Dissertacao Mestrado de Jaciete

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA UEFS-BRASIL

    CENTRO DE REFERENCIA LATINOAMERICANO PARA LA EDUCACIN ESPECIAL CELAEE-CUBA

    JACIETE BARBOSA DOS SANTOS

    REPRESENTAES SOCIAIS DOS ESTUDANTES DE PEDAGOGIA SOBRE ALUNOS COM DEFICINCIA

    Feira de Santana Bahia 2002

  • Biblioteca Central da UNEB

    371.9 Santos, Jaciete Barbosa dos S237 Representaes sociais dos estudantes de pedagogia sobre alunos com deficincia/ Jaciete Barbosa dos Santos. Salvador: J. B. dos Santos, 2002. 111 p.

    Dissertao (mestrado) Universidade Estadual de Feira de Santana, Centro de Referencia Latinoamericano para la Educacin Especial Orientadores: Christine Jacquet, Oilda Orozco Hechavarra

    1.Ensino superior 2. Educao especial 3. Estigma(Psicologia social) 4. Educao Especial - Formao de professores 5. Analise de interao em educao

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA UEFS BRASIL

    CENTRO DE REFERENCIA LATINOAMERICANO PARA LA EDUCACIN ESPECIAL

    CELAEE CUBA

    JACIETE BARBOSA DOS SANTOS

    REPRESENTAES SOCIAIS DOS ESTUDANTES DE PEDAGOGIA SOBRE ALUNOS COM DEFICINCIA

    Dissertao de Mestrado apresentada ao CELAEE como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao Especial.

    Orientadores:

    Prof Dra. Christine Jacquet Prof Dra. Oilda Orozco Hechavarra

    Feira de Santana Bahia 2002

  • JACIETE BARBOSA DOS SANTOS

    REPRESENTAES SOCIAIS DOS ESTUDANTES DE PEDAGOGIA SOBRE ALUNOS COM DEFICINCIA

    Local e data de defesa: Feira de Santana, 08 de agosto de 2002

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________

    Presidente Prof. Dra. Carmen Alvarz Cruz

    CELAEE Cuba

    __________________________________________

    Membro Prof. Dra. Rosa Maria Carvalho Castellano Prez

    CELAEE Cuba

    __________________________________________

    Membro Prof. Dra. Rosa Elisa Mirra Barrone

    UEFS Brasil

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, criador da vida!

    Aos meus pais, Lau e Jana, que me deram a vida!

    Aos meus irmos, Gene, Jarbas e Ladi, que comungaram comigo da mesma fonte de vida.

    A Slvio, que escolhi para partilhar minha vida.

    A Snia, pela espiritualidade.

    A Dad, pelo apoio domstico imprescindvel.

    A Mre, pela cumplicidade.

    Prof. Irani, pela dedicao.

    Prof. Christine, pela competncia.

    Prof. Oilda, pela responsabilidade.

    A Ftima, pela disponibilidade.

    Aos professores cubanos, pela determinao.

    Aos professores da FES, pela credibilidade.

    Aos estudantes da FES, especialmente Mig, Manu e Mid, pela solidariedade.

    s colegas do estudo, Mre, Virgnia, Cludia e Desire, pelas trocas.

    s colegas companheiras de viagem: Ctia, Mawis, Helena e Paty, pela forca.

    s estudantes de Pedagogia da UFBA, da UCSAL e da UNEB, pela confiana.

    Aos meus amigos e, tambm, professores, Malena, Andr, Regina, Jailson, Lu, Roberto,

    Ana, Joclio, Miron, pela amizade.

  • H momentos na vida onde a questo de saber se podemos pensar de outro modo que no pensamos e perceber de outro modo que no vemos indispensvel para continuar olhar e refletir.

    Michel Foucault

  • RESUMO

    A presente dissertao analisa as representaes sociais sobre alunos com deficincia, produzidas por estudantes de Pedagogia de trs universidades

    baianas. Os fundamentos deste estudo encontram-se na teoria da Representao Social e em postulados da teoria Scio-Histrico-Cultural. A pesquisa de campo foi realizada atravs de entrevistas semi-estruturadas com estudantes do ltimo semestre do curso de Pedagogia. A anlise de dados demonstrou que as

    representaes sociais dos estudantes de Pedagogia sobre alunos com deficincia orientam e/ou podem orientar atitudes com relao incluso desses

    alunos. Com efeito, a implementao da proposta de Educao Inclusiva no Brasil depende das atitudes dos futuros docentes e no apenas de exigncias impostas pelas polticas pblicas de educao. A pesquisa aponta a necessidade de se investir na formao inicial docente, no sentido de disponibilizar informaes e

    propor uma formao universitria de qualidade, baseada em ensino, pesquisa e extenso. Enfim, considera-se que a formao docente deve abarcar no s

    habilidades e conhecimentos tcnicos, mas, tambm, os contedos internos dos futuros profissionais, oriundos de seu prprio universo psicossocial, no qual encontram-se as representaes sociais.

    PALAVRAS-CHAVE: incluso, excluso, deficincia, curso de Pedagogia, diversidade, representaes sociais, Educao Inclusiva, formao docente.

  • ABSTRACT

    This present thesis analyses the social representations on studentes with deficiency produced by Pedagogy students of three Universities in Bahia. The

    bases of this study are found in the theory of Social Representation and in postulates of Sociocultural and Historical theory. The field research was made

    through semi-structured interviews with last-semester Pedagogy couser students. The data analysis showed that social representations of Pedagogy students on students with deficiency determine and/or can determine attitudes in the

    educating practice in face of the inclusion of students with deficiency. In effect, the implementation of Brazilian Inclusive Education proposal depends on attitudes of future teachers and not only of imposed demands of education public policies. The research indicates the necessity of investment on initial formation of teachers in the sense of opening up information and suggesting a university formation of quality, based on teaching, research and extension. At last, it is considered that

    teaching formation must embrace not only skills and tecnical knowledge but also internal contents of the future professionals from their own psychosocial universe

    in which the social representations are found.

    KEY WORDS: inclusion, exclusion deficiency, Pedagogy course, diversity, social representations, Inclusive Education, , teaching formation.

