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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS
FACULDADE DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
MESTRADO
FILOSOFIA DA HISTRIA EM FREDRIC JAMESON:
UMA CRTICA S APORIAS DO PS-MODERNISMO
Goinia
2010
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ANA BEATRIZ CARVALHO BAIOCCHI
FILOSOFIA DA HISTRIA EM FREDRIC JAMESON:
UMA CRTICA S APORIAS DO PS-MODERNISMO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps -
Graduao em Histria da Universidade Federal de
Gois como requisito para obteno do grau de
Mestre em Histria.
rea de Concentrao: Culturas, Fronteiras e
Identidades
Linha de Pesquisa: Identidades, Fronteiras e Culturas de migrao.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Oiti Berbet Jnior
Goinia
2010
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao na (CIP)
GPT/BC/UFG
B162f
Baiocchi, Ana Beatriz Carvalho.
Filosofia da histria em Fredric Jameson [manuscrito] : uma
crtica s aporias do ps-modernismo / Ana Beatriz Carvalho
Baiocchi. - 2010.
xv, 139 f.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Oiti Berbet Jnior.
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Gois, Faculdade de Histria, 2010.
Bibliografia.
1. Jameson, Fredric, 1934- 2. Ps-modernismo 3. Metanar-
rativa 4. Economia marxista 5. Comunismo 6. Socialismo I.
Ttulo.
CDU: 330.85
5
ANA BEATRIZ CARVALHO BAIOCCHI
Filosofia da histria em Fredric Jameson:
Uma crtica s aporias do ps-modernismo.
Dissertao defendida pelo Programa de Ps-Graduao em Histria, nvel Mestrado,
da Faculdade de Histria da Universidade Federal de Gois, aprovada em ____ de
_____ de _______ pela Banca Examinadora constituda pelos seguintes professores:
___________________________________________________
Professor Doutor Carlos Oiti Berbert Jnior
Presidente
___________________________________________
Professor Doutor Luiz Srgio Duarte da Silva
Membro
___________________________________________
Professor Doutor Eliezer Cardoso de Oliveira
Membro
_____________________________________________
Professor Cristiano Pereira Alencar Arrais
Suplente
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de em poucas palavras agradecer sinceramente a algumas pessoas que
num momento bem peculiar da minha vida foram fundamentais para que este trabalho
fosse iniciado e hoje, devidamente concludo. No s as pessoas, mas a instituio que
desde o incio da minha formao me acolheu, e na qual tenho um vnculo eterno de
gratido e respeito, cujo apoio e amparo foram imprescindveis para a realizao dessa
dissertao.
Primeiramente a trs professores em especial, que j naquela poca da graduao
foram fundamentais para a minha formao e para a escolha do objeto dessa
dissertao. Ao meu professor e orientador doutor Carlos Oiti Berbert Jnior pelas
aulas incrveis de Introduo aos Estudos Histricos e por despertar em mim a paixo
que tenho hoje pela Histria. Por sua pacincia e compreenso infindas sem as quais
com certeza no sei se teria sido possvel concluirmos esse trabalho. Ao professor Luiz
Srgio Duarte da Silva pela ateno dispensada, pelas horas de conversa sobre os temas
aqui abordados, por sua co-orientao e colaborao que de fato foram bastante
significativos. E principalmente por sempre ter apostado e acreditado em mim. E por
ltimo, o professor Joo Alberto da Costa Pinto a quem devo minhas sinceras gratides,
j que foi meu orientador na graduao e quem de fato, me apresentou o referente objeto
dessa dissertao. Em relao ao programa de ps-graduao da Faculdade de Histria
deixo meus sinceros agradecimentos a Neuza Lima pelo carinho e pela prontido em
ajudar nas horas mais complicadas do processo em questo. Alguns amigos que durante
todo o Mestrado acompanharam minha aflio, se tornando essenciais nesse processo de
amadurecimento intelectual e pessoal: George Leonardo Seabra Coelho, Dominique
Vieira dos Santos e Fernanda Pereira Cavalcante. E em especial a minha famlia: aos
meus pais, Ivam Baiocchi Filho e Willene Carvalho Baiocchi, a quem devo tudo o que
sou hoje, e a minha irm Marcela Baiocchi pelas colocaes pontuais e objetivas em
relao ao meu estilo de escrita. Por fim, a Universidade Federal de Gois e a CAPES,
pelo apoio financeiro em parte desta pesquisa.
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RESUMO
FILOSOFIA DA HISTRIA EM FREDRIC JAMESON:
UMA CRTICA S APORIAS DO PS-MODERNISMO
O objetivo central deste trabalho passa pela tentativa de retomar o problema do
discurso filosfico marxista, qual seja, da realizao de uma filosofia da histria dentro
de uma discusso ps-moderna de crise dessas metanarrativas. Nesse sentido a escolha
do autor Fredric Jameson est intimamente relacionada com seu posicionamento em
relao ao debate sobre o ps-moderno. Contrariando todas as expectativas em relao
s teorias ps-modernas de crise das metanarrativas, o autor procura pensar o ps-
moderno de modo menos pessimista numa tentativa de refletir sobre o discurso marxista
e sua relao com a histria. Assim sendo, a apreciao em relao ao conceito de
totalidade perpassa antes uma crtica s categorias tericas do modernismo (sua
ideologia e utopia intrnsecas), mais do que ao processo de totalizao do prprio
sistema. Diante disso, os questionamentos de Fredric Jameson em relao s teorias
ps-modernas reconduzem a anlise da superestrutura dos fenmenos artsticos e
textuais, o que lhe permite dispor de uma viso panormica de toda a esfera cultural
contempornea. Dessa perspectiva e pressupondo o ps-modernismo como aliado
cultural do capitalismo avanado, ou tardio, procura-se empreender uma reavaliao
do marxismo a partir da crtica ps-moderna da ideologia e da utopia prprias do alto-
modernismo.
Palavras chave: Ps-modernismo; Metanarrativa; Marxismo; Cultura; Fredric
Jameson.
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ABSTRACT
PHILOSOPHY OF HISTORY IN FREDRIC JAMESON:
A CRITIQUE OF THE APORIA OF POST-MODERNISM
The aim of this study is the attempt to retake the problem of Marxist
philosophical discourse, that is, to implement a philosophy of history in a postmodern
discussion of these metanarrativas crisis. In this sense the choise of the author Fredric
Jameson is closely related to their position regarding the debate on postmodern. Against
all expectations in relation to post-modern theories of crisis metanarrativas, the author
think the postmodern in a less pessimistic in a narrative reflect on what Marxist
discussion and its relationship with history. However, the assessment in relation to the
concept of totality before running through a critical theoretical categories of
modernism (its ideology and utopia intrinsic) rather than the process of aggregation of
the system. Thus, the questions of Fredric Jameson in relation to post-modern theories
renewing him examining the superstructure of artistic and textual phenomena, which
allows you to have a panoramic view over the contemporary cultural sphere. From this
perspective, and assuming postmodernism as an ally cultural of advanced capitalism,
or late, we seek to undertake a reassessment of Marxism from the postmodern critique
of ideology and utopias own high-modernism.
Keywords: Post-modernism; Metanarrative; Marxism; Cultures; Fredric Jameson.
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SUMRIO
Introduo..................................................................................................................... 10
CAPTULO I A CONSTITUIO NARRATIVA DAS FILOSOFIAS DA
HISTRIA.................................................................................................................... 17
Teoria da Histria e Filosofia da Histria: Jrn Rsen e a dialtica da narrativa
histrica.......................................................................................................................... 18
O significado na Histria: inteno e potica da narrativa histrica......................... 31
Filosofia da Histria: a narrativa enquanto sentido do tlos histrico, em Hegel e
Marx .............................................................................................................................. 39
Tempos modernos: triunfo e crise do sentido da Histria......................................... 51
CAPTULO II FREDRIC JAMESON E O MARXISMO OCIDENTAL: OS
FUNDAMENTOS NARRATIVOS DE UMA PR-HISTRIA DO PS-
MODERNISMO........................................................................................................... 72
Cultura e Crtica da dialtica negativa: o sentido do ps-moderno em Adorno, Benjamin
e Schiller......................................................................................................................... 87
Cultura e teoria na modernidade: do alto modernismo ao ps-modernismo................ 110
O ps-modernismo como a metanarrativa do modo de produo do capitalismo
tardio............................................................................................................................ 124
Consideraes finais................................................................................................... 135
Bibliografia................................................................................................................. 138
10
Introduo
Esta pesquisa surgiu a partir da indagao sobre a pertinncia de uma filosofia
da histria dentro do contexto da chamada crise das metanarrativas. Neste sentido, o
papel de Fredric Jameson se torna fundamental na medida em que busca uma reflexo
crtica do momento cultural, ps-moderno, no campo da prpria filosofia da Histria.
Ao analisar a obra de Fredric Jameson, e de coloc-lo como um dos principais
autores que prope uma reflexo crtica do ps-modernismo, a inteno identificar em
seu discurso uma filosofia da histria, que ao apresentar caractersticas escatolgicas e
teleolgicas, busca uma renovao do marxismo em sua crtica aos determinismos
vigentes, tanto ao ps-modernismo quanto ao prprio marxismo. Desse modo, como
pretender uma anlise da metanarrativa (marxista), num ambiente cultural ps-moderno
que reflexo da crise dessas mesmas metanarrativas?
Assim, urge a necessidade de se pensar o que a narrativa da histria de acordo
com uma perspectiva racional. A introduo que segue se resume a falar sobre os
captulos que compem esta dissertao, e questes que norteiam esta pesquisa: no
primeiro captulo, procuraremos identificar o conceito de narrativa que permeou o
discurso das filosofias da histria modernas e que serviram de base a uma concepo do
processo histrico, de teor escatolgico e teolgico.
