PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista,...

20

Transcript of PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista,...

Page 1: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,
Page 2: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,
Page 3: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

PRINCIPIOLOGIA

Estudos em Homenagem ao Centenário de LUIZ DE PINHO PEDREIRA DA SILVA

UM JURISTA DE PRINCÍPIOS

RODOLFO PAMPLONA FILHOJOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO

Coordenadores

Page 4: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

EDITORA LTDA.

© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-003São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.brSetembro, 2016

versão impressa — LTr 5654.8 — ISBN 978-85-361-8998-7 versão digital — LTr 9031.4 — ISBN 978-85-361-9009-9

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Principiologia: ensino em homenagem ao centenário de Luiz de Pinho Pedreira da Silva: um ju-rista de princípios / coordenadores científicos José Augusto Rodrigues Pinto, Rodolfo Pamplona Filho; comissão organizadora Alcino Barbosa de Felizola Soares, Sérgio Novais Dias ; secretário Guilherme Oliveira Gomes dos Santos. — São Paulo: LTr, 2016.

Vários colaboradores.

1. Direito do trabalho 2. Direito do trabalho — Brasil 3. Principiologia jurídica 4. Silva, Luiz de Pinho Pedreira da I. Pinto, José Augusto Rodrigues. II. Pamplona Filho, Rodolfo. III. Soares, Alcino Barbosa de Felizola. IV. Dias, Sérgio Novais. V. Santos, Guilherme Oliveira Gomes dos.

16-07104 CDU-34:331 (81)

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Principiologia do direito dotrabalho 34:331 (81)

Page 5: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

5

ÍNDICE

NOTA DA COMISSÃO.......................................................................................................................................... 7

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................................................... 9

MEMÓRIAMESTRE PINHO PEDREIRA

Antonio Guerra Lima .............................................................................................................................. 13

PINHO PEDREIRA — UMA HISTÓRIA BAIANALamartine de Andrade Lima .................................................................................................................... 17

DOUTRINAVISÃO CRÍTICA DA PRINCIPIOLOGIA TRABALHISTA

Arion Sayão Romita ................................................................................................................................ 23

UNIFICAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO Carlos Henrique Bezerra Leite ................................................................................................................. 35

DANOS PROVOCADOS POR ACIDENTES DO TRABALHO — ALGUMAS QUESTÕES Cláudio Brandão ..................................................................................................................................... 41

FORMAÇÃO DO PENSAMENTO DOUTRINÁRIO DE LUIZ DE PINHO PEDREIRA DA SILVA Dalzimar Gomes Tupinambá ................................................................................................................... 61

O “PRINCÍPIO” DA MITIGAÇÃO E O DIREITO DO TRABALHO: ANÁLISE DA (RESTRITA) APLICABILIDADE DA REGRA DA IRREPARABILIDADE DO DANO EVITÁVEL AO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

Daniel Pires Novais Dias ......................................................................................................................... 69

LIDE SIMULADA OU LIDE INCENTIVADA? UMA ANÁLISE À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA BOA-FÉ

Eduardo Sodré ......................................................................................................................................... 87

PRINCÍPIO DO RESPEITO AO AUTORREGRAMENTO DA VONTADE NO PROCESSO CIVIL Fredie Didier Jr. ....................................................................................................................................... 95

PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO Georgenor de Sousa Franco Filho ............................................................................................................ 99

O PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE E A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho ............................................................................................................ 105

PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL NO DIREITO DO TRABALHO José Affonso Dallegrave Neto ................................................................................................................... 111

MORAL, PRINCÍPIOS E ÉTICA NO DIREITO E EM SEU PROCESSO José Augusto Rodrigues Pinto ................................................................................................................... 123

A RECONSTRUÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO SINDICALISMO BRASILEIRO José Francisco Siqueira Neto.................................................................................................................... 131

Page 6: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

6

PRINCÍPIOS DA SIMPLICIDADE, DA COOPERAÇÃO E DA PRIMAZIA DO MÉRITO PARA CONCRETIZAÇÃO DA JURISDIÇÃO ÚTIL

Júlio César Bebber ................................................................................................................................... 139

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO Luciano Martinez .................................................................................................................................... 147

A FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO Marco Aurélio Mello ................................................................................................................................ 159

EM DEFESA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO TRABALHISTA: AS LIÇÕES DO MESTRE PINHO Murilo Carvalho Sampaio Oliveira .......................................................................................................... 169

ETIOLOGY, CONCEPT, HISTORY AND VALUE OF WORK AS A PREMISS TO BRAZILIAN LABOUR LAW: THEORIZING WORK AND LAW

Otávio Augusto Reis de Sousa e Henrique Ribeiro Cardoso ....................................................................... 183

DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ..................................................................................... 189

O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE E A DISPENSA DO EMPREGADO: LIMITAÇÕES AO DIREITO DE DESPEDIR COMO O PRINCIPAL COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

Sérgio Torres Teixeira .............................................................................................................................. 205

DIÁLOGO PRINCIPIOLÓGICO DE DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO Vitor Salino de Moura Eça ....................................................................................................................... 215

Page 7: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

7

NOTA DA COMISSÃO ORGANIZADORA

Em 20 de outubro de 2016, comemora-se o centenário de LUIZ DE PINHO PEDREIRA DA SILVA, um dos maiores cultores do Direito do Trabalho no mundo ocidental.