  • SUMRIO

    Introduo .......................................................................................10

    Captulo I: Incluso de alunos com deficincia e curso de Pedagogia em tessitura com a teoria da Representao Social ........19

    1. Trajetria da deficincia: da marginalizao incluso de alunos com deficincia ..........................................................21

    1.1 A dialtica excluso/incluso na histria da educao de alunos com deficincia .......................................................21

    1.2 A incluso de alunos com deficincia luz da teoria Scio/Histrico/Cultural de Vigotsky ....................................29

    2. Anlise das polticas de incluso de alunos com deficincia e a formao inicial em Pedagogia ..............................................33

    2.1 Polticas de incluso de alunos com deficincia no Brasil.......................................................................................33

    2.2 Trajetria do curso de Pedagogia e o tratamento dado aos alunos com deficincia nessa formao .............................38

    3. Teoria da Representao Social: uma alternativa para conhecer atitudes dos estudantes de Pedagogia com relao incluso de alunos com deficincia .............................................................47

    3.1 Aspectos relevantes da teoria da Representao Social ..47

    3.2 As representaes sociais nas pesquisas educacionais ....52

    Captulo II - Itinerrio de pesquisa - Representaes sociais dos estudantes de Pedagogia sobre alunos com deficincia ................57

    1. Cenrio da pesquisa .................................................................60

    1.1 Populao e amostra ........................................................61

    1.2 Mtodos utilizados ...........................................................65

    2 . Anlise dos dados .................................................................71

    2.1 Descortinando representaes sociais dos estudantes de

  • Pedagogia sobre alunos com deficincia ............................72 2.2 Desnudando atitudes dos estudantes de Pedagogia com relao incluso de alunos com deficincia ....................83

    2.3 Cruzando representaes sociais com atitudes ................88

    Captulo III: PPACP - Proposta Pedaggica de Aperfeioamento do curso de Pedagogia - Recomendaes para formao de educadores necessria incluso de alunos com deficincia...........................93

    1. Justificativa ..............................................................................93

    2. Metas ........................................................................................99

    3. Estrutura e modo de funcionamento ......................................101 4. Validao................................................................................105

    Concluso ......................................................................................108

    Recomendaes .............................................................................110 Referncias Bibliogrficas........................................................112/121 Anexos......................................................................................122/159

    Anexo A Operacionalizao de termos...................................123

    Anexo B Ficha de identificao do entrevistado(a).................125

    Anexo C Roteiro de Entrevista................................................126 Anexo D Guia de anlise de contedo.....................................133 Anexo E Perfil das Entrevistadas............................................134 Anexo F PPACP......................................................................135 Anexo G Guia de critrio para avaliao de especialista........140 Anexo H - Apreciao dos Especialistas....................................144

  • 11

    CAPTULO I

    INCLUSO DE ALUNOS COM DEFICINCIA1 E CURSO DE PEDAGOGIA EM TESSITURA COM A TEORIA DA REPRESENTAO SOCIAL

    Qualquer idia que te agrade, Por isso mesmo... tua

    O autor nada mais fez que vestir a verdade Que dentro de te se achava inteiramente nua.

    Mrio Quintana, Antologia Potica.

    O objetivo do presente captulo traar um marco terico que possa dar sustentao ao estudo das representaes sociais dos estudantes de Pedagogia sobre alunos com deficincia. Neste estudo, procuramos articular a proposta de incluso de alunos com deficincia com a formao inicial em Pedagogia, por meio das teorias Scio-Histrico-Cultural e Representao Social. Na primeira parte do captulo, buscamos tecer uma reflexo sobre as atitudes sociais apresentadas historicamente no tratamento dado s pessoas com deficincia, desde a Antigidade Clssica at o contexto contemporneo de implementao de polticas educacionais voltadas para proposta de incluso de alunos com deficincia. Ressaltamos que a efetivao dessa proposta educativa implica a aquisio de uma concepo otimista do potencial educativo dos alunos com deficincia por parte dos educadores, conforme estabelece os pressupostos da teoria Scio-Histrico-Cultural de Vigotsky.

    Na segunda parte do captulo, analisamos as polticas de Educao Inclusiva e a trajetria do curso de Pedagogia no contexto educacional brasileiro, pois a incluso de alunos com deficincia depende de uma prtica educativa baseada nessa concepo otimista que comea a ser construda na formao inicial docente. Em sntese, podemos afirmar que a profissionalizao docente um dos momentos mais importantes para garantir alicerces necessrios a construo de uma prtica educativa inclusiva. Optamos por

    1 Conforme nota 1 da INTRODUO deste trabalho, o uso da expresso alunos com deficincia produto de

    uma reflexo terico/ metodolgica que est explicitada na pgina 28.

  • 12

    analisar a formao inicial em Pedagogia porque o curso de nvel superior responsvel pela formao inicial da maioria dos educadores que atuam na Educao Infantil e nas sries iniciais do Ensino Fundamental, nveis de ensino nos quais est concentrado o maior nmero de alunos com deficincia do sistema educacional brasileiro. Trata-se, tambm, do nico curso de nvel superior com experincia paralela na profissionalizao de educadores para os ramos de ensino regular e especial. H uma tendncia desses ramos de ensino se unirem com a implementao das polticas de incluso de alunos com deficincia, para instaurar uma escola para todos, como estabelece o MEC Ministrio da Educao e Cultura do Brasil.

    Na terceira e ltima parte do captulo, ressaltamos que a formao inicial docente deve abarcar, no s habilidades e conhecimentos tcnicos, mas tambm os contedos internos2 dos profissionais em formao, que constituem as representaes sociais. Partimos do pressuposto de que as representaes sociais orientam as atitudes dos indivduos e/ou grupos sociais porque

    se uma representao uma preparao para ao, ela no o somente na medida em que guia o comportamento, mas sobretudo na medida em que remodela e reconstitui os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar. (Moscovici, 1978, p. 49)

    Para compreender como as representaes sociais ocorrem na formao inicial docente, propomos uma explorao dos aspectos mais relevantes da teoria da Representao Social: desde uma rpida exposio da pesquisa de Moscovici (1961) sobre a Representao Social da Psicanlise, que inaugurou a referida teoria, at pesquisas recentes que tratam das representaes sociais na educao. Os resultados dessas pesquisas indicam que as representaes sociais exercem um papel importante na orientao das atitudes dos educadores. Portanto, tais investigaes podem ser utilizadas para analisar os mecanismos que interferem na eficcia do processo educativo.

    2 Trata-se das concepes, sentimentos, desejos, valores, emoes, percepes, etc. que orientam as atitudes

    sociais dos indivduos e/ou grupos sociais.

  • 13

    1. Trajetria da deficincia: da marginalizao incluso de alunos com deficincia

    Como trgica ladainha a memria boba se repete. A memria viva, porm, nasce a cada dia, porque ela vem do que foi e contra o que foi. Aufheben era o verbo que Hegel preferia, entre todos os verbos do idioma alemo. Aufheben significa, ao mesmo tempo, conservar e anular; e assim presta homenagem histria humana, que morrendo nasce e rompendo cria.