O mapeamento sobre o surgimento dessa inquietao terica de sua prpria
prtica passa pelas consideraes de autores que sero apresentados ao longo do
trabalho. O dilogo com os referidos autores ser essencial para pontuarmos os
principais aspectos sobre o conceito de filosofia da histria, e da relao deste com uma
concepo de narrativa/metanarrativa histrica, escatolgica e teleolgica. Sem
incorrermos na confuso que distingue as teorias da histria das filosofias da histria e
seu suposto teor escatolgico e teolgico, perceber de que modo as categorias do ps-
moderno passam a questionar uma filosofia da histria, pretensamente universal.
A princpio buscamos identificar, a partir das consideraes de Jrn Rsen
(2001), uma concepo de narrativa, e de sua unidade inerente como constituinte do
conhecimento histrico. A partir da, elencar queles elementos que so comuns, tanto
as filosofias, bem como as teorias da histria, e perceber, de acordo com as
consideraes feitas por Arthur Danto (1989), como essas trs categorias de tempo:
passado, presente e futuro se arrolam dialeticamente numa filosofia da histria.
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Em seguida, passamos anlise das questes que envolvem as concepes de
uma filosofia da histria, principalmente as filosofias da histria caracteristicamente
escatolgicas e teolgicas, a partir das consideraes de Karl Lwith (1977), que
identifica as metanarrativas da modernidade com uma perda inerente do sentido
histrico, qual seja o da ideia da salvao. Esta ideia se vinculava a uma concepo da
narrativa que buscava a unidade temporal dos acontecimentos, de modo a enfrentar uma
dura realidade, da histria como sofrimento, no intuito de nos garantir a salvao eterna
ao seu final.
Com o advento da modernidade, do pensamento racional, da laicizao do
Estado, essa salvao se desloca de uma concepo divina, para uma concepo humana
de salvao, mediada pelas ideias de progresso e razo, e pelas promessas de um futuro
promissor calcado na revoluo tecnolgica. De acordo com Karl Lwith, exatamente
este processo que acarreta num prejuzo metafsico s concepes modernas e ps-
modernas de narrativa. Sendo assim, identificamos como precursoras dessas
concepes, as filosofias da histria de Hegel, e as interpretaes simplistas de certo
tipo de marxismo.
A partir dessas consideraes, procuramos j delinear os primeiros aspectos de
uma concepo de filosofia da histria em Fredric Jameson, que busca fugir s
concepes deterministas das mesmas. Para tanto, comeamos por caracterizar alguns
aspectos do moderno e do ps-moderno, e a crtica que este direciona quele, ou seja, a
concepo de uma histria narrativa, escatolgica e teleolgica.
Nesse sentido, o ps-moderno ressalta o carter vil e opressor que uma ideia
deste tipo de metanarrativa provocou com a conseqente falcia de seus ideais de
progresso, que naquele exato momento no respondiam as angstias do indivduo
interior, mas que se realizariam como promessas futuras. A experincia histrica
mostrou o quo distante estas promessas ficaram longe da realidade concreta do
indivduo. Com a crise das experincias social-democrticas marxistas, este quadro se
agravou culminando na revoluo cultural dos anos sessenta. Como bem coloca David
Harvey (2005), o ps-modernismo uma legitima reao monotonia da viso de
mundo do modernismo universal, geralmente percebido como positivista,
tecnocntrico e racionalista.
Enquanto a narrativa/metanarrativa do modernismo universal tem sido
identificado com a crena no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento
racional de ordens sociais ideais, e com a padronizao do conhecimento e da produo,
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o ps-moderno privilegia a heterogeneidade e a diferena como foras libertadoras na
redefinio do discurso cultural. A fragmentao, a indeterminao e a intensa
desconfiana de todos os discursos universais ou totalizantes o marco fundamental
do ps-moderno (HARVEY, 2005, p.19).
Neste caso, sem nos determos sobre as implicaes inerentes s discusses que
regem uma abordagem interdisciplinar entre histria e narrativa, ambientadas na relao
da histria com a literatura, envolvendo questes sobre epistemologia e cientificidade
bem como aspectos literrios da escrita objetiva/subjetiva de um texto que, de certa
forma, fundamenta as filosofias da histria, no nosso caso, a ideia perceber que tipo de
filosofia da histria perpassa a teoria de Fredric Jameson.
Nossa hiptese de uma metanarrativa em Fredric Jameson (1992), e da defesa de
uma filosofia da histria, que foge aos determinismos vigentes, perpassa um tipo de
hegelianismo que vai alm da sua experincia marxista e de suas consideraes
ortodoxas e objetivistas, as quais obliteraram a realidade histrica e sua componente
subjetiva. Desse modo, Fredric Jameson atualiza e coloca a chamada crise das
metanarrativas sobre novas bases. No se trata, contudo, de apoiar essas posies, mas
destacar o seu papel especfico neste debate que, certamente, ainda no est esgotado.
De fato, um retorno s consideraes hegelianas para Jameson, um retorno a
uma compreenso da realidade, em seu sentido dual, sem, no entanto, ser meramente
unilateral, ou seja, pressupor uma realidade como existente por si mesma, mas sim, em
consonncia com o j existente, numa relao de construo. O que os ps-modernos
compartilham enquanto fragmentos, a despeito da disperso de seu material em estado
bruto1, a prpria historicidade comum, aquele momento da histria que marca e
deforma, de um modo ou de outro, todos os fenmenos culturais que nele se produzem e
se incluem, e que serve de estrutura dentro da qual compreendemos aqueles fenmenos.
Desse modo temos o que caracteriza Fredric Jameson como relevante para a
pesquisa histrica e sua crtica em relao cultura ps-moderna: uma maneira de
dialogar com todas as correntes filosficas sem necessariamente, recair num
dogmatismo que as enquadre em determinismos estanques e vulgares. Um dilogo que
seja capaz de demonstrar o valor da teoria e da prtica renovadas.
Assim, o primeiro captulo sugere uma anlise crtica sobre o que se entende por
filosofias da histria, e o conceito de modernidade que a constituiu enquanto cincia
1 Da situao histrica concreta, a modernidade.
13
terica e prtica pautada em ideais racionais de objetividade e universalidade. Desta
forma, procuramos identificar o momento em que essa concepo de metanarrativa da
histria, determinante das formas de pensar e agir histricos demonstrou sua fragilidade
e ineficcia enquanto ideal a ser atingido. Em meio a essas consideraes, inserir o
debate em relao ao conceito, ou ideia2, de ps-modernismo, e de como ele se insere
dentro das perspectivas tericas, metodolgicas e prticas de uma cincia da histria.
No segundo captulo, procuramos definir uma concepo de narratividade que
perpassa uma primeira anlise das obras de Fredric Jameson, sobre a relao das obras
de arte com a escrita da histria, e sua constituio dialtica intrnsecas. Para tanto,
partimos da anlise de algumas obras que foram sendo selecionadas durante o processo
da pesquisa e que deram incio ao debate em torno do conceito de ps-modernidade,
bem como do seu desdobramento ulterior: Marxismo e Forma, O Inconsciente Poltico:
a Narrativa como ato socialmente simblico e Ps-modernismo: a lgica cultural do
capitalismo tardio. Com isso, pensamos na hiptese de que a defesa de uma filosofia da
histria em Fredric Jameson percorre a ideia a ser defendida de que, se toda narrativa
constituda socialmente, as metanarrativas sugerem atos polticos simbolicamente
constitudos, que do forma e contedo aos perodos histricos.
Nesse sentido, se o ps-modernismo se identifica com um discurso histrico, em
que as metanarrativas no encontram mais sustentao, que o discurso hoje o da
fragmentao e pluralidade dos mesmos, onde se encaixa uma teoria que ao mesmo
tempo integra elementos tanto do ps-moderno, quanto do moderno, em relao
categoria dos universais e da prpria utopia? Identificar em seu discurso uma filosofia
da histria que se pretenda universal e totalizadora se arvorar em um caminho um
tanto perigoso em meio ao debate, mas com certeza, imprescindvel para se colocar em
pauta a prpria inevitabilidade em Histria, da ideia de uma universalidade.
Assim sendo, a ideia escatolgica (sobre o fim ltimo de todas as coisas) e
teleolgica (onde pra tudo isto? Que busca o para que de todas as coisas) no
determinista de uma filosofia da histria segundo Fredric Jameson, se insere na
perspectiva de recuperao do marxismo. Recuperao da sua funo histrica, ou seja,
2 Aqui se verifica a variabilidade do prprio conceito de ps-modernismo, e de sua aceitao, enquanto
categoria de anlise histrica. Seno de uma anlise da histria, ao menos de seu mtodo e prtica de
anlise. Mas ainda no h um consenso sobre se existe um conceito de ps-modernismo, ou se , somente
uma ideia para caracterizarmos o momento em que vivemos. Se se leva em conta, como ideia, h que
considerar o aspecto inerente do prprio conceito de ideia, que o dualismo do conceito: modernismo x
ps-modernismo, por exemplo.
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da realizao da prpria dialtica, que se encontra mediada por todos os campos do
saber. E ai, ele recupera seu sentido histrico.
Em Marxismo e Forma, procuramos identificar as categorias do pensamento
cultural de Adorno, Benjamin e Schiller. A partir desses autores, expomos as categorias
da narrativa, segundo uma definio da dialtica inerente aos processos que so
mediados pela prpria cultura. Ento, na cultura, vista como superestrutura que
percebemos a nova historicidade sendo construda, o evento (Adorno), a reconciliao
tica no prprio indivduo (passado e presente, em Benjamin) e a questo da liberdade
como uma nova hermenutica poltica em Schiller.
Uma relao que est relativamente ligada ao que individualmente ou
coletivamente constitudo, desde sua concepo metafsica e epistemolgica, at suas
mais variadas formas de cultura. Isto incluir uma analogia com o macrocosmo scio-
econmico ou infra-estrutura, como uma comparao implcita em sua prpria estrutura,
permitindo-nos transferir a terminologia deste ltimo para aquele, em maneiras que so
sempre muito reveladoras. A tarefa do crtico literrio marxista exatamente em
demonstrar este funcionamento do contedo dentro da prpria forma, e no como algo
que o transcende, ou que existe fora dele.