Autor de obras seminais sobre a matéria, dentre as quais se destacam A Gorjeta, A Reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho e Principiologia do Direito do Trabalho, Mestre Pinho, como era popularmente conhecido, foi professor de gerações, angariando amigos, admiradores e fãs por todos os rincões por onde passava.

Tendo atuado profissionalmente como Procurador do Trabalho e, depois, Juiz Togado do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, onde alcançou a Presidência da Corte, também pontificou no Tribunal Superior do Trabalho, quando ali atuou como Ministro convocado.

Dono de uma cultura humanística invejável e de um profundo gosto pelas belezas da vida, conjugou, como poucos, a vida acadêmica jurídica com a de apreciador das artes e da convivência social.

Justamente pelo enorme e insanável vácuo que sua ausência causa, irmanam-se o Clube Inglês da Bahia e a Academia Brasileira de Direito do Trabalho para, juntos, com a participação de mais de duas dezenas de juristas, prestar-lhe uma homenagem por meio do presente livro, editado pela LTr, sempre parceira nas iniciativas literárias do nosso saudoso amigo.

O corte epistemológico da obra na “principiologia” tem dupla finalidade: referenciar um dos campos em que o homenageado mais brilhou e, ao mesmo tempo, apresentar uma contribuição coletiva para a perpetuação do debate, com um livro que ultrapassa os limites de mera coletânea de textos de amigos e admiradores, para ter o potencial de se tornar obra de referência no Brasil sobre o tema.

Referência como foi, é e sempre será o nosso eterno “Mestre Pinho”!

Salvador, outubro de 2016.

Rodolfo Pamplona FilhoJosé Augusto Rodrigues Pinto

Coordenadores

Alcino Barbosa de Felizola SoaresSérgio Novais Dias

Membros

Guilherme Oliveira Gomes dos SantosSecretário

Page 8: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,
Page 9: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

9

APRESENTAÇÃO (Memória Justificativa)

No primórdio deste ano do centenário de nascimento de Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1916-2016), desde logo o BAHIA BRITISH CLUB (mais que centenário, fundado em 1874), por sua Diretoria, assumiu a iniciativa de render homenagem à memória daquele seu presidente emérito, fazendo-o redivivo também para o conhecimento e a lembrança dos pósteros, os que não alcançaram a ventura da convivência quase diária e sempre proveitosa com nosso Mestre Pinho Pedreira.

Para registrar a efeméride, pelo significado histórico de que se reveste, deliberou promover a edição de uma obra que bem assinalasse a data, contendo breve parte memorialística, com remissão a aspectos singulares e até pitorescos de sua vida; e outra, mais densa, com temas afetos à laboriosa produção acadêmica do homenageado, no campo do Direito do Trabalho (e de conhecimentos afins), no qual se fez notável, no Brasil e no exterior, como um dos mais autorizados cultores.

Para tão relevante tarefa, constituiu-se Comissão coordenada pelos professores José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho e mais o desembargador federal do trabalho Alcino Barbosa de Felizola Soares e o ad-vogado Sérgio Novais Dias, secretariada pelo advogado Guilherme Oliveira Gomes dos Santos, incumbindo-lhes planejar a obra e congregar esforços para a edição, a partir do contributo de sócios do Clube Inglês, mas com a indispensável participação de outros nomes de destaque da intelectualidade brasileira, na academia e na magistra-tura trabalhista, especialmente convidados.

A iniciativa ganhou tanto relevo que passou a contar com a inestimável colaboração de membros ilustres da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e a parceria da LTr, responsável pela editoração desta obra, fruto de um concentrado esforço de quantos, prestimosamente, desejaram fazer da difusão do conhecimento científico e da discussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”.

Pela força de seu caráter e retidão de conduta, Mestre Pinho Pedreira também construiu uma biografia que nos legou como a maior herança, presente na mente e no coração das gerações que lhe sucedem, dentre coetâneos ou entre os mais jovens que se acercaram dele, a justificar esta homenagem, como preito de nossa gratidão.

Enfim, para além dos cimos da intelectualidade, foi um homem bom e de bem, sobretudo capaz de transformar-se, pessoalmente, num centro irradiador de convivência entre gerações, levando-nos, pela gravidade de seu olhar sempre atento, mas sem perder jamais a ternura, a formar a “Família do Clube Inglês”, sua casa insubstituível, por devotada eleição.

Page 10: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

10

A Diretoria do Bahia British Club sente-se gratificada e muito honrada com o lançamento desta edição comemorativa e registra o agradecimento público a cada um que se dispôs a participar, todos sob a convicção do merecimento do homenageado, e, de nossa parte, pela necessidade de perpetuar a lembrança de um nome tutelar, cuja presença no Clube Inglês sempre sugeria gestos de cumplicidade de um pai, que recenseava entre os sócios seus “filhos pelo coração”.