    Eduardo Galeano, O Livro dos Abraos.

    1.1 - A dialtica excluso/incluso3 na histria da educao de alunos com deficincia

    A Educao Especial contempornea passa por um momento muito importante, que se caracteriza pelo seu encontro com a Educao Comum, inaugurando um novo movimento denominado Educao Inclusiva. Este movimento no surgiu ao acaso, mas conseqncia das transformaes ocorridas nas atitudes sociais que foram se estabelecendo ao longo da histria, em relao ao tratamento dado s pessoas com deficincia. Afinal, no se pode falar sobre a Educao Especial sem se pensar na questo da deficincia.

    Nas sociedades ocidentais no existem muitas informaes disponveis sobre o tratamento dado s pessoas com deficincia no decorrer do tempo. H um grande silncio na histria oficial quando se trata de abordar a trajetria de sujeitos excludos da vida poltica, econmica e social, como ocorria com as pessoas com deficincia. Nas informaes disponveis no Brasil, destacam-se o trabalho de Amaral (1994, 1995 e 1997), que apresenta um percurso histrico sobre as representaes da deficincia e o trabalho de Mazzota (1993 e 1996), que retrata de forma sucinta as atitudes sociais subjacentes ao tratamento dado s pessoas com deficincia. Amaral relaciona as representaes sobre a deficincia com concepes bblica, filosfica e cientfica presentes em diferentes

    3 Expresso utilizada por Sawaia para definir a excluso como processo dialtico de insero social

    perversa (Sawaia, 1999, p. 08). No decorrer desse captulo, a referida expresso ser descrita de forma mais aprofundada.

  • 14

    contextos histricos. Na Antigidade Clssica, a segregao e o abandono das pessoas com deficincia eram institucionalizados: na Grcia, pessoas com deficincia eram mortas ou abandonadas prpria sorte, numa espcie de exposio; os Romanos tinham uma lei que dava o direito ao pai de eliminar a criana logo aps o parto. A concepo filosfica dos greco-romanos legalizava a marginalizao das pessoas com deficincia, medida que o prprio Estado tinha o direito de no permitir cidados disformes ou monstruosos e, assim sendo, ordenava ao pai que matasse o filho que nascesse nessas condies (Amaral, 1995, p. 43). Na Idade Mdia, a viso crist correlacionava a deficincia, especialmente a cegueira, culpa, pecado ou qualquer transgresso moral e/ou social. Predominava a concepo bblica, segundo a qual as pessoas com deficincia eram vistas como portadoras de culpa ou pecado. A deficincia era a marca fsica, sensorial ou mental desse pecado, que impedia o contato com a divindade, porque conforme os escritos bblicos:

    O Senhor disse a Moiss: dize a Aro o seguinte: homem algum de tua linhagem, por todas as geraes, que tiver um defeito corporal, oferecer o po de Deus. Desse modo, sero excludos todos aqueles que tiverem uma deformidade: cegos, coxos, mutilados, pessoas de membros desproporcionados. (Levtico, 21: 16-19)

    A concepo bblica legitimava a segregao das pessoas com deficincia em nome de uma lei divina, presente nas escrituras sagradas. A primeira tentativa cientfica de estudo das pessoas com deficincia surgiu, no sculo XVI, com Paracelso e Cardano, mdicos alquimistas que defendiam a possibilidade de tratamento da pessoa com deficincia. Mas a consolidao da concepo cientfica sobre a deficincia s aconteceu no sculo XIX, com os estudos de Pinel, Itard, Esquirol, Seguim, Morel, Down, Dugdale, Froebel, Guggenbuehl, entre outros, que passaram a descrever cientificamente a etiologia de cada deficincia numa perspectiva clnica. Cabe ressaltar que, apesar dessas contribuies cientficas, a primeira metade do sculo XX ainda ficou marcada pela a eliminao brbara das pessoas com deficincia pelo Nazismo. Verifica-se que, paralelamente consolidao da concepo cientfica da deficincia, ainda ocorrem atitudes sociais de marginalizao das pessoas com deficincia, vividas na Antigidade Clssica.

  • 15

    Os estudos de Mazzota (1993) apontam que trs atitudes sociais marcaram a histria da Educao Especial no tratamento dado s pessoas com deficincia: marginalizao, assistencialismo e educao/reabilitao. A marginalizao caracterizada como uma atitude de descrena na possibilidade de mudana das pessoas com deficincia, o que leva completa omisso da sociedade em relao organizao de servios para essa populao. O assistencialismo uma atitude marcada por um sentido filantrpico, paternalista e humanitrio, porque permanece a descrena na capacidade de mudana do indivduo, acompanhada pelo principio cristo de solidariedade humana, que busca apenas dar proteo s pessoas com deficincia. A educao/reabilitao se apresenta como uma atitude de crena na possibilidade de mudana das pessoas com deficincia e as aes resultantes dessa atitude so voltadas para a organizao de servios educacionais. Cabe ressaltar que o fato de uma concepo ou atitude social predominar em determinado perodo no significa que as concepes e atitudes no convivam juntas em um mesmo contexto.

    Diante do exposto, verifica-se que existe uma relao entre as representaes sociais sobre a deficincia (descritas por Amaral) e as atitudes sociais no tratamento dado s pessoas com deficincia (descritas por Mazzota). A convergncia desses estudos permite fazer uma leitura mais aprofundada da histria da educao dos alunos com deficincia no contexto de implementao das polticas de Educao Inclusiva. Numa rpida retrospectiva histrica, possvel identificar que o perodo que antecede o sculo XX marcado por atitudes sociais de excluso (Mazzota, 1996) de alunos com deficincia, porque as representaes nessa poca consideravam esses alunos indignos de uma educao escolar (Amaral, 1997). Apesar dos estudos cientficos da poca tentarem demonstrar as possibilidades de tratamento da deficincia, predominavam as concepes filosficas e bblicas de marginalizao e segregao das pessoas com deficincia. Na dcada de 50, comearam a surgir as primeiras escolas especializadas e as classes especiais; a Educao Especial se consolidou, como um subsistema da Educao Comum. As representaes sobre alunos com deficincia baseavam-se numa viso clnica da deficincia, pois o aluno era tido como um doente e a escola especializada era o local de tratamento dessa doena. Nesse perodo predominava a concepo cientfica da deficincia, acompanhada

  • 16

    pela atitude social do assistencialismo presente na Idade Mdia e reproduzido pelas instituies filantrpicas de atendimento aos alunos com deficincia.