J no Inconsciente Poltico:a Narrativa como ato socialmente simblico, o autor
bem claro quanto a realizao de seu projeto: a interpretao poltica dos textos
literrios, ir partir do pressuposto de que apenas uma genuna filosofia da histria
capaz de respeitar a especificidade e a diferena radical do passado sociocultural,
revelando a solidariedade de suas polmicas e paixes, de suas formas, estruturas,
experincias e lutas para com as do presente (JAMESON, 1992, p. 16). E retoma-se
isso para pensar que, em Jameson, a filosofia da histria passa pela forma opervel e
utilizvel no mundo contemporneo consumista e do sistema multinacional; e desse
modo,
[...] a filosofia crist da histria, que surge com fora total na Cidade
de Deus de Santo Agostinho, (413-426 d.C), no mais pode se
vincular de maneira particular a ns. Quanto filosofia da histria de
uma burguesia herica, suas duas principais variantes a viso do progresso que surge a partir das lutas ideolgicas do Iluminismo
francs e aquele populismo ou nacionalismo orgnico que articulou a
historicidade bastante distinta dos povos da Europa Central e Oriental,
e que geralmente se associa ao nome de Herder certamente no esto extintas, mas, no mnimo, esto ambas desacreditadas, devido s suas
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materializaes hegemnicas, respectivamente no positivismo, no
liberalismo clssico e no nacionalismo (JAMESON, 1992, p. 17).
Sobre esse historicismo, o marxismo tambm busca oferecer uma resoluo
filosoficamente coerente e ideologicamente premente a este dilema. Nesse sentido, ele
se insere nas tendncias que procuram dar um relato plausvel do mistrio essencial
do passado cultural. Mistrio que restabelecido se a aventura humana for nica.
Assim, o autor recai numa filosofia da histria metanarrativa da experincia
comum espcie humana, que o prprio instinto de sobrevivncia. E, neste sentido,
ela no mais nem menos determinista, mas definitivamente dialtica recontada dentro
da unidade de uma nica e grande histria coletiva, qual seja, da luta para se alcanar
um reino de liberdade a partir de um reino de necessidade. Segundo Jameson, quando
detectamos os traos dessa narrativa ininterrupta, quando trazemos para a superfcie do
texto a realidade reprimida e oculta dessa histria fundamental, que a doutrina de um
inconsciente poltico encontra sua funo e sua necessidade (JAMESON, 1992, p. 18).
Ento, tambm Jameson est pensando na busca de um projeto de salvao, que
individual e psicolgico, e no universal, em que a nica libertao efetiva desse
controle (da tendenciosa lei da vida social capitalista, que mutila nossa existncia
enquanto sujeitos individuais e paralisa nosso pensamento com relao ao tempo e
mudana da mesma forma que, certamente, nos aliena da prpria fala), comea com o
reconhecimento de que nada existe que no seja social e histrico na verdade, de que
tudo , em ltima anlise, poltico.
Cabe ressaltar o carter multidisciplinar da sua teoria do ps-moderno, que
implica num exame de uma grande variedade de expresses da cultura contempornea,
passando por manifestaes das artes visuais, das articulaes do tempo e de uma nova
concepo do espao, e uma tentativa de articular sua lgica subjacente. Para Jameson,
no mundo fragmentado, preciso fazer como os bancos e bolsas de valores, isto ,
aprender a totalizar. (JAMESON, 2000, p. 6).
Neste sentido, a tarefa bsica hoje discernir as formas de nossa insero como
indivduos em um conjunto multidimensional de realidades percebidas como
radicalmente descontnuas. De modo que, o autor parece identificar um ps-
modernismo pernicioso, em que a verdade da nossa vida social como um todo cada
vez mais irreconcilivel com nossos modos de representao. E pernicioso exatamente
16
por isto, por implicar uma proliferao de teorias do fragmentrio, que acabam
simplesmente por duplicar a alienao e reificao do presente.
Em Ps-modernismo: a lgica cultural do capitalismo tardio, Fredric
Jameson desenvolve com mais acuidade as vrias formas de arte que, sob a rubrica do
ps-modernismo, tem por objetivo mapear o presente e nomear o sistema que
organiza nossas vidas, nossas manifestaes culturais e nossos esforos de compreend-
lo. Sua tarefa neste livro a de chegar a um conceito mediador que cumpra a dupla
agenda de fornecer um princpio para a anlise de textos da cultura e apresentar um
modelo do funcionamento ideolgico geral de todas essas caractersticas tomadas
conjuntamente (JAMESON, 2000, p. 6).
A pretenso aqui analisar os dois conceitos fundamentais que so trabalhados
em Fredric Jameson: a interpretao e a utopia e investigar as suas manifestaes
culturais ps-modernas como uma ideologia funcional para o novo estgio do capital
globalizado, assim como suas configuraes, permitindo ao crtico da cultura
destrinchar os germes de novas formas do coletivo, at hoje quase impensveis. A
interpretao, sendo colocada pela prpria natureza da nova textualidade: quando esta
predominantemente visual (vdeo texto e o noveau roman), parece no deixar espao
para uma interpretao moda antiga e, quando predominantemente temporal, em seu
fluxo total tampouco sobra tempo para a interpretao.
A utopia, sendo uma questo espacial, deveria ser o teste crucial do que restou
de nossa capacidade de imaginar qualquer tipo de mudana. Da a necessidade de
pensar na totalidade, de modo a destrinchar as amarras do pensamento terico
historicizante. De que a prpria fragmentao do discurso s percebida de acordo com
um pano de fundo que a coloque sob seus devidos termos.
Com isso, as anlises a respeito de Fredric Jameson, e de suas obras, nos
serviro para mapear a emergncia do conceito de ps-modernismo que melhor
particulariza a nossa inteno: de esclarecer que o ps-modernismo enquanto teoria e
prtica historiogrfica pertinente ao momento em que nos encontramos, denominado
pelo autor de terceiro estgio do capital. Dessa forma, na sua prtica de crtico de
cultura, evidencia-se a atualizao da vocao histrica do marxismo: estudar o
funcionamento do capital desmistificando o seu movimento continuado de
obscurecimento da conscincia.
17
CAPTULO I
A constituio narrativa das Filosofias da Histria
Muito embora o sentido histrico em sua universalidade seja pensado sobre o
que envolve o conceito de humanidade e do seu futuro, este aspecto geral evidencia as
limitaes e delimitaes da prpria histria enquanto portadora de sentido. Ao longo
dos sculos, as experincias demonstraram que para alm dos horizontes que
enquadram as particularidades do processo histrico, sempre foi patente o desejo de
unidade, de dar sentido ao que parecia no ter sentido.
De modo que pens-las como pertencente a algum plano superior sempre
pareceu algo muito alentador. Assim, a questo que perpassa a nossa pesquisa saber
como a concepo de uma filosofia da histria em Fredric Jameson se constitui e retoma
o debate em torno do determinismo histrico. No entanto, longe de se identificar com as
experincias histricas do sculo XIX e XX, suas teses buscam compreender as
vicissitudes do tempo e a imprevisibilidade histrica, cuja categoria do universal
inserida novamente no mbito do debate.
Sendo assim, a busca por sentido, de um modo geral e por sentido histrico em
particular, uma caracterstica prpria das culturas, tanto no passado quanto no
presente. Desde o momento em que o homem se percebeu como integrante de algo
maior, desconhecido, procurou formas de entendimento da realidade que pudessem lhe
garantir ordem e sentido sobre o caminho a ser seguido. Estas formas no eram
escolhidas aleatoriamente, obedeciam a regras e critrios de seleo e relevncia que
dessem sentido ao acontecimento na sua forma geral. Em certo momento, coube
Histria a atribuio da narrativa dos acontecimentos, conforme uma sequncia objetiva
de simultaneidade ou de sucesso dos contextos, e como portadora de sentido, que
encontrava explicaes globais e coerentes em relao aos fatos escolhidos.
Se, no entanto, a vontade de sentido histrico acompanha o homem desde sua
antiguidade, pode-se dizer que as filosofias da histria acompanham o homem desde o
momento em que ele d valor aos fatos que ele escolhe como relevantes para o contexto
ao qual est inserido. Portanto, o que distingue as concepes de filosofia da histria de
um perodo a outro, a mudana de valores que se opera no mbito da prpria
historicidade do homem e da histria.
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Assim, a questo que se coloca sobre as filosofias da histria, se relaciona com
os mtodos da prpria teoria da histria, e dessas em relao cincia histrica, cujos
fundamentos do valor a uma elaborao sistemtica das definies genricas do que
histria. De modo que atribuio de sentido em relao ao conceito de histria, remete
a relao desta com as concepes de filosofia e teoria do modo narrativo de conceber a
cincia histrica.
No obstante esse carter cientfico da narrativa histrica, que aqui queremos
desenvolver, com o intuito de estabelecermos criticamente s diferenas entre um modo
de narrativa peculiar ao conhecimento histrico e as intenes metanarrativas do
mesmo. Em suma, nosso propsito estabelecer semelhanas e diferenas entre a
narrativa histrica e as metanarrativas para, da por diante, explicitar o papel de Fredric
Jameson nesse debate.
Teoria da Histria e Filosofia da Histria: Jrn Rsen e a dialtica da
narrativa histrica
De uma interpretao da histria, formal e substantiva dos fenmenos, em que se
procurava relacionar os acontecimentos segundo uma descrio lgica interna a prpria
narrativa, tem-se uma produo de vrias histrias paralelas, delimitadas no tempo e no
espao. No obstante, o cruzamento muitas vezes inevitvel dessas narrativas, levava a
uma ideia de unidade, ou de sentido do todo em que viviam.
Mas o desejo de totalidade que elevasse o conceito em busca de um ideal nico,
que pudesse ao mesmo tempo descrever e explicar os acontecimentos segundo uma
lgica causal, foi prefigurado pelas novas filosofias da histria, de sentido moderno. Da
pluralidade de narrativas histricas, seguiu-se a ambio de uma filosofia da histria
que unisse todas essas narrativas a um objetivo comum. Desse modo, a questo que se
colocava, e que ainda se coloca para a Histria a seguinte: como submeter
multiplicidade dos fenmenos histricos unidade, a um mtodo sistemtico, da
universalidade dos fenmenos?
