Dis Ana Beatriz Carvalho Baiocchi

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mestrado

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  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS

    FACULDADE DE HISTRIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    MESTRADO

    FILOSOFIA DA HISTRIA EM FREDRIC JAMESON:

    UMA CRTICA S APORIAS DO PS-MODERNISMO

    Goinia

    2010

  • 2

    ANA BEATRIZ CARVALHO BAIOCCHI

    FILOSOFIA DA HISTRIA EM FREDRIC JAMESON:

    UMA CRTICA S APORIAS DO PS-MODERNISMO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps -

    Graduao em Histria da Universidade Federal de

    Gois como requisito para obteno do grau de

    Mestre em Histria.

    rea de Concentrao: Culturas, Fronteiras e

    Identidades

    Linha de Pesquisa: Identidades, Fronteiras e Culturas de migrao.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Oiti Berbet Jnior

    Goinia

    2010

  • 4

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao na (CIP)

    GPT/BC/UFG

    B162f

    Baiocchi, Ana Beatriz Carvalho.

    Filosofia da histria em Fredric Jameson [manuscrito] : uma

    crtica s aporias do ps-modernismo / Ana Beatriz Carvalho

    Baiocchi. - 2010.

    xv, 139 f.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Oiti Berbet Jnior.

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Gois, Faculdade de Histria, 2010.

    Bibliografia.

    1. Jameson, Fredric, 1934- 2. Ps-modernismo 3. Metanar-

    rativa 4. Economia marxista 5. Comunismo 6. Socialismo I.

    Ttulo.

    CDU: 330.85

  • 5

    ANA BEATRIZ CARVALHO BAIOCCHI

    Filosofia da histria em Fredric Jameson:

    Uma crtica s aporias do ps-modernismo.

    Dissertao defendida pelo Programa de Ps-Graduao em Histria, nvel Mestrado,

    da Faculdade de Histria da Universidade Federal de Gois, aprovada em ____ de

    _____ de _______ pela Banca Examinadora constituda pelos seguintes professores:

    ___________________________________________________

    Professor Doutor Carlos Oiti Berbert Jnior

    Presidente

    ___________________________________________

    Professor Doutor Luiz Srgio Duarte da Silva

    Membro

    ___________________________________________

    Professor Doutor Eliezer Cardoso de Oliveira

    Membro

    _____________________________________________

    Professor Cristiano Pereira Alencar Arrais

    Suplente

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de em poucas palavras agradecer sinceramente a algumas pessoas que

    num momento bem peculiar da minha vida foram fundamentais para que este trabalho

    fosse iniciado e hoje, devidamente concludo. No s as pessoas, mas a instituio que

    desde o incio da minha formao me acolheu, e na qual tenho um vnculo eterno de

    gratido e respeito, cujo apoio e amparo foram imprescindveis para a realizao dessa

    dissertao.

    Primeiramente a trs professores em especial, que j naquela poca da graduao

    foram fundamentais para a minha formao e para a escolha do objeto dessa

    dissertao. Ao meu professor e orientador doutor Carlos Oiti Berbert Jnior pelas

    aulas incrveis de Introduo aos Estudos Histricos e por despertar em mim a paixo

    que tenho hoje pela Histria. Por sua pacincia e compreenso infindas sem as quais

    com certeza no sei se teria sido possvel concluirmos esse trabalho. Ao professor Luiz

    Srgio Duarte da Silva pela ateno dispensada, pelas horas de conversa sobre os temas

    aqui abordados, por sua co-orientao e colaborao que de fato foram bastante

    significativos. E principalmente por sempre ter apostado e acreditado em mim. E por

    ltimo, o professor Joo Alberto da Costa Pinto a quem devo minhas sinceras gratides,

    j que foi meu orientador na graduao e quem de fato, me apresentou o referente objeto

    dessa dissertao. Em relao ao programa de ps-graduao da Faculdade de Histria

    deixo meus sinceros agradecimentos a Neuza Lima pelo carinho e pela prontido em

    ajudar nas horas mais complicadas do processo em questo. Alguns amigos que durante

    todo o Mestrado acompanharam minha aflio, se tornando essenciais nesse processo de

    amadurecimento intelectual e pessoal: George Leonardo Seabra Coelho, Dominique

    Vieira dos Santos e Fernanda Pereira Cavalcante. E em especial a minha famlia: aos

    meus pais, Ivam Baiocchi Filho e Willene Carvalho Baiocchi, a quem devo tudo o que

    sou hoje, e a minha irm Marcela Baiocchi pelas colocaes pontuais e objetivas em

    relao ao meu estilo de escrita. Por fim, a Universidade Federal de Gois e a CAPES,

    pelo apoio financeiro em parte desta pesquisa.

  • 7

    RESUMO

    FILOSOFIA DA HISTRIA EM FREDRIC JAMESON:

    UMA CRTICA S APORIAS DO PS-MODERNISMO

    O objetivo central deste trabalho passa pela tentativa de retomar o problema do

    discurso filosfico marxista, qual seja, da realizao de uma filosofia da histria dentro

    de uma discusso ps-moderna de crise dessas metanarrativas. Nesse sentido a escolha

    do autor Fredric Jameson est intimamente relacionada com seu posicionamento em

    relao ao debate sobre o ps-moderno. Contrariando todas as expectativas em relao

    s teorias ps-modernas de crise das metanarrativas, o autor procura pensar o ps-

    moderno de modo menos pessimista numa tentativa de refletir sobre o discurso marxista

    e sua relao com a histria. Assim sendo, a apreciao em relao ao conceito de

    totalidade perpassa antes uma crtica s categorias tericas do modernismo (sua

    ideologia e utopia intrnsecas), mais do que ao processo de totalizao do prprio

    sistema. Diante disso, os questionamentos de Fredric Jameson em relao s teorias

    ps-modernas reconduzem a anlise da superestrutura dos fenmenos artsticos e

    textuais, o que lhe permite dispor de uma viso panormica de toda a esfera cultural

    contempornea. Dessa perspectiva e pressupondo o ps-modernismo como aliado

    cultural do capitalismo avanado, ou tardio, procura-se empreender uma reavaliao

    do marxismo a partir da crtica ps-moderna da ideologia e da utopia prprias do alto-

    modernismo.

    Palavras chave: Ps-modernismo; Metanarrativa; Marxismo; Cultura; Fredric

    Jameson.

  • 8

    ABSTRACT

    PHILOSOPHY OF HISTORY IN FREDRIC JAMESON:

    A CRITIQUE OF THE APORIA OF POST-MODERNISM

    The aim of this study is the attempt to retake the problem of Marxist

    philosophical discourse, that is, to implement a philosophy of history in a postmodern

    discussion of these metanarrativas crisis. In this sense the choise of the author Fredric

    Jameson is closely related to their position regarding the debate on postmodern. Against

    all expectations in relation to post-modern theories of crisis metanarrativas, the author

    think the postmodern in a less pessimistic in a narrative reflect on what Marxist

    discussion and its relationship with history. However, the assessment in relation to the

    concept of totality before running through a critical theoretical categories of

    modernism (its ideology and utopia intrinsic) rather than the process of aggregation of

    the system. Thus, the questions of Fredric Jameson in relation to post-modern theories

    renewing him examining the superstructure of artistic and textual phenomena, which

    allows you to have a panoramic view over the contemporary cultural sphere. From this

    perspective, and assuming postmodernism as an ally cultural of advanced capitalism,

    or late, we seek to undertake a reassessment of Marxism from the postmodern critique

    of ideology and utopias own high-modernism.

    Keywords: Post-modernism; Metanarrative; Marxism; Cultures; Fredric Jameson.

  • 9

    SUMRIO

    Introduo..................................................................................................................... 10

    CAPTULO I A CONSTITUIO NARRATIVA DAS FILOSOFIAS DA

    HISTRIA.................................................................................................................... 17

    Teoria da Histria e Filosofia da Histria: Jrn Rsen e a dialtica da narrativa

    histrica.......................................................................................................................... 18

    O significado na Histria: inteno e potica da narrativa histrica......................... 31

    Filosofia da Histria: a narrativa enquanto sentido do tlos histrico, em Hegel e

    Marx .............................................................................................................................. 39

    Tempos modernos: triunfo e crise do sentido da Histria......................................... 51

    CAPTULO II FREDRIC JAMESON E O MARXISMO OCIDENTAL: OS

    FUNDAMENTOS NARRATIVOS DE UMA PR-HISTRIA DO PS-

    MODERNISMO........................................................................................................... 72

    Cultura e Crtica da dialtica negativa: o sentido do ps-moderno em Adorno, Benjamin

    e Schiller......................................................................................................................... 87

    Cultura e teoria na modernidade: do alto modernismo ao ps-modernismo................ 110

    O ps-modernismo como a metanarrativa do modo de produo do capitalismo

    tardio............................................................................................................................ 124

    Consideraes finais................................................................................................... 135

    Bibliografia................................................................................................................. 138

  • 10

    Introduo

    Esta pesquisa surgiu a partir da indagao sobre a pertinncia de uma filosofia

    da histria dentro do contexto da chamada crise das metanarrativas. Neste sentido, o

    papel de Fredric Jameson se torna fundamental na medida em que busca uma reflexo

    crtica do momento cultural, ps-moderno, no campo da prpria filosofia da Histria.

    Ao analisar a obra de Fredric Jameson, e de coloc-lo como um dos principais

    autores que prope uma reflexo crtica do ps-modernismo, a inteno identificar em

    seu discurso uma filosofia da histria, que ao apresentar caractersticas escatolgicas e

    teleolgicas, busca uma renovao do marxismo em sua crtica aos determinismos

    vigentes, tanto ao ps-modernismo quanto ao prprio marxismo. Desse modo, como

    pretender uma anlise da metanarrativa (marxista), num ambiente cultural ps-moderno

    que reflexo da crise dessas mesmas metanarrativas?

    Assim, urge a necessidade de se pensar o que a narrativa da histria de acordo

    com uma perspectiva racional. A introduo que segue se resume a falar sobre os

    captulos que compem esta dissertao, e questes que norteiam esta pesquisa: no

    primeiro captulo, procuraremos identificar o conceito de narrativa que permeou o

    discurso das filosofias da histria modernas e que serviram de base a uma concepo do

    processo histrico, de teor escatolgico e teolgico.