Salvador, em outubro, 2016.A DIRETORIA

FERNANDO SANTANA ROCHA Presidente

EDUARDO LIMA SODRÉ 1º Vice-Presidente

ROBERTO WILSON TANAJURA GONDIM 2º Vice-Presidente

JOÃO FRANCISCO ALVES ROCHA 1º Tesoureiro

LUIZ PAMPONET SAMPAIO

2º Tesoureiro

FRANCISCO BERTINO BEZERRA DE CARVALHOSecretário

Page 11: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

LUIZ DE PINHO PEDREIRA DA SILVAGraduado em Direito (1938) e Livre-Docente (1956) pela Universidade Federal da Bahia, onde foi Professor

Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito. Procurador do Trabalho, depois Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, na representação da Classe. Ministro substituto no Tribunal Superior do Trabalho. Advogado e Parecerista, com larga produção doutrinal em todas essas atividades, com notória especialização

em Direito do Trabalho e conhecimentos jurídicos afins.

Page 12: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,
Page 13: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

13

A Diretoria do Bahia British Club, numa feliz iniciativa, resolveu publicar um livro dedicado ao centenário de mestre Pinho Pedreira, que faleceu, aos 97 anos, no dia 22 de janeiro 2014, o qual será lançando no dia de seu aniversário, 20 de outubro deste ano de 2016. Fernando Santana, atual presidente do Clube Inglês, em declarações constantes de matéria publicada no jornal A Tarde, sobre o falecimento do inesquecível amigo, expressou, com a sinceridade de sempre, a tristeza de todos nós. Emocionado, disse que “Pinho Pedreira não morreu, continua presente na mente, no coração, no afeto de todos que o reverenciaram. Pinho Pedreira foi antes de tudo um homem de bem. Não importa ter sido grande cientista, jurista, professor, advogado, pois ser um homem de bem foi tudo o que ele quis e é a marca que deixa para nós. E nestes tempos, o de desvalores, essa é uma herança de grande valor”.

Mestre Pinho era daqueles homens que, como diria Shakespeare, não podendo exigir que o amassem, dava boas razões para que gostássemos dele, tendo paciência para esperar que a vida fizesse o resto. Tornou-se sócio, em 20 de outubro de 1968, quando a sede do Clube era no Campo Grande, quase vizinho de onde ele morava. Membro do Tribunal Regional do Trabalho, encerrada a sessão, ia direto para o Clube, sentava na cadeira que se tornou privativa, porque todos os sócios assim a consideravam. Pedia seu vinho preferido, degustava-o, enquanto aguardava os companheiros. Sempre atualizado, pois, desde os tempos de jornalista, profissão que exerceu por longo período, era seu hábito a leitura diária dos jornais.

Na ocasião, o presidente do Clube, fundado em 1874, era o Cônsul Inglês, embora sua administração, de fato, fosse exercida por um grupo de sócios baianos. Pinho, naturalmente, depois de algum tempo, começou a influir no cardápio e na escolha das bebidas, por sua fama, entre os amigos, de gourmet e enófilo. Quando me associei, levado por Amâncio José de Souza Neto, em junho de 1970, havia um tradicional jantar às quintas- -feiras. O almoço ocorria aos sábados, mas fora do Clube,

num restaurante da cidade. Entretanto, em 1975, tendo em vista a decadência em que se encontravam suas instalações, e sem recursos financeiros que pudessem viabilizar qualquer reforma, decidiu-se vender aquele imenso e valorizadíssimo terreno, localizado no largo do Campo Grande, onde hoje é o edifício Britania Mansion, entre o atual prédio Palácio da Assembleia e a igreja anglicana Saint George Church. Como o preço do imóvel era muito alto, a venda seria muito difícil, razão por que uma empresa da construção civil propôs uma permuta, afinal, aceita, cabendo à empresa a construção da sede atual do Bahia British Club, no Banco dos Ingleses, 20.

Em 20 de outubro de 1993, a sede social passou a denominar-se LUIZ DE PINHO PEDREIRA DA SILVA — homenagem dos associados — e, em 05 de setembro de 2013, por decisão de assembleia geral, conferiu-se a LUIZ DE PINHO PEDREIRA DA SILVA o título de Presidente Emérito. As placas, nas quais estão inscritos esses dísticos, estão afixadas logo à entrada do prédio, numa homenagem dos associados. Mestre Pinho fazia do Clube Inglês sua segunda família. Comemorava, todos os anos, seu aniversário, oferecendo aos amigos um lauto almoço, regado ao melhor vinho e champagne, desde Romanné-Conti a Veuve Clicquot. Porém, seus 80 anos, em 1996, resolvemos comemorar em Paris. Com esse propósito, formou-se uma espécie de grupo precursor, composto por Alcino Felizola, Eduardo Marques, Jorge Borba e eu, com a incumbência de ir a Paris tomar as providências preliminares. O restaurante, afinal, escolhido, foi a Brasserie La Coupole, na qual comemoramos, num jantar. No dia seguinte, por sugestão de Alcino, de quem Pinho seria convidado, jantamos no Train Bleu. Na hora da conta, Pinho, que não tinha por que se preocupar, pois, como convidado, estava excluído da despesa, disse, muito preocupado, que tinha de ir imediatamente para o hotel, pois, acabava de constatar haver perdido todos seus cartões de crédito, e precisava telefonar para a Bahia

MEMÓRIA

MESTRE PINHO PEDREIRA

“É preciso viver, não apenas existir” (Plutarco 48 d.C.-120 d.C.)

