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Revista Pensar Direito,Vol. 7, No.2, JUL/2016
Diretivas Antecipadas de Vontade no Brasil e no Direito Comparado
Advance Directives in Brazil and Comparative Law
Leonardo Gomes Corrêa
Carla Vasconcelos Carvalho
Resumo:Este artigo objetiva contribuir para reflexões sobre os benefícios e desafios da aplicação das diretivas antecipadas de vontade no Brasil a partir da análise comparada de como estas são tratadas em diferentes partes do mundo. Para tanto,cincoitens foram considerados: 1. A conceituação de diretivas antecipadas de vontade, diferenciando-se o testamento vital do mandato duradouro; 2. A distinção entre eutanásia, distanásia e ortotanásia; 3. Autodeterminação do paciente nas diretivas antecipadas de vontade; 4. A Resolução 1995/12 do Conselho Federal de Medicina e a postura médica; 5.As diretivas antecipadas de vontade no direito comparado. Palavras-chave: Diretivas antecipadas de vontade. Testamento vital. Autonomia do paciente. Legislação.Direito comparado.
Abstract:This article aims to contribute to reflections on the benefits and challenges of the application of advance directives in Brazil from the comparative analysis of how they are treated in different parts of the world.
For this purpose,fiveitems were considered: 1. The conceptualization of advance directives, differentiating the living will of the lasting mandate; 2. The distinction between euthanasia, dysthanasia and orthatanasia; 3. Patient self-determination in advance directives; 4. The Resolution 1995/12 of the Federal Council of Medicine and the medical posture; 5. The advance directivesin comparative law.
Keywords:Advance directives. Living will. Patient autonomy. Legislation. Comparative law.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta pesquisa tem como objetivo realizar uma análise sobre as diretivas
antecipadas de vontade, especialmente no que concerne a aplicabilidade do instituto no direito
brasileiro, visto que não há previsão legal expressa para a mesma, mas uma ponderação com
base em normas e princípios gerais como da autonomia privada e a dignidade da pessoa
humana.
Diretivas antecipadas são instruções escritas que o paciente prepara para guiar seu
cuidado médico. São aplicadas a situações específicas como de doenças terminais ou danos
irreversíveis, e produzem efeito quando o médico determina que o paciente não é mais capaz
de decidir acerca de seus cuidados médicos (THOMPSON, 2015, p. 868).
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As diretivas antecipadas de vontade (DAV) constituem um gênero de
manifestação de vontade para tratamento médico, do qual são espécies o testamento vital e o
mandato duradouro (DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO, 2013, p. 464).
Define-se como testamento vital um documento, redigido por uma pessoa no
pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados,
tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença
ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar
livremente sua vontade(DADALTO, 2015, p. 28).
No mesmo sentido, Amaral e Pona (2017, p. 5) conceituam o testamento vital
como documento jurídico redigido por uma pessoa quando plenas as suas faculdades mentais,
por meio do qual expressa antecipadamente a sua vontade quanto aos tratamentos a serem ou
não empregados caso advenha situação em que não possa mais expressar suas intenções em
virtude do estado de saúde, podendo ainda servir de instrumento para a nomeação de terceiro
para tomar a decisão quanto aos tratamentos utilizados e ainda dispor acerca da doação ou não
de órgãos. Por meio desse documento “o indivíduo manifesta a sua vontade de não ser
mantido vivo em condições que considere indignas, cuja qualidade da vida já não mais pode
ser preservada diante da batalha travada para vencer a morte.” (AMARAL E PONA, 2017, p.
6).
No testamento vital, o sujeito define diretamente os tratamentos médicos que
deseja ou não para si mesmo. Tais tratamentos podem incluir procedimentos como
ressuscitação cardiopulmonar, ventilação mecânica, medicamentos, tubos de alimentação,
nutrição artificial, diálise e fluidos intravenosos(THOMPSON, 2015, p. 868).
Já o mandato duradouro envolve a escolha de alguém em quem o sujeito confia
para tomar decisões sobre os cuidados médicos nas situações em que não puder fazê-lo.
(THOMPSON, 2015, p. 868). Destarte, no mandato duradouro ocorre a nomeação de uma
pessoa para tomar decisões relativas a tratamentos médicos pelo indivíduo quando este não
mais forcapaz de fazê-lo - incapacidade que pode ser permanente ou temporária e se averigua
faticamente, não dependendo de declaração judicial (DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO,
2013, p. 464).
Atualmente, constata-se aumento significativo de lavraturas de diretivas
antecipadas de vontade nos cartóriosbrasileiros, sobretudo após a publicação da resolução
CFM 1995/2012, o que demonstra que a população brasileira tem assentido positivamente a
essa forma de manifestação de vontade (FRANGIONE, 2016, p. 35).
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Para subsidiar a análise da aplicação das DAV no Brasil, realizou-se uma revisão
de literatura sobre o tema nas Américas e na Europa, comparando-se o modo como as
legislações alienígenaspreveem mecanismos que possibilitem o resguardoda autonomia da
vontade do paciente em situação de fim de vida.
Inicialmente, estudou-se a legislação existente no Brasil aplicávelàmatéria com
foco na sua efetividade. Posteriormente, levantou-se quais países possuem legislação
específica sobre o tema ecomo estas são aplicadas nestes Estados visando a proteção da
autonomia da vontade do paciente.
Desta forma, esta pesquisa pretende contribuir para uma reflexão sobre os
benefícios e desafios da aplicação do instituto das diretivas antecipadas de vontade no Brasil,
a partir da análise comparada de como são tratadas em diferentes partes do mundo.
2 EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA: UMA DISTINÇÃO NECESSÁRIA
A eutanásia, do ponto de vista clássico, foi definida, inicialmente, como o ato de
tirar a vida do ser humano (FELIX, 2013, p. 2734). Contudo, depois de ser discutido e
repensado, o termo passou a significar morte sem dor, sem sofrimento desnecessário.
Atualmente, é entendida como a prática de atos para abreviar a vida, a fim de aliviar ou evitar
sofrimento para os pacientes. A prática da eutanásia é ilegal no Brasil, apesar de ser aceito em
alguns países, como a Holanda e a Bélgica. Vale ressaltar que o Código de Ética Médica
Brasileiro de 2009estabelece, nos artigos alusivos ao tema,disposições contrárias à
participação do médico em atos de eutanásia e suicídio assistido.
A distanásia, por sua vez, constitui termo pouco conhecido, porém praticado com
frequência no campo da saúde. É conceituada como uma morte difícil ou penosa, usada para
indicar o prolongamento do processo da morte, por meio da realização de tratamentos que
apenas prolongam a vida biológica do paciente, sem qualidade de vida. Também é chamada
de obstinação terapêutica. Nesse sentido, enquantona eutanásiaa preocupação principal é com
a qualidade de vida remanescente, a distanásiase fixa na quantidade de tempo dessa vida e de
instalar todos os recursos possíveis para prolongá-la ao máximo (FELIX, 2013, p. 2734).
Para Felix (2013, p. 2734),associa-se a boa morte ou morte digna ao conceito de
ortotanásia. Etimologicamente, ortotanásia significa morte correta – orto: certo; thanatos:
morte. Traduz a morte desejável, na qual não ocorre oprolongamento da vida artificialmente,
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por meio de procedimentos que ocasionam sofrimento, alterando o processo natural domorrer,
nem se reduz intencionalmente a vida do paciente, acelerando o mesmo processo.
