DIREITOS HUMANOS DA GESTANTE X VIOLÊNCIA...
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DIREITOS HUMANOS DA GESTANTE X VIOLÊNCIA
OBSTÉTRICA E A RESPONSABILIDADE PELO ERRO
MÉDICO
BRENDA LÍLYA DOS SANTOS FERNANDES1
ANA ELIZABETE LIMA SOUSA2
BRUNNO SOUZA LIMA3
Resumo: O parto e o nascimento de um filho são eventos marcantes na vida de uma mulher. Infelizmente,
muitas vezes são relembrados como uma experiência traumática na qual a mulher se sentiu desrespeitada e
violentada por aqueles que deveriam estar lhe prestando assistência. Segundo pesquisas, no Brasil, um
quarto das mulheres é vítima de violência obstétrica, portanto, o presente trabalho tem o objetivo de abordar
essa temática, pelo elevado número de erros médicos nesta área específica, pela falta de informação da
população acerca dos seus direitos, e pela negligência com que esse tema vem sendo tratado no âmbito
social e jurídico.
Palavras-chave: Direitos humanos. Violência obstétrica. Erro médico.
INTRODUÇÃO
A partir do conceito presente na cartilha elaborada pela Defensoria Pública do
Estado de São Paulo com a finalidade de orientar as mulheres sobre a violência obstétrica,
presente também no Projeto de Lei nº 7633/2014, que abordaremos a questão da violência
obstétrica e os danosos efeitos causados por sua prática indiscriminada às parturientes,
especialmente em uma perspectiva jurídica de garantia dos direitos da mulher.
Caracteriza-se a violência obstétrica como a apropriação do corpo e dos
processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do
tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos
processos naturais, que cause a perda da autonomia e capacidade das mulheres
de decidir livremente sobre seus corpos e sua sexualidade, impactando
negativamente na qualidade de vida das mulheres.
1 Graduanda do 8º semestre de Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). E-mail:
[email protected] 2 Graduanda do 8º semestre de Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). E-mail:
[email protected] 3 Graduando do 8º semestre de Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). E-mail:
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De uma forma mais simplificada, a violência obstétrica se caracteriza por qualquer
intervenção institucional indevida, não informada ou abusiva, que incida sobre o corpo
ou sobre o processo reprodutivo da mulher, violando sua autonomia, privacidade,
informação, liberdade de escolha ou participação nas decisões tomadas.
Além do conceito amplo e mesmo do simplificado, sem pretensão de esgotar o
tema, é importante ressaltar algumas premissas normativas que dão azo ao combate à
violência obstétrica por parte do Estado, sob pena de inadmitida omissão estatal.
A Constituição de 1988 foi expressa ao conferir igualdade de direitos
fundamentais a homens e mulheres (art. 5º, inc. I), dispondo, ainda, sobre o combate à
violência de gênero, conforme dispõe o artigo 226, §8º: “O Estado assegurará a
assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para
coibir a violência no âmbito de suas relações”.
O referido comando normativo da Constituição Federal impôs ao Estado
Brasileiro um dever prestacional de duas dimensões: obriga a criar, organizar e implantar
meios preventivos de coibir a violência e confere-lhe também o dever de evitar práticas
concretas de violência de gênero, tornando as hipóteses de violação aos direitos femininos
passíveis de judiciabilidade.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra a
Mulher (CEDAW) trouxe normatização expressa a respeito do combate à discriminação
da mulher no campo da saúde.
A definição de violência contra a mulher foi ampliada a partir da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
(Convenção Belém do Pará), que, em seu artigo 1º, caput, a conceitua como "qualquer
ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada". Em reforço, o
artigo 2º da Convenção esclarece quais os ambientes em que pode ocorrer a violência de
gênero, assentando a possibilidade de esta ocorrer não apenas no ambiente doméstico,
intrafamiliar ou interpessoal (alínea a), mas também no ambiente comunitário, laboral,
educacional ou de saúde (alínea b), sem prejuízo da violência perpetrada ou tolerada pelo
Estado ou seus agentes (alínea c).
