Direitos Humanos

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CURSO DE FORMAÇÃO GUARDA CIVIL MUNICIPAL DE APARECIDA DE GOIÂNIA Direitos Humanos e Cidadania Instrutores:

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CURSO DE FORMAÇÃO

GUARDA CIVIL MUNICIPAL DE APARECIDA DE GOIÂNIA

Direitos Humanos e Cidadania

Instrutores: Inspetor Fabrício Rosa

Sgt.

Sd. Divino Nunes

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Sumário Aula 1 – Ética e Direitos Humanos Aula 2 – Instrodução aos Direitos Humanos Aula 3 – Instrumentos de proteção aos direitos humanos Aula 4 – Treze reflexões sobre polícia e direitos humanos Aula 5 – Tortura: um mal que deve ser combatido Aula 6 – Entre a universalidade e a proteção a grupos vulneráveis

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Apresentação A educação em Direitos Humanos e Cidadania se apresenta como uma consciente e sólida proposta de adequação das ações da Guarda Municipal aos novos valores democráticos e anseios sociais, buscando desenvolver em seus agentes consciência crítica e prática cidadã que permita a eficácia no cumprimento do dever funcional, a aproximação com a sociedade e o resgate de sua dignidade e auto-estima. Os preconceitos, as diversas formas de discriminação, os equívocos éticos e morais ainda presentes em nossa sociedade têm permitido que os profissionais da segurança pública brasileira recebam influências negativas para o cumprimento de sua missão. As arbitrariedades, o abuso de poder, a corrupção, a tortura, entre outros desvios de conduta, são práticas perniciosas que devastam os valores e a estrutura social, alimentando o ciclo que gera a violência. Reconhecendo a problemática das violações dos direitos humanos, a disciplina se compromete com uma formação teórica, prática e valorativa dos guardas municipais que possa garantir o pleno entendimento de sua função para assegurar a existência do estado democrático de direito e o respeito à dignidade humana. Este curso foi organizado seguindo as diretrizes da Matriz Curricular Nacional para Guardas Municipais, contemplando temas do Módulo I, naquilo que trata especificamente de Direitos Humanos e Cidadania, mas também do Módulo III, especialmente no que concerne aos movimentos sociais. O objetivo do curso é possibilitar aos futuros guardas municipais que se percebam enquanto agentes de transformação social responsáveis pela construção de relações sociais mais harmônicas, sendo capazes de efetivar em sua vida profissional uma postura ética e respeitadora das diversidades que compõe a comunidade em que atuarão. A metodologia adotada para elaboração do material é aquela que permite a máxima participação do aluno com a possibilidade de adaptação do material à experiência de cada docente. Trata-se apenas de coletânea de textos, apontamentos e exames de casos concretos, com indicação de legislação, doutrina, livros e filmes sobre cada tema, não pretendendo esgotar os assuntos. O curso foi montado com base em temas, não em teorias ou autores específicos, entretanto, devido à necessidade de estabelecer uma bibliografia básica, em cada capítulo são indicados livros e textos de autores, além de sites, para que o aluno possa ter uma maior compreensão do assunto. O aluno será avaliado por meio de prova escrita, participação em sala de aula e atividades extra-sala, como execução de ações sociais ou seminários.

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Aula 1 – Ética e Direitos Humanos Caros alunos, todos nós concordamos que ética é algo super reinvidicado nos dias de hoje. Em nossas relações pessoais sempre ouvimos alguém dizer: ―Nossa, mas a ação de fulano não foi ética...‖, ou criticar a atuação de algum agente público: ―Meu Deus, como esse político pode ser tão sem ética?‖. Mas, o que mesmo vem a ser essa tão clamada ética? A palavra em si vem do grego ―ethos‖ e significava, na Grécia antiga, os costumes, as tradições e, ao mesmo tempo, o modo de ser de uma pessoa, seu caráter. Por outro lado, vista enquanto ciência, tem por objetivo estudar as relações entre os seres humanos e deles diante de si próprios, com o fim de facilitar-lhes a condução no caminho do bem. Um conceito interessante é aquele defendido por Herbert de Souza, o Betinho: ―Ética é um conjunto de princípios e valores que guiam e orientam as relações humanas. Esses princípios devem ter características universais, precisam ser válidos para todas as pessoas e para sempre. Acho que essa é a definição mais simples: um conjunto de valores, de princípios universais, que regem as relações das pessoas. O primeiro código de ética de que se tem notícia, principalmente para quem possui formação cristã, são os dez mandamentos. Regras como ―não matar‖, ―não roubar‖, são apresentadas como propostas fundadoras da civilização cristã ocidental.‖ (em Ética e cidadania, Ed. Moderna, 1994) Independentemente do conceito adotado, é importante entendermos que a ética não pode estar apenas nos livros e nas leis. Deve, na verdade, ser colocada em prática em nosso quotidiano, seja nas relações pessoais ou profissionais. É fundamental saber que ser ético é aspirar o bem coletivo a todo momento, é colocar nossas ações e sonhos em prol do bem-estar do próximo, por que se todos adotamos essa postura seremos infinitas vezes agraciados, já que somos ―o próximo‖ das outras 7 bilhões de pessoas que vivem no mundo. É agir seguindo os preceitos citados pelo grande filósofo alemão Immanuel Kant: ―Age de tal modo que o seu comportamento possa valer sempre como princípio de uma lei universal‖. Na nossa profissão enfrentamos muitos conflitos éticos e é preciso que saibamos administrá-los. Notamos, muitas vezes, que profissionais agem de modo contrário àquele que gostariam de ter agido, havendo sempre uma desculpa para justificar a ação não ética. Quando o servidor está em início de carreira ele alega: ―quando eu chegar lá terei mais poder para fazer diferente!‖, já os gestores costumam alegar ―a pressão é grande, seria ótimo que eu estivesse no início da carreira, faria tudo diferente... mas agora, tenho muito a perder, muitos dependem de mim...‖

No nosso entendimento, é preciso saber que não existe o ―quando eu chegar lá‖, porque até os que estão ―lá‖ pretendem chegar em outro lugar. Portanto, é urgente cobrar ação ética dos nossos pares e superiores, porque é possível, mesmo em situações de conflito, trazer reflexões para o engradecimento do grupo e para uma melhor tomada de decisões, aproveitando o conflito como oportunidade de aprendizado. É necessário sermos fortes e não nos deixarmos levar por essas desculpas de hierarquia, pressão dos outros, cobranças de amigos etc. Sempre vai haver espaço para que levantemos a questão: ―Pessoal, será que estamos sendo éticos?‖. Ser ético é pra agora e não pra depois.

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É interessante notar que existem diversas questões que nos causam um certo conflito ético, em nossa vida profissional ou fora dela. Trazemos algumas questões abaixo para análise e discussão em grupo: a) É ético receber brindes, mesmo que de pequeno valor, em razão da função pública que você ocupa? b) É ético manter silêncio sobre a má conduta do seu chefe para manter seu cargo ou função? c) É ético um pai desempregado há algum tempo furtar comida para alimentar o próprio filho? d) É ético prolongar a vida artificialmente de um paciente terminal que não tem perspectiva de cura? (distanásia) e) É ético usar animas em pesquisas médicas e biológicas? f) É ético apresentar um cidadão preso à imprensa quando ainda se tem dúvidas se ele é o culpado do crime? E você, vive conflitos éticos em sua vida profissão? Compartilhe alguns com a turma. Mas lembre-se de respeitar a opinião alheia. Falando nisso, veja que interessante essa parábola sobre tolerância e respeito ao próximo: ―Certa vez um pregador reuniu milhares de chineses para pregar-lhes a verdade. Ao final do sermão, em vez de aplausos, houve um grande silêncio. Até que uma voz se levantou ao fundo: 'O que o senhor disse não é a verdade'. O pregador indignou-se: 'Como não é verdade? Eu anunciei o que foi revelado pelos céus!' O objetante retrucou: 'Existem três verdades. A do senhor, a minha e a verdade verdadeira. Nós dois, juntos, devemos buscar a verdade verdadeira'.‖

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2. Introdução aos Direitos Humanos1

Você certamente já tem muita experiência e contato com os ―direitos humanos‖, seja na sua comunidade ou na organização de que faz parte, ou mesmo individualmente. Pode ser que você tenha sofrido violações de direitos humanos. Ou talvez tenha participado de lutas e conquistas que melhoraram a situação dos direitos humanos à moradia, alimentação, saúde, trabalho, do povo negro, indígenas, das crianças, adolescentes, etc.

No geral, as pessoas relacionam a expressão ―direitos humanos‖ a acontecimentos próximos ao nosso cotidiano, como o assassinato de Chico Mendes e do índio Galdino, a chacina da Candelária, o massacre do Carandiru, estupro da jovem de Abaetetuba (presa em uma cela masculina no Pará), a situação dos sem-teto, as lutas e manifestações dos sem-terra, a violência contra a criança, a discriminação do povo indígena e do povo negro, os abusos contra a mulher, a pobreza, a miséria; ou então, lembram de grandes temas da história, como a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa.

Saiba que, se, ao pensar em direitos humanos, você se lembrou de situações como essas, você acertou. No caso, os assassinatos e chacinas referem-se a violações e injustiças que vão contra o conceito de direitos humanos que você já tem. Os episódios da Independência Americana e da Revolução Francesa referem-se a momentos históricos em que se afirmaram noções de direitos humanos.

O que hoje chamamos de direitos humanos fazem parte de uma construção histórica, de muitas lutas e conquistas que foram expressas pela primeira vez em sua forma atual na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Ela surgiu da preocupação de criar um código de conduta internacional que diga quais são os ―direitos fundamentais da pessoa humana‖, que expressam o mínimo necessário para viver com dignidade.

Em outras palavras, os Direitos Humanos surgiram ao mesmo tempo como ferramenta e como objetivo da luta por uma vida digna. Como ferramenta porque, através da idéia de direitos humanos, somos capazes de entender os problemas de nossa realidade. E também são objetivos, pois os direitos humanos também precisam se tornar realidade, para que as pessoas vivam com dignidade.

2.1 Por que surgiu a Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948?

Atos de violência e atrocidades, que hoje chamamos de violações de direitos humanos, fazem parte da história da humanidade – e do Brasil também. Desde o massacre e escravização dos povos indígenas, assim como dos povos africanos, mesmo a história de um País jovem como o Brasil é cheia de episódios trágicos e violentos.

1 Texto copilado e adequado do conteúdo do curso de “Direitos Humanos e Mediação de Conflitos” ministrado pela

Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Módulos I e II. Disponível em http://dh.educacaoadistancia.org.br/arquivos/oferta3/Modulo_01.pdf.

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos somente foi criada em 1948, como forma de reação contra as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, quando Hitler comandou o genocídio de judeus e outras minorias nos campos de concentração.

Nessa guerra houve mais mortos do que em todas as outras guerras anteriores juntas. Ela ―resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração, com a morte de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos...‖ (PIOVESAN, 2006, p. 13).

Também foi a primeira vez na história contemporânea em que os exércitos atacaram diretamente a população comum, e não apenas outros exércitos. Cerca de trinta milhões de civis morreram nessa guerra, muito mais do que os soldados mortos. Não bastasse isso, também foram lançadas as bombas atômicas contra as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

A Segunda Guerra Mundial, com todos estes fatos terríveis, foi o grande motivo para a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), para a revisão das leis que regem as guerras (as Convenções de Genebra) e a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.

A Declaração foi elaborada também com o propósito de substituir um sistema de proteção às minorias, que foi criado depois da Primeira Grande Guerra, mas que se mostrou inútil contra as atrocidades cometidas na nova guerra. Era necessário estabelecer uma nova forma de os países e as pessoas se relacionarem.

2.2 Pilares que fundamentam os direitos humanos:

Os Direitos Humanos são as coisas que precisamos para ter uma vida digna. Sua ênfase não está na caridade ou na filantropia, mas sim na autonomia e no protagonismo das pessoas, através da solidariedade e do respeito à diversidade.

Veja a introdução da Declaração. Ela apresenta os motivos que levaram os países a assinarem o documento e os pilares ou bases que devem sustentar os direitos humanos em todas as pessoas.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

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Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

A partir do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, podemos listar os princípios por trás dos direitos humanos:

DIGNIDADE

IGUALDADE

LIBERDADE

JUSTIÇA

Os direitos humanos nascem do reconhecimento do valor e da dignidade da pessoa humana. Essa dignidade de todas as pessoas significa que o ser humano vale pelo que é, por ser humano, por ser pessoa. Esse valor é inegociável. Não pode ser comprado ou vendido. Todo ser humano merece respeito. Tem DIREITOS HUMANOS!!!

Leia o texto abaixo que explica o sentido da universalidade dos direitos humanos.

Todo homem – e toda mulher! – tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. Independentemente do sexo, da cor, da idade, do credo, do país, do grau de escolaridade ou até de grande cidadania, santos ou criminosos, nenéns ou vovozinhos, sendo gente – apenas gente, todo homem e toda mulher são pessoas. E devem ser reconhecidos como tais na vida de casa e da rua, na família e na sociedade, no trabalho e no lazer, na política e na religião. Também nos canaviais e nas carvoarias. Também nas penitenciárias e sob os viadutos. Diante dos olhos dos transeuntes e ante as câmeras de televisão. Em todos os lugares, pois, deste redondo planeta azul que é a Terra.