Remo Bodei (2001) identifica algumas dessas formas universais que, ao longo
desse processo, foi se constituindo na unidade das filosofias da histria. Primeiramente,
a unidade poltica, expresso pela experincia do Imprio Romano. O cnon que ordena
os acontecimentos e personagens , portanto, de natureza poltica: gira em torno da
misso de um imprio universal terreno que unifica os diversos povos sob uma nica
19
civilizao. (BODEI, 2001, p. 18) A segunda a concepo crist desenvolvida por
Santo Agostinho. A histria tem um sentido porque Deus e a Providncia dirigem a sua
realizao. exatamente esta viso escatolgica do processo histrico e de sua projeo
bblica, de um cataclismo final, que passa a ser questionado pela razo iluminista, o
terceiro momento do desejo de unidade das filosofias da histria. No entanto, o
Iluminismo ainda conservar uma ideia crist que se encontra por detrs da mo
invisvel da economia e da histria3.
Tais mudanas ganham projeo durante os acontecimentos que se arrolam entre
os sculos XVI, XVII e XVIII. De acordo com Bodei (2001), o Iluminismo mesmo
conservando a ideia crist, por detrs do conceito de razo universal, alterou
significativamente as formas do conhecimento humano sobre o ser e a histria. De fato,
o Iluminismo props uma nova maneira de pensar, um pensar sobre si mesmo, uma
conscincia histrica que deslocou o pensamento de Deus e do mundo, para uma
concepo de Deus e do indivduo. A razo e o esprito unidos para o alcance de um
ideal comum, cujo futuro histrico aparece como meta e fim a serem realizados. como
se as categorias de universal e particular se unissem no indivduo, e dessa
contradio conciliadora, expressasse a totalidade do real sentido da histria.
Esta ideia crist para alm do cataclismo final remete a uma superao das
fatalidades humanas, cujo progresso o modelo propulsor de salvao, pautado nas
perspectivas de previso seguramente garantida pelo modelo de
racionalidade/objetividade tambm nas cincias humanas. Assim como nas cincias
positivas, o mtodo da busca por leis gerais causais, tambm se reflete nas cincias do
esprito. Deste modo, a vontade das aes humanas que se encontram determinadas
por leis universais naturais. Transferidas para uma histria universal, essa prerrogativa
pode determinar uma marcha regular dos acontecimentos e seus movimentos, como um
desenvolvimento continuamente progressivo, mesmo que lento, de suas potencialidades.
O surgimento da fsica newtoniana e do mtodo positivo nas cincias naturais
permitiu a anlise dos fenmenos histricos segundo leis gerais. Da ideia da
universalidade da vontade humana como sendo determinante das aes, buscou-se um
padro que pudesse predizer e explicar todos os acontecimentos da histria futura.
Outro fator foi o conhecimento de novos horizontes do mundo, para alm da cristandade
3 (...) em plena idade das Luzes, quando a mo invisvel da economia e da histria tendem a substituir
a interveno divina ainda dir que os homens escrevem os nmeros do seu destino no quadro-negro, mas a soma, o sentido dos acontecimentos humanos, a efetua sempre Deus. (BODEI, 2001, p.18).
20
europia. Como afirma Bodei (2001, p.24) tal fato geogrfico foi fundamental para a
descoberta de outras culturas, que no a europia, pondo em evidncia a prpria questo
do modo de ser europeu e sua relao frente a essas novas realidades histricas. Relao
de justificao do prprio mtodo cientfico e da sua pretensa universalidade.
O sculo XX foi marcado por uma poca de crise do paradigma moderno, tanto
no campo da cincia de modo geral, como na teoria da histria em particular. Suas
pretenses de universalidade, expressas pela fsica newtoniana e pelas metanarrativas
das filosofias da histria de Comte, de Hegel e as do marxismo (referente suas
interpretaes mais simplistas), entraram em colapso medida que as experincias
histricas no correspondiam s promessas do discurso da modernidade. Desse modo,
nossa inteno identificar como as filosofias da histria constituram um discurso que
corroborasse com as experincias histricas, a partir da defesa de uma razo
universal, que identificava o processo histrico em sua totalidade.
A questo assim colocada nos leva a indagar sobre as filosofias da histria. Em
que sentido elas nos servem como guias, ou formas de organizao que garantem a
universalidade dos fenmenos? E como a pretenso de uma universalidade pode ser
garantida, se a prpria fundamentao de uma filosofia da histria, passa por um lugar
de onde se fala? O ponto que ns queremos chegar de que, independente de como se
coloca o problema, no a pretenso de uma universalidade4 que procuraremos
defender, mas a ideia de totalidade como pressuposto intrnseco para uma definio
de filosofia da histria, que procura atravs da prtica dialtica, a anlise crtica das
formas internas e externas do contedo historicamente dado.
Primeiramente procuramos desenvolver um dos aspectos inerentes ao debate,
que o conceito de narrativa e do modo como ele est inserido dentro de uma discusso
da pretenso da validade cientfica do discurso histrico. Esse modo especfico se
refere a uma filosofia substantiva da histria.
No entanto, a caracterizao do que constitui a narrativa histrica e por ela
constituda, permaneceu fora do ambiente da teoria, pelo menos aparentemente, por se
manifestar como carter ficcional. Outros mtodos deveriam constituir a cincia da
histria, que permitissem um sentido de causalidade lgica e dedutvel prprios das
cincias positivas. No que a isso no se incorresse no uso da narrativa como forma de
4 Sobre a relao entre universalidade e totalidade a reflexo se refere s consideraes mais polticas
do que propriamente filosficas em relao ao sentido da Histria. No entanto, entendemos por sentido
filosfico da Histria, e seu carter de totalidade o aspecto inerente a todo ser, de dar sentido e objetivo s suas aes no presente em relao ao futuro.
21
escrita da Histria. Nesse aspecto, a crtica se dirige a uma metanarrativa que por ter um
carter eminentemente metafsico (no sentido da filosofia idealista de Hegel), deu
sentido e objetivo para as finalidades dos usos da Histria.
Sobre esta relao da narrativa histrica com o elemento ficcional a questo a ser
destacada a do deslocamento do conceito de indivduo e acontecimento na histria,
que muda o sentido da prpria narrativa enquanto estatuto do conhecimento histrico.
Com isso a crtica metanarrativa recai sobre o sentido do indivduo e do
acontecimento em termos absolutos, escapando a prpria histria enquanto uma
realidade mais complexa, entrecruzada, a realidade do social5. Aqui, o sentido desta
apreciao se dirige a certa concepo de histria tradicional, histria-narrao, que
sempre teve a pretenso de dizer as coisas como elas se passaram realmente
(BRAUDEL, 1992, p.24)6. Por isso a narrativa fico porque dissimulada, portanto,
uma autntica filosofia da histria. No entanto, mais que uma crtica a prpria filosofia
da histria e seu sentido teleolgico, um combate metodolgico contra a tradio
positivista na Frana, que o autor direciona suas reflexes7.
Enquanto teoria, a filosofia substantiva da histria, procurou se ocupar com todo
o conjunto da histria. Esse conjunto, constitudo pela unidade narrativa entre passado,
presente e futuro, dado pela tradio, permitia uma conscincia histrica, cujas
intenes do presente deveriam ser revistas. Essa reviso, no entanto, pressups certa
continuidade da narrativa histrica, cujo futuro era percebido como realizao finita do
tlos histrico. Nossa crtica, portanto, se dirige a essa concepo de continuidade
histrica, que pressuposta por essa metanarrativa coloca o problema da intencionalidade
da ao no presente, sob outras perspectivas, determinantes da ao no futuro.
Convm partir das consideraes em relao aos usos da pragmtica do
pensamento histrico, segundo a anlise da obra Razo Histrica: Teoria da histria, os
fundamentos da cincia histrica, de Jrn Rsen. Para este autor, os fundamentos da
cincia da histria, que assumem o papel de uma teoria da histria, perpassam
consideraes de carter geral e sistemtico prprios do pensamento histrico. O
5 Ver BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a Histria. So Paulo, SP. Editora Perspectiva, 1992.
6 Para uma diferenciao entre teoria da histria e filosofia da histria, a partir das consideraes de
Fernand Braudel. No nosso interesse aprofundarmos sobre essas questes em Braudel, apenas para
situarmos as duas concepes no contexto do debate historiogrfico. 7 Para uma reflexo sobre o eclipse da narrativa na historiografia francesa ver RICOUER, Paul. Tempo e
Narrativa (Tomo 1). Campinas, SP: Papirus, 1994, p. 148.
22
pensamento histrico se constitui a partir da sua naturalidade, e a histria entendida
como objeto prprio daquele, em seu modo especificamente cientfico. Portanto,
So as situaes genricas e elementares da vida prtica dos homens
(experincias e interpretaes do tempo) que constituem o que
conhecemos como conscincia histrica. Elas so fenmenos comuns
ao pensamento histrico tanto no modo cientfico quanto em geral, tal
como operado por todo e qualquer homem, e geram determinados
resultados cognitivos. Esses pontos em comum tm de ser
investigados como genricos e elementares, isto , como processos
fundamentais e caractersticos do pensamento histrico. Esses
processos representam a naturalidade corriqueira que se deve sempre
pressupor, quando se tenciona conhecer a histria cientificamente.
(RSEN, 2001, p. 54, grifo nosso)
Rsen (2001) assim define a constituio especfica da cincia da histria, como
um modo particular do processo genrico e elementar da conscincia histrica. No
obstante, se a conscincia histrica se constitui como fundamento da cincia da histria,
sua anlise tem como premissa que nenhuma concepo particular da histria, que
esteja vinculada a alguma cultura em sua especificidade, seja pressuposta como
fundamento da cincia da histria. A conscincia histrica fenmeno do mundo
vital, e, portanto, se relaciona com a vida prtica em sua imediaticidade.