    O mapeamento sobre o surgimento dessa inquietao terica de sua prpria

    prtica passa pelas consideraes de autores que sero apresentados ao longo do

    trabalho. O dilogo com os referidos autores ser essencial para pontuarmos os

    principais aspectos sobre o conceito de filosofia da histria, e da relao deste com uma

    concepo de narrativa/metanarrativa histrica, escatolgica e teleolgica. Sem

    incorrermos na confuso que distingue as teorias da histria das filosofias da histria e

    seu suposto teor escatolgico e teolgico, perceber de que modo as categorias do ps-

    moderno passam a questionar uma filosofia da histria, pretensamente universal.

    A princpio buscamos identificar, a partir das consideraes de Jrn Rsen

    (2001), uma concepo de narrativa, e de sua unidade inerente como constituinte do

    conhecimento histrico. A partir da, elencar queles elementos que so comuns, tanto

    as filosofias, bem como as teorias da histria, e perceber, de acordo com as

    consideraes feitas por Arthur Danto (1989), como essas trs categorias de tempo:

    passado, presente e futuro se arrolam dialeticamente numa filosofia da histria.

  • 11

    Em seguida, passamos anlise das questes que envolvem as concepes de

    uma filosofia da histria, principalmente as filosofias da histria caracteristicamente

    escatolgicas e teolgicas, a partir das consideraes de Karl Lwith (1977), que

    identifica as metanarrativas da modernidade com uma perda inerente do sentido

    histrico, qual seja o da ideia da salvao. Esta ideia se vinculava a uma concepo da

    narrativa que buscava a unidade temporal dos acontecimentos, de modo a enfrentar uma

    dura realidade, da histria como sofrimento, no intuito de nos garantir a salvao eterna

    ao seu final.

    Com o advento da modernidade, do pensamento racional, da laicizao do

    Estado, essa salvao se desloca de uma concepo divina, para uma concepo humana

    de salvao, mediada pelas ideias de progresso e razo, e pelas promessas de um futuro

    promissor calcado na revoluo tecnolgica. De acordo com Karl Lwith, exatamente

    este processo que acarreta num prejuzo metafsico s concepes modernas e ps-

    modernas de narrativa. Sendo assim, identificamos como precursoras dessas

    concepes, as filosofias da histria de Hegel, e as interpretaes simplistas de certo

    tipo de marxismo.

    A partir dessas consideraes, procuramos j delinear os primeiros aspectos de

    uma concepo de filosofia da histria em Fredric Jameson, que busca fugir s

    concepes deterministas das mesmas. Para tanto, comeamos por caracterizar alguns

    aspectos do moderno e do ps-moderno, e a crtica que este direciona quele, ou seja, a

    concepo de uma histria narrativa, escatolgica e teleolgica.

    Nesse sentido, o ps-moderno ressalta o carter vil e opressor que uma ideia

    deste tipo de metanarrativa provocou com a conseqente falcia de seus ideais de

    progresso, que naquele exato momento no respondiam as angstias do indivduo

    interior, mas que se realizariam como promessas futuras. A experincia histrica

    mostrou o quo distante estas promessas ficaram longe da realidade concreta do

    indivduo. Com a crise das experincias social-democrticas marxistas, este quadro se

    agravou culminando na revoluo cultural dos anos sessenta. Como bem coloca David

    Harvey (2005), o ps-modernismo uma legitima reao monotonia da viso de

    mundo do modernismo universal, geralmente percebido como positivista,

    tecnocntrico e racionalista.

    Enquanto a narrativa/metanarrativa do modernismo universal tem sido

    identificado com a crena no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento

    racional de ordens sociais ideais, e com a padronizao do conhecimento e da produo,

  • 12

    o ps-moderno privilegia a heterogeneidade e a diferena como foras libertadoras na

    redefinio do discurso cultural. A fragmentao, a indeterminao e a intensa

    desconfiana de todos os discursos universais ou totalizantes o marco fundamental

    do ps-moderno (HARVEY, 2005, p.19).

    Neste caso, sem nos determos sobre as implicaes inerentes s discusses que

    regem uma abordagem interdisciplinar entre histria e narrativa, ambientadas na relao

    da histria com a literatura, envolvendo questes sobre epistemologia e cientificidade

    bem como aspectos literrios da escrita objetiva/subjetiva de um texto que, de certa

    forma, fundamenta as filosofias da histria, no nosso caso, a ideia perceber que tipo de

    filosofia da histria perpassa a teoria de Fredric Jameson.

    Nossa hiptese de uma metanarrativa em Fredric Jameson (1992), e da defesa de

    uma filosofia da histria, que foge aos determinismos vigentes, perpassa um tipo de

    hegelianismo que vai alm da sua experincia marxista e de suas consideraes

    ortodoxas e objetivistas, as quais obliteraram a realidade histrica e sua componente

    subjetiva. Desse modo, Fredric Jameson atualiza e coloca a chamada crise das

    metanarrativas sobre novas bases. No se trata, contudo, de apoiar essas posies, mas

    destacar o seu papel especfico neste debate que, certamente, ainda no est esgotado.

    De fato, um retorno s consideraes hegelianas para Jameson, um retorno a

    uma compreenso da realidade, em seu sentido dual, sem, no entanto, ser meramente

    unilateral, ou seja, pressupor uma realidade como existente por si mesma, mas sim, em

    consonncia com o j existente, numa relao de construo. O que os ps-modernos

    compartilham enquanto fragmentos, a despeito da disperso de seu material em estado

    bruto1, a prpria historicidade comum, aquele momento da histria que marca e

    deforma, de um modo ou de outro, todos os fenmenos culturais que nele se produzem e

    se incluem, e que serve de estrutura dentro da qual compreendemos aqueles fenmenos.

    Desse modo temos o que caracteriza Fredric Jameson como relevante para a

    pesquisa histrica e sua crtica em relao cultura ps-moderna: uma maneira de

    dialogar com todas as correntes filosficas sem necessariamente, recair num

    dogmatismo que as enquadre em determinismos estanques e vulgares. Um dilogo que

    seja capaz de demonstrar o valor da teoria e da prtica renovadas.

    Assim, o primeiro captulo sugere uma anlise crtica sobre o que se entende por

    filosofias da histria, e o conceito de modernidade que a constituiu enquanto cincia

    1 Da situao histrica concreta, a modernidade.

  • 13

    terica e prtica pautada em ideais racionais de objetividade e universalidade. Desta

    forma, procuramos identificar o momento em que essa concepo de metanarrativa da

    histria, determinante das formas de pensar e agir histricos demonstrou sua fragilidade

    e ineficcia enquanto ideal a ser atingido. Em meio a essas consideraes, inserir o

    debate em relao ao conceito, ou ideia2, de ps-modernismo, e de como ele se insere

    dentro das perspectivas tericas, metodolgicas e prticas de uma cincia da histria.

    No segundo captulo, procuramos definir uma concepo de narratividade que

    perpassa uma primeira anlise das obras de Fredric Jameson, sobre a relao das obras

    de arte com a escrita da histria, e sua constituio dialtica intrnsecas. Para tanto,

    partimos da anlise de algumas obras que foram sendo selecionadas durante o processo

    da pesquisa e que deram incio ao debate em torno do conceito de ps-modernidade,

    bem como do seu desdobramento ulterior: Marxismo e Forma, O Inconsciente Poltico:

    a Narrativa como ato socialmente simblico e Ps-modernismo: a lgica cultural do

    capitalismo tardio. Com isso, pensamos na hiptese de que a defesa de uma filosofia da

    histria em Fredric Jameson percorre a ideia a ser defendida de que, se toda narrativa

    constituda socialmente, as metanarrativas sugerem atos polticos simbolicamente

    constitudos, que do forma e contedo aos perodos histricos.

    Nesse sentido, se o ps-modernismo se identifica com um discurso histrico, em

    que as metanarrativas no encontram mais sustentao, que o discurso hoje o da

    fragmentao e pluralidade dos mesmos, onde se encaixa uma teoria que ao mesmo

    tempo integra elementos tanto do ps-moderno, quanto do moderno, em relao

    categoria dos universais e da prpria utopia? Identificar em seu discurso uma filosofia

    da histria que se pretenda universal e totalizadora se arvorar em um caminho um

    tanto perigoso em meio ao debate, mas com certeza, imprescindvel para se colocar em

    pauta a prpria inevitabilidade em Histria, da ideia de uma universalidade.

    Assim sendo, a ideia escatolgica (sobre o fim ltimo de todas as coisas) e

    teleolgica (onde pra tudo isto? Que busca o para que de todas as coisas) no

    determinista de uma filosofia da histria segundo Fredric Jameson, se insere na

    perspectiva de recuperao do marxismo. Recuperao da sua funo histrica, ou seja,

    2 Aqui se verifica a variabilidade do prprio conceito de ps-modernismo, e de sua aceitao, enquanto

    categoria de anlise histrica. Seno de uma anlise da histria, ao menos de seu mtodo e prtica de

    anlise. Mas ainda no h um consenso sobre se existe um conceito de ps-modernismo, ou se , somente

    uma ideia para caracterizarmos o momento em que vivemos. Se se leva em conta, como ideia, h que

    considerar o aspecto inerente do prprio conceito de ideia, que o dualismo do conceito: modernismo x

    ps-modernismo, por exemplo.

  • 14

    da realizao da prpria dialtica, que se encontra mediada por todos os campos do

    saber. E ai, ele recupera seu sentido histrico.

    Em Marxismo e Forma, procuramos identificar as categorias do pensamento

    cultural de Adorno, Benjamin e Schiller. A partir desses autores, expomos as categorias

    da narrativa, segundo uma definio da dialtica inerente aos processos que so

    mediados pela prpria cultura. Ento, na cultura, vista como superestrutura que

    percebemos a nova historicidade sendo construda, o evento (Adorno), a reconciliao

    tica no prprio indivduo (passado e presente, em Benjamin) e a questo da liberdade

    como uma nova hermenutica poltica em Schiller.

    Uma relao que est relativamente ligada ao que individualmente ou

    coletivamente constitudo, desde sua concepo metafsica e epistemolgica, at suas

    mais variadas formas de cultura. Isto incluir uma analogia com o macrocosmo scio-

    econmico ou infra-estrutura, como uma comparao implcita em sua prpria estrutura,

    permitindo-nos transferir a terminologia deste ltimo para aquele, em maneiras que so

    sempre muito reveladoras. A tarefa do crtico literrio marxista exatamente em

    demonstrar este funcionamento do contedo dentro da prpria forma, e no como algo

    que o transcende, ou que existe fora dele.