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A Lei dos Direitos dos Usuários dos Serviços e das Ações de Saúde, no que diz
respeito aos direitos das mulheres na gravidez e no parto, institucionaliza inúmeras
conquistas dos movimentos sociais, servindo como instrumento promotor de diversas
mudanças nos serviços de saúde, e na criação de melhores condições para o pleno
exercício da cidadania.
No que se refere à Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) embora tenha
aparentemente restringido a incidência da legislação ao ambiente doméstico, intrafamiliar
ou decorrente de relação íntima de afeto (art. 5º), a melhor exegese é aquela que entende
tratar-se este rol de exemplificativo em virtude da proteção lançada pelos estatutos
supralegais antes indicados e em razão da aplicação do princípio pro homine (art. 5.2,
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), à luz da fundamentalidade material
das normas protetivas de direitos humanos.
OS DIREITOS
Percebe-se que cada vez mais usuárias e usuários dos serviços de saúde vêm
conquistando o papel de sujeitos, no lugar de simples objetos, coisificados, desprovidos
de autonomia, vontades e direitos. Uma nova sociedade civil tem conseguido, com muita
luta, transformar as velhas noções de “favor” e “caridade” em cidadania e direitos, e é
essa realidade que se tem buscado a partir da abordagem de temas considerados tabu na
saúde, dos movimentos em prol da humanização do parto e de um melhor atendimento à
saúde.
Podemos elencar alguns direitos básicos da mulher gestante, antes, durante e após
o parto, extensivos aos casos de aborto no que couberem: a) direito à condição de pessoa,
sujeito da relação; b) direito à informação sobre o procedimento médico, riscos e
consequência de sua gestação; c) o direito à privacidade no parto e à confidencialidade
das informações; d) direito ao procedimento anestésico adequado, incluindo métodos não
farmacológicos de alívio da dor; e) direito ao planejamento reprodutivo e familiar; f)
direito à participação e à corresponsabilidade pela tomada de decisões; g) direito ao
atendimento respeitoso e não vexatório; h) direito à integridade corporal e a usufruir dos
avanços da ciência; i) direito ao acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-
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parto - expressamente incluído pela Lei nº 11.108/2005 no artigo 19-J da Lei nº
8.080/1990.
AS VIOLAÇÕES
Infelizmente, ainda há muito a ser alcançado, pois a maioria dos direitos elencados
anteriormente são amplamente desrespeitados, como confirmam os dados de diversas
pesquisas realizadas.
Além disso, o Sistema de Saúde brasileiro vai de encontro com o guia de
recomendações durante o parto elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na
tentativa de orientar o modelo de assistência ao parto com base em evidências científicas
reunidas por diversos especialistas de todo o mundo. Nesse documento, são identificadas
quatro categorias de práticas: aquelas úteis e que devem ser estimuladas; as claramente
prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas; aquelas que devem ser utilizadas
com cautela até que haja mais evidências para sustentar uma recomendação clara; e as
frequentemente usadas de modo inadequado.
Nesse sentido, é possível citar e classificar as práticas estimuladas: a) posições
verticalizadas que trazem várias vantagens para a evolução do trabalho de parto; b)
movimentar–se ajuda a encaixar o bebê; c) emprego de métodos não invasivos e não
farmacológicos para alívio da dor, como massagem e técnicas de relaxamento, durante o
trabalho de parto; d) imersão em água, segundo alguns ensaios clínicos, reduz o uso de
analgesia e a percepção de dor pela gestante; e) o oferecimento de líquidos à gestante por
via oral durante o trabalho de parto; f) o contato direto e precoce entre mãe e filho e o
apoio ao início da amamentação na primeira hora após o parto; g) respeito a escolha da
mãe sobre o local de parto e o acompanhante, aliás, é um direito da mulher, tanto no
serviço de saúde público quanto no privado. (lei nº 11.108 de 2005); h) elaboração de um
plano de parto, documento de extrema importância, pouco conhecido no Brasil que se
trata de uma lista elaborada pela gestante que inclui, por exemplo, o lugar onde a mulher
quer ter o bebê, quem estará presente na hora do parto, quais os procedimentos médicos
que a mulher aceita e quais ela quer evitar para ela e para o bebê, a posição em que deseja
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parir, se ela quer se alimentar durante o trabalho de parto e até que música gostaria de
ouvir.