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(...) – Não é um cara; é uma pessoa. Não é uma vagabunda; é uma pessoa. Não é um estrangeiro; é uma pessoa; não é um mendigo (para brincar de fogo com ele!); é uma pessoa. (Uma pessoa, senhora juíza!). (CASALDÁLIGA, 2002, p. 85).

2.3 O que são direitos humanos?

“Não há nada mais Humano,

Que a humanidade, (de) respeitar os direitos do outro”.

Liu Onawale Costa

Desde a publicação da Declaração Universal, ―direitos humanos‖ é o nome dado às necessidades básicas de todo ser humano, como os direitos à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, à liberdade de expressão, à liberdade política e outros, que vamos conhecer com mais detalhes mais tarde.

DIREITOS HUMANOS = NECESSIDADES ESSENCIAIS DA PESSOA, DE TODOS OS SERES HUMANOS

É importante dizer que direitos humanos não significam assistencialismo, filantropia ou caridade. Os direitos humanos servem para EMPODERAR as pessoas, ou seja, fazer com que elas sejam as donas de suas próprias vidas para fazerem o que quiser delas – e não ficarem apenas como vítimas que aguardam esmolas. As pessoas devem ser as protagonistas, os ―atores e atrizes principais‖ das suas próprias vidas.

Esse ―EMPODERAMENTO‖ significa, principalmente, que as pessoas não podem ficar esperando que um salvador da pátria chegue para ―conceder‖ os direitos humanos, que todos já possuem. O povo precisa se organizar para reivindicar seus direitos humanos, seja através das associações de bairro, sindicatos ou até partidos políticos ou ONGs.

Importante! Todos os seres humanos, independentemente de sua idade, sexo, raça, etnia, opção em relação à religião, ideologia, orientação sexual, ou qualquer característica pessoal ou social, possuem direitos humanos. Qualquer tipo de discriminação que mantenha ou promova desigualdades consiste em uma violação de direitos humanos.

Em resumo, Direitos Humanos são:

-> Tudo aquilo que as pessoas precisam para viver com um mínimo de dignidade;

-> As aspirações de justiça de todos os povos e pessoas;

-> Um compromisso de todos para uma nova ética mundial;

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-> O melhor fundamento para as políticas públicas;

-> A base para uma paz verdadeira e duradoura;

-> A inspiração para as lutas dos movimentos sociais;

-> O melhor critério para resolver os conflitos;

2.4 Características dos Direitos Humanos:

São para todos: são universais.

Não podem ser pela metade: são indivisíveis.

Realizam-se juntos, estão ligados uns com os outros. Precisamos de todos eles ao mesmo tempo. A falta de um prejudica outros: são interdependentes.

A realização de um direito ajuda os outros, e enfraquecer um direito também enfraquece os outros: são inter-relacionados.

Não ficam em cima do muro. Fazem opção preferencial e tomam partido, ficando do lado dos explorados, discriminados, fracos e vulneráveis: não são neutros.

Não surgem que nem mato na floresta e tampouco caem do céu: têm que ser conquistados com muita luta.

Não é possível realizar alguns e ignorar outros: são inseparáveis.

Nenhum dos direitos humanos é mais importante do que os outros: são não-hierárquicos.

Não viram realidade de repente, de uma hora para a outra: são progressivos (mas podem ser diminuídos ou perdidos, se não são suficientemente protegidos por leis ―que peguem‖, ou se descuidar da mobilização e da luta)

Não se pode abrir mão deles: são inalienáveis

Não admitem exceção, nem justificativa para serem violados: são invioláveis.

2.5 Privilégios X direitos humanos

Os direitos humanos se realizam quando todo o povo goza do mínimo que nós, pessoas, precisamos para buscar a felicidade: respeito, saúde, moradia, educação, trabalho, liberdade para formar sua própria opinião e expressar suas idéias e crenças. Isso também inclui a liberdade para se organizar politicamente, o direito de usufruir os avanços tecnológicos, quando podemos nos mover pelo território livremente etc.

Quando só alguns possuem estas condições, os direitos se transformam em privilégios de poucos. As outras pessoas são excluídas, e para elas o que sobra é a discriminação. Hoje, a exclusão e a discriminação possuem várias formas: quando

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algumas pessoas são muito ricas, enquanto a grande maioria fica cada vez mais pobre; quando alguns grupos mandam e desmandam no seu governo, enquanto o povo é oprimido pela polícia ou pelo exército.

Os direitos humanos surgiram das lutas para acabar com privilégios, e se tornaram os princípios fundadores de um jeito novo de encarar o mundo. Por isso, a dignidade da maioria das pessoas depende de que todos os direitos humanos que estamos estudando sejam realmente cumpridos, protegidos, garantidos, realizados e desfrutados.

OS DIREITOS HUMANOS ESTÃO EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Não poderemos discutir todos os direitos humanos em profundidade neste curso, nem é nossa proposta. Mas é importante lembrar que os direitos humanos, mais do que a Declaração Universal ou outras leis, são um conceito dinâmico: isto quer dizer que o entendimento do que são direitos, assim como as formas de torná-los realidade, mudam com o passar dos anos. Por exemplo, hoje os computadores e a internet são importantíssimos em várias áreas, da Educação à qualificação profissional. É por isso que existem tantos projetos de ―inclusão digital‖.

Da mesma forma, o direito ao desenvolvimento, por exemplo, não está na lista da Declaração Universal, mas foi construído e reconhecido, inclusive pelas Nações Unidas na Declaração do Direito ao Desenvolvimento de 1986. Os direitos das pessoas com deficiência foram reconhecidos na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, criada em 2006, e assim por diante. Os direitos humanos, portanto, são uma coisa viva, em constante mudança e modernização.

Os direitos humanos que não estão incluídos nos próximos módulos não são menos importantes, como dissemos antes. A idéia deste curso é nos concentrar em direitos mais ligados ao dia-a-dia de todos nós, mais concretos. A partir deles, nós falaremos um pouco dos outros direitos, e também de como lidar com os conflitos que surgem da sua realização.

Não existe caminho para a paz. A paz é o caminho.

Pastor A. J. Muste (1885-1967).

2.6 Situações conflitivas: alguns casos

Leia com atenção cada uma das 5 (cinco) situações de conflito. No final do módulo, como proposta de atividade, a partir dos conceitos discutidos aqui, vocês deverão responder se essas ações são violentas ou não-violentas, se é possível mediar ou não.

I - Em 1989, a Eletronorte convocou uma audiência pública para discutir a construção da usina Kararaô que, segundo os índios da região e o movimento

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ambientalista, causaria um grande impacto ambiental. Essa construção recebia na época financiamento do Banco Mundial.

Durante a audiência, enquanto os guerreiros caiapós gritavam ―Kararaô vai afogar nossos filhos!‖, a índia Tuíra tomou a iniciativa, avançou para cima do então presidente da Eletronorte, José Muniz Lopes, e o advertiu encostando a lâmina do facão em seu rosto. Essa ação contribuiu para interromper o projeto da usina durante dez anos e também fez com que o Banco Mundial suspendesse o financiamento dessa construção.

II. O caso da Ana - Ana, uma mulher negra, procura um pronto-socorro por causa de uma queimadura leve, que aconteceu durante o trabalho. A sala de espera estava cheia e bastante movimentada. Após algum tempo de espera, o médico apareceu na porta e chamou: ―Milton Araújo!‖. Ninguém se levantou; o médico chamou de novo ―MILTON ARAÚJO!‖, o que deixou as pessoas curiosas. Ana, envergonhada, aproximou-se e disse ao médico em voz baixa: ―Sou eu! Eu havia pedido na recepção que me chamasse pelo nome social, Ana‖. O médico olhou-a indignado e disse: ―eu sei, te chamei pelo nome de registro propositadamente‖.

As pessoas perceberam que Ana era uma transexual, ficaram atônitas, começaram a cochichar e dar risadinhas.

III. Numa festa junina - Laíla, uma criança negra, que sempre teve liderança na escola, foi escolhida pelos colegas para ser a ―rainha do milho‖ da festa. A professora elogia Laíla, mas carinhosamente diz para a turma: ―Minhas crianças, vocês já viram algum milho pretinho?‖ As crianças responderam em coro:

―Nããããoooooo!‖. Daí a professora diz ―Pois é, eles são todos clarinhos. Por isso, precisamos escolher uma criança bem bonitinha, loirinha, assim como um milho‖. As crianças ficam confusas, e Laíla sugere: ―Se é assim, não deveria ter rainha do milho, mas sim do amendoim! O amendoim é tão bonitinho como nós; e a sua casca é da nossa cor. Assim pró, o amendoim também seguiria a cultura, pois é uma colheita de São João‖. A professora ouviu e respondeu: ―Certo, mas nós seguimos a tradição de que, durante o São João, a escola sempre tem uma rainha do milho. Vou ver se acho alguma criança branquinha...‖.

IV. Bancários em greve - um grupo de bancários, preocupados em impedir o acesso de seus colegas ao banco, coloca um tapete de flores na porta do banco, com o seguinte cartaz: ―Não pise nas flores‖.

V. Gandhi - Para acelerar o processo de independência da Índia, colonizada pela Inglaterra – e diante da proibição britânica de que os indianos sequer fabricassem seus tecidos – Gandhi organizou uma grande queima de tecidos britânicos.

2.7 Conflitos mediáveis e não-mediáveis

Com o que vimos no primeiro módulo, já começamos a perceber as relações dos direitos humanos com os diferentes conflitos: quando uma pessoa passa fome, mora em condições inumanas, sofre preconceito devido à sua deficiência, sexo, idade, migração ou etnia; quando está desempregada, não tem acesso aos serviços de saúde, à educação etc.; ou seja, quando uma pessoa está sofrendo violações dos direitos humanos, ela está sofrendo um conflito de base, quer dizer, um problema que trata das

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necessidades básicas do ser humano. Esse conflito de base, ou conflito-raiz, é que produz as violações dos direitos humanos: a discriminação, a injustiça, a exploração, a opressão... Em todos esses casos, viver as conseqüências desse conflito-raiz é uma experiência dolorosa e humilhante. A dignidade humana fica ferida.

Não é possível negociar ou mediar este conflito. Os direitos humanos surgem como uma resposta para esse conflito-raiz. Portanto, uma resposta que não é neutra, conforme vimos no módulo anterior.

No contato com o sofrimento que surge desse conflito de base, muitas pessoas sentem-se indignadas, e com razão. E estas pessoas dizem: ―Isso não está certo! Não podemos aceitar! Vamos fazer alguma coisa!‖. Quando as pessoas tomam uma decisão como essa, fortalecem a militância, o voluntariado e outras formas de participação popular. É assim que nascem também muitas associações e movimentos sociais. São diferentes jeitos de enfrentar as conseqüências desse conflito.

Diante do conflito-raiz que causa as violações de direitos humanos, as pessoas têm todo direito de lutar para enfrentar as conseqüências e, também, as suas causas. Aqui não cabe mediação! Por isso, os movimentos sociais são os motores que promovem o avanço dos direitos humanos.

Exemplos claros de conflitos não-mediáveis são os crimes, bem como as agressões e outros tipos de violência. Nesses casos, todos devem procurar a Justiça, seja através da polícia ou acionando as delegacias especiais, quando necessário. Não podemos ser coniventes, ou seja, permitir que crimes ocorram, com alguma desculpa que ajude o criminoso. Um bom exemplo é o combate à violência doméstica: não é certo reconciliar a mulher com o homem que a agrediu, que bateu nela (seja marido, ex-marido ou namorado), sem antes punir a violência cometida.

Vamos falar agora de conflitos mediáveis. Por exemplo, se um sem-terra resolve ―ocupar uma terra quilombola‖, pode ocorrer um conflito entre o direito à terra e os direitos dos quilombolas. Em situações como essa, de conflitos entre militantes de diferentes movimentos, a mediação de conflitos é recomendável e pode prestar ajuda de grande estima.

Há casos também de conflitos internos dentro de movimentos e associações, seja por discordâncias nos encaminhamentos das ações ou por lutas internas de poder. Nessas situações, a mediação de conflitos pode contribuir ainda mais.

Existem ainda diversos tipos de conflitos onde a mediação exerce importante papel, a exemplo dos conflitos familiares e de vizinhança. Como regra geral, podemos dizer que a mediação é útil. E pode ajudar as pessoas a resolver os seus problemas entre si, sem precisar ir à Justiça, ou mesmo evitar qualquer outra iniciativa que, além de ser cara, seja demorada ou ineficaz. Voltaremos a falar da Mediação de Conflitos com mais atenção nos próximos módulos.

Importante: Como sublinhamos no módulo 1, os direitos humanos são inalienáveis e invioláveis. Portanto, eles também são inegociáveis. Quando uma pessoa sofre uma violação dos seus direitos humanos, não dá para fazer uma mediação entre essa pessoa e o violador. As violações de direitos humanos não são aceitáveis, de modo algum. Por esse motivo, os direitos humanos devem ser protegidos e amparados pela força da lei e das instituições. Agora, em caso de violação desses direitos, a primeira providência será cuidar das vítimas. Não custa lembrar: recorrer

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à Justiça e à Educação ainda são os melhores instrumentos para evitar que tais violações se repitam.

2.8 Cultura da paz

Para falarmos de violência e não-violência, em um mundo cheio de conflitos e atos de violência e agressões, precisamos definir alguns conceitos e definir de onde estamos falando. Vamos falar um pouco da ―cultura da paz‖, um conceito que surgiu na ONU (Organização das Nações Unidas), e que nos ajuda a separar o jeito violento do não-violento de enfrentar os conflitos.

