao ente a ser interpretado e partir dele próprio, ou então forçar conceitos contra os quais o ente pode resistir em seu modo de ser. Como quer que seja, a interpretação sempre já se decidiu, definitiva ou provisoriamente, por uma determinada conceituação, pois está fundada numa concepção prévia”.
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Nesse contexto, Rizzato Nunes (2005 a, p.25) colaciona ainda existir minuciosa relação
entre sistema e o ato de interpretar, visto que, esta se realiza em decorrência da estruturação do
sistema. Sendo estas as palavras do Autor:
[...] o ato interpretativo está ligado diretamente à noção de sistema jurídico. Na verdade é da noção de sistema que depende grandemente o sucesso do ato interpretativo. A maneira pela qual o sistema jurídico é encarado, suas qualidades, suas características, são fundamentais para a elaboração do trabalho de interpretação. [...] O CDC, como sistema próprio que é, comporta, assim, que o intérprete lance mão de seus instrumentos de trabalho a partir e tendo em vista os princípios e regras que estão nele estabelecidos e que interagem entre si. O uso da técnica de interpretação lógico-sistemática é fundamental para o entendimento das normas do CDC, tanto como a base teleológica, que permitirá entender seus princípios e finalidades.
Assim, por tal razão é que o Código de Defesa do Consumidor bem como as normas
que regulamentam a proteção deste detém um regramento aberto, suficiente a comportar deveras
formas interpretativas. Formas estas que são feitas pelo operador jurídico, baseado nos anseios
sociais, senão fruto de uma atividade mediadora do legislador e o âmbito consumerista. Tudo
com o condão de proporcionar a tutela ao consumidor, e de outro lado, jamais violar quaisquer
garantias do fornecedor, visto que, somente assim as desigualdades existentes no ambiente
capitalista será minorado9.
É isto a mais pura expressão da hermenêutica constitucional e a efetiva concretização
do Estado Democrático de Direito (art. 1º, CF). Isto porque, impossível a efetivação do Direito
com uma interpretação do texto normativo desvinculado do seu contexto. Para tanto, imperiosa
a formação do intérprete, uma vez que, se este não souber lidar com valores, será incapaz de
perceber, nas situações específicas da vida, as ações humanas injustas, visto lhe faltar o senso de
justiça. Ainda que o intérprete detenha vasto conhecimento técnico das normas jurídicas e um
9 Como expõe Bastos (1997, p. 158) “é que o intérprete simplesmente não pode cindir a norma do caso a ser solucionado (ainda que seja hipotético). Ao analisar a norma, o intérprete está estudando-a em relação a um caso. Consequentemente, o dado decorrente deste caso entra no processo interpretativo. Para se chegar a uma interpretação de uma norma, ter-se-á de estar levando em consideração uma hipótese, sob pena de não ser possível enunciar, decidir nada, caso não se esteja decidindo sobre alguma hipótese. [...] A interpretação é fruto dessa atividade de cotejo da norma com o fato ou caso hipotético, e com o próprio valor, aqui substituído pelo princípio. Isso porque não se consegue interpretar em abstrato. É necessário olhar a norma e imaginar situações sobre as quais se passe a emitir opiniões. É isto que permite a variedade muito grande de interpretações. É porque muitas vezes o que está variando não é o aspecto normativo, mas o aspecto fático. Pode haver divergência numa interpretação num caso concreto, sobre o aspecto da qualificação fática. Cumpre anotar ainda que os valores não são passíveis de concretização, no sentido de se elaborar um rol taxativo das hipóteses de sua aplicação. E isso é assim por contemplarem eles, em si mesmos, as mais variadas e amplas situações, dada sua abstratividade exarcebada”.
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formidável aparato conceitual teórico, se lhe for ausente a prudência, o conhecimento da
sensibilidade humana, a experiência, o autoconhecimento necessário a reconhecer seus limites,
tornar-se-á impossível para este chegar a soluções e a interpretações razoáveis no âmbito
jurídico.
O direito, antes de tudo encontra-se voltado para a vida humana em sua totalidade. Não
se “preocupa ele apenas com um tipo de valor, mas, com todos os valores que dão sentido à
existência humana. Sem a compreensão do sentido que determinado bem representa no contexto
da vida daquele que clama por justiça – por ver ameaçado ou violado o que considera para si um
direito-”, não existe a possibilidade de se promover uma convincente defesa para tal direito ou
de se proferir uma decisão justa sobre o objeto instaurado (GOMES, 2008, p. 207).
Diante disto, é o que se pretende buscar mediante a interpretação nas normas
consumeristas, a observância da hermenêutica constitucional construtora da democracia, que
observe principalmente a dignidade humana, oriunda dos objetivos primordiais da Carta Magna
Brasileira de 1988 que, mediante a tomada da inteligibilidade desta pelo povo (em contraposição
à linguagem técnica do Direito), como efetivo pressuposto do exercício dos direitos e deveres
nela consubstanciados perquiri também acerca da própria efetividade da cidadania (MUKAI,
2010, p. 47-48).
2. DA TÉCNICA TÓPICA DE INTERPRETAÇÃO
Na tentativa de se encontrar a definição da Ciência do Direito como um “sistema de
conhecimentos sobre a realidade jurídica”, Bobbio (1950, p. 09), apresentando o caráter
ontológico – dizer o que é o Direito – o aponta mediante a experiência, tomando, assim, posse
da realidade. Para o Autor, o Direito consiste no relacionamento intersubjetivo recíproco. Donde
seus objetivos compreendem as normas jurídicas e suas fontes, e, especificamente o
relacionamento jurídico entre os sujeitos (o comportamento real).
Ocorre que, para a realização deste, necessária uma transposição com as ciências
naturais. O que se mostrou imensamente dificultoso ao longo das décadas, haja vista a existência
do pensamento que recusa “a concepção científica que pretenda deter a verdade absoluta, e
assim a Ciência do Direito igualmente é uma ciência que não busca leis de validade universal”
(BRITO, 2006, p. 171-172).
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Todavia, como menciona Karl Engisch (1965, p. 07) trata-se de um privilégio da
Ciência do Direito o fato dela não trilhar seu caminho juntamente ou atrás do Direito, mas antes
aperfeiçoá-lo, e a vida que e sob a sua égide decorre. Assim, para o doutrinador, é certo que, em
havendo uma ciência jurídica, está há de ser uma ciência prática. Diante disto, importante
observar as palavras de Brito (2006, p. 172) ao expor que:
A positivação do Direito, pelas características e anseios da vontade humana e, por vezes, da vontade do Estado, forçou a tematização do ser humano como objeto da Ciência do Direito. Daí o surgimento de doutrinas nas quais, além do aspecto normativo, incluem-se o indivíduo social e os fatos decorrentes de seus relacionamentos. O homem é o centro do trabalho do cientista do Direito, expressão do humanismo jurídico, que se caracteriza por avultar a pessoa humana, sua condição de centro referencial, o que significa colocá-la como substância do Direito, como sua causa e seu fim, algo que contemporaneamente volta a ganhar relevância. Daí o enfoque que se faz necessário da decidibilidade como temática a ser tratada, ou seja, da ponderação de que o operador ou militante do direito deve se preocupar não somente da construção abstrata da solução, mas aplicar a norma positiva de forma a decidir efetiva e coerentemente sobre um conflito.
A partir da metade do século XX fora denunciado pelo pós-guera a deficiência de uma
ciência que se preocupava tão somente com o caráter formal e estrutural e, se distanciava dos
fatos concretos e consequentes conflitos que deles surgiam, detinha. Assim, foi com pensadores
marcantes como Erik Wolf, Theodor Viehweg e Karl Larenz que compreendiam ser tarefa da
Ciência do Direito mais do que um mero conhecimento das leis e teorias sobre sua aplicação,
todo o composto do ordenamento de uma sociedade, que passou a ser retomada a importância do
fato social do ser humano no desenvolvimento da pesquisa do jurista. Com isto, a efetiva
aplicabilidade e funcionabilidade do Direito passou a ser repassada ao longo do último século no
interior da filosofia e da ciência jurídica, redescobrindo, portanto, a importância do conteúdo,
além da forma, como elemento indispensável do Direito.
Há quem mencione que para se alcançar a verdade, a forma comumente utilizada é o
raciocínio, visto tratar-se de um modo de se atingir o conhecimento por intermédio de deduções,
aproximando-se da verdade mediante impulsos da inteligência. Ou seja, consiste tal forma uma
modalidade “discursiva” de conhecer, em que a partir de uma ideia se encontra uma validade.
Sendo isto o que sintetiza o método, caracterizado por Ferraz (1952, p. 36), amparado em João
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438
Mendes como “a ordem que deve ser observada na série de nossas operações para dispor os
meios de chegar a um fim preestabelecido”.
Ocorre que, com a retomada da tópica e especificamente sua inclusão na Ciência do
Direito, há uma efetiva oposição desta ao método sistemático dedutivo que se resguarda a
apenas o caráter formal do Direito (Topik umd Jurisprudenz), pois, esta busca a solução para o
problema prático, de modo que não é aportada de modo inequívoco por nenhum gênero do
sistema.
Conforme se depreende das palavras de Assis e Kumpel (2009, p. 158) trata-se a tópica
de uma técnica de pensar que se dirige pelo problema, a partir do problema, não obstante seja
desenvolvida pela retórica, com característica essencialmente operacional.
A expressão “tópica” foi cunhada por Aristóteles em seu “Organon”. Alinhando-se a
Sócrates e Platão, refere-se ao pensamento filosófico denominado “apodítico” e à técnica
sofista, chamada “dialética”, donde o primeiro situa-se no campo da verdade, e o segundo, no
oponível (endoxon) (BRITO, 2006, p. 190). Ademais, para Aristóteles estes se distinguem pela
índole de suas premissas, que, são opiniões “acreditadas e verossímeis que devem contar com a
aceitação de todos”. Assim, para ele o raciocínio analítico “se traduz numa demonstração
fundada em proposições evidentes, que conduz o pensamento à conclusão verdadeira, sobre cujo
estudo se alicerça a lógica formal”. Já o raciocínio dialético “se expressa por meio de um
argumento sobre enunciados prováveis, dos quais se poderiam extrair conclusões apenas
verossímeis, representando uma forma diversa de raciocinar” (ASSIS e KUMPEL, 2009 a, p.
153-154).
Mister esclarecer que o termo “techne” compreende toda profissão prática que se adere
em conhecimentos especiais e seguros, acrescidos em regras gerais e não somente a simples
rotinas. Portanto, a tópica corresponde a uma técnica (techne) que parte de uma classificação de
opiniões comuns, sensos comuns, ordenados em categorias, designados de “topoi”, sendo este o
que clareia os diversos ângulos e aspectos de um problema que geralmente são denominados
princípios: “interesse coletivo, bem comum, boa-fé, autonomia da vontade, função social da
propriedade, onerosidade excessiva, abusividade, etc.” (ASSIS e KUMPEL, 2009 d, p. 158).
Nesse contexto, Viehweg ao analisar a tópica em Cícero conclui que a estrutura da
jurisprudência romana corresponde à tópica, isto porque os juristas partem de um problema e
procuram encontrar os argumentos que a ele possam ser aplicados. Assim, percebe-se que a
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tópica consiste num estilo de pensar por problemas, desenvolvido pela retórica; uma técnica do
pensamento que se orienta para o problema (ASSIS e KUMPEL, 2009 b, p. 154). Indo ainda
mais além para Cícero, em que a tópica compreenderia a arte (ars inveniendi) de se encontrar os
“topoi” e a formação de juízo, suas aplicações para as conclusões (ATIENZA, 2000, p. 65).
Ainda nesse diapasão, ao examinar os pensamentos de Cícero, é possível verificar que
este elabora uma técnica tópica amplamente utilizada pelos jurisconsultos romanos, cuja
influência é maior do que a de Aristóteles. Assim, a tópica vinculada a jurisprudência faz com
que esta seja menos um método e se torne mais um estilo de pensar que indica decisões para
casos concretos. Tal método tem o condão de ampliar e flexibilizar o direito, aceitando os
limites da tradição (Assis e Kumpel, 2009 c, p. 156-157). Explicando Viehweg (1979, p. 36) o
raciocínio tópico:
Quando se depara, onde quer que seja, com um problema, pode-se naturalmente proceder de um modo simples, tomando-se, através de tentativas, pontos de vistas mais ou menos casuais, escolhidos arbitrariamente. Buscam-se, desse modo, premissas que sejam objetivamente adequadas e fecundas e que nos possam levar a consequências que nos iluminam.
Assim sendo, a partir do situação circunstancialmente posta, destacam-se os pontos
principais do que o propagador da tópica considera como “problema”, analisando-o sobre dois
aspectos nucleares: a existência de distintas alternativas, e consequentemente de distintas
respostas; e diante desta diversidade, a eleição entre as alternativas em vista à decisão
(MARTINS-COSTA, 1999, p. 356). A partir destas determinantes que conduzem a discussão, os
pontos de vista (topoi) derivam do problema apresentado, em consonância com a aceitação ou
rejeição do interlocutor. O que é aceito pelo adversário põe termo a uma certa fase da discussão,
partindo-se então, para a fase seguinte do diálogo, direcionada à decisão ou solução do
problema.
E assim, denota-se o que Viehweg prioriza: a invenção ou o descobrimento dos
argumentos ou premissas da argumentação jurídica, em prejuízo do ato mecânico ou puramente
formal de uma conclusão ou dedução. Sendo a tópica a “ars inveniendi”, “a técnica de
pensamento que ensina a descobrir esses argumentos que são úteis na justificação de decisões
por gozar de consenso no conjunto social ou na comunidade jurídica”.
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Trata-se, portanto, da ideia de que “no contexto de cada situação que por meio do
intercâmbio de razões se colocam as bases para que a decisão seja socialmente aceitável, se bem
que essa aceitabilidade provirá meramente do consenso que fornecem respaldo aos topoi
presentes e ainda do procedimento de seu manejo” (BRITO, 2006, p. 193).
Posicionando-se Assis e Kumpel, (2009 e, p. 158), registre-se que:
Intervém desde logo na escolha dos princípios que devem reger e fundamentar a resposta para o problema. As normas jurídicas não trazem expressa a sua condição de princípio, são os intérpretes que as identificam como tais. O profissional do Direito, ao selecionar os princípios numa série relativamente extensa de normas, constrói um plexo de “fórmulas de procura” para dar resposta a um problema ou para dar decisão a um conflito. Os princípios assumem essa condição em função de problemas a serem respondidos ou decididos. Com base nos princípios (topoi) elabora-se uma resposta ou decisão de considerável força persuasiva.
Assim sendo, analisar situações com o uso da tópica consiste manter princípios com
caráter de problema. Logo, a tópica envolta o objetivo de descobrir proposições (topoi) que
visam encontrar as respostas para tais problemas e ou decisões de conflitos. No entanto, em
muitas situações, os intérpretes jurídicos utilizam da técnica tópica, sem ao menos terem
conhecimento do estilo de interpretação que fazem uso. Por tal razão, claramente expõem Assis
e Kumpel (2009, p. 160) sobre a significação da tópica:
A tópica corresponde a um pensamento inventivo e aberto que não se opõe ao sistema, mas utiliza-o como instrumento. Para o pensamento tópico o tecido jurídico é, sobretudo, uma pluralidade de sistemas; pressupõe, portanto, a adoção da idéia de sistema aberto, exigindo sua elasticidade para poder oferecer soluções satisfatórias que se integram à sistemática jurídica.
Diante do exposto, percebe-se que a técnica tópica quando analisada e compreendida se
torna um método indispensável para a aplicação das normas e regramentos que regem a
sociedade.
Por sua vez, as normas que protegem e versam as relações consumeristas são espécies
de regras que tendem a proporcionar amplas formas interpretativas e que, constantemente
recebem novas interpretações, conforme o momento histórico e as necessidades sociais. A
tópica para a interpretação e aplicação de tais normas é essencialmente necessária, pois, assim, é
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441
possível tutelar com imensurável amplitude as mais variadas formas de problemas e conflitos
que possam surgir no âmbito das relações consumeristas.
Como resposta ao rigorismo positivista do século XIX sobreveio um conjunto de
procedimentos de hermenêutica jurídica que trouxeram uma flexibilização do conteúdo das
normas jurídicas, para que pudesse o juiz, diante do caso concreto, oferecer uma solução
compatível com a finalidade social da lei ou mesmo resolver situação para as quais não fosse
existente uma norma específica (MENDONÇA, 2003, p. 276-277).
Diante disto, houve uma tolerância para que o aplicador do direito interpretasse-o ou
integrasse as lacunas normativas, conforme o caso. Com um simples exame prático das
situações é possível perceber que o significado das normas positivadas, em boa parte dos casos,
não advém do conteúdo gramatical dos vocábulos nela expressos, mas da leitura que dela fazem
os aplicadores do direito. Isto porque, não se é satisfatória a pretensão de atribuir ao conteúdo
normativo resultante dos procedimentos integrativos e interpretativos do direito uma índole de
permanência e a-historicidade, visto que este é resultado de valorações advindas de referencias
conjunturais e passíveis de modificação com o passar do tempo.
Com a complementação do sentido das normas por parte do aplicador, por intermédio
de processos hermenêuticos, é praticamente impossível ignorar o fato de que o conteúdo
normativo do ordenamento jurídico passou a ser dado também pela atividade interpretativa dos
integrantes do Poder Judiciário. Os recursos interpretativos no campo do direito consistem num
elemento de aproximação entre a lei e o fato, compreendendo uma necessidade institucional do
Poder Judiciário, de concessão de respostas aos problemas.
Neste ínterim, se fosse impossível a concretização de tais caracterizações, como seria
possível a explicação da jurisprudência nos sistemas de direito codificado, visto que ela também
é adequada como fonte do direito. Como se percebe, na prática, na comunidade jurídica passou a
existir uma forte linha interpretativa concebida pelas cortes superiores, mesmo que não
apresentem estas um caráter de obrigatoriedade em consonância às demais instâncias decisórias
(MENDONÇA, 2003, p. 280).
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3. A RELAÇÃO DE CONSUMO E A HERMENÊUTICA TÓPICA DO DIREITO DO
CONSUMIDOR COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Com o desenvolvimento do sistema capitalista, tanto no aspecto político como
econômico, a partir do século XX, consolidou-se a massificação da produção de bens de
consumo, a confluência urbana populacional, a formação de metrópoles e a consequente
desigualdade social (CAMPILONGO, 2011, p. 52). Assim, ante ao fato do Direito (como fonte
cultural) acompanhar o desenvolvimento da sociedade, os ordenamentos jurídicos, outrora
fundamentados em uma concepção individualista, liberal e positivista, passaram a prever
cláusulas gerais como forma de propiciar, pelo intervencionismo estatal, novas tutelas ante as
decorrentes transformações sociais.
Exigiu-se do direito processual civil e do direito civil uma postura adequada a propiciar
tutela a interesses que, por serem derivados de relações jurídicas desenvolvidas no âmbito das
sociedades de massas, pouca ou nenhum proteção detinham. Assim, fora necessário um repensar
dos pilares das teorias clássicas. Donde, a universalização de conceitos, teorias, correntes, no
âmbito prático-jurídico e a uniformização de sistemas e normas jurídicas passou a promover à
solução de conflitos.
Tal modificação também se deu no seio do processo. As pretensões, as lides, os
procedimentos e o modo de promover a pacificação social sofreram os reflexos da globalização
com a majoração das demandas, oriundas, especificamente do desenvolvimento tecnológico.
Assim, novas alternativas de solução de conflitos se fizeram necessárias para a promoção do
acesso e da efetiva justiça. São as palavras de Campilongo (2011, p. 62-63):
Paralelamente ao individualismo liberal e ao coletivismo do direito social [...] luta-se também pelo respeito aos direitos difusos e por formas alternativas e mais amplas de “acesso à justiça”. A situação é paradoxal: a baixa institucionalização da “democracia delegativa” não permite que o Judiciário aplique os direitos de corte liberal e social em sua plenitude. [...] Apesar disso – ou, talvez em decorrência disso-, desenvolve-se a discussão sobre as formas alternativas de resolução de disputas jurídicas, com ênfase nas técnicas de negociação, barganha e arbitramento, que exigem conhecimento tanto técnico-jurídicos quanto políticos-jurídicos e são processadas, frequentemente, à margem do leito institucional do Judiciário.
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Nas relações de consumo as modificações também não foram diferentes. Pelo contrário,
é justamente nessa senda onde se evidenciam essas sensíveis mutações, sob o paradigma de um
Estado intervencionista e assegurador
Nesse cenário surgiram os “novos direitos”, com autonomia científica e formulações
principiológicas, como, o direito previdenciário, o direito agrário, o direito das águas, o direito
imobiliário, dentro outros. Assim, as relações jurídicas que eram adstritas ao direito civil, com
caráter emitentemente privado, desde as concepções clássicas romanas passaram a sofrer
reformulações, extraídas de legislações privatistas que, tornavam-se fonte para a composição de
microssistemas jurídicos. Nesse sentido, em referência ao direito do consumidor Azevedo
(2009, p. 35) expõe que:
A origem do direito do consumidor está associada, assim, à necessidade de se corrigir os desequilíbrios existentes na sociedade de produção e consumo massificados. Com efeito, o sistema de produção em série está baseado no planejamento dessa produção pelos fornecedores, o que torna estes sujeitos mais fortes do que os consumidores, pois, além de poder econômico, detêm ainda os dados (as informações) a respeito dos bens que produzem e comercializam.
Com isto, percebeu-se neste momento histórico a existência de uma relação jurídica de
consumo alheia a relação jurídica de índole eminentemente civil, e distinta da relação jurídica
mercantil. Pois, em uma relação em que há um desequilíbrio econômico jurídico e técnico-
informativo entre os agentes participantes do vínculo associativo (fornecedor e consumidor) há a
necessidade de uma “reumanização” no cenário econômico e sócio-tecnológico. Advindo, dessa
forma, especificamente a partir da década de 60, do século XX, a concepção do indivíduo,
sujeito de deveres e direitos, denominado consumidor e, do fornecedor, também dotado de
deveres e direitos.
Diante disto, exatamente pelo fato de haver ao primeiro uma hipossuficiência em
relação ao segundo, tecnicamente mais informado, economicamente mais avantajado e
juridicamente mais preparado, os excessos existentes neste deveriam ser contidos por meio de
mecanismos legais, de ações políticas e da participação do próprio Estado. Ou seja, o “Estado
passou a tentar promover a equivalência, a equiparação o reequilíbrio formal, em face de
relações jurídicas em que as partes se posicionavam em desigualdade manifesta. De um lado
consumidor, sujeito de incertezas e possibilidades; de outro fornecedor, hiperssuficiente”
(AZEVEDO, 2011, p.120).
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444
Como se vê a relação jurídica de consumo, em sua essência era por si só desigual, não
se amoldando, portanto, aos paradigmas de igualdade difundidos pelo Estado Democrático de
Direito. Advindo daí a necessidade de uma tutela específica, de princípios e métodos que lhe
outorgasse identidade, de novos paradigmas legais para recompor o equilíbrio formal e jurídico
entre as partes integrantes da relação. Foi esta a proposta inserida em nossa Constituição.
Diante disto, é que se encontra a afinidade entre as normas de proteção ao consumidor
com a tópica, pois, tratando-se esta de uma técnica que se orienta para o problema, apontando
diversas práticas com o objetivo de resolver conflitos e produzir decisões adequadas a sociedade
e ao interesse coletivo, não resta dúvidas da sua influência para o alcance dos fins que se busca
mediante a aplicação das normas do consumidor para a concretização do Estado Democrático de
Direito.