Dentre as práticas prejudiciais, ineficazes ou que devem ser eliminadas estão: a)
o uso da ocitocina sintética para aceleração do trabalho de parto, frequentemente adotado
de forma inadequada; b) a prática indiscriminada da episiotomia (corte no períneo para
facilitar a passagem do neonato), desde os anos 70 seu uso rotineiro foi questionado e
chegou-se a conclusão de que inexiste evidência científica que comprove a eficácia desse
corte, o que se sabe são os riscos que essa prática expõe às mulheres: dor perineal, edema,
maior risco de infecção, hematoma e dispareunia (dor na relação sexual). A OMS
recomenda que o uso dessa prática não ultrapasse 10% dos partos naturais, no entanto, no
Brasil, 53,5% das mulheres que tem o bebê pela via vaginal são submetidas a esta prática;
c) a manobra de kristeller (pressão sobre a barriga da gestante para empurrar o bebê no
momento do parto) pode causar traumas ao bebê e a mãe como deslocamento e
rompimento de órgãos; d) O uso de fórceps (um instrumento destinado a apreender a
cabeça fetal e extraí-la através do canal do parto) devendo ser usado apenas quando
houver parada de progressão do parto ou sofrimento fetal, e por obstetra experiente; e) a
tricotomia (retirada dos pelos pubianos); e) a prática de enema (lavagem intestinal); f) a
realização rotineira de exame de toque para verificação da dilatação, procedimento
frequentemente realizado de modo inadequado; dentre outros procedimentos abusivos.
Podemos ainda distribuir as formas de violência obstétrica em três categorias,
envolvendo graus de agressividade diversos, desde a utilização de palavras ofensivas até
às práticas efetivas. Segundo a cartilha trazida pela Revista Época4, ao abordar essa
situação no nosso país, as formas de violência são as seguintes: o desrespeito, envolvendo
a agressão verbal e descuidos propositais, por exemplo, no momento em que o enfermeiro
não se importa com aquela condição sensível, delicada e põe a culpa na gestante por estar
ali, desse modo, ela não poderia reclamar de nenhuma das decisões ali tomadas, ‘Não
chora não, porque ano que vem você tá aqui de novo; Cala a boca! Fica quieta, senão
4 LAZZERI, T. Violência obstétrica: 1 em cada 4 brasileiras diz ter sofrido abuso no parto. Revista Época.
São Paulo, jul/ago. 2015. Disponível em: <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/07/violencia-
obstetrica-1-em-cada-4-brasileiras-diz-ter-sofrido-abuso-no-parto.html>. Acesso em: 12 nov. 2015.
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vou te furar todinha’; o abuso que se configura pelo excesso de poder para com a paciente,
dispensando tratamento constrangedor ou até mesmo, não garantindo à mesma todos os
direitos previamente assegurados, tais como, esclarecimento acerca dos procedimentos
adotados e o direito à acompanhante, que ajuda muito a trazer uma sensação de segurança
e companhia à parturiente, infelizmente, este é facilmente omitido pelos responsáveis
dentro das maternidades e hospitais. A Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, em seu
capítulo VII, “Do Subsistema de Acompanhamento durante o Trabalho de Parto, Parto e
Pós-Parto Imediato”, determina:
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede
própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à
parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de
parto, parto e pós-parto imediato.
§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela
parturiente.
§ 2o As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata
este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão
competente do Poder Executivo.
§ 3o Ficam os hospitais de todo o país, obrigados a manter, em local visível de
suas dependências, aviso informando sobre o direito estabelecido
no caput deste artigo (grifo nosso).
E, por fim, a negligência, presente na péssima assistência, bem como, na atuação
irresponsável ou imprudente dos profissionais de saúde, ao tratar da parturiente e do bebê,
optando pelo uso de técnicas ultrapassadas, contrárias ao desejado pela paciente e até
mesmo não recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, com isso, aumenta-se a
probabilidade de erros durante o parto, além de riscos desnecessários.
