Disciplina:* Funcionamento da Língua 5* Gramática,TextoeSentido * · 2017-09-08 · 3 MãosàObra...
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Disciplina: Funcionamento da Língua -‐ Gramática, Texto e Sentido Tópico: Um início de conversa
Introdução ________________________________________________________________________________________ Professor(a),
Estamos dando início à disciplina LP007 do Módulo 4. Nosso objetivo é refletir sobre o lugar da análise gramatical na disciplina de Língua Portuguesa, focalizando alguns procedimentos para que o estudo da gramática em âmbito escolar não se afaste de sua principal função: capacitar o aluno a desenvolver reflexões produtivas sobre o funcionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremos discutir algumas ideias correntes sobre linguagem, língua e gramática, enfatizando que esses três conceitos devem dar suporte a uma abordagem que permita explorar a gramática internalizada do aluno. Também daremos destaque à caracterização dos dados linguísticos quanto a sua forma gramatical e adequação a uma determinada norma, assumindo que, sob a adequada orientação do professor, o aluno é capaz de analisar as expressões da sua língua com base na sua intuição de falante nativo.
Os tópicos do segundo Tema darão destaque à questão da nomenclatura gramatical. O professor não pode perder de vista que as taxonomias exploradas em análises morfológicas e sintáticas devem ajudar o aluno a estabelecer relações coerentes entre gramática e sentido, e não ser usadas apenas como um mero instrumento de avaliação para saber, sem um propósito claro, se o aluno nomeia corretamente as classes e funções dos itens da língua. No terceiro Tema, iremos nos concentrar em procedimentos de análise gramatical voltados ao trabalho com o texto. Serão abordados diferentes fatos linguísticos nos níveis morfológico e sintático, levando-‐se em conta a necessidade de enraizar o estudo da gramática em práticas que valorizem o conhecimento intuitivo do aluno a respeito da sua própria língua. Na conclusão do Módulo, serão propostos alguns temas que você poderá explorar no desenvolvimento do seu TCC. Clique aqui1 para ver o vídeo de introdução da disciplina e bom trabalho!
1Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/O86XMM11HOWW/, acesso em 01/06/2011.
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Disciplina: Funcionamento da Língua -‐ Gramática, Texto e Sentido
Tema: 1. Gramática em contexto: pressupostos de análise Tópicos: Linguagem, língua e gramática: concepções
Ponto de Partida ________________________________________________________________________________________ Nos estudos linguísticos contemporâneos, o conceito de gramática extrapola os sentidos com que vemos essa palavra ser corriqueiramente empregada. Experimente perguntar aos seus alunos ou a colegas de outras disciplinas o que eles entendem por gramática. A resposta, possivelmente, ficará circunscrita à ideia de que gramática é o nome dado aos livros que reúnem os preceitos para o bom uso do idioma ou, talvez, de que gramática denomina a disciplina que nos ensina a empregar corretamente as regras da língua.
Considerando o desenvolvimento das ciências da linguagem nas últimas décadas, essa visão em torno do que seja a gramática é extremamente limitada. Infelizmente, muitos professores de Português baseiam suas práticas de abordagem gramatical em acepções e concepções de gramática que não respondem produtivamente às reais necessidades do aluno em suas reflexões sobre a linguagem. Não é de se espantar que, ao concluir o Ensino Médio, a grande maioria dos alunos não domine nem veja utilidade nas regras e nomenclaturas gramaticais que lhes foram ensinadas por mais de dez anos.
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Mãos à Obra ________________________________________________________________________________________ Nosso entendimento em torno do que seja a gramática depende, em grande parte, do que entendemos por língua e linguagem. Antes de refletir sobre esses conceitos, veja o vídeo indicado abaixo, que mostra um diálogo por telefone entre uma brasileira e uma falante nativa de inglês. Mesmo sem compreender a língua uma da outra, as duas mulheres conseguem manter a conversação por quase três minutos.
2 A partir do conteúdo desse vídeo, pense um pouco sobre as seguintes questões:
• Língua e linguagem são uma mesma coisa?
• Que relação pode ser estabelecida entre o que chamamos de língua e o que chamamos de linguagem?
• Qual desses dois conceitos nos remete ao aspecto que dificultou o diálogo entre as duas mulheres?
• Qual desses dois conceitos nos remete àquilo que, apesar da dificuldade de compreensão,
possibilitou o prosseguimento da conversação? ________________________________________________________________________________________
2Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=3gjlebXObd8, acesso em 13/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Muitos livros didáticos voltados ao ensino de gramática dedicam um ou mais de seus capítulos à apresentação dos conceitos de língua e linguagem. Esses conceitos costumam se reduzir à ideia de que a linguagem humana é um instrumento de comunicação e as línguas naturais são um código compartilhado pelos membros de uma comunidade cuja delimitação é determinada por critérios históricos e/ou geográficos.
À luz das investigações sobre a linguagem humana nos últimos cem anos, essas ideias são extremamente simplificadoras. O senso comum em torno dos três conceitos (linguagem, língua e gramática) costuma desconsiderar ou minimizar o fato de que a linguagem humana, para além de servir à comunicação, é um instrumento que, ao moldar nossa percepção da realidade3, entra em jogo na elaboração daquilo que pensamos4. É inquestionável que a função de comunicar seja algo inseparável da linguagem; no caso dos seres humanos, porém, a comunicação é entremeada pela percepção e pelo pensamento, ambos permeados pela linguagem. Esquemas como os apresentados na figura acima, que costumam ser usados pelos livros didáticos na apresentação das chamadas "funções da linguagem", podem conduzir os alunos ao pressuposto equivocado de que a comunicação é o único elemento determinante para o funcionamento das línguas naturais. O professor atuante na área das linguagens deve garantir que o seu trabalho seja baseado em concepções que resultem em práticas produtivas na abordagem de fatos linguísticos, ajudando o aluno a entender a linguagem em suas múltiplas dimensões e não apenas no que tange à sua função comunicativa.
3Fonte:http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/como_a_linguagem_modela_o_pensamento.html, acesso em
13/04/2011. 4Fonte: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/vigo.html, acesso em 13/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Se nos limitarmos à ideia de que a linguagem é apenas um instrumento de comunicação, o tratamento dos fatos gramaticais em sala de aula pode desembocar em um mero exercício de reconhecimento das estruturas linguísticas que podem/devem ou não podem/não devem ser usadas em situações específicas de fala ou escrita. Mesmo se integrada a uma abordagem que valorize o trabalho com gêneros discursivos/textuais diversos, a ideia de que linguagem é um mero instrumento de comunicação acaba por resultar em práticas que se restringem a cobrar do aluno o reconhecimento e/ou o uso de certos padrões frasais tidos como caracterizadores de um determinado gênero. Mais do que saber reconhecer ou usar automaticamente esses padrões, o aluno deve ser hábil em perceber os efeitos de sentido atrelados ao seu uso e, por extensão, dominar estratégias que lhe permitam reproduzir ou atualizar esses efeitos, de forma produtiva e inovadora, em diferentes gêneros. A título de exemplo, consideremos as estruturas construídas com verbos no imperativo que ocorrem com frequência em textos instrutivos (injuntivos), como as receitas culinárias5 e os manuais de instrução6. O sucesso do aluno no trabalho com textos desse tipo não está apenas em saber reconhecer e usar os padrões oracionais com formas verbais imperativas. Está antes em perceber quais são os efeitos de sentido relacionados ao emprego desses padrões para, a partir dessa percepção, investir no uso de outros padrões frasais para produzir os mesmos efeitos na elaboração de textos pertencentes aos mais variados gêneros. Para alcançar esse patamar, as práticas não podem ser limitadas ao tratamento da linguagem como um mero instrumento de comunicação, mas como uma capacidade humana que, antes de nos ajudar a comunicar, entra em jogo na forma como percebemos o mundo e construímos nossas ideias.
5 Fonte: http://tudogostoso.uol.com.br/receita/131419-frango-gratinado-com-creme-de-milho.html, acesso em 07/05/2012. 6 Fonte: http://www.consul.com.br/SuporteeAtendimento/BuscadeManuais, acesso em 03/07/2012.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ As línguas naturais7 são a expressão mais proeminente da faculdade humana da linguagem. Se as concepções de linguagem não podem ficar restritas ao elemento da comunicação, o conceito de língua também não deve ficar limitado à ideia de que se trata de um código com fins exclusivamente comunicativos. Tendo em vista que a faculdade da linguagem é a matriz sobre a qual se assentam as línguas naturais, qualquer concepção relevante deve levar em conta a ideia de que uma língua é um acervo compartilhado pelos membros de uma comunidade e formado por signos e regras (fonológicas, morfológicas, sintáticas, lexicais, semântico-‐discursivas) que definem as possibilidades de combinação e uso desses signos. De uma perspectiva sociocultural, as línguas particularizam uma determinada comunidade em relação a todas as outras, no que diz respeito aos recursos de expressão postos à disposição dos seus usuários. Daí não ser fácil, muitas vezes, reconhecer ou estabelecer os limites geográficos e/ou temporais de uma língua, dado que duas comunidades diferentes podem empregar acervos muito semelhantes de signos e regras, ou pode haver, no interior de uma mesma comunidade, acervos variados. Um exemplo conhecido é o da língua galega8, que, apesar de ser empregada nos limites territoriais da Espanha, apresenta mais propriedades gramaticais em comum com o português do que com o castelhano. De uma perspectiva estritamente biológica, podemos dizer que as propriedades demonstradas pelas línguas naturais não encontram fronteiras entre comunidades, já que, para serem colocadas em uso, todas elas exigem a utilização de estratégias articulatório-‐perceptuais e intencional-‐conceptuais enraizadas, em última instância, em propriedades naturais da espécie humana. Nas disciplinas escolares voltadas ao ensino de língua materna, essas considerações sobre a língua têm um efeito claro, particularmente quanto à dimensão sociocultural: ao entrar na escola, o aluno traz uma língua particular, um acervo de signos e regras naturalmente adquirido, compartilhado com outros membros de sua comunidade. Esse acervo natural, que não coincide em sua totalidade com o acervo que ele conhecerá no contato com os livros didáticos, pode ser explorado pelo professor como ponto de partida em inúmeras atividades voltadas aos letramentos. Nesse sentido, cabe ao professor explorar o conhecimento natural do aluno acerca da variedade linguística que caracteriza a fala de sua comunidade e, a partir daí, ajudá-‐lo a desenvolver competências e habilidades que são necessárias, por exemplo, ao pleno domínio da norma-‐padrão.
7 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_natural, acesso em 13/04/2011. 8 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=iCOreBJXOZk, acesso em 13/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Quanto à gramática, as concepções de língua e linguagem podem, de uma certa forma, ser associadas às acepções que se atribuem a essa palavra. Se tomada como área de estudo, a gramática pode ser conceituada, grosso modo, como um campo de saber que se ocupa da descrição e/ou análise de certas regras no conhecimento e uso da língua. A depender da postura dos que atuam nesse campo, a abordagem dessas regras pode assumir um caráter descritivo9 ou normativo/prescritivo10.
11 Como um campo científico de investigação, a abordagem gramatical pode ser particularizada pelos pressupostos estabelecidos dentro de determinadas correntes teóricas. Temos, assim, a gramática gerativa, a gramática funcional12, a gramática estruturalista13, entre outras vertentes e denominações. Podemos, ainda, estabelecer diferenciações no que diz respeito ao escopo e/ou objetivo da abordagem, quando podemos falar em gramática histórica, gramática comparada, gramática sincrônica, gramática expositiva, entre várias outras possibilidades. No âmbito escolar, o termo gramática tem sido comumente empregado para dar nome à disciplina (de caráter predominantemente normativo) que se ocupa desde os fatos morfológicos e sintáticos, tradicionalmente considerados o cerne da matéria, aos fonológicos, lexicais e semântico-‐discursivos.
9Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gramática_descritiva, acesso em 13/04/2011. 10Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gramática_normativa, acesso em 13/04/2011. 11A primeira Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernão de Oliveira, séc. XVI. Fonte:
http://www.vivercidades.org.br/publique_222/web/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1273&sid=17, acesso em 26/03/2011.
12 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gramática_funcional, acesso em 13/04/2011. 13Fonte:http://www.webartigos.com/articles/14809/1/ESTUDO-COMPARATIVO-ENTRE-ESTRUTURALISMO-
GRAMATICAL-E-O-FUNCIONALISMO-DOS-TERMOS-DA-ORACAO/pagina1.html, acesso em 13/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ Tendo em vista as considerações feitas até aqui, devemos nos perguntar sobre qual deve ser a concepção de gramática a ser explorada no âmbito da disciplina escolar de Língua Portuguesa. Antes de mais nada, é importante ter em mente que a sala de aula não deve ser um espaço para a discussão ou propaganda de modelos teóricos sobre o funcionamento da linguagem, da língua ou da gramática. Em suas reflexões sobre a língua, o professor pode explorar um modelo como referencial para as suas tomadas de decisão, mas os pressupostos desse modelo não devem, sob hipótese alguma, ser colocados como o objeto do ensino. Considerando-‐se os objetivos estabelecidos para o ensino de Língua Portuguesa nos documentos que têm orientado oficialmente os programas curriculares do Ensino Fundamental e Médio, a concepção de gramática explorada em sala de aula deve levar em conta que o aluno tem um conhecimento natural das propriedades fonológicas, morfológicas e sintáticas da sua língua. Nesse sentido, podemos falar em gramática internalizada14, entendida como um conjunto de regras naturalmente adquirido pelos falantes, que define a fonologia, a morfologia e a sintaxe da sua língua. Mais do que um ponto de referência para as reflexões do professor, essa concepção deve ser colocada a serviço de práticas que contribuam para o sucesso do aluno no trabalho com a linguagem, em particular nas atividades de produção e recepção textual.
Clique na imagem15, para ver uma reportagem sobre a exposição "MENAS: o certo do errado e o errado do certo" que aconteceu no Museu da Língua Portuguesa, em 2010.
14 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gramática_impl%C3%ADcita, acesso em 13/04/2011. 15Fonte:http://mais.uol.com.br/view/xiddtuwnvlqs/metropolis--menas-o-certo-do-errado-o-errado-do-certo-
0402183868C0897326?fullimage=1&types=A, acesso em 13/04/2011.
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Atividade Autocorrigível 1________________________________________________________________________________________ Leia o trecho16 extraído do livro Ensino e aprendizado da língua materna, de Celso Pedro Luft, e identifique a alternativa que expressa corretamente as ideias do texto. a)17 O professor de Língua Portuguesa deve se concentrar no ensino da gramática como um instrumento de comunicação que só pode ser dominado adequadamente se os alunos souberem fazer análise sintática e classificar corretamente as palavras quanto às suas propriedades morfológicas. b)18 O papel do professor de Português é ajudar os falantes do idioma a desvendar os segredos da língua mais difícil do mundo, aquela que "quanto mais se estuda, menos se sabe". c)19 Qualquer criança a partir dos seis ou sete anos conhece intuitivamente a gramática da sua língua, ainda que não tenha consciência desse conhecimento. d)20 Só é possível usar as regras gramaticais da nossa língua depois que entramos na escola e estudamos anos a fundo a estruturação sintática e morfológica do idioma, ensinada nos livros didáticos. e)21 Para saber falar é necessário dominar um código verbal, que só pode ser aprendido por intermédio do professor de Língua Portuguesa, com a leitura de clássicos da literatura e o apoio dos livros didáticos.
16 LUFT, C. P. Ensino e aprendizado da língua materna. São Paulo: Globo, 2007. P. 97-98. 17 Incorreto. De acordo com o autor, o professor de Língua Portuguesa deve se concentrar no desenvolvimento,
aperfeiçoamento e conscientização progressiva do conhecimento natural que todo falante tem a respeito da sua língua. 18 Incorreto. A ideia de que “quanto mais se estuda, menos se sabe” a língua é equivocada, uma vez que todas as pessoas
conhecem intuitivamente o sistema de regras da língua que falam. 19 Correto. A partir dos seis ou sete anos, a criança já é capaz de construir frases que atendem satisfatoriamente à
comunicação, pois domina desde muito cedo o sistema de regras da sua língua. 20 Incorreto. As crianças empregam intuitivamente as regras gramaticais da sua língua, até mesmo aquelas que não vão à
escola, do contrário seriam incapazes de entender e produzir qualquer tipo de enunciado. 21 Incorreto. O professor de Língua Portuguesa, os livros didáticos e os clássicos da literatura não ensinam ninguém a falar
ou a dominar um código verbal. Essa capacidade é adquirida naturalmente, no processo de aquisição da linguagem.
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Atividade Autocorrigível 2________________________________________________________________________________________ Assista aos vídeos indicados a seguir e, depois, leia o trecho22 do livro O instinto da linguagem, de Steven Pinker.
VÍDEO 123 VÍDEO 224 VÍDEO 325 Analise as afirmações abaixo e identifique aquela que relaciona corretamente as ideias do texto com o conteúdo dos vídeos. a)26 Ao contrário do que o texto afirma, os vídeos evidenciam que, por si só, sem o apoio da escola, uma criança será incapaz de aprender a língua dos seus pais. b)27 Os vídeos deixam claro que os pais precisam reservar uma determinada quantidade de horas por semana para corrigir o modo como seus filhos adquirem a língua, do contrário as crianças poderão desenvolver diversos vícios de linguagem. c)28 Como destacado pelo autor do texto, o fato de nenhum bebê nascer falando mostra que as regras da língua não são aprendidas naturalmente, mas precisam ser ensinadas por meio de exercícios que ajudem as crianças a falar de modo correto, evitando balbucios incompreensíveis às pessoas adultas. d)29 Os vídeos dão sustentação às ideias do texto, evidenciando que, muitos antes de ingressar na escola, as crianças recorrem a balbucios que lhes ajudam a descobrir e usar naturalmente o sistema de regras da língua à qual se encontram expostas. e)30 Em oposição às ideias do texto, os vídeos mostram que as crianças estão aprendendo a falar cada vez mais cedo, o que pode ser um reflexo positivo do acesso precoce às tecnologias de informação e comunicação.
22 PINKER, S. O instinto da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P. 333-338. Tradução de Claudia Berliner. 23 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=_JmA2ClUvUY&feature=related, acesso em 13/04/2011. 24 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=yuRZopj2GyM, acesso em 13/04/2011. 25 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=8v9KZo0rat0&feature=player_detailpage, acesso em 13/04/2011. 26 Incorreto. Os vídeos evidenciam que as crianças iniciam o aprendizado da língua de modo natural, antes mesmo de
entrar para escola e receber aulas de Língua Portuguesa. 27 Incorreto. Os vídeos são uma prova de que as crianças começam a fazer uso da língua de modo natural, sem a
necessidade de qualquer ensino ou treinamento formal por parte dos adultos. 28 Incorreto. O autor do texto destaca que o aprendizado da língua se dá naturalmente, por meio de habilidades instintivas
que são postas em prática já nos primeiros meses de vida. 29 Correto. Como afirma o texto, os balbucios são uma estratégia que ajuda as crianças a elaborarem “seu próprio manual
de instrução” sobre o funcionamento da língua, levando-as a aprender “quando devem mover que músculo em que sentido para obter que mudança de som”.
30 Incorreto. O conteúdo dos vídeos não traz qualquer evidência de que as crianças estejam aprendendo a falar precocemente, nem de que o aprendizado da fala tenha alguma relação com o acesso precoce às tecnologias de informação e comunicação.
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Finalizando ________________________________________________________________________________________ Como disciplina, a gramática não pode ser vista apenas como o lugar reservado ao ensino de preceitos acerca do que é certo ou errado, bom ou ruim, correto ou incorreto. Também não pode ser o espaço destinado ao mero ensino de nomenclaturas estéreis31, totalmente dissociadas de práticas que ajudem o aluno a refletir produtivamente sobre a sua língua.
Do mesmo modo, o trabalho com a língua portuguesa não pode estar a reboque de concepções teoricamente limitadas acerca do que seja a linguagem humana. Cabe à escola conduzir o aluno na descoberta de como a sua gramática internalizada se organiza, ajudando-‐o a reconhecer e analisar as regras da língua que ele adquiriu. A função do professor de Português não é, nesse sentido, ensinar uma língua ao aluno, mas capacitá-‐lo com habilidades que lhe permitam, em diferentes atividades, o uso consciente e criativo dos inúmeros recursos de expressão oferecidos pelas variedades da língua portuguesa, entre as quais necessariamente deverão se incluir aquelas de maior prestígio social, reunidas no que se convencionou chamar de norma culta. Nos próximos temas e tópicos, iremos refletir sobre como o tratamento da gramática, entendida como um conjunto de regras naturalmente internalizadas pelos falantes no processo de aquisição da linguagem, pode contribuir para que a disciplina de Língua Portuguesa seja bem sucedida em seus propósitos, em particular no que diz respeito ao trabalho com a relação entre gramática e sentido na constituição dos enunciados/textos.
31Fonte:http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2012/04/aula-de-portugues-carlos-drummond-de.html, acesso em 16/07/2012.
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Tópico 2 -‐ Formas e normas Ponto de partida ________________________________________________________________________________________ A abordagem de fatos gramaticais em sala de aula não pode prescindir da análise de dados linguísticos. De nada adianta o professor dizer que um adjunto adnominal é um termo modificador de substantivos se não orientar o aluno a refletir sobre dados concretos que lhe permitam entender adequadamente o papel desempenhado por esses termos no funcionamento da língua.
A escolha dos dados linguísticos a serem trabalhados nas aulas de gramática deve ser feita com base em critérios que priorizem o reconhecimento dos fatos gramaticais como estratégias desencadeadoras de efeitos de sentido. A rigor, qualquer enunciado da língua se presta a uma análise gramatical, mas nem todo enunciado se apresenta, para fins didáticos, como um dado rentável às reflexões sobre o papel da gramática na construção do sentido de um texto. Não basta que as atividades de análise gramatical sejam voltadas à mera identificação de classes de palavras ou funções sintáticas: o aluno deve ser capaz de reconhecer como as estruturas gramaticais contribuem para a composição do(s) sentido(s) de um enunciado e, a partir daí, empregar produtivamente essa capacidade nas práticas de produção e recepção textual.
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Os conceitos de frase, oração e período costumam introduzir a parte dos livros didáticos destinada ao estudo da sintaxe. Os três conceitos são correlacionados pela ideia de que o período é um tipo de frase composta de uma ou mais orações, então definidas como estruturas construídas em torno de um verbo. Nesse modo de ver as coisas, nem toda a frase é um período (uma vez que há frases sem oração, como "Ui!" e "Socorro!") e nem toda oração é uma frase (por exemplo, o sintagma verbal "comer bolo" é uma oração, mas não uma frase, quando complementa o verbo "querer" em sentenças como "eu quero comer bolo"). A partir da apresentação desses conceitos, os livros didáticos organizam a sintaxe da língua em dois eixos: (i) a oração e seus termos, geralmente analisados à luz da taxonomia proposta pela Nomenclatura Gramatical Brasileira32, e (ii) as estratégias de articulação entre as partes do enunciado, com destaque para as noções de transitividade, concordância, regência, coordenação e subordinação. Reflita:
• O trabalho com esses dois eixos pode ajudar o aluno a desenvolver habilidades que são necessárias às atividades de produção e recepção textual?