    Na dcada de 70, os alunos com deficincia comearam a ser admitidos nas classes comuns com o surgimento da proposta de integrao. Os avanos dos estudos nas reas da Psicologia e Pedagogia passaram a demonstrar as possibilidades educativas desses alunos, pois, nesse contexto, predominava uma atitude de educao/reabilitao como proposta educacional. Entretanto, coexistia tambm uma atitude de marginalizao por parte dos sistemas educacionais, que no ofereciam condies necessrias para os alunos com deficincia terem sucesso na escola regular. Segundo Mrech (1998), a proposta de Educao Inclusiva surgiu nos Estados Unidos, em 1975, com a lei pblica de n 94.142, que abriu possibilidades para a entrada de alunos com deficincia na escola regular. Os pressupostos que levaram os Estados Unidos a implementarem tal proposta tem razes nas tendncias ps-guerra. O governo norte-americano procurava minimizar os efeitos da guerra por meio de um discurso que prometia assegurar direitos e oportunidades em plano de igualdade para todos os cidados. Os alunos com deficincia foram inseridos nesse plano de igualdade e conquistaram o direito de estudar em escolas regulares. Contudo, a Educao Inclusiva norte-americana limitava-se apenas insero fsica de alunos com deficincia na rede comum de ensino, nos mesmos moldes da proposta de integrao: esses alunos s eram considerados integrados, quando conseguiam se adaptar classe comum, como esta se apresentava, sem fazer modificaes no sistema de ensino j estabelecido. Portanto, os sistemas educacionais no precisavam fazer nenhuma modificao para receber os alunos com deficincia. Verifica-se outra vez a coexistncia de atitudes sociais: educao/reabilitao e marginalizao se cruzam num mesmo contexto educacional.

    Nas dcadas de 80 e 90, apareceu a proposta de incluso de alunos com deficincia, numa perspectiva inovadora com relao proposta de integrao da dcada de 70, cujos resultados no conseguiram modificar a realidade educacional dos alunos com deficincia. O que muda na proposta de incluso que os sistemas educacionais passam a ser responsveis por criar condies de promover uma educao de qualidade para todos e fazer adaptaes que atendam s necessidades educativas especiais dos alunos com deficincia. Nessa perspectiva, os sistemas educacionais devem assumir que as

  • 17

    diferenas humanas so normais e que a aprendizagem deve se adaptar s necessidades das crianas ao invs de se adaptar a criana a assunes preconcebidas a respeito do ritmo e da natureza do processo de aprendizagem (Declarao de Salamanca, 1994, p. 04). Portanto, a proposta de incluso se contrape homogeneizao padronizada de alunos, conforme critrios que no respeitam a diversidade humana: a deficincia deve ser considerada sempre como uma diferena que faz parte dessa diversidade e no pode ser negada. Com o surgimento dessa proposta educativa, o conceito da Educao Inclusiva se amplia na dcada de 90 deixa de ser apenas a insero fsica de alunos com deficincia e passa a ser entendido como:

    A insero escolar de pessoas com deficincia nos nveis pr-escolar, infantil, mdio e superior. Esse paradigma o da incluso social as escolas (tanto comuns como especial) precisam ser reestruturadas para acolherem todo espectro da diversidade humana representado pelo alunado em potencial, ou seja pessoas com deficincias fsicas, mentais, sensoriais ou mltiplas e com qualquer grau de severidade dessas deficincias, pessoas sem deficincias e pessoas com outras caractersticas atpicas, etc. o sistema educacional adaptando-se s necessidades de seus alunos (escolas inclusivas), mais do que os alunos adaptando-se ao sistemas educacional (escolas integradas). (Sassaki, 1998, p. 09)

    Nessa perspectiva, a Educao Inclusiva visa reduzir todas as presses que levam excluso e todas as desvalorizaes atribudas aos alunos, seja com base em sua incapacidade fsica, rendimento cognitivo, raa, gnero, classe social, estrutura familiar, estilo de vida ou sexualidade.

    O educador cubano Rafael Bell Rodrguez adverte que falar da Educao Inclusiva, sem pensar na realidade social de excluso a que a maioria dos povos esto condenados, representa uma ingenuidade intelectual. As estatsticas de desemprego, fome, analfabetismo e violncia revelam um cenrio internacional dominado pelas diferentes formas de excluso social, em que realidades como estas, lamentablemente, no son excepcin sino ms bein regla de un mundo caracterizado por la globalizacin neoliberal, en el que hablar de diversidad es casi una paraoja (Rodriguz, 2001, p. 63). Como desenvolver a Educao Inclusiva dentro de uma realidade social que exclui boa parte da populao por questes scio-econmicas, enquanto prope incluir alunos que

    historicamente foram excludos do sistema regular de ensino? Ser que se devem negar as

  • 18

    possibilidades da proposta de Educao Inclusiva devido ao contexto social de excluso da sociedade contempornea? Ou ser que possvel aproveitar a proposta de Educao Inclusiva para criar mecanismos de ao que levem construo de uma sociedade inclusiva? Questionamentos como esses encaminharam a problemtica da incluso de alunos com deficincia para a anlise da dialtica excluso/incluso. De acordo Sawaia, a expresso dialtica excluso/incluso utilizada para explicitar as contradies e complexidades da excluso social. Trata-se de um conceito processo capaz de indicar o movimento e no a essencialidade que as palavras incluso e excluso assumem no contexto contemporneo:

    ambas no constituem categorias em si, cujo significado dado por qualidades especificas e invariantes, contidas em cada um dos termos, mas que so da mesma substncia e formam um par indissocivel, que se constitui na prpria relao. (Sawaia, 1999, p. 108)

    A histria da educao dos alunos com deficincia apresenta as mesmas evidencias caracterizadas pela anlise da dialtica excluso/incluso. Os estudos de Sawaia indicam que, na sociedade ocidental contempornea, as formas de incluir e reproduzir a misria variam e podem se manifestar de maneira contraditria: quer rejeitando-a e expulsando-a da visibilidade, quer acolhendo-a festivamente, incorporando-a paisagem como algo extico (Sawaia, 1999, p. 108). O tratamento dado aos alunos com deficincia expressa semelhana com as formas de incluso e reproduo da misria: historicamente esses alunos foram rejeitados e expulsos da visibilidade do sistema regular de ensino, e no contexto educacional contemporneo, eles devem ser acolhidos e incorporados paisagem da escola regular. Quando se articulam os princpios tericos da Educao Inclusiva com a realidade educacional de pases marcados pelas desigualdades sociais, as contradies da proposta de incluso aparecem. A anlise da dialtica excluso/incluso permite compreender as diferentes dimenses da excluso dos alunos com deficincia, evidenciando que a proposta de incluso pode ter