Um dos motivos para que essas práticas se perpetuem através do tempo mesmo
com a evolução dos direitos humanos e reprodutivos, é a escassez de conhecimento acerca
desse assunto que faz com que muitas gestantes, considerem essas práticas absurdas como
parte do procedimento médico comum, pois são leigas, não dispondo de conhecimento a
respeito dos procedimentos a serem realizados nem mesmo das inúmeras recomendações
da OMS que deveriam ser respeitas. Outro ponto a se destacar é o fato de não
visualizamos no ambiente hospitalar, alertas voltados ao combate da violência obstétrica,
ou mesmo das leis que asseguram os direitos das gestantes como usuárias do sistema de
saúde, seja público ou privado. Isso evidencia o descaso e falta de preparo do sistema de
saúde brasileiro em atender de forma mais humana e consciente as demandas de uma
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sociedade que muda e que cada vez luta mais por seus direitos. Há ainda, a distância do
governo para com essa realidade, pois são raras as políticas públicas destinadas a essa
questão importante, que se encontra presente no cotidiano das mulheres brasileiras, com
frequência considerável e de difícil imaginação por parte do restante da sociedade.
Como já conceituado, todas essas práticas, silenciosas ou expressas, que resultam
em ofensa psicológica ou física, à gestante, são consideradas formas de violência contra
a mulher e até mesmo contra os bebês, pois com o desgaste físico e emocional da mãe o
parto se torna bem mais doloroso, comprometendo assim, o bem estar de mãe e filho. A
separação do recém-nascido saudável de sua mãe, que iria fornecer a primeira mama,
essencial para estabelecer esse contato inicial entre os dois e a negação do direito de ser
acompanhante ao pai inviabilizam a construção, desde logo, de sólidos laços familiares.
AS CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
A maternidade, sem dúvidas, é um momento importantíssimo na vida de cada
mulher, é uma fase de grande ansiedade, sensibilidade e expectativas, no entanto, o
desrespeito, os maus-tratos e a violação de direitos por parte da equipe médica retiram
toda a beleza e a emoção que a gestação e o nascimento de um filho devem trazer,
deixando em troca uma série de lembranças acompanhada de traumas e desconfortos. O
descaso dado ao Princípio da Humanização e da Dignidade da Pessoa Humana, dentro da
área da saúde, especificamente, no que tange a área obstétrica, objeto deste trabalho, e a
rotina tradicional de se valer de métodos superados para realizar o parto, trazem efeitos
devastadores à gestante que podem comprometer muito a sua recuperação física e
psicológica após o parto.
O Brasil possui elevados índices de morbimortalidade materna e neonatal, sendo
as principais causas consideradas como evitáveis e passíveis de serem reduzidas, como a
hipertensão, hemorragia, complicações do aborto e atendimento inadequado à gestante e
ao recém-nascido. Vale destacar que a adoção significativa de parto cesárea, mesmo em
situações dispensáveis, contribui para o aumento da mortalidade neonatal, pois requer um
cuidado maior, a fim de evitar futuras complicações e infecções. Conforme a pesquisa
Nascer do Sol, coordenada pela Fundação Osvaldo Cruz – Fiocruz, 88% (oitenta e oito
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por cento) das mulheres na rede privada, 46% (quarenta e seis por cento) na rede pública
e média nacional de 52% (cinquenta por cento), adotam este tipo de procedimento
cirúrgico, frente a uma recomendação de apenas 15% (quinze por cento) da OMS. As
mulheres optam mais pela cesárea ao invés do parto normal, pois, segundo a coordenadora
da pesquisa Maria do Carmo Leal, a realização deste se dá, em sua maioria, com muitas
intervenções e sofrimento desnecessário.
O documentário “A Dor além do Parto” 5, realizado como Trabalho de Conclusão
de Curso realizado por acadêmicas da Universidade Católica de Brasília, mostra a
realidade de algumas mulheres vítimas de violência obstétrica e outras consequências
além das referidas acima. Em entrevista, no documentário em tela, a doula Adele Valarini,
responsável pelo suporte afetivo, físico e emocional naqueles ambientes hospitalares,
destaca que quando as gestantes passam por situações em que têm seus direitos à
dignidade e à autonomia completamente desrespeitados por más práticas, como a
episiostomia sem o consentimento e por vezes sem anestesia, elas desenvolvem
comportamentos similares aos das vítimas de violência sexual, apresentando dificuldade
de aceitar o próprio corpo, baixa autoestima, tem sua vida sexual comprometida, e ainda,
a depender do grau de violência sofrido, as consequências também podem variar de uma
depressão pós-parto até o estresse pós- traumático.