De modo resumido, podemos identificar três dimensões da cultura da paz, de acordo com o professor Marcelo Rezende Guimarães:

1. A primeira dimensão da cultura da paz destaca que a paz ―possui a marca do humano‖. Quer dizer, a paz, assim como a violência, se constrói e se aprende pelos seres humanos. As agressões ou guerras são ações humanas. Não fazem parte da natureza, mas da cultura.

2. A segunda dimensão da cultura da paz destaca sua enorme abrangência, uma vez que compreende todas as áreas da vida, desde o social, o político e o econômico, até as pequenas ações do cotidiano. Um bom exemplo é a educação: o diálogo e a não-violência são importantes para mudar o jeito como a escola trata a diversidade cultural e étnica.

3. Por fim, a cultura da paz não é uma situação já dada, nem atingida por decreto. Ela é um processo, uma construção social. Nesse processo de construir uma cultura da paz, os movimentos sociais reforçam um protagonismo especial: as mulheres, as minorias étnicas, a classe trabalhadora, os pobres de todo mundo, ou seja, grupos que sofrem violações de direitos humanos e que lutam contra elas são os construtores do avanço da cultura da paz.

Há muitas pessoas que falam de violência como se fosse uma força presente na natureza, como se crimes e agressões fossem fenômenos naturais ou parte natural da vida. Da mesma forma que a paz, a violência também é uma criação do homem.

Sem nenhuma regra fixa, a violência apresenta-se na sociedade de acordo com a arrumação social.

Para enfrentar as injustiças, é preciso lutar. Mas lutar, no sentido comumente usado pelos movimentos sociais, não é ir à guerra, nem reagir com violência. Às vezes, a luta assume uma face agressiva, com o propósito de criar as condições para o diálogo. O fato é que só é possível haver diálogo quando existe uma relação de forças mais igualitárias.

A agressividade não se opõe à paz; pelo contrário, ela é necessária como forma de reação às injustiças. Nesse sentido, o contrário de agressividade é a passividade, o conformismo. Agressividade é entendida pelo pai da psicanálise, Freud, como uma força vital de cada pessoa, necessária para superar os obstáculos e as limitações próprias do cotidiano. A agressividade faz parte da natureza humana, assim como os conflitos.

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2.9 Qual o nosso conceito de violência?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a violência como: ―O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação‖.

Violência é qualquer ação que viola os direitos humanos. Pode ser física, psicológica ou moral. O povo brasileiro é comumente visto como cordial; no entanto, no Brasil os direitos humanos são aviltados, quase o tempo todo.

“Enquanto os homens

Exercem seus podres poderes

Morrer e matar de fome

De raiva e de sede

São tantas vezes

Gestos naturais.

Eu quero aproximar

O meu cantar vagabundo

Daqueles que velam

Pela alegria do mundo

Indo mais fundo

Tins e bens e tais!”

(Podres poderes, Caetano Veloso)

Hoje acontece um processo que é chamado de ―banalização da violência‖. A violência é tão comum, tão presente no dia-a-dia, que as pessoas não se incomodam mais com ela. Isso já é uma forma de violência contra as pessoas, que acabam se acostumando com uma situação insuportável. A violência e o crime nas grandes cidades são exemplos dessa banalização.

2.10 Violência, não-violência e agressividade

Uma área da psicologia diz que a agressividade faz parte da energia humana e que, dependendo da circunstância, pode se transformar em violência. A agressividade é como água, pode irrigar ou inundar, depende de como focamos essa energia; podemos usá-la para coisas boas, colhendo bons frutos, ou para coisas ruins, gerando a violência.

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A energia que faz um militante ir à rua para uma passeata é, muitas vezes, a mesma que faz outra pessoa quebrar um ônibus numa greve ou queimar pneus na rua, para impedir a passagem de carros. Como dissemos, os conflitos fazem parte do ser humano, mas podem ser violentos ou não-violentos, dependendo da atitude das pessoas.

Para resolver problemas, devemos ser agressivos, mas sem usar da agressão. Ser agressivo significa apresentar nosso ponto de vista, nossas opiniões e lutar pelo que acreditamos e pelo que defendemos, respeitando os princípios dos direitos humanos.

“A violência não é uma fatalidade inexorável, mas colocada pelos humanos, [portanto] pode ser retirada e trabalhada pelos mesmos humanos que aconstituíram.” (Se queres a paz, prepara-te para a paz. Marcelo Guimarães).

Nós somos muitas vezes educados para a violência, e precisamos reconhecer isso se queremos mudar nossa realidade. Não basta reagir à violência ou à cultura de violência, mas é preciso pensar como construir uma sociedade verdadeiramente pacifista e uma cultura de paz. A pró-atividade – uma atividade que se projeta para frente – incluiria, é claro, uma dimensão sanativa, de cuidar e atender às vítimas da violência, como também uma dimensão preventiva, privilegiando, especialmente, o caminho educativo. Para Gandhi, ―a humanidade somente acabará com a violência através da não-violência‖.

Uma das propostas quase sempre apontadas como solução da violência nas cidades é o aumento das polícias. Essa é uma compreensão que a Roma antiga tinha da paz – isto é, ―Se queres a paz, prepara-te para a guerra‖ (Si vis pacem, para bellum).

Entretanto, sabemos que a humanidade não avançará na prática dos direitos humanos apenas por decreto, ou por lei, muito menos apenas fortalecendo a polícia.

O fim da impunidade, por exemplo, é um passo mais importante para diminuir a violência do que colocar mais polícia na rua.

2.11 Violência e conflito

Geralmente, violência e conflito são entendidos como a mesma coisa, mas existem diferenças importantes entre essas duas palavras. Como vimos antes, a violência é o modo como respondemos a uma determinada situação, prejudicando e anulando a outra pessoa, ou quando somos anulados e prejudicados por outra pessoa.

A violência não faz parte da natureza humana, mas é aprendida dentro de uma cultura violenta. Quando pessoas, grupos ou nações apelam para a violência para acabar com seus conflitos, elas não estão ―resolvendo‖ nada. Muitas vezes, os conflitos apenas pioram.

Quando um dos lados é mais forte que o outro, uma das formas que esse lado se utiliza é de não reconhecer a existência de conflitos; negar a existência do conflito também é uma forma de violência. Quando o lado mais fraco submete-se à imposição do lado mais forte, ele também alimenta a violência por não reagir à imposição autoritária do outro – isso é o que chamamos antes de passividade, que é diferente do pacifismo. Negar os conflitos não contribui para uma cultura de paz.

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Construir uma cultura de paz exige que reconheçamos a existência de conflitos.

Esse é o primeiro passo para resolver conflitos através do diálogo e de ações não-violentas. Quando você reconhece que o conflito existe, é o primeiro passo para ouvir o outro lado e começar um diálogo com respeito e igualdade.

Importante: A violência não faz parte da natureza humana. A violência surge de uma cultura violenta, que só sabe anular as outras pessoas. Portanto, a violência não é condição de humanidade.

2.11 A não-violência não é passividade

“A cultura da paz tem sido uma cultura escondida,

guardada viva nas rachaduras de uma sociedade violenta.”

(BOULDING, 2000, p. 28).

Ser não-violento não é sinônimo do ser passivo, mas sim pacífico. Ser passivo é fechar os olhos diante de uma situação de injustiça, é aceitar a injustiça ao invés de assumir a responsabilidade de lutar contra ela. A passividade é causada, em geral, por medo das conseqüências do enfrentamento, ou por fraqueza de lutar pelas mudanças.

A não-violência nos direitos humanos é feita a partir da participação em um movimento organizado, articulado e estruturado. Isso leva as pessoas a se incluírem em uma luta mais ampla, da humanidade que busca a paz. A não-violência também se opõe à contra-violência, que é uma forma de reagir à violência com outros meios violentos.

Para usar a não-violência como estratégia de enfretamento dos conflitos, podemos usar três recursos: não-cooperação com as injustiças; intervenção nãoviolenta e divulgação dos direitos humanos.

No entanto, é preciso cuidados, pois uma determinada concepção da paz pode esconder o que justifica a violação dos direitos humanos, da pobreza, da miséria. A violência não se exerce apenas por meio da agressão física ou armamentos, mas também através de outras formas simbólicas, mas não menos perversas.

“Assim como o broto é na brotação e a semente é na semeadura, a paz é na sua efetuação como realidade de Justiça, democracia e direitos humanos”.

(Marcelo Rezende Guimarães, Paz: questão de ressignificação)

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2.12 Violações dos direitos humanos

O princípio fundamental dos direitos humanos é o direito à vida. Portanto, agir contra esse direito significa violar os princípios dos direitos humanos. Para podermos avaliar quando acontece uma violação, precisamos conhecer e entender os direitos humanos. Quando você se incomoda com algo que acontece em sua volta, vale a pena refletir para dizer se é ou não uma violação dos direitos humanos.

Dissemos no módulo 1 que os direitos humanos estão em constante construção. Os grupos de direitos humanos e os movimentos sociais colaboram nessa construção, ajudando a sociedade a identificar as violações dos direitos humanos.

Por isso, é importante que todos os militantes conheçam um pouco sobre as lutas de outros movimentos sociais, seus problemas e conquistas, porque assim saberão que os direitos humanos estão interligados – assim como as violações.

Por mais que algumas violações dos direitos humanos não nos atinjam diretamente, o princípio de uma cultura de paz passa pelo entendimento de que o sofrimento de alguém também é problema ―meu‖. Violar os direitos de qualquer pessoa significa violar os direitos de todos. Por exemplo, posso não ser negro ou não ser mulher, mas o racismo e o machismo também são violências contra mim, mesmo não sendo negro ou não sendo mulher. É o que chamamos consciência humanitária.

A consciência humanitária é quando eu me solidarizo com o problema e com a luta de alguém ou de outro movimento. Para que eu me solidarize, é necessário que eu conheça a realidade dos outros, seus problemas e suas lutas. Para isso, preciso ouvi-los e entender que qualquer violação que ele sofra é um problema para toda a

humanidade.

breve testemunho

"Primeiro vieram buscar os judeus e eu não me incomodei porque não era judeu. Depois levaram os comunistas e eu também não me importei, pois não era comunista. Levaram os liberais e também encolhi os ombros. Nunca fui liberal. Em seguida os católicos, mas eu era protestante. Quando me vieram buscar já não havia ninguém para me defender...”.

Martin Niemöller (1892-1984), sobre sua vida na Alemanha Nazista.

2.13 Conflitos entre os direitos humanos

Já dissemos que não é possível fazer mediação entre o violador dos direitos humanos e as pessoas que tiveram seus direitos violados. Conforme vimos, os direitos humanos são direitos das vítimas, sejam elas vítimas do poder econômico ou de outros poderes, muitos deles quase invisíveis. Ao mesmo tempo, os direitos humanos não são neutros; eles ficam a favor das vítimas e dos grupos e coletivos que são a parte mais fraca ou vulnerável, e que não pode enfrentar o poder dos grupos privilegiados em pé de igualdade.

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Muita gente diz erroneamente que ―demarcar terras para os povos indígenas‖ ou mesmo reservar ―cotas de empregos para pessoas com deficiência‖ são formas de assistencialismo que impedem o mercado ser mais eficiente etc. Ora, não podemos nos esquecer dos valores fundamentais que devem guiar a nossa conduta.

Devemos ter a clareza de que as pessoas devem vir em primeiro lugar. Nesse caso, o diálogo ainda continua sendo a melhor opção para que possamos enfrentar o problema da exclusão social e as violações dos direitos humanos.

2.14 Direitos humanos na ação do Estado

Quando falamos de Estado (com ―E‖ maiúsculo), estamos falando do governo em todos os níveis (municipal, estadual e federal), da Justiça (juízes, promotores e procuradores) e do poder legislativo (vereadores, deputados e senadores). Todos eles, juntos, formam o ―Estado‖, que tem como função principal trabalhar pelo bem do povo e do Brasil. É por isso que os direitos humanos fazem parte da principal lei brasileira, a Constituição – a lei que todas as outras leis têm de respeitar e cumprir.

A tarefa principal do Estado é a elaboração de políticas públicas em benefício da promoção dos direitos humanos. Mas acontece que, pela nossa história de exclusão e autoritarismo, muitas vezes, o Estado (e os governos que fazem parte dele) também viola os direitos humanos: nos despejos violentos nas cidades, nas ações de reintegração de posse que terminam com mortos e feridos, nas polícias que torturam e discriminam partes da população...

A mais nobre tarefa da política consiste em que todas as ações do Estado sejam entendidas na perspectiva colocada pelos direitos humanos. Não podemos esquecer dos serviços públicos, como saúde e educação, que são direitos humanos, mas também estamos falando da política macroeconômica ou da política industrial, que podem incluir grandes obras, como estradas e usinas de energia hidrelétricas.

Este tipo de obra é vista, em geral, como sinal de progresso e desenvolvimento, mas elas também podem ter impacto muito ruim sobre o meio-ambiente, para populações indígenas e quilombolas.

Em uma democracia, o Estado precisa levar todas essas questões em consideração antes de iniciar suas obras e projetos, e precisa, antes de tudo, contar com participação popular nas suas ações. O presidente americano Abraham Lincoln disse uma vez que ―a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo‖.