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    a qualidade de conter em si a sua negao e de no existir sem ela, isto , ser idntico a incluso (insero social perversa). A sociedade exclui para incluir e esta transmutao condio da ordem social desigual, o que implica o carter ilusrio da incluso. (Sawaia, 1999, p. 08)

    Os estudos do socilogo francs Robert Castel (1997), citado por Sawaia (1999) ao abordar a dialtica da excluso/incluso e por Gentili (2001) para tratar da normalizao da excluso na sociedade ocidental contempornea, possibilitam ampliar essa reflexo. Segundo Castel (1997) podem-se reconhecer trs formas qualitativamente diferenciadas de excluso: excluso como aniquilamento, que a expulso ou extermnio de indivduos e/ou grupos sociais por meio da morte, atravs do que se busca apagar os rastros e as identidades dessas pessoas; excluso por confinamento e/ou recluso, que o isolamento de indivduos e/ou grupos sociais do convvio social em instituies especialmente pensadas para que esses indivduos no se misturem com os outros, os includos; e excluso includente, que constitui na aceitao de determinados indivduos e/ou grupos sociais marcados por um estigma para conviverem no meio social, includos, s que numa condio inferiorizada e subalterna, em que permitido um convvio comum a todos, porm apenas alguns tero a possibilidade de acesso a determinados bens e benefcios sociais. Uma vez que a incluso de alunos com deficincia no se constituiu numa atitude de educao/reabilitao (Mazotta, 1993), ocorre uma indiferena diante da excluso educacional dos referidos alunos (Gentili, 2001, p. 54), conforme demonstra a anlise da dialtica excluso/incluso.

    Na trajetria que vai da falta de atendimento educacional de alunos com deficincia, seguida pela consolidao da Educao Especial, enquanto subsistema, at chegar proposta de Educao Inclusiva, verificamos que muitas barreiras foram derrubadas. Contudo, ainda existem muitas barreiras a serem enfrentadas, pois a segregao e a marginalizao das pessoas com deficincia permanecem no imaginrio sociocultural de indivduos e/ou grupos sociais. As denominaes utilizadas para se referir s pessoas com deficincia no decorrer da histria revelam essas barreiras e expressam limites na proposta de incluso. No contexto contemporneo possvel encontrar no mesmo cenrio educacional expresses como: invlidos, anormais, excepcionais, incapacitados, subnormais, deficientes, portadores de NEE Necessidades Educativas Especiais ,

  • 20

    portadores de deficincia, etc. Cabe ressaltar que a denominao utilizada nos documentos oficiais das polticas de Educao Inclusiva portadores de NEE. Essa expresso surgiu nas propostas de integrao e incluso para designar a pessoa que apresenta, em carter permanente ou temporrio, algum tipo de deficincia fsica, sensorial, cognitiva, mltipla, condutas tpicas ou altas habilidades (PNEE, 1994, p. 22). Trata-se de uma denominao nova, que procura minimizar os efeitos estigmatizadores das terminologias anteriores, desfocando a deficincia do aluno. Contudo, ser que uma simples mudana de terminologia pode diminuir o problema da estigmatizao dos alunos com deficincia? Existem posicionamentos crticos que consideram a expresso portadores de NEE excessivamente vaga. Bueno (1997) alerta para o perigo dessa expresso, que, ao abrigar uma diversidade de sujeitos, pode ganhar na amplitude de sentidos e na quebra da estigmatizao, mas perde muito na preciso de seus significados. Essa impreciso conceitual pode abrir espaos para que um grande grupo de alunos, que no apresentam deficincia, sejam excludos das escolas regulares, em algum momento, com a justificativa de que so portadores de NEE, sem que se evidencie que o problema nada tem a ver com as caractersticas do aluno, mas com as caractersticas do processo pedaggico inadequado da escola. Em contrapartida, alunos portadores de NEE que apresentam uma deficincia a qual exige maiores cuidados, podem, tambm, ser relegados pela falta de ateno a sua especificidade. Outra crtica a respeito dessa terminologia refere-se ao vocbulo portadores, que antecede a sigla NEE, pois a cegueira, a sndrome de down, a paralisia cerebral, a surdez, etc. so condies que integram os seres e no podem ser vistas como um fardo a ser carregado. A deficincia faz parte da identidade desses seres; neg-la colocar, mais uma vez, a incluso de alunos com deficincia, na anlise da dialtica excluso/incluso.

    Diante das reflexes apresentadas, verifica-se que preciso cuidado na escolha da terminologia porque esta pode determinar representaes e atitudes que contradizem seu prprio discurso. No presente estudo, optou-se pela expresso aluno com deficincia, por permitir uma identificao imediata dos sujeitos dessa investigao, quais sejam: alunos com deficincia sensorial (auditiva ou visual), fsica, mental e/ou mltipla. Considera-se que a utilizao do termo aluno portador de NEE um fator complicador para essa pesquisa, uma vez que exige sempre uma explicao ou adjetivao do termo. A testagem

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    do instrumento de coleta de dados dessa investigao revelou que a referida expresso era desconhecida para a maioria das entrevistadas. Tal fato confirmou a opo pela expresso alunos com deficincia. Como bem assinalou Jannuzi (1999), a variao terminolgica uma constante e mais parece destinada a minimizar a forma pejorativa como essas pessoas so concebidas socialmente. Uma vez que um dos objetivos do presente estudo trazer tona essa realidade, torna-se coerente assumir a expresso alunos com deficincia porque imprime um sentido claro, objetivo, direto e imediato da problemtica abordada.

    1.2 A incluso de alunos com deficincia luz da teoria Scio-Histrico-Cultural de Vigotsky

    Um dos pilares bsicos da proposta de Educao Inclusiva4 o respeito diversidade, segundo o qual la escuela debe ser una instituicin abierta a la diversidade que se responsabilice com garantizar educacin de calidad para todos sus alumnos, a pesar de sus diferencias (Machn, 1995, p. 05). Estudiosos da Educao Inclusiva Rodrguez (2001), Illn (2001), Molla (2001), Edler (2000), Werneck (1999), Sassaki, (1998), Mantoan (1997), Machin (1995), entre outros, assinalam que, para viabilizar as estratgias transformadoras e concretizar as aes prticas que a situao de cada instituio educacional exige, preciso vontade poltica dos dirigentes, recursos econmicos e competncia dos sistemas educacionais. A conquista dessas condies passa necessariamente pela elaborao de um projeto educacional coletivo, com a participao de todos os integrantes da escola: alunos, professores, pais, funcionrios e comunidade, em prol de uma educao de qualidade para todos. Portanto, a incluso de alunos com deficincia pressupe, antes de tudo, a participao de educadores comprometidos com uma prtica educativa orientada por concepes otimistas sobre o potencial educativo dos alunos, especialmente dos alunos com deficincia.