Se as normas de defesa do consumidor visam o equilíbrio entre este e o fornecedor,
com o condão maior de dar proteção ao hipossuficiente da relação de consumo, a aplicação da
técnica tópica se mostra por demais eficiente para atingir o objetivo de uma proposta tutelar
efetiva. O conjunto de normas sem aptidão prática em pouco é valorada. Todavia, se
interpretada em todas as circunstâncias sociais que se fazem essenciais sua utilização, em muito
se torna benéfica, visto que proporciona a eficácia dos direitos e garantias assegurados a todos
que de tais regras e tutelas necessitem.
Desse modo, é que a técnica tópica em tudo se cataloga com as normas estabelecidas
no Código de Defesa do Consumidor, pois, por ser um conjunto de regras abertas para que,
tenha relação fática-jurídica em diversas situações ocorridas no âmbito consumerista, reflete a
necessidade de utilizar-se desta, para que assim, sejam resolutos os conflitos existentes no
âmbito social.
O próprio conceito de consumidor, previsto no art. 2º, caput, da Lei 8.078/90, não pode
ser assimilado sem o desenvolvimento do raciocínio tópico. Referida regra dispõe que
“consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final”. No entanto, o sentido da expressão destinatário final somente pode ser
alcançado mediante o raciocínio tópico.
Diversos outros exemplos existem no Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/1990) e que mostram a evidente necessidade de utilização da tópica, tais como os incisos
IV, V e VIII do art. 6º do CDC, assim escrito:
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Art. 6º São direitos básicos do consumidor: IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Como se vê, contam estes artigos com expressões genéricas e abrangentes que podem
deter conotações distintas em conformidade com o momento histórico e com a necessidade que
se pretende sanar. Como encontrar, pragmaticamente, o conceito de “métodos coercitivos
desleais”? O que seria, na prática, a “onerosidade excessiva” causada por fatos supervenientes à
contratação e capaz de determinar as revisões contratuais? E quais são os “critérios pessoais”
que o juiz deve utilizar para determinar a inversão do ônus da prova, facilitando a defesa do
consumidor?
Assim, em todas essas normas jurídicas, quando de sua interpretação, há a necessidade
de aplicação da tópica. O hermeneuta somente alcançará o sentido ideal das expressões valendo-
se de topois, de referenciais pragmáticos geralmente construídos jurisprudencialmente, e os
determina segundo as evidencias e situações específicas que lhes são apresentadas no caso
concreto. Sem a avaliação casuística, específica do problema que lhe é apresentado, e sem
argumentação construtiva e definidora de uma determinada situação jurídica, é impossível o
intérprete aplicar adequadamente a regra.
É dizer: o ato que em determinada relação jurídica de consumo se apresenta como
abusivo, pode não o ser em outra relação. O fato que, para determinados sujeitos, se constitui
como suficiente causador de uma onerosidade excessiva, não terá o mesmo efeito entre outros
contratantes. Determinado método comercial que é tratado como desleal em determinada região
do país pode, inclusive, eventualmente, se constituir como uma prática useira e viseira, em outro
Estado da Federação.
O próprio artigo 7º do CDC expressa, com toda força e clareza, essa proposta
expansiva e pragmática da Lei, garantindo que:
Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
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legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
Cite-se, à título de exemplo, como forma de evidenciar a existência dessas cláusulas
gerais no Código de Defesa do Consumidor os seguintes outros artigos:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Art. 14. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
Enfim, todos esses dispositivos legais possuem, às vezes à toda evidência, às vezes nem
tanto, as denominadas cláusulas gerais que permitem ao exegeta, a partir de situações concretas
postas pelo conflito, colmatar o espaço hermenêutico com a interpretação e aplicação adequada
para aquele determinado e específico caso. Conceitos como “riscos normais e previsíveis”,
“iniquidade”, “vantagem manifestamente excessiva”, “resultado prático equivalente”, dentre
muitos outros que permeiam todo o Código de Defesa do Consumidor, permitem ao intérprete,
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447
pela técnica da tópica, uma efetiva concretização de tais direitos e assim, observância ao
disciplinado constitucionalmente para a garantia do Estado Democrático de Direito.
Destituídos de uma acepção específica essas disposições foram propositadamente
implantadas no Código de Defesa do Consumidor, porquanto permitem que o Estado, com o
propósito de promover a defesa do consumidor, possa, ante ao caso sub examine, dizer da
aplicabilidade ou não da tutela jurisdicional. E, ao contrário do que possa parecer, nada há de
arbitrário, pois o controle de legalidade se dá pela motivação retórica que fundamenta a
aplicação da proposição ao caso.
Imprescindível expor por derradeiro o pensamento de Sergio Alves Gomes (2002, p.
58) que, muito contribui com suas palavras para a interpretação e sua relação com o poder
judiciário:
[...] É necessário frisar que, no Estado de Direito Democrático, instituído no Brasil pela Constituição Federal de 1988, alarga-se o papel do Poder Judiciário em relação ao que estava restrito durante os anos da “ditadura institucionalizada” (1964-1985). Este é chamado a garantir o Estado Constitucional e Democrático. Tal múnus tem por base a aplicação da Constituição e das leis infraconstitucionais a situações concretas, vivenciadas no cotidiano das pessoas físicas e jurídicas. Para aplicá-las, repita-se, mister se faz interpretá-las. E tal interpretação para chegar ao sentido mais adequado e correto no contexto de uma sociedade democrática em construção pressupõe no intérprete a compreensão a respeito dos valores e objetivos fundamentais, conectados aos idéias democráticos.
Portanto, da análise exposta, percebe-se que a técnica tópica apesar de ser por poucos
conhecida, por muitos já é utilizada, visto que, especificamente quanto as normas que tutelam as
relações de consumo, por se tratarem de normas de caráter amplo e que comporta diversas
interpretações, dado o condão de proteger diversas situações que ocorrem em tais relações
independente do momento que se vivencia, é que a tópica toma relevante importância na
interpretação de tais normas, uma vez que busca saber qual o problema e a partir desse, buscar
resoluções que beneficiem toda uma coletividade.
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CONCLUSÃO
A promoção de direitos e garantias previstos no Código de Defesa do Consumidor, não
depende apenas do microssistema de tutelas bem instituído pela Lei n. 8.078/90; nem somente de
um sistema de proteção bem estruturado no âmbito dos órgãos da administração pública, direta e
indireta; não se viabiliza concretamente apenas por um conjunto de princípios abstratamente
considerados e um rol extenso e exemplificativo de direitos básicos.
Todas essas iniciativas jurídicas, ainda que estejam conjuntamente previstas e
didaticamente organizadas no Texto Legal, objetivando a defesa do consumidor, de nada valerão
caso o intérprete não as manuseie de modo hermeneuticamente eficaz. A hermêutica é, pois, um
instrumento de concretização de direitos abstratamente considerados, e que somente poderão se
materializar, após uma adequada e contingente interpretação e aplicação.
Como visto ao longo desse excerto, da análise da construção linguística de diversos
dispositivos legais do Código de Defesa do Consumidor se percebe evidente propósito do
legislador permitir ao intérprete, a partir de sua própria experiência e de referenciais ofertados
pelo caso concreto (relação jurídica sub examine) e pela jurisprudência, a determinação
conceitual e circunstancial de expressões de conteúdo impreciso, volátil, flexível.
Esse modelo de legislação torna a tarefa do hermeneuta extremamente criativa e
transformadora. Tomando os princípios como referências (e os princípios constitucionais, em
primeiro lugar), o exegeta constrói o “direito do caso”, a partir das contingências do próprio
problema e, dessa forma, concretiza ideais soberanos e propósitos institucionais. A tópica, como
técnica de interpretação, evidencia-se como uma técnica adequada de superação de antinomias
formais e concretização de valores que inspiram uma tutela efetivamente protetiva do
consumidor.
Já se passaram mais de vinte e dois anos de severíssimas transformações sociais, políticas,
econômicas e, principalmente, tecnológicas, desde que o Código de Defesa do Consumidor veio à
lume no cenário do ordenamento jurídico brasileiro. E apesar da necessidade de atualizá-lo, é
notória a satisfatoriedade do Estatuto Consumerista como instrumento de promoção do
vulnerável, de luta contra os desmandos do mercado de consumo, de realização de justiça. Essa
legislação encontra-se inabalável graças à disposição hermenêutica de suas regras, que autorizam
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449
o intérprete, a partir das necessidades que surgem no dia-a-dia, mudar o sentido da lei, sem alterar
o seu conteúdo, nem comprometer o microssistema no qual está inserido.
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RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR EM CONTRATOS DE TRANSPORTE TERRESTRE À LUZ DA TEORIA DA QUALIDADE
LIABILITY COMPANY CONTRACTS IN ROAD TRANSPORT IN THE
CONCEPTION OF THE THEORY OF QUALITY
Leonardo José Peixoto Leal1 Mônica Mota Tassigny2 RESUMO
O presente trabalho analisa e tece considerações críticas ao sistema de Responsabilidade Civil quando se refere aos contratos de transporte terrestre de passageiros, a luz da teoria da Qualidade. Ressaltou-se os problemas mais comuns relativos a esse serviço, tais como a questão de atrasos, acidentes e assaltos. Este estudo foi feito com base na ótica da relação de consumo existente entre o passageiro usuário e a empresa fornecedora do serviço de transporte. Considerando a normatização existente e a aplicação da mesma pela jurisprudência, objetivou-se identificar possíveis falhas e propor soluções, tendo em vista o bem estar do consumidor e o funcionamento eficiente e adequado da economia. A metodologia baseou-se em estudo bibliográfico e documental, de natureza qualitativa, e procurou descrever, analisar e criticar o objeto em foco. No primeiro momento aborda-se a relação de consumo e suas características fundamentais; em seguida analisa-se a Teoria da Qualidade existente nas relações de consumo; após, descreve-se a regulamentação da responsabilidade civil nos contratos de transporte e, por fim, analisa-se os problemas mais recorrentes na relação entre o passageiro e a empresa fornecedora. Conclui-se que os usuários não têm uma resposta célere e efetiva na maioria dos casos, confirmando que o sistema de aplicação está deficiente, portanto, faz-se necessária a utilização de novas ferramentas como a adoção de mecanismos eficientes de controle e de solução extrajudicial dos problemas eventualmente existentes. Palavras-chave: Consumidor. Transporte Terrestre. Danos. Qualidade. Excludente . ABSTRACT This paper analyzes the system of civil liability facing procurement of road passenger transport. Covers are the most common problems related to this service especially the issue of delays, accidents and assaults, the study is based on optical consumer relationship between the user and the company passenger transport service. The goal is, considering the existing regulation and the application of the same law, identify potential gaps and propose effective solutions always seeking the welfare of consumers and the efficient and proper functioning of the economy. A qualitative method was used from a bibliographic and documentary that seeks to describe, analyze and criticize the object of study. At first it made an approach to consumer relationship and their fundamental characteristics, and then analyzes the existing theory of quality in consumer relations, after we study the regulation of liability in contracts of carriage, finally it approaches the most recurrent problems in the relationship between the passenger and supplier. The conclusion is that users do not have a rapid response and effective in most cases the application system being deficient is therefore necessary to use new tools such as the adoption of efficient mechanisms of control and extrajudicial solution of the problems that may exist. Keywords: Consumer. Road Transport. Damage. Quality. Excluded 1 Professor da Universidade de Fortaleza. Doutorando em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela Universidade Federal do Ceará – UFC. 2 Professora Titular do Programa de Pòs-Graduação em Administração (PPGA) e Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza (PPGD/UNIFOR)
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INTRODUÇÃO
O presente artigo analisa o contrato de transporte interestadual terrestre de passageiro,
baseado na relação de consumo existente entre a empresa transportadora, o fornecedor, e o
indivíduo transportado, o consumidor.
Tratou-se de debater, de forma crítica, a responsabilidade civil, mormente a
responsabilidade por atrasos, acidentes e assaltos. O trabalho foi dividido em quatro partes.
De início busca-se conceituar a relação existente entre fornecedor e consumidor e
contextualizá-la no universo jurídico pátrio. Em seguida, aborda-se a base da chamada Teoria
da Qualidade vigente na Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 – Código de Proteção e Defesa
do Consumidor – CDC, fundamento inicial da Responsabilidade Civil nas Relações de
Consumo. No segundo momento, conceitua-se a responsabilidade civil e sua evolução no
direito brasileiro, a partir das explicações da concessão do serviço de transporte terrestre.
Depois é explicado cada caso de forma específica: acidente, assalto e atraso. Por fim, são
apontadas possíveis soluções para os principais problemas evidenciados.
Urge destacar que, seguindo a lógica do sistema de proteção ao consumidor, neste
trabalho, buscou-se tomar posição favorável ao consumidor nos pontos polêmicos em que há
divergência doutrinária e jurisprudencial, fundamentando de forma clara as posições tomadas,
sempre na tentativa de unificar o tratamento dado a este tema pelos órgãos de proteção e
defesa do consumidor.
O transporte terrestre, conforme se demonstrará, atende a grande maioria da população
brasileira, principalmente as pessoas de baixa renda, sendo assim constitui-se um serviço
essencial e de grande utilização, embora passe por vários problemas, como por exemplo a
falta de atenção da mídia e dos órgãos governamentais. Diferentemente do setor terrestre,
observa-se uma maior cobrança relativa ao setor de transporte aéreo sendo o chamado “caos
aéreo” a todo instante noticiado e criticado em todos os veículos da mídia, incentivando
busca por soluções efetivas aos problemas deste setor.
A razão disso talvez encontre explicação na posição social dos usuários dos dois
serviços, muito embora as viagens aéreas tenham sofrido uma queda de preços nos últimos
anos elas continuam a atender somente uma parcela pequena da população, portanto, não
servindo às possibilidades e necessidades das classes economicamente desfavorecidas.
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Nesta direção, o objetivo deste estudo, feito a partir de pesquisa bibliográfica e
documental, foi dar respostas a estes consumidores que seguem sofrendo com diversos
transtornos ao utilizarem o sistema rodoviário brasileiro de transporte e sem receber, contudo,
a atenção devida da mídia e do estado, particularmente, no que se refere à responsabilidade
civil.
Trata-se de temática atual cuja abordagem e análise dos institutos jurídicos mostra-se
absolutamente necessária, tendo em vista a urgência de se debater, investigar e apontar
possíveis formas de se resolver os problemas existentes, promovendo, assim, benefícios
diretos e indiretos a toda sociedade.
1 RELAÇÃO DE CONSUMO
A defesa do consumidor é matéria expressa na Constituição Federal em seu art 5º,
inciso XXXII que, impõe ao estado promover, na forma de lei, a defesa do consumidor. Ainda
no texto constitucional há abordagem da proteção do consumidor em dois momentos
expressos: é erigida a princípio fundamental da Ordem Econômica no art. 170 e o art. 48 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, determina a elaboração pelo
Congresso Nacional de Código de Defesa do Consumidor. Dessa forma, a Lei nº 8.078, de 11
de setembro de 1990, vem dispor sobre a proteção e defesa do consumidor e a busca pela
harmonização dos interesses dos consumidores e fornecedores. O Código de Defesa do
Consumidor classifica o consumidor, o fornecedor e as relações existentes entre eles, bem
como os direitos e deveres aplicáveis às relações de consumo.
O conceito de consumidor, constante no art. 2º do CDC, tem estritamente o caráter
econômico, levando em consideração a pessoa que adquire um produto ou realiza a
contratação de um serviço como destinatário final. Assim, chega-se a uma definição de
consumidor, como toda pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrata para
consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem
como a prestação de um serviço, sendo de forma onerosa ou não (GRINOVER, 2005).
Todavia, não é pacífica a definição de consumidor, tendo em vista que o código não
especificou o conceito de destinatário final que, segundo a doutrina, desdobra-se em dois
tipos: o fático, quando o indivíduo encerra o ciclo do produto ou serviço, e o econômico,
quando o indivíduo não se utiliza do produto ou serviço para fins econômicos, pode-se citar
como exemplo a compra de um botijão de gás, se a pessoa o adquire para sua casa, com o
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intuito de cozinhar para os habitantes da residência temos um destinatário final do produto,
gás, fático e econômico, todavia, se o indivíduo adquire o gás para um restaurante, com o
intuito de cozinhar pratos que serão vendidos, esse será tão somente destinatário final fático
do produto, não sendo econômico, pois o produto serve como atividade meio, integrando a
cadeia de sua atividade econômica.
Em resumo, quando o indivíduo adquire um produto ou serviço e não o repassa
diretamente, sempre será destinatário final fático, todavia se não utiliza-lo como atividade fim
e sim como atividade meio não será destinatário final econômico.
Dessa forma, desenvolveram-se três teorias jurisprudenciais a respeito do conceito de
consumidor, a primeira é a chamada “teoria maximalista”, pois considera consumidor
qualquer pessoa, desde que fosse destinatária final fática do produto ou serviço, conforme o
precedente abaixo:
Código de Defesa do Consumidor. Destinatário final: conceito. Compra de adubo. Prescrição. Lucros cessantes.1. A expressão "destinatário final", constante da parte final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento. (REsp 208.793/MT, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/1999, DJ 01/08/2000, p. 264) (Destacou-se)
A segunda teoria é mais restritiva, “teoria minimalista”, considera consumidor apenas
os destinatários finais fático e econômicos do produto ou serviço,
No julgado apontado como divergente foi afastada a aplicação do Código do Consumidor por tratar-se de "financiamento obtido por empresário, destinado precipuamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final" (fl. 268), hipótese não verificada nestes autos.2. Agravo regimental desprovido.(AgRg no Ag 552.268/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2004, DJ 16/08/2004, p. 255)
Já a terceira teoria, a “minimalista aprofundada”, pode-se dizer que trata-se de um meio
termo pois ela exige que o indivíduo, para se enquadrar no conceito de consumidor, seja
destinatário final fático e econômico, todavia, no caso concreto, pode reconhecer a
vulnerabilidade do indivíduo e a necessidade de aplicabilidade das normas protetivas do
Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC); como exemplo podemos citar um taxista
que adquire um carro para realizar corridas, trata-se portanto de um destinatário final tão
somente fático pois o carro integra sua atividade econômica, todavia é manifesta a
vulnerabilidade de um indivíduo perante uma grande montadora de veículos caso o carro
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
456
apresente algum problema técnico ou esta aja de maneira inadequada para com o adquirente,
possibilitando assim, nos termos desta teoria, a incidência do Código no caso concreto, não
sendo entretanto a regra geral de incidência da norma.
Nesse sentido, cita-se um precedente do Superior Tribunal de Justiça – STJ:
CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DESTINATÁRIO FINAL. A expressão destinatário final, de que trata o art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor abrange quem adquire mercadorias para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade; espécie em que caminhoneiro reclama a proteção do Código de Defesa do Consumidor porque o veículo adquirido, utilizado para prestar serviços que lhe possibilitariam sua mantença e a da família, apresentou defeitos de fabricação. Recurso especial não conhecido. (REsp 716.877/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2007, DJ 23/04/2007, p. 257)
Pode-se dizer que, em verdade, o conceito de consumidor é algo ainda em construção
visto, inclusive, o fato de o Código ter instituído um conceito aberto de consumidor e tratar-
se, ademais, de norma relativamente recente – 22 anos de vigência – carecendo ainda de
maior amadurecimento dos intérpretes e aplicadores da norma. Entretanto denota-se que, em
relação ao STJ, tem-se um claro apontamento pela prevalência da dita teoria minimalista
aprofundada, adotando-se uma analise mais casuística do conceito de consumidor a partir das
particularidades de cada caso concreto.
Quanto às espécies equiparadas a consumidor tem-se três tipos, primeiro a coletividade
de pessoas ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, bem
como as vítimas de acidentes causados por produtos defeituosos, mesmo que não os tenham
adquirido, bem ainda as pessoas expostas às práticas comerciais e contratuais abusivas
previstas no Arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC.
O CDC trouxe em seu art. 3º o conceito de fornecedor:
Art. 3º toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Portanto, fornecedor é todo aquele comerciante, industrial, segurador, banqueiro,
público ou privado, responsável pela oferta de produtos e serviços no mercado, de forma que
satisfaça a necessidade do consumidor e ofereça as devidas informações sobre o produto ou
serviço e a segurança que dele se espera. Diferente disso, o fornecedor é responsável por
eventuais danos causados ao destinatário final do produto ou serviço (GRINOVER, 2005).
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
457
Embora o Código tenha claramente adotado um conceito amplo de fornecedor tem-se,
na prática, fortes debates acerca do enquadramento ou não de determinadas atividades
enquanto relação de consumo. Nesse sentido pode-se citar o caso das instituições bancárias,
dos planos de saúde e das instituições e previdência privada complementar3.
Definidas as partes, constitui-se basicamente uma Relação de Consumo, envolvendo de
um lado, o adquirente do produto ou serviço, buscando a satisfação de uma necessidade
privada, e de outro lado, o fornecedor ou vendedor de produtos ou serviços.
2 TEORIA DA QUALIDADE
O CDC parte de uma premissa expressamente estabelecida em seu próprio texto4 de que
o consumidor é vulnerável em relação ao fornecedor. Ou seja, é um instrumento normativo
que surge para regular uma relação desigual em sua origem, na qual o consumidor,
principalmente por estar carente de informações, está suscetível a ser prejudicado pelo
fornecedor que, por sua vez, em regra, detém todas as informações a respeito dos produtos e
serviços colocados no mercado.
A partir dessa compreensão busca o sistema normativo de proteção reduzir ou até
mesmo eliminar essa assimetria fornecendo ao consumidor ferramentas de proteção e de
defesa buscando assim equilibrar a relação que era desigual na origem e, a partir desses
instrumentos de proteção e defesa passa a ser paritária, em tese.
Por esse motivo, como afirmam Bruno Miragem e Cláudia Lima Marques (2011), o
Código estabeleceu a chamada “Teoria da Qualidade”, segundo a qual a qualidade dos
produtos e serviços colocados no mercado passa a ser uma exigência legal que deve ser
cumprida devidamente pelo fornecedor, deixando assim de ter uma conceituação meramente
adjetiva para alcançar o patamar de dever jurídico propriamente dito.
A partir do texto normativo pode-se dizer que referida teoria se desdobra em três
aspectos centrais: 1) Qualidade na adequação de produtos e serviços; 2) Qualidade na
3 As instituições bancárias debateram fervorosamente a aplicabilidade do CDC aos serviços financeiros, tendo ao final vencido a interpretação de aplicação da norma tanto junto ao STF através da Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADIn 2591, quanto ao STJ que editou a Súmula 297: Sum. 297 Código de Defesa do Consumidor - Instituições Financeiras – Aplicação; Há ainda as súmulas do STj relativas aos planos de previdência privada complementar: Sum. 321 O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes; e planos de saúde: Sum. 469 Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. 4 Art. 4º [...], I – Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
458
informação repassada ao consumidor; e 3) Qualidade na segurança dos produtos e serviços
colocados no mercado. A exigência do legislador nesses três aspectos decorre também da
confiança que o consumidor deposita no fornecedor visto que caso o consumidor soubesse
que um desses liames da qualidade seria quebrado, ou não observado, certamente optaria,
caso pudesse, não adquirir ou utilizar referido produto ou serviço.