    J no Inconsciente Poltico:a Narrativa como ato socialmente simblico, o autor

    bem claro quanto a realizao de seu projeto: a interpretao poltica dos textos

    literrios, ir partir do pressuposto de que apenas uma genuna filosofia da histria

    capaz de respeitar a especificidade e a diferena radical do passado sociocultural,

    revelando a solidariedade de suas polmicas e paixes, de suas formas, estruturas,

    experincias e lutas para com as do presente (JAMESON, 1992, p. 16). E retoma-se

    isso para pensar que, em Jameson, a filosofia da histria passa pela forma opervel e

    utilizvel no mundo contemporneo consumista e do sistema multinacional; e desse

    modo,

    [...] a filosofia crist da histria, que surge com fora total na Cidade

    de Deus de Santo Agostinho, (413-426 d.C), no mais pode se

    vincular de maneira particular a ns. Quanto filosofia da histria de

    uma burguesia herica, suas duas principais variantes a viso do progresso que surge a partir das lutas ideolgicas do Iluminismo

    francs e aquele populismo ou nacionalismo orgnico que articulou a

    historicidade bastante distinta dos povos da Europa Central e Oriental,

    e que geralmente se associa ao nome de Herder certamente no esto extintas, mas, no mnimo, esto ambas desacreditadas, devido s suas

  • 15

    materializaes hegemnicas, respectivamente no positivismo, no

    liberalismo clssico e no nacionalismo (JAMESON, 1992, p. 17).

    Sobre esse historicismo, o marxismo tambm busca oferecer uma resoluo

    filosoficamente coerente e ideologicamente premente a este dilema. Nesse sentido, ele

    se insere nas tendncias que procuram dar um relato plausvel do mistrio essencial

    do passado cultural. Mistrio que restabelecido se a aventura humana for nica.

    Assim, o autor recai numa filosofia da histria metanarrativa da experincia

    comum espcie humana, que o prprio instinto de sobrevivncia. E, neste sentido,

    ela no mais nem menos determinista, mas definitivamente dialtica recontada dentro

    da unidade de uma nica e grande histria coletiva, qual seja, da luta para se alcanar

    um reino de liberdade a partir de um reino de necessidade. Segundo Jameson, quando

    detectamos os traos dessa narrativa ininterrupta, quando trazemos para a superfcie do

    texto a realidade reprimida e oculta dessa histria fundamental, que a doutrina de um

    inconsciente poltico encontra sua funo e sua necessidade (JAMESON, 1992, p. 18).

    Ento, tambm Jameson est pensando na busca de um projeto de salvao, que

    individual e psicolgico, e no universal, em que a nica libertao efetiva desse

    controle (da tendenciosa lei da vida social capitalista, que mutila nossa existncia

    enquanto sujeitos individuais e paralisa nosso pensamento com relao ao tempo e

    mudana da mesma forma que, certamente, nos aliena da prpria fala), comea com o

    reconhecimento de que nada existe que no seja social e histrico na verdade, de que

    tudo , em ltima anlise, poltico.

    Cabe ressaltar o carter multidisciplinar da sua teoria do ps-moderno, que

    implica num exame de uma grande variedade de expresses da cultura contempornea,

    passando por manifestaes das artes visuais, das articulaes do tempo e de uma nova

    concepo do espao, e uma tentativa de articular sua lgica subjacente. Para Jameson,

    no mundo fragmentado, preciso fazer como os bancos e bolsas de valores, isto ,

    aprender a totalizar. (JAMESON, 2000, p. 6).

    Neste sentido, a tarefa bsica hoje discernir as formas de nossa insero como

    indivduos em um conjunto multidimensional de realidades percebidas como

    radicalmente descontnuas. De modo que, o autor parece identificar um ps-

    modernismo pernicioso, em que a verdade da nossa vida social como um todo cada

    vez mais irreconcilivel com nossos modos de representao. E pernicioso exatamente

  • 16

    por isto, por implicar uma proliferao de teorias do fragmentrio, que acabam

    simplesmente por duplicar a alienao e reificao do presente.

    Em Ps-modernismo: a lgica cultural do capitalismo tardio, Fredric

    Jameson desenvolve com mais acuidade as vrias formas de arte que, sob a rubrica do

    ps-modernismo, tem por objetivo mapear o presente e nomear o sistema que

    organiza nossas vidas, nossas manifestaes culturais e nossos esforos de compreend-

    lo. Sua tarefa neste livro a de chegar a um conceito mediador que cumpra a dupla

    agenda de fornecer um princpio para a anlise de textos da cultura e apresentar um

    modelo do funcionamento ideolgico geral de todas essas caractersticas tomadas

    conjuntamente (JAMESON, 2000, p. 6).

    A pretenso aqui analisar os dois conceitos fundamentais que so trabalhados

    em Fredric Jameson: a interpretao e a utopia e investigar as suas manifestaes

    culturais ps-modernas como uma ideologia funcional para o novo estgio do capital

    globalizado, assim como suas configuraes, permitindo ao crtico da cultura

    destrinchar os germes de novas formas do coletivo, at hoje quase impensveis. A

    interpretao, sendo colocada pela prpria natureza da nova textualidade: quando esta

    predominantemente visual (vdeo texto e o noveau roman), parece no deixar espao

    para uma interpretao moda antiga e, quando predominantemente temporal, em seu

    fluxo total tampouco sobra tempo para a interpretao.

    A utopia, sendo uma questo espacial, deveria ser o teste crucial do que restou

    de nossa capacidade de imaginar qualquer tipo de mudana. Da a necessidade de

    pensar na totalidade, de modo a destrinchar as amarras do pensamento terico

    historicizante. De que a prpria fragmentao do discurso s percebida de acordo com

    um pano de fundo que a coloque sob seus devidos termos.

    Com isso, as anlises a respeito de Fredric Jameson, e de suas obras, nos

    serviro para mapear a emergncia do conceito de ps-modernismo que melhor

    particulariza a nossa inteno: de esclarecer que o ps-modernismo enquanto teoria e

    prtica historiogrfica pertinente ao momento em que nos encontramos, denominado

    pelo autor de terceiro estgio do capital. Dessa forma, na sua prtica de crtico de

    cultura, evidencia-se a atualizao da vocao histrica do marxismo: estudar o

    funcionamento do capital desmistificando o seu movimento continuado de

    obscurecimento da conscincia.

  • 17

    CAPTULO I

    A constituio narrativa das Filosofias da Histria

    Muito embora o sentido histrico em sua universalidade seja pensado sobre o

    que envolve o conceito de humanidade e do seu futuro, este aspecto geral evidencia as

    limitaes e delimitaes da prpria histria enquanto portadora de sentido. Ao longo

    dos sculos, as experincias demonstraram que para alm dos horizontes que

    enquadram as particularidades do processo histrico, sempre foi patente o desejo de

    unidade, de dar sentido ao que parecia no ter sentido.

    De modo que pens-las como pertencente a algum plano superior sempre

    pareceu algo muito alentador. Assim, a questo que perpassa a nossa pesquisa saber

    como a concepo de uma filosofia da histria em Fredric Jameson se constitui e retoma

    o debate em torno do determinismo histrico. No entanto, longe de se identificar com as

    experincias histricas do sculo XIX e XX, suas teses buscam compreender as

    vicissitudes do tempo e a imprevisibilidade histrica, cuja categoria do universal

    inserida novamente no mbito do debate.

    Sendo assim, a busca por sentido, de um modo geral e por sentido histrico em

    particular, uma caracterstica prpria das culturas, tanto no passado quanto no

    presente. Desde o momento em que o homem se percebeu como integrante de algo

    maior, desconhecido, procurou formas de entendimento da realidade que pudessem lhe

    garantir ordem e sentido sobre o caminho a ser seguido. Estas formas no eram

    escolhidas aleatoriamente, obedeciam a regras e critrios de seleo e relevncia que

    dessem sentido ao acontecimento na sua forma geral. Em certo momento, coube

    Histria a atribuio da narrativa dos acontecimentos, conforme uma sequncia objetiva

    de simultaneidade ou de sucesso dos contextos, e como portadora de sentido, que

    encontrava explicaes globais e coerentes em relao aos fatos escolhidos.

    Se, no entanto, a vontade de sentido histrico acompanha o homem desde sua

    antiguidade, pode-se dizer que as filosofias da histria acompanham o homem desde o

    momento em que ele d valor aos fatos que ele escolhe como relevantes para o contexto

    ao qual est inserido. Portanto, o que distingue as concepes de filosofia da histria de

    um perodo a outro, a mudana de valores que se opera no mbito da prpria

    historicidade do homem e da histria.

  • 18

    Assim, a questo que se coloca sobre as filosofias da histria, se relaciona com

    os mtodos da prpria teoria da histria, e dessas em relao cincia histrica, cujos

    fundamentos do valor a uma elaborao sistemtica das definies genricas do que

    histria. De modo que atribuio de sentido em relao ao conceito de histria, remete

    a relao desta com as concepes de filosofia e teoria do modo narrativo de conceber a

    cincia histrica.

    No obstante esse carter cientfico da narrativa histrica, que aqui queremos

    desenvolver, com o intuito de estabelecermos criticamente s diferenas entre um modo

    de narrativa peculiar ao conhecimento histrico e as intenes metanarrativas do

    mesmo. Em suma, nosso propsito estabelecer semelhanas e diferenas entre a

    narrativa histrica e as metanarrativas para, da por diante, explicitar o papel de Fredric

    Jameson nesse debate.

    Teoria da Histria e Filosofia da Histria: Jrn Rsen e a dialtica da

    narrativa histrica

    De uma interpretao da histria, formal e substantiva dos fenmenos, em que se

    procurava relacionar os acontecimentos segundo uma descrio lgica interna a prpria

    narrativa, tem-se uma produo de vrias histrias paralelas, delimitadas no tempo e no

    espao. No obstante, o cruzamento muitas vezes inevitvel dessas narrativas, levava a

    uma ideia de unidade, ou de sentido do todo em que viviam.