    Para poder atender s necessidades da Educao Inclusiva, a prtica educativa dos educadores deve estar fundamentada no legado psicolgico e pedaggico do russo Lev

    4 Embora ocorra uma transgresso na terminologia portadores de NEE, o presente estudo compartilha com

    os pressupostos tericos da proposta de Educao Inclusiva.

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    Semenovich Vigotski (1896-1934) e de seus seguidores. O paradigma Scio-Histrico-Cultural proporcionou a construo de um novo olhar sobre o desenvolvimento psquico do ser humano, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de alunos com deficincia. Infelizmente o referido paradigma ficou silenciado durante muitos anos, porque as obras de Vigotsky foram proibidas, devido aos problemas polticos na Rssia. Seus escritos s comearam a circular abertamente por volta da dcada de 80, mesmo perodo em que surgiu o movimento de incluso. A teoria Scio-Histrico-Cultural de Vigotsky deu bases cientficas para a construo de uma concepo otimista sobre o potencial educativo dos alunos com deficincia. Portanto, o principal sustento terico-metodolgico para a compreenso da pedagogia da diversidade est apoiado na tese de Vigotsky sobre a natureza social do desenvolvimento psquico do sujeito.

    De acordo com o paradigma Scio-Histrico-Cultural, as funes psicolgicas superiores de todos os seres humanos so de origem sociocultural, porque o homem um ser social por natureza, produto da sua histria e sujeito ativo das relaes sociais. Pode-se afirmar que Vigotsky foi o grande precursor da proposta de Educao Inclusiva, porque ele demonstrou que o desenvolvimento das crianas com deficincia semelhante ao desenvolvimento das crianas ditas normais. Postulava que a educao daquelas no se diferenciava da educao destas, pois:

    el nio com defecto no es indispensablemente un nio deficiente. El grado de su anormalidad o normalidad depende del resultado de la compensacin social, es dicir, de la formacin final de su personalidad en general. (Vigotsky, 1995, p. 10)

    Para Vigotsky, a educao das crianas com deficincia era um poderoso fator para correo ou compensao das suas dificuldades, porque os estmulos do meio social so determinantes para o desenvolvimento humano. Os estudos desse autor demostraram a possibilidade de desenvolvimento e de compensao do defeito fsico, mental e sensorial por meio do desenvolvimento e aperfeioamento das funes psquicas superiores. Os postulados da escola Scio-Histrico-Cultural so revolucionrios para a prtica educativa de educadores que atuam com alunos com deficincia. Antes dos estudos de Vigotsky, a prtica educativa era orientada para o entretenimento das funes elementares dos alunos

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    com deficincia. Com os estudos de Vigotsky criaram-se condies para a busca de uma prtica educativa voltada para o desenvolvimento das funes psquicas superiores dos alunos com deficincia, independentemente das limitaes apresentadas. As implicaes pedaggicas desses estudos so inmeras e seus pressupostos sustentam pedagogicamente a proposta de Educao Inclusiva: comprovaram que o potencial educativo de todos alunos pode ser desenvolvido a depender dos estmulos oferecidos pelo contexto sociocultural de cada sujeito e/ou grupo.

    O trabalho de Vigotsky fundamental para a construo e/ou reconstruo de uma prtica educativa voltada para incluso de alunos com deficincia, pois o autor defendia a tese de que o processo de ensino/aprendizagem determinante para o desenvolvimento humano. De acordo com os pressupostos da escola Scio-Histrico-Cultural, o docente tem a funo de provocar os avanos na aprendizagem dos alunos, pois estes no ocorrem espontaneamente. Para favorecer esses avanos imprescindvel que os docentes compreendam como se processam os nveis de desenvolvimento descritos por Vigotsky. O primeiro o que chamou de nvel de desenvolvimento real: quando o sujeito realiza suas aes de forma autnoma porque o resultado do seu ciclo de desenvolvimento j foi completado. O segundo o nvel de desenvolvimento potencial: quando o sujeito s realiza suas aes acompanhado por um companheiro mais competente porque o seu ciclo de desenvolvimento no foi completado. O entendimento desses nveis de desenvolvimento permite ao docente compreender que boas situaes de aprendizagem podem acionar um terceiro nvel: ZDP zona de desenvolvimento proximal dos seus alunos, que :

    A distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes. (Vigotsky, 1998. p. 112).

    .

    A compreenso do conceito de zona de desenvolvimento proximal permite ao docente trabalhar com a diversidade de alunos, por meio do processo de mediao em diferentes situaes da prtica educativa. Com mediao possvel chegar zona de desenvolvimento proximal do aluno aprendiz, com a orientao do docente ou de colegas

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    mais experientes, independentemente das limitaes apresentadas por esse aluno aprendiz. A mediao o caminho mais rpido para se chegar zona de desenvolvimento proximal num contexto de sala de aula e ajudar todos os alunos a avanarem, especialmente os alunos com deficincia. O conhecimento aprofundado da teoria Scio-Histrico-Cultural essencial para a formao docente de qualquer educador. Essa teoria demonstra o papel social da escola, que acionar o desenvolvimento dos alunos atravs do processo ensino/aprendizagem. Cada aprendizagem conquistada pelo processo de mediao da ZDP abre novas possibilidades de aprendizagens, pois:

    aquilo que zona de desenvolvimento proximal hoje ser nvel de desenvolvimento real amanh ou seja, aquilo que uma criana pode fazer com assistncia hoje, ela ser capaz de fazer sozinha amanh. (Vigotsky, 1998. p. 98)

    Segundo Vigotsky, o objeto de estudo da Defectologia5 no a deficincia por si mesma, e sim as possibilidades de compensao dessa deficincia atravs de uma via indireta, de carter social e psicolgico. Antes dos estudos de Vigotsky, a Defectologia trabalhava com o isolamento das funes psquicas superiores e se satisfazia com a caracterizao puramente descritiva da patologia de cada deficincia. O trabalho de Vigotsky possibilitou uma compreenso dialtica do desenvolvimento psquico e demonstrou o carter interativo como ponto de partida para o tratamento com a diversidade. Para esse autor existem sempre possibilidades de modificar ou compensar a deficincia, porque se algum rgo, devido a uma deficincia funcional ou morfolgica, no cumpre por completo suas tarefas, o sistema nervoso central e o aparelho psquico do homem assumem a tarefa de compensar o funcionamento deficiente do rgo. As implicaes pedaggicas e psicolgicas dos estudos de Vigotsky podem revolucionar a prtica educativa, por mais difcil que ela se apresente ao olhar do docente.