• As suas aulas de sintaxe têm resultado no desenvolvimento dessas habilidades?
• Que dificuldades você tem enfrentado para transformar as aulas de análise gramatical em
práticas vinculadas ao trabalho com diferentes gêneros textuais/discursivos?
32Fonte: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=ngbras, acesso em 13/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ A principal crítica que tem sido feita ao modo como se dá a abordagem gramatical na disciplina de Língua Portuguesa recai menos sobre o conteúdo e mais sobre a dissociação entre a análise linguística e o estudo dos efeitos de sentido na construção do texto. Considere, por exemplo, a letra de uma das estrofes de "Cotidiano"33, famosa música de Chico Buarque, reproduzida a seguir:
(Clique na imagem para ver o vídeo34)
Todo dia ela faz tudo sempre igual Me sacode às seis horas da manhã Me sorri um sorriso pontual E me beija com a boca de hortelã
Nesse trecho, o verbo sorrir, que é tipicamente intransitivo, deve ser analisado como transitivo, tendo como complemento o termo um sorriso pontual. Mais do que saber classificar esse verbo quanto à transitividade, o aluno precisa reconhecer o seu uso excepcional como transitivo e, mais importante, refletir sobre o porquê de o autor ter inserido um complemento verbal que, à primeira vista, soa redundante ("sorri um sorriso"). No tratamento de diferentes dados, o professor pode recorrer a estratégias de abordagem gramatical que valorizem o conhecimento natural dos alunos a respeito da língua. O trabalho nessa linha deve levar em conta que todo dado linguístico pode ser caracterizado quanto à forma e quanto à adequação a uma determinada norma linguística.
33 Fonte: http://letrasdespidas.wordpress.com/2008/01/26/chico-buarque-cotidiano/, acesso em 09/04/2011. 34 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=3ZW_keqnzD8, acesso em 09/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 No que diz respeito à forma, um determinado dado pode ser analisado como gramatical ou agramatical, a depender de a sua estrutura seguir ou não as regras gramaticais internalizadas pelos falantes da língua. Na
avaliação da (a)gramaticalidade, a postura do analista deve ser descritiva e não normativa: leva-‐se em conta não o que as gramáticas normativas preceituam sobre as construções, mas as regras gramaticais internalizadas pelos falantes que são naturalmente colocadas em uso no funcionamento da língua. Considere os pares de sentenças apresentados a seguir. Da perspectiva normativa, apenas as sentenças em (a) seguem o uso considerado correto do idioma. Contudo, se analisadas com base nas regras gramaticais internalizadas por pessoas que adquiriram a variedade brasileira do português, as construções em (b) não apresentam problemas em sua estruturação sintática e/ou morfológica. Pelo contrário: para a maior parte
dos brasileiros, as construções em (b) soam mais naturais do que as construções em (a). Quanto à forma, portanto, as sentenças em (b) são perfeitamente gramaticais, pois seguem as regras naturais de estruturação gramatical que fazem parte do conhecimento intuitivo de falantes do português brasileiro.
(1) a. Eu a beijei. b. Eu beijei ela. (2) a. Há muitos livros na estante. b. Tem muitos livros na estante. (3) a. Aquele livro é para eu ler. b. Aquele livro é para mim ler. (4) a. Tu conheces aquela criança? b. Tu conhece aquela criança?
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Em contraste com as sentenças apresentadas anteriormente de (1) a (4), a estrutura das sentenças em (5) e (6) a seguir causam estranhamento. As construções em (5) mostram ordenações de palavra que não estão previstas em nossa gramática internalizada, enquanto as construções em (6) exibem relações de concordância e regência que não são possíveis em nenhuma variedade do português. (5) a. A eu beijei. b. Há livros na estante muitos. c. É para ler mim aquele livro. d. Conheces aquela criança você? (6) a. Eu a beijamos. b. Hei muitos livros na estante. c. Aquele livro é para me ler. d. Você conheces aquela criança? Explorando o conhecimento intuitivo sobre as regras gramaticais de sua variedade linguística, nenhum aluno terá dificuldade para caracterizar os dados acima como agramaticais. A partir desse conhecimento, é possível elaborar atividades que motivem o aluno a desenvolver diferentes generalizações sobre a sua língua e, com isso, ajudá-‐lo a ter uma maior autonomia na análise dos mais variados fatos gramaticais, desde os mais simples aos mais complexos. É importante, contudo, ter em mente que os juízos de (a)gramaticalidade a respeito de um determinado dado linguístico podem variar entre os falantes de uma mesma língua. O que é considerado gramatical em uma dada localidade pode, em outra, ser considerado agramatical ou provocar, em certos usos, algum tipo de estranhamento. O professor de Língua Portuguesa deve, assim, mostrar sensibilidade no reconhecimento dos fatos gramaticais que singularizam a comunidade de fala na qual as suas práticas de ensino estão inseridas. ________________________________________________________________________________________
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ No que diz respeito à norma, os dados linguísticos podem ser avaliados quanto à maior ou menor adequação a uma situação comunicativa. As construções podem, assim, ser caracterizadas como adequadas ou inadequadas, a depender da(s) norma(s) associada(s) ao uso da língua em contextos específicos. A título de exemplo, considere o pronome "vós", uma forma em desuso tanto no Brasil quanto em Portugal. Mesmo em desuso, a realização desse pronome em orações ou textos proferidos em cerimoniais religiosos não nos causa estranhamento, uma vez que construções como "Vós entregastes vosso filho para nos salvar" são previstas pelas normas que determinam o uso da língua no contexto em questão. Em situações de fala espontânea, ao contrário, o emprego desse pronome é inadequado, tendo em vista que a forma de segunda pessoa do plural consagrada nas normas coloquiais brasileiras e portuguesas é "vocês" e não "vós".
No trabalho com o texto, o aluno deve ser capaz de perceber que certas construções gramaticais podem ser adequadas a um determinado gênero, mas não a outros. Podemos dizer que cada gênero se vale de uma norma particular, favorecendo ou desfavorecendo determinadas estruturas linguísticas. A narração de jogos de futebol, por exemplo, "autoriza" a ocorrência de construções com o sujeito em posição final, posposto ao complemento verbal ("Autoriza o jogo o juiz", "Pega a bola Rogério Ceni", "Passa a bola Ronaldo", "Cobra a falta Dentinho"), resultando em estruturas que, na gramática do português brasileiro, são pouco usuais em outras situações comunicativas.
(Clique na imagem35, para ouvir um podcast sobre Fiori
Giglioti em que esses usos da língua ocorrem) É importante ter em mente que nem todas as construções aconselhadas pelas gramáticas normativas são consideradas adequadas a qualquer norma. Como exemplo, podemos considerar as regras de colocação pronominal, tendo em vista a gramática internalizada pelos brasileiros36: muitos casos de ênclise abonados pela gramática normativa (como "amo-‐te", "beijar-‐te-‐ei" ou "dê-‐ma", em lugar, respectivamente, de "te amo", "vou beijar você" e "me dê ela"), não são usuais nem mesmo na norma culta37, depreendida a partir da produção linguística dos falantes com grau de instrução superior. ________________________________________________________________________________________
35 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=12GGMq0rZDQ, acesso em 13/04/2011. 36 Fonte: http://pensador.uol.com.br/frase/NTU4NjA3/, acesso em 13/04/2011. 37 Fonte: http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/ , acesso em 01/04/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ Nas avaliações de dados quanto à adequação ou inadequação a uma determinada norma, costuma-‐se levar em conta oposições do tipo formal vs informal, controlado vs espontâneo, polido vs coloquial, culto vs popular, entre outras. Em sala de aula, é importante que o professor explore fatos gramaticais que, em diferentes níveis de análise, evidenciem claramente essas oposições aos alunos.
(Clique na imagem para ver um vídeo38 da canção e um
depoimento de Adoniran)
No português brasileiro, a variação observada na marcação gramatical de número em padrões de concordância verbal e nominal está entre os fatos sobre os quais a oposição culto vs popular pode ser aplicada. A título de exemplo, considere as construções a seguir, extraídas de Saudosa Maloca39, canção de Adoniran Barbosa40.
"nóis nem pode se alembrá" "veio os home com as ferramenta" "peguemo todas nossas coisa" "que tristeza que nóis sentia" "os home tá com a razão"
"só se conformemo" "hoje nós pega a paia nas grama do jardim"
"pra esquecê nóis cantemo assim" As sentenças acima exemplificam alguns dos fatos gramaticais mais representativos do português brasileiro popular. Para garantir uma maior expressividade das suas letras, Adoniran Barbosa empregava essas construções para fazer referência à fala característica das classes sociais mais baixas. Tomando como base a gramática internalizada dos membros dessas classes, os padrões de concordância verbal e nominal observados nas músicas de Adoniran, embora inadequados à norma culta, devem ser analisados como gramaticais, perfeitamente compatíveis com as regras de estruturação sintática e morfológica atestadas em variedades do português brasileiro41. ________________________________________________________________________________________
38 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=idfXlzqUbIc&feature=fvwrel, acesso em 13/04/2011. 39 Fonte: http://letras.terra.com.br/adoniran-barbosa/43969/, acesso em 09/04/2011. 40Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/adoniran_barbosa.htm, acesso em 09/04/2011. 41 Fonte: http://www.fflch.usp.br/indl/, acesso em 13/04/2011.
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Finalizando ________________________________________________________________________________________ Neste tópico, abordamos dois critérios que podem entrar em jogo na avaliação de um dado linguístico: a sua forma, analisada como gramatical ou agramatical, e a sua adequação a uma determinada norma. Se incentivados a analisar as expressões linguísticas a partir desses critérios, os alunos poderão refletir sobre a língua com base nas regras da sua gramática internalizada, formulando generalizações que serão úteis tanto à compreensão de determinados fatos linguísticos quanto ao reconhecimento e utilização de padrões frásicos que são adequados às diferentes normas. É fundamental que os alunos conheçam a norma-‐padrão e a vejam como uma peça essencial ao domínio das variedades linguísticas de maior prestígio social e cultural. O professor não pode, contudo, apresentar essas variedades como as únicas possibilidades de realização da língua. Dominar a norma-‐padrão é de grande valia, por exemplo, na produção de textos dissertativos que requeiram a escrita formal ou na redação de um perfil para obtenção de emprego. Essa mesma norma, contudo, tem pouca utilidade em conversas informais pelo MSN ou em bate-‐papos numa mesa de bar, quando outras normas linguísticas são requeridas e espontaneamente colocadas em uso. Em sala de aula, o professor de Português deve investir tanto em atividades que ajudem seus alunos na utilização da norma-‐padrão quanto em práticas de análise que os levem a perceber os fatos gramaticais relativos às mais diferentes normas.
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Tópico 3 -‐ Gramática descritiva Ponto de Partida ________________________________________________________________________________________ Nos tópicos anteriores, exploramos o conceito de gramática internalizada, que leva em conta o conhecimento internalizado pelos falantes sobre a sua língua materna. Esse conhecimento, composto de regras fonológicas, morfológicas e sintáticas, é naturalmente adquirido no processo de aquisição da linguagem, sem a necessidade de intermediação da escola ou de qualquer outro meio de ensino formal.
Ao assumir esse conceito, o professor poderá desenvolver práticas que explorem de um modo mais produtivo a intuição do aluno a respeito da sua própria língua. Para atingir esse objetivo, as reflexões sobre os fatos gramaticais precisam partir de uma perspectiva descritiva e não normativa. Isso não significa que o aprendizado da norma padrão (ou de qualquer outra norma relevante no estudo da língua) deva ser evitado, mas que a assimilação de regras estranhas à gramática internalizada dos alunos (como muitas das regras prescritas pela gramática normativa) deve ter como ponto de partida as variedades linguísticas em uso na
comunidade em que a prática docente se realiza. Para refletir sobre esse ponto, iremos abordar neste tópico a oposição entre gramática descritiva42 e gramática normativa43, chamando a atenção para a ideia de que o trabalho com a gramática internalizada do aluno deve explorar uma metodologia descritiva frente aos fatos da língua. ________________________________________________________________________________________
42 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_descritiva, acesso em 07/05/2012. 43 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_normativa, acesso em 07/05/2012.
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Mãos à obra No tópico anterior, apresentamos uma música de Adoniran Barbosa, intitulada Saudosa Maloca44, para exemplificar fatos gramaticais que são bastante comuns em variedades populares do português brasileiro. Ouça novamente a canção e reflita sobre a seguinte questão: De uma perspectiva gramatical, podemos dizer que as variedades populares do português brasileiro são mais simplificadas (ou menos complexas) que as variedades mais cultas? Por quê?
________________________________________________________________________________________
44 Fonte: http://letras.terra.com.br/adoniran-barbosa/43969/, acesso em 02/05/2012.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Uma das características mais proeminentes das variedades populares do português brasileiro está na sua sintaxe de concordância. No que diz respeito à concordância nominal, por exemplo, essas variedades tendem a realizar a marca morfológica de plural apenas no determinante (os livro vs os livros) ou no primeiro item do sintagma nominal (livros bonito). Quanto à concordância verbal, o sistema flexional é reduzido (como o do inglês e do francês), não se observando nele as seis marcas distintivas45 que encontramos no português europeu padrão. Frente a fatos gramaticais desse tipo, muitas pessoas costumam afirmar que o português falado no Brasil pelas classes populares não dispõe de regras de concordância. Esse ponto de vista é equivocado, uma vez que, apesar de ser diferente do que é prescrito pelas gramáticas normativas, toda e qualquer variedade linguística segue regras bem determinadas no uso da língua. Essas regras são estabelecidas no processo natural de aquisição da língua e constituem a gramática internalizada dos falantes dessa variedade. Observemos, a título de exemplo, a sintaxe de concordância que aparece nas construções de Saudosa Maloca, que procura representar a fala popular. Um olhar mais detido sobre os fatos morfossintáticos exemplificados na música nos revela que Adoniran Barbosa não se valeu de regras aleatórias ou incongruentes de concordância, mas explorou propriedades que são passíveis de sistematização, da mesma forma que as regras de concordância presentes nas variedades cultas da língua. ________________________________________________________________________________________
45No presente do indicativo, por exemplo, o português europeu apresenta seis marcas flexionais distintivas: eu canto, tu
cantas, ele canta, nós cantamos, vós cantais, eles cantam. Já em variedades populares do português brasileiro, essa distinção pode ficar reduzida a apenas duas marcas, distinguindo a primeira pessoa do singular das demais: eu canto, você/tu canta, ele canta, a gente/nós canta, vocês canta, eles canta. Mesmo as variedades mais cultas do português brasileiro apresentam uma redução do seu paradigma flexional em comparação com o português europeu. Na fala culta carioca, por exemplo, o padrão flexional é o seguinte: eu canto, você canta, ele canta, a gente canta / nós cantamos, vocês cantam, eles cantam.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Quanto à concordância verbal, vemos em Saudosa Maloca a generalização da forma de terceira pessoa do singular do presente e do pretérito imperfeito do indicativo: nós nem pode (em vez de nós nem podemos), nós sentia (em vez de nós sentíamos), nós pega (em vez de nós pegamos), os homi tá (em vez de os homens estão), nós sentia (em vez de nós sentíamos). O emprego do pretérito perfeito do indicativo, contudo, leva a uma diferenciação na flexão do verbo, com o morfema característico da primeira pessoa do plural sendo morfologicamente realizado: construímos, peguemos, conformemos, cantemos. É importante observar que, quando o verbo pertence à primeira conjugação, a vogal temática que se realiza nas formas do pretérito perfeito passa a ser -‐e, e não -‐a: peguemos, conformemos, cantemos (em lugar de pegamos, conformamos, cantamos). Quanto à concordância nominal, vemos a realização da marca de plural apenas no primeiro item do sintagma nominal (os homi, nossas coisa, as páia, as grama, os jardim, dias feliz), o que também é uma marca bastante comum nas variedades populares do português brasileiro. Além desses fatos relacionados à concordância verbal e nominal, encontramos em Saudosa Maloca outras marcas sintáticas interessantes, como a supressão morfo-‐fonológica do morfema indicativo de infinitivo (contá em vez de contar, alembrá em vez de alembrar) e o emprego do pronome se em substituição a outras formas pronominais oblíquas (nós nem pode se alembrá, só se conformemos). Todos esses fatos revelam que o português brasileiro popular, exemplificado em Saudosa Maloca, faz uso de regras morfossintáticas passíveis de sistematização. Tais regras são tão complexas quanto a de outras variedades e línguas e podem ser estudadas cientificamente, à luz de conceitos da gramática tradicional ou de outros modelos mais sofisticados de análise linguística.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 Enquanto as regras da gramática normativa funcionam muito mais como um "manual de etiquetas" sobre como a língua deve ser usada, a "gramática internalizada" é um conjunto de regras naturais, construída intuitivamente no processo de aquisição da língua, daí a necessidade de o professor assumir uma visão descritiva (ou seja, científica, objetiva, rigorosa, sem emissão de juízos de valor) ao explorar os fatos dessa gramática. Em outras palavras, o professor deve levar em conta que os fatos gramaticais característicos da variedade linguística naturalmente usada pelos seus alunos são tão legítimos e passíveis de sistematização quanto os fatos das variedades que seguem mais de perto o padrão prescrito pelas gramáticas normativas. Em um texto publicado recentemente em seu blog, o professor Sírio Possenti46 chamou a atenção para dois projetos de lei (um na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e outro na de Minas Gerais) que tentam restringir o conteúdo dos livros didáticos à norma culta. Um desses projetos traz o seguinte trecho: Fica proibida a adoção e distribuição na rede de ensino pública e privada do Estado do Rio de Janeiro de qualquer livro didático, paradidático ou literário com conteúdo contrário à norma culta da língua portuguesa ou que viole de alguma forma o ensino correto da gramática de nosso idioma nacional. Uma vez aprovados, projetos de leis desse tipo baniriam canções como as de Adoniran Barbosa dos livros didáticos. E não só: autores como Guimarães Rosa, Oswald de Andrade e Mário de Andrade teriam alguns de seus textos mais importantes excluídos dos livros de literatura, uma vez que exploram fartamente fatos de variedades não padrão do português.
46 Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/blogdosirio/blog/2012/04/26/janio-nao-morreu/, acesso em 02/05/2012.
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Finalizando ________________________________________________________________________________________ O trabalho com o conceito de gramática internalizada exige, como vimos, uma postura descritiva frente aos fatos da língua. Isso não significa, contudo, que o ensino da norma culta deva ser colocado em segundo plano. Levar o aluno a refletir sobre a sua gramática internalizada, conduzindo-‐o a perspectivas de análise mais produtivas em relação à sua variedade linguística, resultará certamente em um trabalho mais enriquecedor na abordagem da chamada "norma culta". Voltaremos a abordar esse tópico mais adiante, quando iremos refletir um pouco mais sobre o lugar dos estudos gramaticais na disciplina de Língua Portuguesa.
47
47 Fonte: http://carlosoliveira.arteblog.com.br/549799/Norma-culta-X-variantes-linguisticas-qual-deve-ser-a-posicao-da-
escola/, acesso em 07/05/2012.
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Ampliando os conhecimentos I ________________________________________________________________________________________ Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você pode ler: Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna48, de Marcos Bagno: Esse artigo contrapõe o discurso científico e o discurso do senso comum no tratamento de fatos linguísticos, chamando a atenção para incongruências da Gramática Tradicional, que ainda está na base da abordagem gramatical na disciplina de Língua Portuguesa. Ensino da língua em contexto de mudança49, de Maria Eugenia Lamoglia Duarte: O texto, que resulta de uma conferência proferida a estudantes de Letras, aborda fatos de variação e mudança no português, discutindo, dentre outros tópicos, a falta de sintonia entre a disciplina de Língua Portuguesa e a realidade linguística brasileira. Entrevista com Maria Marta Pereira Scherre sobre preconceito linguístico, variação linguística e ensino50, por Jussara Abraçado: Nessa entrevista, a sociolinguista Marta Scherre discorre sobre os efeitos negativos do preconceito linguístico no ensino de Língua Portuguesa e sobre a necessidade de abordar, em sala de aula, a variação linguística. Como falam os brasileiros51, de Yonne Leite e Dinah Callou: O livro apresenta fatos linguísticos em diferentes falares brasileiros (carioca, gaúcho, paulista, baiano e pernambucano), à luz da sociolinguística variacionista. Ensino de Gramática -‐ Descrição e Uso52, coletânea de textos organizada por Silvia Rodrigues Vieira e Silvia Figueiredo Brandão: O livro reúne artigos sobre diferentes tópicos de análise gramatical, sugerindo estratégias para o desenvolvimento de abordagens que ajudem o aluno a refletir adequadamente sobre a forma e o funcionamento da língua. Norma culta brasileira: desatando alguns nós53, de Carlos Alberto Faraco: O livro aborda os conceitos de norma, norma culta, norma padrão e norma gramatical, destacando confusões e incoerências no uso que se costuma fazer desses conceitos. Ensino e aprendizado da língua materna54, de Celso Pedro Luft: O autor reflete sobre os descaminhos da disciplina de Língua Portuguesa e propõe uma abordagem que tenha como ponto de partida o conhecimento natural do aluno a respeito dos fatos da sua língua. ________________________________________________________________________________________
48 Fonte: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=12, acesso em 14/04/2011. 49 Fonte: http://www.filologia.org.br/anais/anais%20iv/civ12_3.htm, acesso em 03/05/2012. 50 Fonte: http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/36/entrevista.pdf, acesso em 14/04/2011. 51 Fonte: http://www.zahar.com.br/catalogo_detalhe.asp?id=0724&ORDEM=2, acesso em 14/04/2011. 52 Fonte: http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=320, acesso em 14/04/2011. 53 Fonte: http://www.parabolaeditorial.com.br/releasenormaculta.htm, acesso em 14/04/2011. 54Fonte: http://globolivros.globo.com/busca_detalhesprodutos.asp?pgTipo=CATALOGO&idProduto=923, acesso em
14/04/2011.