Na ortotanásia, o indivíduo em estágioterminal é direcionado pelos
profissionaisenvolvidos em seu cuidado para uma morte semsofrimento, que dispensa a
utilização de métodosdesproporcionais de prolongamento da vida,tais como ventilação
artificial ou outros procedimentosinvasivos. A finalidade primordial é evitar o adiamento da
morte, sem, entretanto,provocá-la; é evitar a utilização de procedimentosque aviltem a
dignidade humana na finitudeda vida, permitindo que a vida siga seu curso natural com o
mais amplo respeito da dignidade da pessoa que recebe os cuidados.
3 AUTODETERMINAÇÃO DO PACIENTE NAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE
VONTADE
As diretivas antecipadas de vontade consistem em instrumento de
autodeterminação do paciente, sendo imperioso, no intuito de nortear as decisões da equipe
médica e do próprio procurador nomeado,que apresentem de forma clara quais os valores que
fundam a vida do paciente e os seus desejos. (DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO, 2013,
p. 465).
Considerando o modelo de pura autonomia de proposto por Beauchamp e
Childress (2002, p. 189), aquele que se aplica exclusivamente a pacientes que já foram
autônomos e expressaram uma decisão autônoma ou preferência relevante, entende-se que o
testamento vital segue o modelo de pura autonomia, enquanto o mandato duradouro segue o
modelo de julgamento substituto(DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013, p. 465).
Assim, as diretivas antecipadas de vontade, contendo as diretrizes do paciente e a nomeação
de um procurador englobam ambos os modelos, constituindo a forma mais completa de
disposição de vontade sobre tratamentos médicos no fim da vida.
Conforme Dadalto, Tupinambás e Greco (2013, p. 468), a coexistência do
mandato duradouro e do testamento vital em um único documento, as diretivas antecipadas de
vontade, aumenta a certeza de que a vontade do paciente será atendida, vez que o procurador
poderá decidir pelo paciente quando o testamento vital for omisso e, mais, poderá auxiliar a
equipe médica quando a família se colocar contra a vontade manifesta no testamento vital.
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A última função adquire especial relevância prática porque, não obstante o
aspecto vinculante do testamento vital, o médico sente dificuldade e receio em respeitar a
vontade do paciente, ainda que escrita, quando toda a família é contrária a essa vontade.
O mandato duradouro apresenta um alcance mais amplo que o testamento vital,
podendo ser usado para casos de incapacidade temporária, caso não esteja incluído no
testamento vital. Neste sentido, o outorgante deverá possuir, preferencialmente, um mandato
duradouro separado de seu testamento vital. Também tem alcance ampliado na medida em
que serve para a disciplina de situações não vislumbradas pelo paciente.
Todavia, verifica-se que não basta que o outorgante afirme genericamente no
documento de vontade que deseja a suspensão de tratamentos fúteis. É preciso que o paciente
arrole de forma mais específica possível quais são os procedimentos e medicamentos que
recusa e/ou admite a suspensão (DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO, 2013, p. 466). Há
ainda limitação sobre quais procedimentos podem ser recusados para que o testamento vital
não determine a prática de eutanásia. Pode, assim, haver manifestação contrária à realização
de cuidados extraordinários somente.
Conforme Dadalto, Tupinambás e Greco (2013, p. 466), existem três estados
clínicos genéricos em que é possível falar em tomada de decisões sobre o fim de vida: doença
terminal, estado vegetativo persistente (EVP) e demências avançadas.
Doença terminal é aquela em que a patologia do paciente está em estágio
irreversível e incurável sendo a morte esperada nos próximos seis meses. O estado vegetativo
persistente ocorre quando o paciente está em situação clínica de completa ausência da
consciência de si e do ambiente circundante, com ciclos de sono-vigília e preservação
completa ou parcial das funções hipotalâmicas e do tronco cerebral por mais de três meses
após anóxia cerebral e doze meses na sequência de traumatismo craniano. Por fim, a
demência avançada é o quadro clínico em que o paciente, em função de enfermidade
degenerativa do sistema nervoso, tem função motora alterada, perde a autoconsciência e a
reação à dor, sendo o prognóstico de recuperação neurológica irreversível (DADALTO;
TUPINAMBAS; GRECO, 2013, p. 466).
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4 A RESOLUÇÃO 1995/12 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E A
POSTURA MÉDICA
Apesar do Brasil ainda não ter legislado sobre o tema, em 31 de agosto de 2012, o
Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou a Resolução 1995, reconhecendo o direito do
paciente manifestar sua vontade sobre tratamentos médicos e designar representante para tal
fim, bem como o dever de o médico cumprir a vontade do paciente. Essa resolução colaborou
para aquecer o debate, especialmente sobre a necessidade de regulamentação legislativa das
diretivas antecipadas. Isto porque, como se trata de órgão de classe, a resolução tem força
normativa apenas entre os médicos, não possuindo o condão de regulamentar aspectos gerais
imprescindíveis do assunto como a formalização, o conteúdo, a capacidade dos outorgantes, o
prazo de validade e a criação de um registro nacional. (DADALTO; TUPINAMBAS;
GRECO, 2013, p. 464).
Conforme Dadalto (2016, p. 449), a referida resolução é um marco normativo na
defesa dos interesses dos pacientes em fim devida no Brasil, pois é a primeira norma – ainda
que administrativa – que reconhece o direito de o paciente manifestar sua vontade por escrito,
e o dever de profissionais e familiares de respeitarem essa vontade. Contudo, a norma tem
eficácia restrita, só vinculando os médicos. Além disso, esta recebeuuma série de críticas,
especialmente no que diz respeito à tratativa de diretivas antecipadas de vontade e testamento
vital como sinônimos.
Ainda, conforme Dadalto, Tupinambás e Greco (2013, p. 469), aResolução CFM
1995/12 não regulamentou de forma satisfatória o papel do médico na feitura das diretivas
antecipadas de vontade. O médico não deve ser passivo no processo, apenas se restringindo a
receber as diretivas antecipadas de vontade prontas e anotá-las no prontuário. É preciso que
auxilie o paciente a elaborá-las, fornecendo as informações necessárias de acordo com o que o
paciente deseja. Recomenda-se, inclusive, que o médico autorize expressamente que o
paciente mencione sua participação como auxiliar nasdiretivasantecipadas de vontade, para
que a equipe médica, que executará o documento,faça contato caso se faça necessário.
Recomenda-se que, em observância ao direito previsto para o médico de
manifestar objeção de consciência, insculpido no artigo 28 do Código de Ética Médica, o
paciente reconheça este direito na sua declaração, determinando que, diante do seu exercício,
fundamentado, seja encaminhado para outro profissional, objetivando que
asdiretivasantecipadas de vontade sejam cumpridas (DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO,
2013, p. 470).
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5 AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE NO DIREITO COMPARADO
A doutrina sobre as diretivas antecipadas de vontade no Brasil ainda é incipiente,
mas alguns têm se empenhado no estudo e demonstrado interesse na adoção do documento,
assim como defendido a necessidade de inclusão do instituto no ordenamento jurídico pátrio.
As diretivas antecipadas de vontade originaram-se no direito norte-americano, em
que foram estabelecidas regras, conceitos e limites.Em seguida, estas ganharam força na
Europa, onde foram incorporadas ao instituto peculiaridades de cada país. Seguramente, trata-
se do continente com maior número de Estados que regulamentaram e fazem uso deste
instituto (DADALTO, 2013, p. 108).
Alguns países da América Latina já possuem leis dedicadas ao instituto e
mesmonaqueles em que ainda não houve a regulamentação, existem estudos e interesse, ainda
que acadêmico, na elaboração de regramento específico.
O estudo da legislação sobre o temaem países como Estados Unidos, Espanha,
Holanda, Bélgica, Portugal, Itália, França, Uruguai e Argentina, tem por objetivo exemplificar
a experiência estrangeira e comparar sua evolução, a fim de fornecer subsídios para o debate
no Brasil.