A qualidade na adequação significa o devido funcionamento dos produtos e serviços de
acordo com as especificações do modelo desenvolvido e da expectativa legitima gerada no
consumidor a partir da publicidade e da informação repassada a ele seja pela via do vendedor
ou de encartes e manuais que acompanhem o produto ou serviço. Caso o produto ou serviço
se revele inadequado ao fim que se destino o fornecedor ira responder pelo vício, na forma
dos art. 18, 19 e 20 do CDC5, obrigando-se a repará-lo ou, a depender do caso, efetuar troca,
devolução da quantia paga, reexecução do serviço ou abatimento proporcional no preço.
Em relação à informação, diversas são as passagens legais em que o legislador insiste
no dever de o fornecedor informar o consumidor adequadamente. A qualidade na informação,
portanto, pode ser aliada aos dois outros aspectos posto que uma publicidade enganosa pode
gerar uma inadequação do produto ou serviço, não por um vício propriamente dito, mas por
uma informação inverídica repassada ao consumidor.
Do ponto de vista da segurança, tanto os produtos e serviços podem gerar danos aos
consumidores por conta de um defeito de fabricação e execução como também podem
5 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.
Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - o abatimento proporcional do preço; II - complementação do peso ou medida; III - a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
459
acarretar danos a falta de informação precisa e adequada para o uso seguro dos produtos e
serviços por parte do consumidor. Em todo caso, havendo dano, o fornecedor será obrigado a
reparar na forma dos arts. 12, 13 e 14 do Código6.
Atua o direito a informação de forma preventiva, visando evitar danos ao consumidor
por desconhecimento ou pelo uso incorreto de produtos e serviços, sobretudo aqueles que
naturalmente trazem riscos na sua utilização como produtos inflamáveis, tóxicos e cortantes.
Tal perspectiva é depreendida a partir dos arts. 8, 9 e 10 do CDC:
Art. 8º Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto. Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. § 1º - O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
A respeito do dever de qualidade na informação assim afirma Rizzatto Nunes (2012, p.
479):
Aqui há um complemento da exigência anterior. Por informações precisas a lei quer impedir o uso de termos vagos e/ou ambíguos. Quer que se evitem os vocábulos e proposições imprecisas, portanto. Não pode o fornecedor usar de expressão do tipo : “é mais adequado tomar o medicamento a tal hora”, “este produto é mais forte que o produto X” etc. Note-se que, às vezes, a imprecisão urge da utilização concreta do produto ou serviço. Em relação aos produtos, há um exemplo de caso corriqueiro e generalizado por diversos deles. É o do prazo de validade. Atualmente a maior parte dos produtos perecíveis ostenta prazo de validade na embalagem. Mas muitos deles não informam quanto tempo o produto dura depois de aberto.
Percebe-se, assim, que a informação deve sempre ser a mais completa possível
garantindo assim a minimização dos eventuais riscos existentes no consumo de produtos e
serviços. Além do dever de informação é indispensável que o fornecedor adote mecanismos
6 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.[...] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
460
de manutenção e controle de qualidade dos seus produtos e serviços, evitando a exposição
indevida do consumidor a eventuais riscos
3 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE TRANSPORTE
As análises deste artigo tratam de um serviço público prestado por empresas privadas,
por meio de concessões, permissões ou autorizações do estado, para que exerçam a atividade
de transporte terrestre interestadual de passageiro.
A Constituição Federal no art. 21, inciso XII, alínea “e”, afirma que: “compete a União,
explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de
transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros”.
O Art. 175 da Constituição Federal “incumbe ao Poder Público, na forma da lei,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos.”
Parágrafo único - A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado.
A concessão de serviço público é a delegação de sua prestação, feita pelo poder
concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou
consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco
e por prazo determinado.
Entende-se por permissão de serviço público a delegação, a título precário, mediante
licitação da prestação de serviços públicos, feitos pelo poder concedente à pessoa física ou
jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. 7, em
conformidade com o Art. 2, II e IV da Lei n° 8.987 de 13 de fevereiro de 1995. A concessão
de serviço público ocorre quando o estado atribui o exercício de um serviço à iniciativa
privada, por sua conta e risco, nas condições fixadas pelo próprio Poder Público.
A outorga de concessão, permissão e de autorização concedida para a operação desses
serviços compete à Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, conforme dispõe a
7 Art. 2, II e IV da Lei Nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
461
Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001. A Lei nº 7.783, de 28 de Junho de 1989, em seu art. 10,
relaciona o transporte coletivo como serviço e atividade essencial indispensável.
Destarte, o transporte terrestre interestadual de passageiros, trata-se de um serviço
público essencial e, de acordo com os dados provenientes da ANTT, responsável por uma
movimentação superior a 140 (cento e quarenta) milhões de usuários/ano. 8
Para a incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, deve-se verificar
primeiramente a existência de uma relação de consumo. No caso em tela, considera-se
consumidor aquele que adquire uma passagem com interesse particular de transporte terrestre
interestadual como destinatário final e, fornecedor, a empresa de concessionária de ônibus,
prestadora de serviço, assumindo uma obrigação de resultado, fornecendo a segurança que o
consumidor dele pode esperar.
Dadas as circunstâncias há uma clara relação de consumo, com a plena aplicabilidade
do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. O CDC, em seu art. 22, assevera que:
Art. 22. os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.
Desse modo, o serviço considerado defeituoso, quando não fornece a segurança que o
consumidor dele legitimamente pode esperar, entre as quais o modo de seu fornecimento, o
resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam, o fornecedor é responsável pela
reparação de danos causados.
A proteção ao consumidor vem evoluindo com as diversas modificações que as relações
de consumo vêm apresentando nas relações sociais, jurídicas e econômicas. De todos os
contratos, o contrato de transporte é, talvez, o de maior relevância jurídica e social, dado o
elevado numero de pessoas que o utilizam o serviço.
3.1 Características do serviço de transporte terrestre, jurisprudência e a
responsabilidade civil
8 ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, extraído do site http://www.antt.gov.br/passageiro/apresentacaopas.asp.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
462
O contrato de transporte terrestre de passageiros trata-se de um contrato de adesão,
significando que o consumidor ao adquirir a passagem, adere às condições previamente
impostas pelo fornecedor do transporte. Esse, por sua vez, assume uma obrigação de
resultado: a empresa obriga-se a garantir o bom êxito da viagem, evitando qualquer
acontecimento que venha a causar um possível dano, conduzindo o consumidor são e salvo ao
local de destino. (GRINBERG, 2001, p. 286)
Anterior ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor o Decreto Legislativo
2.681/1912, foi a primeira lei a tratar sobre a responsabilidade do transportador e que regulava
a responsabilidade civil nas estradas de ferro, que por analogia, a doutrina e jurisprudência,
estenderam aos demais transportes. De acordo com o Decreto n° 2681 de dezembro de 1912:
Art. 17. As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea. A culpa será sempre presumida, só se admitindo em contrário alguma das seguintes provas: I - caso fortuito ou força maior; II - culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada. O decreto admite como excludentes de responsabilidade somente nos casos de forca maior, o caso fortuito e a culpa exclusiva da vitima ou de terceiros.
A súmula Jurisprudencial predominante do Supremo Tribunal Federal (STF), nº 187
assevera que “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro,
Não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.”.
Ainda com base no decreto o Superior Tribunal de Justiça, afastou o assalto como
excludente de responsabilidade pelo caso fortuito ou forca maior, tendo em vista a freqüência
de acontecimentos similares ao caso.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTRADA DE FERRO. MORTE DE PASSAGEIRO EM DECORRENCIA DE ASSALTO NO INTERIOR DE COMPOSIÇÃO FERROVIARIA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. - O CASO FORTUITO OU A FORÇA MAIOR CARACTERIZA-SE PELA IMPREVISIBILIDADE E INEVITABILIDADE DO EVENTO. NO BRASIL CONTEMPORANEO, O ASSALTO A MÃO ARMADA NOS MEIOS DE TRANSPORTE DE CARGAS E PASSAGEIROS DEIXOU DE REVESTIR ESSE ATRIBUTO, TAL A HABITUALIDADE DE SUA OCORRENCIA, NÃO SENDO LICITO INVOCA-LO COMO CAUSA DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. - INTELIGENCIA DO ART. 17, PAR. 1., DO DECRETO LEGISLATIVO N. 2.681, DE 07.12.912. - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. INDENIZAÇÃO CALCULADA DE ACORDO COM A ESPERANÇA DE VIDA PREVISTA NA TABELA DO MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
463
- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (STJ, Resp 50.129-6, 4.ª T., j. em 29.08.1994)
A matéria sobre a responsabilidade civil nos serviços públicos evoluiu ainda mais com a
Constituição Federal de 1988, em seu art.37, §6º, estabelecendo que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O CDC reforçou a questão da responsabilidade do transportador, tratando do caso com
maior vigor, no que tange a excludente de responsabilidade, o fornecedor não se exime nos
casos de forca maior e caso fortuito. Admitindo somente os casos em que o fornecedor prove
que prestado o serviço o defeito inexiste, mantendo a culpa exclusiva da vitima ou de terceiro.
Com a vigência da Lei 8.078/90 o STJ, manifestou-se que o decreto não se encontra
revogado pelo CDC no que tange a responsabilidade das estradas de ferro e, por analogia, das
rodovias, e suas excludentes.
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE. ACIDENTE SOFRIDO POR PASSAGEIRO. VÍTIMA FATAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEC. N. 2.681/12. FATO DE TERCEIRO. FATOR DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE. INEVITABILIDADE E IMPREVISIBILIDADE. REEXAME DE PROVA. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. DANO MORAL. É DEVER DA TRANSPORTADORA CONDUZIR O PASSAGEIRO INCÓLUME ATÉ O LOCAL DE DESTINO. FALECENDO PASSAGEIRO EM RAZÃO DE ACIDENTE EM ESTRADA HÁ CULPA PRESUMIDA DA EMPRESA DE TRANSPORTE INTERESTADUAL, SOMENTE ELIDIDA PELA DEMONSTRAÇÃO DE CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR OU CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA (ART. 17 DO DECRETO 2.681/12). O DECRETO 2.681/12 NÃO SE ENCONTRA REVOGADO PELO CDC NO QUE TANGE A RESPONSABILIDADE DAS ESTRADAS DE FERRO E, POR ANALOGIA, DAS RODOVIAS, E SUAS EXCLUDENTES. PERSISTE ASSIM, APLICÁVEL A SÚMULA 187/STF QUE DETERMINA QUE "A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO TRANSPORTADOR, PELO ACIDENTE COM O PASSAGEIRO, NÃO É ELIDIDA POR CULPA DE TERCEIRO, CONTRA O QUAL TEM AÇÃO REGRESSIVA". INSERINDO-SE O FATO DE TERCEIRO NOS RISCOS PRÓPRIOS DO DESLOCAMENTO E ESTABELECENDO O ACÓRDÃO A QUO NÃO TER SIDO IMPREVISÍVEL O SINISTRO NÃO É ESTE FATOR EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. (BRASIL, STF, Resp 50.129-6, 1984) (STJ, Resp 293292/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.08.2001)
Diante de diversas normas esparsas tratando sobre o tema, na exposição de motivos do
anteprojeto do Código Civil, em janeiro de 1975, o Prof. Miguel Reale destacou o fato de ser
disciplinado o contrato de transporte, já que o código de 1916 não tratava da matéria.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
464
Desse modo, a Lei 10.406, de janeiro de 2002, trouxe o capitulo XIV, com 26 artigos
dispondo sobre o transporte de pessoas e de coisas. Tem-se, portanto, o Decreto lei que regulo
a matéria por longo tempo, o Código do Consumidor não revoga o decreto e aplica-se
conjuntamente, a Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil e o Código Civil
trouxe um capitulo sobre o tema.
Não há como admitir, nos dias de hoje, é que a vítima não seja indenizada, pelo dano
causado pelo transportador. (GRINBERG, 2001, p. 288-289)
Com o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, por tratar-se o contrato
de transporte, conforme já demonstrado neste trabalho, de uma típica relação de consumo,
passaram suas normas a regular essa relação, principalmente, no tocante às normas
contratuais, arts. 46 a 54, e as normas de responsabilidade civil por vício ou defeito, arts. 12 a
25.
Importante observar que o Código não revogou a Lei das estradas de Ferro, Dec.
2681/12, pois este já previa a responsabilidade objetiva em seu artigo 17, quando afirma na
parte final que a culpa será sempre presumida, somente excepcionando o caso fortuito, a força
maior e a culpa exclusiva do passageiro.
Embora a responsabilidade fosse claramente objetiva, numa interpretação estritamente
gramatical, é possível defender que a responsabilidade é subjetiva com culpa presumida,
cabendo ao transportador tão somente o ônus de provar sua falta de culpa. No entanto, a
melhor jurisprudência já havia evoluído na consideração da responsabilidade como objetiva.
As excludentes de responsabilidade consideradas nesse decreto eram somente o caso
fortuito, a força maior e culpa exclusiva de terceiro, temas abordados no primeiro capítulo.
Todavia, cabe ressaltar que tão forte já era a presunção de responsabilidade do transportador
que, mesmo na incidência de caso fortuito, diferençava-se o fortuito interno do fortuito
externo, considerando como excludente somente o segundo, pois o primeiro seria um fortuito
relativo à atividade do transporte como problemas mecânicos, sendo portando um risco da
atividade, devendo ser suportado pelo transportador mesmo sendo imprevista e inevitável, já o
fortuito externo é um fato estranho à atividade.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
465
O CDC, portanto, nada inovou ao consolidar a responsabilidade objetiva nos arts. 14 e
20, pois assim já era desde 1912, todavia o código deixou de considerar excludente de
responsabilidade o caso fortuito e a força maior, nos termos do §3º do art. 14:
§3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva de consumidor ou de terceiro.
Reduziram-se, então, as possibilidades de exclusão da responsabilidade, passando a
responsabilização ser mais forte, pois somente seria elidida em caso da não existência do
defeito, não prestação do serviço ou culpa exclusiva de consumidor ou de terceiro. Embora o
código não tenha adotado como excludente a força maior e o caso fortuito nas relações de
consumo, a jurisprudência ainda não havia se consolidado nesse sentido.
Em 2002, houve uma nova mudança no tocante aos contratos de transporte, já que o
Código Civil passou a regulá-los de forma específica em seu capítulo XIV o transporte de
pessoas e coisas, inovando na lacuna existente no Código de 1916.
Passou-se a ter, então, uma legislação atual regulando o transporte que até então
somente contava com legislação esparsa e, em alguns casos, aplicada por analogia, súmulas,
entendimentos jurisprudenciais e com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
As primeiras perguntas a ser respondidas são: o Código Civil revogou o Dec. 2681/12?
As normas do CDC de responsabilidade por vício ou defeito do serviço deixam de ser
aplicadas aos contratos de transporte em detrimento da legislação civil mais específica?
A primeira vista, a resposta para ambas poderia parecer verdadeira, uma vez que o
Código Civil tanto é norma mais recente, como mais específica. Contando assim com dois
fundamentos hermenêuticos de resolução de conflitos aparente de normas, entretanto, diverso
é o entendimento, pois apenas a Lei das Estradas de Ferro de 1912 foi revogada pelo Código
de 2002 devido sua regulação específica, todavia, o Código de Defesa do Consumidor pode
ser aplicado em conjunto com o Código Civil efetivando-se nos termos do art. 7º co CDC
aquilo que Cláudia Lima Marques (2004, p.18) chama de “diálogo das fontes”.
Defende-se, por fim, uma aplicação conjunta da legislação que em nada é contraditória,
não devendo, entretanto, haver uma subsidiariedade por conta de atualidade ou especificidade
da matéria, o determinante da aplicação deverá ser o benefício ao consumidor, o julgador e
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466
intérprete deverão verificar, no caso concreto, qual será a norma mais benéfica ao
consumidor.
4 RESPONSABILIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS NOS CASOS DE
ASSALTOS, ACIDENTES E ATRASOS
Um dos temas mais polêmicos atualmente no Brasil é o chamado “caos” aéreo. Um
problema similar a esse, mas com um menor enfoque da mídia e com certeza de maior
relevância, são os problemas que apresentam o transporte terrestre de passageiros.
O aumento da utilização dos vôos para viagens interestaduais tem aumentado de
maneira expressiva, acontece que, o transporte terrestre interestadual ainda é o mais utilizado
pela maioria do povo brasileiro. Por isso, há necessidade de se realizar um estudo sobre a
responsabilidade das empresas de transporte terrestre nas relações de consumo. A seguir, os
atrasos, acidentes e assaltos, serão os temas em análise.
4.1 Atrasos
A questão do atraso é deveras recorrente em todos os meios de transporte, entretanto, é
necessário coibir essa prática abusiva. Tanto o Código de Defesa do Consumidor (CDC)
como o Código Civil determinam a execução adequada e de acordo com o estabelecido
previamente, estabelecendo sanções a eventuais descumprimentos do contrato.
O atraso caracteriza-se como um vício de qualidade do serviço, de acordo com o art. 20
do CDC.
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
Toda e qualquer prestação de serviço deverá ser executada de acordo com as
informações claras e precisas prestadas pelo fornecedor anteriormente à contratação do
serviço. Isso se trata de um principio básico do direito do consumidor, conforme trata o art. 6,
III do código.
Art. 6º São direitos básicos do consumido: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
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467
Consequentemente ao dano causado, o artigo supracitado garante a efetiva prevenção e
reparação dos danos, patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.9
Ressalte-se que o Código Civil também prevê em seu art. 737 a obrigação do
transportador de cumprir com os horários e itinerários previstos, salvo motivo de força maior,
sob pena de responder por perdas e danos. Entretanto, a excludente de responsabilidade não
deve ser aplicada tendo em vista que o CDC não adota força maior como excludente, sendo
assim norma mais benéfica ao consumidor.
Cabe, portanto, à empresa transportadora o ônus garantir o transporte de passageiros no
horário e da forma acordada, devendo esta responder sempre que houver atrasos injustificados
perante a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e reparar todo e qualquer dano
eventualmente causado aos passageiros por conta do atraso, mesmo decorrentes de caso
fortuito ou força maior.
4.2 Acidente
A questão do acidente no serviço de transporte terrestre é tema de extrema relevância
social. Com estradas esburacadas, falta de sinalização, motoristas imprudentes, empresas
clandestinas, falta de fiscalização eficiente e de manutenção adequada, o consumidor é
duramente lesado, sofrendo graves danos e em alguns casos vindo a óbito por conta de
acidentes.
O grande número de pessoas economicamente desfavorecidas10 que utilizam esse
serviço, bem como a falta de informação adequada também contribui para esse fato alarmante.
A prestação de serviço conforme prevê o CDC deverá ser realizado de maneira adequada e
que ofereça a devida segurança que o consumidor legitimamente esperara.
Poderá o acidente, dependendo de sua extensão, corresponder tanto a um vício como um
defeito do serviço, será vício sempre que o acidente somente corresponder a uma avaria no
veículo, ou um problema mecânico que retarde a viagem. Será defeito sempre que o acidente
ocasionar dano a qualquer dos passageiros ou terceiro envolvido no acidente, na qualidade de
9 Art. 6º, VI, do Código do Consumidor. 10 Em estudo realizado no Rio de Janeiro constatou-se que 66,9% dos passageiros tinham até o ensino médio completo, sendo que desses 23,9% tinham até o ensino fundamental; enquanto que 94,7% contam com renda familiar até R$ 2.000,00 per capta, sendo que desses 56,1% a renda per capta é menor do que R$ 1.000,00.
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consumidor equiparado, ainda que o dano seja exclusivamente moral como um trauma gerado
pela experiência trágica.
Também pode o acidente ser considerado defeituoso por não gerar a segurança esperada
pelo consumidor, de acordo com o §1º do art. 14 do CDC.
Em ambas as hipóteses, o consumidor fará jus a uma compensação, no caso de vício
poderá exigir, nos termos do art. 20 a reexecução do serviço, a restituição da quantia paga ou
o abatimento proporcional no preço.
A empresa transportadora tem ainda a obrigação de concluir o trajeto contratando um
transporte da mesma categoria ou, em havendo concordância do passageiro em veículo de
modalidade diferente, correndo às suas custas ainda alimentação do transportado durante a
espera do novo transporte, conforme preconiza o art. 741 do Código Civil. Em caso de
defeito, terá a empresa transportadora o ônus de indenizar todos os danos eventualmente
sofridos, sendo sua responsabilidade objetiva de acordo com o art. 14 do CDC.
Nos casos de acidente não se aplicam as excludentes de responsabilidade caso fortuito e
força maior, tendo em vista que o CDC não as previu, incluindo-as no risco da atividade
exercida. A excludente de culpa exclusiva de terceiro também não é aplicável por expressa
determinação do Código Civil no art. 735 deste diploma, que codificou a orientação da
súmula 187 do Supremo Tribunal Federal, descrita acima.
Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
Nesse sentido, a responsabilidade de indenização por acidente no contrato de transporte
é objetiva, admitindo como única excludente de responsabilidade a culpa exclusiva da vítima
pelo §3º, inciso I, primeira parte, do art. 14 do CDC.
Destaque-se que a compensação a que se faz referência neste tópico não fica ilidia por
conta de eventual recebimento do seguro obrigatório DPVAT11.
11 O seguro foi instituído pela Lei 6.194/74 e tem a finalidade de Cobrir Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre sem inibir, todavia, a responsabilidade do condutor. Fonte: http://www.dpvatsegurodotransito.com.br
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469
4.3 Assaltos
A aplicação da responsabilidade civil de forma objetiva causa discordâncias em todos os
temas apresentados até o presente momento. Porém, um dos temas de maior divergência é o
caso dos assaltos no decorrer do transporte terrestre.
A obrigação de indenizar sem a incidência de culpa, segundo a norma aplicável a
relação de consumo considera que, fato humano cujo efeito não era possível evitar ou
impedir, não pode excluir a responsabilidade do fornecedor, principalmente, quando do fato
ocorrido causar danos ao consumidor.
A jurisprudência vem adotando a teoria do “caso fortuito”, afastando totalmente a
responsabilidade do fornecedor no caso em tela. Destaque-se que não há consenso quanto a
conceituação de caso fortuito e força maior como assevera Pablo Stolze (2012, p. 159):
Sem pretender por fim a controvérsia, pois seria inadmissível a pretensão, entendemos, como já dissemos alhures, que “a característica básica da força maior é sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (terremoto por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez tem sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Nesse última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento, roubo)”.
Com voto vencido, a Terceira Turma12, ficou assentado que “o assalto à mão armada
configura força maior, de ordem a excluir a responsabilidade do transportador”. O voto
vencido entendia que
O assalto à mão armada nos meios de transporte de cargas e passageiros deixou de revestir esse atributo, tal a habitualidade de sua ocorrência, não sendo lícito invocá-lo como causa de exclusão da responsabilidade do transportador, notadamente quando este, prevendo a possibilidade do evento, efetua cobertura contra roubo. (REsp nº 65.761/SP, Relator para o acórdão o Ministro Costa Leite, vencido o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 17/12/99.)
Destaca-se novamente a aplicação do Código do Consumidor nos contratos de
transporte terrestre, bem como a responsabilidade de prestar o serviço de maneira adequada,
cumprindo com a obrigação, oferecendo segurança que legitimamente se espera dele,
conforme o art. 14 do mesmo diploma legal. 12 Nos termos do art. 104 da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88, o Superior Tribunal de justiça – STJ é composto de, pelo menos 33 Ministros. O Tribunal é dividido da se4guinte forma: A Primeira e a Segunda turmas compõem a Primeira Seção, especializada em matérias de Direito Público; a Terceira e a Quarta turmas, a Segunda Seção, especializada em Direito Privado; e a Quinta e a Sexta turmas, a Terceira Seção, especializada em matérias de Direito Penal e Previdenciário, além de temas de Direito Público e Privado não cobertos pelas outras seções. Fonte: www.stj.jus.br
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
470
Assim, não deve prosperar esse entendimento, tendo em vista a real aplicabilidade do
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a causa de excludentes de responsabilidade já
tratadas nos tópico acima, não exclui a obrigação de indenizar o caso fortuito e forca maior.