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Ampliando os conhecimentos II ________________________________________________________________________________________ WEBGRAFIA Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você também poderá ver na WEB: Entrevista do Professor Sírio Possenti, linguista da Unicamp, ao jornalista Juca Kfouri. Dividida em três partes (PARTE 155 PARTE 256 PARTE 357), a entrevista aborda diferentes questões relacionadas ao papel da Linguística na análise de propriedades da língua. Clique aqui58 para entrar no blog do Prof. Sírio Possenti e aqui59 para ler o artigo de sua autoria mencionado na primeira parte da entrevista. Páginas de projetos voltados à descrição de variedades do português, com áudios, transcrições de entrevistas e/ou resultados de estudos sobre o uso da língua nessas variedades: NURC-‐RJ60: Estudo da Norma Urbana Culta no Rio de Janeiro PEUL61: Programa de Estudos do Uso da Língua (Rio de Janeiro) PROJETO ALIP62: Amostra Linguística do Interior Paulista VARPORT63: Variedades contrastivas do português (dados de fala e escrita do português brasileiro e do português europeu) PROFALA64: Variação e processamento da fala e do discurso (Ceará) VERTENTES65: Português Popular do Estado da Bahia LUAL66: Língua Usada em Alagoas COMUNIDADES QUILOMBOLAS67: Levantamento Etnolinguístico de Comunidades Afro-‐brasileiras de Minas Gerais e Pará CORDIAL-‐SIN68: Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe (Português Europeu) CRPC69: Corpus de Referência do Português Contemporâneo ________________________________________________________________________________________
55Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=L4hbZYndovM, acesso em 14/04/2011. 56Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ydj42OqNF08&feature=related, acesso em 14/04/2011. 57Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=bHrOsn5OGYo&feature=related, acesso em 14/04/2011. 58Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/ultimas/0,,TIU-EI8425,00.html, acesso em 14/04/2011. 59Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1817886-EI8425,00-Redundantemente.html, acesso em
14/04/2011. 60 Fonte: http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/, acesso em 14/04/2011. 61 Fonte: http://www.letras.ufrj.br/peul/index.html, acesso em 14/04/2011. 62 Fonte: http://www.iboruna.ibilce.unesp.br/index.php, acesso em 14/04/2011. 63 Fonte: http://www.letras.ufrj.br/varport/, acesso em 14/04/2011. 64 Fonte: http://www.profala.ufc.br/, acesso em 14/04/2011. 65 Fonte: http://www.vertentes.ufba.br/home, acesso em 14/04/2011. 66 Fonte: http://www.fale.ufal.br/projeto/prelin/bancodedados.php, acesso em 14/04/2011. 67 Fonte: http://www.fflch.usp.br/dl/indl/index.php, acesso em 14/04/2011. 68 Fonte: http://www.clul.ul.pt/sectores/variacao/cordialsin/projecto_cordialsin_corpus.php#manuais, acesso em
14/04/2011. 69 Fonte: http://www.clul.ul.pt/sectores/linguistica_de_corpus/projecto_crpc.php, acesso em 14/04/2011.
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Ampliando os conhecimentos III ________________________________________________________________________________________ Para concretizar alguns dos assuntos que discutimos no Tópico 1, você pode assistir ao filme Nell70:
Título original: (Nell) Lançamento: 1994 (EUA) Direção: Michael Apted Atores: Jodie Foster, Liam Neeson, Natasha Richardson, Richard Libertini. Duração: 115 min Gênero: Drama Sinopse Uma jovem (Jodie Foster) é encontrada em uma casa na floresta, onde vivia com sua mãe eremita, mas o médico (Liam Neeson) que a encontra após a morte da mãe constata que ela se expressa em um dialeto próprio, evidenciando que até aquele momento ela não havia tido contado com outras pessoas. Intrigado com a descoberta e ao mesmo tempo encantado com a inocência e a pureza da moça, ele tenta ajudá-‐la a se integrar na sociedade. Para ler uma resenha do filme, clique aqui71. Você pode ver o trailer, clicando aqui72.
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70 Fonte: http://sarahmoura-geo.blogspot.com/2010/10/nell.html, acesso em 09/04/2011. 71 Fonte: Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=73, acesso em 09/04/2011. 72 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=1UZp5v2Gj04, acesso em 09/04/2011.
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Ampliando os conhecimentos IV ________________________________________________________________________________________ Assista ao filme Desmundo para refletir um pouco mais sobre os assuntos tratados nos Tópicos 2 e 3. A história se passa no Brasil da segunda metade do século XVI. O filme procura reproduzir a fala da época, que apresenta construções linguísticas completamente estranhas aos falantes das atuais variedades do português. O material é uma boa oportunidade para observar e analisar as formas linguísticas, hoje agramaticais, que eram usuais em estágios anteriores do português.
Título original: (Desmundo) Lançamento: 2003 (Brasil) Direção: Alain Fresnot Atores: Simone Spoladore73, Osmar Prado74, Berta Zemei, Beatriz Segall. Duração: 100 min Gênero: Drama
Clique aqui75 para ler a sinopse do filme. Você também pode ver o trailer do filme, clicando aqui76. ________________________________________________________________________________________
73 Fonte: http://www.adorocinema.com/atores/simone-spoladore/, acesso em 14/04/2011. 74 Fonte: http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-97290/, acesso em 07/05/2012. 75 Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/desmundo/, acesso em 14/04/2011. 76 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=i7MznCZyKhI, acesso em 16/04/2011.
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Referências Bibliográficas ________________________________________________________________________________________ ABRAÇADO, J. Entrevista com Marta Pereira Scherre sobre preconceito linguístico, variação linguística e ensino. Caderno de Letras da UFF, 36, 2008. P. 11-‐26. BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: Ciência e senso comum na educação em língua materna. Disponível em: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=37, acesso em 10/04/2011. DUARTE, M. E. L. Ensino da língua em contexto de mudança. Disponível em: http://www.filologia.org.br/anais/anais%20iv/civ12_3.htm, acesso em 10/04/2011. FARACO, C. A. Norma culta brasileira: Desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. LEITE, Y.; CALLOU, D. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. LUFT, C. P. Ensino e aprendizado da língua materna. São Paulo: Globo, 2007. PINKER, S. O instinto da linguagem -‐ como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradução de Claudia Berliner. VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F. Ensino de gramática -‐ Descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.
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Tema: 2. Da gramática ao texto: elementos de análise
Tópico 1: Nomenclatura gramatical
Ponto de partida ________________________________________________________________________________________ Toda atividade ou campo de conhecimento no qual é necessário desenvolver categorizações exige o desenvolvimento de uma taxonomia78, que pode resultar na formulação de nomenclaturas. Além de facilitar a descrição de um objeto complexo, a adoção de nomenclaturas garante uma base uniforme, comum a diferentes estudos sobre esse mesmo objeto, a partir da qual se podem fazer generalizações, consolidar hipóteses, testar previsões e comparar o alcance de diferentes análises. A gramática se inclui entre as áreas de conhecimento que, pela natureza do seu objeto de observação (a sintaxe, a morfologia e a fonologia de uma língua), requer o recurso a nomenclaturas. A Gramática Tradicional79, que remonta à antiguidade greco-‐romana, emergiu historicamente como um aparato que, na intenção de preservar um determinado estado da língua, exigiu o esforço da taxonomia para categorizar, dentre outros elementos, as chamadas partes do discurso. Essa taxonomia serviu de base às nomenclaturas que orientaram a descrição das línguas no mundo ocidental, com sua influência se fazendo sentir até os dias atuais. No século XX, com as teorias gramaticais se consolidando como campos de investigação científica, as diferentes correntes de estudos linguísticos voltados à gramática das línguas naturais passam a elaborar nomenclaturas cada vez mais sofisticadas, que têm por objetivo não apenas descrever uma determinada língua, mas também assegurar o poder explanatório de seus modelos. Mais do que operar com a classificação das partes do discurso (substantivo, adjetivo, verbo etc.) e suas funções (sujeito, complemento, adjunto etc.), esses modelos investem na categorização de processos e configurações frasais80, no intuito de explicar o conhecimento e/ou uso da gramática pelos falantes de uma língua. E quanto à nomenclatura gramatical empregada no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa, qual é a sua finalidade? O recurso a essa nomenclatura tem tido sucesso? Os conceitos e definições em sua base têm acompanhado o avanço dos estudos gramaticais desenvolvidos em diferentes correntes da Linguística contemporânea? ________________________________________________________________________________________
77 Fonte: http://www-man.blogspot.com/2010/09/classificacao-dos-seres-vivos.html, acesso em 13/05/2011. 78 "Taxonomia" quer dizer uma "classificação", a criação de um conjunto de categorias para classificar as coisas do
mundo, inclusive os fatos da língua. 79Fonte:http://books.google.com.br/books?id=HtNkpew8OnQC&printsec=frontcover&hl=pt-
BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false, acesso em 13/05/2011. 80 A gramática gerativa, por exemplo, trabalha, em seus diferentes desdobramentos, com a classificação de procedimentos
derivacionais que entram em jogo na estruturação sintática de uma sentença. Essa classificação procura captar as propriedades que garantem a gramaticalidade de uma sentença, dando base às previsões sobre o que resulta na boa ou má formação de uma expressão linguística.
(Clique na imagem77 para ampliá-la)
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ No tópico 2 do Tema 1, analisamos brevemente um verso de Cotidiano, de Chico Buarque, em que o verbo sorrir, um item tipicamente intransitivo, é empregado com um complemento (Sorri um sorriso pontual). Clique aqui81 para assistir a um vídeo em que acontece o oposto: dois verbos tipicamente transitivos (roubar e fazer) são empregados sem complemento. Depois de assistir ao vídeo, reflita sobre as seguintes questões:
• Dentro do contexto de elaboração desse vídeo, por que os dois verbos podem dispensar a explicitação de um complemento?
• Ao tratar da transitividade verbal com seus alunos, você associa a necessidade de complementação
ao contexto de ocorrência do verbo ou se limita a apresentar frases descontextualizadas, em atividades que funcionam apenas como exercícios de fixação?
• Se, em lugar de verbo transitivo e verbo intransitivo, recorrêssemos às noções de oração
transitiva e oração intransitiva, você acha que o tratamento da transitividade verbal se tornaria mais produtivo em sala de aula? Qual seria o conceito de oração transitiva? E de oração intransitiva?
________________________________________________________________________________________
81 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=7ZZD-H66M1Y, acesso em 13/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ A nomenclatura gramatical que atualmente serve de base à disciplina de Língua Portuguesa tem sido alvo de severas críticas, tanto pela finalidade com que tem sido empregada em sala de aula quanto pelas inconsistências conceituais em sua base. No que diz respeito à finalidade, é importante ter em mente que a adoção de uma nomenclatura, em qualquer campo de saber, não deve ter como fim o seu próprio aprendizado, mas ser um instrumento a serviço de práticas específicas, facilitando a descrição e análise de um objeto em estudo.
Pense nas nomenclaturas que os estudantes de medicina precisam aprender para exercer a profissão que escolheram. Para esses estudantes, a nomeação dos diferentes ossos do corpo humano ou das partes do cérebro, por exemplo, é um apoio fundamental tanto à aquisição de conhecimentos sobre o funcionamento do nosso corpo quanto ao aprendizado das técnicas que deverão realizar em sua vida profissional. Nenhum estudante de medicina aprende o nome dos ossos ou das partes do cérebro simplesmente para mostrar que consegue reconhecer esses elementos, mas para garantir que a execução de diferentes atividades no exercício de sua profissão seja bem sucedida.
Nas aulas de gramática, costumamos ver o contrário: a nomenclatura gramatical apresentada aos alunos, que traz uma extensa lista de classes e funções, não tem tido uma finalidade para além do seu próprio aprendizado. O ensino da nomenclatura fica quase sempre restrito à função de medir o conhecimento do aluno em atividades voltadas à simples classificação morfológica ou a análises sintáticas automatizadas, sem qualquer reflexão mais sofisticada e produtiva em torno dos fatos da língua. Mesmo quando o seu uso é pretensamente voltado a atividades de recepção textual, é comum vermos o texto ser usado como um mero instrumento (ou, como se costuma dizer, como um "pretexto") para treinar o aluno no reconhecimento das diferentes classes e funções. A adoção de uma nomenclatura gramatical deve ter um alcance que vai muito além do seu próprio aprendizado. Um dos seus objetivos deveria ser o de ajudar o aluno a refletir sobre a sua gramática internalizada para, a partir daí, analisar a língua em funcionamento e depreender, com mais autonomia, as regras que alicerçam o seu uso.
82 Fonte: http://cistosaracnoide.org/anatomia.html, acesso em 13/05/2011.
(Clique na imagem82 para ampliá-‐la)
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Considere, a título de exemplo, o tratamento da transitividade verbal, sobre a qual você refletiu na seção Mãos à obra. Depois de ser apresentado à divisão dos verbos em transitivos, intransitivos e de ligação, o aluno passa a ser cobrado quanto à classificação desses itens no que diz respeito à necessidade de complementação e/ou quanto ao seu papel na nucleação de um predicado. Pouco ou nada se diz sobre as propriedades semântico-‐discursivas demonstradas pelos diferentes tipos de verbo ou sobre a possibilidade de um mesmo verbo, a depender do seu contexto de ocorrência, mostrar comportamentos diversos no que concerne à transitividade e, por extensão, produzir efeitos de sentido diferenciados na constituição de uma sentença. Tome como exemplo o tratamento comumente oferecido pelos livros didáticos aos verbos de ligação, assim chamados por serem tradicionalmente analisados como tendo um conteúdo sem função predicativa e servirem para articular o sujeito da oração com o núcleo semântico do predicado. Uma vez colocados em contato com essa definição, os alunos são cobrados quanto ao reconhecimento de que verbos como ser, estar, ficar, permanecer, continuar etc. são itens que pertencem à categoria dos verbos de ligação. Os exercícios de classificação em torno desses verbos deveriam, contudo, ser acompanhados de uma reflexão a respeito dos efeitos desencadeados pelo seu emprego na construção dos enunciados. Isso ajudaria os alunos na percepção de que os verbos de ligação não servem apenas para ligar um sujeito ao predicado, mas também para produzir uma série de efeitos sintático-‐discursivos (como a impessoalização da oração) e morfossemânticos (como diferentes nuances tempo-‐aspectuais) que determinam o sentido dos enunciados. O verbo ser, por exemplo, pode dispensar a ocorrência de um sujeito referencialmente definido, passando a funcionar como um verbo impessoal ou conduzindo a uma interpretação que sugira incerteza ou indeterminação referencial no tocante ao sujeito. Observe, por exemplo, as várias ocorrências do verbo ser em Águas de Março83, famosa canção de Tom Jobim, e reflita sobre as seguintes questões: é possível, dentro da letra dessa música, identificar facilmente os sujeitos dos predicados com esse verbo? Na ausência de um sujeito explícito para predicados do tipo "É pau, é pedra, é o fim do caminho", o verbo ser pode continuar sendo chamado "de ligação"? Que efeito é obtido pela sequência de predicados sem sujeito? Questões desse tipo, que são fundamentais para levar o aluno a refletir sobre as construções com o verbo de ligação no conhecimento e uso da língua, costumam ser inteiramente deixadas de lado na abordagem da transitividade verbal. ________________________________________________________________________________________
83 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=xRqI5R6L7ow, acesso em 16/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3
No que diz respeito às limitações da nomenclatura gramatical empregada pelos livros didáticos, a percepção das inconsistências se deve em grande medida ao fato de os conceitos em sua base não terem acompanhado o avanço dos modelos de análise gramatical na segunda metade do século XX. Esses modelos são voltados à observação da linguagem oral e/ou da intuição dos falantes, o que levou à emergência de taxonomias bem mais sofisticadas que as formuladas à luz da Gramática Tradicional. A nomenclatura gramatical empregada atualmente nas escolas brasileiras (conhecida como NGB84), que resulta do final da década de 50, tinha entre seus objetivos uniformizar as nomenclaturas utilizadas em âmbito escolar, para o quê teve um evidente sucesso. Contudo, frente às teorias gramaticais que se consolidaram a partir de diferentes modelos de análise linguística, essa nomenclatura se tornou obsoleta e contraproducente, incapaz de atender satisfatoriamente a uma abordagem moderna das propriedades demonstradas pelas línguas naturais. É injustificável, por exemplo, que o ponto de partida para o tratamento das partes da oração continue a ser uma divisão dos termos em essenciais, integrantes e acessórios, quando se sabe que o comportamento dos constituintes oracionais não confirma os pressupostos que motivam essa divisão. O sujeito, por exemplo, é um termo que continua a ser classificado como essencial, muito embora as orações sem sujeito sejam bastante frequentes na língua. O agente da passiva, classificado como integrante, é dispensado na maioria das orações com o verbo na voz passiva, não se justificando a sua inclusão entre os termos desse tipo. Parte dos sintagmas com interpretação locativa (como na estante em Pus o livro na estante) classificados como adjuntos adverbiais, que são termos acessórios, é necessária à complementação verbal, mas a nomenclatura não prevê qualquer tipo de função para tais sintagmas entre os termos integrantes. A lista de inconsistências é imensa e a sua explicitação exigiria um espaço que vai muito além ao destinado para esse curso. Na seção Ampliando os conhecimentos I, você encontrará indicações de trabalhos que tratam desse assunto.
84 Fonte: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=ngbras, acesso em 13/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4
Uma vez assimiladas, as nomenclaturas passam a moldar a visão das pessoas a respeito do objeto que é alvo da descrição. No que diz respeito à gramática, isso é evidente: a NGB é a base sobre a qual os professores e alunos constroem suas representações acerca de como a gramática da língua se constitui. Para citar um exemplo, considere a proposta da NGB para os complementos verbais. A simples divisão em objeto direto e objeto indireto conduz à crença de que a preposição é o único elemento relevante para determinar o tipo de complementação. Porém, antes da consolidação da NGB, os termos que hoje são incluídos entre os objetos indiretos eram classificados com base em critérios que levavam em conta não apenas a preposição, mas outros aspectos de ordem morfossintática e semântico-‐discursiva. A gramática85 de Rocha Lima86 é uma das que mantiveram o tratamento conferido à complementação verbal antes da NGB. Esse autor divide os complementos verbais em objeto direto, objeto indireto, complemento relativo e complemento circunstancial. O que ele chama de objeto indireto se restringe aos termos com interpretação benefactiva87 e outras afins, que podem ser substituídos, quando envolvem a terceira pessoa gramatical, pelo pronome lhe. É o caso, por exemplo, do termo ao menino em Dei o livro ao menino, que admite, na norma-‐padrão, a substituição por esse pronome (Dei-‐lhe o livro). Nessa mesma gramática, os complementos relativos, necessariamente introduzidos por uma preposição, não podem ser substituídos por um pronome oblíquo (por exemplo, o termo de você em orações como Preciso de você). Os complementos circunstanciais, por sua vez, são aqueles exigidos pelo verbo, podendo ou não ser preposicionados, indicativos de uma circunstância locativa (como em Pus o livro na mesa), direcional (como em Vou ao Rio), temporal (como em A reunião vai até de madrugada), valorativa (O livro custou cem reais) etc. Pelo menos no âmbito da complementação circunstancial, o resultado da NGB foi bastante negativo: seguindo essa nomenclatura, os manuais de ensino passaram a classificar termos como ao Rio em orações do tipo Fui ao Rio ou Cheguei ao Rio como adjuntos adverbiais, muito embora tais termos sirvam claramente à complementação do verbo. A NGB "escondeu", dessa forma, critérios sintático-‐semânticos que poderiam, se bem trabalhados pelo professor, ajudar o aluno a refletir de modo mais coerente e produtivo sobre as estratégias de complementação em sua gramática internalizada.
85 Fonte: http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=24996, acesso em 16/05/2011. 86 Fonte: http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/homenageado.htm, acesso em 13/05/2011. 87 Benefactivo: aspecto que indica ação praticada em benefício de alguém, como por exemplo o verbo "doar" em "Doei-
lhe todo meu dinheiro".
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Atividade autocorrigível 3a Leia as afirmações a seguir e reconheça quais delas trazem informações corretas a respeito da abordagem oferecida pelo gramático Said Ali (clique aqui88 para acesso ao texto) aos verbos transitivos e intransitivos do português em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa89, que reúne estudos publicados em 1921 e 1927. a)90 Said Ali classifica como transitivos os verbos que exigem um complemento e como intransitivos os que dispensam um complemento. b)91 Parte dos verbos que Said Ali chama de intransitivos relativos corresponde àqueles que a NGB classifica como transitivos indiretos. c)92 De acordo com Said Ali, a linha entre verbo transitivo e verbo intransitivo não é rigorosa porque não há um consenso entre os gramáticos sobre qual é a melhor forma de classificar os verbos. d)93 Said Ali afirma que os complementos de verbos intransitivos devem ser chamados de objetos indiretos circunstanciais, uma vez que compartilham propriedades com os termos de função adverbial. e)94 Por resultar de uma nomenclatura que data do início do século passado, a classificação usada por Said Ali não pode ser estendida ao português contemporâneo, já que a língua portuguesa sofreu várias mudanças ao longo do século XX e muitos verbos que eram intransitivos passaram a ser transitivos e vice-‐versa.
88Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_l
ingua_gram_texto_sentido/Said_Ali_verbos.pdf, acesso em 13/05/2011. 89Fonte:http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramaticaindex.php?fg=arquivos/Said_Ali_historica/paginasiniciais.pdf&m
n=gramatica1menu.php, acesso em 13/05/2011. 90 Incorreto. Na proposta de Said Ali, verbos que pedem complementos também são classificados como intransitivos. 91 Correto. Os verbos intransitivos relativos são, na classificação de Said Ali, aqueles que pedem um complemento
necessariamente introduzido por preposição, que correspondem, em grande parte, aos que NGB denomina transitivos indiretos.
92 Incorreto. De acordo com Said Ali, a linha entre verbo transitivo e verbo intransitivo não é rigorosa porque muitos verbos classificados como transitivos podem, em determinados contextos, ser usados como intransitivos.
93 Correto. De acordo com Said Ali, os complementos de verbo intransitivo, que podem ser preposicionados, mostram “alguma semelhança com as circunstâncias expressas pelos advérbios”.
94 Incorreto. Tanto a classificação usada por Said Ali quanto a proposta pela NGB são convenções, com uma podendo ser usada em lugar da outra independentemente de eventuais mudanças que tenham ocorrido na língua.
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Atividade autocorrigível 3b Em resposta a um artigo publicado na Revista Veja (edição 1725)95, Marcos Bagno destaca o seguinte: Leia a resposta96 de Marcos Bagno na íntegra e escolha a afirmativa correta. a)97 De acordo com Marcos Bagno, o recurso a nomenclaturas sempre traz prejuízos ao ensino da língua. b)98 O fato de os grandes centros de pesquisa linguística do Brasil não levarem a sério opiniões como as emitidas por Pasquale Cipro Neto revela, segundo o texto, que as universidades brasileiras rejeitam categoricamente as abordagens científicas contemporâneas em torno da linguagem. c)99 Marcos Bagno defende que, em respeito à diversidade linguística brasileira, o ensino da norma-‐padrão deve ser evitado. d)100 O texto de Marcos Bagno chama a atenção para o fato de os meios de comunicação de massa mostrarem despreparo para abordar objetivamente, de uma ótica científica, as questões sobre a língua. e)101 Marcos Bagno se aproxima da opinião de Pasquale Cipro Neto no que diz respeito à necessidade do ensino da norma-‐padrão, pois ambos acreditam que essa norma é a forma de realização mais completa da língua.