5.1 Estados Unidos
As diretivas antecipadas de vontade surgiram nos Estados Unidos, precisamente
em 1969, quando Luis Kutner propôs a adoção do living will, conhecido no Brasil como
testamento vital, documento que serviria para proteger o direito individual a permitir a morte.
Em outras palavras, o testamento vital proposto por Kutner partia do princípio de que o
paciente tem o direito de se recusar a ser submetido a tratamento médico cujo objetivo seja,
estritamente, prolongar-lhe a vida, quando seu estado clínico for irreversível ou estiver em
estado vegetativo sem possibilidade de recobrar suas faculdades, conhecido atualmente como
estado vegetativo persistente – EVP (DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO, 2013, p. 464).
Kutner defendeu a criação de um documento que, além de primar pela clareza,
devia atender quatro importantes finalidades: (i) auxiliar o julgamento jurídico em processos
envolvendo homicídio privilegiado por relevante valor moral e homicídio qualificado por
motivo torpe, servindo como prova da conduta; (ii) preservar a autonomia e a
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autodeterminação do paciente que deseja morrer; (iii) servir como instrumento de declaração
de vontade, pelo qual o paciente manifesta seu desejo de morrer, inclusive se futuramente
estiver incapacitado para expressar seu consentimento; (iv) representar uma garantia de
cumprimento da vontade do paciente (KUTNER, 1969, p. 541).
A origem do living willestá ligada também à Sociedade Americana para a
Eutanásia, que disseminou a ideia de utilização de um documento no qual a pessoa pudesse
expressar sua vontade relativamente a cuidados futuros de saúde e manifestar seu desejo de
não se submeter a intervenções médicas com o fim único de manutenção da vida (LEÃO,
2017, p. 1).
Em 1991, o Congresso americano aprovou a Patient Self-Determination Act, lei
federal que reconhecia o direito à autodeterminação do paciente e,em meados da década de
90, todos os estados norte-americanos haviam reconhecido expressamente a legalidade destes
documentos. Neste período, existiam dois tipos de diretivas antecipadas: o living will e
odurable power of attorneyfor health care - DPAHC. Enquanto o living will consiste no
documento pelo qual o indivíduo manifesta a recusa de tratamentos ante um diagnóstico de
terminalidade ou da comprovação de EVP, o DPAHC, traduzido como mandato duradouro,
consiste na nomeação de pessoa para tomar decisões relativas a tratamentos médicos pelo
indivíduo quando este não mais for capaz – incapacidade que poderia ser permanente ou
temporária (DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO, 2013, p. 464).
A primeira disposição legal sobre o instituto foi o Natural DeathAct (Ato sobre
Morte Natural), elaborado na Califórnia, em 1976. Após sua aprovação,algumas associações
médicas locais elaboraram um Guidelines andDirective (Guia de Instruções e Diretivas), com
o objetivo de orientara conduta médica em relação às diretivas (LEÃO, 2017, p .2).
A norma exige que o subscritor seja uma pessoa maior e capaz,portanto, exige
capacidade e discernimento,além de duas testemunhas, que devem presenciar o ato. O
documentoganha eficácia catorze dias após sua lavratura. O legislador acredita que esse prazo
é suficiente para que o declarante reflita sobre sua decisão e, em caso de arrependimento,
revogue-a antes que produza efeitos jurídicos (DADALTO, 2015, p. 189). A diretiva tem
validadepelo prazo de cinco anos, após os quais necessitaser renovada. Prevê-se ainda que não
será válida durante o período de gravidez, e que sua revogação pode ser efetuada a qualquer
tempo, independente de forma, sem a necessidade de justificativa (MABTUM E
MARCHETTO, 2015, p. 113). Como particularidade, a lei exige que o estado de
terminalidade sejaatestado por dois médicos (BAUDOUIN E BLONDEAU, 1993, p. 84).
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As testemunhas não podem ter vínculos sanguíneos ou matrimoniaiscom o
declarante, nem ser beneficiárias de quinhão sucessóriode qualquer natureza, situações em
que estarão impedidas departicipar do ato. O médico assistente, pessoas vinculadas a
esseprofissional ou ao estabelecimento de saúde em que o declarante épaciente também não
podem figurar como testemunhas (MABTUM E MARCHETTO, 2015, p. 94).
Conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 94), a lei entende que pessoas maiores e
com discernimento têm odireito de decidir se querem ou não receber cuidados de saúde,
incluindoa decisão de suspender um tratamento que garanta suporteà vida, em caso de doença
terminal acompanhada de inconsciênciapermanente. Dessa forma, a lei preserva a autonomia
do pacientecontra o prolongamento artificial do seu processo de morte,para além dos limites
naturais, o que se tornou possível graças aosavanços biotecnológicos na área médica.
Enfim, a norma reconhece a diretiva antecipada de vontadecomo modo de instruir
a equipe médica a manter ou suspender otratamento de suporte de vida no caso de doença
terminal.
A lei também reconhece a figura do mandatário, ao estabelecerque a pessoa pode
escolher um representante para cuidar das questõesreferentes à sua saúde, o denominado
procurador de cuidadosde saúde.
A elaboração da lei californiana serviu de inspiração para outrosestados norte-
americanos, que também reconheceram o living will.
Anos depois, em 1990, a partir do caso Nancy Cruzan, o living willfoi analisado
pela primeira vez em um tribunal estadunidense.Nancy Cruzan sofreu um acidente
automobilístico e ficou em estadovegetativo persistente. A família requereu a interrupção
dosprocedimentos de nutrição artificial que a mantinham viva. O casoteve grande repercussão
e causou grande comoção na sociedadeamericana (GOLDIM, 2017, p. 1).
Devido ao clamor público gerado pelo caso Cruzan, as diretivasantecipadas
ganharam importância no país, queaprovou a primeira lei federal que dispunha sobre o direito
de autodeterminação do paciente, o Patient Self-Determination Act (PSDA)
(DADALTO,2008, p. 520).
Embora se trate de uma lei federal, ela deve ser interpretadaapenas como uma
diretriz que estabelece conceitos e versa sobrequestões específicas que devem ser tratadas de
modo semelhanteem todo o território americano, uma vez que em meados da década de 90,
todos os estados norte-americanos haviam reconhecido expressamente sua legalidade
(DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO, 2013, p. 463).
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Nos Estados Unidos, o paciente, ao dar entrada em um centrode saúde, deve ser
informado sobre seus direitos,entre eles, o de expressar sua vontade pelo aceite ou recusa
deprocedimentos e terapias para a hipótese de incapacidade de manifestarseu consentimento.
Esse documento recebe o nome de advance directives(diretivas antecipadas de vontade). Por
meio dele, o pacienteexerce seu poder de autodeterminação. As advance directives são um
gêneroque apresenta três espécies: o living will, que consiste no documento pelo qual o
indivíduo manifesta a recusa de tratamentos ante um diagnóstico de terminalidade ou da
comprovação de estado vegetativo persistente (EVP); o durable power of attorney for health
care (mandatoduradouro para cuidados de saúde), semelhante ao mandato duradouroprevisto
na lei brasileira, pelo qual é nomeado um representantepara administrar a saúde; e o advanced
care medical directiveem que ocorre oplanejamento antecipado de tratamentos médico-
hospitalares (MABTUM E MARCHETTO, 2015, p. 95).