    Mas o desejo de totalidade que elevasse o conceito em busca de um ideal nico,

    que pudesse ao mesmo tempo descrever e explicar os acontecimentos segundo uma

    lgica causal, foi prefigurado pelas novas filosofias da histria, de sentido moderno. Da

    pluralidade de narrativas histricas, seguiu-se a ambio de uma filosofia da histria

    que unisse todas essas narrativas a um objetivo comum. Desse modo, a questo que se

    colocava, e que ainda se coloca para a Histria a seguinte: como submeter

    multiplicidade dos fenmenos histricos unidade, a um mtodo sistemtico, da

    universalidade dos fenmenos?

    Remo Bodei (2001) identifica algumas dessas formas universais que, ao longo

    desse processo, foi se constituindo na unidade das filosofias da histria. Primeiramente,

    a unidade poltica, expresso pela experincia do Imprio Romano. O cnon que ordena

    os acontecimentos e personagens , portanto, de natureza poltica: gira em torno da

    misso de um imprio universal terreno que unifica os diversos povos sob uma nica

  • 19

    civilizao. (BODEI, 2001, p. 18) A segunda a concepo crist desenvolvida por

    Santo Agostinho. A histria tem um sentido porque Deus e a Providncia dirigem a sua

    realizao. exatamente esta viso escatolgica do processo histrico e de sua projeo

    bblica, de um cataclismo final, que passa a ser questionado pela razo iluminista, o

    terceiro momento do desejo de unidade das filosofias da histria. No entanto, o

    Iluminismo ainda conservar uma ideia crist que se encontra por detrs da mo

    invisvel da economia e da histria3.

    Tais mudanas ganham projeo durante os acontecimentos que se arrolam entre

    os sculos XVI, XVII e XVIII. De acordo com Bodei (2001), o Iluminismo mesmo

    conservando a ideia crist, por detrs do conceito de razo universal, alterou

    significativamente as formas do conhecimento humano sobre o ser e a histria. De fato,

    o Iluminismo props uma nova maneira de pensar, um pensar sobre si mesmo, uma

    conscincia histrica que deslocou o pensamento de Deus e do mundo, para uma

    concepo de Deus e do indivduo. A razo e o esprito unidos para o alcance de um

    ideal comum, cujo futuro histrico aparece como meta e fim a serem realizados. como

    se as categorias de universal e particular se unissem no indivduo, e dessa

    contradio conciliadora, expressasse a totalidade do real sentido da histria.

    Esta ideia crist para alm do cataclismo final remete a uma superao das

    fatalidades humanas, cujo progresso o modelo propulsor de salvao, pautado nas

    perspectivas de previso seguramente garantida pelo modelo de

    racionalidade/objetividade tambm nas cincias humanas. Assim como nas cincias

    positivas, o mtodo da busca por leis gerais causais, tambm se reflete nas cincias do

    esprito. Deste modo, a vontade das aes humanas que se encontram determinadas

    por leis universais naturais. Transferidas para uma histria universal, essa prerrogativa

    pode determinar uma marcha regular dos acontecimentos e seus movimentos, como um

    desenvolvimento continuamente progressivo, mesmo que lento, de suas potencialidades.

    O surgimento da fsica newtoniana e do mtodo positivo nas cincias naturais

    permitiu a anlise dos fenmenos histricos segundo leis gerais. Da ideia da

    universalidade da vontade humana como sendo determinante das aes, buscou-se um

    padro que pudesse predizer e explicar todos os acontecimentos da histria futura.

    Outro fator foi o conhecimento de novos horizontes do mundo, para alm da cristandade

    3 (...) em plena idade das Luzes, quando a mo invisvel da economia e da histria tendem a substituir

    a interveno divina ainda dir que os homens escrevem os nmeros do seu destino no quadro-negro, mas a soma, o sentido dos acontecimentos humanos, a efetua sempre Deus. (BODEI, 2001, p.18).

  • 20

    europia. Como afirma Bodei (2001, p.24) tal fato geogrfico foi fundamental para a

    descoberta de outras culturas, que no a europia, pondo em evidncia a prpria questo

    do modo de ser europeu e sua relao frente a essas novas realidades histricas. Relao

    de justificao do prprio mtodo cientfico e da sua pretensa universalidade.

    O sculo XX foi marcado por uma poca de crise do paradigma moderno, tanto

    no campo da cincia de modo geral, como na teoria da histria em particular. Suas

    pretenses de universalidade, expressas pela fsica newtoniana e pelas metanarrativas

    das filosofias da histria de Comte, de Hegel e as do marxismo (referente suas

    interpretaes mais simplistas), entraram em colapso medida que as experincias

    histricas no correspondiam s promessas do discurso da modernidade. Desse modo,

    nossa inteno identificar como as filosofias da histria constituram um discurso que

    corroborasse com as experincias histricas, a partir da defesa de uma razo

    universal, que identificava o processo histrico em sua totalidade.

    A questo assim colocada nos leva a indagar sobre as filosofias da histria. Em

    que sentido elas nos servem como guias, ou formas de organizao que garantem a

    universalidade dos fenmenos? E como a pretenso de uma universalidade pode ser

    garantida, se a prpria fundamentao de uma filosofia da histria, passa por um lugar

    de onde se fala? O ponto que ns queremos chegar de que, independente de como se

    coloca o problema, no a pretenso de uma universalidade4 que procuraremos

    defender, mas a ideia de totalidade como pressuposto intrnseco para uma definio

    de filosofia da histria, que procura atravs da prtica dialtica, a anlise crtica das

    formas internas e externas do contedo historicamente dado.

    Primeiramente procuramos desenvolver um dos aspectos inerentes ao debate,

    que o conceito de narrativa e do modo como ele est inserido dentro de uma discusso

    da pretenso da validade cientfica do discurso histrico. Esse modo especfico se

    refere a uma filosofia substantiva da histria.

    No entanto, a caracterizao do que constitui a narrativa histrica e por ela

    constituda, permaneceu fora do ambiente da teoria, pelo menos aparentemente, por se

    manifestar como carter ficcional. Outros mtodos deveriam constituir a cincia da

    histria, que permitissem um sentido de causalidade lgica e dedutvel prprios das

    cincias positivas. No que a isso no se incorresse no uso da narrativa como forma de

    4 Sobre a relao entre universalidade e totalidade a reflexo se refere s consideraes mais polticas

    do que propriamente filosficas em relao ao sentido da Histria. No entanto, entendemos por sentido

    filosfico da Histria, e seu carter de totalidade o aspecto inerente a todo ser, de dar sentido e objetivo s suas aes no presente em relao ao futuro.

  • 21

    escrita da Histria. Nesse aspecto, a crtica se dirige a uma metanarrativa que por ter um

    carter eminentemente metafsico (no sentido da filosofia idealista de Hegel), deu

    sentido e objetivo para as finalidades dos usos da Histria.

    Sobre esta relao da narrativa histrica com o elemento ficcional a questo a ser

    destacada a do deslocamento do conceito de indivduo e acontecimento na histria,

    que muda o sentido da prpria narrativa enquanto estatuto do conhecimento histrico.

    Com isso a crtica metanarrativa recai sobre o sentido do indivduo e do

    acontecimento em termos absolutos, escapando a prpria histria enquanto uma

    realidade mais complexa, entrecruzada, a realidade do social5. Aqui, o sentido desta

    apreciao se dirige a certa concepo de histria tradicional, histria-narrao, que

    sempre teve a pretenso de dizer as coisas como elas se passaram realmente

    (BRAUDEL, 1992, p.24)6. Por isso a narrativa fico porque dissimulada, portanto,

    uma autntica filosofia da histria. No entanto, mais que uma crtica a prpria filosofia

    da histria e seu sentido teleolgico, um combate metodolgico contra a tradio

    positivista na Frana, que o autor direciona suas reflexes7.

    Enquanto teoria, a filosofia substantiva da histria, procurou se ocupar com todo

    o conjunto da histria. Esse conjunto, constitudo pela unidade narrativa entre passado,

    presente e futuro, dado pela tradio, permitia uma conscincia histrica, cujas

    intenes do presente deveriam ser revistas. Essa reviso, no entanto, pressups certa

    continuidade da narrativa histrica, cujo futuro era percebido como realizao finita do

    tlos histrico. Nossa crtica, portanto, se dirige a essa concepo de continuidade

    histrica, que pressuposta por essa metanarrativa coloca o problema da intencionalidade

    da ao no presente, sob outras perspectivas, determinantes da ao no futuro.

    Convm partir das consideraes em relao aos usos da pragmtica do

    pensamento histrico, segundo a anlise da obra Razo Histrica: Teoria da histria, os

    fundamentos da cincia histrica, de Jrn Rsen. Para este autor, os fundamentos da

    cincia da histria, que assumem o papel de uma teoria da histria, perpassam

    consideraes de carter geral e sistemtico prprios do pensamento histrico. O

    5 Ver BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a Histria. So Paulo, SP. Editora Perspectiva, 1992.

    6 Para uma diferenciao entre teoria da histria e filosofia da histria, a partir das consideraes de

    Fernand Braudel. No nosso interesse aprofundarmos sobre essas questes em Braudel, apenas para

    situarmos as duas concepes no contexto do debate historiogrfico. 7 Para uma reflexo sobre o eclipse da narrativa na historiografia francesa ver RICOUER, Paul. Tempo e

    Narrativa (Tomo 1). Campinas, SP: Papirus, 1994, p. 148.

  • 22

    pensamento histrico se constitui a partir da sua naturalidade, e a histria entendida

    como objeto prprio daquele, em seu modo especificamente cientfico. Portanto,

    So as situaes genricas e elementares da vida prtica dos homens

    (experincias e interpretaes do tempo) que constituem o que

    conhecemos como conscincia histrica. Elas so fenmenos comuns

    ao pensamento histrico tanto no modo cientfico quanto em geral, tal

    como operado por todo e qualquer homem, e geram determinados

    resultados cognitivos. Esses pontos em comum tm de ser

    investigados como genricos e elementares, isto , como processos

    fundamentais e caractersticos do pensamento histrico. Esses

    processos representam a naturalidade corriqueira que se deve sempre

    pressupor, quando se tenciona conhecer a histria cientificamente.

    (RSEN, 2001, p. 54, grifo nosso)

    Rsen (2001) assim define a constituio especfica da cincia da histria, como

    um modo particular do processo genrico e elementar da conscincia histrica. No

    obstante, se a conscincia histrica se constitui como fundamento da cincia da histria,

    sua anlise tem como premissa que nenhuma concepo particular da histria, que

    esteja vinculada a alguma cultura em sua especificidade, seja pressuposta como

    fundamento da cincia da histria. A conscincia histrica fenmeno do mundo

    vital, e, portanto, se relaciona com a vida prtica em sua imediaticidade.