Além do sofrimento psicológico, há casos de violência e negligência que resultam
em sequelas graves na mãe, como infecções, hemorragias, incontinência fecal e dano
estético decorrente de episiotomia mal realizada; rompimento de órgãos da mãe e até
morte do bebê, causados pela manobra de kristeller, proibida em alguns países, quando
realizada de modo inadequado, negligência a parturientes com gravidez agravada por
hipertensão ou diabetes, entre outras.
Apesar da gravidade do tema, é recente a abordagem da temática no âmbito social
e jurídico, o que torna a realização dessas práticas quase que absolutamente impunes,
devido à falta de informação, as poucas denúncias devido a dificuldade por parte das
mulheres em admitir que ocorreu a violência e revirar sentimentos dolorosos em juízo, a
5A Dor Além do Parto. Documentário. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=cIrIgx3TPWs>. Acesso em: 11 nov. 2015.
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negligência por parte do Estado em garantir os direitos das mulheres, o legislativo
atrasado e o judiciário inerte contribuindo para essa situação.
ERROS MÉDICOS E IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
O erro médico é entendido como sendo o descumprimento de dever do
profissional da área médica. Trata-se de um agir ou um não agir, seja por negligência
(omissão daquilo que razoavelmente se faz; é um atuar negativo, um não-fazer), imperícia
(é a falta de aptidão, teórica ou técnica, no desempenho da profissão ou função) ou
imprudência (um agir sem cautela, o desprezo aos cuidados que deve-se ter em
determinados atos) que contraria condutas recomendadas pela Ciência Medica, e que
causem danos ao paciente em suas diversas formas.
Em outras palavras, é a falha do médico no exercício da profissão, que pode acabar
acarretando a sua responsabilidade legal.
Para os fins da observação do desvio de conduta médica, o Direito não leva em
consideração se o mal foi praticado por erro ou por ignorância. Tanto incide em
responsabilidade aquele profissional que, no mau exercício da profissão, gera danos ao
paciente por erro, quanto o médico que compromete a vida ou a saúde do paciente por
ignorância. Desta análise entende-se que é a má prática que pode levar à responsabilidade
legal do profissional médico. Tal responsabilidade pode assumir três aspectos: penal, civil
ou administrativo.
A responsabilidade é penal quando o dano, pela gravidade, causa turbação da
ordem social. A comoção da comunidade ultrapassa o âmbito do paciente e de sua família.
A sanção nestes casos é uma pena que pode ser restritiva de liberdade ou pecuniária, e só
recai apenas sobre o autor da má prática.
Na responsabilidade civil o dano tem repercussões mais restritas, alcançando
apenas o paciente e sua família, não havendo extravasamentos. A sanção será de natureza
exclusivamente patrimonial.
Na responsabilidade administrativa o dano ocorre na reputação da profissão
médica e da instituição que a representa, tanto em credibilidade quanto em prestígio. Os
aspectos correcionais ou corretivos ficam a cargo dos Conselhos de Medicina, a nível
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federal e estadual, já os aspectos funcionais, derivados da má conduta do servidor público,
competem à Administração Pública, em seus vários âmbitos (União, Estados e
Municípios). As sanções podem ser correcionais ou administrativas, numa escala que vai
da simples censura ou advertência reservada até a demissão do profissional médico do
serviço público e à proibição do exercício da profissão.
A obstetrícia é a especialidade médica com o maior número de ocorrências de
infrações, sejam lesões corporais ou mortes. Cerca de 70% (setenta por cento) de tudo
que o Ministério Público realiza em matéria de processos dos chamados erros médicos
estão nesta especialidade, segundo relata o Promotor de Justiça do Distrito Federal,
Diaulas Ribeiro em depoimento ao documentário “A dor além do parto”.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) relata, também, que nos Conselhos
Regionais de Medicina, apenas as denúncias contra obstetras e ginecologistas estão
próximos dos 30% (trinta por cento) de total de queixas.