Page 14: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

14

para que os cancelassem. Assim terminou a noite. Dois outros episódios marcaram a viagem. Amâncio, não podendo ir, ofereceu um almoço a Pinho e seus com- panheiros no La Tour D’Argent. Ao chegarmos no restaurante, Pinho pediu um Kir Royal de aperitivo, e o Maitre, então, sugeriu Kir Imperial, que nenhum de nós, inclusive ele, havido como expert em bebidas, conhecia. O Maitre, então, explicou que a diferença estava na framboesa, no lugar do cassis.

Outro episódio engraçado ocorreu no hotel Grand Duomo, em Milão, para onde fomos, depois de Paris. Pinho, logo que entrou no hotel, dirigiu-se à recep-ção e, antes de preencher a ficha de hóspede, foi logo perguntando onde se comeria o melhor “ossobuco” da cidade, ao que o recepcionista, depois de pergun-tar ao Maitre, respondeu: “aqui mesmo no hotel...” — realmente, muito bom, como comprovamos no almoço.

Em 2011, entretanto, o aniversário dele, aos 95 anos, foi comemorado no Clube, talvez, salvo engano, o último de que participou antes de morrer. Para esse evento, eu gravei um CD especial, com músicas só orquestradas, que acreditava fossem do seu gosto, e lhe presenteei com a seguinte dedicatória:

“MESTRE PINHO.

Dizia Proust que o tempo na vida, como na terra,é imperceptível. Nós sabemos que a terra girae não notamos. Há momentos na vida, porém,que nos marcam. Com esse propósito, fiz esteCD e nele selecionei algumas músicas, de minhaescolha pessoal, com as quais celebraríamos aalegria de que estamos agora possuídos.”

Santos Pereira, num fim de tarde, faz pouco tempo, sentado ao lado da cadeira privativa acima referida, exclamou: “Todo dia, quando sento aqui, me lembro dele”, como se quisesse dizer, parodiando a música, “nesta cadeira tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”. Acrescente-se: também em nós. Aliás, certa vez, cheguei ao Clube, ele, no lugar de sempre, lia um livro de poesia, o qual continha dois de seus poemas preferidos, conforme me confessou. Sabia-os de cor, o que não me causou nenhuma surpresa, em virtude de sua memória prodigiosa. Então recitou-os:

ISMÁLIA

Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar...

Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu

Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar...

(Alphonsus de Guimarães, 1870-1921)

DUAS ALMAS

Ó tu que vens de longe, ó tu, que vens cansada, Entra, e, sob este teto encontrarás carinho: Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho, Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada, E a minha alcova tem a tepidez de um ninho, Entra, ao menos até que as curvas do caminho Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa, Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua, Podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha. Há de ficar comigo uma saudade tua... Hás de levar contigo uma saudade minha..

(Alceu Wamosy, 1895-1923)

Antes de falecer, ele havia escrito um artigo sobre a rua Chile, para ser publicado no livro, em elaboração, que a Assembleia Legislativa pretende editar, sob a coordenação de Joaci Goes, que, gentilmente, me forneceu uma cópia. No artigo, sob o título “ESPLENDOR E DECADÊNCIA DE UMA RUA”, ele diz:

Page 15: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

15

“Quem tenha conhecido a rua Chile, triste como é hoje, não pode fazer ideia de quanto alegre e movimentada, esplendorosa mesmo, ela foi...”. Cita a livraria Civilização Brasileira , “que inclu-sive importava obras jurídicas estrangeiras, e a Científica. Esta um pouco afastada, também im-portava obras estrangeiras, sobretudo literárias, como as edições da Gallimard e da Plan, inclu-sive livros de Jacques Maritain e Daniel Rops, onde se encontrava com os amigos, uma vez que era freqüentador assíduo dessas livrarias...”.

No Clube Inglês, como já assinalei, em artigo, lamentando sua morte, ocorrida no dia 22 de janeiro de 2014, ele, que, diariamente, jantava no Clube, determinava o cardápio, inclusive o vinho, a hora do almoço semanal, agora às sextas-feira, enfim, tudo que se referisse a gastronomia e bebidas, a orientação era dele.