Martinho Garcez Neto (2005, p. 103) destaca que:
As empresas de transporte, para conseguirem a concessão do serviço publico, que exploram vantajosamente, assumem prévia, consciente e deliberadamente, a obrigação de transportar incólume o passageiro do ponto inicial ao terminal da viagem. Sabem que assumem um risco contratual que as torna responsáveis no caso de acidente com o passageiro no curso da viagem. Não podem, portanto, honestamente, desembaraçar-se dessa obrigação, atirando a responsabilidade sobre os ombros do terceiro, cujo procedimento não podia deixar de entrar em suas cogitações, por isso que vinculado à exploração comercial da transportadora.
Deve-se acolher, portanto, a teoria do risco da atividade, uma vez que assumida a
obrigação de transportar pessoas ou coisas, obrigatoriamente tem-se de responsabilizar pelos
eventuais danos causados aos consumidores que contratam o serviço de transporte.
Um antigo precedente da Quarta Turma no sentido de que:
(...) caso fortuito e a força maior caracterizam-se pela imprevisibilidade do evento. No Brasil contemporâneo, o assalto à mão armada nos meios de transporte de cargas e passageiros deixou de revestir esse atributo, tal a habitualidade de sua ocorrência, não sendo lícito invocá-lo como causa de exclusão da responsabilidade do transportador (REsp nº 50.129/RJ, Relator o Ministro Torreão Braz, DJ de 17/10/94.)
Enéas de Oliveira Matos (1997, p. 150), depois de traçar um panorama da
responsabilidade no transporte, particularmente na doutrina francesa, afirma que não pode ser
“definido o assalto como imprevisível, vez que se transformaria em verdadeiro privilégio para
o transportador, que se exoneraria da responsabilidade, e não cuidaria para evitá-lo, e estímulo
para o delinqüente, que se estimularia para o crime com a falta de precauções das
composições férreas ou rodoviárias”. Estranho seria admitir que hoje em dia que o assalto se
tornou um caso imprevisível, a despeito de ser alheio ao âmbito de atuação da empresa
prestadora.
CONCLUSÃO
Durante o trabalho, ficou evidente a grande divergência do tratamento dado pela
legislação, doutrina e jurisprudência ao tema de responsabilidade das empresas
transportadoras rodoviárias nos casos de atrasos, acidentes e assaltos.
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471
No desenvolver do trabalho, constatou-se que os maiores problemas são: I – Indefinição
sobre legislação aplicável ao caso; II - incidência ou não de excludentes de responsabilidade,
e quais; III - falta de políticas públicas para redução dos problemas apresentados; IV - Meios
alternativos para a solução desses conflitos; V – Demora a o pagamento de indenizações,
sempre estando o consumidor fadado a esperar, por tempo indeterminado, a morosidade do
judiciário.
Pode-se concluir, primeiramente, que a legislação aplicável ao caso de responsabilidade
é o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo o Código Civil aplicável tão somente
à regulação dos contratos, bem como nos casos em que for mais benéfico ao consumidor.
Com a incidência do CDC, as excludentes de responsabilidade limitam-se à culpa
exclusiva da vítima e de terceiro, excludente essa que, no caso de acidente, é também afastada
pelo Código Civil. Dessa forma, nos casos de assalto e atraso incidem apenas as excludentes
de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, enquanto que no acidente incide apenas culpa
exclusiva da vítima.
Existem, entretanto, grandes perspectivas de as políticas públicas auxiliarem nas
prevenções contra os problemas apresentados. Aponta-se, contudo, que há falta de informação
assim como de atuação de alguns órgãos públicos que poderiam auxiliar na redução de alguns
problemas. Há explicações oficiais que o maior índice de acidentes ocorrem nos transportes
fretados, aqueles em que escolas, entidades, igrejas etc. costumam alugar para viagens e
passeios, que acabam, lamentavelmente, em tragédia. O problema, neste caso, está nos
transportes que circulam sem autorização ou na posse desta, o motorista não é habilitado.
Nota-se que uma relação entre o Ministério do Transporte e o Departamento de
Proteção e Defesa do Consumidor na elaboração de cartilhas de orientação aos passageiros –
consumidores, no que tange a contratação de transporte é absolutamente imprescindível e que
passariam aos passageiros uma maior segurança no momento das contratações das empresas
de transportes.
As jurisprudências vêm excluindo a responsabilidade dos transportadores nos casos de
assalto, como apresentado neste estudo. Os órgãos que atuam na defesa do consumidor
necessitam de meios para atuar no presente caso. Neste particular, a proposta seria auxiliar os
órgãos mais procurados pelas pessoas que utilizam esse tipo de serviço. O Procon é um
exemplo disso. O entendimento desse órgão é orientado pelas notas técnicas emitidas pelo
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
472
Departamento de Proteção Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça. Assim, torna-se
necessária a emissão de notas sobre a aplicação do CDC ao tema, responsabilizando o
fornecedor de forma objetiva, somente incidindo excludentes de responsabilidade na forma
supracitada, unificando, dessa maneira, a atuação dos órgãos de defesa do consumidor nesse
setor.
Outra proposta para os problemas aqui apontados refere-se a uma cobrança do DPDC
junto ao Governo Federal, no melhoramento como um todo deste setor, aperfeiçoando tanto a
estrutura física das estradas e fiscalização das empresas circulantes, como também um maior
policiamento nos trechos críticos de assalto, além da criação de postos oficiais de parada,
uniformizando os locais. Acredita-se que nessa especificidade, o consumidor contrataria um
serviço de transporte terrestre mais eficiente e dele receberia todas as informações relativas ao
contrato com clareza e de forma prévia, garantido a efetivação de seus diretos básicos.
Além disso, também se mostra como viável desenvolver um projeto de criação de
fundo, junto às empresas de transporte e ao Governo Federal para a indenização de vitimas de
acidentes, assaltos e outros eventos que causam danos aos passageiros, visando uma solução
mais rápida e eficaz para o problema da indenização das vitimas evitando longas e custosas
ações judiciais.
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473
BRASIL. Lei n°. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 19 mar. 2013.
BRASIL. Lei n°. 8.897, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm>. Acesso em: 19 mar. 2013.
BRASIL. Lei n°. 10.233, de 05 de junho de 2001. Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10233.htm>. Acesso em: 19 mar. 2013.
BRASIL. Lei n°. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 19 mar. 2013.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 208.793/MT. Recorrente: Fertiza Companhia Nacional de Fertilizantes. Relator: Carlos Alberto Menezes Direito. Diário de Justiça. Brasília. 02 out. 2000. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 50129/RJ. Recorrente: Eli Rodrigues Honorato. Relator: Antônio Torreão Braz. Diário de Justiça. Brasília. 17 out. 1994. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 293.292/SP. Recorrente: Viação cometa S/A. Relator: Nancy Andrighi. Diário de Justiça. Brasília. 08 out. 2001. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 716.877/SP. Recorrente: Scania Latin America LTDA. Relator: Ari Pargendler. Diário de Justiça. Brasília. 26 abril 2007. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo nº 552.268/RS. Agravante: Banco do estado do Rio Grande do Sul – S/A. Relator: Carlos Alberto Menezes Direito. Diário de Justiça. Brasília. 16 ago. 2004. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591. Requerente: Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF. Relator: Carlos Velloso. Diário de Justiça. Brasília. 04 maio 2007. FREITAS, André Luis Policani; REIS FILHO, Carlos Augusto Couto; RODRIGUES, Fernando Ramos Rodrigues. Avaliação da qualidade do transporte rodoviário intermunicipal de passageiros: uma abordagem exploratória. Disponível em: <http://www.academia.edu/2650724/Avaliacao_da_qualidade_do_transporte_rodoviario_intermunicipal_de_passageiros_uma_abordagem_exploratoria> . Acesso em 10 mar. 2013. GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil, São Paulo: Saraiva, 2012.
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RESPONSABILIDADE CONSUMEIRISTA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
PELA QUALIDADE DA UNIDADE HABITACIONAL ADQUIRIDA PELO
CONSUMIDOR NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA.
CONSUMEIRISTA LIABILITY OF FINANCIAL INSTITUTION FOR
QUALITY HOUSING UNIT ACQUIRED BY CONSUMER PROGRAM IN MY
HOUSE MY LIFE.
Christine Keler de Lima Mendes1
Resumo
O presente artigo aborda a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao operador financeiro Caixa Econômica Federal não apenas no bojo da relação de financiamento bancário, mas pela qualidade das unidades habitacionais integrantes do Programa Minha Casa Minha Vida, por se tratar de contrato de financiamento imobiliário especial, integrante da Política de acesso à moradia disposta pelo Sistema de Habitação de Interesse Social, que tem finalidade social, pela natureza do programa, a instituição financeira participa também como operador do empreendimento, sendo co-responsável pela fiscalização técnica relativa à arquitetura, engenharia e qualidade da obra financiada, bem como das unidades habitacionais.
Palavras- chaves: acesso à moradia; operadores financeiros; qualidade do produto;
aplicação do CDC.
Abstrat
This article discusses the applicability of the Code of Consumer Protection at the Federal Savings financial operator not only in the core of the relationship of bank financing, but the quality of the housing units members of the Minha Casa Minha Vida, because it is a contract of mortgage particular integral policy affordable housing arranged by the System for Social Housing, which has a social purpose, the nature of the program, the financial institution also participates as operator of the project, being co-responsible for technical oversight on the architecture, engineering and quality of the work funded as well as residential units.
Keywords: access to housing; financial operators; Product quality; application of CDC.
1 Professora de Direito Civil da FITS/AL, mestranda PUC/PR – MINTER
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Sumário: Sumário: 1. Introdução; 2. Da proteção do consumidor como política econômica. 3. Direito à moradia: Direito Social que se implementa por relação de consumo. 4. Responsabilidade consumeirista do operador financeiro pela qualidade da unidade habitacional adquirida pelo Programa Minha Casa Minha Vida. 5. Conclusão
1. Introdução
O problema de acesso à moradia não é eventual ou casuístico, decorre do
contexto histórico econômico do nosso país, situação que se agravou após os reflexos da
revolução industrial, com o acirramento do êxodo rural e a falta de estrutura das cidades
e falta de politicas publicas para receber o contingente de trabalhadores que buscavam
melhoria de condições de vida.
Atrelado a essa questão social, o direito à moradia sempre se atrelou a noção de
propriedade, e no contexto do modo de produção capitalista, o acesso a esse direito se
elitizou, restando aos menos favorecidos a ocupação irregular, situação que desenhou o
espaço geográfico do país.
Apenas em 2000 com a Emenda 26, a moradia passou a ser prevista
explicitamente como direito fundamental social, exigindo do Estado a implementação
de políticas públicas, afim de que o cidadão acessasse esse direito do qual decorre o
exercício de direitos inerentes à dignidade da pessoa humana.
Com vista a garantir o direito à moradia, o Estado criou o Sistema Habitacional
de Interesse Social no escopo de facilitar e promover a construção e a aquisição da casa
própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população.
Nesse segmento a Lei 11.977/2009 previu o Programa Minha Casa Minha Vida,
programa que além de oferecer moradia pela aquisição de propriedade, através de
contrato de financiamento bancário, atribui o ônus da construção de unidades
habitacionais ao setor privado, por meio das construtoras.
Destarte, o acesso à moradia por meio do Programa Minha Casa Minha Vida
envolve três figuras contratantes: operador financeiro, empresa construtora e adquirente
de unidade habitacional, em flagrante relação de consumo, instrumentalizada por
contrato de adesão.
Nesse interim, o presente artigo pretende abordar a responsabilidade do operador
financeiro pelos vícios do produto, não obstante sua reponsabilidade como fornecedor
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
477
de serviços bancários. Para tanto na primeira seção a proteção do consumidor como
política econômica, na seção seguinte pretende abordar o acesso à moradia como a
implementação de direito fundamental social por meio de aquisição de produto de
consumo e na última seção busca explanar a responsabilidade consumeirista do
operador financeiro pela qualidade da unidade habitacional adquirida pelo Programa
Minha Casa Minha Vida.
2. Da proteção do consumidor como política econômica.
O modelo de economia capitalista avocado pelo Brasil produz, inexoravelmente,
desigualdades sociais e concentração de renda, o que gera, entre outras consequências, a
alocação capitalista de determinados grupos, produzindo segregações, deflagrando na
necessidade de efetivação estatal dos direitos fundamentais, do qual se destaca a
proteção ao consumidor.
Todos esses fatores instaram o Estado a promover a justiça social, que a primeira
vista, quer significar superações das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto
econômico. Com o passar do tempo, contudo, passa a conotar cuidados, referidos à
repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém
macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma
imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica
capitalista (GRAUS, 2012, p.224).
Desse modo, o Estado Social, de bases nacionais, busca sob a égide do Estado de
Direito exercitar o poder democrático, aberto, pluralista e idôneo para conter os efeitos
funestos e devastadores das crises de governabilidade (BONAVIDES, 2010, p. 134)
situação mais acirrada na sociedade quando capitalista, o que implica em ser
essencialmente jurídica; nela o direito atuando como mediação especifica e necessária
das relações de produção que lhe são próprias (GRAUS, 2012, p. 31).
O Estado além de garantir a execução dos direitos fundamentais é chamado a
estabelecer regras de atuação da iniciativa privada de âmbito econômico. Assim,
conforme Pereira Junior (2005) é o Estado com seu amparato normativo, executivo e
judiciário e a sociedade na busca da efetivação de seus direitos que constroem
integralmente a Política Nacional de Relações de Consumo que integra por sua vez as
bases do desenvolvimento da politica econômica.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
478
A proteção ao consumidor constitui principio fundamental da ordem econômica,
que por sua vez é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, sob o
manto do respeito à existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Como consectário as normas consumeiristas são elaboradas para a preservação
da ordem econômica e não apenas para apaziguar lesão oferecida ao consumidor. Dai a
conclusão de que o Código de Defesa do Consumidor ser parte integrante da politica
econômica vigente (Pereira Junior, 2005).
Além da politica economia se fundar na defesa do consumidor e redução das
desigualdades regionais e sociais, o Estado Social no Brasil aí está para produzir as
condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos
fundamentais (BONAVIDES, 2009 p. 378), nele incluído o direito a proteção ao
consumidor como um dos meios de minimizar os efeitos das desigualdades sociais.
Assim é incontestável a relação do direito econômico com as relações
consumeiristas. Todavia, o direito econômico e a organização da economia são reflexos
do momento histórico vivido, pois ambos refletem o bem estar da população e o nível
de qualidade de vida.
Nesse interim, o século XX despontou a sociedade de consumo, a massificação
da produção e o surgimento grupos econômicos dominantes, deflagrando no Estado que
além de perseguir interesses sociais, se molda aos interesses do modo de produção em
vigor.
Nesse cenário, o ordenamento jurídico além de conformar a intervenção estatal
nos assuntos econômicos, traz, por conseguinte, a legitimidade da atuação capitalista.
Segundo Graus “o mercado pressupõe e se sustenta na ordem jurídica vigente, cujo
funcionamento pressupõe a obediência, pelos agentes que neles atuam, de determinadas
condutas calculadas pelo cenário econômico”2. [...] “As exigências de calculabilidade e
confiança no funcionamento da ordem jurídica e na administração constituem uma
exigência vital do capitalismo racional”3.
Nesse aspecto, em que pese à consecução de um Estado titular da garantia de
direitos fundamentais, destaque para a proteção ao consumidor, o modelo capitalista,
acaba por ditar as regras as serem seguidas, em especial após o apogeu do ideal
neoliberal, onde a lógica da acumulação do capital passa a orientar e condicionar a
2 GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 50 3 Weber apud GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 31
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autonomia político-econômica dos Estados aos ditames da economia mundial, que se
concentra em criar condições favoráveis aos investidores do mercado financeiro e das
riquezas abstratas, num processo de reestruturação do próprio capitalismo que agora se
calça na financeirização da economia mundial.
Desse modo, a acumulação e da maximização da rentabilidade do capital como
principio constitutivo e organizador fundamental da economia mundo forja suas
estruturas institucionais, politicas e jurídicas, estabelece limites para os agentes e grupos
que integram e cria suas próprias regras de legitimação”.4. Tanto é assim que
disseminação das regras de livre mercado e, sobretudo, ao livre movimento do capital e
das finanças, acaba por isentar a economia do seu papel político, sendo cada vez mais
difícil, talvez até mesmo impossível, reunir questões sociais numa efetiva ação coletiva
de abrangência nacional5.
Ademais, além da proteção ao consumidor, à redução das desigualdades
regionais e sociais também constitui principio fundamental da ordem econômica e essa
função política não pode ser debelada, tanto é assim que a consecução desses princípios
deve ser seguida pela política urbana que com vistas à garantia do direito à moradia,
tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem- estar de seus habitantes.
A isenção do papel político da economia reflete na aplicabilidade das regras de
proteção ao consumidor, ainda mais quando a relação consumeirista tem por objeto um
direito fundamental que se consumeirizou, como é o caso do direito a moradia.
3. Direito à moradia: Direito Social que se implementa por relação de consumo.
Com a Emenda Constitucional n° 26/2000 a moradia passou a ser definida como
um direito social. Para Canuto6, todavia “o direito à moradia é tão elementar que chega
a ser, ao primeiro exame, dispensável a sua previsão constitucional. A Norma
Constitucional, ao inserir o direito à moradia no artigo 6º, confirmou a sua
essencialidade”.
4 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 88. 5BAUMAM, Zygmunt. Globalização, as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ED. , 1999. P 74 e 76 6 CANUTO, Elza Maria Alves. Direito a Moradia urbana: aspectos da dignidade da pessoa humana. 2010. p. 175
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480
Apesar disso, a trajetória da implementação do direito fundamental social de
moradia, por meio da política habitacional no país tem sido marcada por mudanças na
concepção e no modelo de intervenção do poder público no setor que ainda não logrou
êxito, especialmente no que se refere ao equacionamento do problema da moradia para a
população de baixa renda (SNH, 2004, p. 9).
A falta de moradia e ocupação distributiva desemboca, assim, na necessidade de
concretização de política pública habitacional atrelada a uma política econômica voltada
para aquele fim, uma vez que o acesso a terra se dá eminentemente, por mecanismo de
mercado. Entretanto, a concretização do direito a moradia ultrapassa a aspirações
sociais, sendo necessário o atendimento concomitante do interesse político econômico
da iniciativa privada.
Dessa maneira, a necessidade premente do homem à habitação “ocupa um lugar
importante no ciclo de rotação do capital, tanto privado como social: é componente
decisivo do famoso ‘consumo social médio’ que fixa o valor da força de trabalho”
(GELMAN, 2007, p.173)
A face mercadológica do direito à moradia, como política econômica tem
repercussões marcantes sobre o todo social, muitas vezes impondo custos não acusados
pelo sistema, sobretudo quando negligenciados valores outros de natureza extra
econômica (NUSDEO, 2005, p. 186). Não é à toa que, dentro da política econômica, a
expressão justiça vem basicamente identificada a uma preocupação pela redistribuição
de renda, a partir do pressuposto de o mercado funcionar, em geral, como mecanismo
concentrador desta (NUSDEO, 2005, p.177).
Ocorre que protagonismo da atividade financeira economia após a década de 90,
numa realidade ante keynesiana, onde títulos de credito é o alvo da rentabilidade e
lucratividade tem refletido em mais um entrave aos interesses sociais, e, portanto, nas
politicas sociais brasileiras, em especial o direito a moradia, visto demandarem de
peculiaridade amiúde de serem enxergadas por uma politica econômica por demais
generalista.
No contexto brasileiro a moradia tornou-se uma mercadoria especial: ela
demanda terra urbanizada, financiamento para a produção e para a venda. Nesse sentido
vincula-se com a macroeconomia ao disputar investimentos com outros ativos
financeiros, em um mercado que depende de regulação pública e subsídios ao
financiamento (MARICATO, 2001)
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481
Mesmo com essa conotação capitalista, o direito fundamental à moradia impõe
ao Estado o dever de efetivar política social de acesso à moradia. Com base nesse dever,
em 2005, foi sancionado o primeiro projeto de lei de iniciativa popular no Brasil, que
instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS que tem, entre
outros objetivos, viabilizar a população de menor renda o acesso a terra urbanizada e à
habitação digna e sustentável, por meio de implementação de políticas e programas de
investimentos e subsídios.
Em sendo a moradia um dos princípios da ordem econômica e social, o Governo
Federal, em 2007 impelido pela crise econômica internacional7, criou o Programa de
Aceleração do Crescimento8, que previa como meta o acesso à moradia.
Com base nessa meta, a Lei Federal nº 11.977 de 07 de julho de 2009 previu
politicas pública de habitação de interesse social. O seu capítulo III dispõe sobre a
regularização fundiária em áreas urbanas, reconhecendo os assentamentos informais,
que compõem a realidade da maioria das cidades brasileiras, implicando no
desenvolvimento de políticas públicas que promovam o direito à moradia adequada,
com a recuperação de áreas degradadas e com a preservação ambiental.
A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas,
urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos
irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à
moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Embora a previsão do direito à moradia por meio da regularização fundiária, a
mencionada lei também instituiu o Programa Minha Casa Minha Vida, programa, à
primeira vista, de cunho social que visa conferir, prioritariamente acesso à moradia aos
cidadãos de baixa renda.
O referido programa, não obstante, a bandeira social que ostenta não deixa de
atender aos interesses políticos e principalmente econômicos, com vista a alavancar o
7 A crise econômica internacional manifestou-se inicialmente na esfera financeira. Em 2007, alastrou-se a partir dos EUA, e no final de 2008 seus efeitos tornaram-se mais contundentes e recessivos. O ano de 2009 começou com a previsão de redução do comércio mundial, a primeira desde 1982, e de queda no produto dos países com renda per capita mais elevada. esta, com certeza, é a crise mais profunda desde a Grande depressão. 8 é um programa do governo federal brasileiro que engloba um conjunto de políticas econômicas, planejadas para os quatro anos seguintes, e que tem como objetivo acelerar o crescimento econômico do Brasil,[2]prevendo investimentos totais de R$ 503,9 bilhões até 2010, sendo uma de suas prioridades o investimento em infra-estrutura, em áreas como saneamento, habitação, transporte, energia e recursos hídricos, entre outros.
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482
mercado financeiro, em especial, o setor imobiliário e a construção civil, que estava a
passos curtos da crise mundial.
Assim o Programa Minha Casa Minha Vida, ganhou enorme evidencia em
relação à politica de regularização fundiária urbana pelo seu cunho mercadológico, com
finalidade de criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades
habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de
habitações rurais para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil,
seiscentos e cinquenta reais), compreendendo os seguintes subprogramas: Programa
Nacional de Habitação Urbana - PNHU; e Programa Nacional de Habitação Rural –
PNHR.
O Programa Minha Casa Minha Vida implementa o acesso a moradia por meio
de um programa gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela Caixa
Econômica, com a parceria dos estados e municípios.
O referido programa confere ao cidadão de baixa renda, além de benefício
pecuniário, o acesso ao contrato de financiamento habitacional como meio de
viabilização da aquisição da casa própria.