2.15 Modos de enfrentamento da violência

Do que falamos até agora, podemos entender que a violência é qualquer violação aos direitos humanos. Para construirmos uma cultura de paz, é necessário que busquemos diversas formas de enfrentar a violência, não por meio de violência, mas sim por ações não-violentas.

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Nós vamos falar mais nas formas de luta não-violentas nos módulos 6 e 7, mas vamos trazer algumas para o debate agora, para mostrar que muitas delas já fazem parte do nosso dia-a-dia. Os exemplos mais conhecidos são as manifestações e as campanhas.

As manifestações sempre estão ligadas a uma opinião forte, contra ou a favor de algo. Podem ser feitas por meio de panfletos ou palestras – ainda que as mais conhecidas sejam as manifestações de rua. Há também as caminhadas e vigílias, que são muito usadas por movimentos sociais. Por exemplo, a vigília contra o racismo realizada em São Paulo, as vigílias feitas em combate a AIDS, ou ainda as Paradas do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros), que são manifestações contra o preconceito e as violações de direitos humanos que essas populações sofrem.

Outra forma de ação contra a violência são as campanhas, utilizadas inclusive pelo Estado, constantemente. São ações que geralmente buscam aliados, promovem idéias e buscam combater preconceitos. Por exemplo, a Campanha pela Reforma Agrária, lançada em 1991 por Betinho, a Campanha da Fraternidade, que a Igreja Católica organiza no Brasil todos os anos, e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que atuou pela criação do Fundef (Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental) e do Fundeb (Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Básico). O abaixo-assinado também é um instrumento de campanha.

2.16 Acesso à Justiça: como agir em caso de violação dos direitos humanos

"O acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito

fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema

jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas

proclamar os direitos de todos”. (Capelletti)

O acesso à justiça é o princípio maior, do qual decorrem todos os demais. No Brasil, não apenas o direito à Justiça, mas diversos outros direitos como saúde, trabalho, terra, educação, moradia, segurança etc., são garantidos por lei. Isto significa que quando algum destes direitos é violado, qualquer cidadão pode procurar a Justiça para buscar uma solução.

O papel da Justiça é garantir que os direitos sejam respeitados. Isso inclui não só o direito de acessar a Justiça, mas também o direito das pessoas serem consideradas e tratadas como inocentes até que se prove o contrário. Também inclui ter garantida a condição de ampla defesa quando for julgado.

O direito à Justiça faz parte do grupo dos chamados direitos civis e políticos e é garantido pela Constituição Brasileira. O acesso à Justiça também integra a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):

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Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública

audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para

decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer

acusação criminal contra ele.

(artigo X)

[...] Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais

interferências ou ataques.

(artigo XII)

Contudo, a falta de dinheiro exclui a população pobre de várias formas de acessar a Justiça. Sem dinheiro, é difícil contratar bons advogados (o que é exigido pelo sistema judiciário). Por outro lado, a falta de informação torna essa situação ainda mais difícil, pois uma pessoa que não conhece seus direitos tem mais dificuldade para buscar apoio judicial.

Em muitos casos, a pessoa não sabe onde buscar o apoio jurídico necessário. Para ela, fica mais difícil resolver seus problemas na Justiça. Em geral, as pessoas que buscam pelo apoio judiciário aprendem a lidar melhor com a Justiça. Conforme alerta o professor Milton Santos:

“Além dos intricados labirintos que os processos judiciais devem percorrer lentamente, as chamadas custas desses processos desanimam até mesmo os que dispõem de alguns recursos financeiros. Para os pobres, a Justiça é mais barreira intransponível que uma porta aberta. As manifestações de desalento e descrença quando uma ofensa ao direito é constatada são muitas vezes mais numerosas que as palavras ou gestos de confiança, ou, ao menos, respeito pelo aparelho judicial-policial.

Além desses entraves propriamente processuais, contêm-se, no lado ideológico ou sociológico, com a inadequação ou desatualização em que se encontram muito dos que são, oficialmente, guardiões da Justiça e da paz social.‖

A polícia é um dos meios mais conhecidos para garantir a segurança das pessoas. No Brasil, as principais formas que a polícia se organiza são a civil e a militar, que são de responsabilidade dos governos estaduais. Além das polícias, a própria população pode colaborar para fortalecer a segurança, seja colaborando com a polícia, através de mecanismos como Consegs7 ou Disque-Denúncia8, seja fiscalizando e denunciando os maus policiais, que abusam de sua autoridade e violam os direitos das pessoas.

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VIOLAÇÃO DE DIREITOS: O QUE FAZER?

O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los.(BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 24).

Na nossa sociedade, não existe uma visão do cidadão como sujeito de direitos e obrigações, ou seja, alguém que tem uma parte a cumprir, mas também coisas a receber na comunidade onde vive. Ao contrário, os grupos mais vulneráveis são vistos apenas como vítimas, ou clientes, especialmente por parte de alguns profissionais do direito, que ganham a vida vendendo apoio jurídico.

Mas o que fazer em caso de violações de direitos humanos? Não fazer nada somente contribui para manter as coisas como estão. O cidadão que sofre violência e que não tem como pagar as despesas judiciárias cobradas nas diferentes questões jurídicas que aparecem no dia-a-dia, pode buscar os serviços gratuitos do Estado. Todos os que vivem na sua comunidade podem lançar mão deste direito para ter acesso à justiça, bastando comprovar que não têm dinheiro para pagar um advogado.

Se você for vítima ou até mesmo presenciar uma situação de violação de direitos humanos, o primeiro passo é se dirigir à Delegacia de Polícia mais próxima do local onde aconteceu o fato para fazer um B.O. (Boletim de Ocorrência). Mas há diversas outras possibilidades de impedir e/ou denunciar as violações de direitos humanos.

Os principais órgãos que recebem tais denúncias são:

Conselho Tutelar: é o órgão que você deve procurar em situação de violação de direitos contra a criança e o adolescente. Podem ser encaminhados para o Conselho Tutelar casos de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, trabalho infantil e qualquer outro que tenham como vítimas crianças e adolescentes.

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC): é o órgão que coordena as ações que dizem respeito aos cidadãos no Ministério Público Federal. É a PFDC que fiscaliza e garante que o Poder Público, junto com os serviços públicos, respeite os direitos humanos. Link: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/

Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão: Estas procuradorias fazem parte da PFDC, mas trabalham nos estados. Recebem denúncias que dizem respeito a violações de direitos como: liberdade, dignidade, escola, saúde, alimentação, assistência social, segurança pública etc. Link: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/prdcs/lista-de-procuradorias-regionais

Ouvidoria da Polícia: as Ouvidorias de Polícia são responsáveis pelo exercício do controle externo da atividade policial. Você pode denunciar qualquer coisa que considerar ilegal que qualquer policial fizer contra você.

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No Brasil existem ouvidorias; veja abaixo se o seu Estado possui este serviço.Link:http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/ue/f_ouvidorias/Id_ouvidorias/

Comissão de Direitos Humanos da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil: é formado por advogados cadastrados na Ordem dos Advogados do Brasil que atuam na defesa dos direitos humanos, estudando, examinando e resolvendo qualquer violação de direito. A comissão trabalha em todos os estados brasileiros.

Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH: é um movimento que luta pela vida contra a violência, atuando na promoção dos direitos humanos. Link: http://www.mndh.org.br/

Disque-Denúncia: é um serviço telefônico que funciona 24 horas por dia, recebendo ligações com queixas e denúncias de crimes e irregularidades. Link: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/combate/

Ministério Público (MP): é um órgão do Estado, cuja função é defender os interesses do povo, os da Justiça e o da sociedade. O MP também tem como objetivos promover a ação pública e fiscalizar a aplicação das leis.

IMPORTANTE! Você pode fazer denúncia sobre qualquer violação de direitos humanos, no Ministério Público de seu Estado. Caso sua denúncia seja colocada em dúvida ou haja suspeita de violação por agente policial, recorra à Ouvidoria de Polícia, nos Estados.

Instituições Engajadas no Combate à Violação dos Direitos Humanos

O artigo 5o. da Constituição brasileira garante os Direitos Fundamentais do homem, que são, em suma, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Ora, não há instituição que garanta tais direitos com mais presteza, eficácia e freqüência do que a Polícia, uma vez que os principais violadores dos Direitos Fundamentais são os cidadãos que praticam as infrações penais, as quais, justamente, são violações ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Nas linhas acima procuramos mostrar que a Polícia Civil, além de sua função tradicional de órgão permanente ao qual compete o exercício, com exclusividade, da polícia judiciária e a apuração de infrações penais, tem avançado muito no sentido de que todo cidadão conte com plena garantia de seus direitos, sem distinção de qualquer natureza. As Delegacias de Defesa da Mulher, de Crimes Raciais e de Proteção ao Idoso são prova inconteste de que a Polícia Civil está imbuída do mesmo desiderato que anima os cultores dos Direitos Fundamentais e as Entidades de Direitos Humanos.

Entretanto, fato é que a noção de Direitos Humanos não é de todo assimilada pela Sociedade e é, amiúde, distorcida.

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Na Sociedade em geral e, a bem da verdade, mesmo dentro da Instituição Policial, grassa a idéia de que a política de Direitos Humanos consiste em convicções inconvenientes que acabam produzindo péssimos resultados, pois atam as mãos dos policiais, dando largas aos marginais.

A rejeição aos Direitos Humanos normalmente está alicerçadas em três concepções básicas:

A da ineficácia do Direito quando defrontado com a monstruosa realidade do crime.

A da impossibilidade ou da inconveniência de se garantir os direitos fundamentais daqueles que se mostraram refratários à justiça e à felicidade geral.

A de que os Direitos Humanos são apenas valores, distantes dos fatos e de que a política que por eles se bate é uma luta utópica, um "Direito imaginário".

Para eliminar a rejeição aos Direitos Humanos, é preciso que se refute as idéias que alicerçam essa rejeição.

Em primeiro lugar, é necessário que se diga que os meios sempre comprometem os fins. Meios inidôneos conduzem a fins deletérios. Um crime não pode levar ao cometimento de outro delito, ainda que sob o pretexto de combate a infração.

É forçoso dizer que policiais que se valem de práticas condenáveis como o tortura, costumam associar-se aos meliantes naqueles pérfidos conluios que lançam o nome da Instituição no enxovalho.

Outra coisa que deve ser dita é que os direitos e garantais fundamentais não podem excluir nenhum ser humano, por mais que este esteja longe da dignidade e da lealdade aos princípios básicos da convivência entre os homens. Tal exclusão certamente reaviva tendências fascistas existentes na Sociedade e, ao fim, acaba não poupando nem os homens de bem.

Que as idéias acima expostas não sejam confundidas com leniência ou frouxidão. Que se combata o crime com o máximo rigor: o rigor da lei e não os destemperos do arbítrio e da violência desordenada.

No tocante a validade dos Direitos Humanos como norma jurídica, direito positivo, retornemos ao início deste trabalho, no qual dissemos, seguindo Miguel Reale que "Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores".

Da definição acima depreende-se que Direito para valer tem de ser coercitivo; tem de poder exigir uma conduta.

Havendo violação dos Direitos Humanos por parte de particulares, como já dissemos, a Polícia e a Justiça encarregam-se de repressão de suas ações.

Se é o Estado que viola as garantias fundamentais, há mecanismos de controle baseados na divisão dos três poderes do Estado, a saber, Executivo, Legislativo e Judiciário. Não há dúvida de que existe uma estreita ligação entre a defesa da separação

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de poderes e os direitos fundamentais como requisito sine qua non para a existência do Estado democrático de direito.

Dentro do mecanismo de controles recíprocos constitucionalmente previsto, a Constituição Federal estabelece várias hipóteses em que o Poder Executivo será controlado pelo Poder Legislativo. Compete, por exemplo, ao Legislativo autorizar o Presidente da República a declarar guerra e fazer paz e resolver sobre tratados internacionais (CF, art. 48, X e XI).

Igualmente, existe a previsão constitucional de um sistema de controles realizado pelo Poder Legislativo em relação ao Poder Judiciário, que pode, por exemplo, criar comissões parlamentares de inquérito com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (CF, art. 58, parágrafo 3o.).

Também existe controle do Poder Legislativo realizado pelo Poder Executivo, como a possibilidade do Presidente da República exigir o regime de urgência em projetos de lei de sua autoria (CF, art. 63). O Executivo também exerce controle sobre o Judiciário na livre escolha e nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 101); escolha e nomeação dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 104); possibilidade de concessão de indulto ou comutação de penas (CF, art. 894,XII).

Por sua vez, o Judiciário realiza controles em relação ao Legislativo, tais como a possibilidade do Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo estadual ou federal (CF, art. 102, I, a).

Outrossim, o Poder Judiciário controla o Poder Executivo. O Supremo Tribunal Federal pode, até, julgar o próprio Presidente da República.

Um poder deve controlar o outro. Entretanto, curiosamente, de acordo com o artigo 129, inciso VII da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público, que faz parte do Poder Executivo, o controle externo da atividade policial, que também faz parte do Poder Executivo. Mas, enfim, o que importa, sob o ponto-de-vista dos direitos fundamentais, é que haja controle dos poderes e das atividades do poder, a fim de que o poder não exorbite e, desta forma, se corrompa e descambe na prepotência.