Discute-se, nos Estados Unidos, a ampliação das diretivas devontade, de modo
que não fiquem restritas aos pacientes terminais,mas estendam-se, de modo indistinto, a todos
os pacientes,por meio do advanced care medical directivee do mandatoduradouro
(DADALTO, 2008, p. 520). Nesse caso, o representante de saúdenomeado será responsável
por cumprir a vontade determinadanesse documento. Se não houver o documento, ele
expressará, combase no seu convívio com o mandatário, qual seria a vontade caso estepudesse
manifestá-la.
5.2 Espanha
Segundo Dadalto, Tupinambás e Greco (2013, p. 464), a discussão sobre as
diretivas antecipadas de vontade tomou corpo na Europa com a Convenção para Proteção dos
Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano em face das Aplicações da Biologia e da
Medicina, também conhecida como Convenção de Direitos Humanos e Biomedicina ou
Convênio de Oviedo, ratificada por Portugal, Espanha e Suíça, entre outros. Após este
Convênio, países como Espanha e Portugal legislaram sobre o tema.
Na Espanha, o documento de autodeterminação recebeu o nomede instrucciones
previas. O interesse por regulamentar o instituto surgiu por iniciativa da Associación pro
Derecho a MorirDignamenteque, em 1986, elaborou um modelo do documento, o qualanos
depois, após ampla discussão, foi incluído no ordenamentojurídico espanhol (CANTERO
MARTÍNEZ, 2005, p. 112).
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No Código de Ética Médica espanhol, que vigora desde 1999,já havia um início
de regulamentação das instrucciones previas. Seuartigo27 estabelece que quando o paciente
não é capaz de tomar decisõesreferentes a procedimentos médicos, a equipe médica
deverárespeitar os desejos manifestados anteriormente por ele ou por seusrepresentantes e
responsáveis legais.
Todavia, o marco inicial legislativo deu-se no ano 2000, com o advento da
Convençãosobre os Direitos do Homem e a Biomedicina na Espanha, ouConvênio de Oviedo,
como é mais conhecida.
O Convênio de Oviedo, em seu artigo 9º, estabeleceu a obrigação dese
considerara vontade do paciente que tenha se manifestadoanteriormente sobre uma
intervenção médica se no momento daintervenção ele esteja incapacitado para expressá-la.
Conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 96), o Convênio ganhou grande
importância por reconhecer o direitodo paciente à autodeterminação, levando em conta que,
em razãoda constante evolução do conhecimento e da tecnologia biomédica,novos
procedimentos surgem e as determinações constantes namanifestação de vontade perdem a
sua validade. Além disso, trata-se do primeiro documento legislativointernacional que
vinculou juridicamente os países subscritores,ainda que fosse necessária a edição de normas
específicas em nível interno.
Contudo, mesmo com a previsão das instrucciones previas noordenamento
jurídico espanhol, as diretivas precisaram ser normatizadaspor meio de leis locais, com
vigência e competência determinada por cada uma das comunidades autônomas
espanholas.Andaluzia, Aragón, Catambria Extremadura, Galícia, La Rioja,Madrid, Navarra e
Valencia são algumas comunidades que regularamo instituto. Apesar de as disposições legais
terem conservadoas linhas mestras das instruciones, as normas de cada comunidade
apresentam peculiaridades e diferenças entre si.
De acordo com Mabtum e Marchetto (2015, p. 97), das dezesseis comunidades
autônomas que regulamentaram o tema, onze optaram por utilizar a nomenclatura voluntades
antecipadas e somentecinco fazem uso do termo instrucciones previas:
Andaluzia, Navarra e Valencia estabeleceram que a legitimidadepara elaboração do
documento está restrita ao discernimentoe permite sua elaboração por pacientes
menores deidade;
a norma editada em Madri faz distinção entre instruccionesprevias e mandato
duradouro, enquanto a legislação deNavarra diferencia as declarações prévias para o
fim da vida eas diretivas antecipadas de vontade;
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todas as comunidades exigem o documento na forma escrita,sua anexação ao
prontuário do paciente, e a nomeação de um procurador ourepresentante que sirva
como interlocutor entre o médico e equipe médica para procurar cumprir as instruções
prévias;
algumas comunidades permitem aooutorgante dispor sobre temas como doação de
órgãos e destinodo cadáver (DADALTO, 2008, p. 523).
No final do ano de 2002, foi editada a Lei nº 41/2002, que tratou especificamente
em seu artigo 11 dasinstrucciones previas, preocupando-se em estabelecer as linhas gerais do
instituto. As instruccionesprevias são destinadas à equipe médica e manifestam a vontadedo
subscritor de não ser submetido a tratamentos fúteis quebusquem prolongar sua vida de modo
artificial. A lei reafirmou apossibilidade de o outorgante dispor sobre doação de órgãos e
sobreo destino do seu corpo após o seu falecimento. Permite-lhe aindanomear um
representante - um procurador para saúde - por meio deum mandato duradouro, assim como a
revogação do documento aqualquer momento.
A forma escrita é obrigatória nas instrucciones previas, mas éoptativaa
utilizaçãode instrumento público ou privado. Caso seja feita aopção por instrumento público,
a elaboração do documento poderáser feita perante notário em cartório ou em registro próprio.
Se for escolhida a confecçãodo documento por instrumento privado, será obrigatória a
presençade três testemunhas para sua validade (DADALTO, 2013, p. 68).
A lei é expressa ao estabelecer que não são permitidas ao procurador ou
representante disposiçõesque contrariem o ordenamento jurídico, assim como práticas
contráriasà vontade do outorgante.
A Lei nº 41/2002 estabelece o critério etário para atribuir legitimidadeao autor das
instrucciones previas. Assim é que menores nãopodem elaborar o documento, de modo
contrário ao que algumascomunidades autônomas estabelecem em suas legislações. Ainda,a
lei reitera a obrigatoriedade de o documento ser anexado aoprontuário do paciente (LEÃO,
2017, p. 2).
Passados alguns anos, diante da necessidade de regulamentaro item 5 do artigo 11
da Lei nº 41/2002, foi editado o Decretonº 124/2007, que regulou o Registro Nacional de
InstruccionesPrevias e o correspondente arquivo eletrônico de dados de caráter pessoal a ser
registrado (LEÃO,2017, p. 3). O decreto determinou que o acesso ao Registro Nacionalserá
restrito ao subscritor das instrucciones previas, ao seu representantelegal, ou a terceiro
designado pelo outorgante para essefim, aos responsáveis pelos registros autônomos e às
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pessoas que aautoridade sanitária da comunidade autônoma correspondente ou oMinisterio de
Sanidad y Consumo designar (LEÃO, 2017, p. 3).
Em comunidades autônomas em que o institutonão está regulamentado, o paciente
deverá recorrer à autoridade local,requerendo que seu documento de instrucciones previasseja
remetido ao Registro Nacional. A execução do documento é obrigatória,vinculando-se a
equipemédica ao seu conteúdo, independentemente dacomunidade autônoma a que o paciente
pertence (DADALTO, 2013, p. 108).
5.3 Holanda
Conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 99) a Holanda adotou uma atitude de
vanguarda no que se refereà tutela dos direitos de pacientes em terminalidade,já reconhecendo
seus direitos mesmo antes do Convênio de Oviedo, do qual é signatária,mas não ratificante.