Portanto, a frase tantas vezes ouvida, segundo a qual ninguém é insubstituível, não se aplica a Mestre Pinho no Bahia British Club, considerando-se sua marcante presença ali diária, por mais de 50 anos, podendo-se mesmo dizer que ele era o próprio Clube, e nada mais pertinente, para lembrá-lo, do que estes versos de Omar khayyan (1048-1131) em sua celebrada ODE AO VINHO:

Procura a felicidade agora, não sabes de amanhã.Bebe um copo cheio de vinhoE pensa sentado ao luarTalvez amanhã a lua me procure em vão

Antonio Guerra Lima

Page 16: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,
Page 17: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

17

Depois de a Revolução de 1930, pelas armas, haver ocorrido no Brasil, a ascensão política do advogado Getúlio Dornelles Vargas e seu grupo sulista ao maior poder nesta Nação, com um projeto centralizador, e a Bahia, por motivo de não ter um militar revolucionário filho da terra para assumir a sua direção, haver recebido um interventor cearense, o tenente Juracy Montenegro Magalhães, havendo o afastamento da elite vinculada à tradição republicana estadual — o governador do Estado eleito naquele ano, Pedro Francisco Rodrigues do Lago, o ministro das Relações Exteriores, Octávio Cavalcanti Mangabeira, o ex-deputado constituinte, ex-governador do Estado por duas vezes, ex-ministro da Justiça e Negócios Interiores, e das Relações Exteriores, e da Viação e Obras Públicas, José Joaquim Seabra Filho, o ex-ministro da Viação e Obras Públicas, e da Agricultura, Indústria e Comércio, Miguel Calmon Du Pin e Almeida, os políticos e intelectuais José Wanderley de Araújo Pinho, João Cavalcanti Mangabeira e Ernesto Simões da Silva Freitas Filho —, formou-se na cidade do Salvador o movimento denominado Concentração Autonomista da Bahia, e alguns velhos amigos e simpatizantes desta resistência passaram a se encontrar semanalmente para almoço em restaurantes no centro da Cidade Alta.

Em sua maioria eram advogados bem-sucedidos, alguns da geração do final do século XIX e início do século XX, certos deles professores da Faculdade de Direito na Piedade, como Nestor Duarte Guimarães e Orlando Gomes dos Santos, apoiados pelo baiano e professor da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, Edgardo Castro Rebelo, aos quais se juntaram antigos alunos, estudantes e simpatizantes, inclusive de outras profissões. Entre os acadêmicos estava um combativo amador no jornalismo político, que escrevia para O Imparcial, parente do conhecido advogado Bernardino Madureira de Pinho, que fora um dos secretários do governo da Bahia destituído pela Revolução Varguista, um moço que se diplomaria em Direito na turma de 1938, se chamava Luiz de Pinho Pedreira da Silva, e seria reverenciado como Pinho Pedreira.

Desde 1933, quando Pinho Pedreira ingressava como estudante na Faculdade de Direito, “a comunidade intelectual baiana, que naquele período atuava tanto no campo das letras quanto na política partidária, tentou justificar as razões do discurso autonomista através da

produção de conhecimento histórico”, e a Concentração Autonomista passou a denominar-se Liga de Ação Social e Política, a LASP, como “agremiação partidária empe-nhada na campanha de ‘desumilhação da Bahia’”, que era “formada por jovens e professores da Faculdade de Me-dicina e de Direito”, e foi “o pragmatismo do experiente político J. J. Seabra que deu condições a essa agremiação para concorrer às eleições daquele ano, defendendo a chapa ‘A Bahia ainda é a Bahia’”, a qual Pinho sempre relembrava como raiz do seu posicionamento político contra o autoritarismo e pelo regime democrático.

Com o término da Segunda Grande Guerra Mun-dial, em 1945, também veio o fim da Ditadura de Vargas, e a Redemocratização da República suscitou a união da-queles amigos em torno das candidaturas de colegas, que foram eleitos para a Assembleia Nacional Constituinte. Depois, continuaram se encontrando para o almoço se-manal, e, naquele clima de alegria e fraternidade, amigo comum, funcionário público aposentado, João do Vale Gomes, que, depois de criar os filhos, havia enviuvado, residia na rua ao lado daquela Escola de Direito, tinha admirável cozinheira e era cliente de um daqueles advo-gados convivas, propôs reunir os comensais em sua casa, para refeições de cardápios especiais a cada sábado, com despesas rateadas, às quais poderiam trazer convidados.

Assim foi que, em determinado momento da segunda metade da década de 1950, era convidado o Procurador da Justiça do Trabalho Pinho Pedreira, amigo de todos, quem se integrou ao grupo em que se agregaram os colegas Álvaro Peçanha Martins, Carlos Coqueijo Torreão da Costa, Edilberto Quintela Vieira Lins, Amâncio José de Souza Neto, Augusto Alexandre Machado, Cláudio Santos e Américo Silva. Os sábados daqueles amantes da vida baiana tornaram-se preciosos nas relações de alegre amizade e rica verve, em que a inteligência rivalizava com a cultura e o bom humor, muitas vezes eivado de insinuações maliciosas sobre acontecimentos da sociedade soteropolitana.

Pouco depois, Pinho Pedreira veio a se tornar membro do Rotary Clube da Bahia — e o foi por mais de meio século — e ali se aproximou do rotariano, urologista e professor da Faculdade de Medicina da Bahia, José dos Santos Pereira Filho, ao qual convidou para frequentar os almoços da casa de Vale Gomes, cujos componentes da mesa eram quase todos amigos do pai

PINHO PEDREIRA — UMA HISTÓRIA BAIANA

Lamartine de Andrade Lima

Page 18: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

18

do convidado, também médico e daquela geração mais antiga. Foram dias memoráveis que viveram, até os primeiros anos da década de 1960, quando aconteceu, lamentavelmente, o falecimento de Vale Gomes.