95 Fonte: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx, acesso em 16/05/2011. 96 Fonte: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=39, acesso em 13/05/2011. 97 Incorreto. De acordo com Marcos Bagno, é a nomeclatura gramatical tradicional, e não o recurso em si às
nomenclaturas, que tem prejudicado as reflexões sobre a língua em âmbito escolar. 98 Incorreto. Segundo o texto, os grandes centros de pesquisa linguística do Brasil não levam a sério opiniões como as
emitidas por Pasquale Cipro Neto porque tais opiniões demonstram uma “atitude anticientífica dogmática e até obscurantista no que diz respeito à língua e seu ensino”.
99 Incorreto. Marcos Bagno defende que o ensino da norma-padrão deve ser um dos objetivos da escola, citando Magda Soares, para quem as camadas populares devem conhecer o padrão “não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais”.
100 Correto. O autor destaca que os meios de comunicação de massa estão “na contramão da História quando o assunto é língua”, pois há “um absoluto despreparo de jornalistas e comunicadores para tratar do tema”.
101 Incorreto. Para Marcos Bagno, a norma-padrão “nem sequer é língua, nem dialeto, nem variedade”, e o seu ensino se justificaria em função de o padrão “ter valores que não podem ser negados – em sua estreita associação com a escrita, ele é o repositório dos conhecimentos acumulados ao longo da história”.
A grande diferença entre os lingüistas e educadores que defendem o ensino da norma-‐padrão e os apregoadores da doutrina gramatical arcaica está no fato de que já se sabe hoje em dia que, para aprender as formas mais padronizadas e prestigiosas da língua, não é necessário conhecer a nomenclatura gramatical tradicional, as definições tradicionais, nem praticar a velha e mecânica análise lexical e muito menos a torturante análise sintática.
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Finalizando... ________________________________________________________________________________________ O emprego de uma nomenclatura gramatical em franca obsolescência tem um efeito evidente: sua contribuição para ajudar os alunos a desenvolver reflexões e práticas produtivas a partir da sua gramática internalizada é insatisfatória. Isso porque boa parte dessa nomenclatura é baseada não em critérios que priorizam a intuição dos falantes a respeito da língua, mas em um modelo que procura normatizar o idioma, tendo como alvo uma gramática idealizada, muito distante da realidade linguística vivenciada pelos falantes. Resulta daí, em grande parte, o fracasso da disciplina de Língua Portuguesa na formação de alunos que consigam refletir produtivamente sobre os recursos de expressão da sua língua.
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Tópico 2 -‐ A normatização gramatical na análise linguística
Ponto de partida
________________________________________________________________________________________ Do modo com vem sendo implementado, o ensino de gramática costuma resultar na formação de ideias que estão repletas de equívocos conceituais e inconsistências empíricas sobre as estruturas da língua. Em grande medida, esses equívocos e inconsistências derivam de uma postura acrítica frente às limitações da nomenclatura tradicional e às incongruências da gramática normativa.
Os problemas não ficam restritos ao âmbito escolar e acabam afetando o modo como diferentes setores da sociedade avaliam os fatos linguísticos. É comum vermos pessoas que não conhecem os fundamentos de uma análise gramatical fazerem observações infundadas sobre determinadas construções linguísticas, recorrendo a critérios difusos ou baseando-‐se em pressupostos completamente equivocados sobre o funcionamento da língua. Neste tópico, iremos atentar para o lugar da normatização na disciplina de Língua Portuguesa e refletir um pouco mais sobre os efeitos da nomenclatura tradicional no modo como as pessoas enxergam a gramática da língua.
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Assista aos dois vídeos abaixo, que mostram reportagens a respeito do chamado gerundismo:
102 Após assistir aos vídeos, leia os dois artigos listados abaixo e reflita sobre as seguintes questões: (i) Por que razão o gerundismo causa tanto incômodo entre as pessoas? (ii) Por que os telejornais afirmam que construções do tipo vou estar verificando a sua documentação devem ser evitadas? (iii) Considerando-‐se o que John Robert Schmitz e Sírio Possenti afirmam a respeito dessas construções, como o gerundismo deveria ser abordado nas aulas de gramática? Texto 1: Vou estar defendendo o uso do gerúndio103, por John Robert Schmitz Texto 2: De onde menos se espera -‐ II104, por Sírio Possenti
102 Vídeos: Fonte: http://www.youtube.com/v/Bw8hzEbqqy8 ; http://www.youtube.com/v/0DTp0pnI4-I, acesso em
13/05/2011. 103Fonte:http://super.abril.com.br/cotidiano/vou-estar-defendendo-uso-gerundio-445579.shtml, acesso em 13/05/2011. 104Fonte:http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3339983-EI8425,00-De+onde+menos+se+espera+II.html, acesso
em 13/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________
Trabalhados de forma acrítica, os conceitos da Gramática Tradicional, aliados à postura normativa, acabam por normatizar inadequadamente o modo como é feita a análise das estruturas da língua. Em outras palavras, a fusão da Gramática Tradicional com a gramática normativa resulta não apenas em preceitos sobre o que é "bom" ou "ruim", "certo" ou "errado", mas também na regulação dos conceitos e critérios que são explorados nas reflexões sobre a língua. Essa normatização das reflexões sobre a língua extrapola o âmbito escolar e chega a diferentes setores da sociedade. Com isso, as pessoas passam a tecer considerações sobre os mais diferentes fatos gramaticais sem ter como referência elementos objetivos, baseando-‐se, quase sempre, em análises sem qualquer ancoragem empírica ou coerência conceitual. Essas considerações costumam deixar de lado o conhecimento gramatical internalizado pelos falantes e, na maioria das vezes, apoiam-‐se em ideias que não levam em conta o funcionamento real da língua.
É o caso, por exemplo, da afirmação feita por Napoleão Mendes de Almeida (2005, p. 42), na Gramática Metódica da Língua Portuguesa, sobre o emprego do verbo ter em lugar de haver. De acordo com esse gramático, A condenação do gramático sobre o referido uso de ter não tem qualquer fundamento, tendo em vista que a substituição de haver ou existir por esse verbo não traz prejuízos ao sentido ou à construção dos enunciados. Cabe ressaltar que há registros do emprego existencial de ter na norma culta brasileira pelo menos desde o século XIX, como destacado no estudo de Callou e Avelar (2002) sobre textos publicados em jornais daquele período. ________________________________________________________________________________________
constitui erro grave, e todo possível devemos fazer para evitá-‐lo, empregar o verbo ter com a significação de existir. Não devemos permitir frases como estas: "Não tem nada na mala" (em vez de: "Não há nada...") -‐ "Não tem de quê" (em vez de: "Não há de quê") -‐ "Não tem lugar" (em vez de: "Não há lugar").
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Um exemplo claro de como a normatização da análise gramatical extrapola o âmbito escolar está nos vídeos apresentados na seção Mãos à obra, que mostram dois influentes telejornais brasileiros abordando o famigerado gerundismo, tratado como "uma doença verbalmente transmissível" por um desses telejornais. As duas reportagens incorrem em equívocos de ordem empírica e conceitual, a começar pela ideia de que a estrutura característica do gerundismo foi "importada" do inglês, a partir de supostas traduções mal feitas por operadores de telemarketing. Como destacado pelo linguista John Robert Schmitz, a ideia de que o gerundismo resulta de uma transferência do inglês é absurda, tendo em vista, entre outros aspectos, que o gerúndio português apresenta características que não são encontradas naquela língua. Além disso, como destaca Sírio Possenti, a estrutura representativa do gerundismo não entrou recentemente no português, o que facilmente se comprova pela sua ocorrência em um famoso manual de gramática e no próprio texto da Nomenclatura Gramatical Brasileira, que data de 1959. Há ainda outros equívocos nas duas reportagens, como o dos jornalistas que caracterizam o gerúndio como um "tempo verbal" (quando, na verdade, é uma forma nominal do verbo que serve à expressão de diferentes tempos e aspectos verbais) e o do professor de português que associa o emprego do gerúndio à expressão do que chama de "tempo progressivo". O melhor exemplo da falta de compreensão sobre o gerundismo é o decreto pelo qual "fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal", medida que um dos telejornais vê com bons olhos. O autor desse decreto (o ex-‐governador José Roberto Arruda, recentemente flagrado recebendo propina em um vídeo que circulou em rede nacional) não se deu conta da diferença entre gerúndio e gerundismo, mostrando desconhecer a natureza da construção linguística contra a qual decidiu tomar "medidas profiláticas".
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Ao normatizar o modo com a gramática da língua é analisada, a nomenclatura tradicional resulta num efeito extremamente negativo em âmbito escolar: como serve de base à normatizações inconsistentes, a abordagem gramatical fundamentada na NGB impede que o aluno (e, por vezes, o professor) explore a sua gramática internalizada105 para descrever e analisar as propriedades da língua. Um exemplo interessante de como a nomenclatura pode conduzir a análises inconsistentes está em um artigo publicado na Folha de São Paulo106 em 15 maio de 2008. Nesse artigo, Pasquale Cipro Neto analisa a sentença Lá não figura no mapa, da música Subúrbio107, de Chico Buarque, como uma construção que exibe um caso de derivação imprópria. De acordo com Pasquale, a palavra lá, nesse trecho, é "desadverbializada" e passa a funcionar como substantivo. É fácil ver que a análise de Pasquale está equivocada: toda palavra substantivada pode ser antecedida de um artigo definido ou indefinido; esse não é, contudo, o caso da palavra lá na sentença em questão, já que uma construção do tipo O lá não figura no mapa seria, no contexto remetido pela letra da música, claramente agramatical. Possivelmente, o que levou Pasquale ao equívoco é a análise tradicional de palavras como aqui, aí, ali e lá, geralmente classificadas como advérbios à luz da NGB. Essa classificação desconsidera uma importante propriedade dos itens em questão no uso da língua: aqui, aí, ali e lá são, na verdade, um misto de pronome e advérbio, pois além de indicarem uma circunstância locativa, desempenham uma função dêitica108 que é típica das categorias pronominais demonstrativas. Said Ali, em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa (p. 209-‐210)109, procura captar essa propriedade e classifica todos esses itens como advérbios pronominais e não apenas como advérbios. O que Pasquale define como uma "criação morfossintática -‐ única! -‐ de Chico" é produzido corriqueiramente pelos falantes da língua, em construções como Lá vende livro, Aí está frio, Aqui ensina inglês e Ali serve salada. De modo natural, qualquer falante de português é capaz de associar intuitivamente as palavras lá, aí, aqui e ali (que funcionam como sujeito nesses exemplos) a um referente que poderia ser expresso por um sintagma nominal. A criação "simplesmente memorável" (nas palavras do professor) atribuída a Chico Buarque é, como se vê, um fato gramatical bastante recorrente no funcionamento da língua, derivado de propriedades dos itens vocabulares que, na gramática internalizada dos falantes, são um híbrido de advérbio e pronome. Aliás, se fosse diferente, os falantes jamais conseguiriam atribuir um sentido ao enunciado Lá não figura no mapa.
105 Como vimos, a gramática internalizada é aquela que o falante de uma língua sabe, mesmo sem ter consciência disso, e
usa para se comunicar espontaneamente com outros falantes da língua. 106 Publicado em 15/05/2008 na Folha de São Paulo, na seção Cotidiano. 107 Fonte: http://www.vagalume.com.br/chico-buarque/suburbio.html, acesso em 13/05/2011. 108 “Dêitico é todo elemento linguístico que, num enunciado, faz referência: (1) à situação em que esse enunciado é
produzido; (2) ao momento do enunciado (tempo e aspecto do verbo); (3) ao falante (modalização). Assim, os demonstrativos, os advérbios de lugar e de tempo, em geral deles derivados, os pronomes pessoais [...] são dêiticos, constituem os aspectos indiciais da linguagem”. (DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2006: p. 167. 10ª reimpr. da 1ª ed. de 1978)
109Fonte:http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramaticaindex.php?fg=arquivos/Said_Ali_historica/201-220.pdf&mn=gramatica1menu.php, acesso em 17/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4
Qual deve ser a atitude do professor que se vê diante da necessidade de ensinar gramática, tendo de tomar como ponto de partida uma nomenclatura obsoleta e um conjunto de preceitos inconsistentes em torno do funcionamento da língua? O primeiro passo é a consciência de que, na abordagem de fatos gramaticais, a finalidade da nomenclatura não é o seu aprendizado: antes, ela deve ser um instrumento colocado a serviço de reflexões e práticas produtivas sobre a linguagem. De nada adianta o aluno conseguir, por exemplo, distinguir o sujeito do predicado se, na prática, é incapaz de perceber os efeitos das diferentes estratégias de predicação no uso da língua. Do mesmo modo, para citar outro exemplo, é improdutivo identificar uma determinada palavra como advérbio sem, contudo, ter a percepção de que a classe dos advérbios reúne itens que compartilham propriedades com várias outras classes da língua.
O segundo passo é compreender a realidade linguística do aluno, que varia de uma comunidade para outra. Levar o aluno ao reconhecimento da norma-padrão requer, antes de mais nada, ajudá-lo a reconhecer as regras que compõem a sua gramática internalizada. Isso é um procedimento necessário para que, na consciência dessas regras, ele consiga ter autonomia na busca dos melhores recursos de expressão em situações comunicativas que exijam, por exemplo, o emprego de uma linguagem mais polida. O professor não pode perder de vista que a norma-padrão não é uma língua ou mesmo uma variedade da língua, mas uma idealização que resulta histórica e culturalmente de uma série de preceitos e valores em torno de como se acredita que a língua deva ser usada. A norma-padrão não pode, por isso, ser o eixo norteador da disciplina que chamamos de Língua Portuguesa. Para que a abordagem gramatical tenha uma fundamentação objetiva, o ponto de partida dessa disciplina deve ser a língua real, o chamado vernáculo, resultado direto do conhecimento gramatical internalizado pelos falantes. É somente após tomar consciência desse conhecimento que o aluno deve ser orientado, com base em pressupostos teórica e empiricamente consistentes, ao domínio da norma-padrão.
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Finalizando... ________________________________________________________________________________________ Sem uma postura crítica do professor frente aos conceitos da Gramática Tradicional, a nomenclatura gramatical e o ensino da norma-‐padrão podem desembocar em práticas que, em lugar de ajudar o aluno a refletir produtivamente sobre a sua língua, obscurecem a identificação de propriedades que realmente interessam no estudo da gramática. No trabalho com essas propriedades, o professor deve ter autonomia e competência para buscar e implementar as estratégias que lhe parecerem mais adequadas à realidade linguística dos seus alunos, sem perder de vista que: (i) a nomenclatura gramatical é um instrumento e não uma finalidade e (ii) o ensino da norma-‐padrão NÃO É O ÚNICO, mas APENAS UM dos vários objetivos relacionados à abordagem gramatical na disciplina de Língua Portuguesa. Nos próximos tópicos, vamos refletir sobre alguns procedimentos de análise que podem ser colocados em prática para ajudar o aluno a refletir produtivamente sobre a sua gramática internalizada.
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Tópico 3 -‐ Gramática e sentido
Ponto de Partida ________________________________________________________________________________________ A análise de fatos gramaticais é indissociável de reflexões sobre o sentido dos enunciados. Se os estudos sobre a forma e a adequação das expressões linguísticas não contarem com essas reflexões em paralelo, a abordagem gramatical em sala de aula não será capaz de atingir o seu objetivo, que é fornecer ao aluno subsídios para trabalhar produtivamente com o conhecimento e funcionamento da sua língua. Neste tópico, iremos nos ocupar de alguns aspectos situados na interface entre gramática e sentido, abordando alguns procedimentos que permitem combinar a avaliação de dados linguísticos quanto à forma e adequação com reflexões em torno de aspectos semântico-‐discursivos. ___________________________________________________________________________________
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Os enunciados abaixo foram extraídos de um diálogo entre moradores da cidade de Bom Despacho, em Minas Gerais. Para ouvir a gravação do diálogo ou ler a sua transcrição completa, clique aqui110.
A ocaia tipurô. Ela caxa o cuxipo. Cê caixa ingura pra ela? Já vai caixar no cuete ou fica sem ingura. As cambainha tão lá tipurando. O cuete vai direto pro conjolo. Pega o cajuvira. Leva a matuaba. Vai esquentando ali uma bambôia, né, aí o imbuete sobe... Vai na cuxipa.
Reflita sobre as seguintes questões:
• Que aspecto(s) dificulta(m) a compreensão do sentido dos enunciados acima? • Que elementos presentes nesses enunciados nos permitem afirmar que estamos diante de
construções produzidas por falantes de alguma variedade do português e não de uma outra língua? • Do ponto vista morfológico, é possível classificar as palavras que aparecem nesses
enunciados como substantivo, verbo, preposição etc.? • Do ponto de vista sintático, podemos afirmar que a ordem das palavras dentro de cada
enunciado segue o padrão típico das frases do português? É possível classificar os seus termos quanto à função sintática, reconhecendo-‐os como sujeito ou complemento verbal, por exemplo?
• Quanto à forma, esses enunciados devem ser classificados como gramaticais ou agramaticais? Por quê?
________________________________________________________________________________________
110 Fonte: http://www.fflch.usp.br/dl/indl/transcricao_detalhe.php?id=37&idc=142, acesso em 13/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Nos tópicos do Tema 1, vimos que uma expressão linguística pode ser analisada quanto à forma gramatical e à adequação a uma determinada norma de uso. Além desses critérios, um terceiro elemento que pode entrar em jogo na avaliação gramatical de uma expressão é o seu sentido. Na avaliação de um dado linguístico quanto ao sentido, o que deve ser levado em consideração é se o significado da expressão linguística, independentemente do seu estatuto de gramaticalidade, pode ser compreendido pelos participantes de uma situação comunicativa. Isso significa que o sentido deve ser avaliado em termos interlocutivos: uma expressão linguística precisa "fazer sentido" não apenas da perspectiva de quem o produziu, mas também da perspectiva daquele(s) a quem a expressão se destina. Você já deve ter observado que construções gramaticalmente perfeitas podem causar estranhamento no plano do sentido, enquanto muitas estruturas agramaticais podem ter seu sentido facilmente depreendido em determinadas situações comunicativas. Uma construção do tipo A cadeira se sentou, por exemplo, é perfeita quanto à estrutura gramatical, mas provoca um evidente estranhamento no que diz respeito ao seu significado. Já uma construção como Eu não saber falar português, que é claramente agramatical, pode ter seu sentido facilmente depreendido: qualquer falante de português pode associá-‐la ao mesmo significado de uma construção como Eu não sei falar português. O desconhecimento do significado veiculado por itens lexicais também pode dificultar ou impedir a depreensão do sentido de um enunciado. Esse é o caso das construções que você observou na seção Mãos à obra, extraídas de um diálogo entre moradores de Bom Despacho, em Minas Gerais. Essas construções trazem palavras de uma "língua" que ficou conhecida como Língua do Negro da Costa111, cujo léxico é composto por palavras que parecem ser de origem banta, provenientes dos escravos que chegaram à região. É fácil reconhecer que a gramática da Língua do Negro da Costa é a mesma que a de inúmeras outras variedades do português brasileiro. O estranhamento provocado pelas construções listadas não é de natureza gramatical, mas lexical112, pois palavras como ocaia113, cuete114, ingura115, conjolo116 e tipurar117 não compõem o léxico comum dos brasileiros. ________________________________________________________________________________________
111 Fonte: http://www.fflch.usp.br/dl/indl/Extra/Bom_Despacho.htm, acesso em 13/05/2011. 112 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Léxico, acesso em 13/05/2011. 113 mulher 114 homem 115 dinheiro 116 casa 117 olhar, ver, pegar, saber, flertar
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ De uma perspectiva gramatical, a avaliação das expressões linguísticas quanto ao sentido pode se dar a partir de pelo menos dois eixos: um voltado aos papéis semânticos dos termos da oração e outro relacionado ao estatuto informacional desses termos. Quanto ao papel semântico, os termos nominais podem ser analisados como agente, paciente, beneficiário, alvo, experenciador, instrumento etc., a depender do seu regente ou do predicador da construção. Tendo em mente a noção de papel semântico, o estranhamento provocado pela construção A cadeira se sentou pode ser explicado pelo fato de que o predicador verbal sentar requer um sujeito animado necessariamente interpretado como agente, condição que não é satisfeita pelo termo a cadeira. No que concerne ao estatuto informacional, a caracterização de um termo como sendo ou não o tópico do que se diz em um enunciado pode ser relevante para analisar, entre outros aspectos, a posição dos termos na oração. A noção de tópico coincide, grosso modo, com a de "informação dada" (ou seja, já referida no contexto da enunciação), definida em oposição à de "informação nova" (ou seja, que está sendo referida pela primeira vez no contexto da enunciação). Essa oposição pode se refletir na organização dos enunciados. A título de exemplo, observe a quarta estrofe de E agora José?118, poema de Carlos Drummond de Andrade: Com a chave na mão, / quer abrir a porta, / não existe porta; / quer morrer no mar, / mas o mar secou; / quer ir para Minas, / Minas não há mais. Em um dos versos negritados, o complemento de haver (Minas) ocorre no início da oração e não depois do verbo, que seria a sua posição natural. O que propicia essa colocação é o fato de Minas consistir numa informação dada, uma vez que esse termo foi referido no verso anterior. Desse modo, Minas passa a funcionar como o tópico da oração com haver, o que "autoriza" ou facilita o seu deslocamento para a posição inicial. Construções desse tipo podem ser usadas para instigar o aluno a refletir sobre efeitos de sentido atrelados a alternâncias na posição dos termos. No poema em questão, podemos indagar sobre qual deve ter sido a intenção do autor ao colocar o termo Minas no início da oração, bem como se o mesmo efeito seria obtido se o termo fosse realizado não antes, mas após o verbo. ________________________________________________________________________________________
118 Fonte: http://www.eeagorajose.kit.net/estilos/eagorajose.htm, acesso em 13/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Embora não haja uma relação direta e necessária entre gramaticalidade e sentido, o estudo da sintaxe da língua pode ser extremamente enriquecido se, para além das tradicionais funções sintáticas, o professor levar em conta aspectos de ordem semântico-‐discursiva. Do ponto de vista estritamente sintático, a distinção entre termos essenciais, integrantes e acessórios pode dar lugar a uma divisão intuitivamente mais consistente, pela qual se explicite a diferença entre relações de predicação, relações de complementação e relações de adjunção. As relações de predicação envolvem (quase sempre) um verbo e um termo com o qual ele concorda ou pode concordar. As relações de complementação recaem sobre um item qualquer (verbo, substantivo, adjetivo ou advérbio) e um termo explícito ou implícito requerido por esse item para garantir a boa formação do enunciado. As relações de adjunção dizem respeito à associação de um item ou de uma parte da construção a um termo cuja presença é discursivamente relevante, mas não garante a boa formação gramatical do enunciado. Cada um desses níveis pode ser trabalhado sem que seja preciso jogar fora a nomenclatura tradicional. A predicação, por exemplo, envolve o que chamamos tradicionalmente de sujeito e predicado. A complementação abarca os complementos verbais (objeto direto, objeto indireto, complemento relativo, complemento circunstancial) e nominais. A adjunção reporta aos adjuntos nominais e adverbiais, além do chamado aposto. O professor deve ter em mente que, em lugar de obrigar o aluno a decorar a lista das funções sintáticas, o mais importante é ajudá-‐lo a perceber, no plano semântico-‐discursivo, o papel que cada termo desempenha na organização dos enunciados. Nas relações de predicação, por exemplo, o aluno deve ser capaz de entender, entre outros aspectos, as estratégias de impessoalização da oração, que permite ao falante, para propósitos diversos, tornar indefinido o referente de um sujeito. Nas relações de complementação, o aluno deve ter sensibilidade para identificar diferenças de significado relacionadas a alternâncias nas propriedades regenciais de um determinado item. Nas relações de adjunção, a flexibilidade na colocação dos adjuntos adverbiais dentro de um enunciado pode ajudar o aluno a formular generalizações sobre como a posição dos termos da oração interfere na composição de sentido. ________________________________________________________________________________________
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Aliada à avaliação quanto à forma e à adequação, a análise quanto ao sentido também pode ajudar o aluno a estabelecer generalizações necessárias à identificação das classes de palavra. Considere a classe dos substantivos, tradicionalmente caracterizada como o acervo das palavras que servem para nomear os seres. Essa definição é claramente problemática, pois nem todos os substantivos designam o que, para os alunos, pode ser chamado de "ser". Palavras como curtição, reflorestamento, assalto e paz, que são substantivos, dificilmente vão ser entendidas como se referindo a seres. Se for "treinado" para refletir adequadamente sobre a forma, a adequação e o sentido, o aluno poderá depreender naturalmente as principais propriedades dessa e de outras classes. Quanto à forma, qualquer falante da língua é capaz de perceber que algumas palavras, mas não outras, podem ser antecedidas de um artigo (mesmo que não tenha consciência do que seja um artigo). Assim, expressões como a comida, um assalto e o beijo são gramaticais, uma vez que comida, assalto e beijo são substantivos, mas não *o para, *um comemos e *o infelizmente, pois para, comemos e infelizmente não são substantivos. Com base em observações desse tipo, o aluno pode chegar facilmente à conclusão de que substantivos são palavras que podem ser antecedidas de um artigo Nas considerações sobre o sentido, a caracterização dos substantivos passa por entender qual é o papel dessas palavras na composição dos enunciados. Uma estratégia interessante está em motivar o aluno a refletir sobre o conteúdo das categorias gramaticais de número e gênero, que podem se manifestar morfologicamente no substantivo. Qualquer aluno é capaz de notar facilmente que essas duas categorias trazem certas informações sobre "coisas" à nossa volta (aí incluídos não apenas os seres, mas também os acontecimentos, sensações, emoções etc.) e que as palavras para designar essas coisas, associadas às duas categorias em questão, compõem (ou são candidatas a compor) a classe do substantivo. Quanto à adequação, a variação na marca morfológica de plural pode ser explorada para trabalhar as propriedades morfossintáticas dos itens substantivos. Por meio da análise de dados como os livros vs os livro, bem como pela observação de que expressões como o livros são agramaticais, o aluno deve chegar à generalização de que, em variedades do português brasileiro popular, a indicação de plural é obrigatória no determinante, mas não no substantivo. Ao mesmo tempo, o professor deve destacar que expressões do tipo os livro não são, apesar de gramaticais em certas variedades, adequadas à norma-‐padrão, que requer a marcação redundante de plural nos itens do sintagma nominal. ________________________________________________________________________________________
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Atividade autocorrigível 4a________________________________________________________________________________________ Clique aqui119 para assistir a uma reportagem com moradores de Luanda, capital de Angola, a respeito da Gripe A. No vídeo, podemos ouvir construções que são típicas do português popular emergente no país africano. Eis algumas:
Tá a falar com pessoa. Não vamo fugir doença. Vamo se provenir. A nova doença que tá a bater bué. Eu ando a escutar essa doença.