A esta imediaticidade relaciona-se a questo da intencionalidade da ao, tese
desenvolvida pelo autor. A intencionalidade como forma de ao remete prpria
particularidade da cincia da histria, j que o homem deve interpretar suas aes e sua
presena no mundo segundo suas intenes. So elas que fazem a mediao do homem
com o seu tempo, daquilo que Rsen (2001) denomina de supervit de
intencionalidade. So estas intenes, enraizadas nas operaes prticas do agir humano
que so pesquisadas. Assim, ele adquire uma relevncia temporal, na medida em que
constitui a conscincia histrica, que se manifesta sempre que os homens tm de dar
conta das mudanas temporais de si mesmo e do mundo, mediante seu agir e sofrer.
Segue que a explicao de Rsen (2001) sobre o que constitui a conscincia
histrica perpassa essas consideraes, de inteno no tempo e experincia do tempo.
Segundo o autor, ambos os momentos mesclam-se, e se distinguem na medida em que
formam dois tipos de conscincia do tempo, experincia e inteno. Para Rsen,
nessa distino funda-se uma dinmica da conscincia humana do tempo na qual se
realiza o supervit de intencionalidade do agir (e do sofrer) humano... (RSEN, 2001,
23
p. 58). Nesse sentido, a conscincia histrica a prpria dinmica dessa relao, que se
realiza no processo da vida humana.
Destarte, esta orientao da vida prtica humana, articulada entre
experincia e inteno e desta com aquela, que os homens constituem e do sentido
a experincia do tempo. A descrio de Rsen sobre essa fundamentao categrica:
Pode-se descrever a operao mental com que a conscincia histrica
se constitui tambm como constituio do sentido da experincia do
tempo. Trata-se de um processo da conscincia em que as experincias
do tempo so interpretadas com relao s intenes do agir e,
enquanto interpretadas, inserem-se na determinao do sentido do
mundo e na auto-interpretao do homem, parmetros de sua
orientao no agir e no sofrer. O termo sentido explicita que a dimenso da orientao do agir est presente na conscincia histrica,
pois sentido a suma dos pontos de vista que esto na base da deciso sobre objetivos. A conscincia histrica no se constitui [...],
pois, na racionalidade teleolgica do agir humano, mas sim por
contraste com o que poderamos chamar de racionalidade de sentido. Trata-se de uma racionalidade, no da atribuio de meios a fins ou de fins a meios, mas do estabelecimento de intenes e da
determinao de objetivos. (RSEN, 2001, p. 59)
Portanto, as questes genricas em relao ao que fundamenta a teoria da
histria se referem relao do sentido que se constitui de acordo com o grau de
inteno inferido pelo indivduo, a fim de se orientar no tempo. E esta orientao,
enquanto unidade de sentido constituidora da conscincia histrica acaba indo sempre
alm daquilo que o homem experimenta como mudana temporal, como fluxo ou
processo, projetando o tempo como algo que no lhe dado na experincia. Seja de
forma a aceitar sua condio de finitude, ou de condicion-la a um sentido de salvao
eterno. Logo, projeta o sentido do tempo como algo que no lhe dado na experincia.
O propsito a que se apega o homem no tempo supera a contingncia imediata, a partir
de um esforo prprio de interpretao, levando a experincia alm da prpria realidade
concreta.
Desse modo, distinguem-se dois tipos de tempos que, de forma contrria, porm,
numa relao de interao, constituem a experincia do tempo e as intenes que se
dirigem em relao ao mesmo. So eles: o tempo natural e o tempo humano. O
primeiro, visto como obstculo da prpria ao percebido como oposto s intenes
humanas, e de certa forma ignorada pelo homem, j que este segue querendo realiz-las.
O segundo, o tempo humano, em oposio ao primeiro, o tempo organizado, cujos
24
planos e diretrizes constituem um fluxo temporal determinante das condies vitais, que
faz projees, onde afirmam a si mesmos mediante o agir e o reconhecimento.
O homem est constantemente transformando o tempo natural em tempo
humano. Isso acarreta no prprio ato constitutivo da conscincia histrica, que consiste
na interpretao da experincia do tempo com respeito inteno quanto ao tempo.
Trata-se de evitar que o homem, nessa transformao, no se perca nas mudanas de si
mesmo e do mundo, e de encontrar-se no tratamento das mudanas experimentadas
(sofridas) do mundo e de si prprio.
No entanto, coloca-se a questo do uso de uma estrutura particular que d conta
dessa unidade da conscincia, como um processo coerente de pensamento. Rsen
(2001) o identifica como um ato de fala8, que se constitui de modo determinante da
especificidade do pensamento histrico, da prpria peculiaridade do pensamento
histrico-cientfico. Segundo Rsen,
Em um ato de fala desse tipo, no qual se sintetizam, em uma unidade
estrutural, as operaes mentais constitutivas da conscincia histrica,
no qual a conscincia histrica se realiza, com efeito existe: a
narrativa (histrica). Com essa expresso, designa-se o resultado
intelectual mediante o qual e no qual a conscincia histrica se forma
e, por conseguinte, fundamenta decisivamente todo pensamento-
histrico e todo conhecimento histrico cientfico9. (RSEN, 2001, p.
61)
Tem-se ento uma definio do conceito de narrativa histrica. Contudo, a esta
definio devem ser satisfeitas as condies pelas quais a conscincia histrica se
realiza mediante a narrativa. Em funo da prpria multiplicidade de interpretaes da
experincia do tempo, h que se identificar a relevncia da distino tradicional entre
narrativa ficcional e no-ficional, e como esta compe a narrativa historiogrfica.
Em A Aguarrs do tempo: estudos sobre a narrativa, o autor, Luiz Costa Lima,
faz uma digresso sobre o conceito de narrativa. Sua proposta insere-se dentro do que
8 Sobre este aspecto no nosso propsito aqui, desenvolver as questes que envolvem a filosofia da
linguagem e a filosofia analtica. As referncias a elas ao longo do texto iro perpass-lo medida que
iremos definir um conceito de narrativa da histria, que se identifica com uma filosofia da histria em
Jameson ao colocar a problemtica da linguagem e do conceito de significado, sob outros parmetros.
A respeito do conceito de ato de fala, ver a filosofia da linguagem em AUSTIN, J. L. Quando dizer
fazer. Trad. De Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Mdicas: 1990. Minha palavra meu penhor, o que faz com que se considere o ato de fala, a interao comunicativa propriamente dita, como tendo um carter contratual ou de compromisso entre as partes (AUSTIN, 1990, p. 9) 9 Grifo do autor.
25
fundamenta a cincia da histria como cincia. Nesse sentido, o autor vai delineando
os meandros pelos quais a narrativa se confunde com o problema da cientificidade do
discurso historiogrfico, e ao mesmo tempo, permeia o prprio relato das cincias
positivas, que constitui e fundamenta suas leis gerais. Por narrativa, entende-se, o
estabelecimento de uma organizao temporal, atravs de que o diverso, o irregular e
acidental entram em uma ordem; ordem que no anterior ao ato da escrita mas
coincidente com ela; que pois constitutiva de seu objeto. (LIMA, 1989, p. 17)
O problema da narrativa na historiografia passa pelas intenes do prprio
historiador, e, portanto, do grau de intencionalidade que este coloca sobre o fato
narrado. Sendo a narrativa o mtodo par excellence do historiador, as questes que
envolvem a problemtica da narrativa, perpassam os critrios do mtodo positivista, e
deste com a relao sobre o que se prope a respeito da causalidade na histria. Alm da
confuso, com relao ao trabalhado do historiador e o trabalho do literato. Mesmo que
o primeiro apresente elementos ficcionais em sua estrutura, estes no se confundem com
os elementos ficcionais de uma obra literria. Por isso, ser imprescindvel esta
diferenciao a que se refere Rsen,
Para a questo da especificao buscada da narrativa como
constituio de sentido sobre a experincia do tempo, relevante a
distino tradicional entre narrativa ficcional e no-ficcional, distino
essa que bem deve corresponder autocompreenso da maioria dos
historiadores. Com ela obscurece-se, no entanto, o fato de que na
historiografia tambm existem elementos ficcionais. Alm do mais,
essa distino problemtica porque o sentido que constitudo sobre a experincia do tempo mediante a interpretao narrativa est
alm da distino entre fico e facticidade. Nesse sentido, como j se indicou, mesclam-se tempo natural e tempo humano em uma
unidade abrangente. (RSEN, 2001, pp. 61-62)
Assim tambm, Luiz Costa Lima (1989) se refere sobre a questo da narrativa
histrica. A busca por leis gerais na cincia da histria tira da narrativa seu carter
eminentemente geral, qual seja, o da explicao, que segundo Luiz Costa Lima, acaba
por limit-la naquilo que supostamente a toma por negativo,
O esforo de determinar-se a peculiaridade da explicao presente na
narrativa face questo da incidncia das leis gerais ainda no o
bastante porque se limita a caracteriz-la pela negao do que no
26
(no uma explicao geral que valesse para todos os casos
semelhantes). A nfase nesta caracterizao negativa resulta de que, implicitamente, estamos governados pela hierarquia entre geral (universal) e particular, em que o segundo termo considerado cognoscitivamente inferior. A tal ponto a lei, encarnao do geral,
tomada por superior explicao particularizada que, para o resgate
da especificidade desta, nos esforamos em mostrar sua resistncia
lei. (LIMA, 1989, p. 49)
Se o particular resiste lei, ou norma, porque sempre se apresenta como
contingencial, diverso, irregular. Nesse sentido, se pode falar em lei que abrange a
cincia da histria, quando esta se constitui numa relao de especificao prpria da
operao intelectual da narrativa no mundo da vida concreta, de modo que, por lei em
histria, entende-se sempre uma mudana relativa forma com que a conscincia
histrica se constitui mediante o entendimento da realidade. Entendimento que se
refaz sempre em funo da transformao que se d medida que se difundem novos
sinais de crise, ou resistncia, seja no modo de compreender um objeto ou em lidar com
o prprio objeto dentro de um paradigma.