Portanto, os Direitos Humanos não são apenas sanções morais e sem eficácia, mas direito positivo, normas jurídicas cuja abrangência, além de constitucional, é supra constitucional, uma vez que o parágrafo 2o. do artigo 5o. da nossa Carta Magna estimula a incorporação de instrumentos internacionais de proteção de Direitos Humanos. A questão dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Constitucional constitui uma das facetas desse fenômeno do mundo moderno que se chama "globalização".

Se, a princípio, no âmbito internacional, a Declaração dos Direitos do Homem não possuía força jurídica vinculante, permanecendo nas raias da Moral, sem assumir foros de Direito, com o tempo, foi se robustecendo a idéia de que a Declaração deveria ser "juridicizada". Esse processo de juridicização foi concluído com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Os dois Pactos adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966 foram ratificados pelo Brasil em 24.0l.1992. Os Pactos impõem aos Estados-partes a obrigação imediata de respeitar e assegurar os direitos fundamentais.

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O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assim como as demais Convenções internacionais de Direitos Humanos possuem comitês, que exercem um monitoramento dos Estados-partes.

Os comitês não têm sanções no sentido estritamente jurídico, mas podem ensejar o chamado power of embarrassment, que é o constrangimento político e moral ao Estado violador.

Os comitês também examinam petições individuais sobre violação de direitos humanos. Tal mecanismo é chamado internacional accountability.

Além da própria vítima da violação dos direitos humanos, os comitês aceitam denúncia feita por terceiros, dando, desta forma, um papel muito ativo às chamadas organizações não governamentais (ONGs) no monitoramento dos direitos humanos em todo o mundo.

O Brasil ainda não reconhece a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas, o processo brasileiro de democratização, estatui a incorporação de instrumentos internacionais de proteção de Direitos Humanos.

O já mencionado parágrafo 2o. do artigo 5o. da Constituição Federal, ao declarar que não estão excluídos, além dos direitos elencados, outros direitos decorrentes de tratados internacionais, que terão aplicação imediata, abre as portas para um processo de jurisdicização dos Direitos Humanos no âmbito internacional.

O combate à violação dos Direitos Humanos reafirma uma tendência do mundo contemporâneo que deita raízes nos primórdios de cultura humana. A concepção de direitos fundamentais que nenhum poder pode violar faz parte do patrimônio espiritual da humanidade. Não evitar a violação dos Direitos Humanos significa deixar o homem à mercê de forças destrutivas que são, fundamentalmente, a escalada da violência e da criminalidade e os abusos do poder econômico e do poder político.

Juntamente com outras instituições, a Instituição Policial Civil tem como nobre missão zelar pela proteção dos Direitos Humanos, que são o dileto fruto daquela procura insaciável e indestrutível de justiça, que eleva o homem acima dos animais.

Esse anseio de justiça, para os que crêem, vem de Deus. Para os que não crêem, vem de algo que não menos misterioso e prodigioso: a existência humana.

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3. Instrumentos de Proteção aos Direitos Humanos

O século XX assistiu a um extraordinário processo de expansão e universalização

da proteção internacional dos direitos humanos, que passaram a ser reconhecidos como

tema de legítimo interesse internacional, especialmente após as atrocidades cometidas

durante a Segunda Guerra Mundial.

A Constituição Federal de 1988, além de conter uma série de princípios e regras

relativos aos direitos humanos, trouxe inovações no que se refere à incorporação dos

direitos enunciados nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. De acordo com o

disposto no art. 5º, § 2º, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem

aqueles enunciados nos tratados de que o Brasil seja parte. A Emenda Constitucional nº

45 inovou ao dar aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos

equivalência às emendas constitucionais, desde que aprovados em dois turnos em cada

Casa do Congresso Nacional, por três quintos dos seus membros.

3.1 Estrutura do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos é formado pelo sistema

normativo global (composto de instrumentos de alcance geral e especial) e pelo sistema

regional, este último integrado pelos sistemas americano (no qual o Brasil está inserido), o

europeu e o africano. Os organismos que integram o sistema ONU – Organizações das

Nações Unidas são responsáveis pelo monitoramento global dos direitos humanos. O

Sistema Global de Proteção foi inaugurado pela Carta Internacional dos Direitos Humanos

(International Bill of Rights), integrada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,

de 1948, pelo Pacto Internacional de Proteção dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto

Internacional de Proteção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966.

Além de instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos de alcance geral, o

sistema global é também composto por instrumentos de alcance específico, pertinentes a

determinadas violações, tais como genocídio, tortura, discriminação racial e contra a

mulher, violação dos direitos das crianças, direito à educação, entre outras, que oferecem

enorme potencial de proteção à pessoa humana.

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Os documentos internacionais, tanto do sistema global, quanto do sistema regional

interamericano que compõe o instrumental básico de proteção aos direitos humanos são:

3.2 Tratados e Declarações de Proteção aos Direitos Humanos ratificados pelo

Brasil

a) Sistema Global

I. Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948

As violações generalizadas dos direitos e das liberdades humanas na década de

1930, que culminaram com as atrocidades da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945),

marcaram o fim da noção de que os Estados não tinham de prestar contas a nenhuma

outra instância a respeito da maneira como tratavam os seus cidadãos. A assinatura da

Carta das Nações Unidas levou os direitos humanos para a esfera do direito internacional.

Todos os países membros das Nações Unidas concordaram em tomar medidas a fim de

salvaguardar os direitos humanos.

A Declaração Universal foi aprovada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembléia Geral da

ONU, em 10 de dezembro de 1948, contando com aprovação unânime de 48 dos então

58 Estados membros da ONU. O documento introduziu a chamada concepção

contemporânea dos direitos humanos, reconhecendo a universalidade, indivisibilidade e

interdependência desses direitos, prevendo, em um único texto, direitos civis e políticos

(art. 3 a 21) e direitos econômicos, sociais e culturais (art. 22 a 28).

A importância político-filosófica da Declaração, bem como a repercussão moral que

teve sobre as Nações é inquestionável. Contudo, a natureza jurídica e a força obrigatória

dos dispositivos contidos na Declaração foram objeto de muita contestação. De um lado,

há os que negam categoricamente o reconhecimento de sua força vinculante, por ela não

ter sido elaborada na forma de um Tratado Internacional. De outro, há os que acreditam

que ela apresenta força jurídica obrigatória por integrar o direito costumeiro internacional e

os princípios gerais do direito.

Para a ONU, se a Declaração Universal dos Direitos Humanos não era,

originalmente, compulsória, hoje tem força de jus cogens, ou seja, é um direito ―que

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obriga‖, que se impõe objetivamente aos Estados por integrar o direito costumeiro

internacional.

II. Convenção contra o Genocídio - 1949

III. Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados - 1951

IV. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos - 1966

O pacto detalha os direitos listados na Declaração Universal e é instrumento juridicamente

vinculante que deve ser respeitado pelos governos e por suas instituições.

V. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - 1966

Este documento também é juridicamente vinculante e detalha direitos aludidos na DUDH,

inclusive os direitos relativos ao trabalho: direito de organizar sindicatos, direitos relativos

à seguridade e à previdência social, direito à proteção das famílias e das crianças, direito

a um padrão de vida adequado, direito à saúde, à educação, à cultura.

VI. Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial - 1968

Essa Convenção tem força vinculante, ou seja, é juridicamente obrigatória. Visa à adoção

de políticas que eliminem a discriminação e incentivem a inclusão e a harmonia entre

todas as raças.

VII. Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher -

1984

VIII. Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou

Degradantes 1984

Adotada pela Resolução da ONU em 10/12/84 e ratificada pelo Brasil em 1989, este

documento define a tortura, seus sujeitos ativos, passivos e as medidas a serem tomadas

pelos estados signatários em casos de desrespeito.

IX. Convenção sobre os Direitos da Criança - 1989

X. Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos

Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei - 1990

Adotado no 8º Congresso da ONU, em setembro de 1990, este instrumento não é um

tratado, mas tem como objetivo trazer aos Estados-membros normas orientadoras na

Page 30: Direitos Humanos

30

tarefa de assegurar e promover o papel adequado dos encarregados da aplicação da lei.

Os princípios estabelecidos no documento devem ser levados em consideração e

respeitados pelos governos no contexto da legislação e da prática nacional, e levados ao

conhecimento dos encarregados da aplicação da lei, assim como magistrados,

promotores, advogados, membros do executivo, legislativo e do público em geral.

b) Sistema Regional Interamericano

I. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem - 1948

II. Convenção Americana sobre Direitos Humanos - 1969

Conhecido como Pacto de San Jose da Costa Rica, reafirma o propósito dos

estados americanos em consolidar, no continente regime de liberdade pessoal e de justiça

social. Não traz somente normas de caráter material, mas prevê órgãos competentes para

conhecer os assuntos relacionados com o cumprimento dos compromisso assumidos

pelos Estados-partes: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Interamericana de Direitos Humanos.

III. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura - 1985

IV. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

- 1994

3.3 Organismo Internacionais de proteção aos direitos humanos

A Organização das Nações Unidas - ONU

Em agosto de 1941 o presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt e o primeiro-

ministro do Reino Unido Winston Churchill encontraram-se secretamente a bordo de um

navio no Oceano Atlântico e fizeram um plano de paz para o mundo, chamaram-no de

Carta do Atlântico. Em 1942 representantes de 26 países reuniram-se em Washington,

onde se comprometeram a ganhar a guerra e assinaram a Declaração das Nações

Unidas, além de aceitarem a Carta do Atlântico. Em fevereiro de 1945 as três maiores

potências mundiais da época reuniram-se em Berlim para decidirem quais países fariam

Page 31: Direitos Humanos

31

parte do Conselho de Segurança e decidirem sobre a primeira conferência das Nações

Unidas, que se realizou em São Francisco. No dia 24 de outubro de 1948, 50 países

terminaram a redação e aprovaram a Carta das Nações Unidas.

Em Dezembro de 1946, John D. Rockefeller, Jr., ofereceu mais de oito milhões de

dólares para compra de parte dos terrenos na margem do East River, na cidade de Nova

Iorque. A cidade de Nova lorque ofereceu o resto dos terrenos e efetuou a construção.

A ONU possui diversos órgãos ligados a sua estrutura. Suas funções abarcam desde

ajuda humanitária à proteção ambiental, do combate à fome no mundo ao julgamento de

crimes contra a humanidade. Podem ser assim divididos:

ONU

Assembléia Geral Órgão central onde todos os países-

membros têm um representante com

direito a voto. Reúne-se uma vez por

ano. Debate qualquer preocupação

mundial.

Conselho de Segurança Debate apenas paz e segurança.

Composto por 15 membros dos quais

cinco são permanentes: Estados Unidos,

Reino Unido, Rússia, China e França. Conselho Econômico e Social Ocupa-se de problemas sobre comércio,

transporte, industrialização, criança,

habitação etc. É formado por diversas

Comissões Continentais além das

agências especializadas (FAO, OMS,

OIT, BIRD, FMI, UNESCO, UNICEF etc.)

Conselho de Tutela Acompanhamento de territórios sob sua

tutela, que não tinham governo próprio. Tribunal Internacional de

Justiça

Tem 15 juízes de países distintos.

Elabora sentenças judiciais e só os

Estados podem apresentar casos ao TIJ.

Sede em Haia na Holanda. Secretariado Chefiado pelo Secretário-Geral é o corpo

administrativo da ONU. O pessoal não

recebe ordem de país algum, são

funcionários internacionais. O Secretário-

Geral atual é o oitavo da historia da

ONU.

Corte Internacional de Justiça/ONU

Page 32: Direitos Humanos

32

As decisões da Corte Internacional de Justiça, como órgão jurisdicional máximo

das Nações Unidas, são executadas de forma imperativa pelo Conselho de Segurança

que possui atribuição e responsabilidade de manter a paz e a segurança internacional, e

de eleger os Magistrados da Corte Internacional de Justiça.

Organização Munidial da Saúde/ OMS

Em funcionamento desde abril de 1948, data que se comemora o Dia mundial da

Saúde. Tem por objetivo conseguir que os povos alcancem o máximo nível de saúde

possível.

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)

Criada em 4 de novembro de 1946, tem como objetivo principal contribuir para a

paz e a segurança no mundo, promovendo ampla orientação de maneira a educar os

povos para que possam alcançar seu próprio desenvolvimento cultural, científico e

tecnológico.

Organização Internacional do Trabalho/OIT

Criada em 1919 em virtude do Tratado de Versalles, tem como objeto a

promoção da justiça social para os trabalhadores de todo o mundo, e ampla participação,

onde os representantes dos trabalhadores e dos empregadores atuam de forma igual.

Fundo das Nações Unidas para a Infância/ UNICEF

Criado pela Assembléia da ONU em 1946. A princípio, seu objetivo foi o de

atender ás crianças da China e da Europa durante o período de pós-guerra. Atualmente, a

UNICEF colabora com todos os países para atender o desenvolvimento dos menores

(crianças) vulneráveis ou em situação de risco de vida.

Oficina do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados/OACNUR

Estabelecida pelas Nações Unidas em 1951. Criada para proteger os refugiados

de guerra (e políticos) , a fim de promover soluções e contribuir com os governos para a

proteção internacional dos refugiados (seus nacionais), para que possam receber asilo de

governos estrangeiros.

3.4 Organismos de Proteção Regional

Page 33: Direitos Humanos

33

No continente latino americano, a proteção regional advém da Organização dos

Estados Americanos – OEA, que assim como a ONU tem como fundamento a proteção

dos Estados que compõem o continente. É o organismo regional mais antigo do mundo,

originado em 1890.