A defesa dos direitos dos pacientesiniciou-se na Holanda com o act on the
medical treatment contract (ato sobrecontrato de tratamento médico), de 1º de abril de 1995,
que foi inserido no ordenamento jurídico como parte do Código Civil holandês,almejando que
o paciente receba esclarecimentos sobre seus direitose auxiliá-lo em sua defesa.A legislação
holandesa reconhece a importância do consentimentoinformado, o qual divide em duas partes:
informação econsentimento. A informação é fundamental para o exercício daautonomia, de
modo que apenas o paciente corretamente esclarecido é capaz demanifestar seu
consentimento, seja sob forma expressa ou presumida.A grande inovação da lei holandesa é
reconhecer a validade da estipulação de diretivas antecipadasde vontade, as quais devem ser
apresentadas na forma escrita, que denominam de nontreatment directives (diretivassobre
renúncia de tratamento), mas que não se confundemcom uma declaração para eutanásia,
permitida no país.O documento registra a recusa, em circunstâncias específicas, aalguns
tratamentos e procedimentos médico-hospitalares, como areanimação mecânica, quando se
constituírem em procedimentosextraordinários, de obstinação terapêutica, que em nada
contribuirão para a cura da doença ou para melhorar a qualidade de vida dopaciente.O
objetivo do documento é informar ao médico quais tratamentos o signatário aceita ou não
receber se, em momentofuturo, estiver incapacitado para se expressar livremente (MABTUM
E MARCHETTO, 2015, p. 99-100).
Segundo Mabtum e Marchetto (2015, p. 100), a lei não estabelece os requisitos
específicos das diretivas antecipadasde vontade, apenas traçando suas linhas gerais. Confere-
seao médico a missão de interpretar e, principalmente, cumprira vontade do paciente expressa
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no documento.Na hipótese de não haver o documento, o médico deve ponderarqual seria a
vontade do paciente naquela situação específica,bem como ouvir as declarações dos parentes,
de modo que osseus desejos sejam cumpridos, em respeito de sua autonomia
eautodeterminação.
A lei holandesa também inova, conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 100) ao
estabelecer que, apesar de no país serem considerados capazes osmaiores de 16 anos, pessoas
maiores de 12 anostêm permissãopara manifestar sua oposição a que seu representante
legaltome decisões relativas a procedimentos médico-hospitalares. Para tanto, bastaque
expressem seu desejo para que o representante seja afastado, quando lhe será nomeado
representante para o ato.
A contribuição holandesa para o desenvolvimento das diretivasantecipadas de
vontade também é de grande relevância, visto seupioneirismo em tutelar a autonomia e a
autodeterminação, assimcomo a efetivação dos demais direitos do paciente, associada à
incorporaçãodos valores do Convênio de Oviedo, do qual, como dito anteriormente, o
paístambém é signatário.
5.4 Bélgica
A Bélgica foi o primeiro país na Europa a regulamentar a chamadadéclaration
anticipéede volonté, após o advento do Convêniode Oviedo. A lei de direitos do paciente é
datada de agostode 2002 e contém dezenove artigos que regulamentam os cuidados desaúde
de uma forma ampla.
A legislação tutela a autonomia e a autodeterminação do paciente,assegurando o
direito à informação sobre o conteúdoe as consequências dos procedimentos e tratamentos,por
meio de uma linguagem acessível e de fácil compreensão. Opaciente pode recusar tratamentos
fúteis e obstinados, se estiver emfase terminal e a sua situação for irreversível (MABTUM E
MARCHETTO, 2015, p. 101).
Conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 101), a lei belga determina que o
paciente menor seja representadopor seus representantes legais para a manifestação do seu
consentimento.No caso de paciente maior de idade que se encontre incapacitado de exprimir-
se, poderá ser representado por procurador pelo mesmo nomeado. Há, portanto, o
reconhecimentodo procurador de saúde, por meio de mandato duradouro,que poderá ser
redigido pelo paciente ou pelo seu procurador. Nodocumento deve constar a data de sua
elaboração e a assinatura deambos.Se não houver o mandato duradouro, deverá ser
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considerado representantedo paciente seu cônjuge ou companheiro e, na ausênciadeste, o
familiar com grau de parentesco mais próximo. Caso o representantese recuse a exercer o
papel, ou exista conflito entreo desejo do paciente e o do representante, o médico deverá levar
emconsideração o melhor interesse do paciente.
Ainda conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 101), a legislação ainda
estabelece que a déclaration anticipée de volontéseja renovada a cada cinco anos, sendo
consideradas inválidasas declarações datadas com prazo superior ao legal, assim comoaquelas
que contrariem o ordenamento jurídico. O documento poderá ser revogado a qualquer tempo,
antes doprazo de cinco anos, bastando que o declarante manifeste seu desejode dispor de
modo distinto do previsto na diretiva.Há ainda a previsão da participação de duas
testemunhas, paraconferir validade ao ato e garantir a veracidade das informações, asquais
não podem ter interesses pessoais ou patrimoniais na mortedo declarante.
5.5Portugal
Portugal ratificou a Convenção Internacional de Direitos Humanos e Biomedicina
por meio da Resolução da Assembleia da República nº 01/2001.
Conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 102), no ano de 2008, editou-se novo
Código de Ética Médica demonstrando-se a preocupação dopaís com as diretivas antecipadas
de vontade. O texto do código vigente foi aprovado pela Ordem dos Médicos em 26 de
setembro de 2008 e oficializado pelo Regulamento número 14/2009, da Ordem dos Médicos,
e foi publicado na edição 11 de janeiro de 2009 do Diário da República. Em 2012, o
institutofoi regulamentado por meio da Lei nº 25/2012 (PORTUGAL, 2009).
A atuação da Associação Portuguesa de Bioética (APB) foifundamental para a
adoção das diretivas antecipadas de vontade,com base em diversos documentos, como o
parecer P/05/APB/06sobre os fundamentos do testamento vital; o projecto P/06/APB/06 sobre
as directivas antecipadas de vontade; o GuidelinesP/11/APB/08; o parecer P/16/APB/09 sobre
as directivas antecipadas;o estudo E/17/APB/10 sobre o testamento vital; e a
propostaP/19/APB/10 sobre o modelo de documento de directivasantecipadas (MABTUM E
MARCHETTO, 2015, p. 102).
O primeiro dos pareceres citados fazia referência à recusa de transfusãosanguínea
por parte de testemunhas de Jeová, mas também serviupara fixar as bases das diretivas
antecipadas de vontade, enquantoos demais documentos serviram para delimitar conceitos,
estabelecerlimites e delinear o instituto (DADALTO, 2013, p. 110).
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Deve-se também destacar a colaboração do Código de DeontologiaMédica
português, editado em 2008, ao estabelecer, no artigo46, que a conduta médica deve respeitar
a autodeterminação dopaciente, em especial se documentada por escrito em que seudesejo
esteja registrado. Prescreve ainda que, embora o médico nãoesteja obrigatoriamente vinculado
ao desejo do menor com discernimento,deverá levá-lo em conta no momento de decidir sobre
otratamento. Reconhece a importância da consulta a representanteslegais e familiaresna
hipótese de o paciente estar incapacitado demanifestar sua vontade, com o propósito de
respeitar sua autonomia,buscando sempre atender aos seus melhores interesses.
A Lei 25/2012 regulamentou o instituto com clara influência dos direitos norte-
americano e espanhol, oprimeiro por ter sido o criador do instituto, o segundo em razão
daproximidade territorial, cultural e linguística dos países (MABTUM E MARCHETTO,
2015, p. 103).
Conforme Mabtum e Marchetto (2015, p. 103), a grande inovação da lei
portuguesa foi a criação do RegistroNacional de Directivas Antecipadas de Vontade (Rentev),
responsávelpor centralizar o armazenamento dos documentos e facilitarsua eficácia. O médico
responsável pelo tratamento do pacientepode consultar a base de dados a fim de saber se há
registros. Apóstomar conhecimento do conteúdo da diretiva, a equipe médica deveatuar de
modo a atender à vontade manifestada.