Embora seja um direito fundamental social, o direito à moradia no Brasil,
garantida pela atual política de habitação, confere ao cidadão o acesso à propriedade, o
que leva compreensão convergente dos conceitos de moradia, habitação e propriedade
numa maestria mercadológica, fazendo-se revestir-se dos Princípios da Função Social
das Cidades e da Propriedade para ganhar credibilidade.
Nesse ínterim, o Programa Minha Casa Minha Vida, política integrante do Plano
Nacional de Habitação tem por escopo conferir ao cidadão de baixa renda o acesso à
moradia pela aquisição da propriedade privada do imóvel, por meio de contrato de
financiamento bancário, após a concessão de subsidio público.
Incitar a produção de moradias parece então duplamente atraente: estimulam-se
as indústrias, geram-se empregos e enfrenta-se uma questão candente na sociedade
brasileira - a absoluta precariedade que caracteriza a moradia da maior parte da
população. Será? (ROLNIK e NAKANO, 2009).
Disso se extrai que a política atual de habitação para o cidadão de baixa renda
está atrelada ao movimento econômico, sendo inegáveis os efeitos desta política não só
na seara social mais, sobretudo, no aspecto econômico e consequentemente no campo
consumeirista.
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483
Como se trata de programa que só ganhou previsão legal em 2009, as
consequências econômicas são recentes, porém não menos pujantes no cenário do
direito do consumidor, pois inegável a condição de consumidor do adquirente de
unidade habitacional que concretiza o direito à moradia pelo acesso a propriedade em
negocio jurídico realizado com a construtora intermediado por operador financeiro
(banco).
4. Responsabilidade consumeirista do operador financeiro pela qualidade da
unidade habitacional adquirida pelo Programa Minha Casa Minha Vida.
A Politica de Habitação de Interesse Social, Programa Minha Casa Minha Vida,
se concretiza pela concessão ao cidadão de contrato de financiamento bancário, com
garantia fiduciária, realizada por meio do Sistema de Financiamento habitacional de
Interesse Social, que destina-se a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa
própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população.
Trata-se de financiamento bancário disponibilizado ao cidadão, onde inserido
esta a figura jurídica da garantia fiduciária, onde o devedor (fiduciante), para prestar a
garantia, contrata a transferência ao credor (fiduciário) da propriedade resolúvel de
coisa imóvel. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora
o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Não se deve olvidar que todas estas características são pactuadas por meio de
contrato de adesão que tem os seguintes contratantes: devedor que adquire o imóvel,
construtora e caixa econômica, onde o primeiro assume a posição de devedor fiduciante,
recebendo a posse propriedade do bem, transferindo ato continuo a propriedade ao
banco credor (fiduciário) que paga o bem a construtora.
Nesse interim o acesso à moradia se mercantilizou, por mecanismo que confere
ao cidadão a condição inegável de consumidor no âmbito de uma operação financeira,
pois aquele adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, fornecido por
pessoa jurídica – empresa pública e empresa construtora, onde a primeira desenvolve
atividade de construção e a segunda a concessão do crédito, serviço, aprovação do
financiamento e a prestação de serviço contínuo até o termo final do contrato.
Dirimindo qualquer dúvida sobre a condição de fornecedores dos bancos nos
contratos de financiamento imobiliário a Súmula nº 297 do STJ estabelece que o Código
de Defesa do Consumidor se aplica às instituições financeiras, pois “inegável a
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484
supremacia exercidas pelas instituições financeiras ante os consumidores, de modo que
toda contratação irá sempre refletir predisposição de clausulas, e não na manifestação
volitiva da parte menos favorecida” (PEREIRA JUNIOR, 2005), ainda mais quando
concretizados pelos chamados contrato s de adesão, que se tornou instrumento essencial
diante da dinâmica econômica e consumeiristas.
Defende Figueiredo (2000) que o financiamento regido pelo SFH, com a
interpretação sistemática dos os Arts. 3º, § 2º, 29, 52 e 53 do CDC autorizam classificar
a relação como de consumo, onde o banco financiador cuida em fornecer empréstimo,
regidas pelo SFH, com garantia fiduciária, para o que cidadão adquira imóvel, devendo
submeter-se, portanto, aos princípios e regras do CDC.
Há ainda relação de consumo entre a construtora e o adquirente de unidade
habitacional por meio de financiamento imobiliário. Nesse aspecto Cavalieri Filho
(2010) defende que o fato gerador da responsabilidade do construtor pelos vícios do
produto ou serviço, em conformidade com os Arts. 18 e 20 do Código de Defesa do
Consumidor e diferentemente do Código Civil, aquele não estabeleceu prazos fixos
dentro dos quais os vícios de construção devem se apresentar, pois a durabilidade, a
qualidade e a utilidade do produto ou serviço devem corresponder às expectativas do
consumidor, criados pelo fornecedor, devendo corresponder ao prazo normal e razoável
de durabilidade do produto ou serviço.
Como se trata de relação de consumo é preciso evitar inúmeros abusos que são
promovidos pelas construtoras e bancos nos contratos de financiamento imobiliário
frente à vulnerabilidade social e técnica do consumidor.
O presente artigo pretende abordar a responsabilidade do operador financeiro
pelos vícios do produto. Antes cabe mencionar a aplicabilidade do CDC ao banco
quanto à operação financeira.
Sob este aspecto a Lei 11.977/2009 que criou o Programa Minha Casa minha
Vida, previu em seu texto uma afronta a proteção do consumidor, pretendendo legalizar
o anatocismo em eu Art. 75, quando, sob o manto do principio da especialidade, alterou
a Lei 4380/64 (lei que institui a correção monetária nos contratos imobiliário de
interesse social), in verbis:
Art. 75. A Lei no 4.380, de 21 de agosto de 1964, passa a vigorar com as seguintes alterações:
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485
“Art. 15-A. É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH.
A liberação do anatocismo (juros capitalizados) no sistema financeiro da
habitação, com a inclusão dos Arts. 15A e 15B à Lei 4.380/64, é inconveniente e
socialmente inoportuna. (SCAVONE JUNIOR, pag. 489).
É necessário atentar que não há que se falar em Princípio da Especialidade para
afastar a incidência da lei 8072/90. “Pois esta enfeixa em si um conjunto de normas
destinadas a regular diversos tipos de relações jurídicas, ou seja, onde quer que se
verifique a denominada relação de consumo” (SCAVONE JUNIOR, p. 188); afinal o
Código de Defesa do Consumidor estabelece normas de proteção e defesa do
consumidor, de ordem pública e interesse social.
No mesmo sentido, a legislação de proteção e defesa do consumidor estabelece
regras obrigatórias de conduta para as empresas, que por sua vez, não podem deixar de
cumpri-las nem mesmo alegando que as desconhecem. Desse modo, os direitos dos
consumidores consistem em vantagens jurídicas que o legislador brasileiro conferiu
unilateralmente ao consumidor para compensar a sua reconhecida vulnerabilidade
perante as empresas, objetivando estabelecer um equilíbrio real nas relações de
consumo. 9
Quanto aos vícios que as unidades habitacionais possam apresentar, tanto o
banco (Caixa Econômica) quanto à construtora, estão adstritas as regras de proteção do
consumidor, inclusive respondem solidariamente por vícios na construção de imóvel de
natureza popular, destinado a mutuários de baixa renda, cuja obra foi financiada com
recursos do Sistema Financeiro de Habitação.
Nesse interim, trata-se de contrato de financiamento imobiliário diferenciado,
consolidado pelo Sistema de Habitação de Interesse Social, onde a instituição financeira
não figura apenas como banco comercial, participando também como operador do
empreendimento, que deve ter finalidade social, pela natureza do programa,
responsável, inclusive, pela fiscalização técnica relativa à arquitetura e engenharia da
obra financiada.
9 Artigo 39 do Código de Atendimento ao consumidor.
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486
Sobre o tema o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado favorável à
responsabilização do agente financeiro além pelos ônus protecionista que rege as
operações financeiras, também pelos vícios do produto, in verbis:
REsp 738071 / SC 2005/0052486-8. DJe 09/12/2011.
RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL CUJA OBRA FOI FINANCIADA. LEGITIMIDADE DO AGENTE FINANCEIRO.
1. Em se tratando de empreendimento de natureza popular, destinado a mutuários de baixa renda, como na hipótese em julgamento, o agente financeiro é parte legítima para responder, solidariamente, por vícios na construção de imóvel cuja obra foi por ele financiada com recursos do Sistema Financeiro da Habitação.
2. Ressalva quanto à fundamentação do voto-vista, no sentido de que a legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria da mera circunstância de haver financiado a obra e nem de se tratar de mútuo contraído no âmbito do SFH, mas do fato de ter a CEF provido o empreendimento, elaborado o projeto com todas as especificações, escolhido a construtora e o negociado diretamente, dentro de programa de habitação popular.
3. Recurso especial improvido10 AgRg no REsp 697851 / RS AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL 2004/0150511-8. DJe 27/10/2009SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO E JUROS. APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO.
I – Consoante entendimento consagrado no paradigmático recurso especial repetitivo n. 1.070.297/PR, relatado pelo Exmo. Min. Luis Felipe Salomão, não cabe ao STJ aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7 da Corte.
II – Segundo a orientação uníssona desta Corte, há relação de consumo entre o agente financeiro do Sistema Financeiro Habitacional, que concede empréstimo para aquisição de casa própria, e o mutuário, razão pela qual se aplica o Código de Defesa do Consumidor, em casos como o presente.
III – Agravo regimental improvido11
10 Disponível no site do Superior Tribunal de Justiça: http://www.stj.jus.br/SCON/ 11 Disponível no site do Superior Tribunal de Justiça: http://www.stj.jus.br/SCON/
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Pela dicção do Art. 20 do CDC, como a instituição bancária assume a posição de
fornecedor, responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao
consumidor ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da
disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária. Esta
responsabilidade não só se justifica pela condição de fornecedor que assume, também
pelo caráter social que o programa deve assumir em que pese concretizado por
instrumentos de mercado.
5. CONCLUSÃO
O programa Minha Casa Minha Vida é uma política integrante do Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social que confere o direito à moradia ao cidadão de
baixa renda por meio de concessão de financiamento bancário imobiliário.
A Súmula nº 297 do STJ estabelece que o Código de Defesa do Consumidor se
aplica às instituições financeiras, uma vez que não restam dúvidas sobre a condição de
fornecedor de serviço na concessão de financiamento bancário.
Ocorre que a instituição financeira não apenas opera financiamento imobiliário
ao cidadão, mas também as construtoras que apresentam projetos às Superintendências
Regionais da Caixa, sendo também responsável pela execução e conclusão do
empreendimento. Assim a construção das unidades habitacionais é realizada por
Construtora contratada pela Caixa econômica, que se responsabiliza pela entrega dos
imóveis concluídos e legalizados.
Nesse interim, pelo cunho social do programa e pela competência conferida a
instituição financeira (Caixa Economica) não só em gerir as operações de financiamento
imobiliário mas inclusive quanto a realização do empreendimento imobiliário cabe a
aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à instituição bancária nas questões
que versem sobre qualidade do imóvel.
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SITES DE BUSCA E A MANIPULAÇÃO NA VONTADE DO CONSUMIDOR
SEARCH ENGINES AND MANIPULATION AT WILL OF THE CONSUMER
Luiz Bruno Lisbôa de Bragança Ferro1 Antônio Carlos Efing2
RESUMO
O presente estudo visa à análise dos sites de busca da internet e sua influência na autonomia privada do consumidor, apreciando seu modo de funcionamento, bem como sua possível prejudicialidade aos direitos consumeristas. Partindo da contextualização da internet na sociedade de consumo, sua acessibilidade pela população de todas as classes sociais e o aumento nas transações comerciais virtuais, analisam-se os direitos constitucionais e infraconstitucionais que estão sendo desvirtuados pela utilização indevida deste instrumento. Com a capacidade inicial de fomentar a informação e liberdade dos consumidores, interesses publicitários dissimulados têm manipulado resultados de pesquisas nestes sites de busca que, além de privar a liberdade dos consumidores, majoram sua vulnerabilidade e afrontam sua dignidade.
Palavras-chave: Internet, direito do consumidor, autonomia privada, direito à informação.
ABSTRACT The present study aims at analyzing the internet search sites and their influence on the consumer's private autonomy, enjoying their mode of operation as well as its possible adverse effect to consumerist. Starting from the contextualization of the internet on consumer society, its accessibility by the people from all walks of life and the increase in commercial transactions, analyze the infra-constitutional and constitutional rights that are being skewed by the misuse of this instrument. With the initial capacity to foster information and consumer freedom, hidden advertising interests have manipulated search results in these search sites, and deprive the freedom of consumers; their vulnerability and majoram affront their dignity.
Keywords: Internet, consumer law, private autonomy, the right to information. 1Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Castelo Branco. Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Universidade Tiradentes. Professor Adjunto da Universidade Tiradentes. Advogado. E-mail: [email protected]. 2Mestre em Direito (PUCSP). Doutor em Direito (PUCSP). Professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Autor de diversos livros e artigos sobre o Direito das Relações de Consumo. Advogado. E-mail:[email protected]
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SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Evolução histórica da internet 3 Autonomia privada do consumidor e a legislação regulamentadora 4 Os sites de busca e o consumo no Brasil 5 Conclusão.
1 Introdução
Desde o final do século XX, a internet tem revolucionado as relações sociais e
alterado a sociedade de consumo sob diversos aspectos, concretizando mutações também em
decorrência da atuação dos sites de busca, que se utilizam de publicidades omissivas ao
consumidor. Este fenômeno merece ser estudado, pois poderá demonstrar resultados
acadêmicos que, embora não esgotem a prática, contribuirão para o aprimoramento da defesa
do consumidor.
Com a crescente utilização da internet como meio de realização para transações
comerciais, e neste sentido o uso dos instrumentos de busca online, se faz necessária uma
análise da influência desta conduta sob o aspecto do consumidor e sua autonomia privada no
momento do uso desta ferramenta.
O objetivo é analisar o uso destes sites na manipulação da vontade do consumidor,
visto que, antes de efetivar a transação comercial, são frequentemente consultados. Aprecia-
se, assim, qual sua influência publicitária, sempre se pautando na vulnerabilidade do cidadão
em relação aos fornecedores, bem como na dinâmica dos meios de comunicação e o maior
acesso de informação.
O presente estudo, balizado em estudo bibliográfico e dados objetivos, pauta-se em
quatro momentos. No primeiro, uma introdução sobre o tema a ser abordado, no segundo uma
análise histórica da evolução da internet no Brasil e seu uso, em terceiro de maneira a focar na
utilização dos sites de busca e sua influência na vontade do consumidor, e por fim as
considerações finais.
2. Evolução histórica da Internet
O sistema conhecido hoje como internet foi criada em 1969, pelos militares dos
Estados Unidos da América, como forma de comunicação rápida e segura entre suas unidades
de defesa, sendo nomeado inicialmente como ARPANET, mantido pela Advanced Research
Project Agency do Departamento de Defesa norte-americano. Neste início, não era
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caracterizada pelo acesso irrestrito e amplo, como atualmente, sendo apenas utilizada dentro
de determinados limites e usuários3.
A internet é uma rede mundial de computadores, sendo considerada como o maior
banco de dados disponível, onde as informações são, em sua grande maioria, gratuitas e
prontas para serem utilizadas4.
Em termos mais amplo, a internet nada mais é do que uma interligação de rede de
informações e usuários, que se conectam entre si levando informações e dados de maneira, a
sempre formar uma nova rede, aberta ou fechada, limitando o número de usuários, como
define Gonzáles:
[...]a internet não é uma entidade física ou tangível mas sim uma rede gigante que interconecta inúmeros pequenos grupos de redes de usuários conectados por sua vez entre si. É, portanto, uma rede de redes. Algumas das redes são fechadas, isto é, não interconectadas com outras redes ou usuários. A maior parte das redes, no entanto, está conectada através de redes que, por sua vez, estão conectadas a outras redes, de maneira que permitam a cada um dos usuários de qualquer delas comunicar-se com usuários de quaisquer outras redes do sistema. Esta rede global de usuários e redes de usuários vinculados é conhecida como Internet5.
Alguns elementos componentes da rede mundial de computadores devem ser
mencionados, em razão de serem também banco de dados virtuais, como e-mail, sites, lojas
virtuais, e principalmente sites de busca, como apresentado em artigo no Jornal de Brasília:
e-mail: é considerado um dos principais recursos é o e-mail, pois com a sua utilização correta, elimina-se uma série de documentos, trânsito de fotocópias, enfim, papel. Mural de recado: é um local público, onde todos os usuários da intranet podem deixar suas ponderações, comunicados, lembretes, dicas etc. Automatização de processos: solicitações de material ao almoxarifado, pedidos de vale-refeição, reclamações de ramais telefônicos com defeito, pedido de alteração em sistemas e outras situações, que hoje utilizam formulários impressos, podem ser implementados sem problemas na intranet, facilitando e automatizando os processos. Arquivo digital: documentos importantes podem ser armazenados e recuperados com segurança na intranet. Agenda, Calendário e Eventos: a possibilidade de manter atualizada uma agenda interna da empresa é bastante viável com a intranet, pois um único local é atualizado e todos os usuários da intranet passam a ter a informação correta6.
3LAWRENCE LESSIG, The Future of Ideas: the fate of the commons in a connected world, New York: Random House, 2001, p. 26-34 4LISBOA, D. F. et al. Intranet – Internet – Extranet. Disponível em: <http://www.fieo.br/revista/rev2001/intranet.htm>. Acesso em: 01 de abr. de 2011. 5GONZÁLEZ, Paloma Llaneza. Internet y comunicaciones digitales: régimen legal de las tecnologías de la información y la comunicación. Barcelona: Bosch, 2000. 6BRASIL. Apresenta texto sobre intranet. Disponível em: <http://intranet.jornaldebrasilia.com.br/intranet.html>. Acesso em: 20 de mai. de 2011.
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Neste sentido, entende-se como loja virtual, empresa que tem por objetivo vender
produtos e/ou serviços, a uma maior gama de pessoas possíveis, utilizando-se da pessoa
jurídica, ou mesmo pessoas físicas, que oferecem serviços variados7.
Com relação ao e-mail, ou correio eletrônico, trata-se de uma forma de comunicação
entre pessoas por meio da rede mundial de computadores, no qual se trafegam dados, como
sons, imagens e também publicidade comercial8.
No que concerne aos sites de busca e seus mecanismos, pode-se afirma que a partir
de parâmetros indicados pelo usuário realiza uma busca na rede para indicar resultados em
aproximação ao que foi solicitado. Assim, tornaram-se ferramentas frequentes de uso para os
consumidores, antes da realização de eventual transação comercial9.
No Brasil, a internet iniciou suas atividades em 1989, com a RNP (Rede Nacional de
Pesquisas) por meio de incentivo do Estado, com a interveniência do Ministério da Ciência e
Tecnologia, ficando restrita ao meio acadêmico. Como confirma relato Takahashi acerca da
RNP:
[...] a primeira e mais urgente tarefa na retomada dos esforços da RNP é o resgate de credibilidade para o papel dos órgãos federais: cerca de quarenta instituições de todos os tipos haviam participado de uma ou outra maneira, das conversações e das atividades de lançamento da RNP, em setembro de 1989, e endossado o esforço de implementação que deveria seguir-se ao lançamento. Até a presente data, nenhuma medida concreta foi tomada acerca do assunto, do ponto de vista dessas instituições10.
A partir de 1995, o Estado brasileiro desvinculou totalmente a internet de seu
gerenciamento, transferindo para livre iniciativa, e sob o manto também da livre concorrência.
De modo que o Ministério da Ciência e Tecnologia preocupou-se em divulgar a seguinte nota,
por seu Comitê Conjunto para Internet:
[...]o provimento de serviços comerciais Internet ao público em geral deve ser realizado, preferencialmente, pela iniciativa privada. O Governo estimulará o surgimento no País de provedores privados de serviços Internet, de portes variados, ofertando ampla gama de opções e facilidades, visando ao atendimento das necessidades dos diversos segmentos da sociedade. A participação das empresas e órgãos públicos no provimento de serviços Internet dar-se-á de forma complementar à participação da iniciativa privada, e limitar-se-á às situações onde seja necessária a
7TURBAN, Efraim; KING, David. Comércio eletrônico: Estratégia e Gestão. 03. ed. Person: 2003. 8BRASIL, Nota Conjunta. Comitê Conjunto da Internet. Ministério da Ciência e Tecnologia. Disponível em:< http://www.cgi.br/regulamentacao/notas.htm>. Acesso em: 21 de Fev. 2013. 9BRASIL, Nota Conjunta. Comitê Conjunto da Internet. Ministério da Ciência e Tecnologia. Disponível em:< http://www.cgi.br/regulamentacao/notas.htm>. Acesso em: 21 de Fev. 2013. 10TAKAHASHI, Tadao, 1990, “Relatório de Planejamento de Atividades da RNP”. Rio de Janeiro, dez. RNP. Arquivo pessoal de Paulo Aguiar Rodrigues.
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presença do setor público para estimular ou induzir o surgimento de provedores e usuários11.
Com essa medida o Governo Federal afastou o caráter estatal da internet e convergiu
seus serviços e benefícios aos princípios da ordem econômica estabelecidos na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, como o da livre concorrência e defesa do
consumidor, como se define:
Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor12;
Depois desta transferência para a iniciativa privada, o acesso à internet cresceu
gradualmente e atualmente encontra-se disponível a grande parte dos brasileiros, de todas as
idades, regiões e classes sociais. De acordo como os dados do IBGE – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística a seguir:
Em 2008, 56 milhões de pessoas de dez anos ou mais de idade acessaram a Internet pelo menos uma vez, por meio de um computador, contingente que representava 34,8% dessa população e mostrou um aumento expressivo nos últimos três anos - em 2005, o percentual era de 20,9%. O aumento no acesso à Internet se deu tanto para os homens (de 21,9% em 2005 para 35,8% em 2008) quanto para as mulheres (de 20,1% para 33,9%). As regiões Sudeste (40,3%), Centro-Oeste (39,4%) e Sul (38,7%) registravam os maiores percentuais de usuários, e as regiões Norte (27,5%) e Nordeste (25,1%), os menores. Entre as unidades da federação, Distrito Federal (56,1%), São Paulo (43,9%) e Rio de Janeiro (40,9%) tinham os maiores percentuais de pessoas que acessaram a Internet; enquanto Alagoas (17,8%), Piauí (20,2%) e Maranhão (20,2%) apresentaram os menores percentuais. A utilização da Internet era, em 2008, maior entre os mais jovens. O grupo de 15 a 17 anos de idade registrou o maior percentual (62,9%) de pessoas que acessaram a rede e, além disso, teve o maior aumento em relação a 2005 (quando era de 33,7%). A partir dessa faixa etária, o percentual de usuários diminuía com a idade, chegando a 11,2% das pessoas de 50 anos ou mais. Esse grupo representava, em 2008, 24,8% da população total, mas correspondia a apenas 8,0% do total dos que tinham acessado a Internet. A proporção de pessoas que acessaram a Internet no grupo de 10 a 14 anos de idade (51,1%) ficou acima das percentagens de usuários em todas as faixas etárias a partir de 25 anos, em todas as regiões13.
11BRASIL, Nota Conjunta. Comitê Conjunto da Internet. Ministério da Ciência e Tecnologia. Disponível em:< http://www.cgi.br/regulamentacao/notas.htm>. Acesso em: 21 de Fev. 2013. 12BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 de Fev. 2013. 13BRASIL, IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:< http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1517&id_pagina=1&titulo=De-2005-para-2008,-acesso-%E0-Internet-aumenta-75,3%->. Acesso em: 21 de Fev. 2013.