    A esta imediaticidade relaciona-se a questo da intencionalidade da ao, tese

    desenvolvida pelo autor. A intencionalidade como forma de ao remete prpria

    particularidade da cincia da histria, j que o homem deve interpretar suas aes e sua

    presena no mundo segundo suas intenes. So elas que fazem a mediao do homem

    com o seu tempo, daquilo que Rsen (2001) denomina de supervit de

    intencionalidade. So estas intenes, enraizadas nas operaes prticas do agir humano

    que so pesquisadas. Assim, ele adquire uma relevncia temporal, na medida em que

    constitui a conscincia histrica, que se manifesta sempre que os homens tm de dar

    conta das mudanas temporais de si mesmo e do mundo, mediante seu agir e sofrer.

    Segue que a explicao de Rsen (2001) sobre o que constitui a conscincia

    histrica perpassa essas consideraes, de inteno no tempo e experincia do tempo.

    Segundo o autor, ambos os momentos mesclam-se, e se distinguem na medida em que

    formam dois tipos de conscincia do tempo, experincia e inteno. Para Rsen,

    nessa distino funda-se uma dinmica da conscincia humana do tempo na qual se

    realiza o supervit de intencionalidade do agir (e do sofrer) humano... (RSEN, 2001,

  • 23

    p. 58). Nesse sentido, a conscincia histrica a prpria dinmica dessa relao, que se

    realiza no processo da vida humana.

    Destarte, esta orientao da vida prtica humana, articulada entre

    experincia e inteno e desta com aquela, que os homens constituem e do sentido

    a experincia do tempo. A descrio de Rsen sobre essa fundamentao categrica:

    Pode-se descrever a operao mental com que a conscincia histrica

    se constitui tambm como constituio do sentido da experincia do

    tempo. Trata-se de um processo da conscincia em que as experincias

    do tempo so interpretadas com relao s intenes do agir e,

    enquanto interpretadas, inserem-se na determinao do sentido do

    mundo e na auto-interpretao do homem, parmetros de sua

    orientao no agir e no sofrer. O termo sentido explicita que a dimenso da orientao do agir est presente na conscincia histrica,

    pois sentido a suma dos pontos de vista que esto na base da deciso sobre objetivos. A conscincia histrica no se constitui [...],

    pois, na racionalidade teleolgica do agir humano, mas sim por

    contraste com o que poderamos chamar de racionalidade de sentido. Trata-se de uma racionalidade, no da atribuio de meios a fins ou de fins a meios, mas do estabelecimento de intenes e da

    determinao de objetivos. (RSEN, 2001, p. 59)

    Portanto, as questes genricas em relao ao que fundamenta a teoria da

    histria se referem relao do sentido que se constitui de acordo com o grau de

    inteno inferido pelo indivduo, a fim de se orientar no tempo. E esta orientao,

    enquanto unidade de sentido constituidora da conscincia histrica acaba indo sempre

    alm daquilo que o homem experimenta como mudana temporal, como fluxo ou

    processo, projetando o tempo como algo que no lhe dado na experincia. Seja de

    forma a aceitar sua condio de finitude, ou de condicion-la a um sentido de salvao

    eterno. Logo, projeta o sentido do tempo como algo que no lhe dado na experincia.

    O propsito a que se apega o homem no tempo supera a contingncia imediata, a partir

    de um esforo prprio de interpretao, levando a experincia alm da prpria realidade

    concreta.

    Desse modo, distinguem-se dois tipos de tempos que, de forma contrria, porm,

    numa relao de interao, constituem a experincia do tempo e as intenes que se

    dirigem em relao ao mesmo. So eles: o tempo natural e o tempo humano. O

    primeiro, visto como obstculo da prpria ao percebido como oposto s intenes

    humanas, e de certa forma ignorada pelo homem, j que este segue querendo realiz-las.

    O segundo, o tempo humano, em oposio ao primeiro, o tempo organizado, cujos

  • 24

    planos e diretrizes constituem um fluxo temporal determinante das condies vitais, que

    faz projees, onde afirmam a si mesmos mediante o agir e o reconhecimento.

    O homem est constantemente transformando o tempo natural em tempo

    humano. Isso acarreta no prprio ato constitutivo da conscincia histrica, que consiste

    na interpretao da experincia do tempo com respeito inteno quanto ao tempo.

    Trata-se de evitar que o homem, nessa transformao, no se perca nas mudanas de si

    mesmo e do mundo, e de encontrar-se no tratamento das mudanas experimentadas

    (sofridas) do mundo e de si prprio.

    No entanto, coloca-se a questo do uso de uma estrutura particular que d conta

    dessa unidade da conscincia, como um processo coerente de pensamento. Rsen

    (2001) o identifica como um ato de fala8, que se constitui de modo determinante da

    especificidade do pensamento histrico, da prpria peculiaridade do pensamento

    histrico-cientfico. Segundo Rsen,

    Em um ato de fala desse tipo, no qual se sintetizam, em uma unidade

    estrutural, as operaes mentais constitutivas da conscincia histrica,

    no qual a conscincia histrica se realiza, com efeito existe: a

    narrativa (histrica). Com essa expresso, designa-se o resultado

    intelectual mediante o qual e no qual a conscincia histrica se forma

    e, por conseguinte, fundamenta decisivamente todo pensamento-

    histrico e todo conhecimento histrico cientfico9. (RSEN, 2001, p.

    61)

    Tem-se ento uma definio do conceito de narrativa histrica. Contudo, a esta

    definio devem ser satisfeitas as condies pelas quais a conscincia histrica se

    realiza mediante a narrativa. Em funo da prpria multiplicidade de interpretaes da

    experincia do tempo, h que se identificar a relevncia da distino tradicional entre

    narrativa ficcional e no-ficional, e como esta compe a narrativa historiogrfica.

    Em A Aguarrs do tempo: estudos sobre a narrativa, o autor, Luiz Costa Lima,

    faz uma digresso sobre o conceito de narrativa. Sua proposta insere-se dentro do que

    8 Sobre este aspecto no nosso propsito aqui, desenvolver as questes que envolvem a filosofia da

    linguagem e a filosofia analtica. As referncias a elas ao longo do texto iro perpass-lo medida que

    iremos definir um conceito de narrativa da histria, que se identifica com uma filosofia da histria em

    Jameson ao colocar a problemtica da linguagem e do conceito de significado, sob outros parmetros.

    A respeito do conceito de ato de fala, ver a filosofia da linguagem em AUSTIN, J. L. Quando dizer

    fazer. Trad. De Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Mdicas: 1990. Minha palavra meu penhor, o que faz com que se considere o ato de fala, a interao comunicativa propriamente dita, como tendo um carter contratual ou de compromisso entre as partes (AUSTIN, 1990, p. 9) 9 Grifo do autor.

  • 25

    fundamenta a cincia da histria como cincia. Nesse sentido, o autor vai delineando

    os meandros pelos quais a narrativa se confunde com o problema da cientificidade do

    discurso historiogrfico, e ao mesmo tempo, permeia o prprio relato das cincias

    positivas, que constitui e fundamenta suas leis gerais. Por narrativa, entende-se, o

    estabelecimento de uma organizao temporal, atravs de que o diverso, o irregular e

    acidental entram em uma ordem; ordem que no anterior ao ato da escrita mas

    coincidente com ela; que pois constitutiva de seu objeto. (LIMA, 1989, p. 17)

    O problema da narrativa na historiografia passa pelas intenes do prprio

    historiador, e, portanto, do grau de intencionalidade que este coloca sobre o fato

    narrado. Sendo a narrativa o mtodo par excellence do historiador, as questes que

    envolvem a problemtica da narrativa, perpassam os critrios do mtodo positivista, e

    deste com a relao sobre o que se prope a respeito da causalidade na histria. Alm da

    confuso, com relao ao trabalhado do historiador e o trabalho do literato. Mesmo que

    o primeiro apresente elementos ficcionais em sua estrutura, estes no se confundem com

    os elementos ficcionais de uma obra literria. Por isso, ser imprescindvel esta

    diferenciao a que se refere Rsen,

    Para a questo da especificao buscada da narrativa como

    constituio de sentido sobre a experincia do tempo, relevante a

    distino tradicional entre narrativa ficcional e no-ficcional, distino

    essa que bem deve corresponder autocompreenso da maioria dos

    historiadores. Com ela obscurece-se, no entanto, o fato de que na

    historiografia tambm existem elementos ficcionais. Alm do mais,

    essa distino problemtica porque o sentido que constitudo sobre a experincia do tempo mediante a interpretao narrativa est

    alm da distino entre fico e facticidade. Nesse sentido, como j se indicou, mesclam-se tempo natural e tempo humano em uma

    unidade abrangente. (RSEN, 2001, pp. 61-62)

    Assim tambm, Luiz Costa Lima (1989) se refere sobre a questo da narrativa

    histrica. A busca por leis gerais na cincia da histria tira da narrativa seu carter

    eminentemente geral, qual seja, o da explicao, que segundo Luiz Costa Lima, acaba

    por limit-la naquilo que supostamente a toma por negativo,

    O esforo de determinar-se a peculiaridade da explicao presente na

    narrativa face questo da incidncia das leis gerais ainda no o

    bastante porque se limita a caracteriz-la pela negao do que no

  • 26

    (no uma explicao geral que valesse para todos os casos

    semelhantes). A nfase nesta caracterizao negativa resulta de que, implicitamente, estamos governados pela hierarquia entre geral (universal) e particular, em que o segundo termo considerado cognoscitivamente inferior. A tal ponto a lei, encarnao do geral,

    tomada por superior explicao particularizada que, para o resgate

    da especificidade desta, nos esforamos em mostrar sua resistncia

    lei. (LIMA, 1989, p. 49)

    Se o particular resiste lei, ou norma, porque sempre se apresenta como

    contingencial, diverso, irregular. Nesse sentido, se pode falar em lei que abrange a

    cincia da histria, quando esta se constitui numa relao de especificao prpria da

    operao intelectual da narrativa no mundo da vida concreta, de modo que, por lei em

    histria, entende-se sempre uma mudana relativa forma com que a conscincia

    histrica se constitui mediante o entendimento da realidade. Entendimento que se

    refaz sempre em funo da transformao que se d medida que se difundem novos

    sinais de crise, ou resistncia, seja no modo de compreender um objeto ou em lidar com

    o prprio objeto dentro de um paradigma.