Contudo, percebe-se um equívoco técnico: as directivas antecipadasde vontade e o
testamento vital (conjunto de declarações préviaspara o momento do final da vida) são
tratados como sinônimos,quando, na realidade, não o são. A lei portuguesa reconhece a
figurado procurador para cuidados de saúde e do mandato duradouro,mas como um
documento à parte, que não integra a directiva antecipadade vontade. Outra especificidade da
lei portuguesa é o prazode validade do documento, restrito a cinco anos, embora possa
serrevogado a qualquer tempo (DADALTO, 2013, p. 469).
Portugal e Brasil são países muitos próximos, não apenas por razõeshistóricas,
pela língua, pela cultura ou pela religiosidade, masprincipalmente por serem resistentes a
novidades. A regulamentaçãodo instituto em Portugal mostra a possibilidade de a
diretivaantecipada de vontade receber tratamento semelhante no Brasil.
5.6 Itália
A Itália é mais uma das nações que subscreveu o Convênio deOviedo,
reconhecendo a necessidade de garantir ao paciente o direitode autodeterminação por meio de
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um documento em que suavontade esteja manifestada. Até o presente momentotalconvênio
não foi ratificado pelo país, apesar de a Lei nº 145/2001ter autorizado o presidente da
República a ratificar a Convenção.Não há também nenhuma lei específica sobre o tema.
Todavia, a Itália demonstra interesse em garantir que a vontadedo paciente seja
respeitada. O Código de Ética Médica italiano, emseu artigo 34, estabelece que o médico deve
levar em conta o desejo previamente manifestado pelo paciente caso este estiver
incapacitadode manifestar sua vontade e encontrar-se em risco de morte.
Já o artigo 37, de modo semelhante ao seucorrespondente brasileiro, propõe que o
médico adote práticas deortotanásia, proibindo condutas fúteis, próprias da distanásia.
Dessa forma, o Código Deontológico introduziu o dever éticodos médicos de
respeitar a autodeterminação do paciente. Contudo,suas disposições têm eficácia restrita aos
profissionais da saúde.
A Constituição Federal Italiana, em seu artigo 32, estabelece queninguém será
obrigado a se submeter a um procedimento sanitário,salvo por disposição legal, e a lei em
nenhum caso poderá violar orespeito à pessoa humana. A obstinação terapêutica no país,
caracterizada por uma intervenção penosa e aflitiva ao paciente, recebeo nome de
accanimento terapeutico, em referência à obstinação e aoesforço dos caninos, utilizados para
a manutenção da vida, aindaque inviável (TEPEDINO; SCHREIBER, 2009, p. 8).
Por essa razão, e demonstrando preocupação com a tutela dosinteresses do
paciente, o Comitê Nacional de Bioética, no ano de2003, criou um documento análogo às
diretivas antecipadas devontade, ao qual denominou dichiarazione anticipata di
tratamento,também chamado de testamento biologico, testamento di vita, direttiveanticipate,
ou volontà previe di tratamento (CALÒ, 2008, p. 74).
Há condições para a elaboração da dichiarazione anticipata ditratamento: o
subscritor deve ser capaz; a forma deveser escrita, com caráter público; não pode haver
qualquer tipo depressão ou coação familiar ou social; não é possível dispor sobre eutanásiaou
outras manifestações que contrariem as normas legais ou osdispositivos éticos; o paciente
deve ser obrigatoriamente orientadopor um médico e o seu texto deve ser objetivo, sem
omissões e semdeixar margem a interpretações dúbias no futuro, a fim de preservaro real
interesse do declarante (DADALTO, 2013, p. 68).
Por meio de decisões jurisprudenciais, o país também reconheceo mandato
duradouro, com a nomeação de um representanteda saúde que recebe o nome de
amministratore di sostegno, a fim deresponder pelo mandante que no futuro encontrar-se
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incapacitadopara manifestar seu desejo, devendo agir em consonância com asorientações
expressas dele (ZANCHETTA, 2012, p. 79).
Dois casos emblemáticos da jurisprudência italiana ganharamrepercussão
internacional, tendo como protagonistas PiergiogioWelby e Eluana Englaro.
Piergiorgio Welby era um artista e ativista italiano que, na décadade 1960, com 17
anos, foi diagnosticado com uma doençadegenerativa, a qual evoluiu e, a partir de 1997,
incapacitou-o arespirar sem auxílio de aparelhos (DADALTO, 2013, p. 64).Welby se
transformouem um ativista do movimento de direito a morrer, e declaroupublicamente seu
desejo de recusar o tratamento médico que omantinha vivo.
Em dezembro de 2006, alguns meses após a declaração públicade Welby, o
médico anestesista Mario Riccio, que padecia de escleroselateral amiotrófica, doença
degenerativa semelhante à dele,decidiu acatar a determinação de Welby, convencido de que
suaatuação como médico era lícita e de que a manifestação de vontadedo artista estava isenta
de coação, pressão social ou familiar.
O caso gerou intenso debate jurídico e político, e culminoucom a absolvição do
médico pela juíza Zaira Secchi, do Tribunal deRoma, que entendeu que Riccio não cometeu
crime ao desligar osequipamentos que, por ventilação artificial, mantinham a vida deWelby.
A juíza argumentou que o paciente havia manifestado seudesejo de interromper o tratamento
médico e que esse é um direitoconstitucional, inexistindo, portanto, homicídio. O médico
haviacumprido um dever profissional, atendendo ao desejo do paciente(GOLDIM, 2017, p.
6).
Semelhante ao caso Welby é o caso Eluana Englaro, uma italianaque, aos 22 anos,
após um acidente automobilístico ocorrido em1992, entrou em um estado vegetativo
persistente, sendo artificialmentemantida viva.
O pai de Eluana, Beppino Englaro, iniciou uma batalha judicialpara que fosse
interrompida a nutrição artificial e o suporte de vidaartificial que mantinham sua filha viva.
Após uma longa demanda, com recusas iniciais do Tribunal deApelação de Milão,
em 1999, e, posteriormente, do Tribunalde Cassação, em 2005, a alta corte italiana, em 2008,
permitiu queBeppino Englaro, amministratore di sostegno e pai de Eluana, agissecomo
representante de sua filha, incapacitada de se manifestar, erecusasse os recursos artificiais que
a mantinham viva (ARAÚJO,2017, p. 1).
Os dois casos demonstram que, embora não exista lei específicasobre as
dichiarazione anticipata di tratamento, elas já estãoconsolidadas nos tribunais, na doutrina e
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na jurisprudência italianos,sendo reconhecidos e tutelados os direitos dos pacientes
àautodeterminação.
5.7 França
Segundo Dadalto (2016, p. 453), a França começou a positivar os direitos dos
pacientes em 2002. Até 2016, as leis que tratavam dos direitos dos pacientes na França eram:
(i) lei de 4 de março de 2002, relativa aos direitos dos doentes e à qualidade do sistema de
saúde, cujo objetivo foi “reequilibrar a relação médico-paciente insistindo sobre a importância
de a pessoa doente participar das decisões médicas que lhe concernem. Para isso, a lei insiste
na importância da informação, do consentimento, do respeito à recusa de tratamento”
(FOURNIER E TRARIEUX, 2005, p. 148); (ii) lei Leonetti, de 2005, que avançou nas
discussões fomentadas pela lei de 2002, reconhecendo a importância de ouvir e respeitar a
vontade do doente, agora manifestada nas DAV.As referidas leis eram vagas, distantes da
realidade e enfrentavam resistência no meio médico, além de dificuldades na oferta de
cuidados paliativos a todos os necessitados. No que diz respeito às DAV, a legislação francesa
não reconhecia a supremacia da vontade manifestada nas diretivas, sendo esta apenas um
elemento a ser considerado pelos médicos na tomada de decisões, sem caráter vinculante.