    De acordo com Mantoan (1997), essa mudana de olhar sobre o potencial educativo dos alunos com deficincia o principal desafio a ser enfrentado pelos docentes na proposta de Educao Inclusiva. Para conquistar esse desafio necessria uma

    5 Defectologia era a terminologia usado na poca de Vigotsky (1896-1934), para referir-se a cincia que

    estudava questes relacionada deficincia.

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    atualizao constante de informaes sobre as possibilidades de aprendizagem dos alunos com deficincia luz do paradigma Scio-Histrico-Cultural. A atividade de ensinar complexa e exige conhecimentos que muitas vezes contradizem o que foi ensinado ou silenciado na formao dos docentes. Da se insere a importncia do estudo aprofundado do paradigma Scio-Histrico-Cultural de Vigotsky no processo de formao docente especialmente na formao inicial, quando os valores da prtica educativa so construdos e/ou reconstrudos nas experincias de aprendizagem e nas diferentes leituras que so compartilhadas no contexto universitrio. Illn reafirma essa idia quando diz: la formacin del profesorado es un elemento crucial se si quiere que la atencin a la diversidad traspase los lmites legales y descienda a la cotidianidad de los centros y de las aulas (Illn, 2001, p. 46).

    Essa formao deve propiciar um aprendizado sobre como funciona o processo de construo de conhecimento dos alunos, incluindo a os alunos com deficincia, que devem ter os mesmos direitos de acesso e permanncia na escola regular. O silncio sobre temas relacionados educao de alunos com deficincia nos cursos de formao inicial de educadores contribui para a reproduo de concepes e atitudes sociais de marginalizao e segregao da deficincia. Os docentes acabam por repetir experincias construdas social e historicamente no tratamento dado s pessoas com deficincia. Essas experincias dificultam o processo de escolarizao dos alunos com deficincia, porque os docentes no conseguem conduzir a prtica educativa com base no respeito diversidade e na crena do potencial educativo desses alunos. Da a necessidade imediata em se pensar a proposta Educao Inclusiva articulada com a formao inicial de docentes.

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    2. Anlise das polticas de incluso de alunos com deficincia e da formao inicial em Pedagogia

    Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade no uma pea de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa sntese das contradies nossas de cada dia.

    Eduardo Galeano, O livro dos Abraos.

    2.1 Polticas de incluso de alunos com deficincia no Brasil

    O Brasil assumiu legalmente a proposta de Educao Inclusiva, medida que compartilhou com os princpios da Declarao de Educao para Todos (Brasil, UNICEF: Fundos das Naes Unidas para Infncia, 1990) e da Declarao de Salamanca (Brasil, MINISTRIO DA JUSTIA/CORDE. Secretaria dos Direitos de Cidadania, 1994), documentos internacionais que lanaram razes para a expanso da proposta de incluso de alunos com deficincia no mundo inteiro. A proposta de Educao Inclusiva foi introduzida nas polticas pblicas do sistema educacional brasileiro atravs da PNEE Poltica Nacional de Educao Especial (Brasil, MINISTRIO DA EDUCAO. Secretaria de Educao Especial, 1994), da nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Brasil, SENADO FEDERAL: Lei de n 9394/96,1997), do PCN - Parmetro Curricular Nacional - de Adaptaes Curriculares para a Educao de alunos com NEE (Brasil, MINISTRIO DA EDUCAO. Secretaria de Educao Fundamental/Secretaria de Educao Especial, 1999), da publicao da Portaria de n 1.679 (Brasil, MINISTRIO DA EDUCAO, 1999) e do PNE - Plano Nacional de Educao (Brasil, SENADO FEDERAL, 2000). Esses documentos demonstram que a proposta de incluso de alunos com deficincia est oficialmente instituda no sistema educacional brasileiro.

    A PNEE Poltica Nacional de Educao Especial - constitui um grande avano em relao compreenso do papel da Educao Especial no processo de incluso. O documento apresenta um mapeamento da situao da Educao Especial no Brasil, faz uma

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    reviso conceitual das terminologias e prope objetivos para a poltica de Educao Especial, no que se refere incluso de alunos com deficincia. Sugere que a concretizao desses objetivos depende da participao conjunta dos trs nveis governamentais (federal, estadual e municipal) e da sociedade como um todo. Entretanto, a PNEE no determina oficialmente o cumprimento das responsabilidades concernentes a esses objetivos e ainda traz muito do carter assistencialista da Educao Especial, pois enfatiza o atendimento clnico em detrimento do tratamento educacional dos alunos com deficincia. Esse documento retrata uma fase de transio entre a assistncia aos deficientes e a educao escolar.

    A nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - possui um captulo dedicado educao de alunos com deficincia que prev, em seu Artigo 58, 1 e 2, o atendimento dos portadores de NEE, preferencialmente na rede regular de ensino, em classes regulares, onde devem ser oferecidos, quando necessrio, servios de apoio especializado para atender s peculiaridades do alunado. O atendimento em classes, escolas ou servios especializados s dever ser oferecido quando no for possvel a integrao destes alunos em classes regulares, devido s suas condies especficas6. No Artigo 59, a Lei prev, entre outras condies, que sejam assegurados, pelos sistemas de ensino: currculos, mtodos, tcnicas, recursos educativos e organizao especfica para o atendimento aos portadores de NEE

    O PCN Parmetro Curricular Nacional de Adaptaes Curriculares e Estratgias para a Educao de alunos com NEE, apresenta informaes e orientaes para o professor do ensino regular atender s necessidades educativas especiais dos alunos com deficincia, a partir da consolidao da poltica de Educao Inclusiva no Brasil. Esse documento apresenta um rol de estratgias para os docentes utilizarem em classe, de acordo com os diferentes tipos de necessidades educativas especiais, descritas no corpo do documento. Para favorecer a incluso so apresentados vrios procedimentos de ensino, recomendados pelo sistema educacional brasileiro na perspectiva de assegurar uma educao aberta diversidade. De modo geral, o referido documento d uma nfase muito grande ao papel do professor, ainda que permaneam inalteradas as condies de formao,

    6 As condies especficas se referem s necessidades especiais advindas da deficincia que exigem um

    tratamento mais clnico.