Em outras regiões do mundo existem Organismos de proteção para os Direitos

Humanos, como o Conselho da Europa e outros instaldos no continente africano e no

Oriente Médio. A OEA, possui seus órgão e agências especializadas com sedes em

diversos países, mas aqui vamos analisar apenas duas estruturas da OEA que são as

mais importantes, por serem de cunho jurídico e representarem a porta de entrada para

apuração de denúncias de violações: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e

a Corte Interamericana da Direitos Humanos.

A Comissão tem as seguintes atribuições: Observação do Direitos Humanos em

geral, examinando denúncias sobre violações;elaborar relatórios e realizar visitas de

inspeção in loco, nos Estados-membros da Organização; formular recomendações aos

Estados-membros, levando os casos à Corte Interamericana; solicitar e assessorar os

governos através de medidas concretas para a proteção e defesa dos Direitos Humanos.

Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que é composta por

apenas sete juízes (Estados-membros), examina casos apresentados pela pela

Comissão, depois de esgotados todos os recursos previstos na legislação interna do

Estado que viola ou violou os Direitos Humanos. A Corte Interamericana possui poder

sansionatório para aplicar medidas cautelares e multas aos governos, conforme previsto

na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou Pacto de San Josá de Costa Rica,

instrumento que criou a Comissão e a Corte.

3.5 Organismos de proteção nacional

A proteção dos Direitos Humanos na legislação nacional começa através de

denúncias públicas apresentadas pela própria sociedade civil, seja individualmente

quando parte de um cidadão ou quando a denúncia é formulada por uma organização

Não Governamental (ONG).

O poder legislativo (federal, estadual e municipal) mediante a elaboração e a

aprovação de uma norma se ocupa da proteção dos Direitos Humanos, vez que nosso

sistema legislativo-jurídico proíbe leis que contrariem os princípios gerais de Direitos

Humanos expressados nos instrumentos internacionais e nas cláusulas péteras das

garantias fundamentais da cidadania contidas na Constituição Federal.

Page 34: Direitos Humanos

34

A proteção jurídica destes direitos, na prática fica a cargo do Poder Judiciário (federal e

estadual), através do Supremo Tribunal Federal como Corte Máxima encarregada do

controle de constitucionalidade das leis vigentes ou das decisões emanadas de órgãos ou

autoridades estatais.

Na administração federal temos a Procuradoria Geral da República (Ministério

Público Federal), o próprio Ministério da Justiça que, através de seus Departamentos e

Conselhos, possui a missão de defesa dos Direitos humanos, como o Departamento

Penitenciário, o Conselho da Mulher, a Secretaria nacional de Direitos Humanos

(responsável pela execução do Programa Nacional de Direitos Humanos), a Polícia

Federal e a Polícia Rodoviária Federal às quais compete reprimir crimes e delitos em

geral.

Page 35: Direitos Humanos

35

4. Treze reflexões sobre polícia e direitos humanos

Durante muitos anos o tema ―Direitos Humanos‖ foi considerado antagônico ao de

Segurança Pública. Produto do autoritarismo vigente no país entre 1964 e 1984 e da

manipulação, por ele, dos aparelhos policiais, esse velho paradigma maniqueísta cindiu

sociedade e polícia, como se a última não fizesse parte da primeira.

Polícia, então, foi uma atividade caracterizada pelos segmentos progressistas da

sociedade, de forma equivocadamente conceitual, como necessariamente afeta à

repressão anti-democrática, à truculência, ao conservadorismo. ―Direitos Humanos‖ como

militância, na outra ponta, passaram a ser vistos como ideologicamente filiados à

esquerda, durante toda a vigência da Guerra Fria (estranhamente, nos países do

―socialismo real‖, eram vistos como uma arma retórica e organizacional do capitalismo).

No Brasil, em momento posterior da história, à partir da rearticulação democrática,

agregou-se a seus ativistas a pecha de ―defensores de bandidos‖ e da impunidade.

Evidentemente, ambas visões estão fortemente equivocadas e prejudicadas pelo

preconceito.

Estamos há mais de um década construindo uma nova democracia e essa paralisia

de paradigmas das ―partes‖ (uma vez que assim ainda são vistas e assim se consideram),

representa um forte impedimento à parceria para a edificação de uma sociedade mais

civilizada.

Aproximar a policia das ONGs que atuam com Direitos Humanos, e vice-versa, é

tarefa impostergável para que possamos viver, a médio prazo, em uma nação que respire

―cultura de cidadania‖. Para que isso ocorra, é necessário que nós, lideranças do campo

dos Direitos Humanos, desarmemos as ―minas ideológicas‖ das quais nos cercamos, em

um primeiro momento, justificável , para nos defendermos da polícia, e que agora nos

impedem de aproximar-nos. O mesmo vale para a polícia.

Podemos aprender muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes

defensores da mesma democracia.

Nesse contexto, à partir de quase uma década de parceria no campo da educação

para os direitos humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é

que gostaria de tecer as singelas treze considerações a seguir:

CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA

1ª - O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de

ser. Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua

condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer

reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo entre uma ―sociedade civil‖ e

outra ―sociedade policial‖. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da

Page 36: Direitos Humanos

36

Polícia Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única,

da qual todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma

―sociedade civil‖ e outra ―sociedade militar‖. A ―lógica‖ da Guerra Fria, aliada aos ―anos de

chumbo‖, no Brasil, é que se encarregou de solidificar esses equívocos, tentando

transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em ferramenta para enfrentamento do

―inimigo interno‖. Mesmo após o encerramento desses anos de paranóia, seqüelas

ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da

real função policial.

POLICIAL: CIDADÃO QUALIFICADO

2ª - O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado:

emblematiza o Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a

autoridade mais comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de

―porta voz‖ popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder. Além disso,

porta a singular permissão para o uso da força e das armas, no âmbito da lei, o que lhe

confere natural e destacada autoridade para a construção social ou para sua devastação.

O impacto sobre a vida de indivíduos e comunidades, exercido por esse cidadão

qualificado é, pois, sempre um impacto extremado e simbolicamente referencial para o

bem ou para o mal-estar da sociedade.

POLICIAL: PEDAGOGO DA CIDADANIA

3ª - Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras

profissões de suporte público, antecede as próprias especificidades de sua

especialidade.

Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o

agente educacional de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado

única-mente aos pais, professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir

com primazia no rol pedagógico também outras profissões irrecusavelmente formadoras

de opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo.

O policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um

pleno e legitimo educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a

função policial, quando conscientemente explicitada através de comportamentos e

atitudes.

A IMPORTÂNCIA DA AUTO-ESTIMA PESSOAL E INSTITUCIONAL

4ª - O reconhecimento dessa ―dimensão pedagógica‖ é, seguramente, o caminho

mais rápido e eficaz para a reconquista da abalada auto-estima policial. Note-se que os

vínculos de respeito e solidariedade só podem constituir-se sobre uma boa base de auto-

estima. A experiência primária do ―querer-se bem‖ é fundamental para possibilitar o

conhecimento de como chegar a ―querer bem o outro‖. Não podemos viver para fora o

que não vivemos para dentro.

Page 37: Direitos Humanos

37

Em nível pessoal, é fundamental que o cidadão policial sinta-se motivado e

orgulhoso de sua profissão. Isso só é alcançável à partir de um patamar de ―sentido

existencial‖. Se a função policial for esvaziada desse sentido, transformando o homem e a

mulher que a exercem em meros cumpridores de ordens sem um significado pessoal-

mente assumido como ideário, o resultado será uma auto-imagem denegrida e uma baixa

auto-estima.

Resgatar, pois, o pedagogo que há em cada policial, é permitir a ressignificação da

importância social da polícia, com a conseqüente consciência da nobreza e da dignidade

dessa missão.

A elevação dos padrões de auto-estima pode ser o caminho mais seguro para uma

boa prestação de serviços.

Só respeita o outro aquele que se dá respeito a si mesmo.

POLÍCIA E ‗SUPEREGO‘ SOCIAL

5ª - Essa ―dimensão pedagógica‖, evidentemente, não se confunde com ―dimensão

demagógica‖ e, portanto, não exime a polícia de sua função técnica de intervir pre-

ventivamente no cotidiano e repressivamente em momentos de crise, uma vez que

democracia nenhuma se sustenta sem a contenção do crime, sempre fundado sobre uma

moralidade mal constituída e hedonista, resultante de uma complexidade causal que vai

do social ao psicológico.

Assim como nas famílias é preciso, em ―ocasiões extremas‖, que o adulto sustente,

sem vacilar, limites que possam balizar moralmente a conduta de crianças e jovens,

também em nível macro é necessário que alguma instituição se encarregue da contenção

da sociopatia.

A polícia é, portanto, uma espécie de superego social indispensável em culturas

urbanas, complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que

estaríamos expostos na absurda hipótese de sua inexistência. Possivelmente por isso não

se conheça nenhuma sociedade contemporânea que não tenha assentamento, entre

outros, no poder da polícia. Zelar, pois, diligentemente, pela segurança pública, pelo

direito do cidadão de ir e vir, de não ser molestado, de não ser saqueado, de ter

respeitada sua integridade física e moral, é dever da polícia, um compromisso com o rol

mais básico dos direitos humanos que devem ser garantidos à imensa maioria de

cidadãos honestos e trabalhadores.

Para isso é que a polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da

força, quando necessário.

RIGOR versus VIOLÊNCIA

6ª - O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com truculência.

Page 38: Direitos Humanos

38

A fronteira entre a força e a violência é delimitada, no campo formal, pela lei, no

campo racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve

reger a metodologia de policiais e criminosos.

POLICIAL versus CRIMINOSO: METODOLOGIAS ANTAGÔNICAS

7ª - Dessa forma, mesmo ao reprimir, o policial oferece uma visualização

pedagógica, ao antagonizar-se aos procedimentos do crime.

Em termos de inconsciente coletivo, o policial exerce função educativa arquetípica:

deve ser ―o mocinho‖, com procedimentos e atitudes coerentes com a ―firmeza moral-

mente reta‖, oposta radicalmente aos desvios perversos do outro arquétipo que se lhe

contrapõe: o bandido.

Ao olhar para uns e outros, é preciso que a sociedade perceba claramente as

diferenças metodológicas ou a ―confusão arquetípica‖ intensificará sua crise de

moralidade, incrementando a ciranda da violência. Isso significa que a violência policial é

geradora de mais violência da qual, mui comumente, o próprio policial torna-se a vítima.

Ao policial, portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os anti-

sociais, hediondo com os hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a

sociedade para fazer o mesmo, à partir de seu patamar de visibilidade moral. Não se

ensina a respeitar desrespeitando, não se pode educar para preservar a vida matando,

não importa quem seja. O policial jamais pode esquecer que também o observa o

inconsciente coletivo.

A ‗VISIBILIDADE MORAL‘ DA POLÍCIA: IMPORTÂNCIA DO EXEMPLO

8ª - Essa dimensão ―testemunhal‖, exemplar, pedagógica, que o policial carrega

irrecusavelmente é, possivelmente, mais marcante na vida da população do que a própria

intervenção do educador por ofício, o professor.

Esse fenômeno ocorre devido à gravidade do momento em que normalmente o

policial encontra o cidadão. À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade

emocional, que deixam os indivíduos ou a comunidade fortemente ―abertos‖ ao impacto

psicológico e moral da ação realizada.

Por essa razão é que uma intervenção incorreta funda marcas traumáticas por

anos ou até pela vida inteira, assim como a ação do ―bom policial‖ será sempre lembrada

com satisfação e conforto.

Curiosamente, um significativo número de policiais não consegue perceber com

clareza a enorme importância que têm para a sociedade, talvez por não haverem refletido

suficientemente a respeito dessa peculiaridade do impacto emocional do seu agir sobre a

clientela. Justamente aí reside a maior força pedagógica da polícia, a grande chave para

a redescoberta de seu valor e o resgate de sua auto-estima.

Page 39: Direitos Humanos

39

É essa mesma ―visibilidade moral‖ da polícia o mais forte argumento para

convencê-la de sua ―responsabilidade paternal‖ (ainda que não paternalista) sobre a

comunidade. Zelar pela ordem pública é, assim, acima de tudo, dar exemplo de conduta

fortemente baseada em princípios. Não há exceção quando tratamos de princípios,

mesmo quando está em questão a prisão, guarda e condução de malfeitores. Se o policial

é capaz de transigir nos seus princípios de civilidade, quando no contato com os

sociopatas, abona a violência, contamina-se com o que nega, conspurca a normalidade,

confunde o imaginário popular e rebaixa-se à igualdade de procedimentos com aqueles

que combate.

Note-se que a perspectiva, aqui, não é refletir do ponto de vista da ―defesa do

bandido‖, mas da defesa da dignidade do policial.

A violência desequilibra e desumaniza o sujeito, não importa com que fins seja

cometida, e não restringe-se a áreas isoladas, mas, fatalmente, acaba por dominar-lhe

toda a conduta. O violento se dá uma perigosa permissão de exercício de pulsões

negativas, que vazam gravemente sua censura moral e que, inevitavelmente, vão

alastrando-se em todas as direções de sua vida, de maneira incontrolável.