Assim, não obstante a França já possuísse legislação sobre o tema desde 2005,esta
não podia ser vista como uma nação que reconhecesse o direito dopaciente a se
autodeterminar a partir de uma DAV, pois não vinculava omédico às disposições constantes
no documento (DADALTO, 2015, p. 120).
Conforme Dadalto (2016, p. 453) a situação se alterou no ano de 2016, com a
aprovação da lei 2016-87, que trata especificamente dos direitos das pessoas em fim de vida, e
modifica o Código Civil francês introduzindo as diretivas antecipadas de vontade. Em
resumo, a lei francesa reconhece que as DAV vinculam os médicos, derrubando assim as
críticas existentes em relação às legislações anteriores; estabelece que os incapazes também
podem fazer DAV, desde que com autorização judicial; reconhece que as DAV são
instrumentos válidos apenas para o paciente em fim de vida, revogáveis a qualquer tempo;
cria um registro nacional e apresenta dois modelos de DAV: um para pessoas saudáveis e
outro para pessoas com doença grave e em fim de vida.
Na França foram formulados dois modelos de DAV, por entender o legislador
francês que a DAV de um paciente doente deve ser diferente da DAV de uma pessoa
saudável. Contudo, há partes comuns a esses dois modelos. A primeira é a ficha de
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identificação, na qual o outorgante deve anotar seus dados pessoais e informar se está
manifestando a vontade amparado em uma decisão judicial em virtude de sua incapacidade
civil. A segunda consiste na oportunidade para o outorgante prestar informações pessoais que
julgar importantes e informar seus medos.A terceira é a possibilidade de um terceiro assinar a
rogo do outorgante, quando este não tiver condições. A quarta é a possibilidade de o
outorgante nomear um procurador para cuidados de saúde, deixando claro que a lei francesa
também trata as DAV como sinônimos de testamento vital. Por fim, há ainda um modelo
comum aos dois modelos de DAV para modificação e revogação, sendo possível que sejam
feitos a rogo, em caso de impossibilidade física de o outorgante escrever.
5.8Uruguai e Argentina
Na América Latina, Porto Rico foi o primeiro país a legislar sobre as diretivas
antecipadas de vontade, sendo posteriormente seguidos por Argentina e Uruguai
(DADALTO; TUPINAMBAS; GRECO, 2013, p. 464).
O Uruguai editou a Lei n. 18.473/2009, que dedica onze artigosao instituto, sem,
contudo, trazer grandes inovações. Reconhece acompetência de toda pessoa maior de idade e
com discernimento deelaborar uma declaração prévia para o fim da vida, manifestandoseu
desejo de recusar futuros tratamentos médicos que prolonguemseu processo de morte.
A lei faz ressalva aos tratamentos praticados a título de cuidados paliativos, que
devem sermantidos para assegurar o bem-estar, a qualidade de vida e a dignidadedo paciente.
Ademais, inova ao prescrever a possibilidadede um consentimento prévio a tratamentos e
práticas obstinadasque objetivem prolongar a vida, ainda que com sacrifício da suaqualidade,
em nítido respeito à autonomia da vontade do paciente.
A legislação uruguaia estabelece alguns critérios para a elaboraçãodas diretivas
antecipadas de vontade: devem obrigatoriamenteser apresentadas na forma escrita; o
subscritor deve sermaior e capaz; é obrigatória a presença de duas testemunhas, quenão
podem ser o médico que acompanha o paciente ou qualquerfuncionário da instituição de
saúde em que ele está internado; odocumento deve ser anexado ao histórico clínico do
paciente; adeclaração de vontade pode ser revogada a qualquer momento epor qualquer meio,
sendo necessário dar ciência ao médico, quese encarregará de incluir a nova orientação no
histórico clínico dodeclarante (LEÃO, 2017, p. 2).
A lei também prevê a figura do representante de saúde, nomeadopor meio de
mandato duradouro. Ele deve serpessoa maior e dotada de discernimento, sendo responsável
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pelofiel cumprimento das determinações constantes nas diretivas, se ooutorgante se encontrar
em situação que o impeça de manifestarseu desejo ou decidir sobre o tratamento.
Todo e qualquer tratamento apenas poderá ser interrompidoapós prévia
comunicação da determinação de suspensão à Comissão de Bioética da instituição de saúde, a
qual terá o prazo de 48 horaspara decidir pelo deferimento ou recusa do pedido. A ausência
depronunciamento da Comissão é considerada aprovação tácita à interrupçãodo tratamento
(LEÃO, 2017, p. 3).
O médico deve atuar tendo em vista o desejo do paciente. Nahipótese de conflitos
éticos, morais, religiosos ou pessoais que nãolhe permitam cumprir o que estabelece a
diretiva, ele poderá exercer sua objeção de consciência, sendo substituído por outro.
A Argentina também demonstra bastante interesse pelo tema.É o país sul-
americano com maior produção doutrinária acerca dasinstrucciones previas (diretivas
antecipadas de vontade), que neletambém recebem o nome de directivas antecipadas del
paciente paratratamentos biomédicos. O instituto foi inicialmente regulamentado emâmbito
regional e, posteriormente, uma lei federal foi editada estabelecendoseu fundamento e seus
conceitos com eficácia nacional.
A Província de Rio Negro, por meio da Lei nº 4.263/2007, foia primeira a
regulamentar as diretivas antecipadas de vontade naArgentina. Além de delimitar conceitos e
fundamentos, determinoua criação do Registro de Diretivas Antecipadas de Vontade,com
competência provincial. Estabeleceu também a necessidadede a declaração ser anexada à
primeira folha do histórico clínico dooutorgante, podendo ser revogada a qualquer tempo,
inclusive tacitamente,no caso de ele manifestar seu consentimento à realizaçãode tratamento,
contrariamente ao que consta na diretiva, o que demonstraa maturidade do instituto no país
vizinho (DADALTO, 2013, p. 66).
A lei proíbe disposições de vontade contrárias à legislação,assim como aquelas
cujo conteúdo verse sobre a recusa a cuidadospaliativos, como analgesia, assim como a
nutrição ou hidratação porvias naturais.
A norma reconhece a existência do mandato duradouro, peloqual será nomeado
um representante para tomardecisões no lugar do outorgante caso este esteja incapacitado para
manifestarsua vontade. A lei inova ao permitir que o ex-cônjuge ou ex-
companheirodesempenhe essa função, mesmo após a dissolução dasociedade conjugal
(BOSTIANCIC, 2008, p. 36).
A Província de Buenos Aires também empreendeu esforços nosentido de
regulamentar o instituto. A criação do registro de atosde autoproteção de prevenção de uma
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eventual incapacidade, porparte do Conselho Diretivo de Escrivães da província de
BuenosAires, no ano de 2004, pode ser considerada o marco inaugural(DADALTO, 2013, p.
110).
Os atos de autoproteção são manifestações de pessoa maior ecom discernimento,
nos quais ela faz declarações prévias para ofinal da sua vida e referentes ao seu patrimônio,
aplicáveis na hipótese defuturamente encontrar-se incapacitada para expressar sua
vontade(BRANDI, 2004, p. 423).
A Lei nº 26.529/2009, que versa sobre os diretos do paciente,regulamentou as
directivas antecipadas em todo o território argentino.A norma é composta por 25 artigos, dos
quais apenas um trata das directivasantecipadas; versando os outros sobre os direitos do
paciente emrelação aos profissionais e às instituições de saúde.