Avalie as construções listadas quanto à gramaticalidade e ao sentido e assinale as afirmações corretas: a)120 Se avaliadas com base no conhecimento linguístico internalizado pelos falantes de português brasileiro (ou, pelo menos, pela quase totalidade desses falantes), todas as construções listadas devem ser analisadas como gramaticais, pois é fácil depreender o sentido de cada uma delas. b)121 Se a avaliação quanto à forma tiver como referencial as variedades de prestígio do português, as construções listadas devem ser consideradas agramaticais, mesmo sendo possível depreender o sentido de cada uma delas. c)122 O sentido desses enunciados causa estranhamento, evidenciando que os falantes de português angolano são incapazes de se expressar adequadamente. d)123 A ausência de preposição após fugir e escutar entre as construções listadas mostra que a sintaxe de regência no português angolano popular é, pelo menos no tocante a esses verbos, diferente da sintaxe de regência normalmente associada a esses mesmos verbos. e)124 A ausência de preposição após fugir mostra que o sentido desse verbo no português angolano é diferente do assumido pelo mesmo verbo no português brasileiro. f)125 No português brasileiro, a ausência de preposição na introdução do complemento do verbo assistir (como Assistimos o filme em lugar de Assistimos ao filme) gera, como nos dados do português angolano, problemas para interpretar adequadamente o sentido das construções.
119 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=sy-xN5qkOoQ, acesso em 13/05/2011. 120 Incorreto. Essas construções são agramaticais se avaliadas com base no conhecimento linguístico internalizado por
falantes de português brasileiro (ou pela quase totalidade desses falantes), ainda que seja fácil depreender o sentido de cada uma delas.
121 Correto. Embora seja possível depreender o sentido das construções, elas são agramaticais se avaliadas com base nas variedades de prestígio do português.
122 Incorreto. Para falantes de outras variedades do português, o que causa estranhamento nos enunciados em questão não é o sentido, mas a forma. A ideia de que tais enunciados evidenciam uma incapacidade de se expressar adequadamente é incorreta, pois são construções típicas das variedades do português que vêm emergindo em Angola.
123 Correto. Na maioria das variedades do português, esses verbos requerem, com o sentido observado nas construções listadas, complementos introduzidos por preposição ("fugir da doença" e "escutar (algo) sobre essa doença").
124 Incorreto. Pelo menos no enunciado em questão, o verbo “fugir” mostra o mesmo sentido com que é empregado no português brasileiro.
125 Incorreto. No plano do sentido, a ausência da preposição não traz prejuízos à interpretação das construções com “assistir”, no português brasileiro, ou com “fugir” e “escutar”, no português angolano.
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Finalizando________________________________________________________________________________________ O professor não pode perder de vista que a abordagem gramatical em âmbito escolar deve ser destinada ao desenvolvimento de reflexões produtivas sobre o uso da língua, o que pode ser feito, como vimos, explorando-‐se a gramática internalizada do aluno como ponto de partida. Refletir produtivamente sobre o uso da língua requer, como não poderia ser diferente, observar a língua em uso, sem o quê o trabalho em torno das relações entre gramática e construção de sentido não tem uma razão de ser. Frases descontextualizadas podem até ser úteis para instigar os alunos a fazer indagações sobre o seu conhecimento linguístico (por exemplo, na busca de generalizações em torno do que seja gramatical ou agramatical) ou, para fins de didatização, ajudá-‐los a fixar conceitos que precisam ser perfeitamente compreendidos para facilitar a compreensão de análises linguísticas mais complexas. O aluno deve, contudo, ter o seu olhar treinado para entender a língua em uso, o que exige colocar o trabalho com diferentes gêneros textuais e discursivos, falados ou escritos, como o norte das reflexões desenvolvidas no estudo da gramática. Nos tópicos do próximo Tema, iremos abordar alguns fatos gramaticais, nos níveis morfológico e sintático, que podem ser rentáveis ao desenvolvimento de trabalhos em torno do texto.
(Clique na imagem126 para ampliá-la)
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126 Taquigrafia (Fonte: http://www.taquigrafia.emfoco.nom.br/depoimentosquatro.htm, acesso em 13/05/2011).
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Ampliando os conhecimentos 1 ________________________________________________________________________________________ Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você pode ler: Nomenclatura gramatical brasileira -‐ 50 anos depois127, de Claudio Cezar Henriques: Esse livro aborda a emergência da NGB e o seu papel na organização de conceitos em âmbito escolar, bem como discute a necessidade de sua reformulação para convertê-‐la num instrumento facilitador da análise de fatos linguísticos. Linguística da norma128, organizado por Marcos Bagno: Coletânea de trabalhos que abordam questões sobre a norma linguística, em torno de tópicos que tangenciam, dentre outros aspectos, o ensino da gramática. Contradições no ensino de português129, de Rosa Virgínia Mattos e Silva: Dentre outros tópicos, a autora aborda o papel da escola na sustentação da "norma normativo-‐prescritiva", bem como perspectivas atuais e futuras para o tratamento da heterogeneidade dialetal brasileira em âmbito escolar. Doa-‐se lindos filhotes de poodle130, de Maria Marta Pereira Scherre: A autora discute o papel da mídia na veiculação de preconceitos linguísticos e na perpetuação da ideia equivocada de que a gramática normativa se iguala à língua ou à identidade de um povo. Introdução à Semântica -‐ brincando com a gramática131, de Rodolfo Ilari: O livro propõe uma série de atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula no trabalho com a interface entre sintaxe e semântica. ________________________________________________________________________________________
127 Fonte: http://www.parabolaeditorial.com.br/releasenomenclatura.htm, acesso em 13/05/2011. 128 Fonte: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=163, acesso em 03/05/2012. 129 Fonte: http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=46, acesso em 13/05/2011. 130 Fonte: http://www.parabolaeditorial.com.br/informativo6.htm, acesso em 13/05/2011. 131 Fonte: http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=119, acesso em 13/05/2011.
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Ampliando o conhecimento 2 ________________________________________________________________________________________ WEBGRAFIA Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você também poderá ver na WEB: Texto da Nomenclatura Gramatical Portuguesa132, fixada em 1967, que apresenta algumas diferenças em relação à Nomenclatura Gramatical Brasileira133. Páginas que disponibilizam fac-‐símiles de gramáticas do português publicadas desde o século XVI. Comparando essas gramáticas, você poderá observar a evolução da nomenclatura empregada no tratamento descritivo-‐normativo de fatos do português ao longo do tempo. Para acessar essas páginas, clique nos títulos abaixo: Biblioteca Virtual das Ciências da Linguagem no Brasil134 Coleção de Gramáticas da Biblioteca do IEL/Unicamp135 ________________________________________________________________________________________
132 Fonte: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=nomenclatura, acesso em 13/05/2011. 133 Fonte: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=ngbras, acesso em 13/05/2011. 134 Fonte: http://www.labeurb.unicamp.br/bvclb/pages/home/obrasLista.bv, acesso em 13/05/2011. 135 Fonte: http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramatica.php, acesso em 13/05/2011.
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Ampliando o conhecimento 3 ________________________________________________________________________________________ Assista ao filme A Guerra do Fogo136 para refletir um pouco mais sobre o lugar do sentido na constituição da faculdade humana da linguagem. O filme especula sobre como teria sido, há 80.000 anos, o encontro entre duas espécies de hominídeos -‐ uma cognitivamente mais evoluída, detentora de uma capacidade para a linguagem tal qual a conhecemos hoje, e outra menos evoluída, sem a mesma capacidade. O filme pode dar espaço a reflexões e debates sobre o conhecimento e uso da linguagem, em particular no que tange à questão sobre como a construção de sentido(s) poderia se efetivar em situações de interlocução nas quais os indivíduos envolvidos não compartilham, tanto do ponto de vista biológico quanto cultural, as mesmas condições de geração da linguagem. Clique aqui137 para ler uma resenha sobre o filme.
Direção: Jean-‐Jacques Annaud Elenco: Everett McGill, Rae Dayn Chong, Ron Perlman Duração: 97 minutos Lançamento: 1981 País: França, Canadá Clicando aqui138, você pode assistir ao filme na íntegra.
136 Fonte: http://www.sinopsedofilme.com.br/mostrar.php?q=82, acesso em 13/05/2011. 137 Fonte: http://www.comciencia.br/resenhas/guerradofogo.htm, acesso em 13/05/2011. 138 Fonte: http://www.ustream.tv/recorded/5564454, acesso em 13/05/2011.
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Referências bibliográficas ________________________________________________________________________________________ ALMEIDA, N. M. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2005. 45a. ed. BAGNO, M. Carta de Marcos Bagno para a revista Veja. Disponível em: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=39, acesso em 06/05/2011. BAGNO, M. (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2004. CALLOU, D.; AVELAR, J. Estruturas com "ter" e "haver" em anúncios do século XIX. In: ALKMIM, T. (Org.). Para a História do Português Brasileiro -‐ Vol. 3. São Paulo: Humanitas, 2002. HENRIQUES, C. C. Nomenclatura gramatical brasileira: 50 anos depois. São Paulo: Parábola, 2009. ILARI, R. Introdução à semântica. São Paulo: Contexto, 2004. MATTOS E SILVA, R. V. Contradições no ensino de português. São Paulo: Contexto, 2005. ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998 (nova edição). SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2001 (nova edição). SCHERRE, M. M. P. Doa-‐se lindos filhotes de poodle. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
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Tema: 3. A gramática no texto: procedimentos de análise
Tópico 1 -‐ Abordagens no nível morfológico
Um início de conversa... ________________________________________________________________________________________
139 ________________________________________________________________________________________
139Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=n91IeujsAnU, acesso em 23/05/2011.
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Ponto de partida________________________________________________________________________________________ A organização interna das palavras está no cerne dos estudos morfológicos. No meio escolar, a morfologia deve ocupar um lugar de destaque no estudo da língua, não apenas por focalizar a constituição dos vocábulos, mas principalmente pela transparência de sua interface com todos os outros níveis de análise linguística (o fonológico, o lexical, o sintático e o semântico). O plano morfológico talvez seja aquele em que os alunos mais facilmente conseguem formular generalizações (se bem orientados pelos professores) com base no conhecimento que compõe a sua gramática internalizada. O trabalho com esse conhecimento é importante, por exemplo, para analisar o papel da criação vocabular na construção de sentido dos textos140, a partir do reconhecimento de diferentes processos de formação de palavras141 e da análise dos paradigmas flexionais existentes na língua. Neste tópico, iremos sugerir alguns procedimentos de abordagem gramatical que podem ser rentáveis no trabalho com fatos morfológicos em sala de aula. Nosso objetivo não é fornecer um manual ou um guia sobre como dar aulas de morfologia, mas propor estratégias que podem ser interessantes na tentativa de didatizar a apresentação de conceitos pertencentes a esse domínio de análise.
140 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=OxbHH8HZrKk, acesso em 23/05/2011. 141 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Eu4jS2bT4uk, acesso em 23/05/2011.
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Mãos à obra ________________________________________________________________________________________ Odorico Paraguaçu142, personagem principal de O Bem Amado143 (Rede Globo, 1973/1980-‐1984), de Dias Gomes144, entrou para a história da teledramaturgia brasileira não apenas por ser uma caricatura do político ardiloso, corrupto e populista, mas também pela produtiva criação lexical que marcava os seus discursos. Assista ao vídeo abaixo e reflita sobre as seguintes questões: (i) Quanto à forma, as criações vocabulares de Odorico (como cabrestismo, democradura, pratrasmentes e acarajeizar) são gramaticais ou agramaticais? Essas palavras são criadas em conformidade com as regras da língua portuguesa ou os processos em sua base são completamente estranhos à gramática dos falantes de português? Uma vez que não existem em nosso acervo vocabular, como conseguimos entender o seu significado? (ii) Como essas criações lexicais ajudam a compor a imagem de Odorico Paraguaçu?
145
142 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Odorico_Paraguaçu, acesso em 23/05/2011. 143 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=31-6l5CkXhM, acesso em 23/05/2011. 144 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dias_Gomes, acesso em 23/05/2011. 145 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=9SNMIo-1_lo, acesso em 23/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ A morfologia recobre os fatos relativos à constituição interna dos vocábulos, com destaque para os mecanismos de articulação entre diferentes morfemas146 na estruturação das palavras. Dentre os tópicos comumente tratados no plano morfológico, estão os processos de formação de palavras, que são estabelecidos na interface com os estudos sobre o léxico, e os paradigmas flexionais, que são determinados na interface com o nível sintático. Além de aspectos relativos à constituição interna dos vocábulos, os livros didáticos geralmente incluem na morfologia o estudo das classes de palavras. A rigor, o estabelecimento dessas classes leva em conta não apenas critérios que dizem respeito à forma dos itens vocabulares, mas também suas propriedades sintáticas e semântico-‐discursivas. Isso costuma gerar, entre os alunos, algumas dificuldades147 para o preciso reconhecimento das classes, uma vez que, nos livros didáticos, as propriedades morfológicas quase sempre são apresentadas dissociadas da sintaxe e da semântica. Outro problema que surge no estudo da morfologia diz respeito à base de dados empregada para exemplificar certos fatos léxico-‐gramaticais nesse nível de análise. No tratamento da formação de palavras, por exemplo, muitos livros didáticos dão destaque a exemplos que, de uma perspectiva sincrônica, não são intuitivamente transparentes quanto aos processos que permitem criar novos vocábulos. Como curiosidade, é interessante o aluno saber que palavras como vinagre, fidalgo e embora se originaram do processo tradicionalmente chamado de composição; entretanto, como não são naturalmente percebidas como palavras compostas, tais exemplos não são um bom ponto de partida para levá-‐lo a refletir autonomamente sobre as causas e efeitos da formação de novas palavras. Antes de mais nada, os alunos precisam ser capazes de reconhecer o papel dos diferentes morfemas na constituição do significado global das palavras formadas. Daí ser necessário que os exemplos selecionados para o estudo da criação lexical evidenciem intuitivamente a articulação dos morfemas na formação das palavras, bem como a composição de sentido resultante dessa articulação.
146 Morfema é uma unidade lexical mínima dotada de sentido. As palavras podem ser formadas de um ou mais morfemas.
A forma verbal “beijávamos”, por exemplo, apresenta três morfemas: o radical “beij(a)-”, o sufixo modo-temporal “-va” e o sufixo número-pessoal “-mos”. Já palavras como “pé” e “sol” são compostas de um único morfema.
147 Fonte: http://ferrao.org/2007/03/o-que-palavra-homem.html, acesso em 23/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Uma atividade que costuma ser didaticamente rentável é a análise de palavras que, apesar de transparentes quanto a sua formação, não fazem parte do nosso acervo vocabular. No vídeo introduzido na seção Mãos à obra, vimos Odorico Paraguaçu recorrer a palavras que não compõem o léxico português, mas são criadas de acordo com regras da língua: renovista, cabrestismo, democradura, acarajeizar, vatapazar, verde-‐amarelecido, retarguadistas, retrogradistas, corujistas, milagristas, fraudicantes. Quando apresentado a palavras desse tipo, o aluno pode ser motivado a refletir sobre o seu conhecimento linguístico internalizado e chegar a conclusões interessantes. No caso dos itens produzidos por Odorico, podemos entender o seu significado148 porque, além de conhecer as partes que os integram, somos usuários proficientes (qualquer falante nativo da língua o é, mesmo sem ter consciência disso) das regras de formação vocabular. Podemos, por exemplo, depreender o significado de acarajeizar se soubermos o que é acarajé, bem como concluir facilmente que se trata de um verbo, uma vez que -‐(a)r é o morfema característico do infinitivo português. Os livros didáticos costumam tratar da formação vocabular antes de introduzir as classes de palavras, o que dificulta a didatização da abordagem sobre processos de formação que alteram as classes149 e impede o professor de explorar pressupostos que ajudam na análise de certas criações lexicais. Na fala de Odorico, por exemplo, vemos formas que se articulam com o sufixo -‐mente e, em alguns casos, sofrem substantivação (como em pratrasmentes). Embora possa entender que pratrasmentes significa "fatos passados", o aluno terá dificuldade para compreender o processo de criação desse item se não conseguir distinguir as classes de palavras. Uma palavra como pratrasmentes tem na sua base uma locução locativo-‐adverbial (pra trás), que é transformada num advérbio de modo (pela combinação com o sufixo -‐mente) e, então, substantivada, o que permite sua articulação com o morfema -‐s, indicativo de plural. O professor deve ter em mente que o aluno precisa saber, quando cobrado sobre a compreensão desse processo, o que é uma locução, em que consiste um advérbio de modo e quais são as propriedades dos substantivos. Cabe ao professor decidir se é ou não conveniente, dadas as especificidades da sua turma e os objetivos previstos no projeto pedagógico de sua escola, investir em reflexões formalmente mais aprofundadas sobre os processos de criação lexical. Não podemos, contudo, perder de vista que determinados conhecimentos só podem ser formalizados após um estudo sistemático das classes e funções dos itens da língua.
148 Algumas palavras exigem que o aluno tenha um conhecimento mais “especializado” para entender o seu significado
global. É o caso, por exemplo, de “cabrestismo”, que exige saber em que consistiu o chamado "voto do cabresto", ou “democradura”, que requer conhecer o sentido do prefixo “-ura” em palavras como “ditadura”, uma antonímia possível para “democracia”.
149 A derivação sufixal, por exemplo, pode resultar na formação de uma palavra que pertence a uma classe diferente da palavra que lhe serviu de base, como em “bobeira” (substantivo), formada a partir de “bobo” (adjetivo).