Então, os comensais ficaram sem u’a mesa amiga, todavia um deles se lembrou de certa senhora, excelente cozinheira, Dona Maria, que, com o seu filho Rui, mantinham, na Rua das Verônicas, paralela à Ladeira de São Francisco, que leva à encantadora igreja barroca dedicada àquele taumaturgo, uma casa modesta e sem anúncio, mas onde se servia excelente comida. Deste modo, quase todos aqueles comensais de Vale Gomes, acrescidos dos advogados Roberto Casali e Oldegar Franco Vieira, do empresário José da Costa Pena e do funcionário federal Amynthas Cavalcante de Oliveira Machado, passaram a encontrar-se aos sábados na casa de Dona Maria.

Neste tempo, ano de 1965, Santos Pereira passou a convidar o seu primo e colega Luís Carlos Medrado Sampaio, seu amigo veterinário e boêmio José Rodrigues de Miranda Junior, o famoso Mirandão, figura notável da Cidade da Bahia, personagem de livros do grande escritor baiano Jorge Amado, para participar dos almoços sabatinos, e levou também um estudante de Medicina, seu aluno e amigo — que ainda continua sendo 50 anos depois, e é quem escreve estas linhas — então estagiário no Hospital das Clínicas.

Ali me rendi de admiração por Pinho Pedreira, perto dos 50 anos de idade, gigante moral e intelectual, de estatura física mais para baixa, nem gordo nem magro, com acentuada calvície mesocéfala que escondia penteando o pouco cabelo para cima da careca, de rosto oval e face pálida, olhos castanhos vivazes, nariz adunco, lábios finos e fechados, mento curto e afilado, circunspeto, judicioso, erudito, quem gostava de andar com passadas um pouco largas e as mãos cruzadas para trás. Era solteirão; falavam, à boca pequena, que, em algumas “mansões do amor” do passado, certas madames diziam que ele era “desmarcado”, seja lá o que isto signifique, mas alguma coisa que poderia espantar uma noiva. Ele se distinguia com a voz grave pontificando suavemente entre os mais distintos, sobressaía a sua aparência sisuda, em torno de uma dose de excelente uísque ou uma taça de nobre vinho e um prato de escolhidas iguarias, de vez em quando soltando uma gargalhada quando a tirada humorística de alguém merecia.

Na casa de Dona Maria da Rua das Verônicas volta-ram para o grupo os dias de extraordinária relembrança, cada sábado pleno de fascínio pelo convívio de amizade, inteligência, cultura e boemia, na parte mais histórica da cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, bem perto do “tempo de antigamente”, com os seiscentistas Palácio do Governador, Casa da Câmara e Cadeia, Casa da Santa Misericórdia, Catedral Basílica e Igreja da Ajuda, onde o “imperador do idioma”, o grande Padre Antônio

Vieira, fizera seus sermões, e a oitocentista Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, a primeira escola superior do Brasil; mas também próximo dos velhos, todavia ainda do século XX, cabarés de Madame Lulu, Madame Marcelle, Madame Arlette, Dona Alice Jutuca, o invertido Zazá e a boate de Alaíde.

Um dia, tristemente, Dona Maria também faleceu. Não obstante, continuaram os ágapes sabáticos na velha casa. Contudo, o seu filho Rui abriu um restaurante no alto do Edifício dos Arquitetos, na Ladeira da Praça, que leva ao Largo dos Veteranos, e ali passamos todos a nos reunir, agregando-se o neurologista Dival Porto e mais outros amigos.

Foi quando aconteceu a oportunidade da histórica inscrição de todos aqueles companheiros e amigos no Bahia British Club, a mais antiga associação recreativa da capital, fundada em 1874, no Campo Grande, vizinho do antigo prédio da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.

Ocorrera que, no ano de 1964, Fernando Marques Lima, professor da Faculdade de Medicina, médico do Consulado da Inglaterra e sócio daquele Clube Inglês, num certo anoitecer, convidara dois colegas de minha turma acadêmica e a mim para jogar bilhar ali, na sede antiga, que lembrava uma casa de campo britânica, construída com pedras grandes, tendo assoalho de madeira polida encerada. Enquanto eles usavam os tacos batendo nas bolas coloridas sobre a mesa com feltro verde, eu, que nada entendo de jogos, fiquei examinando a muito interessante biblioteca britânica e tomando minha dose de uísque escocês, que solicitara ao garçom Mariano, posto atrás do balcão também de madeira polida, com bancos estofados e de pernas altas. Então, fui cumprimentado por um cavalheiro idoso, o associado alemão Günther Schmekel, e pelo então presidente do clube, o descendente de ingleses Leo Strand Junior. Terminado o jogo de bilhar, Marques Lima ouviu meu comentário elogioso àquela entidade associativa e se dispôs a nos propor para sócios; apenas eu aceitei. Proposto, com o aval de Marques Lima, e admitido, após as formalidades, passei a frequentar diariamente o Bahia British Club, que era próximo de meu apartamento, situado ao lado do Hotel da Bahia. Passado algum tempo, em conversa com o presidente Leo Strand, eu soube que um dos clubes rotários, no meio da semana, fazia lá o seu almoço; logo lhe perguntei se era possível o Clube Inglês receber um grupo distinto de profissionais, liderados pelo rotariano e Livre Docente Professor Pinho Pedreira, residente ali quase vizinho, que se reunia aos sábados para o almoço; ele imediatamente foi consultar o russo administrador Bóris Adjenoff, cuja esposa brasileira era responsável pelo almoço dos rotarianos, e voltou com a resposta afirmativa. Procurei Pinho Pedreira e contei meu diálogo com o presidente do Bahia British Club; ele imediatamente se entusiasmou, e convocou o grupo de amigos, já com a adesão dos advogados,