    Desse modo, distinguimos uma narrativa ficcional e no-ficcional, dentro

    daquilo que impreterivelmente determinar o discurso historiogrfico de acordo com

    suas intenes no tempo. O que podemos identificar como o que configura o discurso

    historiogrfico segundo essas intenes, perpassa aquilo que forma a conscincia

    histrica, ou seja, os critrios determinantes das representaes de continuidade.

    Para Rsen (2001), essas representaes de continuidade so veiculadas dentro

    da narrativa histrica, sob o critrio de identidade, que produzem um sentido da

    narrativa (histrica), a fim de poderem orientar-se no tempo. Esta orientao mediada

    pela lembrana e pela memria, que define aquele tipo de identidade a ser referida de

    modo que os indivduos no se percam e se mantenham firmes no fluxo do tempo.

    Temos assim, uma definio daquilo que compem a narrativa historiogrfica, segundo

    Rsen,

    a conscincia histrica constitui-se mediante a operao, genrica e

    elementar da vida prtica, do narrar, com a qual os homens orientam

    seu agir e sofrer no tempo. Mediante a narrativa histrica so

    formuladas representaes da continuidade da evoluo temporal dos

    homens e de seu mundo, instituidoras de identidade, por meio da

  • 27

    memria, e inseridas, como determinao de sentido, no quadro de

    orientao da vida prtica humana. (RSEN, 2001, pp. 66-67)

    Mas, dentro dessa configurao do narrar, o problema do que definimos como

    constitutivo de uma narrativa histrica emerge da prpria considerao que damos em

    relao ao que a define empiricamente, ou seja, seus feitos. E ai, identifica-se onde a

    cincia da histria oscila quanto busca da sua pretensa cientificidade. Entre um

    subjetivismo das intenes humanas presentes e destas em relao ao futuro, e um

    objetivismo reflexo de estruturas temporais do agir humano na conscincia dos

    agentes10

    .

    a um sentido pluralista da histria que Rsen (2001) se refere, e que aqui nos

    servir para indicar o caminho da narrativa histrica. Como potencial interpretativo da

    conscincia histrica, ela foge ao que a constitui de modo arbitrrio (tendncias do

    positivismo lgico dedutivo) e estabelece uma relao equilibrada entre memria e

    experincia. Relao essa que encontra no passado a matria bruta de histrias

    produzidas para fazer sentido, e que em si, j dotado de sentido, na medida em que a

    ela (memria e experincia) se refere diretamente e lhe d continuao.

    No entanto, essa relao no suficiente para determinar o que constitui a

    narrativa como fundamento da conscincia histrica. O prprio Rsen (2001) argumenta

    sobre essa questo, quando diz que a conscincia histrica no se refere, sobretudo ou

    exclusivamente ao passado, mas uma interdependncia entre passado, presente e futuro,

    de modo que s nessa interdependncia os homens conseguem orientar sua vida, no

    tempo. Podemos dizer ento, que a narrativa do ponto de vista da histria enquanto

    conhecimento, s diz respeito ao passado e ao presente. O futuro est relacionado

    ao.

    Tem-se que, o problema da Histria, concebida como um conjunto, ordenada

    temporalmente, no reside na orientao das metanarrativas da concretizao de um fim

    na Histria, mas sim, na direo de nossas aes no presente a fim de vislumbrar um

    futuro com mais possibilidades de aes positivas (colocando nesses termos).

    Mas, nesse vislumbrar um futuro de possibilidades (positivas), a orientao do

    agir antes mesmo do ato de narrar, pressupe uma ideia que j est inserida na prpria

    10

    Idem, p. 70.

  • 28

    ao, de que fala Rsen (2001). Assim, para cada elemento de partida de uma ao,

    encontram-se elementos outros, de outras aes, anteriores, de tal modo que cada ao

    se articula com os efeitos de aes j realizadas. a tradio que garante um sentido de

    proximidade entre o passado e as intenes determinantes do agir presente.

    A tradio o passado presente nos referenciais de orientao da vida humana

    prtica, sem, contudo, ter a conscincia de que passado, seno como presente puro e

    simples, na atemporalidade manifesta. A tradio resume at aqui, tudo o que vimos em

    relao experincia do tempo e as intenes no tempo, da transformao do tempo

    natural em tempo humano. De tudo o que envolve a lembrana e a memria em relao

    ao modo como nos orientamos em nossas vidas prticas. De modo que, ela que

    constitui a unidade imediata entre essas polaridades, a recuperao do tempo ainda

    antes de quaisquer resgates do tempo realizados pela conscincia histrica.

    Mas entre aquilo que determina a tradio, e a necessidade de conscincia

    histrica, existe uma relao de superao. A necessidade de conscincia histrica

    supera a tradio, medida que sua orientao temporal no mais suficiente. Quando

    esse passado, inferido pela tradio enquanto presente, j no basta para que se possa

    agir com segurana.

    Assim sendo, sempre a intencionalidade da vida prtica dos homens, que

    constitui a conscincia histrica como algo universalmente humano, cuja historicidade

    vai sempre alm do que o caso, por exemplo, da tradio. O que constitui a

    conscincia histrica como universal essencialmente as mudanas do homem e do

    mundo, determinadas pelo agir, que no obstante, no podem ser redutveis a leis

    universais, com as quais poderia ser tecnicamente controlado. O supervit de

    intencionalidade11

    caracterstico da ao, que constitui a conscincia histrica, escaparia

    sempre dominao, ao mbito do controle.

    Ora, se a conscincia histrica em sua universalidade determinada por aquilo

    que escapa ao controle, o supervit de intencionalidade, porque o homem, em sua

    imediaticidade concreta, sempre est transformando o tempo natural em tempo humano.

    Ento, por tudo isso que a conscincia histrica se torna essencial e nesse sentido

    universal: justamente porque as experincias do tempo e as intenes no tempo so

    superadas nos processos da vida humana prtica, e a orientao no tempo por meio dos

    11

    Grifo nosso.

  • 29

    contedos prvios da tradio no basta, que a conscincia histrica se faz

    necessria. (RSEN, 2001, p. 80).

    No entanto, qual a relao entre a conscincia histrica e narrativa, que

    procuramos estabelecer aqui, com a universalidade do conceito de Histria? Se ao

    caracterizarmos a conscincia histrica em sua universalidade, dada pelo supervit de

    intencionalidade, a narrativa enquanto mtodo da teoria da histria tambm universal

    no sentido de que atravs dela que conhecemos e interpretamos a conscincia

    histrica.

    Ao prefixo meta se relaciona o sentido atribudo a esse supervit de

    intencionalidade, cujo direcionamento produzido pela conscincia histrica est na

    representao de continuidade entre as aes do passado e as do presente, de forma que

    se abram perspectivas de futuro. No que se refere s perspectivas de futuro, onde se

    insere nossa crtica, j que enquanto discurso metanarrativo no o futuro que se abre

    como perspectiva final, mas sim a possibilidade de direcionar nossas aes para um

    futuro mediado por elas.

    A conscincia histrica, como metanarrativa, o pressuposto da prpria

    tradio, unidade temporal, que diante das mudanas relativas experincia do tempo e

    a inteno no tempo, num dado momento tendem a desagregar essa mesma unidade.

    Entretanto, a prpria conscincia histrica, enquanto crtica da unidade temporal,

    que em funo de novas carncias, ocasionam vises novas do futuro e,

    consequentemente, um novo recuo ao passado. Desse modo, o passado como passado

    torna-se enfim possvel, e narrativa preserva-se sua funo histrica. Ela se torna

    meta, medida que o tempo passado assume a funo interpretativa que a tradio

    no tem como exercer, abrindo novos leques de interpretao para o futuro, e de

    orientao da vida prtica humana.

    A essa verso meta da Histria, temos o objeto do conhecimento histrico-

    cientfico. Isto porque, a histria em sua verso cientfica, tambm recorre a pretenses

    de validade, que tornam seu discurso, objeto vlido da narrativa histrica. Resta-nos

    saber, no entanto, que tipo de validade cientfica pretendido pelo pensamento

    histrico, j que este pode e deve por princpio, ser hipostasiado a todo pensamento

    histrico. a sua condio de hipstase que define o carter universal da cincia da

    histria, que pode parecer supor uma contradio em relao validade assumida pelas

    cincias ditas positivas, mas que se resolve medida que narrativa que se recorre

    enquanto pretenso de validade de todo discurso cientfico. De acordo com Rsen,

  • 30

    No fosse assim, tampouco se poderia falar de validade universal do conhecimento histrico da cincia da histria, pois esta valeria

    ento somente para os que fizessem cincia e que, por certas razes,

    estivessem em condies de aceitar a pretenso de validade especfica

    da cincia como coincidente com sua prpria pretenso. O pathos todo

    da cincia e, com ele, o que torna compreensvel, faz valer a pena e

    justifica toda a mobilizao cientfica, residem na circunstncia de

    ambos produzirem resultados sob a forma de um conhecimento

    histrico cuja pretenso de validade tem de ser partilhada por todos

    que exigem, das histrias, que elas valham. Justamente por isso se

    impe, ao se tencionar o que a histria como cincia, que se v alm

    dela ou para seus bastidores, perguntando-se pelas pretenses de

    validade do pensamento histrico que se encontram em seus

    fundamentos existenciais. (RSEN, 2001, pp. 85-86)

    O que fundamenta todo o discurso cientfico em Rsen (2001), e junto a este a

    cincia da histria, justamente que a narrativa em si, enquanto constructo da

    conscincia histrica abrange em toda sua extenso, as pretenses de validade de todas

    as cincias em geral. Luiz Costa Lima (1989) tambm se aproxima dessa abordagem, ao

    apontar a necessidade nos dias de hoje, do cientista repensar a relao de seu campo

    com a prpria narrativa. Assim, de acordo com este autor,

    Sumariamente a narrativa consiste no estabelecimento de uma

    organizao temporal que afeta e ordena o diverso, acidental e

    singular. (...). Se a categoria do tempo pois fundamental na

    narrativa, se ela, ademais, implica uma ordem sobre o que se mantm

    acidental e no incorporvel formulao genrica de uma lei, que

    ento pode significar a quebra da lua-de-mel da cincia com o

    determinismo seno que, em algum momento, o cientista

    contemporneo ter de repensar a relao de seu campo com a

    narrativa? (LIMA, 1989, p. 114).