―ÉTICA‖ CORPORATIVA versus ÉTICA CIDADÃ

9ª - Essa consciência da auto-importância obriga o policial a abdicar de qualquer

lógica corporativista.

Ter identidade com a polícia, amar a corporação da qual participa, coisas essas

desejáveis, não se podem con-fundir, em momento algum, com acobertar práticas abo-

mináveis. Ao contrário, a verdadeira identidade policial exige do sujeito um permanente

zelo pela ―limpeza‖ da instituição da qual participa.

Um verdadeiro policial, ciente de seu valor social, será o primeiro interessado no

―expurgo‖ dos maus profissionais, dos corruptos, dos torturadores, dos psicopatas. Sabe

que o lugar deles não é polícia, pois, além do dano social que causam, prejudicam o

equilíbrio psicológico de todo o conjunto da corporação e inundam os meios de

comunicação social com um marketing que denigre o esforço heróico de todos aqueles

outros que cumprem corretamente sua espinhosa missão. Por esse motivo, não está

disposto a conceder-lhes qualquer tipo de espaço.

Aqui, se antagoniza a ―ética da corporação‖ (que na verdade é a negação de

qualquer possibilidade ética) com a ética da cidadania (aquela voltada à missão da polícia

junto a seu cliente, o cidadão).

O acobertamento de práticas espúrias demonstra, ao contrário do que muitas

vezes parece, o mais absoluto desprezo pelas instituições policiais. Quem acoberta o

espúrio permite que ele enxovalhe a imagem do conjunto da instituição e mostra, dessa

forma, não ter qualquer respeito pelo ambiente do qual faz parte.

Page 40: Direitos Humanos

40

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO, PERMANÊNCIA E ACOMPANHAMENTO

10ª - Essa preocupação deve crescer à medida em que tenhamos clara a

preferência da psicopatia pelas profissões de poder. Política profissional, Forças Armadas,

Comunicação Social, Direito, Medicina, Magistério e Polícia são algumas das profissões

de encantada predileção para os psicopatas, sempre em busca do exercício livre e sem

culpas de seu poder sobre outrem.

Profissões magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo

santos, são as mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm, pelo poder que

representam.

A permissão para o uso da força, das armas, do direito a decidir sobre a vida e a

morte, exercem irresistível atração à perversidade, ao delírio onipotente, à loucura

articulada.

Os processos de seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos no

bloqueio à entrada desse tipo de gente. Igualmente, é nefasta a falta de um maior

acompanhamento psicológico aos policiais já na ativa.

A polícia é chamada a cuidar dos piores dramas da população e nisso reside um

componente desequilibrador. Quem cuida da polícia?

Os governos, de maneira geral, estruturam pobre-mente os serviços de

atendimento psicológico aos policiais e aproveitam muito mal os policiais diplomados nas

áreas de saúde mental.

Evidentemente, se os critérios de seleção e perma-nência devem tornar-se cada

vez mais exigentes, espera-se que o Estado cuide também de retribuir com salários cada

vez mais dignos.

De qualquer forma, o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não

cabe apenas ao Estado mas aos próprios policiais, os maiores interessados em

participarem de instituições livres de vícios, valorizadas socialmente e detentoras de

credibilidade histórica.

1.1.1 DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus HIERARQUIA

11ª - O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também

pela saúde emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabemos

que policiais maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre o

cidadão.

Evidentemente, polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção

entre hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade.

Page 41: Direitos Humanos

41

Em muitas academias de polícia (é claro que não em todas) os policiais parecem

ainda ser ―adestrados‖ para alguma suposta ―guerra de guerrilhas‖, sendo submetidos a

toda ordem de maus-tratos (beber sangue no pescoço da galinha, ficar em pé sobre

formigueiro, ser ―afogado‖ na lama por superior hierárquico, comer fezes, são só alguns

dos recentes exemplos que tenho colecionado à partir da narrativa de amigos policiais,

em diversas partes do Brasil).

Por uma contaminação da ideologia militar (diga-se de passagem, presente não

apenas nas PMs mas também em muitas polícias civis), os futuros policiais são, muitas

vezes, submetidos a violento estresse psicológico, a fim de atiçar-lhes a raiva contra o

―inimigo‖ (será, nesse caso, o cidadão?).

Essa permissividade na violação interna dos Direitos Humanos dos policiais pode

dar guarida à ação de personalidades sádicas e depravadas, que usam sua autoridade

superior como cobertura para o exercício de suas doenças.

Além disso, como os policiais não vão lutar na ex-tinta guerra do Vietnã, mas atuar

nas ruas das cidades, esse tipo de ―formação‖ (deformadora) representa uma perda de

tempo, geradora apenas de brutalidade, atraso técnico e incompetência.

A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe,

portanto, do personalismo e do autoritarismo doentios.

O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do

medo. Não pode haver respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração.

Não podemos respeitar aqueles a quem odiamos.

A hierarquia é fundamental para o bom funciona-mento da polícia, mas ela só pode

ser verdadeiramente alcançada através do exercício da liderança dos superiores, o que

pressupõe práticas bilaterais de respeito, competência e seguimento de regras lógicas e

suprapessoais.

1.1.2 DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus HIERARQUIA

12ª - No extremo oposto, a debilidade hierárquica é também um mal. Pode passar

uma imagem de descaso e desordem no serviço público, além de enredar na malha

confusa da burocracia toda a prática policial.

A falta de uma Lei Orgânica Nacional para a polícia civil, por exemplo, pode

propiciar um desvio fragmentador dessa instituição, amparando uma tendência de

definição de conduta, em alguns casos, pela mera junção, em ―colcha de retalhos‖, do

conjunto das práticas de suas delegacias.

Enquanto um melhor direcionamento não ocorre em plano nacional, é fundamental

que os estados e instituições da polícia civil direcionem estrategicamente o processo de

maneira a unificar sob regras claras a conduta do conjunto de seus agentes,

transcendendo a mera predisposição dos delegados localmente responsáveis (e

Page 42: Direitos Humanos

42

superando, assim, a ―ordem‖ fragmentada, baseada na personificação). Além do conjunto

da sociedade, a própria polícia civil será altamente beneficiada, uma vez que regras

objetivas para todos (incluídas aí as condutas internas) só podem dar maior segurança e

credibilidade aos que precisam executar tão importante e ao mesmo tempo tão intrincado

e difícil trabalho.

A FORMAÇÃO DOS POLICIAIS

13ª - A superação desses desvios poderia dar-se, ao menos em parte, pelo

estabelecimento de um ―núcleo comum‖, de conteúdos e metodologias na formação de

ambas as polícias, que privilegiasse a formação do juízo moral, as ciências humanísticas

e a tecnologia como contraponto de eficácia à incompetência da força bruta.

Aqui, deve-se ressaltar a importância das academias de Polícia Civil, das escolas

formativas de oficiais e soldados e dos institutos superiores de ensino e pesquisa, como

bases para a construção da Polícia Cidadã, seja através de suas intervenções junto aos

policiais ingressantes, seja na qualificação daqueles que se encontram há mais tempo na

ativa. Um bom currículo e professores habilitados não apenas nos conhecimentos

técnicos, mas igualmente nas artes didáticas e no relacionamento inter-pessoal, são

fundamentais para a geração de policiais que atuem com base na lei e na ordem

hierárquica, mas também na autonomia moral e intelectual. Do policial contemporâneo,

mesmo o de mais simples escalão, se exigirá, cada vez mais, discernimento de valores

éticos e condução rápida de processos de raciocínio na tomada de decisões.

CONCLUSÃO

A polícia, como instituição de serviço à cidadania em uma de suas demandas mais

básicas — Segurança Pública — tem tudo para ser altamente respeitada e valorizada.

Para tanto, precisa resgatar a consciência da importância de seu papel social e, por

conseguinte, a auto-estima.

Esse caminho passa pela superação das seqüelas deixadas pelo período ditatorial:

velhos ranços psicopáticos, às vezes ainda abancados no poder, contaminação

anacrônica pela ideologia militar da Guerra Fria, crença de que a competência se alcança

pela truculência e não pela técnica, maus-tratos internos a policiais de escalões inferiores,

corporativismo no acobertamento de práticas incompatíveis com a nobreza da missão

policial.

O processo de modernização democrática já está instaurado e conta com a

parceria de organizações como a Anistia Internacional (que, dentro e fora do Brasil, aliás,

mantém um notável quadro de policiais a ela filiados).

Dessa forma, o velho paradigma antagonista da Segurança Pública e dos Direitos

Humanos precisa ser substituído por um novo, que exige desacomodação de ambos os

campos: ―Segurança Pública com Direitos Humanos‖.

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O policial, pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais

marcante promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e

qualificando-se como um personagem central da democracia. As organizações não-

governamentais que ainda não descobriram a força e a importância do policial como

agente de transformação, devem abrir-se, urgentemente, a isso, sob pena de, aferradas a

velhos paradigmas, perderem o concurso da ação impactante desse ator social.

Direitos Humanos, cada vez mais, também é coisa de polícia!

*Ricardo Brizolla Balestreri, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública

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5. Tortura: um mal que deve ser combatido

―O homem é o único animal que provoca sofrimento aos outros de

sua espécie com o objetivo exclusivo de provocá-lo.‖ Schopenhauer

A história mundial abriga diversas práticas desumanas e cruéis contra os direitos da

pessoa humana. A Santa Inquisição, inaugurada pelo Papa Gregório IX, o holocausto

contra os judeus, patrocinado por Adolf Hitler durante a Segunda Grande Guerra, as

ditaduras militares, que brotaram na América do Sul. Nesses e em outros exemplos, eram

comuns práticas de acusações secretas, desrespeito ao processo legal e torturas para

alcançar o intento daqueles que agiam em nome do Estado.

O historiador Uélton Santos Silva, ao fazer referência às agruras cometidas na

Idade Média, lembra que naquele tempo as execuções das penas corporais eram

realizadas em praça pública: ―os carrascos cortavam com tesouras partes do corpo do

condenado e, para evitar hemorragias, despejavam chumbo derretido sobre as incisões.

Tudo para prolongar o sofrimento e retardar a chegada da morte, para o espetáculo

continuar‖.2

No Brasil não era diferente, o instrumental utilizado pelos torturadores na época da

ditadura militar ia desde o conhecido pau-de-arara à cadeira do dragão; do soro da

verdade, ou pentotal, às técnicas mais cruéis de escalpo. O pau-de-arara, aplicado desde

os tempos da escravidão, constitui-se em um dos métodos mais antigos de tortura. A

vítima ficava pendurada em posição desconfortável (vulgarmente conhecida como

―posição de frango assado‖, o que provocava dores terríveis no corpo e na cabeça. A

cadeira do dragão era uma cadeira parecida com a de barbeiro, revestida de zinco ou

alumínio e interligada com fios de energia elétrica que eram conectados às regiões mais

sensíveis do corpo do indivíduo torturado. O soro da verdade era utilizado contra os

acusados pelos próprios médicos a serviço do Estado, e causava diminuição da

capacidade de raciocínio.3

Em 1975, a Associação Médica Mundial, reunida em Tóquio definiu tortura como

sendo: ―A imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou

mental por parte de uma ou mais pessoas, atuando por própria conta ou seguindo ordens

2 Uélton Santos SILVA, Revista Jurídica Consulex, 2007, p. 36

3 Cf. Paulo Evaristo ARNS. Brasil: Nunca mais, 2003

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de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma outra pessoa a dar informações,

confessar, ou por outra razão qualquer‖.

A Convenção contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou

Degradantes, adotada pela resolução da ONU em 10 de dezembro de 1984, define tortura

como sendo:4 ―qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais,

são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa,

informações; de castigá-lo por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja

suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por

qualquer motivo baseado em qualquer discriminação de qualquer natureza; quando tais

dores ou sofrimentos são infligidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício

de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência

O Brasil ratificou a citada convenção em 1989, mas só depois do grave episódio da

Favela Naval de Diadema-SP, ocorrido em abril de 1997, em que o Sargento PM Gambra

(vulgo ―Rambo‖) violentava pessoas indefesas, o legislador se atentou para a urgente

necessidade de tratar a tortura como crime autônomo. Nesse contexto surgiu a Lei nº

9.455/97 que em quatro artigos estabeleceu os crimes de tortura no Brasil.

Infelizmente, parte da estrutura policial brasileira ainda adota métodos arbitrários,

com uso de violência, ainda imbuída de uma mentalidade repressiva, reacionária e

preconceituosa, herança de um sistema de segurança pública ditatorial, tirano, injusto e

desorganizado. Esta fração da estrutura policial, hoje, não somente perdeu a credibilidade

da população, como lhe causa medo.

Como reflexo de tais atitudes, em 2001, a Anistia Internacional colocou o Brasil

como um dos dez países onde o crime de tortura é com mais freqüência cometido. Apesar

disso, até aquele ano pouquíssimas pessoas haviam sido condenadas pelo crime previsto

na lei 9.455/97.

O art. 1º, inciso I, alínea 'a' da lei 9.455/97 define a chamada tortura-prova, a alínea 'b' traz

a tortura-meio e a alínea 'c' a tortura-discriminatória. O inciso II do art. 1º trouxe a tortura-

castigo. A tortura-prova ocorre quando, por exemplo, um policial violenta alguém em uma

investigação para que esta pessoa dê informações sobre um suspeito ou confesse ter

cometido um crime, já na tortura-meio há uma coação para que outrem pratique crime. A

4 ONU, Convenção contra a Tortura e outra Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes, 1984

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tortura-discriminatória ocorre, por exemplo, quando uma pessoa é violentada pelo fato de

ser negra ou por acreditar em determinada religião. Vejamos:

―Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe

sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira

pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;‖

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou

grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo

pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos.‖

Nos páragrafos 1º e 2º do art. 1º trouxe a lei proteção contra a tortura dos

encarcerados e a omissão frente à tortura, respectivamente.