Page 19: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

19

alguns deles antigos alunos seus, Francisco Peçanha Martins, Gustavo Lanat Pedreira de Cerqueira, Luís Carlos Caymmi, Nilson Sepúlveda, Antônio Guerra Lima e do político Newton Macedo Campos, para, na hora do almoço daquele próximo sábado, estarem no Clube Inglês. Depois do ágape, que foi muito bem aprovado por todos os presentes, os membros do contubérnio foram propostos para sócios do clube, com os avais de Fernando Marques Lima e meu, e a satisfação de Leo Strand.

Reza um artigo comemorativo dos 130 anos daquele clube, publicado na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, que: “No ano de 1967, a rainha da Inglaterra, Elisabeth II, e o príncipe consorte, Phillip, Duque de Edimburgo, vindo ao Brasil, visitaram Salvador, foram recepcionados condignamente pelo governo do estado e os sócios na antiga sede do Bahia British Club, e participaram de um culto religioso na Saint George Church, onde aquele príncipe leu em voz alta uma passagem do Evangelho. Pouco tempo depois, um grupo de amigos, composto principalmente de advogados e médicos, nacionalistas, que se reuniam semanalmente, aos sábados, em uma casa do Centro Histórico de Salvador, foram admitidos como sócios do que sempre denominaram Clube Inglês, estabeleceram os almoços sabatinos e desde então candidataram-se aos cargos diretivos, assumiram a administração e cuidaram de resolver a séria crise financeira na qual entrara a instituição. Curiosamente, cinco anos depois, foi ali, no Clube Inglês, e não no Clube Português ou em outra associação recreativa soteropolitana, que se realizou, com grande repercussão na sociedade e na imprensa, o primeiro Concurso da Mais Bela Mulata da Bahia, tendo como jurados pessoas do melhor gosto estético, porém nenhuma delas súdita de sua majestade. Outra vez, durante as comemorações do aniversário de um sócio no BBC, justamente no dia 2 de julho, em plena celebração da Independência na Bahia, quando no Campo Grande se digladiavam duas filarmônicas rivais e aparentemente irreconciliáveis de cidades da margem do Paraguaçu, os amigos do homenageado, através de convites irrecusáveis, levaram as duas bandas sinfônicas para o jardim do clube e, depois de muitas libações e entendimentos, fizeram com que seus maestros se confraternizassem e cada um regeu a orquestra do outro, obtendo-se um efeito musical caprichado, porque cada uma queria ser melhor que a sua concorrente. Também aconteceu que, no meio de uma disputa entre os times de futebol do Brasil e da Inglaterra, em jogo da Copa do Mundo, quando o placar estava empatado, o elevado ruído dos torcedores brasileiros nas varandas chamou a atenção de exaltados torcedores nacionais que se encontravam na rua e interpretaram ser aquela uma manifestação de ingleses, tentaram invadir a sede da instituição, sendo detidos pelo coro emocionado do Hino Nacional Brasileiro cantado pelos sócios do Clube Inglês. Porém a crise de recursos da instituição, agravada na década de setenta, obrigou a que fosse vendida a sede

do Campo Grande, em cujo local foi construído o edifício residencial British Mansion, que durante muitos anos ainda conservou em seu jardim a grande mangueira hoje não mais existente. Naquela ocasião, a Assembleia Legislativa já havia mudado de endereço, primeiro para a Praça da Sé e depois para o Centro Administrativo da Bahia, e a Saint George Church transferira-se para a Rua Ceará, no bairro da Pituba. Desde 1975, o Bahia British Club encontra-se em sua nova sede, edifício de três andares, com dois terraços construídos no fim da década de oitenta, dando para a Baía de Todos os Santos, e garagem subterrânea, na Rua Banco dos Ingleses, número 20, ainda no mesmo bairro em que foi fundado, o Campo Grande.”.