    Assim o autor identifica o momento de urgncia da narrativa que enquanto

    produo de sentido, as cincias em geral organizam o que particular e acidental.

    Nesse sentido, Lima j aponta o caminho que essa extenso da narrativa pode acarretar

    e que acaba por resumir toda exposio at aqui:

    Que vantagens e/ou desvantagens essa extenso da categoria da

    narrativa apresenta? So claras as desvantagens: medida que a

    narrativa j no se confunde com um nico campo discursivo o da

  • 31

    literatura, na viso corriqueira ou no se restringe a campos contguos mas distintos os da historiografia e da fico -, torna-se maior o risco de no se distinguirem suas incidncias legtimas. (Isso

    para no falar do problema ento iminente de no se saber distinguir

    entre legtimo e normativo). Quanto s vantagens, restringimo-nos a

    duas: (a) a extenso dos limites da narrativa, a sua incidncia, como

    produo de sentido onde leis no se firmem, no campo da prpria

    cincia dura, potencialmente ajuda ao ultrapasse da viso piramidal acerca dos diferentes discursos. Essa viso piramidal, tendo as

    cincias exatas em seu pice, prejudica uma viso crtica, desde logo

    dos limites da prpria cincia. Seus efeitos no so desprezveis no

    territrio da prpria poltica; (b) ao passo que a ratio moderna, pelo

    casamento da cincia clssica com a filosofia kantiana, concebe o

    tempo como mensurvel e abstrato, o reconhecimento da extenso da

    narrativa pode funcionar como estmulo para a valorizao do que se

    enraza no particular, do que se d no interior de um tempo concreto,

    que a prpria vida. (LIMA, 1989, pp. 115-116)

    Nesse aspecto, chega-se no intuito dessa exposio sobre o que vem a ser

    narrativa e seu sentido meta nas filosofias da histria. De modo que, no a uma

    crtica negativa que se pretende chegar sobre o sentido constitudo das metanarrativas,

    mas o carter da intencionalidade da ao no futuro que elas foram subordinadas.

    O significado na Histria: inteno e potica da narrativa histrica12.

    Assim a filosofia substantiva da histria, que aqui nos interessa como objeto da

    crtica. Isto porque, fundamentalmente constituda segundo critrios de validade

    cientfica pretensamente universal, ultrapassou os prprios limites da realidade emprica

    e cognitiva lgica da histria. Para uma explanao da crtica, partimos da anlise feita

    por Arthur Danto (1989), para quem uma filosofia da histria assim, uma explicao

    de todo o conjunto da histria, o que envolve todo o seu passado e todo seu futuro.

    Seguindo a sugesto do autor, identificam-se dois tipos de teorias a partir dessas

    consideraes: as descritivas e as explicativas. Ambas, sendo constitudas pela narrativa

    12

    Distinguem-se, dentro da filosofia da histria, dois tipos de investigao do pensamento histrico. So

    elas a filosofia substantiva da histria e a filosofia analtica da histria. A primeira se vincula a prpria

    tarefa dos historiadores, que em sua prtica procura dar conta dos fatos ocorridos no passado e da, sugere

    uma explicao de todo o conjunto da histria. A filosofia analtica da histria o modo de anlise dos

    problemas conceituais referente filosofia substantiva da histria, que surgem tanto da prtica historicista

    a ela subjacente, bem como do discurso por ela evocado.

  • 32

    acabam por incorporar aquela mescla de elementos tanto ficcionais como no-

    ficcionais, citados por Rsen (2001). Contudo, isto no desconsidera o fato da narrativa

    ser constituinte do pensamento histrico, mas predispe a uma concepo de

    metanarrativa capaz de esclarecer todo o mistrio e sentido do devir histrico. quilo a

    que Rsen se referia, da transformao do tempo natural em tempo humano13

    .

    Enquanto a teoria descritiva dos acontecimentos histricos parte daquilo que

    constitui todo o passado, e remete a um padro que se projeta no futuro, o que desse

    passado conhecemos, a teoria explicativa, procura dar conta desse padro em termos

    causais. Por isso, que, uma teoria explicativa no se faz sem estar conectada com uma

    teoria descritiva14

    . De maneira que, constitui-se enquanto uma filosofia da histria15

    ,

    porque a esta se encontra ligada uma teoria explicativa causal, que segue um padro

    determinado por um processo de descrio, relacionado ao conjunto de todo o passado,

    e de todo o futuro histrico.

    Chegamos ao ponto em que a filosofia substantiva da histria torna-se cincia da

    histria. Isto porque a ela, agregam-se os valores da observao cientfica e do carter

    da cincia terica, constituda segundo a compreenso cientfica de Kepler e de Newton.

    A ambos os autores creditou-se o aspecto revolucionrio do pensamento cientfico, da

    busca de leis gerais e causalidades internas especficas a essas leis. De modo que, esse

    critrio cientfico tambm foi concebido pelos filsofos da histria, como tendncia a

    buscar leis gerais do processo histrico como um todo, segundo explicaes causais

    internas refletidas no seu aspecto exterior. Assim, mais do que reunir dados histricos e

    reduzi-los a um padro determinado, se intencionava predizer e explicar todos os

    acontecimentos histricos futuro.

    13

    A conscincia histrica , pois, guiada pela inteno de dominar o tempo que experimentado pelo homem como ameaa de perder-se na transformao do mundo e dele mesmo. O pensamento histrico ,

    por conseguinte, ganho de tempo, e o conhecimento histrico o tempo ganho. (RSEN, 2001, p. 60). 14

    Arthur Danto cita o exemplo do Marxismo como sendo uma filosofia da histria, por apresentar tanto

    elementos descritivos quanto explicativos. No entanto, apenas uma teoria da histria, j que o padro

    que descreve o sentido de causalidade na histria, a luta de classes, no ser suficientemente capaz de

    explicar e prever o futuro enquanto fim da histria. No sentido de filosofia da histria que estamos elucidando aqui, a questo abarca tanto todo o passado, como todo o futuro histrico enquanto fim

    idealmente atingido. E ao Marxismo, atribuiu-se tal idealizao. 15

    El marxismo es una filosofa de la historia y exhibe ciertamente ambos tipos de teoras, la descriptiva y la explicativa. Considerada desde el punto de vista de la teoria descriptiva, la pauta es la del conflicto de

    clases, en que una clase genera sua antagonista a partir de las condiciones de su propria existencia y es

    superada por ella: toda la historia es la historia de la lucha de clases, y la forma de la historia es dialctica. Esta pauta perdurar en la medida en que sigan operando ciertas fuerzas causales con

    diferentes factores econmicos es lo que constituye la teora explicativa del marxismo. Marx predijo que

    la pauta llegara a su fin en un momento futuro, porque los factores causales responsables de su

    permanencia dejaran de ser operativos. (DANTO, 1989, p. 31)

  • 33

    No entanto, Arthur Danto (1989) j caracteriza a tarefa do filsofo da histria como

    mesquinha para com a histria mesma. O historiador lida com os fatos do passado, e

    do futuro, quando este se converte em passado. E, contudo, no se pode reunir dados

    acerca do futuro, porque de fato, a ele no se tem dados sobre. Para Arthur Danto,

    isto fica muito claro quando ele aponta a que tipo de programa, pretendem as filosofias

    da histria responder,

    Las filosofas explicativas de la historia, incluso las que han sido ms

    influyentes, son poco ms que programas para teoras an por

    formular, no digamos comprobar. Por otro lado, si pensamos em las

    explicaciones histricas comunes (y no slo en las mejores de ellas),

    parecen ejemplares muy desarrollados de su proprio gnero, que

    satisfacen criterios aplicables a ese gnero y que resaltan la forma en

    que las filosofas de la historia fracasan miserablemente em satisfacer

    los criterios de uma teora cientfica. (DANTO, 1989, p. 36)

    No obstante, fato que na histria exista algo similar classe de atividade com a

    qual se compara a histria em seu conjunto na concepo que estamos considerando.

    Assim, subjacente a ela existe a inteno de organizar os fatos conhecidos em padres

    coerentes, de modo que apresentam elementos comuns tanto das teorias cientficas, bem

    como das filosofias da histria.

    Nesse sentido que as narrativas histricas correspondem aos critrios de

    cientificidade dessa organizao dos fatos, na medida em que impem certa cronologia

    de modo a produzir padres coerentes de interpretao. esta a crtica que

    identificamos no autor em relao metanarrativa enquanto portadora de sentido

    histrico, de que a ela no se pode atribuir de modo exato uma projeo sobre o futuro,

    mas no mnimo, certa capacidade preditiva. Portanto,

    la distincin entre observacin y teora tiene un correlato em la

    historia. Pueden existir amplias diferencias entre las explicaciones

    histricas y las teoras cientficas, pero no ms amplias, se siente uno

    inclinado a pensar, que las diferencias entre las filosofas de la historia

    y las teorias cientficas. (DANTO, 1989, p. 37).

  • 34

    filosofia substantiva da histria, concebemos o carter meta da narrativa

    histrica. E isto o que diferencia as filosofias da histria e as teorias cientficas.

    Enquanto a teoria pertence a uma categoria que satisfaz critrios diferentes das relaes

    histricas comuns, as filosofias da histria parecem ter mais em comum com essas

    relaes paradigmticas da histria. Da, essas relaes nas filosofias da histria, nos

    sugerir, uma predio e previso, que a prpria histria, enquanto teoria cientfica

    incapaz de estabelecer.

    J aqui, identificamos um dos propsitos deste trabalho: da diferena entre a

    atividade prtica do historiador e a atividade filosfica do filsofo da histria. Portanto,

    do significado atribudo pela narrativa histrica tanto do historiador como do filsofo da

    histria, relaes diferentes, porm constitudas dentro de uma mesma estrutura: a

    narrativa. Tratando-se das filosofias da histria, a questo da narrativa reside no fato de

    que, elas,

    Tienden, de forma tpica, a proporcionar interpretaciones de

    secuencias de acontecimientos que son muy parecidas a las que se

    encuentran en la historia y muy poco parecidas a las que uno

    encuentra em la ciencia. Las filosofas de la historia hacen uso de un

    concepto de interpretacin, que, me parece a m, no sera muy

    apropiado en la ciencia, esto es, un cierto concepto de significado. Es decir, pretenden descubrir lo que, en un sentido del trmino

    especial e histricamente apropiado, es el significado de este o aquel acontecimiento. (DANTO, 1989, p. 39)

    O problema est, portanto, no sentido do significado que atribumos em relao ao

    prprio acontecimento. At que ponto, tal acontecimento significativo para a

    conscincia histrica? Qual o sentido do significado de algum acontecimento para o

    pensamento histrico, para a conscincia histrica? Ter ele sentido, no final do

    movimento histrico? Ou ser ele parte constituinte desse movimento? Ou

    simplesmente, no ter significado nenhum?