―§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de

segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em

lei ou não resultante de medida legal.

§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou

apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.‖

O § 5º do art. 1º da lei traz ainda uma pena acessória – efeito secundário da

condenação, que não necessita de especial motivação. A condenação por crime de tortura

acarretará (desde que se trate de agente público) a perda do cargo, função ou emprego

público.. Além da perda, o agente público fica ―proibido para o exercício de função ou

cargo ou emprego público pelo dobro do prazo da pena aplicada‖, isto é, mesmo

reabilitado, não pode concorrer a nenhum cargo ou função ou emprego público no referido

prazo. Ultrapassado esse prazo, pode o sujeito concorrer a cargos públicos, porque

nenhuma pena pode ser perpétua. Mas jamais voltará para o cargo que ocupava.

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A Constituição Federal, no art. 5º, XLIII, traz algumas restrições processuais para o

crime de tortura: ―a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia

a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os

definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e

os que, podendo evitá-los, se omitirem;‖ Tal dispositivo também foi firmado pelo art. 1º, §

6º da lei. Entretanto, tem entendido a doutrina que não cabe fiança, mas, em tese, não

está impedida a liberdade provisória sem fiança; não cabe graça, mas, em tese, não está

vedado o indulto coletivo, isto por que, a lei penal não pode ser interpretada

extensivamente quando o legislador usa uma determinada expressão, sabendo do seu

sentido técnico.

Hélio Pellegrino nos explica que ―(...) na tortura, o corpo volta-se contra nós,

exigindo que falemos. Da mais íntima espessura de nossa própria carne, se levanta uma

voz que nos nega, na medida em que pretende arrancar de nós um discurso do qual

temos horror, já que é a negação de nossa liberdade.‖ Flávia Piovesan ensina que ―(...) a

tortura é um crime de ‗conveniência‘, que se manifesta nas trevas, no escuro, nos recintos

das portas trancadas, na invisibilidade dos cárceres, dos porões, das masmorras, no

silêncio dos gritos e da dor, na falta de transparência de espaços públicos, o que garante

a certeza da impunidade‖ 5. Paulo Sérgio Pinheiro, então Secretário de Direitos Humanos,

lecionava que: ―torturar, não é investigar, mas desumaniza não só a vítima como também

o torturador. A tortura subverte a própria lógica do aparato estatal, que de guardião da lei e

assegurador de direitos transforma-se em violador da lei e aniquilador de direitos. (...)

Legitimar a prática da tortura e dos tratamentos desumanos, sob qualquer circunstância, é

dar a possibilidade da desrazão e da irracionalidade dirigir a vida de homens e de

mulheres. É trocar qualquer indício de humanidade pela mais abjeta barbárie.‖

A segurança pública que a sociedade espera é profissional o bastante para agir

tecnicamente, com inteligência e dentro dos limites da lei, distante de práticas arcaicas,

desproporcionais e contra a dignidade do ser humano. A polícia rodoviária federal tem se

imbuído nessa missão. Respeitar os Direitos Humanos e combater a tortura é uma meta

que deve ser buscada todos os dias, em cada novo plantão, em todos os cantos do Brasil,

por cada policial. Servir e proteger à sociedade deve ser o lema de uma nova polícia que

estamos ajudando a construir.

5 PIOVESAN, Flávia, CAVALLARO, James Louis. Mazelas à luz do dia. Folha de São Paulo, 23 ago. 2000.

Tendências/Debates. Disponível em http://www.global.org.br/artigos/> Acesso em 16 abr. 2001.

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6. Entre a universalidade e a proteção de grupos vulneráveis

A Declaração universal dos Direitos Humanos, ao introduzir a chamada

concepção contemporânea dos Direitos Humanos, reconheceu a existência de direitos

universais inerentes à pessoa humana, o que significa que todos os seres humanos

podem exercer plenamente tais direitos, ou seja, são titulares deles.

Com o reconhecimento de sua universalidade, a proteção e a promoção dos

Direitos Humanos passou a ser concebida como responsabilidade internacional. Esta

nova concepção possibilitou o fortalecimento do regime jurídico internacional,

corporificado em instituições como a Organização das Nações Unidas - ONU e a

Organização dos Estados Americanos – OEA. Isto porque a ausência de proteção

internacional representa o aumento da vulnerabilidade da pessoa humana, já que muitas

vezes são os Estados os principais violadores dos direitos.

Ao enunciar a educação como um direito de todos, o art. 205 da Constituição

Federal de 1988, acolhe a universalidade dos direitos humanos que devem ser garantidos

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de

discriminação (cf.art.3º, IV da CRFB). O mesmo dispositivo determina que o Estado e a

família são os responsáveis pela promoção deste direito, ou os ―titulares dever jurídico‖.

Para cumprir com o dever de garantir o direito à educação, o Estado deve organizar-se de

acordo com os princípios previstos na Constituição (art.206), ampliando cada vez mais as

possibilidades para que todos possam exercer igualmente este direito.

Contudo, o princípio da universalidade não exclui a legitimidade de grupos

sociais, com características particulares, reivindicarem ações para proteção jurídica

diferenciada. No contexto de um Estado Social e Democrático de Direito, a criação de

sistemas especiais de proteção constitui uma medida de inclusão social.Trata-se de

concretizar o dever estatal de possibilitar que todos exerçam os seus direitos, em

condições de igualdade.

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IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL

O princípio da igualdade, em suas duas dimensões, a formal e a material, está

inscrito na Constituição Federal que, no art.3º, ao relacionar os ―objetivos fundamentais

da República Federativa do Brasil‖ estabelece, no inciso III a igualdade material –

―erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais‖; e

no inciso IV, a igualdade formal – ―promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação‖.

Assim, a Constituição estabelece possibilidades de exceções e restrições ao

princípio da igualdade formal, perante a lei , tendo em vista o atendimento do princípio da

igualdade material – aquela feita pela lei. Isto não significa que um deles é superior ou

possa ser a priori sobreposto em relação ao outro, mas sim que ambos devem garantir o

acesso de todos aos direitos, em condições de igualdade.

Há diferenciações não estabelecidas expressamente na Constituição, mas que

dependem da realização da igualdade material. Nestes casos, é papel do legislador –

responsável pela concretização dos princípios e objetivos constitucionais – eleger

prioridades e diferenciações de tratamento para atender a tais princípios.

As leis, assim como as políticas públicas, ao estabelecerem condições concretas

para superação das desigualdades sociais – o que implica estabelecer prioridades de

tratamento – para grupos historicamente desprivilegiados, por exemplo – não estão

descuidando do princípio da isonomia, mas apenas dando concretude ao princípio da

igualdade material.

O ideal democrático, tal como reconhecido contemporaneamente, abrange não

somente o princípio da soberania popular, como também a idéia do respeito à diferenças

de grupos específicos, o que exige a implementação de mecanismos de proteção

diferenciados. Em uma sociedade extremamente desigual, para que todos possam gozar

dos direitos previstos na lei, é preciso que o Estado assuma atitude intervencionista, no

sentido de criar condições de igualdade de pontos de partida para aqueles que se

encontram privados de recursos de poder.

Fonte: OPA – Obstáculos e Possibilidades de Acesso – Informativo do Projeto Ação na

Justiça Site: www.acaoeducativa.org

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Racismo

O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e nossa Carta Magna, em seus artigos 3o., inciso IV e 5o., XLI, protege o cidadão contra qualquer forma de discriminação. O inciso XLII do artigo 5o. declara que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da Lei.

Em 15 de janeiro de 1989, entrou em vigor a Lei 7.716, para dar cumprimento à norma constitucional de combate ao preconceito de raça.

No âmbito da Polícia Civil, foi criada no dia 9 de junho de 1993 a Delegacia de Polícia de Crimes Raciais, a fim de instrumentalizar a Lei 7.716/89.

A Lei n. 9459 de 13 de maio de 1997 altera a Lei 7.716/89, acrescentando a discriminação religiosa aos crimes de discriminação, bem como criminalizando o fabrico de adereços nazistas ou racistas.

A alteração também faz referência ao crime de injúria, quando este se utilizar de elementos referentes à raça, cor etnia, religião ou origem. A injúria não qualificada com tais características discriminatórias tem como pena a detenção, até um ano; com essa agravante, é punida com reclusão que pode chegar até 3 anos.

É preciso que se diferencie o crime de injúria com a agravante discriminatória do crime de discriminação no sentido estrito. O núcleo do tipo dos crimes resultantes de preconceito de raça, cor, religião consiste numa ação concreta de obstar o acesso a determinada prerrogativa ou estabelecimento, bem como na propagação de idéias discriminatórias.

Já a injúria, que tem somente o intento de ofender a honra de alguém, não se configura em crime racial ou discriminatório, ainda que agravado por elementos racistas; não é nem inafiançável nem imprescritível.

Discriminação contra a Mulher

O marco inicial do processo de incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Direito brasileiro foi a ratificação, 1o. de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

A partir desta ratificação, inúmeros outros relevantes instrumentos de proteção dos Direitos Humanos foram também incorporadas pelo Direito brasileiro.

Já em agosto de 1985, o então Governador do Estado de São Paulo cria, pelo Decreto n. 23.769 de agosto de 1985, a Delegacia de Defesa da Mulher, à qual compete a investigação e apuração dos delitos contra pessoas de sexo feminino.

Tendo como base o caput do artigo 5o. da Constituição brasileira que declara que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, bem como os

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tratados internacionais, que possuem "grau supraconstitucional", as Delegacias de Defesa da Mulher investigam e apuram os crimes previstos no Título I, Capítulos I, II, III e Seções I e II do Capítulo VI, nos artigos 163 e 173 do Título II, no Títulos VI e VII e no artigo 305 do Título X, todos do Código Penal e os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, cabe às DDM o combate aos crimes contra pessoa, contra a vida, às lesões corporais, à periclitação de vida e da saúde, aos crimes contra a liberdade individual, contra a inviolabilidade do domicílio, bem como os delitos que envolvam o dano a coisa alheia ou abuso de incapazes, aos delito contra os costumes e contra a família, a supressão de documento e igualmente às infrações ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tais infrações, quando envolvem pessoa de sexo feminino ou a criança e o adolescente, são atribuição da Delegacia de Defesa da Mulher.

Paralelamente à apuração e investigação das infrações penais, a DDM conta com o assessoramento do COMVIDA – Centro de Convivência para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica – integrada à estrutura da Delegacia Geral de Polícia, que dá aconselhamento e orientação às mulheres.

Os Departamentos da Polícia Civil de São Paulo que têm como atribuição básica o exercício das atividades de polícia judiciária, administrativa e preventiva especializada nas área da Capital, do Interior e da Região Metropolitana da Grande São Paulo possuem Delegacia de Defesa da Mulher.

Na esteira da criação das DDMs, foi também criada a Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso, que presta assistência de natureza policial às pessoas idosas.

Brasil sem Homofobia

O Programa Brasil Sem Homofobia foi lançado em 2004, a partir de uma série de

discussões entre o Governo Federal e a sociedade civil organizada, com o intuito de

promover a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e

transexuais (LGBT), a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à

discriminação homofóbicas. O Programa é constituído de diferentes ações voltadas para:

a) apoio a projetos de fortalecimento de instituições públicas e não-governamentais que

atuam na promoção da cidadania LGBT e/ou no combate à homofobia;

b) capacitação em direitos humanos para profissionais e representantes do movimento

LGBT que atuam na defesa de direitos humanos;

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c) disseminação de informações sobre direitos, de promoção da auto-estima LGBT;

incentivo à denúncia de violações dos direitos humanos da população LGTB.

A Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) é o

órgão responsável por coordenar as diversas ações desenvolvidas para atingir os

objetivos do Programa Brasil Sem Homofobia. São ações de capacitação e

desenvolvimento, apoio a projetos de governos estaduais, municipais e organizações não-

governamentais e implantação de centros de referência para combate a homofobia em

todo o país.

O Programa Brasil Sem Homofobia busca o reconhecimento e a reparação da

cidadania da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, tida como

uma parcela relevante da sociedade brasileira que possui menos direitos por razão do

preconceito e da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, além dos

preconceitos e das discriminações por raça, etnia, gênero, idade, deficiência física, credo

religioso ou opinião política.

Não se pode afirmar que a sociedade brasileira é justa, igualitária, democrática e

tolerante se ela não combater todas as formas de preconceito e discriminação existentes

em seu meio. O Programa Brasil Sem Homofobia busca contribuir para a construção de

uma cultura de paz estimulando o respeito a todas as diferenças.

Fonte: site: www.presidencia.gov.br

Estatuto do idoso – Lei 10.741, de 1° de outubro do 2003.

Art. 1° É instituído o Estatuto do Idoso a regular os direitos assegurados ás pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Art. 2° O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3° É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à

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saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares.

Art. 14. Da Constituição Federal. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

1° O alistamento eleitoral e o voto são:

...

II – facultativos para:

b) os maiores de setenta anos;

...