A lei estabelece, em seu artigo 11, que toda pessoa maior e comdiscernimento
poderá elaborar as directivas antecipadas com referênciaaos tratamentos de saúde que
futuramente desejará receberou recusará, sejam preventivos ou paliativos. As directivas
vinculama atuação médica e apenas não serão acatadas na hipótese decontrariarem a
legislação, como no caso de prática de eutanásia,quando serão consideradas nulas.
A Lei nº 26.529/2009 teve sete artigos alterados pela Lei nº 26.742/2012, que
ficou conhecida como lei da “morte digna”, aqual preocupou-se em evitar o encarniçamento
terapêutico, humanizandoa relação médica; garantir o respeito à autonomia do pacientee à sua
autodeterminação; evitar tratamentos fúteis, quandonão houver mais chance de cura;
assegurar a adoção de cuidados paliativos,que aliviam o sofrimento do paciente; permitir a
renúnciaa tratamentos que visam prolongar de maneira artificial o processode morte
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOÉTICA, 2017, p. 3).
A lei isenta de responsabilidade administrativa, civil ou penal osmédicos que
atuarem sem extrapolar ou transgredir os limites legaisdo instituto.
5.9Resumo Esquemático
Em suma, pode-se sintetizar o tratamento dado às diretivas antecipadas de vontade
nos diversos diplomas legais anteriormente analisados da seguinte forma:
País Legislação Capacidade Forma Testemunha Revogação Mandato
Duradouro
Brasil Resolução 1995/2012 do CFM
Pessoa maior e capaz
Escrita Não há previsão legal
A qualquer tempo
Há previsão legal de nomeação de
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procurador
Estados Unidos
Patient Self-Determination Act (PSDA)/1990
Pessoa maior e capaz
Escrita devendo ser renovada a cada cinco anos
Duas testemunhas para conferir validade ao ato
A qualquer tempo, independente de forma, sem a necessidade de justificativa
Há previsão legal de nomeação de procurador
Espanha
Lei nº 41/2002 e Decreto nº 124/2007
Pessoa maior e capaz. O menor não pode elaborar o documento
Escrita, podendo ser de caráter público ou privado
Três testemunhas para validade de instrumento privado
A qualquer tempo
Há previsão legal de nomeação de procurador
Holanda
Act on the medical treatment contract de 1º de abril de 1995
Maiores de 12 anos têm permissãopara manifestar oposição a tratamentos hospitalares
Escrita Não há previsão legal
A qualquer tempo
Há previsão legal de nomeação de procurador
Bélgica Lei de 28 de maio de 2002
Pessoa maior e capaz. O menor deve ser representado por representante legal
Escrita devendo ser renovada a cada cinco anos
Duas testemunhas para conferir validade ao ato
A qualquer tempo, antes do prazo de cinco anos
Há previsão legal de nomeação de procurador
Portugal Lei nº 25/2012
Pessoa maior e capaz
Escrita devendo ser renovada a cada cinco anos
Deve ser assinado presencialmente perante funcionário devidamente habilitado do Registo Nacional do Testamento Vital ou notário
A qualquer tempo
Há previsão, podendo ser nomeado capazes, maiores de idade que não se encontrem interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica
Itália
Código de Ética Médica e Constituição Federal
Pessoa maior e capaz
Escrita, com caráter público
Não há previsão legal
A qualquer tempo
Por meio de decisões jurisprudenciais, podem ser nomeados procuradores, sendo pessoa maior e com discernimento
França Lei nº 2016-87
Pessoa maior, capaz e incapaz (com autorização judicial)
Escrita. Dois modelos: um para pessoas saudáveis; outro para pessoas com doença grave e em fim de vida
Não há previsão legal
A qualquer tempo
Há previsão, podendo ser nomeado pessoa maior e com discernimento
Revista Pensar Direito,Vol. 7, No.2, JUL/2016
Uruguai Lei nº 18.473/2009
Pessoa maior, capaz e com discernimento
Escrita Duas testemunhas
A qualquer tempo e por qualquer meio
Há previsão, podendo ser nomeado pessoa maior e com discernimento
Argentina Lei nº 26.529/2009
Pessoa maior e com discernimento
Escrita Não há previsão legal
A qualquer tempo, inclusive tacitamente
Há previsão podendo ser nomeado pessoa maior e com discernimento inclusive ex-cônjuge ou ex-companheiro
6CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se demonstrar nesta pesquisa que a autonomia e a autodeterminação do
paciente, expressas nas diretivas antecipadas de vontade, compõem o arcabouço jurídico dos
direitos da personalidade e devem ser reconhecidas em todas as fases da vida, ainda que sua
opção seja pelo não prolongamento do processo de morte.
Abordou-se as espécies de intervenções médicas em pacientes terminais: a
eutanásia, a distanásia e a ortotanásia. O Conselho Federal de Medicina prescreve a prática de
ortotanásia, condenando eticamente a eutanásia e a distanásia. Na ortotanásia, há a tutela da
morte digna, sem prolongar o tempo de vida à custa da ampliação do sofrimento do paciente,
mas também sem antecipar sua morte, preservando a dignidade na fase final de vida.
Em seguida, analisou-se a importância do procurador nas diretivas antecipadas de
vontade, sendo que sua participação é de fundamental importância no que se refere ao
cumprimento da vontade do paciente pela equipe médica. O procurador poderá deliberar pelo
paciente quando o testamento vital for omisso e, mais, poderá instruir a equipe médica quando
a família se mostrar oposta à vontade manifesta no testamento vital.
A manifestação da vontade do paciente de aderir a um tratamento é fundamental
para a tutela dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana. As diretivas
antecipadas de vontade servem para direcionar de forma clara as determinações da equipe
médica e do procurador nomeado refletindo o real desejo do paciente.
Salientou-se, também, a importância da Resolução 1995/12 do Conselho Federal
de Medicina para o reconhecimento do direito de o paciente demonstrar sua vontade sobre
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tratamentos médicos e designar um representante para tal fim, bem como a obrigação do
médico em cumprir a vontade do paciente.
Com relação às disposições sobre doação de órgãos e destino do corpo após o
falecimento, a doutrina brasileira considera que são temas estranhos às diretivas antecipadas
de vontade e que devem ser dispostos em documento próprio. (MABTUM E MARCHETTO,
2015, p. 97).
Diversos diplomas legais, em todo o mundo, prescrevem a obrigatoriedade de se
cumprir o que dispõem as diretivas antecipadas de vontade antes de qualquer procedimento
médico-hospitalar.
Na pesquisa analisou-se as principais legislações sobre o tema, com especial
atenção para a lei dos Estado Unidos, por ser o país onde foi criado o instituto; da Espanha,
principal representante europeu; e da Argentina, país latino-americano com maior produção
sobre o tema.
Após a análise das legislações alienígenas sobre a matéria, conclui-se ser
obrigatória a participação do médico para a validade das diretivas antecipadas de vontade,
pois, só há o exercício efetivo de autonomia e autodeterminação quando o paciente conhece
de modo integral o conteúdo e as consequências de suas escolhas, não sendo possível tomar
uma decisão acertada sem a assessoria médica.
Neste sentido,a atual estrutura normativa brasileira gera insegurança jurídica para
os profissionais da saúde que prestam serviços a pacientes terminais que tenham manifestado
sua vontade por meio de uma diretiva antecipada de vontade. Essa insegurança existe porque,
independentemente da sua conduta, o médico sofre riscos de punição, seja na esfera ética,
civil ou penal. A única maneira de conferir segurança à equipe médica é a normatização
específica do instituto pela legislação federal. Embora a interpretação de leis esparsas do
ordenamento jurídico brasileiro permita a adoção das diretivas antecipadas de vontade, sua
fundamentação conceitual e prática ainda necessita ser disposta de modo claro e definitivo.
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