    A diferena essencial em relao ao que entendemos como significado da

    histria, da sua unidade e sentido remete diferena entre o significado ltimo da

    histria, e do significado de um simples enunciado, palavra, frase ou mesmo uma

    orao. Para concebermos um acontecimento como dotado de significao, pressupe-

    se uma estrutura temporal mais ampla, da qual fazem parte. Para Rsen (2001) esta

  • 35

    estrutura a narrativa histrica, que articula o passado em funo do presente, a fim de

    compreend-lo, e para, atravs dele, projetarmos a ao no futuro.

    Para Danto (1989), um acontecimento s tem sentido de forma retrospectiva. De

    modo que no presente que o acontecimento adquire sentido e significado para ns,

    pois inserido nesta continuidade dada e mediada pela narrativa histrica. Assim, ele

    pode significar algo ou no significar nada, medida que a ele no atribudo

    significado dentro dessa mesma continuidade, j que no faz progredir a ao. Ou ento,

    como coloca Danto (1989), o acontecimento adquire significado especfico e

    determinado somente com respeito obra em seu conjunto, ou seja, em sua

    continuidade.

    Mas aqui, chegamos a um impasse: porque exatamente esta viso da obra em seu

    conjunto, do fato em sua totalidade, que escapa viso do historiador e do prprio

    filsofo da histria. De modo que, qualquer acontecimento fica margem da anlise que

    corrobora sua existncia diante da totalidade, sempre esperando pra confirmar ou no

    suas razes de ser.

    Assim, a tarefa do historiador uma constante reviso de suas afirmaes,

    referentes a tal ou qual acontecimento histrico, luz do que sucede posteriormente,

    diferentemente do filsofo da histria: tendo diante de si, o fragmento de todo o

    passado, o relaciona a uma concepo de totalidade da histria, de todo o passado e

    futuro. E, nesses termos, de acordo com Danto, o filsofo da histria,

    Piensa en trminos del conjunto de la historia, y trata de descubrir a

    qu se podra parecer la estructura de esta totalidad basndose solo en

    el fragmento que ya tiene, y al mismo tiempo, trata de decir cul es el

    significado de las partes de ese fragmento a la luz de la estrutuctura

    total que ha proyectado. (DANTO, 1989, p. 41)

    Essa forma de conceber a histria segundo Danto, profundamente teolgica16

    . E de

    fato, essa caracterizao teolgica das filosofias substantivas da histria, e daquilo que

    fundamenta suas asseres e predies sobre o futuro, o supervit de intencionalidade, o

    que determina a diferena dos seus enunciados. Neste aspecto, o enunciado acaba por

    16

    Estoy completamente de acuerdo con la afirmacin del profesor Lwith de que esta forma de concebir el conjunto de la historia es esencialmente teolgica o que, en cualquier caso, tiene propriedades

    estructurales en comn con las concepciones teolgicas de la historia, a la cual se considera in toto, como

    correspondiente a algn plan divino. (DANTO, 1989, pp. 41-42)

  • 36

    definir aes no futuro, aes esperadas, muitas vezes conhecidas como profecias. o

    significado que as contm que definem uma concepo acerca da totalidade da histria

    no mnimo equivocada e ambiciosa da escrita da histria. Assim, a semelhana de suas

    narrativas consiste no uso do significado dos acontecimentos, que segundo Danto

    (1989) injustificado nas filosofias da histria.

    Neste caso, injustificadas porque pretensiosas. Mas as filosofias da histria

    modernas mostraram que grandiosidade segue-se por trs, um discurso de poder que

    procurou abarcar todas as civilizaes da histria, numa s totalidade, num s objetivo

    final. Com isso, especificidades histricas, foram deixadas de lado, e da unicidade dos

    fatos narrados, seguiu-se universalidade da narrativa histrica.

    At aqui, torna-se indubitvel o fato de que a narrativa histrica, ou o relato como

    denomina Danto (1989), constitui o contexto natural, no qual os acontecimentos

    adquirem significao histrica. Se aos critrios de validade da narrativa preciso que

    os acontecimentos passados adquiram significado no presente, devido ao fato de que,

    no presente, tem-se uma relao de posteridade com os fatos passados correlacionados.

    O presente relaciona-se com o passado de forma correta, pois a ele encontra-se

    ligado, e determinado. Da tem-se uma relao presente-passado no mnimo pr-

    determinada, e no aluses a acontecimentos que no se realizaram em funo da

    prpria situao do relato. E este sentido, que segundo Danto, violado de alguma

    forma pelas filosofias substantivas da histria,

    Utilizando el mismo sentido de significacin que los historiadores

    usan, presuponiendo que los acontecimientos se sitan en un relato,

    los filsofos de la historia buscan la significacin de acontecimientos

    antes de que hayan sucedido los acontecimientos posteriores, en

    conexin con los cuales los primeros adquieren significacin. El

    modelo que proyectan sobre el futuro es una estructura narrativa. En

    suma, tratan de contar el relato antes de que el relato pueda ser

    propiamente contado. (DANTO, 1989, p. 46)

    O filsofo da histria pressupe acontecimentos ainda no realizados, pela prpria

    condio do relato, que toda a histria. Assim, dentro dessa estrutura narrativa, o

    acontecimento tem significado j determinado, porque inserido no relato. A descrio

    tem como referncia os acontecimentos dados como posteriores, ou seja, descritos num

    momento futuro, sem, no entanto, terem ocorrido. Por isso o futuro pertencer a certa

  • 37

    classe de afirmaes, porque definitivo no contexto do relato, ou seja, pressupe a

    realizao do seu fim absoluto. De modo que, mesmo no tendo significado imediato o

    acontecimento, aquele j est dado, medida que a ele, pressupe-se um futuro j

    determinado pelo relato da narrativa histrica.

    Mas o que diferencia uma filosofia substantiva da histria a posio entre o

    significado da histria, e na histria. Quanto ao primeiro, j est dado no prprio relato

    como colocado acima. Em relao ao significado na histria, admite-se que o

    acontecimento esteja preparado para aceitar um contexto no qual ele se torna

    significativo. Frequentemente, o contexto em que o acontecimento se torna

    significativo, em realidade limitado, ou seja, pressupe um contexto ainda que amplo,

    particular, pois se refere a uma realidade da qual o acontecimento apenas uma parte.

    No entanto, a questo est na compreenso que se tem da totalidade da histria.

    Porque se um contexto amplo, mesmo que particular pode constituir uma totalidade,

    esta, contudo, no constitui a totalidade da histria17

    como pensada pelos filsofos da

    histria. Pois o acontecimento, como colocado acima pode ser apenas parte desta

    totalidade, e no a totalidade da histria. Isto gera um equvoco, segundo Danto, no

    modo de lidar com esta concepo da totalidade da histria:

    Existen contextos ms o menos amplios, pero la historia, considerada

    como totalidad, es sin ms el contexto ms amplio posible, y

    preguntar por el significado de la totalidad de la historia equivale a

    privarse del marco contextual en el cual son inteligibles esos

    requerimientos. Porque no existe un contexto ms amplio que la

    totalidad de la historia en el que se pueda situar la totalidad de la

    historia. (DANTO, 1989, p. 48)

    Assim, a totalidade da histria a prpria histria. No h um plano divino, um

    significado no-histrico, atemporal, que possa reivindicar o significado da totalidade

    da histria. No entanto, o mistrio subjacente a ideia de um plano divino que envolve

    a prpria concepo de histria, que aqueles tomam para si, como constituidora de sua

    totalidade. a autoconscincia do mistrio, que se resolve enquanto sentido do absoluto

    17

    Grifo nosso. No sentido de estabelecer a diferena entre o que entendemos como totalidade da histria,

    no caso, os variados contextos histricos em sua totalidade peculiar e especfica, e uma totalidade da

    histria que engloba todos os contextos num s.

  • 38

    na histria, cuja compreenso est dada na prpria filosofia da histria que lhe subjaz, e

    que projeta no futuro, o sentido de felicidade eterna, portanto, do fim da histria.

    Por trs desta concepo temos a ideia da secularizao crist da filosofia

    substantiva da histria. Os acontecimentos se inserem dentro de uma narrativa de

    significado nico, que predispem a descrever algo, baseado em previses futuras

    acerca do passado. No entanto, esta atividade da descrio dos acontecimentos

    futuros, ou seja, daquilo que pode acontecer, mesmo no tendo acontecido, ou no

    mnimo prev-los, que parece confusa na filosofia substantiva da histria.

    Destarte, em relao a intencionalidade do modo como os filsofos substantivos

    da histria a concebem que Danto (1989) direciona sua crtica. Para o autor um erro

    descrever um acontecimento antes mesmo de ele ter acontecido. De modo que a

    descrio, refletida nas afirmaes sobre o futuro que fazem os filsofos da histria, no

    so as mesmas que fazem os historiadores. Para estes, o passado se refere ao futuro,

    enquanto passado, de maneira a orientar a ao no presente para uma melhor

    compreenso dela no futuro. Enquanto o filsofo da histria faz referncias a

    acontecimentos passados de modo a prever e descrever acontecimentos futuros, sem que

    estes tenham ocorrido.

    A questo do significado na histria segue, portanto, critrios que fogem a narrativa

    nica da totalidade da histria, j que se baseiam em fatores de conveno e

    arbitrariedade que escapam a uma nica localizao temporal, alm dos interesses que

    regem o que e o que no histrico segundo as intenes humanas. De fato, a

    pretenso de cientificidade das humanidades em geral, e da histria em particular, levou

    a filosofia, por seu discurso metafsico e universal, a incorporar a histria dentro de uma

    metanarrativa que garantisse o sentido dos acontecimentos.

    E assim, do sentido de universalidade das metanarrativas tem-se uma

    descaracterizao de outras temporalidades e do sentido histrico a elas relacionado.

    Assim, quando Rsen (2001, p. 61) considera a narrativa com