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Nos dados apresentados acima, demonstra-se claramente o crescimento de usuários
da internet, seja nas regiões com maior desigualdade como o Norte e Nordeste do Brasil, até
as regiões mais desenvolvidas economicamente.
Pelo fato da maior utilização e acesso da internet pela população brasileira, e o fato
desta ferramenta ser utilizada para diversas funções, inclusive transações comerciais, os sites
de buscas, muitas vezes, são utilizados como forma de pesquisa e parâmetros para os
consumidores na internet, cujo resultado pode influenciar na sua vontade de contratar ou até
mesmo viciá-la.
3 Autonomia privada do consumidor e a legislação regulamentadora
Nas relações sociais a vontade permeia a condição humana para atitudes de seus
desígnios, como forma de trazer a tona sua confiança para com o outro, e com isso realizar um
pacto de fidúcia, no qual as normas da sociedade garantam seu cumprimento, e que ela seja a
expressão máxima da verdade, tornando-se assim um sujeito de direito, detentor de
obrigações e deveres14.
Assim, a autonomia adquire caráter fundamental ao direito privado, uma vez que a
liberdade trata-se de um dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro.
Representando não somente um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil na criação de uma sociedade livre, mas também direito fundamental dos cidadãos
positivado na Constituição Federal.
Sob esta perspectiva que se deve analisar a manipulação dos mecanismos de busca na
autonomia dos consumidores, que sem consentimento ou conhecimento, recebem informações
viciadas que turvam sua liberdade de escolha.
Ademais, ressalta-se que com a constitucionalização do direito privado, além da
autonomia privada, deve-se tutelar principalmente a dignidade da pessoa humana. De modo
que a conduta exposta reflete na vulnerabilidade, no direito à informação e demais esferas da
dignidade dos consumidores.
Um exemplo da materialização destes preceitos constitucionais às relações jurídicas
privadas é o princípio da boa-fé, que deve nortea-las desde a fase pré-contratual, como se
verificará adiante, até sua execução.
14RICOEUR, Paul. O Justo (vol.1). São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.21-31.
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Em tempos remotos, já em Roma, a boa fé estava explicitada nas convenções e nas
palavras das pessoas, vindo a ser o dever de honestidade e de lealdade nas relações entre as
pessoas15.
Como negócio jurídico a relação consumerista é oriunda dos digestos contratuais
cíveis, onde se torna requisito essencial a boa-fé, para a sua plenitude, sendo imaculada.
Como define o Código Civil Brasileiro, “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração16”.
Um dos pressupostos da relação contratual é a autonomia das partes, cuja
manifestação não pode ser induzida, viciada, ou muito menos maquiada por elementos
externos, principalmente nas relações de consumo, onde o consumidor é vulnerável em
relação aos fornecedores de produtos e serviços, devendo sempre ter como base a boa-fé,
como evidenciado, por Benjamin e outros;
[...] no sistema brasileiro das relações de consumo, houve opção explícita do legislador pelo primado da boa-fé [...] o microssistema do Direito das Relações de Consumo está informado pelo princípio geral da boa-fé, que deve reger toda e qualquer espécie de relação de consumo, seja pela forma de ato de consumo, de negócio jurídico de consumo, de contrato de consumo etc17.
O anonimato do consumidor, em uma sociedade de consumo cada vez mais
massificada o torna ainda mais vulnerável às práticas comerciais, concretizando um ambiente
carente de informações claras, e propício ao abuso pelos fabricantes de produtos e serviços,
definido por Cabral:
[...] a produção em grande escala pressupõe o consumo em escala idêntica, e isto transforma o consumidor num ser anônimo, inidentificado. Curiosamente, ele continua sendo uma unidade. É ele quem vai ler, ouvir, ver, sentir, assimilar e decodificar a mensagem. Mas o transmissor dessa mensagem não conhece. Não sabe se ele está triste ou alegre; se está amando ou odiando; satisfeito ou insatisfeito. É o traço do anonimato18.
Nesta massificação, cumpre esclarecer ainda a essencialidade da informação aos
consumidores vulneráveis, bem como a chamada “hipervulnerabilidade” provocada por sua
15CÍCERO. Dos Deveres. Tradução Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2002. 16BRASIL, Lei nº 10406/2002 – Código Civil Brasileiro. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 10 de mar. de 2013. 17BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos, DENARI, Zelmo, FILOMENO, José Geraldo Brito, FINK, Daniel Roberto, GRINOVER, Ada Pellegrini, JÚNIOR, Nelson Nery, WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, 7ª Edição. São Paulo. Editora Forense Universitária. 2001. 18CABRAL, Plínio. Publicidade, técnica da comunicação industrial e comercial. Editora Atlas. São Paulo, p.19 1986.
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ausência na sociedade tecnológica. Acerca do qual, Cláudia Lima Marques e Antônio Herman
V. Benjamin elucidam:
Resta analisar, a vulnerabilidade informacional, que é a vulnerabilidade básica do consumidor, intrínseca e característica deste papel na sociedade. Hoje merece ela uma menção especial, pois na sociedade atual são de grande importância a aparência, a confiança, a comunicação e a informação. Nosso mundo de consumo é cada vez mais visual, rápido e de risco, daí a importância da informação. Efetivamente, o que caracteriza o consumidor é justamente seu déficit informacional, pelo que não seria necessário aqui frisar este minus como uma espécie nova de vulnerabilidade, uma vez que já estaria englobada como espécie de vulnerabilidade técnica. Hoje, porém, a informação não falta, ela é abundante, manipulada, controlada e, quando fornecida, nos mais das vezes, desnecessária. Concorde-se com Erik Jayme, quando conclui que o consumidor/usuário experimenta neste mundo livre, veloz e global (relembre-se aqui o consumo pela internet, pela televisão, pelo celular, pela televisão, pelos novos tipos de computadores, cartões e chips), sim, uma nova vulnerabilidade. Também Antônio Herman Benjamin menciona o aparecimento de uma ‘hipervulnerabilidade’ em nossos dias. 19
No aspecto constitucional, a defesa do consumidor encontra-se respaldado em dois
momentos, trata-se de direito fundamental positivado no art. 5º, XXXII, assim como princípio
da ordem econômica, devendo o Estado protegê-lo da sua condição vulnerável, nos termos da
Carta Magna:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor20
Em termos de legislação infraconstitucional, a Lei nº 8078 / 90, Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor, elenca a plenitude do princípio da boa fé, a seguir:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
19 BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.77 20BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 de Fev. 2013.
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III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade21.
Aliado ao anonimato do consumidor e a denominada hipervulnerabilidade ante a
sociedade de consumo atual, o bombardeio de informações por meio de publicidades traz um
alerta acerca da efetiva tutela do consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor determina expressamente como direitos básicos
do cidadão, entre outros, o direito à liberdade de escolha, à informação adequada e clara e à
proteção contra publicidade enganosa e abusiva.
Complementa a legislação consumerista, ao informar que a publicidade e
informações devem ser corretas, claras, precisas e objetivas. Ou seja, pautadas na boa-fé, em
especial nos sites de busca contendo seu caráter ostensivo de sua mensagem, bem mencionado
por Bittar:
[...] a publicidade responde, em seu íntimo, a uma necessidade do homem: a de comunicar-se, tornando-se, de outro lado, centro transmissor de ideias. Com efeito, a mensagem através da qual o bem é apresentado ao público vaza-se, não raro, em termos didáticos, acompanhada, pois, de ensinamentos a respeito da matéria22.
Ao se delinear o consumidor dentro da relação de consumo, este sempre se pauta na
confiança junto ao fornecedor de produtos e serviços, o que transcende seu caráter de
vulnerabilidade, em especial no momento em que se usa o site de busca acreditando que se
trata de mera ferramenta de procura e não de que dentro dela esta maquiada publicidade, sem
o conhecimento do usuário, como explanado por Cordeiro:
[...] na sua falta, qualquer sociedade se esboroa. Em termos interpessoais, a confiança instalada aloca os protagonistas à mercê uns dos outros: o sujeito confiante abranda as suas defesas, ficando vulnerável. Seguidamente, todos os investimentos, sejam eles econômicos ou meramente pessoais, postulam a credibilidade das situações: ninguém dá hoje para receber (apenas) amanhã, se não houver confiança nos intervenientes e nas situações. Por fim, a confiança e a sua tutela correspondem a aspirações éticas elementares. A pessoa defraudada na sua confiança é, desde logo, uma pessoa violentada na sua sensibilidade moral.
21BRASIL, Lei nº 8078/90 – Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 22 de Fev. 2013. 22 BITTAR, C. A. Direito de autor na obra publicitária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
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Paralelamente, o agente que atinja a confiança alheia age contra um código ético imediato23.
A publicidade junto ao consumidor por qualquer meio de comunicação deve ser
sempre demonstrada de forma clara e expressiva, não se utilizando de meios omissivos ou que
influenciem a vontade do consumidor. Ou seja, os sites de busca deveriam informar quais os
resultados da pesquisa sofreram influência por interesses publicitários, mas não o fazem como
define Benjamin e outros:
[...] temos, pois, que as práticas comerciais servem (também servem) e alimentam (também se alimentam) a (da) sociedade de consumo, aproximado os consumidores dos bens massivamente colocados à sua disposição. Esse é seu grande papel. È exatamente ai, paradoxalmente, reside o seu grande perigo para os consumidores em geral. Vale dizer: o caráter patológico das práticas comerciais manifesta-se como um vício na forma como se processa essa “aproximação” entre diversos sujeitos do mercado e os bens de consumo 24
O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor define neste sentido a obrigação de
que a publicidade deva ser imediatamente identificada, o que não ocorre nos sites de busca.
Após a inserção da palavra parâmetro, o resultado no topo da lista trata-se de publicidade,
mas não é informada como tal, desrespeitando o art. 36 do CDC: “A publicidade deve ser
veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”25.
Acerca do exercício da profissão de Publicitário e de Agenciador de Propaganda
ficou regulamentada pela Lei nº 4680/65, no entanto em seu bojo não se delineia as práticas
publicitárias destes profissionais e sua ética profissional:
art 1º São Publicitários aqueles que, em caráter regular e permanente, exerçam funções de natureza técnica da especialidade, nas Agências de Publicidade, nos veículos de divulgação, ou em quaisquer empresas nas quais se produza publicidade26
Com relação à definição de publicidade, verifica-se que antes mesmo do Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor, já existia indicadores da necessidade de identificação do
anunciante, de forma a demonstrar a sua origem, como extraído do Decreto nº 57690/66, que
23 CORDEIRO, A. M. da R. e M. Tratado de direito civil português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2005. 24 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos, DENARI, Zelmo, FILOMENO, José Geraldo Brito, FINK, Daniel Roberto, GRINOVER, Ada Pellegrini, JÚNIOR, Nelson Nery, WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, 7ª Edição. São Paulo. Editora Forense Universitária. 2001 25BRASIL, Lei nº 8078/90 – Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 22 de Fev. 2013. 26BRASIL, Lei nº 4680/65 – Regulamentação da profissão do publicitário. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4680.htm> Acesso em 11 de Mar.de 2013.
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define “Art 2º Considera-se publicidade qualquer forma remunerada de difusão de ideias,
mercadorias, produtos ou serviços, por parte de um anunciante identificado27”
Ainda assim, se fez necessário a criação pelas entidades de classe, como o CONAR –
Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária; ABAP - Associação Brasileira das
Agências de Publicidade; ABA - Associação Brasileira de Anunciantes; ANJ - Associação
Nacional de Jornais; ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão;
ANER - Associação Nacional de Editores de Revistas e Central de Outdoor do Código de
Auto Regulamentação Publicitária, que em seu teor traduz a ética na atividade publicitária,
como forma de qualidade profissional, imperando a ostensividade da publicidade no Brasil:
Artigo 9º A atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva. § 1o – A alusão à marca de produto ou serviço, razão social do anunciante ou emprego de elementos reconhecidamente a ele associados atende ao princípio da ostensividade. § 2o – O “teaser”, assim entendida a mensagem que visa a criar expectativa ou curiosidade no público, poderá prescindir da identificação do anunciante, do produto ou do serviço. Artigo 10 - A publicidade indireta ou “merchandising” submeter-se-á igualmente a todas as normas dispostas neste Código, em especial os princípios de ostensividade (art. 9o) e identificação publicitária (artigo 28)28.
Constata-se que apesar de referidas entidades não apresentarem normas legislativas,
há uma coerção profissional eficiente que, entretanto, não se atentaram às práticas obscuras
dos sites de busca.
4 Os sites de busca e o consumo no Brasil
O ambiente virtual gera inúmeras possibilidades nas relações jurídicas, dentre elas, o
uso dos sites de busca como forma de pesquisa para o consumidor informar-se acerca de
produtos e serviços antes da efetivação de qualquer transação comercial. Prática que
acompanha o crescente uso da internet e o comércio eletrônico.
Como se visualiza abaixo, a utilização da internet como meio para transações
comerciais no Brasil movimenta bilhões de reais, refletindo claramente o maior acesso de
pessoas a este tipo de ferramenta cada vez mais usual e repleta de publicidades.
27BRASIL, Decreto nº 5769/66 – Regulamentação complementar da lei nº 4680/65. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D57690.htm>. Acesso em: 11 de Mar. de 2013. 28 BRASIL, Código de Auto Regulamentação Publicitária. Disponível em:< www.fenaj.org.br/.../publicitarios_-_codigo_de_auto_regulamentaca>. Acesso em: 11 de Mar. de 2013.
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Gráfico – 1. Dados dos valores em reais de todas as transações comerciais pela Internet no
Brasil de 2001 a 2012.
Entre os anos de 2001 a 2012, os valores tiveram um crescimento de 0,5 bilhões de
reais para 22,5 bilhões de reais, um aumento de espantosos 4500%, em apenas 12 anos,
representando um acréscimo anual médio de 375%.
O comércio eletrônico é entendido como o processo pelo qual se utiliza a internet,
para a compra, venda e aquisição de serviço, sempre dentro de um ambiente virtual e por
meio da rede de computadores29.
Com as facilidades e praticidades para as pessoas, este tipo de comércio tem
majorado exponencialmente, implicando em movimentações bilhões de reais, sempre por
meio da internet.
A relação de consumo é composta sempre entre um fornecedor de serviços ou
produtos, e de outro lado o consumidor, pautado pela boa fé. Neste diapasão, a vontade de
forma espontânea para a utilização dos sites de busca para realização de compras on-line
aumenta gradualmente, como consubstanciado abaixo.
Gráfico – 2. Dados sobre a espontaneidade do uso dos mecanismos de busca em relação a link
patrocinado no Brasil de 2006 a 2010.
29TURBAN, Efraim; KING, David. Comércio eletrônico: Estratégia e Gestão. 03. ed. Person: 2003.
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Acima fica configurado claramente que o consumidor brasileiro não é influenciado
somente por publicidade expostas nos sites, mas também pela utilização de mecanismos de
busca de forma espontânea, se mantendo constante de 2006 a 2010, como maior percentual,
indo de 84,72% até 88,86%, neste respectivo período.
De outra forma a indução mediante publicidade nos sites da internet demonstrou um
decréscimo de 2006 a 2010, ficando neste período de 15,28% para 11,14%, caracterizando a
vontade livre do consumidor em buscar informações em sites de busca de forma não
condicionada a publicidades.
A título ilustrativo, apresenta-se o serviço de publicidade ofertado por um dos
maiores sites de busca utilizados atualmente, o Google AdWords, que concede aos
fornecedores a possibilidade de ofertar seus produtos ou serviços condicionados à palavra
chave pesquisada pelos consumidores, bem como em razão de sua localidade ou costumes de
navegação30.
30 Conforme informação do site aos anunciantes interessados: “Quando as pessoas pesquisarem no Google usando uma de suas palavras-chave, seu anúncio poderá ser exibido próximo aos resultados de pesquisa. Agora você anuncia para um público-alvo que já está interessado em você.” Disponível em: <accounts.google.com/AdWordsBrasil>. Acesso em: 13 mar. 2013.
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504
A importância sobre a questão apresentada proporcionou pesquisa de 11/2012, feita
pelo IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística demonstra a influência dos motores
de busca para o consumidor no momento de realizar sua compra, a seguir:
[...]a popularização da internet no Brasil cria um vasto campo para a publicidade das marcas na rede. De acordo com dados da pesquisa TG.net, do IBOPE Media, 33% dos consumidores das principais regiões metropolitanas do País consideram a publicidade online mais divertida que as outras publicidades. Na pesquisa, 22% dos entrevistados afirmaram que anúncios na web serviram como motivação para a compra de produtos ou serviços na internet nos últimos 30 dias. Além disso, 21% afirmaram que os resultados em sites de busca também foram um incentivo para a aquisição de produtos online, assim como, para 17%, os anúncios em sites visitados foram determinantes na decisão de compra. Ainda em relação à publicidade eletrônica, 49% dos consumidores concordaram que o patrocínio online é uma maneira eficaz de anunciar um produto e serviço. E 37% dos entrevistados consideram que os banners publicitários são úteis para se encontrar assuntos interessantes na internet. Os consumidores (47%) demonstram também que preferem anúncios relacionados ao conteúdo dos sites que visitam e 28% se dizem influenciados pela publicidade em redes sociais. Há ainda consumidores (14%) que afirmaram ser influenciados por mensagens eletrônicas promocionais. No mesmo período, os anúncios de TV motivaram o consumo para 20% dos entrevistados. Sobre a pesquisa O TG.net é uma pesquisa online, realizada com 2.929 internautas de 15 a 75 anos no Brasil. Em seu terceiro ano, o levantamento foi realizado entre maio e junho de 2012, nos mercados de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Distrito Federal, além de Goiânia, Nordeste, interior de São Paulo e interior do Sul e Sudeste. Entre as informações acima, também estão considerados dados da pesquisa Target Group Index, de fevereiro de 2011 a fevereiro de 2012 (Ano12, onda 2 + Ano 13, onda 1).31
Na pesquisa acima fica delineado, que para 21% dos consumidores os resultados dos
sites de buscas influenciaram para a realização de suas compras, além de outros métodos de
publicidade, como as redes sociais com 28%, demonstram o alcance da atividade publicitária
na internet, no entanto sem se apresentar, muitas vezes, como ato de publicidade nos
resultados das buscas dos internautas.
5 Conclusão
Em um mundo voltado para o consumo de bens e serviços, do qual se extrai a
necessidade de consumir, a internet figura como ferramenta facilitadora que poderia auxiliar
as pessoas na realização de suas transações comerciais, bem como para pesquisas antes da
compra ou permuta, a serem feitas pelo consumidor. Restando, contudo, o dever de se realizar
uma análise crítica para evitar que referido benefício seja desvirtuado.
31 BRASIL, IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa, Pesquisa de Publicidade na Internet. Disponível em:<http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/publicidade-online-ganha-espaco-entre-os-consumidores-brasileiros.aspx>. Acesso em: 22 de Fev. 2013.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
505
De maneira embrionária, a rede mundial de computadores não era acessível a todos
ficando restrita a meios acadêmicos e militares. A partir da década de 90 em especial no
Brasil, sua utilização tem crescido gradualmente, principalmente depois da transferência para
a iniciativa privada, como marco fundamental para sua popularização, respeitando os ditames
da Ordem Econômica, elencados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Sua popularização, entretanto, não deve se limitar aos princípios da ordem
econômica, sendo essencial que os direitos fundamentais dos cidadãos mantenham-se
tutelados neste ambiente digital. Em especial a privacidade, a autonomia das partes, direitos
consumeristas e a boa-fé nas relações jurídicas que são relativizadas por determinadas
práticas.
Derivado diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana, a boa-fé
representa princípio basilar nas relações de consumo, devendo ser aplicado em conjunto com
a reconhecida vulnerabilidade do consumidor frente aos fornecedores em todos os momentos
da relação, da fase pré-contratual à execução ou entrega. Esta vulnerabilidade se potencializa
no uso da internet, pois acresce a falta de informação do consumidor ante ao fornecedor de
serviços e produtos, trazendo maiores riscos ao cidadão, que também se encontra distante
fisicamente do produto e do comerciante.
Com o avanço tecnológico foram desenvolvidos mecanismos para ajudar o usuário
da internet na busca de informações, conhecidos como motores de busca ou sites de busca.
Que, posteriormente devido a necessidade de atingir maior número possível de consumidores,
foram utilizados por grandes conglomerados empresarias com fins publicitários.
No entanto, a omissão acerca da natureza de alguns resultados junto às pesquisas nas
ferramentas acima mencionadas, que muitas vezes são publicidades não identificadas e
passam ao consumidor a noção de que se tratam apenas de resultados oriundo dos sites mais
pesquisados, manipulam a autonomia do consumidor, sofrendo influência obscura que diverge
dos princípios de um Estado Democrático de Direito.
As legislações existentes em patamar constitucional ou infraconstitucionais
apresentam claramente a condição de vulnerável ao cidadão consumidor, ressalvando a
necessidade de uma atuação que lhe conceda informações suficientes a minimizar os riscos a
seus direitos fundamentais, como o direito à liberdade de escolha, entre outros.
Apesar de existir legislação reguladora da atividade do publicitário, e de uma
legislação delimitadora da sua atividade e de seu mister, verifica-se eventual dificuldade dos
órgãos competentes para apurar práticas divergentes ao ordenamento jurídico no ambiente
virtual.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
506
Restando, assim, situação como a apresentada que influenciam a livre vontade do
cidadão, que ao buscar informações acerca de produto ou serviço encontra informativo
publicitário, em desconformidade com a legislação consumerista.