Desse modo, distinguimos uma narrativa ficcional e no-ficcional, dentro
daquilo que impreterivelmente determinar o discurso historiogrfico de acordo com
suas intenes no tempo. O que podemos identificar como o que configura o discurso
historiogrfico segundo essas intenes, perpassa aquilo que forma a conscincia
histrica, ou seja, os critrios determinantes das representaes de continuidade.
Para Rsen (2001), essas representaes de continuidade so veiculadas dentro
da narrativa histrica, sob o critrio de identidade, que produzem um sentido da
narrativa (histrica), a fim de poderem orientar-se no tempo. Esta orientao mediada
pela lembrana e pela memria, que define aquele tipo de identidade a ser referida de
modo que os indivduos no se percam e se mantenham firmes no fluxo do tempo.
Temos assim, uma definio daquilo que compem a narrativa historiogrfica, segundo
Rsen,
a conscincia histrica constitui-se mediante a operao, genrica e
elementar da vida prtica, do narrar, com a qual os homens orientam
seu agir e sofrer no tempo. Mediante a narrativa histrica so
formuladas representaes da continuidade da evoluo temporal dos
homens e de seu mundo, instituidoras de identidade, por meio da
27
memria, e inseridas, como determinao de sentido, no quadro de
orientao da vida prtica humana. (RSEN, 2001, pp. 66-67)
Mas, dentro dessa configurao do narrar, o problema do que definimos como
constitutivo de uma narrativa histrica emerge da prpria considerao que damos em
relao ao que a define empiricamente, ou seja, seus feitos. E ai, identifica-se onde a
cincia da histria oscila quanto busca da sua pretensa cientificidade. Entre um
subjetivismo das intenes humanas presentes e destas em relao ao futuro, e um
objetivismo reflexo de estruturas temporais do agir humano na conscincia dos
agentes10
.
a um sentido pluralista da histria que Rsen (2001) se refere, e que aqui nos
servir para indicar o caminho da narrativa histrica. Como potencial interpretativo da
conscincia histrica, ela foge ao que a constitui de modo arbitrrio (tendncias do
positivismo lgico dedutivo) e estabelece uma relao equilibrada entre memria e
experincia. Relao essa que encontra no passado a matria bruta de histrias
produzidas para fazer sentido, e que em si, j dotado de sentido, na medida em que a
ela (memria e experincia) se refere diretamente e lhe d continuao.
No entanto, essa relao no suficiente para determinar o que constitui a
narrativa como fundamento da conscincia histrica. O prprio Rsen (2001) argumenta
sobre essa questo, quando diz que a conscincia histrica no se refere, sobretudo ou
exclusivamente ao passado, mas uma interdependncia entre passado, presente e futuro,
de modo que s nessa interdependncia os homens conseguem orientar sua vida, no
tempo. Podemos dizer ento, que a narrativa do ponto de vista da histria enquanto
conhecimento, s diz respeito ao passado e ao presente. O futuro est relacionado
ao.
Tem-se que, o problema da Histria, concebida como um conjunto, ordenada
temporalmente, no reside na orientao das metanarrativas da concretizao de um fim
na Histria, mas sim, na direo de nossas aes no presente a fim de vislumbrar um
futuro com mais possibilidades de aes positivas (colocando nesses termos).
Mas, nesse vislumbrar um futuro de possibilidades (positivas), a orientao do
agir antes mesmo do ato de narrar, pressupe uma ideia que j est inserida na prpria
10
Idem, p. 70.
28
ao, de que fala Rsen (2001). Assim, para cada elemento de partida de uma ao,
encontram-se elementos outros, de outras aes, anteriores, de tal modo que cada ao
se articula com os efeitos de aes j realizadas. a tradio que garante um sentido de
proximidade entre o passado e as intenes determinantes do agir presente.
A tradio o passado presente nos referenciais de orientao da vida humana
prtica, sem, contudo, ter a conscincia de que passado, seno como presente puro e
simples, na atemporalidade manifesta. A tradio resume at aqui, tudo o que vimos em
relao experincia do tempo e as intenes no tempo, da transformao do tempo
natural em tempo humano. De tudo o que envolve a lembrana e a memria em relao
ao modo como nos orientamos em nossas vidas prticas. De modo que, ela que
constitui a unidade imediata entre essas polaridades, a recuperao do tempo ainda
antes de quaisquer resgates do tempo realizados pela conscincia histrica.
Mas entre aquilo que determina a tradio, e a necessidade de conscincia
histrica, existe uma relao de superao. A necessidade de conscincia histrica
supera a tradio, medida que sua orientao temporal no mais suficiente. Quando
esse passado, inferido pela tradio enquanto presente, j no basta para que se possa
agir com segurana.
Assim sendo, sempre a intencionalidade da vida prtica dos homens, que
constitui a conscincia histrica como algo universalmente humano, cuja historicidade
vai sempre alm do que o caso, por exemplo, da tradio. O que constitui a
conscincia histrica como universal essencialmente as mudanas do homem e do
mundo, determinadas pelo agir, que no obstante, no podem ser redutveis a leis
universais, com as quais poderia ser tecnicamente controlado. O supervit de
intencionalidade11
caracterstico da ao, que constitui a conscincia histrica, escaparia
sempre dominao, ao mbito do controle.
Ora, se a conscincia histrica em sua universalidade determinada por aquilo
que escapa ao controle, o supervit de intencionalidade, porque o homem, em sua
imediaticidade concreta, sempre est transformando o tempo natural em tempo humano.
Ento, por tudo isso que a conscincia histrica se torna essencial e nesse sentido
universal: justamente porque as experincias do tempo e as intenes no tempo so
superadas nos processos da vida humana prtica, e a orientao no tempo por meio dos
11
Grifo nosso.
29
contedos prvios da tradio no basta, que a conscincia histrica se faz
necessria. (RSEN, 2001, p. 80).
No entanto, qual a relao entre a conscincia histrica e narrativa, que
procuramos estabelecer aqui, com a universalidade do conceito de Histria? Se ao
caracterizarmos a conscincia histrica em sua universalidade, dada pelo supervit de
intencionalidade, a narrativa enquanto mtodo da teoria da histria tambm universal
no sentido de que atravs dela que conhecemos e interpretamos a conscincia
histrica.
Ao prefixo meta se relaciona o sentido atribudo a esse supervit de
intencionalidade, cujo direcionamento produzido pela conscincia histrica est na
representao de continuidade entre as aes do passado e as do presente, de forma que
se abram perspectivas de futuro. No que se refere s perspectivas de futuro, onde se
insere nossa crtica, j que enquanto discurso metanarrativo no o futuro que se abre
como perspectiva final, mas sim a possibilidade de direcionar nossas aes para um
futuro mediado por elas.
A conscincia histrica, como metanarrativa, o pressuposto da prpria
tradio, unidade temporal, que diante das mudanas relativas experincia do tempo e
a inteno no tempo, num dado momento tendem a desagregar essa mesma unidade.
Entretanto, a prpria conscincia histrica, enquanto crtica da unidade temporal,
que em funo de novas carncias, ocasionam vises novas do futuro e,
consequentemente, um novo recuo ao passado. Desse modo, o passado como passado
torna-se enfim possvel, e narrativa preserva-se sua funo histrica. Ela se torna
meta, medida que o tempo passado assume a funo interpretativa que a tradio
no tem como exercer, abrindo novos leques de interpretao para o futuro, e de
orientao da vida prtica humana.
A essa verso meta da Histria, temos o objeto do conhecimento histrico-
cientfico. Isto porque, a histria em sua verso cientfica, tambm recorre a pretenses
de validade, que tornam seu discurso, objeto vlido da narrativa histrica. Resta-nos
saber, no entanto, que tipo de validade cientfica pretendido pelo pensamento
histrico, j que este pode e deve por princpio, ser hipostasiado a todo pensamento
histrico. a sua condio de hipstase que define o carter universal da cincia da
histria, que pode parecer supor uma contradio em relao validade assumida pelas
cincias ditas positivas, mas que se resolve medida que narrativa que se recorre
enquanto pretenso de validade de todo discurso cientfico. De acordo com Rsen,
30
No fosse assim, tampouco se poderia falar de validade universal do conhecimento histrico da cincia da histria, pois esta valeria
ento somente para os que fizessem cincia e que, por certas razes,
estivessem em condies de aceitar a pretenso de validade especfica
da cincia como coincidente com sua prpria pretenso. O pathos todo
da cincia e, com ele, o que torna compreensvel, faz valer a pena e
justifica toda a mobilizao cientfica, residem na circunstncia de
ambos produzirem resultados sob a forma de um conhecimento
histrico cuja pretenso de validade tem de ser partilhada por todos
que exigem, das histrias, que elas valham. Justamente por isso se
impe, ao se tencionar o que a histria como cincia, que se v alm
dela ou para seus bastidores, perguntando-se pelas pretenses de
validade do pensamento histrico que se encontram em seus
fundamentos existenciais. (RSEN, 2001, pp. 85-86)
O que fundamenta todo o discurso cientfico em Rsen (2001), e junto a este a
cincia da histria, justamente que a narrativa em si, enquanto constructo da
conscincia histrica abrange em toda sua extenso, as pretenses de validade de todas
as cincias em geral. Luiz Costa Lima (1989) tambm se aproxima dessa abordagem, ao
apontar a necessidade nos dias de hoje, do cientista repensar a relao de seu campo
com a prpria narrativa. Assim, de acordo com este autor,
Sumariamente a narrativa consiste no estabelecimento de uma
organizao temporal que afeta e ordena o diverso, acidental e
singular. (...). Se a categoria do tempo pois fundamental na
narrativa, se ela, ademais, implica uma ordem sobre o que se mantm
acidental e no incorporvel formulao genrica de uma lei, que
ento pode significar a quebra da lua-de-mel da cincia com o
determinismo seno que, em algum momento, o cientista
contemporneo ter de repensar a relao de seu campo com a
narrativa? (LIMA, 1989, p. 114).