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Outra estratégia que costuma ser rentável no estudo da morfologia é chamar a atenção para o modo como um mesmo morfema é empregado em diferentes situações de interlocução. A partir de atividades desse tipo, os alunos podem ser orientados a fazer generalizações, bem como a formular e testar hipóteses simples (procedimentos que são relevantes em qualquer campo de estudo) sobre as propriedades dos diferentes morfemas. Considere o morfema -inho, tradicionalmente analisado como um sufixo indicativo de diminutivo. Se os alunos forem indagados a respeito do seu significado, é provável que a maioria responda que -inho é sinônimo de pequeno, daí carrinho, casinha e livrinho significarem carro pequeno, casa pequena e livro pequeno. Depois de ouvir o que têm a dizer sobre esse morfema, apresente-lhes um texto (oral ou escrito) que evidencie ser este sufixo não apenas empregado para indicar "tamanho pequeno", mas para ajudar o falante a expressar relações de afetividade (desde carinho à depreciação) sobre o que enuncia. Observe, por exemplo, o diálogo150 entre Tina Pepper151 e Lili Bolero152, personagens da novela Cambalacho (Rede Globo, 1986), de Sílvio de Abreu. Atente para as ocorrências do sufixo -inho(a) no desenvolvimento do diálogo, em palavras como comidinha, arrozinho, feijãozinho, ovinho, bifinho, farofinha etc. É fácil concluir que, em tais palavras, o emprego do sufixo não é indicativo de "tamanho pequeno", e sim um índice da afetividade que as personagens estabelecem com o conteúdo do que enunciam. Na fala da mãe, o sufixo tem uma conotação apreciativa, servindo para valorizar a simplicidade da alimentação que ela pretende ver servida; na fala de Tina, em contraste, o mesmo morfema é usado para depreciar o cardápio, como em bifinho batidinho na tábua, que a personagem caracteriza como um bifinho sem-vergonha. No mesmo vídeo, vemos a ocorrência de morfemas que, em oposição a -inho(a), tem uma função intensificadora, como -ão em bifão, -íssima em riquíssima e fofíssima e -érrimo(a) em chiquérrimo, riquérrima e foférrima. Observando dados desse tipo, os alunos concluirão intuitivamente que a generalização segundo a qual -inho é um morfema indicativo de "tamanho pequeno" deve ser aperfeiçoada. Ao mesmo tempo, deverão re-elaborar a generalização, procurando captar o fato de que o mesmo morfema se presta à expressão do modo como os falantes se relacionam afetivamente com elementos referidos em seus enunciados. ________________________________________________________________________________________
150 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ni6xct733eE, acesso em 23/06/2011. 151 Tina Pepper, apelido (em referência à cantora Tina Tuner) de Albertina Pimenta, era interpretada por Regina Casé. A
comicidade da personagem era marcada pelo horror à sua condição de pobre. No decorrer da história, Tina Pepper tem seus quinze minutos de fama como cantora pop e se muda para uma mansão, onde tentará experimentar tudo o que acredita ser próprio das pessoas ricas.
152 Lili Bolero, mãe de Tina Pepper, era interpretada pela atriz Consuelo Leandro em Cambalacho. Na cena em questão, a personagem entra em conflito com a filha por causa das instruções dadas à “criadagem” para preparar as refeições do dia.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________
Para que atividades como as delineadas na página anterior sejam bem sucedidas, é importante que o aluno esteja em posse de conceitos que o ajudem a organizar suas reflexões. Não se trata, como já dissemos, de fazê-lo decorar a nomenclatura gramatical, mas de orientá-lo na compreensão de definições que são necessárias ao estudo de diferentes fatos linguísticos. O professor deve investir na elaboração de estratégias que permitam ao aluno adquirir autonomia na realização das mais diferentes atividades. Obviamente, as aulas de gramática não têm como objetivo formar linguistas ou gramáticos, mas indivíduos capazes de utilizar, de modo eficiente, os recursos de expressão disponibilizados pela língua na realização das mais diferentes atividades cotidianas.
No plano da morfologia, entre os conceitos que costumam ser negligenciados pelos livros didáticos (e, muitas vezes, pelos professores) estão os de morfema lexical e morfema gramatical153. A intuição por trás desses conceitos está na base, por exemplo, da oposição entre palavras morfologicamente variáveis (como os substantivos, verbos e pronomes) e palavras morfologicamente invariáveis (como as preposições e conjunções), bem como no estabelecimento dos paradigmas flexionais que determinam as formas possíveis para os elementos nominais e verbais.
Uma estratégia que, se bem trabalhada, pode ser rentável para apresentar os conceitos de morfema lexical e morfema gramatical está no trabalho com textos cuja construção de sentido seja dependente do emprego de um mesmo morfema lexical associado a diferentes morfemas gramaticais. O samba-enredo Sonho de um Sonho154 (Martinho da Vila, Rodolpho, Graúna) é um bom exemplo: na letra do samba, o morfema lexical sonh- se articula com diferentes morfemas gramaticais, resultando na realização de formas como sonhei, sonhando, sonhado, sonhava, sonho (Sonhei que estava sonhando um sonho sonhado / Eu sonhava que sonhava). Com textos que reúnem exemplos desse tipo, o professor pode desenvolver a apresentação de diferentes conceitos com reflexões sobre efeitos de sentido desencadeados pelos mais variados tipos de itens (radicais, flexionais, derivacionais, conectivos etc.) na construção de um texto.
153 O morfema lexical é aquele que serve à indicação de algo (seres, ideias, estados, eventos etc.) localizado no universo
extralinguístico (como os substantivos “pé” e “sol”), enquanto o gramatical é aquele que codifica informações necessárias à composição interna dos enunciados ou à articulação de suas partes nos planos morfológico, sintático e semântico-discursivo (como os artigos definidos “o” e “a” e as conjunções integrantes “que” e “se”). Grande parte das palavras do português combina morfemas lexicais e morfemas gramaticais em sua constituição. A forma verbal “cantávamos”, por exemplo, é formada pela combinação de um morfema lexical (a raiz “cant-”) com dois morfemas gramaticais (o sufixo modo-temporal “-va” e o sufixo número-pessoal “-mos”). Os morfemas gramaticais do português codificam informações relacionadas, quase sempre, a uma ou mais das seguintes categorias: gênero, número, pessoa, grau, tempo, modo, aspecto, voz, lugar, definitude e caso.
154 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=R3GIM5vAXz4, acesso em 17/05/2012.
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Colocando os conhecimentos em jogo 5 ________________________________________________________________________________________ A avaliação de dados quanto à forma para classificá-‐los como gramaticais ou agramaticais é uma estratégia que também pode ser empregada no estudo da constituição interna das palavras. Quando adequadamente orientados a fazer essa avaliação, os alunos conseguem depreender com facilidade as regras que dão base aos processos flexionais, derivacionais e composicionais mais importantes da língua. A título de exemplo, considere o poema Ao Deus Kom Unik Assão155, de Carlos Drummond de Andrade. Como os seus alunos reagiriam frente a palavras como peses (plural de pés, que já se encontra flexionado no plural) e morrendos? Que morfema determina a agramaticalidade dessas formas? Qual terá sido a intenção do autor ao produzir essas palavras? Do ponto de vista estritamente gramatical, o esperado é que os alunos associem o estranhamento causado pelas duas palavras ao morfema indicativo de plural, cujo emprego nas formas em questão não obedece às regras flexionais do português. O aluno é capaz de reconhecer essa propriedade com base em sua gramática internalizada, sem a necessidade de recorrer a qualquer informação constante dos livros didáticos. No mesmo poema, vemos palavras que, apesar de não comporem o acervo vocabular dos falantes de português, soam perfeitamente gramaticais, como as encontradas na fala de Odorico Paraguaçu. Algumas dessas palavras são auriquilate, genucircunflexado, desexprimo, lugarfalar, belibalentes, plurimelodia, pré-‐alfabeto, interpatetal e centimultiplico. Por que essas palavras podem ser analisadas como gramaticais, diferentemente de peses e morrendos? Qual terá sido a intenção do autor ao criá-‐las, considerando o sentido global do poema? Qual é, dentro do texto, o significado assumido por cada uma delas? Os alunos devem ser capazes de perceber que a gramaticalidade desse conjunto de palavras é determinada pelo fato de terem sido criadas em conformidade com as regras de combinação de morfemas previstas na gramática dos falantes de português. A composição, um dos mecanismos mais produtivos para criar novas palavras, aparece, por exemplo, em vocábulos como auriquilate, belibalentes, genucircunflexado, lugarfalar, plurimelodia e centimultiplico. A derivação prefixal, outro mecanismo bastante produtivo, está na base da formação de desexprimo, interpatetal e pré-‐alfabeto. ________________________________________________________________________________________
155 Fonte: http://www.eca.usp.br/comueduc/antigos/poesia/poesia6.htm, acesso em 23/06/2011.
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Finalizando________________________________________________________________________________________
As atividades desenvolvidas em torno de fatos morfológicos devem, em última instância, desembocar em práticas de análise que ajudem os alunos a entenderem o sentido dos textos e a empregarem diferentes recursos expressivos em suas próprias produções. Em lugar de ficar preso à nomenclatura gramatical tradicional ou se limitar à veiculação de preceitos da norma-‐padrão, o professor pode transformar as suas aulas de morfologia num verdadeiro laboratório de experimentos sobre o conhecimento e uso da língua, orientando os alunos em reflexões sobre o modo como a constituição das palavras, entre outros aspectos, interfere na construção de sentido dos textos.
Nos tópicos seguintes, iremos abordar procedimentos de análise no nível sintático e veremos como alguns fatos característicos desse nível podem ser trabalhados no meio escolar.
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Tópico 2 -‐ Abordagens no nível sintático: o conhecimento intuitivo da gramática
Ponto de partida________________________________________________________________________________________ No meio escolar, o estudo da sintaxe deve ser permeado por práticas que ajudem ao aluno a depreender os mecanismos de articulação sintagmática necessários à produção de enunciados formalmente gramaticais. Em posse de elementos que o auxiliem nessa depreensão, ele deve ser orientado a refletir produtivamente sobre a adequação das estruturas sintáticas às diferentes normas de uso da língua (com destaque à norma-‐padrão) e a empregar eficientemente os mais variados recursos de expressão na produção dos seus textos. Para que a análise sintática atinja esses objetivos, a abordagem gramatical deve se libertar das conhecidas incongruências atreladas à nomenclatura tradicional e se basear, como já dissemos, em procedimentos que permitam explorar o conhecimento intuitivo do aluno a respeito dos fatos da sua língua. Neste tópico, iremos discutir algumas ideias que podem, na esfera da sintaxe, auxiliar o desenvolvimento de estratégias didaticamente produtivas na abordagem dos fatos linguísticos.
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Mãos à obra________________________________________________________________________________________ Na crônica intitulada Vende frango-‐se156, Martha Medeiros aborda, em tom poético e bem humorado, um dos padrões oracionais mais problemáticos no estudo da gramática do português. No vídeo indicado abaixo, você pode assistir à leitura dessa crônica pela atriz Cássia Kiss.
157 Após assistir ao vídeo, reflita sobre a seguinte questão, que será central para um dos pontos que iremos discutir neste tópico: o que levou o Guimarães Rosa do morro (nas palavras de Martha Medeiros) a produzir uma construção agramatical com o pronome se? ________________________________________________________________________________________
156 Fonte: http://bianella.blogspot.com/2009/02/vende-frango-se.html, acesso em 30/05/2011. 157 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=AHR1qir0XpU , acesso em 30/05/2011
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Nos livros didáticos, a sintaxe costuma ser apresentada dentro de uma divisão que reconhece, por um lado, dois níveis de complexidade no que tange à organização das orações (daí se falar em período simples e período composto) e dois mecanismos de articulação gramatical (a regência e a concordância). Esses dois mecanismos estão presentes nos períodos simples e compostos, não se justificando, a priori, adiar o seu estudo (como o fazem os livros de gramática) para depois da exaustiva série de análises sintáticas sobre as estruturas da língua. Além de impedir que o aluno relacione o estabelecimento das diferentes funções sintáticas com propriedades de regência e concordância, essa divisão impede a adequada didatização de conceitos no plano da sintaxe. Outro fato que dificulta a didatização de conceitos envolve as noções de coordenação e subordinação: embora presentes nos períodos simples e compostos, esses dois tipos de conexão sintática são tratadas apenas no estudo dos períodos compostos. Em função disso, a maioria dos alunos é levada a acreditar, equivocadamente, que períodos simples não apresentam relações coordenativas e subordinativas. Além de não ajudar a entender as diferenças entre coordenação e subordinação, a abordagem acaba se concentrando na tipologia das orações, sem resultar em qualquer aplicação rentável ao trabalho de produção textual. O quadro se agrava com a atitude de muitos professores que, em vez de explorar a análise sintática para trabalhar com a interface entre gramática e sentido e/ou para motivar a elaboração de generalizações interessantes sobre o conhecimento e uso da língua, se limitam a cobrar dos alunos que decorem a nomenclatura da NGB (que, além de obsoleta, é repleta de inconsistências) para classificar os termos da oração. O resultado é conhecido: dada a dificuldade em entender estruturas simples da língua, a grande maioria dos alunos desenvolve ojeriza pela análise sintática, já que não veem utilidade (para além da necessidade de fazerem uma prova) na realização dos enfadonhos exercícios a que são submetidos. O que os alunos não sabem é que conhecem intuitivamente as estruturas sintáticas da sua língua (das mais simples às mais complexas), e que esse conhecimento intuitivo pode ser explorado no estudo das expressões oracionais.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Grosso modo, os termos de um enunciado podem, no plano gramatical, se combinar por meio de uma das três relações seguintes: a predicação (que determina, na nomenclatura tradicional, as funções de sujeito e predicado), a complementação (que determina as relações entre um núcleo e seus complementos) e a adjunção (que diz respeito à ocorrência de termos dispensáveis à boa formação gramatical dos enunciados, mas necessários à composição do sentido). Se bem orientados pelo professor, os alunos conseguem apreender facilmente esses três tipos de articulação com base na sua intuição de falante nativo. No estudo da predicação, por exemplo, o ponto de partida pode ser a noção de concordância158, que é a relação mais básica, além de intuitivamente fácil de ser captada, na conexão do sujeito com o verbo. As noções de regência verbal e nominal159 podem ser introduzidas na abordagem da complementação, juntamente com o conceito de transitividade e a caracterização de verbos, nomes, adjetivos e advérbios quanto a essa propriedade. Na abordagem da adjunção160, podem ser formalmente
158 Em línguas como o português, as relações de predicação (ou seja, aquelas que se estabelecem entre os termos
tradicionalmente chamados de “sujeito” e “predicado”) tem como consequência morfológica a concordância da flexão verbal, em número e pessoa, com o sujeito da oração. As relações de concordância são de fácil percepção intuitiva porque qualquer falante, mesmo os iletrados, são capazes de perceber a agramaticalidade de frases como “eu fomos”, “nós cantei” e “eles falamos”. Qualquer aluno pode explicar seu estranhamento frente a essas frases pela ideia de que “eu”, por exemplo, deve se combinar com “fui”, e não com “fomos”. Dessa perspectiva, em lugar de serem apresentadas num capítulo a parte (como se fossem algo excepcional na gramática da língua), as regras de concordância verbal podem ser abordadas juntamente com as noções de “sujeito” e “predicado”, como sendo o resultado (ou o reflexo morfológico) de uma relação predicativa. Além de proporcionar economia didática, a apresentação da concordância verbal juntamente com a predicação facilita sistematizar a abordagem das variedades linguísticas que se afastam da chamada norma culta no tocante a essa propriedade, quando o aluno deve refletir sobre a ocorrência de construções como “nós foi” e “tu canta”, que são gramaticais em variedades do português brasileiro, embora em desacordo com a norma-padrão.
159 Da perspectiva sintática, a “regência” é o resultado da relação estabelecida entre um núcleo e um termo (o “complemento”) que é requerido por esse núcleo. Costuma-se afirmar, nesse sentido, que um núcleo “rege” o seu complemento, “fazendo exigências” quanto às suas propriedades morfossintáticas e semânticas. O verbo “gostar”, por exemplo, requer como complemento um sintagma nominal que seja preposicionado (daí dizermos “Gosto de café”, e não “Gosto café”). Esse verbo, portanto, “rege” um sintagma nominal preposicionado, o que implica a sua classificação como “transitivo indireto”. Não apenas os verbos podem ser caracterizados quanto à regência, mas também os substantivos, adjetivos e advérbios, pois palavras pertencentes a essas classes podem requerer um sintagma nominal preposicionado como complemento (por exemplo, em “construção da casa”, “orgulhoso do filho” e “contrariamente ao esperado”, os termos “da casa”, “do filho” e “ao esperado” são complementos de - e, portanto, regidos por - “construção”, “orgulhoso” e “contrariamente”, respectivamente). As preposições também podem ser tratadas como "regentes", uma vez que condicionam alterações na forma assumida pelos itens pronominais que introduz. Tendo em vista esses aspectos, a noção de “regência” pode ser apresentada juntamente com a de “transitividade”, pois a classificação de verbos e nomes quanto a essa propriedade é, em parte, inferida a partir das suas propriedades de regência. Por esse motivo, não há por que abrir um capítulo a parte (como o faz a maioria dos livros didáticos) para introduzir as regras de regência, pois tais regras, que são relevantes para determinar o sentido dos verbos e o modo como são usados, podem ser estudadas no mesmo ponto em que a transitividade verbal é abordada.
160 A “adjunção” é o nome que damos à relação entre um termo acessório e o elemento que ele modifica (no caso de adjuntos adnominais e adverbiais) ou a que ele se refere (no caso de apostos). Como a adjunção é, do ponto de vista sintático, relativamente menos complexa do que as relações que envolvem o sujeito, o predicado e os complementos, a sua abordagem pode ser o momento ideal para introduzir noções e exemplificar fenômenos semântico-gramaticais cujo tratamento seria de difícil didatização no estudo da predicação e da complementação. As noções de coordenação e subordinação no período simples, por exemplo, podem ser introduzidas no estudo dos adjuntos e, depois, estendidas aos termos do enunciado que participam de outros tipos de relação. Na análise de um sintagma como “aquele rapaz alto e magro”, por exemplo, é relativamente simples explicar ao aluno que os adjuntos “alto” e “magro” são coordenados entre si (por meio do conectivo “e”), mas subordinados a “rapaz”, que é o núcleo do sintagma. Nesse mesmo ponto, é possível abordar os itens conectivos, mostrando ao aluno que as preposições são sempre subordinativas (ou seja, elas sempre introduzem um termo que sintaticamente se subordina a outro), enquanto as conjunções podem ser subordinativas ou
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explicitados os dois tipos de conexão sintática (coordenação e subordinação), que também ocorrem nas relações de predicação e complementação, bem como é possível efetivar um estudo mais sistemático sobre o comportamento dos itens conectivos (preposições e conjunções) mais produtivos no funcionamento da língua. É importante o(a) professor(a) ter em mente que a análise dos fatos sintáticos deve ser intuitivamente transparente aos alunos (ou seja, a análise não pode resultar num estudo inconsistente em relação à gramática internalizada dos falantes) e resultar no desenvolvimento de generalizações que contribuam para o estudo produtivo sobre o papel da gramática na construção de sentido dos textos. No que concerne à necessidade de a análise sintática ser intuitivamente transparente, pense um pouco a respeito da construção que motivou a crônica de Martha Medeiros -‐ Vende frango-‐se. Como explicar a produção, por um falante nativo da língua, de uma construção que é agramatical tanto da perspectiva das variedades populares do português brasileiro quanto das que se aproximam da norma-‐padrão?
coordenativas. Uma das melhores formas de abordar essas propriedades é levar o aluno a analisar os seus próprios textos: muitos problemas de coesão são desencadeados pelo uso inadequado dos conectivos ou pela estruturação incorreta de períodos compostos por subordinação e/ou coordenação. Portanto, por ser o último tópico abordado na definição dos termos da oração e por se tratar do tipo mais simples de articulação sintática, a adjunção pode ser o lugar ideal para que a abordagem de conceitos relativamente complexos no estudo da sintaxe seja mais facilmente didatizada.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3 ________________________________________________________________________________________ Uma possível explicação para a produção de uma estrutura agramatical como Vende frango-se está no fato de os falantes de português brasileiro não terem, com base em sua gramática internalizada, qualquer intuição para interpretar o significado que as gramáticas normativas imputam às construções com o chamado se apassivador. Em Dificuldades da Língua Portuguesa161 (p. 101-119), coletânea de trabalhos publicada na primeira década do século XX, o gramático Said Ali destaca que construções similares a Vende-se frango, ao contrário do que os manuais de gramática costumam ensinar, não são percebidas pelos falantes como orações passivas (ou seja, como construções do tipo Frango é vendido, em que o complemento semântico do verbo assume a função de sujeito). Qualquer construção desse tipo é interpretada como tendo um sujeito indeterminado, de modo que o se deve ser analisado como um índice de indeterminação referencial, e não como um apassivador. Mais de cem anos após Said Ali propor essa análise, os livros didáticos continuam a ensinar que, quando ocorrem com verbos transitivos diretos, o se é uma partícula apassivadora, e não um índice de indeterminação. Essa análise é inconsistente tanto do ponto de vista empírico quanto conceitual, uma vez que não reflete o conhecimento internalizado que subjaz ao uso real da língua pelos seus falantes nativos. Dizer que o se pode funcionar como uma partícula apassivadora é, do ponto de vista científico, tão absurdo quanto afirmar, em pleno século XXI, que o sol gira em torno da Terra ou que São Jorge mora na lua. Soma-se a essa incongruência o fato de as variedades vernáculas do português brasileiro tenderem à supressão do se até mesmo na expressão do sujeito indeterminado. Na gramática internalizada de quem produziu a frase Vende frango-se, é muito provável que o se sequer sirva à indeterminação do agente. O que deve tê-lo levado a empregar o se é o fato de esse pronome aparecer correntemente em anúncios comerciais (aluga-se, vende-se, compra-se, contrata-se, troca-se, lava-se, conserta-se etc.) com os quais nos deparamos cotidianamente. Em tais anúncios, o emprego de se parece se dar em obediência a uma fórmula que consagrou a sua ocorrência nesse gênero, e não a propriedades intrínsecas à sintaxe da língua.
161Fonte:http://www.academia.org.br/abl/media/Dificuldades%20da%20Lingua%20Portuguesa%20-%20CAMS%20-
%20PARA%20INTERNET.pdf, acesso em 30/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4 ________________________________________________________________________________________ Em variedades do português brasileiro, o se está em franco processo de desuso para expressar indeterminação. A título de exemplo, observe o trecho de fala transcrito a seguir, extraído de uma amostra do projeto PEUL162 (Censo/2000 -‐ falante 17), que desenvolve estudos sobre o português falado na cidade do Rio de Janeiro. No trecho em questão, que é parte de uma conversa informal, um dos falantes solicita ao outro que explique como o feijão é preparado. FALANTE A: Me diz passo a passo como é que faz um feijão. FALANTE B: É... escolhe ele, lava, deixa de molho, deixa uma hora de molho, aí depois -‐ de um dia pra outro, né? -‐ aí de manhã você pega uma panela de pressão, um pouquinho d'água, um dente de alho, um louro, cebola e o feijão e água, carne seca... e deixa cozinhá O sujeito de todos os verbos sublinhados no trecho é referencialmente indeterminado. Vemos duas estratégias de indeterminação que são bastante recorrentes na fala coloquial, ambas com o verbo na terceira pessoa do singular: (1) o emprego do pronome você para expressar referência genérica, e não para indicar a segunda pessoa do discurso (...aí de manhã você pega a panela de pressão...) e (2) ausência de qualquer elemento na posição do sujeito (...que faz um feijão... / ...escolhe ele, lava, deixa de molho...) Se traduzirmos essas construções para a norma-‐padrão, devemos empregar o se, que a gramática normativa analisa inconsistentemente como um pronome apassivador: faz-‐se um feijão / pega-‐se a panela de pressão / lava-‐se / escolhe-‐se. Retornando ao caso do Guimarães Rosa do morro, tanto faz para ele que o se seja colocado depois do verbo vender ou do seu complemento frango: essa partícula não tem qualquer função gramatical ou semântica em sua gramática internalizada163. A inserção do se visa apenas a garantir que o seu anúncio obedeça à fórmula de escrita verificada em tantos outros anúncios. O mesmo deve ocorrer na gramática internalizada da maioria dos alunos (e dos professores) em nossas classes: o se não é uma estratégia usual de indeterminação, muito menos uma partícula apassivadora. Para que o aluno aprenda a usar a expressão da indeterminação referencial nas situações em que o emprego da norma-‐padrão se faz necessário, você deve ajudá-‐lo a tomar consciência das estratégias de indeterminação presentes sua gramática internalizada. A partir dessa consciência, ele será capaz de entender as regras artificiais (ou seja, que não são naturais em sua gramática internalizada) relativas ao emprego de pronomes indeterminadores.