Por fim, ficou evidenciada esta problemática existente e a importância deste estudo,
como se ventilou nas pesquisas e dados apresentados, demonstrando que o uso dos sites de
busca se tornam maquiadores de publicidades omissivas ao cidadão brasileiro, que se vê
bombardeado de todos os lados e se torna cada vez mais vulnerável na sua condição de
consumidor. Em um contexto cada vez mais aviltante na sua condição humana, limitando sua
liberdade de escolha, uma vez que sua vontade se encontra manipulada por meios antiéticos
dos fornecedores de produtos e serviços, através da internet.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
507
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510
VULNERABILIDADE PSÍQUICA E O DISCURSO MIDIÁTICO ENTRE O CONSUMO E O CONSUMISMO
VULNERABILIDAD Y PSÍQUICA DISCURSO MEDIÁTICO ENTRE EL CONSUMO
Y EL CONSUMISMO
Diego Bastos Braga Vitor Hugo do Amaral Ferreira
RESUMO O estudo aborda o direito do consumidor, delimitando-se ao reconhecimento da vulnerabilidade como fator de tutela jurídica específica. O objeto de análise está na compreensão da vulnerabilidade psíquica, agravada diante da mídia e dos apelos ao consumo. A Constituição Federal impôs ao Estado, em texto expresso (art. 5º, XXXII), promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Passados 25 anos da Constituição Cidadã, e próximo aos 23 anos da existência do Código de Defesa do Consumidor, a proposta deste artigo ocupa-se ao tema por meio de uma nova perspectiva que passa a impor aos consumeristas o enfrentamento de práticas, fortalecidas pelo marketing, publicidades abusivas e enganosas. Em que pese os avanços tecnológicos muito contribuíram, porém dilemas, oriundos dos inventos humanos, tornam os consumidores vítimas de sua própria criatividade. Não raramente, a oferta de produtos e serviços induz o consumidor a comprar, utilizando-se de métodos que ceifam a liberdade de escolha. Assim, os instrumentos midiáticos promovem o consumismo, banalizam o consumo, fortalecem a vulnerabilidade do consumidor, permitindo o surgimento da vulnerabilidade psíquica. Eis o objetivo, estudar a vulnerabilidade psíquica e o discurso midiático entre o consumo e o consumismo. Para tanto, utiliza-se do método de abordagem dedutivo, consubstanciado ao procedimento monográfico e bibliográfico. Neste cenário, aborda-se a psicologia do consumo, o discurso midiático publicitário e consequentemente o consumo(mismo) decorrente da vulnerabilidade psíquica. PALAVRAS-CHAVES: direito do consumidor; vulnerabilidade psíquica; mídia; consumo; consumismo. RESUMEN El estudio abarca la ley del consumidor, definiendo a sí mismo como el reconocimiento de la tutela legal factor de vulnerabilidad. El objeto de analisis es la comprensión de la vulnerabilidad psíquica, frente exacerbada de los medios de comunicación y atractivo para el consumidor. La Constitución Federal impone al Estado, expresada en el texto (art. 5, XXXII), promover, de acuerdo con la ley, el consumidor. Después de 25 años de Constitución Ciudadana, y cerca de 23 años de la existencia del Código de Protección al Consumidor, el propósito de este artículo se aborda el problema mediante la aprobación de una nueva perspectiva de imponer consumeristas que hacen frente a las prácticas abusivas, reforzada por marketing, publicidad, injustas y engañosas. A pesar de los avances tecnológicos han contribuido en gran medida, pero los dilemas que surgen de las invenciones humanas, los consumidores se convierten en víctimas de su propia creatividad. No es infrecuente que la oferta de productos y servicios induce al consumidor a comprar, utilizando métodos que pretenden la libertad de elección. Por lo tanto, los instrumentos de los medios de comunicación consumismo promover, trivializar el consumo, reforzar la vulnerabilidad del consumidor, lo que permite la aparición de la vulnerabilidad psíquica. Aquí el objetivo de estudiar la vulnerabilidad psíquica y discurso de los medios entre consumo y consumismo. Para ello, se utiliza el método de enfoque deductivo, encarna el procedimiento y la literatura monográfica. En este escenario, se dirige a la psicología del consumo, la publicidad y el
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
511
discurso de los medios por consiguiente el consumo(mismo) resultante de la vulnerabilidad psíquica. PALABRAS-CLAVE: Derecho de los consumidores; vulnerabilidad psíquica; medios de comunicación; consumidor; consumismo. INTRODUÇÃO
O discurso proferido por Jonh Kennedy, em 1962, ao Congresso Americano, enalteceu
a necessidade de criar uma legislação que tutelasse os direitos dos consumidores,
consequentemente a Organização das Nações Unidas (ONU) editou, em 1985, diretrizes para
defesa dos direitos dos consumidores.
Deste cenário, a Constituição Federal de 1988 impôs ao Estado, em texto expresso
(art. 5º, XXXII), o dever de promover a defesa do consumidor. Passados 25 anos da
Constituição Cidadã, e próximo aos 23 anos da existência do Código de Defesa do
Consumidor, novas são as necessidades da sociedade e outras são as perspectivas.
A proposta deste artigo ocupa-se ao tema por meio de um novo contexto que passa a
impor aos consumeristas o enfrentamento de práticas, fortalecidas pelo marketing,
publicidades abusivas e enganosas. A oferta de produtos e serviços induz o consumidor a
comprar, utilizando-se de métodos que ceifam a liberdade de escolha. Assim, os instrumentos
midiáticos promovem o consumismo, banalizam o consumo, fortalecem a vulnerabilidade do
consumidor, permitindo o surgimento da vulnerabilidade psíquica. Neste cenário, aborda-se a
psicologia do consumo, o discurso midiático publicitário e consequentemente o
consumo(mismo) decorrente da fragilidade do consumidor.
Neste contexto, a problemática proposta cerca-se no estudo da vulnerabilidade,
agravada diante da mídia e dos apelos ao consumo. Da qual, questiona-se: a mídia, em
especial diante dos métodos de marketing e publicidade, colabora para a promoção do
consumo(mismo) e a vulnerabilidade psíquica do consumidor?
Assim, o objetivo está em analisar a vulnerabilidade subjetiva e o discurso midiático
entre o consumo e o consumismo (causa/consequência). Para tanto, por meio do método
dedutivo se conduz o raciocínio deste artigo ao confrontar, no espaço da sociedade de
consumo, as técnicas de persuasão/oferta e a fragilidade do consumidor.
Deste ponto, compete pensar o lugar do ser humano na sociedade de consumo, que,
em certa forma, deixou de ser e passou a ter. Hoje, imerso no consumismo, o sujeito-
consumidor enfrenta os seus maiores dilemas: reconhecer suas reais necessidades.
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512
1 PSICOLOGIA DO CONSUMO: A TRANSFORMAÇÃO DAS PESSOAS EM
MERCADORIAS
Buscar uma compreensão ao que se denomina psicologia do consumo é pensar sobre
aquilo que consiste a subjetividade do sujeito e como as relações são construídas a partir deste
meio.
Safra (2001) afirma que para ser dado um processo constitutivo o ser humano
necessita de uma posição, um lugar, pois não há ser humano que exista sem uma relação com
o meio. Assim, ao longo do processo constitutivo processos identificatórios são tomados
como lugares de referência para estes sujeitos.
É destes processos e ao longo da constituição psíquica que se compreende o
pertencimento a determinado mundo, pois o ser humano não pode ser abstraído de uma
relação com o outro, principalmente daquilo que o outro possa lhe oferecer.
A este contexto, Bauman1 (2008, p. 38) reforça o sentimento de que por toda a história
humana as atividades de consumo oferecem padrões de relações com o auxílio da
“inventividade cultural conduzida pela imaginação.”
Para o Safra (2001) é possível entender que o indivíduo precisa estar se relacionando
com a realidade, o tempo e o espaço, apropriando-se daquilo que o meio lhe impõe e as trocas
vivenciadas por este, apresentando possibilidades de percepções externas e dando-se assim a
constituição da externalidade.
Logo, é por meio de sentidos temporais e espaciais decorrentes deste meio que o
sujeito em desenvolvimento responde rapidamente a estímulos e organizações estéticas antes
mesmo de realizar qualquer decodificação psíquica (SAFRA, 2001).
Quando já há certo desenvolvimento psíquico, o indivíduo lida com suas experiências
por meio de símbolos e linguagem, tendo condições de relacionar-se com as formas estéticas e
não só reagir a elas, existindo assim uma capacidade de intermediação com a experiência.
É deste ponto, do psiquismo humano, da reação aos estímulos, da intermediação com a
experiência que se busca uma ligação com a era da comunicação delimitada pela mídia, do
consumo e do quanto este sistema pode estar interligado ao desenvolvimento humano na era
contemporânea.
1ZygmuntBauman é um sociólogo Polonês, onde no decorrer de sua carreira, passou por construções e reconstruções perante seu senso crítico. Atualmente professor emérito de sociologia nas Universidades de Leeds e Varsóvia. Autor de mais de dezesseis obras publicadas no Brasil, entre elas Amor Líquido, Globalização: As consequências da vida humana e Vidas desperdiçadas, tornando-se reconhecido através de analises das ligações entre modernidade e o consumismo pós-moderno. (nota do autor)
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513
Ao buscar esta relação é possível desenvolver considerações sobre como o sujeito vem
se desenvolvendo neste campo desenfreado do consumismo, identificando eventuais causas e
efeitos.
O consumismo, por Zygmunt Bauman (2011), é aquilo que satisfaz as necessidades de
rotinas diárias e está inato ao ser humano, ao mesmo tempo em que satisfaz um estigma
social, valores, popularidade, para que os sujeitos venham ter aceitação frente a um
determinado grupo e ao mundo de forma geral.
Desta forma, o consumismo é uma conduta de caráter impulsivo, em que Filho (2010)
designa como um consumo extravagante e não genuíno de bens. Este vem ser um resultado de
uma reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos, transformando-os na força operativa
da sociedade contemporânea, a qual coordena a reprodução do sistema, na formação de
indivíduos, desempenhando seu papel nos processos de auto-identificação individual e de
grupo.
Todavia, a constituição do sujeito-consumidor inserido na atual sociedade de
consumo, está muito distante daquele sujeito iluminista a favor da mobilização pela razão.
Bauman (2011) descreve o sujeito atual, como aquele que deseja o que deveria ter desejado,
impedindo os sujeitos a serem guiados pela razão do próprio desejo.
Partindo do ideal de progresso razão e felicidade, após as grandes guerras o idealizado
acabou sendo sustentado pelo tecnicismo, onde se expande a massificação da técnica a qual
foi retirada da ciência e da razão.
A sociedade se depara com uma modernidade que difere da almejada. O homem se
torna espectador de uma sociedade perfeita. O direito não precisa ser demonstrado como
conquista, os homens necessitam apenas serem capazes de persistir em busca da felicidade.
Hoje buscar a felicidade, resulta na incerteza de escolhas,2 corretas ou não, de testar e
experimentar, correr riscos, os quais se deparam com a privação da escolha, ou então, de
proteção e segurança das escolhas erradas. Pois “o mundo em que habitamos é tudo menos
transparente e previsível. Nenhum lar é seguro para espécie humana, muito menos para
humanidade” (BAUMAN, 2011a, p. 119).
De acordo com o autor, a existência de roteiros ou planos de vida diminuiu, não há
certezas, a importância se dá no fato prazeroso de cada momento, existe a pressa de viver,
2 O autor aponta que há riscos nas escolhas individuais, pois o valor chamado segurança, é aquele que distancia a liberdade, em contrapartida, o homem prefere a libertação a esta responsabilidade simbólica. Contudo, diante das variedades de escolha que a sociedade oferece, se acentua o reconcilio e a permanência a desigualdade social, pois o “uniforme” é substituído pela diversificação ilimitada. (BAUMAN, 2011).
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
514
sem pensar no ontem ou no amanhã. Assim, o indivíduo contemporâneo, evita juramentos e
livra-se a qualquer momento de aptidões para enfrentar novas experiências.
Bauman (2011) afirma que na sociedade hodierna há uma batalha, onde os laços
conectam-se e rompem-se com a mesma facilidade, antes constituídos em forma de
comunidades, permeados por difíceis acessos, hoje é designado pelo autor como redes, onde a
facilidade se dá em conectar e desconectar ter acessos os quais simplesmente possam ser
dissolvíveis.
Assim, quanto mais os sujeitos identificam-se com coisas e objetos que os levam a
diferenciar-se dos demais, mais se cria uma nova lógica das relações sociais: a discriminação
e hierarquização de grupos sociais. (CAMPOS e SOUZA, 2003)
O mercado de consumo centra-se em uma ilusão, na promessa de um ideal de
igualdade e liberdade, em um discurso de que todos são iguais, em contrapartida a mercadoria
tem de ser nova e da moda, mas, uma vez adquirida, perde sua alma ao ciclo do descarte.
Bauman (2008) afirma que os bens perdem seu brilho com rapidez, tornam-se adequados ao
depósito de lixo antes mesmo de terem sido aproveitados.
Desta forma, pensar na (re)construção de identidades é pensar em uma era líquida e
fluida, onde os objetos demarcam as relações e determinam estilos de vida e posições sociais.
Assim as identidades passaram a se configurar no que se consome e no que se tem.
É deste pressuposto que se ressalta Canclini (1997) que destaca que a maneira do ser
humano consumir acabou por alterar as formas de exercer a cidadania e a sua subjetividade.
Com isso, padrões de convivência humana transformaram-se. Para o autor o processo de
globalização se resume em uma transposição de identidades multilinguísticas3.
Para Freud (1930) o mal estar da civilização passa pelo controle de formas de
socialização entre as pessoas, entendida como uma função de justiça, não se fazendo nada
para benefício próprio. No entanto os valores modificaram-se e a maneira como a sociedade
molda os sujeitos é ditado pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A regra
imposta está na capacidade e vontade de desempenho deste papel. O consumidor é um sujeito
em movimento e tende a se mover sempre. (BAUMAN, 1999).
O autor aborda que a sociedade inicia um esforço para satisfazer uma necessidade,
transformando-a em compulsão e vício, estes vão em busca de soluções de problemas e alivio
por meio do consumo. A relação entre necessidades e sua satisfação é revertida. A promessa e
3 Definição socioespacial de identidade, as quais além de se ocuparem de um patrimônio histórico, desenvolvem estratégias a respeito dos cenários informacionais e comunicacionais onde também se configuram e renovam-se. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/sipec/ix/trab04.htm Acesso em 22 de Fev. 2013.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
515
a esperança de satisfação precedem a necessidade que se promete satisfazer, as quais serão
sempre mais intensas e atraentes que as necessidades efetivas. Por certo, o consumo vem
oferecendo matéria-prima, na qual uma variedade de relações inter-humanas está se
moldando.
Bauman (2008) transcreve a ideia de que a sociedade de consumo tem sua base na
promessa de satisfação dos desejos humanos, em grau que nenhuma sociedade passada
alcançou. Porém, a promessa de satisfação permanece sedutora enquanto o desejo continuar
insatisfeito. Os membros da sociedade de consumo são eles próprios mercadorias de consumo
e, a qualidade de ser mercadoria, torna-os membros autênticos.
Diante dos processos acelerados de globalização, junto com a criação de valores,
construção de papéis e a incessante satisfação de desejos e necessidades, Schor (2009) aborda,
a partir de pesquisas realizadas na década de 90, que o mundo infantil vem sendo cada vez
mais construído em torno do consumo4.
No entanto, perante esta sociedade, as identidades vêm a ser definida pelas
afinidades com as marcas, diferente do período que se desenvolvia pelas descobertas
(SCHOR, 2009). A marca é um signo que vai representar algo, gerando um efeito
interpretativo nas pessoas, seja ela real ou potencial, ou seja, faz com que o sujeito se sinta da
maneira como se imagina ser, uma representação, a qual estará suprindo essa necessidade
(PEIRCE, 1993).
As concepções do consumismo possibilitam uma compreensão a cerca do fenômeno
e de como este se molda à via social. Hoje fortalecida pela mídia, o que induz aos
questionamentos: a) até que ponto o consumo está adequado às necessidades?; b) qual o
limite entre o consumo e o consumismo?.
2 O DISCURSO MIDIÁTICO-PUBLICITÁRIO E OS REFLEXOS NO CONSUMO
A contemporaneidade exige a compreensão da cultura midiática5 no momento em que
se pensa a constância da vulnerabilidade social. Assim, frente aos atuais padrões de consumo
4Um exemplo a respeito pode ser quanto ao Mc Donalds, onde o caso foi denunciado pelo Projeto criança e consumo, devido a venda do “Mc Lanche Feliz”, o qual a denuncia se dá em torno do fato que a empresa cria uma lógica de consumo prejudicial, incentivando a formação de valores distorcidos, bem como formação de hábitos alimentares prejudiciais. Disponível em: <http://extra.globo.com/noticias/economia/mcdonalds-multado-em-mais-de-3-milhoes-por-causa-de-mclanche-feliz-3392985.html> Acesso em: 28/01/2012. 5 Cultura midiática tem a ver com determinada visão de mundo comportamento, e valores, absorção de padrões de gosto e consumo, internalizando imagens de felicidade e promessas de realização para o ser humano, produzidas e disseminadas pelo capitalismo (MOREIRA, 2010, p. 131)
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor
516
também se torna fundamental abordar técnicas de publicidade6, que assumem papel
fundamental na oferta de produtos e serviços.
Quando se procura entender questões como estas, pensa-se na identificação de uma
massa, ou seja, um grande número de pessoas que estão centradas em um organismo social,
que de alguma forma estão atingidas, como se cada membro da audiência, fosse identificado
por uma mensagem, a qual poderá ou não ter influência. (MORAES, 2009)
Frente aos avanços tecnológicos, gerou-se um mercado consumidor seduzido pelas
inovações e com o grande número de produção. Diferente de quando a delimitação centrava-
se na necessidade, hoje a ênfase volta-se ao querer. Para tanto, a publicidade utiliza-se muitas
vezes de técnicas de persuasão para que os consumidores adquiram novos produtos, na
constante reciclagem de vontades. (MORAES, 2009)
Moraes (2009) afirma que enquanto objetivos, a publicidade vai indagar um desejo
pela coisa anunciada, incutindo uma ideia e levando a massa ao ato de adquirir. As técnicas
utilizadas evidenciam aspectos da vulnerabilidade sob uma ordem psíquica, fisiológica e
econômica, sejam por disposições gráficas, estímulos visuais na produção de diversos
significados sobre o sujeito. Utiliza-se de diversos níveis de linguagem, entre pressões
internas e externas, promovendo ações e reações diversas nos consumidores.
Desta forma, compreender esta esfera midiática7 permite indagar a facilidade do
acesso e a maneira com que as posições midiáticas são apresentadas no contexto social, bem
como, a maneira que atinge os indivíduos inseridos neste sistema contemporâneo.
Safra (2001) afirma que a linguagem publicitária é estética e afeta profundamente
aquilo que produz a subjetividade humana, visando dentro deste meio a condição que o ser
humano vem a se desenvolver e estruturar-se. Para o autor, muitas vezes a realidade que a
mídia apresenta é distante da que a sociedade ou grande parte desta está englobada.
Baitello (2001) faz referência a três eras da mídia, designando-as: mídia primaria
voltada a linguagem corporal evocando a comunicação; a mídia secundária que seria
caracterizada pelo uso de objetos para se fazer comunicar, ampliando o homem no tempo e no
espaço. E, por fim com o advento da eletricidade surgiria a mídia terciaria, constituída de
6 Publicidade significado algo da ordem de tonar público, divulgar; Propaganda compreender a ideia de implantar, incluir uma ideia, uma crença na mente alheia (MORAES, 2009) 7Baitello (2001) designa a mídia como meio, recordando sua origem a qual vem do latim, tendo relação com aquilo que se entende por um espaço intermediário ou meio de campo. Nos dicionários de língua portuguesa, a palavra mídia também pode ser definida pelos meios de comunicação em massa, sendo esta herdeira do vocabulário inglês “media” retirada de uma locução latina.
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517
sistemas de mediação e emissão mais sofisticados, que passaram a facilitar a aproximação
com o outro e o acesso à informação.
No entanto, quando se ressalta a mídia terciária, a sofisticação e o acesso à
informação, Baitello (2001) indaga se ao longo deste processo o tempo se perdeu ou se
ganhou. Zeraram-se os espaços, mas, o pensamento corre ou permanece sentado e sedado
mediante a fascinante mídia da era contemporânea? Deste ponto, Safra (2001) faz uma breve
relação às indagações presentes, destacando que: Nos tempos atuais a mídia nos fornece um mundo de informações por meio de organizações estéticas. A estética da mídia é assentada no mundo da informática e ela nos apresenta uma temporalidade cada vez mais veloz e mais distante do tempo da corporeidade e da subjetividade humana. A mídia nos fornece também o espaço virtual. São essas perspectivas estéticas que transbordam para as diferentes áreas da vida humana. É o mundo da comunicação. (p.21)
Assim, pensar na era da mídia implica pensar nos resultados de um processo histórico,
os quais remetem a revolução industrial, a passagem de uma manufatura movida pela energia
humana para uma maquinofatura, ampliando grandes massas e mercados. Mediante estas
mudanças técnicas e a produção capitalista articulada à produção em massa, originou-se então
uma sociedade de consumo (BAUMAN, 2001).
Logo, no momento em que a sociedade se depara com o desenvolvimento de uma
grande massa de produção, necessita dar conta de produtos e serviços. A informação e a mídia
entram em cena tomando um espaço além do que lhe caberia. Assumem a frente de oferta,
transformam a publicidade no instrumento de venda efetiva e consolidam a sedução do
consumidor ao consumo.
Santos apud Bittencourt (2011) ressalta que cada vez mais os meios de comunicação
consolidam-se não apenas pela troca de informação, mas também pela publicidade que
acenam com maiores quantidades de objetos de desejo para aqueles que o consomem, fazendo
com que um dia o paraíso e o bem estar prometidos possam ser ilusoriamente encontrados.
O olhar moderno é fascinado diante da miríade de estímulos, de luzes, imagens,
cenários e coisas, aprendendo a desejar o corpo enfeitiçado do mercado, que o sacraliza pela
publicidade, ficando expostos a cobiça por traz de vidros reluzentes (SANTANELLA, 2006).
A publicidade fabrica aquilo que atende aos interesses dos poderes econômicos,
prosperando assim por meio de carências existenciais de cada sujeito, que consomem
incansavelmente para atingir uma satisfação interior (BITTENCOURT, 2011).
O autor aponta que pode ser impossível pensar em liberdade de escolha, quando há a
existência de um mecanismo como a publicidade, que se adequa a conveniências econômicas
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518
que o meio favorece. Ressalta que a publicidade tem o poder de elaborar um discurso que se
encaixa em aspirações pessoais e coletivas de uma massa que a consome, contextualizando
situações de prazer, alegria, contando com a presença de pessoas felizes e saudáveis no seu
discurso.
Símbolos que podem ser identificados por meio de inúmeras mensagens publicitárias a
partir da aquisição de um veículos, o atleta que demonstra prazer diante das capacidades de
um aparelho físico, dos benefícios de uma televisão de ultima tecnologia, entre outras
publicidades que conduzem o ser humano à esfera de um mundo tecnológico, prazeroso,
ilustrado em mensagens que retratam o perfeito, o narciso8.
Quando se remete a esta busca pelo prazer, ressalta-se que o ser humano tende a
buscar um ideal de perfeição. Para Freud (1914) todo ser humano possui um ideal de
perfeição, o narcisismo de cada indivíduo se desloca em direção a um novo eu ideal, pois não
admite ser privado da perfeição narcísica infantil, acha-se possuidor de toda perfeição de
valor. Assim que crescer se vê perturbado diante das restrições que foram impostas nas suas
pulsões de modo a procurar a perfeição, por meio de um eu-ideal (FREUD, 1914).
Freud (1930) sustenta que as exigências humanas, enquanto pulsões9 e as restrições
impostas pela civilização. Afirmando que a civilização é construída sobre a renúncia do
homem à pulsão, obtendo um caráter restritivo, acarretando em um impasse o qual a repressão
destas pulsões humanas irá de encontro ao princípio do prazer10, entrando em jogo a liberdade
individual contra a vontade imposta pela lei. O princípio do prazer deve-se então moldar-se ao
princípio da realidade11, onde a lei predominará sobre os desejos do indivíduo.
Entretanto, o cenário centrado nas preocupações consumistas, a responsabilidade
diante das escolhas, e as consequências destas são lançadas aos atores individuais, devido a
fortes estimulações de determinados padrões de comportamento (BAUMAN, 2011).
Chaui (2006) destaca que a publicidade tenta garantir o que o consumidor será.
Fortalece a ideia de que é igual a todo mundo ao mesmo tempo em que o faz deslocado. Faz-
se consumir o que os outros consomem, porém no imaginário, o produto adquirido lhe dará
uma individualidade especial. Assim, estabelecem-se sujeitos materialistas, narcisistas e
consumistas. 8 Mito Narciso, o amor pela imagem de si mesmo (LAPLANCHE e PONTALIS, 2001). 9 Pulsão é um conceito psicanálitico que define um processo dinâmico o qual consiste em uma pressão ou força (carga energética) que faz o organismo tender a um objetivo, suprimir um estado de tensão. Sendo o objeto ou graças a ele que o individuo atinge sua meta. (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001) 10 Princípio de prazer, é uma atividade psíquica que atende ao inconsciente, a qual tem por objetivo evitar o desprazer e aumentar o prazer em constância (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001). 11 Princípio de realidade, é o par do princípio do prazer e modifica-o a medida que consegue importa-se como princípio regulador, estando ligado a serviço do eu/ego. (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001).