Assim o autor identifica o momento de urgncia da narrativa que enquanto
produo de sentido, as cincias em geral organizam o que particular e acidental.
Nesse sentido, Lima j aponta o caminho que essa extenso da narrativa pode acarretar
e que acaba por resumir toda exposio at aqui:
Que vantagens e/ou desvantagens essa extenso da categoria da
narrativa apresenta? So claras as desvantagens: medida que a
narrativa j no se confunde com um nico campo discursivo o da
31
literatura, na viso corriqueira ou no se restringe a campos contguos mas distintos os da historiografia e da fico -, torna-se maior o risco de no se distinguirem suas incidncias legtimas. (Isso
para no falar do problema ento iminente de no se saber distinguir
entre legtimo e normativo). Quanto s vantagens, restringimo-nos a
duas: (a) a extenso dos limites da narrativa, a sua incidncia, como
produo de sentido onde leis no se firmem, no campo da prpria
cincia dura, potencialmente ajuda ao ultrapasse da viso piramidal acerca dos diferentes discursos. Essa viso piramidal, tendo as
cincias exatas em seu pice, prejudica uma viso crtica, desde logo
dos limites da prpria cincia. Seus efeitos no so desprezveis no
territrio da prpria poltica; (b) ao passo que a ratio moderna, pelo
casamento da cincia clssica com a filosofia kantiana, concebe o
tempo como mensurvel e abstrato, o reconhecimento da extenso da
narrativa pode funcionar como estmulo para a valorizao do que se
enraza no particular, do que se d no interior de um tempo concreto,
que a prpria vida. (LIMA, 1989, pp. 115-116)
Nesse aspecto, chega-se no intuito dessa exposio sobre o que vem a ser
narrativa e seu sentido meta nas filosofias da histria. De modo que, no a uma
crtica negativa que se pretende chegar sobre o sentido constitudo das metanarrativas,
mas o carter da intencionalidade da ao no futuro que elas foram subordinadas.
O significado na Histria: inteno e potica da narrativa histrica12.
Assim a filosofia substantiva da histria, que aqui nos interessa como objeto da
crtica. Isto porque, fundamentalmente constituda segundo critrios de validade
cientfica pretensamente universal, ultrapassou os prprios limites da realidade emprica
e cognitiva lgica da histria. Para uma explanao da crtica, partimos da anlise feita
por Arthur Danto (1989), para quem uma filosofia da histria assim, uma explicao
de todo o conjunto da histria, o que envolve todo o seu passado e todo seu futuro.
Seguindo a sugesto do autor, identificam-se dois tipos de teorias a partir dessas
consideraes: as descritivas e as explicativas. Ambas, sendo constitudas pela narrativa
12
Distinguem-se, dentro da filosofia da histria, dois tipos de investigao do pensamento histrico. So
elas a filosofia substantiva da histria e a filosofia analtica da histria. A primeira se vincula a prpria
tarefa dos historiadores, que em sua prtica procura dar conta dos fatos ocorridos no passado e da, sugere
uma explicao de todo o conjunto da histria. A filosofia analtica da histria o modo de anlise dos
problemas conceituais referente filosofia substantiva da histria, que surgem tanto da prtica historicista
a ela subjacente, bem como do discurso por ela evocado.
32
acabam por incorporar aquela mescla de elementos tanto ficcionais como no-
ficcionais, citados por Rsen (2001). Contudo, isto no desconsidera o fato da narrativa
ser constituinte do pensamento histrico, mas predispe a uma concepo de
metanarrativa capaz de esclarecer todo o mistrio e sentido do devir histrico. quilo a
que Rsen se referia, da transformao do tempo natural em tempo humano13
.
Enquanto a teoria descritiva dos acontecimentos histricos parte daquilo que
constitui todo o passado, e remete a um padro que se projeta no futuro, o que desse
passado conhecemos, a teoria explicativa, procura dar conta desse padro em termos
causais. Por isso, que, uma teoria explicativa no se faz sem estar conectada com uma
teoria descritiva14
. De maneira que, constitui-se enquanto uma filosofia da histria15
,
porque a esta se encontra ligada uma teoria explicativa causal, que segue um padro
determinado por um processo de descrio, relacionado ao conjunto de todo o passado,
e de todo o futuro histrico.
Chegamos ao ponto em que a filosofia substantiva da histria torna-se cincia da
histria. Isto porque a ela, agregam-se os valores da observao cientfica e do carter
da cincia terica, constituda segundo a compreenso cientfica de Kepler e de Newton.
A ambos os autores creditou-se o aspecto revolucionrio do pensamento cientfico, da
busca de leis gerais e causalidades internas especficas a essas leis. De modo que, esse
critrio cientfico tambm foi concebido pelos filsofos da histria, como tendncia a
buscar leis gerais do processo histrico como um todo, segundo explicaes causais
internas refletidas no seu aspecto exterior. Assim, mais do que reunir dados histricos e
reduzi-los a um padro determinado, se intencionava predizer e explicar todos os
acontecimentos histricos futuro.
13
A conscincia histrica , pois, guiada pela inteno de dominar o tempo que experimentado pelo homem como ameaa de perder-se na transformao do mundo e dele mesmo. O pensamento histrico ,
por conseguinte, ganho de tempo, e o conhecimento histrico o tempo ganho. (RSEN, 2001, p. 60). 14
Arthur Danto cita o exemplo do Marxismo como sendo uma filosofia da histria, por apresentar tanto
elementos descritivos quanto explicativos. No entanto, apenas uma teoria da histria, j que o padro
que descreve o sentido de causalidade na histria, a luta de classes, no ser suficientemente capaz de
explicar e prever o futuro enquanto fim da histria. No sentido de filosofia da histria que estamos elucidando aqui, a questo abarca tanto todo o passado, como todo o futuro histrico enquanto fim
idealmente atingido. E ao Marxismo, atribuiu-se tal idealizao. 15
El marxismo es una filosofa de la historia y exhibe ciertamente ambos tipos de teoras, la descriptiva y la explicativa. Considerada desde el punto de vista de la teoria descriptiva, la pauta es la del conflicto de
clases, en que una clase genera sua antagonista a partir de las condiciones de su propria existencia y es
superada por ella: toda la historia es la historia de la lucha de clases, y la forma de la historia es dialctica. Esta pauta perdurar en la medida en que sigan operando ciertas fuerzas causales con
diferentes factores econmicos es lo que constituye la teora explicativa del marxismo. Marx predijo que
la pauta llegara a su fin en un momento futuro, porque los factores causales responsables de su
permanencia dejaran de ser operativos. (DANTO, 1989, p. 31)
33
No entanto, Arthur Danto (1989) j caracteriza a tarefa do filsofo da histria como
mesquinha para com a histria mesma. O historiador lida com os fatos do passado, e
do futuro, quando este se converte em passado. E, contudo, no se pode reunir dados
acerca do futuro, porque de fato, a ele no se tem dados sobre. Para Arthur Danto,
isto fica muito claro quando ele aponta a que tipo de programa, pretendem as filosofias
da histria responder,
Las filosofas explicativas de la historia, incluso las que han sido ms
influyentes, son poco ms que programas para teoras an por
formular, no digamos comprobar. Por otro lado, si pensamos em las
explicaciones histricas comunes (y no slo en las mejores de ellas),
parecen ejemplares muy desarrollados de su proprio gnero, que
satisfacen criterios aplicables a ese gnero y que resaltan la forma en
que las filosofas de la historia fracasan miserablemente em satisfacer
los criterios de uma teora cientfica. (DANTO, 1989, p. 36)
No obstante, fato que na histria exista algo similar classe de atividade com a
qual se compara a histria em seu conjunto na concepo que estamos considerando.
Assim, subjacente a ela existe a inteno de organizar os fatos conhecidos em padres
coerentes, de modo que apresentam elementos comuns tanto das teorias cientficas, bem
como das filosofias da histria.
Nesse sentido que as narrativas histricas correspondem aos critrios de
cientificidade dessa organizao dos fatos, na medida em que impem certa cronologia
de modo a produzir padres coerentes de interpretao. esta a crtica que
identificamos no autor em relao metanarrativa enquanto portadora de sentido
histrico, de que a ela no se pode atribuir de modo exato uma projeo sobre o futuro,
mas no mnimo, certa capacidade preditiva. Portanto,
la distincin entre observacin y teora tiene un correlato em la
historia. Pueden existir amplias diferencias entre las explicaciones
histricas y las teoras cientficas, pero no ms amplias, se siente uno
inclinado a pensar, que las diferencias entre las filosofas de la historia
y las teorias cientficas. (DANTO, 1989, p. 37).
34
filosofia substantiva da histria, concebemos o carter meta da narrativa
histrica. E isto o que diferencia as filosofias da histria e as teorias cientficas.
Enquanto a teoria pertence a uma categoria que satisfaz critrios diferentes das relaes
histricas comuns, as filosofias da histria parecem ter mais em comum com essas
relaes paradigmticas da histria. Da, essas relaes nas filosofias da histria, nos
sugerir, uma predio e previso, que a prpria histria, enquanto teoria cientfica
incapaz de estabelecer.
J aqui, identificamos um dos propsitos deste trabalho: da diferena entre a
atividade prtica do historiador e a atividade filosfica do filsofo da histria. Portanto,
do significado atribudo pela narrativa histrica tanto do historiador como do filsofo da
histria, relaes diferentes, porm constitudas dentro de uma mesma estrutura: a
narrativa. Tratando-se das filosofias da histria, a questo da narrativa reside no fato de
que, elas,
Tienden, de forma tpica, a proporcionar interpretaciones de
secuencias de acontecimientos que son muy parecidas a las que se
encuentran en la historia y muy poco parecidas a las que uno
encuentra em la ciencia. Las filosofas de la historia hacen uso de un
concepto de interpretacin, que, me parece a m, no sera muy
apropiado en la ciencia, esto es, un cierto concepto de significado. Es decir, pretenden descubrir lo que, en un sentido del trmino
especial e histricamente apropiado, es el significado de este o aquel acontecimiento. (DANTO, 1989, p. 39)
O problema est, portanto, no sentido do significado que atribumos em relao ao
prprio acontecimento. At que ponto, tal acontecimento significativo para a
conscincia histrica? Qual o sentido do significado de algum acontecimento para o
pensamento histrico, para a conscincia histrica? Ter ele sentido, no final do
movimento histrico? Ou ser ele parte constituinte desse movimento? Ou
simplesmente, no ter significado nenhum?