No convívio do clube, quantas histórias hilariantes e picantes entremeavam doutrinações doutorais discur-sadas por aqueles verdadeiros mestres da vida! Com a sua notável gentileza, Pinho Pedreira sempre foi atencioso com o simples acadêmico interessado em aprender, e, ao saber da minha diplomação em Medicina, e que, no mesmo dia e ainda de veste talar e bacalhau no colarinho, fora padrinho de batismo do menino João Carlos, filho do caro colega e nosso conviva Medrado, cumprimen-tou-me efusivamente e ofereceu-me um almoço. Depois, quando soube que tinha sido aprovado em concurso para o Quadro de Médicos do Corpo de Saúde da Ma-rinha do Brasil, ofereceu-me outro almoço. Mais tarde, quando fui promovido a Oficial Superior, ofereceu-me, junto com alguns outros amigos, mais um almoço, este especial, no Hotel da Bahia. E, passados alguns anos, sabendo que havia sido transferido para exercer funções no Rio de Janeiro, ofereceu-me um jantar de despedida no Clube Inglês. Diversas vezes fui convidado para as finas recepções que oferecia a personalidades notáveis do mundo intelectual, a quem fui por ele apresentado, seja no seu antigo apartamento do Campo Grande, próximo do Teatro Castro Alves, seja em sua nova residência no Corredor da Vitória, vizinho da antiga morada do Arcebispo Primaz do Brasil. Decorridos anos, no meu regresso a Salvador, prosseguiu na sua grande cortesia para comigo. Aliás, ele era afável com todos. Qualquer consulta que porventura um dos presentes aos encontros lhe fizesse era tratada com seriedade e abordada com demonstração de alta cultura.

Eis que Pinho Pedreira foi convocado para assumir a função de Ministro Substituto no Superior Tribunal do Trabalho, transferiu-se para Brasília-DF, onde expandiu suas já numerosas relações profissionais, intelectuais e sociais, mas não se afastou do viver baiano e, sempre que voltava a Salvador, era recebido alegremente no Clube Inglês, até o dia da grande festa do seu regresso à constante companhia de seus confrades.

Certo dia, ele apresentou séria e preocupante alte-ração da saúde, que necessitou de profunda intervenção cirúrgica, realizada pelo confrade do clube e professor da Faculdade de Medicina, Oddone Braghiroli Neto, e obteve cura absoluta; então, houve uma espontânea e

Page 20: PRINCIPIOLOGIAdiscussão de ideias a melhor forma de celebrar o centenário deste humanista, cognominado “jurista de princípios”. Pela força de seu caráter e retidão de conduta,

20

ampla mobilização religiosa de todos os consócios, em Ação de Graças, através de uma romaria deslocada a pé desde a sede do Bahia British Club até a Basílica da Colina Sagrada do Senhor do Bonfim.

Neste contexto, não muito tempo passado, Pinho Pedreira veio a ser eleito, por aclamação, Presidente do Bahia British Club, e se deu a continuação dos felizes encontros dos associados, cada dia mais interessantes. Naquela fase, convidados por Pinho, foram recebidos luminares das Letras do Direito, entre outros tantos, Josaphat Ramos Marinho, Mozart Victor Russomano e José Paulo Sepúlveda Pertence.

Aquele texto citado da Revista do IGHB prossegue: “E os seus sócios, todos brasileiros, além dos encontros diários em sua sede, continuam mantendo a tradição dos almoços nos dias de sábado, mais o jantar às quintas feiras e nos aniversários, um ágape de fim-de-ano e, hoje moderadamente, os festejos do carnaval, embora não mais festejem o aniversário da rainha. Também fazem um jogo conjunto e de baixo custo — um bolão interno — em cada rodada da Mega Sena, e não se têm arrependido.”

É que ocorrera uma grande premiação lotérica agraciando cerca de trinta membros do clube, inclusive Pinho Pedreira; e a sorte se repetiu, nas mesmas condi-ções, passado um ano. Assim, começaram a acontecer viagens conjuntas ao exterior, por vários países, capi-taneadas por ele, algumas especialmente requintadas, por exemplo, em Paris, com jantar no Tour d’Argent e

vinhos raros, outras de comedorias e bebidas exóticas, pelo Mundo Ocidental.

Assim, houve a minha ocasião de homenagear Pinho Pedreira, oferecendo-lhe, e à sua comitiva, um almoço no Hotel Palácio de Buçaco, Portugal. Mais tarde, ao lado de outros companheiros do clube, pude estar ao seu lado em gloriosas refeições, por exemplo, na terra lusitana de Viseu, onde está o terceiro melhor dos restaurantes do mundo, o Tromba Rija, e na última Exposição Europeia do Século XX, em Lisboa.

Quando fui agraciado com o muitíssimo honroso título de Cidadão Baiano, e ele efusivamente me abraçou, senti a vibração da sua baianidade como o amplexo da terra mater do Brasil.

Anos depois, por motivos familiares, tive de transfe-rir parcialmente meu domicílio para a cidade de Gravatá, Pernambuco, e, depois de mais de 45 anos de associado, me desliguei do Clube Inglês. Porém, todas as vezes que voltei a Salvador, era ali recebido por Pinho Pedreira com lhaneza e convites para as recepções em sua residência.

Há poucos anos, chegando à minha querida Cidade da Bahia, não mais encontrei Pinho Pedreira. O admirável conviva, grande amigo e extraordinário mestre da vida, quase centenário, havia ido para um dos Céus, o dos homens bons que na Terra foram intelectuais requintados e generosos, e ali, para sua grande honra, recebido especialmente pelo seu provecto amigo desde antes da época daquela operação cirúrgica, o Senhor do Bonfim da Colina Sagrada.