162 Fonte: http://www.letras.ufrj.br/peul/amostras%201.html, acesso em 30/05/2011. 163 A gramáticas normativas do português preveem duas estratégias de indeterminação do sujeito: a flexão do verbo na
terceira pessoa do plural, sem um sujeito expresso (como em “Entraram na casa e levaram tudo”) e o uso do pronome “se” com o verbo na terceira do singular (como em “Vive-se bem na Europa”). Nas variedades vernáculas do português brasileiro, contudo, encontramos outras estratégias de indeterminação para além das abordadas nas gramáticas normativas. Algumas dessas estratégias são as seguintes: (a) uso do verbo na terceira pessoa do singular sem o pronome “se”, acompanhado muitas vezes de um termo locativo (“Naquela loja vende livro” / “Nesse restaurante serve salada” / “Aqui trabalha pouco”); (b) uso do pronome “você” com referencia genérica, equivalente a “alguém” ou a “qualquer pessoa” (“Sempre que você vai ao banco, você acaba enfrentando fila”); (c) emprego de pronomes pessoais sem referência bem delineada (por exemplo, podemos empregar o pronome pessoal “eu” para indicar uma referência genérica, e não apenas fazer referência a nós mesmos, como em “Se eu estou doente, eu preciso me tratar”, significando “Quando uma pessoa está doente, é necessário que essa pessoa se trate”); (d) emprego de formas como “o cara”, “neguinho”, “o mané” etc., significando “qualquer um”, “qualquer pessoa”, como em “Se o cara não se cuida, se prejudica”. Ao tratar da indeterminação referencial do sujeito em sala de aula, o professor deve ficar atento às estratégias mais frequentes na fala de seus alunos para entender os efeitos que elas desencadeiam e apresentar à sua turma alternativas que estão em conformidade com a norma-padrão, mas não fazem parte de sua variedade linguística.
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Finalizando ________________________________________________________________________________________ No tratamento da sintaxe, é importante fornecer ao aluno subsídios para que ele possa refletir produtivamente sobre o sentido dos enunciados e explorar diferentes recursos de expressão nas mais diversificadas situações de interlocução. Abordagens calcadas na observação de propriedades sintáticas que são irreais do ponto de vista empírico (como o estatuto apassivador do se no português contemporâneo) ou na rejeição de fatos gramaticais do vernáculo (como a variação na realização da marca indicativa de plural (os livro -‐ os livros)) não contribuem para o sucesso do aluno no emprego dos mais variados recursos que a língua, em suas diferentes normas, põe a sua disposição. Em maio do ano passado, pudemos constatar um exemplo de rejeição, pela grande imprensa, de fatos do vernáculo abordados no livro de EJA Viver, Aprender164. Clique nas imagens abaixo para ler ou reler algumas manifestações de jornalistas e professores a respeito do conteúdo de uma das lições que tratava da concordância verbal. Você também pode clicar aqui165 para ler o Dossiê Especial que a ONG Ação Educativa organizou a este respeito, com manifestações de educadores e linguistas.
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Não seria mais interessante preparar nossos alunos para não cometerem as mesmas discriminações e os mesmos erros de análise que muitos jornalistas (e até um respeitado gramático170!) cometeram na ocasião? Não seria mais produtivo formar cidadãos capazes de analisar, contrastar e empregar as inúmeras ferramentas de expressão propiciadas pelas diferentes normas linguísticas no uso concreto e efetivo da língua? ________________________________________________________________________________________
164Fonte:http://www.viveraprender.org.br/a-colecao/viver-aprender-–-2º-segmento-do-ensino-fundamental-eja/volume-2-
por-uma-vida-melhor/, acesso em 06/07/2011. 165Fonte:http://www.acaoeducativa.org/index.php?option=com_content&task=view&id=2620&Itemid=2, acesso em
09/05/2012. 166 Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/os-livro-mais-interessante-estao-emprestado/,
acesso em 31/05/2011. 167 Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI235334-15230,00.html, acesso em 31/05/2011. 168 Fonte: http://colunas.epoca.globo.com/guilhermefiuza/2011/05/17/os-‘livro’-do-mec/, acesso em 31/05/2011. 169 Fonte: http://apeoesp.wordpress.com/2011/05/15/ao-criticar-livro-didatico-clovis-rossi-ataca-os-professores/, acesso
em 31/05/2011. 170Fonte:http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/o+aluno+nao+vai+para+a+escola+para+aprender+nos+pega+o+peixe/n
1596951472448.html, acesso em 06/07/2011.
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Tópico 3 -‐ Sintaxe, sentido e variação linguística no trabalho com o texto Ponto de partida________________________________________________________________________________________ O estudo da sintaxe em meio escolar não pode ser reduzido ao ensino da nomenclatura para as funções sintáticas. Como ressaltamos anteriormente, o trabalho com essas funções deve se entrelaçar com práticas que capacitem o aluno a analisar as estruturas linguísticas quanto à forma, à adequação e ao sentido, tendo como ponto de partida a sua gramática internalizada e mirando, dentre outros objetivos, o aprendizado da norma-‐padrão. Para isso, é necessário motivar o aluno a refletir sobre o papel desempenhado por essas estruturas em diferentes práticas com a linguagem, seja no reconhecimento do modo como se organizam os diferentes gêneros discursivos e textuais, seja no emprego de estratégias que propiciem o uso criativo dos recursos de expressão em trabalhos voltados à produção textual.
Isso só será possível se o professor de português investir em práticas que explorem as marcas gramaticais e as formas sintáticas singularizadoras de variedades do português brasileiro (em contraste, por exemplo, com o português europeu) e levar o aluno a caracterizar essas marcas quanto, dentre outros aspectos, à sua maior ou menor adequação às diferentes normas linguísticas. É necessário, antes de tudo, que o aluno entenda qual é o papel da sintaxe (e da gramática, de um modo geral) na constituição da sua língua e das variedades que a compõem.
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Mãos à obra________________________________________________________________________________________ A sintaxe da língua desempenha, como já sabemos, um importante papel na construção de sentido dos enunciados. Recursos relacionados à ordem de palavras, à concordância e à regência, por exemplo, podem desencadear efeitos de sentido que afetam a interpretação global de um texto. A sintaxe não é, contudo, essencial para que um texto em linguagem verbal faça sentido. Atente para as estrofes de Pulso171, conhecida música do Titãs lançada no final dos anos 80, e reflita sobre os seguintes pontos: o encadeamento sucessivo de substantivos que servem para designar doenças, sem qualquer elo sintático entre eles, prejudicou o sentido de algumas estrofes da letra? O que nos permite atribuir sentido a uma estrofe como a que se segue?
Reumatismo, raquitismo, cistite, disritmia, hérnia, pediculose, tétano, hipocrisia, brucelose, febre tifoide, arteriosclerose, miopia, catapora, culpa, cárie, câimbra, lepra, afasia
171 Fonte: http://letras.terra.com.br/titas/48989/ , acesso em 30/06/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 1 ________________________________________________________________________________________ Uma das questões que têm orientado os estudos gramaticais no campo da linguística moderna diz respeito a saber por que as línguas naturais precisam de sintaxe ou, em outras palavras, por que não aprendemos, quando adquirimos uma língua, apenas os seus itens lexicais, mas também o modo como esses itens são combinados para formar enunciados. Linguistas de diferentes orientações teóricas se perguntam por que as línguas naturais requerem, em sua constituição, mecanismos como concordância, ordem, regência, flexão etc., se as palavras são, por si sós, excelentes veículos de significado. À primeira vista, a sintaxe pode ser encarada como uma condição para garantir o sentido das frases. A relação entre sintaxe e sentido, contudo, não é tão direta quanto parece: por meio da linguagem verbal, podemos produzir sentido sem recorrer a mecanismos sintáticos (como nas estrofes da música dos Titãs em que várias palavras são combinadas sem qualquer conexão sintática entre elas) e, da mesma forma, podemos atribuir sentido(s) a frases que não são sintaticamente gramaticais. Quando conversamos com um estrangeiro que está aprendendo português, conseguimos entender o significado de construções agramaticais, como "Eu querer comer comida, mas eu estar sem dinheiro", da mesma forma como entendemos o significado de sintagmas nominais em que o gênero dos substantivos é trocado ("o árvore", "o nuvem", "a clima", "a minha dente" etc.). Não é necessariamente para garantir o sentido dos enunciados, portanto, que usamos de mecanismos sintáticos para ligar os termos de um enunciado, do contrário não entenderíamos frases agramaticais ou as estrofes da canção dos Titãs. De um modo que ainda não nos é claro, é possível que a sintaxe seja o resultado do acúmulo de vários eventos biológicos172 que culminaram na emergência do Homo sapiens. As investigações no campo dos estudos sintáticos dentro do que ficou conhecido como "gramática gerativa", que tem no linguista Noam Chomsky173 o seu maior expoente, têm evidenciado que, apesar das diferenças, as diversas línguas do mundo compartilham recursos gramaticais radicados em propriedades do cérebro/mente humano; daí a ideia de haver uma Gramática Universal174, com a qual todas as crianças nascem e sobre a qual se constrói a gramática internalizada de cada uma delas. Não há aqui espaço para abordar os avanços obtidos por pesquisas nesse campo, mas é importante ressaltar que muitos estudos têm apontado para a ideia de que o desenvolvimento da sintaxe como uma propriedade das línguas naturais, em confluência com o surgimento de outras capacidades cognitivas, pode estar na base do salto evolutivo que determinou o sucesso do Homo sapiens frente a todas as outras espécies de hominídeos.
172 Fonte: http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/somos_unicos__biologia_cultura_e_humanidade_7.html, acesso em
31/05/2011. 173 Fonte: http://www.chomsky.info/, acesso em 31/05/2011. 174 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u356184.shtml, acesso em 31/05/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 2 ________________________________________________________________________________________ Considerando essas ideias, devemos nos perguntar o seguinte: se não existe uma relação imediata e necessária entre sintaxe e sentido, qual é a utilidade de abordar os fatos sintáticos em âmbito escolar? Se a sintaxe de qualquer língua natural está, como defendem os gerativistas, radicada em propriedades mais gerais da mente/cérebro humano (sendo, portanto, um conhecimento naturalmente adquirido), por que a introduzir como objeto de ensino, uma vez que todas as crianças aprendem sozinhas (ou seja, sem a necessidade de um professor) a sintaxe da sua língua? Para situar apropriadamente essas questões, o primeiro ponto a ser considerado é que, concebendo a gramática como um conhecimento que se internaliza naturalmente, a ação da escola não deve ser pautada pela tentativa de ensinar gramática aos alunos, já que o aprendizado da língua materna (incluindo a sua gramática) se dá de modo natural, pela exposição da criança, desde o seu nascimento, a dados linguísticos produzidos pelos membros da sua comunidade de fala. O papel da escola é, dessa perspectiva, levar o aluno ao entendimento do que é a linguagem, orientando-‐o a refletir produtivamente sobre a sua língua e fornecendo-‐lhe instrumentos que os habilitem a empregar conscientemente os mais variados recursos de expressão em diferentes níveis gramaticais (fonológico, morfológico, sintático, morfossintático, morfolexical etc.). No que concerne à sintaxe, a sua abordagem em sala de aula não deve ter como objetivo último ensinar os alunos a concatenar palavras ou a fazer concordâncias (já vimos que a ausência de concordância, por exemplo, não impede a construção de sentido), mas o de orientá-‐los à plena autonomia no desenvolvimento de atividades (como a escrita) em que o uso consciente e monitorado de recursos linguísticos se faz necessário. Pensemos, por exemplo, no papel que o estudo da sintaxe pode desempenhar no trabalho com diferentes gêneros discursivos/extuais. Como já destacado no Tema 1, a caracterização dos dados linguísticos quanto à sua forma e adequação a uma norma deve levar em conta o contexto de sua produção. Dessa perspectiva, recursos linguísticos que são adequados a determinados gêneros em esferas específicas podem ser inadequados (ou até provocar estranhamentos quanto à gramaticalidade) nos domínios de outras esferas.
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Colocando os conhecimentos em jogo 3________________________________________________________________________________________ Para exemplificar como um fenômeno sintático interfere em marcas que atuam na particularização de gêneros textuais/discursivos, consideremos o que as gramáticas tradicionais chamam de sujeito oculto175. Muitos estudos têm mostrado que os brasileiros recorrem a esse tipo de sujeito com menos frequência do que os portugueses, o que possivelmente se deve à redução do paradigma flexional dos verbos176 no português do Brasil. Considerações sobre o sujeito oculto podem ser interessantes, por exemplo, para evidenciar aos alunos algumas marcas constitutivas do gênero relato, que privilegia o sujeito de 1ª pessoa, uma vez que esse gênero costuma ser empregado para reconstruir acontecimentos dos quais o enunciador tenha participado. Clique nas imagens abaixo para ler dois excertos que podem ser considerados representativos desse gênero: no Texto 1, temos um relato escrito, extraído de uma crônica; no Texto 2, temos a transcrição de um relato produzido oralmente, como parte de uma entrevista informal. Atente para as formas verbais em negrito, flexionadas na 1ª pessoa do singular, e procure observar em qual dos dois textos predominam as orações em que essas formas trazem o sujeito oculto.
Texto 1177
Texto 2178
Você deve ter percebido que quase todos os verbos destacados no Texto 1 têm o sujeito oculto: das 16 formas verbais na 1a. pessoa do singular, apenas 3 aparecem combinadas com o pronome eu fonologicamente realizado na posição do sujeito. No Texto 2, vemos o oposto: 15 dos 16 verbos flexionados na 1a. pessoa do singular ocorrem com o pronome, havendo apenas um caso de sujeito oculto. Como analisar esse contraste entre os dois textos, tendo em vista que o português brasileiro se afastou do português europeu no tocante à frequência de sujeitos ocultos? Por que o Texto 1, ao contrário do Texto 2, não reflete esse afastamento entre as duas variedades do português?
175 Da perspectiva gramatical, o sujeito oculto é aquele que não é fonologicamente realizado, mas pode ter o seu referente
identificado por elementos presentes na própria oração (como a flexão verbal) ou pelo contexto em que o enunciado é produzido.
176Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_lingua_gram_texto_sentido/paradigma_flexional_TEMA_3_TOPICO_3.pdf, acesso em 30/06/2011.
177 Fonte: http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-2223/um-livro-uma-vida, acesso em 09/05/2012. 178 Fonte: http://www.irreverendos.com/?author=22, acesso em 30/06/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 4________________________________________________________________________________________ Quando motivados a relacionar questões sintáticas dessa ordem com reflexões sobre marcas linguísticas que permitam contrastar textos relacionados a um mesmo gênero, os alunos têm a oportunidade de atrelar essas marcas às condições de produção em diferentes esferas (jornalística, comercial, literária etc.). O Texto 1 foi extraído da Revista Veja São Paulo, que, como as demais produções da esfera jornalística, procura atender às expectativas da norma-‐padrão, mirando como modelo, ainda que idealmente, a gramática do português europeu. O Texto 2, por sua vez, é parte de uma entrevista informal, sem maior preocupação com o monitoramento da língua. Em situações desse segundo tipo, não há filtro para bloquear as marcas do vernáculo, contrariamente ao que costumamos ver na produção de um texto escrito. Esse contraste entre as condições de produção explica, pelo menos em parte, as diferenças na frequência de sujeitos nulos: embora o relato privilegie a ocorrência de verbos flexionados na 1ª pessoa (uma propriedade que é comum aos dois textos), a produção de textos pertencentes a esse gênero em esferas normativamente mais conservadoras tende a valorizar os sujeitos ocultos, enquanto a produção em esferas nas quais o monitoramento da língua é afrouxado não encontra restrições para que o sujeito seja realizado. Fatos desse tipo abrem espaço para que as práticas de análise sintática se sustentem na tentativa de ajudar o aluno a reconhecer aquilo que é adequado ou inadequado em produções representativas de um determinado gênero, em esferas diversas, tendo como norte o contexto em que tais produções se realizam. Mesmo não tendo uma relação necessária com a construção de sentido dos enunciados, a sintaxe da língua tem um papel ativo na produção de significados. Em outras palavras, embora sentidos possam ser produzidos sem a ação de elementos sintáticos, a sintaxe colabora ativamente na determinação dos sentidos possíveis para um enunciado. Isso pode ser observado, por exemplo, em contrastes bastante simples que envolvem a colocação dos termos da oração, como em oposições do tipo boa mulher -‐ mulher boa, pobre homem -‐ homem pobre e último objetivo -‐ objetivo último, que são determinadas, dentro do sintagma nominal, pela alternância na posição do adjetivo em relação ao substantivo.
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Colocando os conhecimentos em jogo 5________________________________________________________________________________________ O produtivo trabalho com fatos sintáticos em sala de aula tem sido, contudo, prejudicado pelo fato de os manuais de gramática mirarem uma norma que, não sendo condizente com as propriedades mais gerais do português brasileiro, não capta a intuição dos nossos alunos a respeito da língua que adquiriram. A abordagem gramatical reproduzida pela grande maioria dos livros didáticos fecha os olhos até mesmo para as variedades cultas do português falado no Brasil, o que esbarra na necessidade de apresentar aos alunos padrões linguísticos mais realistas, os quais realmente interessam ao trabalho com recursos de expressão que atendam eficientemente às mais diferentes expectativas nas práticas de linguagem. Diferentes estudos têm mostrado que o português culto falado no Brasil se afasta, em muitos aspectos, do que é falado em Portugal, o que, por si só, justificaria uma postura diferenciada da escola frente ao que chama de norma culta. São poucos os livros didáticos que se detêm, de forma sistemática, nas propriedades sintáticas que particularizam o português brasileiro em relação ao português europeu. Quando o fazem, o objetivo é, quase sempre, o de caracterizar tais particularidades como algo que se desvia do que acreditam ser a "verdadeira" língua ou de alertar o aluno quanto aos "perigos" advindos do uso de certas construções. Muitas dessas particularidades são frequentes em amostras representativas de normas cultas179, depreendidas a partir da fala de pessoas com alto grau de instrução. A título de exemplo, vale citar as seguintes: emprego do pronome reto de 3ª pessoa do singular em lugar da forma oblíqua (Eu vi ele na praia); a alta frequência de a gente em lugar de nós (A gente estuda muito); uso do "tu" com a flexão verbal na 3ª pessoa (Tu estuda muito); substituição de haver por ter como verbo existencial canônico (Tem livro na estante); emprego do pronome lhe como objeto direto (Vou lhe beijar); substituição da preposição a pela preposição em na introdução de complementos locativos (Vou na escola) ou, ainda, pela preposição para na introdução de objetos indiretos (Dei o livro para a criança) etc.
179 Fonte: http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/ , acesso em 30/6/2011.
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Colocando os conhecimentos em jogo 6________________________________________________________________________________________ Entre as inovações sintáticas atestadas no português brasileiro, estão as relacionadas ao que os linguistas chamam de "orientação ao discurso"180: em termos gramaticais, os falantes de português brasileiro podem fazer com o tópico de um enunciado o que falantes de outras línguas românicas (incluindo o português europeu) não podem fazer. Considere os exemplos181 a seguir. Nos casos em (1a) e (2a), o termo que concorda com o verbo (as ruas do centro e as crianças, respectivamente) não é o sujeito lógico182 da oração. Isso é fácil de ser percebido quando comparamos (a) com (b): os termos que concordam com o verbo em (a) equivalem a um adjunto adverbial em (1b) e a um adjunto adnominal em (2b). Observe que o sujeito lógico das construções em (a) é o mesmo que o das construções em (b) -‐ respectivamente, ônibus (sujeito de passar) e o dentinho (sujeito de nascer). (1) a. As ruas do centro não tão passando ônibus. b. Não tá passando ônibus nas ruas do centro. (2) a. As crianças estão nascendo o dentinho. b. O dentinho das crianças está nascendo. O que mais chama a nossa atenção é o fato de essas construções serem raras entre as línguas indo-‐europeias. Ainda não são claros os motivos que levaram à sua emergência no português brasileiro, mas é possível que resultem das dinâmicas de contato que o português estabeleceu com outras línguas (por exemplo, as línguas africanas183) no processo de formação da sociedade brasileira. Independentemente das
180 O trabalho de Eunice Pontes, intitulado “O Tópico no Português do Brasil” (1987), é o primeiro a propor que a
gramática do português brasileiro compartilha propriedades tipológicas com a gramática de línguas como o chinês e o japonês. Nessas línguas, o termo interpretado como tópico, independentemente de qual seja a sua função sintática, pode ocupar posições dentro da oração que, em outras línguas (como as românicas e anglo-saxônicas em geral), são geralmente destinadas ao sujeito lógico ou semântico do verbo. Na esteira do estudo de Pontes, há trabalhos como os de Galves (1998) e Negrão (1999), que argumentam em favor de o português brasileiro se singularizar no conjunto das línguas românicas por ter uma sintaxe “orientada ao discurso”. Cabe ressaltar que as línguas do grupo Bantu, faladas pela maioria dos africanos que foram trazidos como escravos para o Brasil, também apresentam propriedades de orientação ao discurso.
181 Chamamos de "tópico" o termo que se refere ao tema principal do que se diz na oração. O termo topicalizado nem sempre desempenha a função de sujeito. Em "Na rua, é difícil de viver", por exemplo, o termo "na rua" pode ser interpretado como tópico e equivale a um adjunto adverbial (ou, dependendo da análise, a um complemento circunstancial) ligado ao predicado com o verbo "viver".
182 Sujeito lógico (também chamado de “sujeito semântico”) é o termo cujo referente é interpretado como um participante necessário à existência do estado de coisas (uma ação, um processo, um fenômeno, um estado propriamente dito) expresso pelo verbo. Nem sempre o sujeito gramatical (ou seja, aquele que concorda com o verbo) equivale a um sujeito lógico. Em construções do inglês como “It rains”, o pronome “it” é um sujeito (expletivo) gramatical, mas não pode ser caracterizado como um sujeito lógico. Nas construções exemplificadas em (1a) e (2a), os termos “as ruas do centro” e “as crianças” são sujeitos gramaticais, uma vez que concordam com o verbo, mas não são sujeitos lógicos. Do ponto de vista semântico, esses termos equivalem a um adjunto interpretado como uma circunstância de lugar em (1a) e um possuidor em (1b).