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Para Bittencourt (2011) a existência de responsabilidades a agentes publicitários deve
ser revista, considerando que os mesmos sempre pretendem forjar novas demandas
consumistas, como forma de integrar os consumidores a um pertencimento social.
O autor aponta que a sociedade de consumo faz com que os indivíduos sejam
massificados por uma ideologia mercantilista12, os sujeitos passam a agir mediante agentes
externos e estímulos externos.
Ainda, destaca que foram desenvolvidas técnicas de neuromarketing como um
dispositivo comunicacional o qual é caracterizado pelo uso de mecanismos subliminares na
divulgação do produto/serviço, sendo este um dos fatores que geram a criação artificial de
demandas consumistas nos sujeitos seduzidos por imagens que prometem gozo existencial
mediante aquisição do produto divulgado.
Lindstrom (2009) ressalta que frente às impossibilidades de escolhas, cada vez mais
um numero maior de empresas vai se esforçar para manipular medos e inseguranças a respeito
dos próprios indivíduos fazendo pensar que o ser humano não é suficientemente bom se não
adquirir o produto e assim estar perdendo algo ou caindo fora do pertencimento social.
Nesta era do consumo, o foco está na produção de imagens, onde não existe tempo
necessário pra ressignificação de acontecimentos e o resgate da cidadania se da por meio de
existir para o outro, de ser olhado pelo outro, pelo seu valor pessoal (GOLDFARB, 1998).
Bittencourt (2011) afirma que a mente do individuo esta imersa na realidade
espetacular de imagens impactantes, detendo a atenção dos sujeitos por meio de produtos
ilustrados por promessas de felicidade instantâneas. A dimensão mágica dos produtos é
produzida por uma publicidade fetichista, onde o produto deixa de ser algo apenas de uma
ordem material e se torna dotado de vida própria, engajado de simpatia, depositando totais
aspirações de felicidade.
Faz-se pensar em uma necessidade que pode ser despertada por um estímulo, onde
faça que este indivíduo tenha consciência de tal, como algo de “ordem, atenção, interesse,
desejo e ação”, como afirma Moraes (2009, p. 282). Esta atenção voltada ao produto torna a
ideia de que a aquisição a qual pode refletir-se em uma satisfação imaginária, questionando-
se, no entanto, o que realmente é necessário.
Moraes (2009) utiliza-se da psicologia para apontar o desejo de consumir, de
satisfazer, no qual designa a partir de uma concepção de Garcia-Roza13, que a satisfação é a 12 Ideologia ou teoria econômica dominante durante dois séculos e meio, com objetivo de alcançar o máximo de desenvolvimento econômico, através do acumulo de riquezas. Sento então a Ideologia Mercantilista herança de uma evolução cultural (COBRA, 2001).Acesso em: 24/02/2013 Disponivel em: http://www.cobra.pages.nom.br/ft-mercantilismo.html
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eliminação da tensão interna causada por um estado de necessidade. Esta experiência fica
associada à imagem do objeto que a proporcionou, o autor reafirma que os resíduos das
experiências de satisfação vão constituir os afetos, enquanto os resíduos de experiências de
dor constituirão o desejo.
Desta forma, o individuo que recebe essas informações é levado a acreditar que se ele
consumir também será tal qual o produto (BITTENCOURT, 2011). Então, a sedução toma o
lugar do dever, o bem-estar tornou-se Deus, enquanto a publicidade passou a ser seu profeta
(LIPOVETSKY, 2005).
Neste contexto, pretende-se repensar a ética da publicidade mediante esta imensidão
mágica, pois determinado produto poderá até proporcionar uma satisfação, mas não fará deste
consumidor uma pessoa extraordinária (BITTENCOURT, 2011).
Para a psicanalista Kehl (2002) a expansão capital e a liberação sexual fez do interesse
das massas consumidoras pelo sexo um ingrediente eficiente de publicidade, onde tudo que se
vende tem um apelo sexual. A imagem evoca o gozo que se consume na própria imagem, ao
tempo em que promete fazer o consumidor pleno e realizado, a mercadoria é oferecida como
presença segura, como objeto de desejo.
Bittencourt (2011) destaca que embora a publicidade também seja utilizada para
passar a informação comercial, até que ponto seria eticamente licito condicionar esta
liberdade alheia como meio para lucrar. Visto que aqueles que não conseguem participar,
resta-lhes o desprezo, a exclusão social, diante da impossibilidade de participação na
valoração da identidade de um dado grupo, delimitado pelo consumo.
3 CONSUMO(MISMO) E A VULNERABILIDADE PSÍQUICA
O consumo oportuniza atender as necessidades de rotinas diárias, estigmas sociais,
valores e popularidade (BAUMAN, 2011). Logo, são os sujeitos consumidores que fundam a
sociedade de consumo e acabam sendo determinados como atores sociais de uma economia
que move este sistema, transformando uma sociedade, mediada por novas relações, em torno
de novos interesses. (SODRÉ, 2009).
13Luis Alfredo Garcia-Roza é professor e lecionou Teoria Psicanalítica na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo sido um dos principais fundadores do curso de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica desta universidade. Formado em filosofia e psicologia, Garcia-Roza adquiriu grande notoriedade através de sua obra analítica, com oito títulos lançados. Após uma carreira plena na área acadêmica, Garcia-Roza optou por iniciar-se como escritor de ficção policial. Disponível em: <http://www.comciencia.br/entrevistas/roza/roza01.h>Acesso em:12/06/ 2012.
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521
Para Bittencourt (2011) os critérios ditos morais de uma sociedade consumista,
herdeira do tecnicismo industrial, consiste na obrigação (inconsciente) do indivíduo se
apresentar publicamente como alguém plenamente capacitado a consumir.
Logo, consumir, traz como reflexo, estigma social, popularidade, prazer, o sujeito
consumidor busca constantemente a “obrigação” de ser feliz, mesmo quando este estado não
se concretize plenamente em um âmbito real. Consumir, estar (in) satisfeito é os resultados
que o sistema objetiva, sendo este o grande fundamento da era da propaganda
(BITTENCOURT, 2011).
Schroder e Vestergaard (2004) destacam que a propaganda constrói um universo
imaginário em que o leitor consegue materializar os desejos insatisfeitos da sua vida diária.
Desta forma, mesmo que exista uma promoção à satisfação plena, o prazer em consumir
sempre ocorre de forma momentânea. (BITTENCOURT, 2011).
Moraes (2009) aponta para o uso da publicidade como enternecedora, ao público
adulto e infantil. O autor ressalta a possibilidade de que os engenhos publicitários podem
direcionar-se aos pais de modo que ao consumir estejam lidando com frustrações pessoais
próprias, embasando o alvo do consumo no que prospere a felicidade que muitas vezes não foi
atingida.
Campos e Souza (2003) destacam que ao longo do crescimento expansivo da
sociedade estabeleceram-se novas relações entre adultos e crianças, dando-se o surgimento da
produção de uma nova subjetividade diante da organização que o meio favorece,
transformando o contexto, as demandas e as indagações de uma sociedade contemporânea.
Logo, a criança ou adolescente que se encontra em desenvolvimento altera suas relações a
partir daquilo que o meio lhe oferece.
Assim, identifica-se que a linha divisória entre a infância e a idade adulta vem
desaparecendo gradualmente, onde crianças cada vez mais se vestem como adultos e as
brincadeiras modificaram-se, podendo ser ressaltados altos índices de crimes precoces e
meninas modelos ilustrando a “adultez” do mundo contemporâneo (CAMPOS e SOUZA,
2003).
Petro (2008) ressalta que a sociedade encontra-se com efeitos negativos, adolescentes
encontram-se adultizados, adultos infantilizados, hierarquias invertidas, famílias desligadas,
indivíduos com sentimentos de desvalia e confusos com relação a identidades.
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A família14 então englobada nas relações de consumo deixa de ser uma unidade de
direção e se torna uma pluralidade de existenciais, permitindo a dualidade entre o exercício do
poder familiar e as condições que o meio favorece.
É possível observar na era contemporânea, além de não haver uma linha divisória
entre a infância e a idade adulta, os pais estão cada vez mais distantes dos filhos, que por sua
vez ficam vulneráveis aos papéis sociais que a mídia lhe oferece (CAMPOS e SOUZA, 2003).
Por certo, as referências e identidades passam a ser constituídas a partir deste grande
outro15,contemporâneo, designado como a mídia televisiva.
Postman (1999) em uma análise à televisão destaca que a mesma seria o que destrói a
linha entre a infância e a vida adulta. Entre os motivos, compreende que a utilização da
mesma não faz exigências complexas, nem a mente e nem ao comportamento. Este meio
midiático recria as condições de comunicação e psiquicamente o sujeito está equipado para
ver, interpretar e ouvir a linguagem que é demandada por este meio de comunicação. O autor
aponta que não há mais segredos, “sem segredos, evidentemente, não pode haver uma coisa
como a infância” (p.94). Kehl (2001) fundamenta-se em uma citação de Contardo Calligaris,
sugerindo que: Por um lado é muito bom viver em uma sociedade em que todas as fantasias podem ser comunicadas, não tem que ser recalcadas, tudo pode ser dito, por outro gostaria que nessa sociedade as crianças não estivessem ameaçadas (CALLIGARIS apud KEHL, 2001, p. 49)
Se a ideia de infância estaria relacionada à existência de segredos, Campos e Souza
(2003) destacam que quase tudo é mostrado via imagem. Assim, que diferença faz a mídia
com relação ao adulto frente à criança. Pudor, censuras midiáticas e restrições ao expor
determinadas situações parecem não fazer mais parte do nosso cotidiano.
Campos e Souza (2003) ressaltam que a mídia passou a desafiar o lugar do adulto,
questionando o lugar do saber que este ocupava. A partir disso se indaga a construção de
novos padrões às crianças, aos jovens e aos adultos a partir de signos favorecidos por uma
sociedade de consumo.
Quanto à construção psíquica, Moraes (2009) reforça o poder da publicidade sobre as
crianças, referindo-se a pesquisas realizadas na França, as quais demonstraram que crianças
14Conforme a Constituição Federal art. 226, a família possui relevante proteção constitucional, entendida como uma entidade dotada de função social. Os valores protegidos por esta tem como objetivo a preservação da moral e cultura universal. Diante disso a Constituição Federal14 assume um caráter principiologico, para uma ordem de valores que funciona para diretrizes de uma vida em comum. (CERQUEIRA E REIS). 15 Termo de caráter psicanalítico embasado nos processos identificatórios. O grande outro é um suposto sujeito constituído de um suposto saber (BASTOS,s/d) Acesso em: 28/02/2013. Disponivel em: http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/art147.htm
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que raramente assistem televisão, percentual de 16%, pediram brinquedos exibidos pela
publicidade, diferentemente, 40% entre as que veem habitualmente televisão, fizeram o
pedido de compra aos pais.
Girandello (apud Moraes, 2009) questiona como a criança vai distinguir os
comerciais do restante da programação, afirmando a delicadeza acerca do público infantil,
onde existe a restrição da capacidade de processamento de informações, as quais restringem
sua compreensão dos objetivos da propaganda na televisão.
Moraes (2009) expõe que na moldagem do psiquismo infantil há modelos dos
adultos, com os quais a criança identifica-se. No entanto, no mundo contemporâneo, refletido
na ausência dos pais, os heróis muitas vezes acabam sendo personagens dos meios televisivos,
tornando-se suscetíveis a estes.
Neste cenário, Britto (2011) afirma que a família está englobada em um sistema de
função social, no qual a transmissão de valores passou a ser revertida pela cultura do
consumo. O autor refere-se ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária
(CBAP), em seu art. 19, que toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à
dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos
nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar. Deste modo, deverá contribuir
para manutenção de uma harmonia e de uma paz familiar.
Quando há uma exploração da publicidade dirigida ao público infantil, com intuito
de estimular os pais aos incansáveis pedidos, isto configura uma violação ao direito da família
exercer o legítimo poder familiar, violando a liberdade de tal entidade. (BRITTO, 2011).
Deste modo, refere-se ao art. 17, CBAP, no qual consta que os anúncios devem
refletir cuidados especiais em relação à segurança e às boas maneiras, abstendo-se de
provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis no propósito de impingir o
consumo.
Campos e Souza (2013) destacam que a publicidade por meio da mídia utiliza de
imagens, estilo de vida, mercadorias, criando uma nova fórmula de estratificação social e
cultural. O valor da mercadoria passou substituir o valor humano, surge uma nova ética do
campo das relações sociais.
Britto (2011) afirma que a publicidade vincula os pais16 como responsáveis de altos
índices de consumo infantil, esta defesa se fortalece quando a ideia de que o exercício família
16 O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe no Art. 4º que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, a dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. E no Art. 22º afirma que aos pais
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é poder dos pais, tornando-se uma guerrilha entre os apelos publicitários e o dever de
responsabilidades.
Acreditar na ineficiência do poder familiar na atualidade é afirmar que não são os
pais que perdem o controle, mas que se trata de uma renúncia a ele, pois a responsabilidade de
uma compra sempre cai no adulto (SCHOR, 2009). Por sua vez, Britto (2011) aponta que a
responsabilidade dos pais não é excluída, no entanto, aborda a dificuldade destes em realizar
esta função.
Em contrapartida, Schor (2009) afirma que os pais têm a responsabilidade de
restringir o acesso dos filhos a esta cultura de consumo, caso contrário, os resultados podem
ser catastróficos. Se construção do psiquismo infantil se fundamenta por meio dos modelos
adultos, dos quais as crianças idealizam grandes heróis, o reflexo dos comportamentos de
consumismo dos pais e ausência destes, pode estar refletindo-se em uma vulnerabilidade
infantil, a qual se agrava à medida que os processos de consumo, fogem do controle, seja por
meio do âmbito familiar ou social (MORAES, 2009).
Em que pese, o cerne existencial do Código de Defesa do Consumidor está no
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor. O objetivo de promover a igualdade entre
consumidor e fornecedor vem justamente do fortalecimento do sujeito mais frágil da relação
de consumo, ou seja, o consumidor é o sujeito vulnerável. Neste sentido, Bruno Miragem
(2010) reforça o entendimento de que a vulnerabilidade do consumidor constituiu presunção
legal absoluta para coibir o desiquilíbrio entre dois agentes econômicos, consumidor e
fornecedor.
A vulnerabilidade, limitando-se aos ensinos de Claudia Lima Marques (2011), pode
ser observada, em contexto genérico, diante da condição técnica, jurídica, fática e
informacional. Paulo Valério Dal Pai Moraes (1999) ao tratar especificamente o princípio da
vulnerabilidade apresenta outras espécies as quais identifica como vulnerabilidade política,
psíquica e ambiental.
Ao que importa à delimitação do presente artigo, vulnerabilidade psíquica, o autor
descreve que se identifica diante das modernas técnicas de marketing que promovem efeitos
na escolha, na tomada de decisão do consumidor (MORAES, 1999). Assim, a vulnerabilidade
está condicionada ao condão mais frágil da relação de consumo, o consumidor. No que tange
à vulnerabilidade psíquica fica fácil a percepção de que o sujeito-consumidor está exposto à
incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
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práticas que denotam a sua fragilidade junto às técnicas que passam a estar exposto durante a
oferta de um produto/serviço.
Ao contexto, Bruno Miragem (2012, p. 103), com maestria, trata o tema da
hipervulnerabilidade, ou como define em sua obra a vulnerabilidade agravada, a mesma
defendida por Claudia Lima Marques (2011) como vulnerabilidade potencializada. Assim:
se os apelos de marketing são sedutores aos consumidores em geral, com maior intensidade presume-se que o sejam em relação às crianças e adolescentes. Estes se encontram em estágio da vida em que não apenas permite que se deixem convencer com maior facilidade, em razão de uma formação intelectual incompleta, como também não possuem, em geral, o controle sobre aspectos práticos da contratação, como os valores financeiros envolvidos, os riscos e benefícios do negócio. (...) Outra espécie de vulnerabilidade agravada é a do consumidor idoso. Assim como a criança e ao adolescente, sua proteção tem assento constitucional, inspirado nos princípios da solidariedade e da proteção.
Por certo, se são os consumidores vulneráveis por natureza, há, em especial diante da
evolução das relações de consumo e dos avanços de técnicas de oferta, venda e marketing,
uma vulnerabilidade psíquica e, por sua vez, potencializada, agravada frente às circunstâncias
que envolvem o consumidor na contemporaneidade.
Resultados de pesquisas apontam o índice de 41% relacionado à dificuldade dos pais
em impor limites aos filhos, alegando que muitas vezes necessitam dos produtos para serem
aceitos nos grupos sociais; 78% dos pais são contrários à publicidade de marcas nas escolas;
65% afirmam que a televisão deveria reduzir as mensagens comerciais; e 64% acreditam que
provedores de internet fazem pouco para proteger as crianças. (SCHOR, 2009, p.115)
Deste ponto, Britto (2011) contribui para a percepção da dificuldade da função e
exercício do poder familiar frente a altos índices de publicidade e incentivo ao consumo.
Contudo, afirma que não vem a ser algo que caiba somente aos pais, ao Estado ou ao grande
sistema midiático. O contexto é agravado em um todo, reflexo das transformações sociais.
Schwereiner (2006) reforça que a criança-consumidora é constantemente
condicionada à troca. Cada vez mais, novos produtos são necessários. Consumir fundamenta a
moral do mundo contemporâneo e o vazio das relações.
Formou-se um mercado preenchido pela aparente busca de satisfação das
necessidades, configurando-se pela busca de conforto, prestígio e até mesmo o
reconhecimento social, que aparece pertinente à adolescência caracterizando a
competitividade e a busca de um status idealizado.
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Moraes (2009) lembra que é abusiva a publicidade que se aproveita da restrita
experiência da criança, previsão consumada no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no
Estatuto da Criança e do Adolescente. Entre os exemplos referenciados, relata que condutas
perigosas em meios de publicidade podem ser tomadas como imitação por pessoas
vulneráveis, especialmente crianças, onde não há a percepção sobre as consequências das
ações que estão sendo induzidas.
Neto (2012) reafirma que a mensagem ao público infantil, deve ser clara, límpida,
pura e acima de tudo honesta. Destaca-se que esta obrigação é garantida pelo fato de se estar
diante de um sujeito vulnerável, o consumidor.
Neto (2012) caracteriza a publicidade abusiva aquela que é desviada dos princípios
gerais do CDC, em contraposição ao abuso do direito, o princípio da função social e
econômica a qual se propõe. Destaca ainda o conceito de publicidade subliminar, referindo-se
aquilo que está encoberto, abaixo de um nível consciente, podendo provocar percepções que
não chegam à consciência, uma publicidade maquiada (NETO, 2012).
O art. 39, IV, CDC, aponta a questão pertinente à idade do indivíduo frente às
práticas abusivas publicitárias, sendo vedado prevalecer-se da fraqueza, ou ignorância do
consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento, condição social, de modo a
impingir-lhe os produtos ou serviços. Por certo, a Constituição Federal promove, por meio do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 6º, que adolescentes e crianças sejam
tratados como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Desta forma, esta condição
implica que não conhecem seus direitos e ainda não são capazes de fazê-los valer de modo
pleno, não podendo sozinhos, principalmente crianças, suprir suas necessidades básicas
(PEREIRA e PEREIRA, 2010).17
Desta forma, estas considerações recaem sobre a família, sendo possível observar
que ao longo das mudanças dos padrões familiares, a inserção da mulher no mercado de
trabalho, também possibilitou um menor tempo aos filhos, onde os pais tentam comprar as
ausências, tornando os filhos independentes, e cada vez mais precocemente consumidores.
Para Britto (2011, p. 108): “a família está plenamente inserida no contexto da sociedade de
17 Neto (2012) caracteriza a publicidade abusiva aquela que é desviada dos princípios gerais do CDC, em contraposição ao abuso do direito, a saber, o princípio da função social e econômica a qual se propõe. Afirma que se a agência publicitária ou fornecedor agem de forma incompatível com a boa-fé, ultrapassando sua liberdade de expressão e comunicação, tal fundamento está garantido no art. 5, IX da CF/88, o qual afirma a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. O autor destaca também o conceito de publicidade subliminar, referindo-se aquilo que está encoberto, abaixo de um nível consciente, podendo provocar percepções que não chegam à consciência, uma publicidade “maquiada” (NETO, 2012).
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consumo, sendo perceptível o grande envolvimento das relações de consumo nas relações
familiares”.
Para Costa e Pacheco (2010) a infância e adolescência atual necessitam de uma
família real, de modo que problemas e soluções possam estar presentes e serem discutidos
privilegiando autenticidade entre os membros. Assim, ressalta-se que frente a estes
paradigmas, deve-se pensar em uma educação para o consumo, onde haja a construção de
uma sociedade sustentável, democrática e participativa, possibilitando um ser dotado de
dignidade, onde visa a redução de um presente desigual e de desrespeito para com o outro.
CONCLUSÃO
Este estudo se propôs a apresentar a temática da vulnerabilidade psíquica a partir do
processo midiático (causa) frente ao consumo/consumismo (efeito). O estudo abordou o
direito do consumidor, que tem como marco legislativo a Constituição Federal que impôs ao
Estado o dever de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor. Após 25 anos da
Constituição Cidadã, identificar os atores sociais e a concretização dos objetivos é essencial
para efetivar direitos e garantias fundamentais.
Neste contexto, novas são as conjunturas sociais. Hoje, fala-se, entre outras, em
sociedade em rede, sociedade de informação, sociedade virtual e sociedade de consumo.
Evidentemente a sociedade é dinâmica em sua essência, cabendo ao direito tutelar os anseios
sociais e tratar as desigualdades.
Na seara do direito do consumidor, os inventos humanos permitiram avanços
inimagináveis. Por certo, consequências humanas decorrentes da massificação da produção,
da virtualização das relações de consumo e da diversidade de produtos. Outros são os valores,
outros são os meios e os métodos que corroboram à sedução do consumo, enfraquecendo o
consumidor e fortalecendo a vulnerabilidade.
Ao passo que a vulnerabilidade é princípio basilar do direito do consumidor, assume
outros contextos diante da contemporaneidade. Fala-se em vulnerabilidade fática,
informacional, jurídica e, agora, também psíquica.
Neste cenário, o discurso midiático tem o poder de persuadir os consumidores,
criam-se necessidades associadas à venda de produtos e serviços que tomam a felicidade
como parâmetro. Um ideal de felicidade conforme foi pontuado pelas teorias psicanalíticas é
conquistado a partir da compra. Passa-se a ser pelo que se tem.
A mídia publicitária restringe o ser humano ao ideal de felicidade, agravando a
vulnerabilidade ao criar uma ideologia do falso bem-estar. A sociedade de consumo está
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mergulhada em um ideal imaginário, em que consumir é a regra. Não há conclusões definidas,
e tomá-las seria precipitado, porém é possível afirmar que o direito do consumidor necessita
(re)pensar os ditames da vulnerabilidade, que passa a ser também psíquicos, acentuados pelos
métodos, por vezes desleais, da publicidade. Ao futuro resta a expectativa de novos tempos
em que o consumidor retome o protagonismo das relações de consumo.
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