A diferena essencial em relao ao que entendemos como significado da
histria, da sua unidade e sentido remete diferena entre o significado ltimo da
histria, e do significado de um simples enunciado, palavra, frase ou mesmo uma
orao. Para concebermos um acontecimento como dotado de significao, pressupe-
se uma estrutura temporal mais ampla, da qual fazem parte. Para Rsen (2001) esta
35
estrutura a narrativa histrica, que articula o passado em funo do presente, a fim de
compreend-lo, e para, atravs dele, projetarmos a ao no futuro.
Para Danto (1989), um acontecimento s tem sentido de forma retrospectiva. De
modo que no presente que o acontecimento adquire sentido e significado para ns,
pois inserido nesta continuidade dada e mediada pela narrativa histrica. Assim, ele
pode significar algo ou no significar nada, medida que a ele no atribudo
significado dentro dessa mesma continuidade, j que no faz progredir a ao. Ou ento,
como coloca Danto (1989), o acontecimento adquire significado especfico e
determinado somente com respeito obra em seu conjunto, ou seja, em sua
continuidade.
Mas aqui, chegamos a um impasse: porque exatamente esta viso da obra em seu
conjunto, do fato em sua totalidade, que escapa viso do historiador e do prprio
filsofo da histria. De modo que, qualquer acontecimento fica margem da anlise que
corrobora sua existncia diante da totalidade, sempre esperando pra confirmar ou no
suas razes de ser.
Assim, a tarefa do historiador uma constante reviso de suas afirmaes,
referentes a tal ou qual acontecimento histrico, luz do que sucede posteriormente,
diferentemente do filsofo da histria: tendo diante de si, o fragmento de todo o
passado, o relaciona a uma concepo de totalidade da histria, de todo o passado e
futuro. E, nesses termos, de acordo com Danto, o filsofo da histria,
Piensa en trminos del conjunto de la historia, y trata de descubrir a
qu se podra parecer la estructura de esta totalidad basndose solo en
el fragmento que ya tiene, y al mismo tiempo, trata de decir cul es el
significado de las partes de ese fragmento a la luz de la estrutuctura
total que ha proyectado. (DANTO, 1989, p. 41)
Essa forma de conceber a histria segundo Danto, profundamente teolgica16
. E de
fato, essa caracterizao teolgica das filosofias substantivas da histria, e daquilo que
fundamenta suas asseres e predies sobre o futuro, o supervit de intencionalidade, o
que determina a diferena dos seus enunciados. Neste aspecto, o enunciado acaba por
16
Estoy completamente de acuerdo con la afirmacin del profesor Lwith de que esta forma de concebir el conjunto de la historia es esencialmente teolgica o que, en cualquier caso, tiene propriedades
estructurales en comn con las concepciones teolgicas de la historia, a la cual se considera in toto, como
correspondiente a algn plan divino. (DANTO, 1989, pp. 41-42)
36
definir aes no futuro, aes esperadas, muitas vezes conhecidas como profecias. o
significado que as contm que definem uma concepo acerca da totalidade da histria
no mnimo equivocada e ambiciosa da escrita da histria. Assim, a semelhana de suas
narrativas consiste no uso do significado dos acontecimentos, que segundo Danto
(1989) injustificado nas filosofias da histria.
Neste caso, injustificadas porque pretensiosas. Mas as filosofias da histria
modernas mostraram que grandiosidade segue-se por trs, um discurso de poder que
procurou abarcar todas as civilizaes da histria, numa s totalidade, num s objetivo
final. Com isso, especificidades histricas, foram deixadas de lado, e da unicidade dos
fatos narrados, seguiu-se universalidade da narrativa histrica.
At aqui, torna-se indubitvel o fato de que a narrativa histrica, ou o relato como
denomina Danto (1989), constitui o contexto natural, no qual os acontecimentos
adquirem significao histrica. Se aos critrios de validade da narrativa preciso que
os acontecimentos passados adquiram significado no presente, devido ao fato de que,
no presente, tem-se uma relao de posteridade com os fatos passados correlacionados.
O presente relaciona-se com o passado de forma correta, pois a ele encontra-se
ligado, e determinado. Da tem-se uma relao presente-passado no mnimo pr-
determinada, e no aluses a acontecimentos que no se realizaram em funo da
prpria situao do relato. E este sentido, que segundo Danto, violado de alguma
forma pelas filosofias substantivas da histria,
Utilizando el mismo sentido de significacin que los historiadores
usan, presuponiendo que los acontecimientos se sitan en un relato,
los filsofos de la historia buscan la significacin de acontecimientos
antes de que hayan sucedido los acontecimientos posteriores, en
conexin con los cuales los primeros adquieren significacin. El
modelo que proyectan sobre el futuro es una estructura narrativa. En
suma, tratan de contar el relato antes de que el relato pueda ser
propiamente contado. (DANTO, 1989, p. 46)
O filsofo da histria pressupe acontecimentos ainda no realizados, pela prpria
condio do relato, que toda a histria. Assim, dentro dessa estrutura narrativa, o
acontecimento tem significado j determinado, porque inserido no relato. A descrio
tem como referncia os acontecimentos dados como posteriores, ou seja, descritos num
momento futuro, sem, no entanto, terem ocorrido. Por isso o futuro pertencer a certa
37
classe de afirmaes, porque definitivo no contexto do relato, ou seja, pressupe a
realizao do seu fim absoluto. De modo que, mesmo no tendo significado imediato o
acontecimento, aquele j est dado, medida que a ele, pressupe-se um futuro j
determinado pelo relato da narrativa histrica.
Mas o que diferencia uma filosofia substantiva da histria a posio entre o
significado da histria, e na histria. Quanto ao primeiro, j est dado no prprio relato
como colocado acima. Em relao ao significado na histria, admite-se que o
acontecimento esteja preparado para aceitar um contexto no qual ele se torna
significativo. Frequentemente, o contexto em que o acontecimento se torna
significativo, em realidade limitado, ou seja, pressupe um contexto ainda que amplo,
particular, pois se refere a uma realidade da qual o acontecimento apenas uma parte.
No entanto, a questo est na compreenso que se tem da totalidade da histria.
Porque se um contexto amplo, mesmo que particular pode constituir uma totalidade,
esta, contudo, no constitui a totalidade da histria17
como pensada pelos filsofos da
histria. Pois o acontecimento, como colocado acima pode ser apenas parte desta
totalidade, e no a totalidade da histria. Isto gera um equvoco, segundo Danto, no
modo de lidar com esta concepo da totalidade da histria:
Existen contextos ms o menos amplios, pero la historia, considerada
como totalidad, es sin ms el contexto ms amplio posible, y
preguntar por el significado de la totalidad de la historia equivale a
privarse del marco contextual en el cual son inteligibles esos
requerimientos. Porque no existe un contexto ms amplio que la
totalidad de la historia en el que se pueda situar la totalidad de la
historia. (DANTO, 1989, p. 48)
Assim, a totalidade da histria a prpria histria. No h um plano divino, um
significado no-histrico, atemporal, que possa reivindicar o significado da totalidade
da histria. No entanto, o mistrio subjacente a ideia de um plano divino que envolve
a prpria concepo de histria, que aqueles tomam para si, como constituidora de sua
totalidade. a autoconscincia do mistrio, que se resolve enquanto sentido do absoluto
17
Grifo nosso. No sentido de estabelecer a diferena entre o que entendemos como totalidade da histria,
no caso, os variados contextos histricos em sua totalidade peculiar e especfica, e uma totalidade da
histria que engloba todos os contextos num s.
38
na histria, cuja compreenso est dada na prpria filosofia da histria que lhe subjaz, e
que projeta no futuro, o sentido de felicidade eterna, portanto, do fim da histria.
Por trs desta concepo temos a ideia da secularizao crist da filosofia
substantiva da histria. Os acontecimentos se inserem dentro de uma narrativa de
significado nico, que predispem a descrever algo, baseado em previses futuras
acerca do passado. No entanto, esta atividade da descrio dos acontecimentos
futuros, ou seja, daquilo que pode acontecer, mesmo no tendo acontecido, ou no
mnimo prev-los, que parece confusa na filosofia substantiva da histria.
Destarte, em relao a intencionalidade do modo como os filsofos substantivos
da histria a concebem que Danto (1989) direciona sua crtica. Para o autor um erro
descrever um acontecimento antes mesmo de ele ter acontecido. De modo que a
descrio, refletida nas afirmaes sobre o futuro que fazem os filsofos da histria, no
so as mesmas que fazem os historiadores. Para estes, o passado se refere ao futuro,
enquanto passado, de maneira a orientar a ao no presente para uma melhor
compreenso dela no futuro. Enquanto o filsofo da histria faz referncias a
acontecimentos passados de modo a prever e descrever acontecimentos futuros, sem que
estes tenham ocorrido.
A questo do significado na histria segue, portanto, critrios que fogem a narrativa
nica da totalidade da histria, j que se baseiam em fatores de conveno e
arbitrariedade que escapam a uma nica localizao temporal, alm dos interesses que
regem o que e o que no histrico segundo as intenes humanas. De fato, a
pretenso de cientificidade das humanidades em geral, e da histria em particular, levou
a filosofia, por seu discurso metafsico e universal, a incorporar a histria dentro de uma
metanarrativa que garantisse o sentido dos acontecimentos.
E assim, do sentido de universalidade das metanarrativas tem-se uma
descaracterizao de outras temporalidades e do sentido histrico a elas relacionado.
Assim, quando Rsen (2001, p. 61) considera a narrativa com
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