183 Em línguas do grupo Bantu, por exemplo, que eram faladas pela maioria dos africanos trazidos para o Brasil entre os séculos XVI e XIX, a flexão verbal pode concordar com termos locativos em função adverbial sempre que tais termos forem realizados antes do verbo e o sujeito lógico for pós-verbal. Estudos como os de Avelar e Cyrino (2008) sugerem que, na gênese do português brasileiro, esses padrões oracionais das línguas Bantu podem ter sido transferidos para o
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razões que desencadearam essas estruturas, o que é relevante no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa é o fato de já não estarem restritas à oralidade, mas serem também encontradas em textos escritos, principalmente entre aqueles marcadamente informais. Em blogs, por exemplo, é comum encontrar postagens de internautas que, ao redigirem perguntas ou opiniões sobre algo, produzem construções como as relacionadas acima. Clicando aqui184, você encontra uma lista com exemplos dessas construções extraídos de blogs brasileiros. Essa é apenas uma das muitas inovações atestadas no português brasileiro de que a escola deveria se ocupar. Levar o aluno à consciência dessas inovações (não para tratá-‐las como desvios, mas para apresentá-‐las como resultado de propriedades do português brasileiro) é fundamental para garantir que ele aprenda a refletir sobre a adequação de certas marcas da oralidade na produção e recepção de textos representativos dos mais diferentes gêneros.
português adquirido como L1 por descendentes diretos dos africanos e, a partir daí, se difundido para diferentes variedades do português em formação no Brasil. Trabalhos como os de Lucchesi, Baxter e Ribeiro (2010) e Petter (2009) também apresentam argumentos favoráveis à ideia de que o contato do português com línguas africanas foi determinante na formação de variedades populares do português brasileiro. Já estudos como os Naro e Scherre (2007) são contrários a essa ideia, defendendo que muitas das marcas identificadas no português brasileiro ocorrem, ainda que de forma latente, em variedades do português europeu.
184 AVELAR, Juanito. Convergências e contrastes entre o português brasileiro e as línguas Bantu: posição de sujeito e padrões de concordância. Comunicação apresentada como parte da mesa “História(s) da Língua: Contatos e Mudanças”, durante o I Simpósio “Dinâmicas Afro-Latinas: Língua(s) e História(s)”, realizado nos dias 27 e 28 de abril de 2011 no IEL/Unicamp.
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Atividade autocorrigível 5a ________________________________________________________________________________________ Leia o texto intitulado As praca185, publicado na coluna de Sírio Possenti186 no Terra Magazine, e verifique quais das afirmações a seguir abordam corretamente as ideias do texto. a)187 O texto deixa implícito que as regras de concordância abonadas pela norma-‐padrão são indispensáveis para que as pessoas possam depreender o sentido exato de um enunciado, já que dificilmente alguém conseguirá entender que as praca tem o mesmo significado que as placas. b)188 Pessoas que falam ou escrevem as praca em lugar de as placas não tiveram oportunidade de ir à escola para aprender a falar. c)189 Formas como barbie kill, inelgético e desvil (em lugar de barbecue, energético e desvio) podem revelar o modo como os falantes analisam as propriedades da língua. d)190 Ao comentar a notícia veiculada pelo Jornal Nacional a respeito das dificuldades enfrentadas por candidatos a empregos em provas de português, Sírio Possenti destaca que palavras como obsessiva e exequível são "boas para errar" porque até mesmo profissionais da escrita têm dificuldade para entender determinadas regras de grafia (como o uso de x em vez de z ou s) necessárias ao domínio da língua escrita. e)191 Ao reproduzir, no último parágrafo, a fala da responsável por uma empresa e afirmar que, pelo critério análogo ao do ditado, ela seria demitida, a intenção de Sírio Possenti é chamar a atenção para o fato de que violar a norma-‐padrão, em qualquer nível de análise linguística, não implica a priori qualquer tipo de incapacidade no domínio da língua. f)192 Frases do tipo "Tem uma vaga que a gente tá com ela aberta há mais de quatro anos" revelam incapacidade para lidar com raciocínio lógico, o que reforça a necessidade de as empresas abandonarem os testes de ortografia e investirem em provas que avaliem conhecimentos de análise sintática à luz da gramática normativa. ________________________________________________________________________________________
185 Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5213302-EI8425,00-As+praca.html , acesso em 30/06/2011. 186 Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/ultimas/0,,EI8425,00.html, acesso em 06/07/2011. 187 Incorreto. De acordo com texto, “as praca” é outra maneira de dizer (ou escrever) “as placas”. 188 Incorreto. O texto não faz nenhuma sugestão acerca de como terá sido a vida escolar de quem produz “as praca” em
lugar de “as placas”, bem como não faz qualquer alusão à ideia de que só aprendem a falar aqueles que vão à escola. 189 Correto. O texto tece considerações a respeito do que pode levar as pessoas a se desviarem da ortografia convencional
em casos como os mencionados, destacando, nesse sentido, que "'as praca’ são verdadeira mina para pesquisadores”, pois podem fornecer indícios relevantes sobre determinados aspectos da língua.
190 Incorreto. De fato, Sírio Possenti afirma que as palavras em questão são “boas para errar”, mas critica a cobrança feita pela prova e ressalta que não se pode confundir “grafia com escrita e escrita de palavras soltas com domínio de língua escrita”.
191 Correto. A fala da responsável pela empresa se desvia da norma-padrão em dois pontos: (i) emprego de “ter” em lugar de “haver” e (ii) construção de uma oração adjetiva dentro da qual se realiza um termo (o sintagma preposicionado “com ela”) que é referencialmente idêntico ao antecedente do pronome relativo (o sintagma “uma vaga”). Isso não significa, de acordo com o texto, que a responsável não esteja apta ao exercício de suas funções dentro da empresa, da mesma forma que o erro na escrita de palavras como “obsessiva” e “exequível” não indica falta de aptidão ao emprego.
192 Incorreto. O texto não estabelece qualquer relação entre a inobservância da norma-padrão e a incapacidade de lidar com raciocínio lógico, bem como não sugere qualquer necessidade de as empresas investirem em provas que permitam avaliar o conhecimento normativo da sintaxe.
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Atividade autocorrigível 5b ________________________________________________________________________________________ Clique aqui193 para visualizar a redação escrita por uma aluna nas primeiras séries do Ensino Básico e assinale a alternativa que, à luz da concepção de gramática explorada ao longo do nosso curso, traz a afirmação correta a respeito do que vemos no texto. a)194 A incapacidade de fazer a concordância verbal mostra que a aluna não tem domínio nem da língua escrita nem da língua falada. b)195 A redação indicia que, no processo de aquisição da linguagem, a aluna internalizou um paradigma flexional reduzido, que é uma das características das variedades do português brasileiro, em contraste com o português europeu. c)196 É impossível depreender o significado da construção o produto que nós colhia nós tinha de dar a metade pro comissário, pois além de os verbos colher e ter não concordarem com o pronome de 1ª pessoa do plural, o termo o produto que nós colhia não é realizado junto ao substantivo/numeral metade, ao qual está sintaticamente subordinado. d)197 A aluna está muito perto de conseguir dominar plenamente a sintaxe da língua, apesar de não saber ligar o verbo, por meio da concordância, ao sujeito da oração. e)198 A observação feita pela professora na parte inferior da redação revela que suas práticas de ensino são orientadas pela noção de adequação linguística e não por preceitos acerca do que seja certo ou errado na língua. f)199 As marcas de correção (na cor vermelha) sobre os verbos visam a chamar a atenção da aluna para um mesmo fato gramatical, o que dispensa a professora de informar qual é o tipo de "erro" que está sendo cometido no que concerne às formas verbais. ________________________________________________________________________________________
193Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_
lingua_gram_texto_sentido/texto_I_atividade_autocorrigivel_I_Tema_3.pdf 194 Incorreto. Qualquer falante domina as regras da língua que fala (se não as dominar, não pode, por definição, ser tratado
como um falante dessa língua). No que tange à escrita, a aluna demonstra saber usar importantes estratégias de articulação entre as partes do enunciado, apesar de não dominar o uso da pontuação convencional para delimitar períodos ou fronteiras intra e interoracionais. O fato de não fazer a concordância verbal conforme os preceitos da norma-padrão não tem qualquer efeito sobre o sentido global do seu texto, que é bastante claro para qualquer pessoa que o leia.
195 Correto. Nas variedades do português brasileiro, mesmo nas que são representativas da chamada norma culta, o paradigma flexional da conjugação verbal é reduzido em comparação com o do português europeu. Uma vez que, no processo de aquisição da linguagem, foi exposta a dados produzidos por falantes dessas variedades, a aluna internalizou um paradigma que a impede de seguir, sem instrução formal, as regras de concordância abonadas pela norma-padrão.
196 Incorreto. É evidente que o fato de a construção mostrar propriedades em violação às regras da escrita considerada padrão não prejudica o seu significado. No que diz respeito ao termo “o produto que nós colhia”, sua realização fora da posição canônica (que seria em sequência ao substantivo/numeral “metade”, como em “...dar a metade do produto que nós colhía...”) indica que ele é o tópico daquilo que será apresentado nos enunciados subsequentes. Essa propriedade revela que a aluna consegue reproduzir eficientemente na escrita uma estratégia comumente empregada na fala, que é frontear (ou seja, trazer para o início da oração) o tópico do que será dito adiante.
197 Incorreto. Como qualquer outro falante, a aluna domina plenamente a sintaxe da sua língua, independentemente do seu maior ou menor desempenho no que diz respeito ao uso da norma-padrão. A ideia de que a aluna não sabe ligar o verbo ao sujeito da oração por meio da concordância é equivocada, dado que ela emprega regras em conformidade com o paradigma flexional reduzido que caracteriza as variedades populares do português brasileiro. O que se pode afirmar é que a aluna não domina as regras de concordância abonadas pela norma-padrão.
198 Incorreto. A afirmação de que a aluna “só errou nos verbos”, complementada com a previsão de que logo ela “estará escrevendo sem nenhum erro” caso “faça um esforço”, evidencia que a professora adota uma visão normativa no tratamento dos fatos gramaticais.
199 Incorreto. As marcas de correção sobre os verbos referem-se a diferentes fatos, nem todos de natureza gramatical, o que exigiria da professora explicitar mais claramente para a aluna quais são os tipos de “erro” em questão. Além dos fatos de concordância, encontramos a realização de “fiquemos” em vez de “ficamos” na expressão do pretérito perfeito do indicativo, supressão inicial da sílaba do verbo “estar” (em “..agora já tamos...”), escrita de “tirra” em vez de “tira” (com o mesmo acontecendo no substantivo “cer(r)eal”) e a introdução inapropriada do sufixo de negação “des-” no gerúndio “acostumando”.
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Finalizando________________________________________________________________________________________ Se, por um lado, a linguagem verbal pode construir sentidos sem recorrer a estratégias sintáticas, é inquestionável que a sintaxe da língua, assim como os outros níveis gramaticais, desempenha um papel fundamental no modo como as partes do enunciado se combinam para afetar o significado global de um texto. As aulas de sintaxe devem, dessa perspectiva, fomentar no aluno o gosto pela busca de padrões frásicos que sirvam aos mais variados propósitos no uso da linguagem. Essa busca passa, necessariamente, por reconhecer as estruturas que compõem a sua gramática internalizada e, ao mesmo tempo, pela avaliação dessas mesmas estruturas quanto a sua maior ou menor adequação aos diferentes contextos de uso linguístico. Se ficarem limitadas aos padrões frásicos previstos pela Gramática Tradicional e concentrarem o estudo da sintaxe na mera classificação dos termos da oração ou em preceitos infundados sobre o que é certo e errado na norma-‐padrão, as aulas de gramática continuarão fadadas ao fracasso. O professor deve investir em práticas que valorizem o emprego dos mais variados recursos de expressão, o que passa, necessariamente, por reconhecer a gramática da língua não como um objeto pronto, terminado, entijolado em manuais e livros didáticos, mas como uma parte constitutiva do indivíduo, construída de modo natural no processo de aquisição da linguagem. ________________________________________________________________________________________
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Finalizando a disciplina 1 ________________________________________________________________________________________ A concepção de gramática com a qual trabalhamos ao longo desta disciplina exige do professor de Português habilidades que requerem uma percepção ativa e acurada sobre o conhecimento e uso da língua. Não falamos aqui da língua limitada, estática, artificial e disfuncional apresentada pelos manuais tradicionais de gramática e pelos livros didáticos que os seguem, mas da língua que resulta do conhecimento (lexical, fonológico, morfológico, sintático, semântico, discursivo etc.) internalizado de modo natural pelos falantes e colocado em uso nas mais diversificadas situações do cotidiano.
Essas habilidades do professor devem se traduzir em práticas didáticas voltadas à formação de indivíduos capazes de usar conscientemente a linguagem a favor da sua qualidade de vida, que envolve desde o sucesso na vida profissional até o respeito pelo patrimônio cultural do seu país, passando pelo reconhecimento de que todas as variedades linguísticas são legítimas e devem ser respeitadas. O ensino da norma-‐padrão precisa figurar entre os principais objetivos da disciplina de Língua Portuguesa, mas as práticas que sustentarão esse ensino só serão bem-‐sucedidas se os alunos forem apresentados a instrumentos de reflexão que os capacitem a analisar e entender os variados recursos de expressão possibilitados pelas mais diferentes normas linguísticas.
É apenas no processo de reconhecimento e/ou domínio desses recursos que fará sentido apresentar-‐lhes o que chamamos de norma-‐padrão, que, como sabemos, não é uma língua, nem uma variedade linguística e sequer uma das múltiplas possibilidades de realização da língua, mas um conjunto de preceitos e valores histórica, cultural e socialmente determinados. Não existem falantes de norma-‐padrão, o que significa que as pessoas não podem ser divididas entre as que falam e as que não falam essa norma, mas entre as que conhecem e as que não conhecem as regras que determinam o seu uso e, entre aquelas que não as conhecem, as que sabem e as que não sabem empregá-‐las. ________________________________________________________________________________________
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Finalizando a disciplina 2 ________________________________________________________________________________________ Como não é uma língua nem uma variedade linguística, a norma-‐padrão não pode ser o ponto de partida de práticas e reflexões desenvolvidas em meio escolar. O único objeto gramatical que se presta à abordagem científica e é passível de uma descrição e sistematização coerente são as regras internalizadas pelos falantes no processo natural de aquisição da linguagem. Se o professor tiver isso em mente, o espaço destinado às aulas de gramática pode ser transformado em um verdadeiro laboratório de experimentos sobre o conhecimento e uso da língua.
200 Por meio desses experimentos, os alunos poderão reconhecer como o seu conhecimento linguístico se constitui e, por extensão, que critérios relacionadas à forma, à adequação e ao sentido das expressões linguísticas devem entrar em jogo na escolha das estruturas que são ou não apropriadas às diferentes situações de interlocução. É só a partir daí que o ensino da norma-‐padrão deve entrar em jogo, com os alunos tendo uma consciência produtiva do que seja a gramática de uma língua e do papel desempenhado pelas diversas normas no uso efetivo da linguagem. ________________________________________________________________________________________
200 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=s5MCZ8BB_Ts, acesso em 30/05/2011.
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Ampliando o conhecimento 1 ________________________________________________________________________________________ Para ampliar seus conhecimentos sobre os assuntos abordados neste Tema, você pode ler: Parâmetros sociolinguísticos do português brasileiro201, de Dante Lucchesi: O autor aborda o conceito de norma à luz da sociolinguística variacionista e focaliza regras de concordância verbal para mostrar o que chama de polarização sociolinguística. Clique aqui202 para ler uma entrevista do autor à Folha Dirigida e aqui203 para ler um texto de sua autoria, intitulado Racismo linguístico ou ensino pluralista e cidadão, em defesa do livro de EJA Por uma vida melhor. Sujeitos indeterminados em PE (português europeu) e PB (português brasileiro)204, de Maria Eugenia Duarte, Mary Kato e Pilar Barbosa: Esse artigo contrasta qualitativa e quantitativamente as estratégias de indeterminação referencial do sujeito no português brasileiro e no português europeu, com base em dados da língua escrita. O papel das línguas Bantu na gênese do português de Moçambique: O comportamento sintático de constituintes locativos e direcionais205, de Perpétua Gonçalves e Feliciano Chimbutane: Esse texto aborda o uso de preposições em variedades do português emergentes em Maputo. Os dados apresentados pelos autores mostram que o português falado pelos moçambicanos apresenta pontos em comum com o falado pelos brasileiros. Conceitos de Gramática206, de Maria Eugenia Duarte: Neste breve texto, a autora aborda diferentes conceitos de gramática, destacando, dentre outras, as noções de norma, gramática internalizada e adequação linguística. O Português Afro-‐Brasileiro207, de Dante Lucchesi, Alan Baxter & Ilza Ribeiro: Esse livro traz uma coletânea de trabalhos sobre marcas morfossintáticas na fala de habitantes de comunidades rurais afro-‐brasileiras isoladas O português brasileiro: formação e contrastes208, de Volker Noll: Esse trabalho descreve comparativamente o português brasileiro, em contraste com o português europeu, destacando, entre outros aspectos, uma proposta de periodização para o primeiro. Malcomportadas línguas e Língua na mídia209, de Sírio Possenti: Esses dois livros reúnem artigos publicados pelo autor, motivados, dentre outras razões, por observações equivocadas sobre a língua feitas em diferentes setores da mídia. ________________________________________________________________________________________
201 Fonte: http://www.abralin.org/revista/RV5N1_2/RV5N1_2_art4.pdf, acesso em 06/07/2011. 202 Fonte: http://www.pglingua.org/foros/viewtopic.php?f=1&t=1913, acesso em 06/07/2011. 203 Fonte: http://www.abralin.org/noticia/Dante.pdf, acesso em 06/07/2011. 204 Fonte: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/6490/3/DuarteKatoBarbosaAbralin.pdf, acesso em
06/07/2011. 205 Fonte: http://abecs.net/ojs/index.php/papia/article/viewFile/2/pdf, acesso em 06/07/2011. 206 Fonte: http://pt.scribd.com/vin%C3%ADcius_neto_2/d/54180176-Duarte-Conceitos-de-Gramatica, acesso em
03/05/2012. 207 Fonte: http://www.letraviva.net/arquivos/2011/O_Portugues_Afro_Brasileiro_Dante_Lucchesi.pdf, acesso em
06/07/2011. 208 Fonte: http://www.usp.br/gmhp/liv2.html, acesso em 06/07/2011. 209 Fonte: http://www.parabolaeditorial.com.br/releasemalcomportadas.htm, acesso em 06/07/2011.
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Ampliando o conhecimento 2 ________________________________________________________________________________________ Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você também poderá ver na WEB: Vídeos de diversos documentários conduzidos por Regina Casé sobre os mais variados temas: Esses vídeos podem ser usados em sala de aula para apresentar aos alunos exemplos de variedades do português faladas no Brasil e na África, em diferentes estratos sociolinguísticos. Clique nos links abaixo para acessar alguns deles: Um Pé de Quê?210: Programa em que Regina Casé relaciona diferentes espécies de árvores a variados aspectos (culturais, sociais, históricos, econômicos etc.) atrelados ao cotidiano de comunidades localizadas em diferentes regiões do país. Programa da série Central da Periferia sobre aspectos do cotidiano luandense211: Regina Casé entrevista vários angolanos para abordar a situação socioeconômica de Angola. Ao longo do programa, aparecem falas representativas de diferentes normas linguísticas emergentes naquele país. Programa sobre a periferia de Maputo, capital de Moçambique212: Regina Casé conversa com moçambicanos, enquanto viaja por diferentes bairros no entorno da capital. Vídeos do grupo humorístico português Gato Fedorento213: Muitas piadas apresentadas por esse grupo costumam se valer de recursos linguísticos calcados em fatos gramaticais do português europeu. Clique aqui214 para assistir a um quadro em que os humoristas tentam imitar o sotaque brasileiro para fazer uma piada. Vídeos sobre o Museu da Língua Portuguesa: Na página seguinte, você encontra links para vídeos que contam um pouco da história e do funcionamento do primeiro museu do mundo dedicado a uma língua. Clique aqui215 para acessar textos publicados na página do Museu sobre vários temas relativos à história do português. ________________________________________________________________________________________
210 Fonte: http://www.umpedeque.com.br/, acesso em 06/07/2011. 211 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=beT86qq82N4, acesso em 06/07/2011. 212 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Vy6kiUwWatM, acesso em 06/07/2011. 213 Fonte: http://www.videosfedorentos.com, acesso em 06/07/2011. 214 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=1DtuO3Y_eYc, acesso em 03/05/2012. 215 Fonte: http://www.museulinguaportuguesa.org.br/colunas.php, acesso em 06/07/2011.
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Ampliando o conhecimento 3 ________________________________________________________________________________________
"Eu acho que o Museu da Língua Portuguesa, ele traz também uma maneira revolucionária de ensinar a língua portuguesa. Aqui nós não trabalhamos com o conceito de certo e errado, nós trabalhamos com o conceito de padrões diferenciados da língua portuguesa." Trecho216 da entrevista com Antônio Carlos de Moraes Sartini.
"Quem sai do Museu conclui que faz parte de todo esse processo de evolução da língua." Trecho217 da reportagem sobre o funcionamento do Museu da Língua Portuguesa.
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216 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=DwjfnQuE_Mc, acesso em 30/06/2011. 217 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=kA2UxRaurlk, acesso em 30/06/2011.
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Referências Bibliográficas ________________________________________________________________________________________ AVELAR, J.; CYRINO, S. Locativos preposicionados em posição de sujeito: Uma possível contribuição das línguas Bantu à sintaxe do português brasileiro. Linguística, vol. 3 -‐ Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto, 2008. P. 55-‐75. DUARTE, M. E. L. A perda do Princípio ‘Evite Pronome' no português brasileiro. Tese (Doutoramento). Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp), 1995. GALVES, C. Tópicos, sujeitos, pronomes e concordância no português brasileiro. Cadernos de Estudos Linguísticos 34º, 1998. P. 7-‐21. LUCCHESI, D.; BAXTER, A.; RIBEIRO, I. O Português Afro-‐Brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009. MEDEIROS, M. Vende frango-‐se. In:_____. Doidas e santas. Porto Alegre: L&PM, 2008. NARO, A.; SCHERRE, M. Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2007. NEGRÃO, E. Português brasileiro: Uma língua voltada para o discurso. Tese (Livre-‐Docência). Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), 1999. PETTER, M. O continuum afro-‐brasileiro do português. In: GALVES, C.; GARMES, H.; RIBEIRO, F. R. (Orgs.). África-‐Brasil: Caminhos da língua portuguesa. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. P. 159-‐17. PONTES, E. O tópico no português do Brasil. Campinas: Pontes, 1987. SAID ALI, M. Dificuldades da língua portuguesa. Rio de Janeiro: ABL/Biblioteca Nacional, 2008. 7a ed.