Mesmo diante desta situação calamitosa, ainda é ínfima a porcentagem de
violações obstétricas que chegam, efetivamente, ao Poder Judiciário e isso se deve
ausência de políticas públicas orientadas à prevenção da violência obstétrica, bem como
o baixo conhecimento técnico-científico dos órgãos internos e externos de fiscalização do
Sistema de Saúde, inclusive das instituições que exercem a denominada função essencial
à Justiça.
Outros fatores como a inexistência de tipificação específica, medida já adotada
por outros países da América Latina, como Venezuela e Argentina, inviabiliza o
reconhecimento e responsabilização de maneira uniforme das condutas praticadas em
sede de violência obstétrica e elas acabam sendo submetidas a outros tipos penais, como
os crimes contra a honra, lesão corporal e até mesmo homicídio. As indenizações por
danos morais e materiais giram em torno de R$ 60 mil em casos de morte ou
consequências físicas e psicológicas irreversíveis para a mãe ou para o bebê. A
comprovação da violência sofrida pela parturiente, que muitas vezes tem seu direito a um
acompanhante tolhido obsta a prova por meio de testemunha de que o procedimento
médico utilizado foi realizado de forma desproporcional e/ou inconveniente, trazendo
riscos para a saúde da mulher e do bebê. A dificuldade por parte das mulheres em falar
sobre o assunto, devido à natureza delicada e de cunho pessoal dos casos, e ainda, a
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desinformação das gestantes a respeito dos seus direitos também é outro ponto que deve
ser frisado, pois acaba levando as parturientes a concorrer indiretamente para o descaso
com que vem sendo tratada a violência obstétrica pelas autoridades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pode perceber é que o combate à violência obstétrica é dever do Estado
e da sociedade, que por meio do esforço mútuo de todos os órgãos e setores responsáveis
pela efetivação dos direitos da mulher gestante, usuária dos sistemas públicos ou
particulares de saúde devem promover a mudança do atual panorama de descaso. Para
tanto, é preciso que a violência obstétrica seja identificada, discutida, trabalhada,
prevenida e combatida pelos órgãos oficiais de controle.
Faz-se necessária, a reeducação da visão pública sobre o parto, substituindo os
discursos de hospitalização do processo reprodutivo pelos discursos de humanização da
assistência obstétrica, através da realização de projetos voltados para a mudança do parto
e nascimento no Brasil, através da promoção de campanhas de conscientização, bem
como a criação de meios mais eficazes de denúncia e punição.
A criação de lei específica que trate da violência obstétrica, ressaltando que já
existe um Projeto de Lei, PL 7633-2014, tramitando na Câmara dos Deputados.
Na área da saúde, um maior empenho das Universidades em oferecer uma
educação aos profissionais de saúde preocupada com o tratamento humanizado e a
atualização das técnicas utilizadas.
E, por fim, o cuidado por parte do médico, o não abuso de poder, o aprimoramento
dos conhecimentos e uso do progresso científico, a informação ao paciente sobre os riscos
e objetivos da atividade médica são deveres imprescindíveis e inerentes ao exercício da
profissão. O médico deve observar também a existência de um consentimento esclarecido
ou informado do paciente para poder realizar nele determinados tipos de procedimento.
A partir dessas precauções e da observação por parte do profissional de saúde dos seus
deveres profissionais poderá haver uma melhora do péssimo quadro em que se encontra
a assistência às gestantes, antes, durante e após o parto, diminuindo assim o número de
intervenções desnecessárias e consequentemente o número de erros médicos e violações
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de direitos.
HUMAN RIGTHS OF PREGNANT WOMEN X
OBSTETRIC VIOLENCE AND THE RESPONSIBILITY FOR
MEDICAL MALPRACTICE
Abstract: The birth of a child is a milestone event in a woman's life. Unfortunately, they are
often recalled as a traumatic experience in which the womanfelt disrespected and abused by those
who should be providing assistance. According to research, in Brazil, a quarter of women are victims of
violence obstetric, therefore, the present work aims to address this theme, the high number of medical
mistakes in this particular area, by the lack of information of the population about their rights, and the
neglect with which this issue has been dealt with in the social and legal framework.
Keywords: Human Rights. Obstetric violence. Medical malpractice.
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