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    especializao e remunerao do docente. Contudo, apenas a boa vontade docente no d conta de superar os desafios da prtica educativa de incluso de alunos com deficincia. So necessrios investimentos na formao inicial e continuada dos docentes, bem como melhoria das condies materiais de trabalho. Infelizmente o documento omisso nessa questo.

    A Portaria de n 1.679, exige que as Instituies de Ensino Superior ofeream condies de acessibilidade para os portadores de NEE, como requisito para o seu credenciamento legal, junto ao Ministrio da Educao. Com essa portaria, o sistema educacional brasileiro abriu possibilidades para a entrada de alunos com deficincia no ensino superior. Algumas universidades removeram barreiras arquitetnicas para atender ao requisito estabelecido. Contudo, os docentes do ensino superior ainda no foram preparados para atuar com a incluso de alunos com deficincia. As experincias de incluso no ensino superior demonstram que os referidos alunos enfrentam muitas barreiras pedaggicas7. Alm dessas barreiras, falta formao e qualificao dos docentes do ensino superior para atuar com a incluso de alunos com deficincia na prtica educativa.

    O PNE Plano Nacional de Educao sugere uma interao entre docentes da Educao Especial e docentes da Educao Regular, como uma das aes necessrias para efetivao da Educao Inclusiva. Enfatiza ainda a importncia de se redefinirem os conceitos sobre deficincia no Brasil, sugerindo o uso das novas tecnologias da comunicao e da informao para favorecer a incluso de alunos com deficincia. O documento prope, inclusive, o estabelecimento de parcerias para melhorar o atendimento dos referidos alunos por meio de adaptaes de veculos, ambientes, materiais, etc. Contudo, no que se refere formao de docentes para atuar na Educao Inclusiva, o PNE deixa um grande silncio. Outra crtica feita ao PNE refere-se ao seu carter meramente descritivo, porque no so amarradas as responsabilidades para garantir o cumprimento dessas aes.

    As conquistas legislativas apresentadas nos documentos acima demarcam a inteno do governo brasileiro em implantar a proposta de Educao Inclusiva em seu

    7 Essas barreiras se traduzem pela indiferena das instituies de ensino superior em

    atender s necessidades educativas especiais dos alunos com deficincia. Tais como: traduo e transcrio de textos escritos em braille para alunos cegos, contratao de tradutores da lngua de sinais para alunos surdos, etc.

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    sistema educacional. Entretanto, existe uma distncia muito grande entre a inteno e a efetivao da ao no sistema educacional brasileiro, pois, mudanas legislativas no implicam, necessariamente, em alteraes na prtica educativa. O Brasil um pas de dimenses continentais com uma rea de 8.511.965 km2 e uma populao de 169.799.170 habitantes, conforme dados do ltimo censo. Implementar polticas de Educao Inclusiva num pas com essas dimenses, marcado por elevados ndices de pobreza, exige competncia e compromisso poltico dos dirigentes desse sistema. Os dados estatsticos revelam que a excluso escolar ainda um problema grave no sistema educacional brasileiro. No ensino regular, de 1000 crianas que tinham sete anos de idade em 1980 e conseguiram entrar na primeira srie do Ensino Fundamental, apenas 148 conseguiram chegar oitava srie em 1987, quando ento, tinham completado quatorze anos. (Xavier, 1994, p. 15). Portanto, na dcada de oitenta, 852 crianas foram excludas da vida escolar. Enquanto isso, dados da Secretria de Estatstica e Educao8 indicaram que, no ensino especial, do total de 334.507 alunos com deficincia, que conseguiram se matricular no ano de 1997, 161.725 foram atendidos em escolas no-governamentais especializadas; isso equivale a dizer que 48,34% da populao de alunos com deficincia no so atendidos nas escolas do governo. Uma anlise qualitativa desses nmeros revela que as desigualdades na escolarizao e a seletividade do sistema educacional brasileiro dificultam a concretizao das polticas pblicas de Educao Inclusiva.

    Como viabilizar uma proposta de Educao Inclusiva na realidade educacional brasileira, que apresenta nveis to altos de excluso escolar? Para transformar uma escola que exclui numa escola que inclui preciso mudanas estruturais na prtica social do sistema educacional. Se os alunos ditos normais so excludos da escola, o que esperar dos resultados da incluso dos alunos com deficincia? Promover Educao Inclusiva numa sociedade marcada pela excluso social no uma tarefa fcil. O sistema educacional brasileiro possui muita discrepncia, algumas podem ser reveladas estatisticamente, mas outras so silenciadas institucionalmente. A desarticulao entre a poltica de Educao Inclusiva com as demais polticas educacionais desenvolvidas pelo MEC traduz esse silncio institucionalizado. A publicao dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

    8 Dados publicados no Informe Estatstico do MEC/INEP/SEEC (1998), referentes ao ano de 1997.

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    um exemplo claro dessa desarticulao: os PCNs de Educao Infantil (1998), Ensino Fundamental (1997), Ensino Mdio (1998) e os Referenciais para Formao de Professores (1999), no abordaram a Educao Inclusiva, apesar desses documentos serem gestados no mesmo contexto de implementao da proposta de Educao Inclusiva, conforme se verifica nas datas de publicao. Para compensar tal esquecimento, o MEC publicou isoladamente o PCN de Adaptaes Curriculares para os alunos com NEE (1999), com orientaes pedaggicas para os docentes executarem a proposta de Educao Inclusiva espontaneamente. Essa atitude do MEC demonstra como a dialtica excluso/incluso (Sawaia, 1999) permeia o sistema educacional brasileiro que, ora incluiu a Educao Inclusiva com a criao de um PCN especfico de Adaptaes Curriculares para portadores de NEE, ora excluiu a Educao Inclusiva quando omitiu sua abordagem nos demais PCNs do ensino regular. Se os PCNs dos diferentes nveis de ensino no apresentaram nenhuma abordagem sobre a incluso de alunos com deficincia, como esperar que os docentes do ensino regular incluam as informaes do PCN de Adaptaes Curriculares em sua prtica educativa? Paralelamente, temas referentes educao de alunos com deficincia permanecem silenciados na formao dos docentes do ensino regular, enquanto temas relativos Educao Comum continuam excludos da formao dos docentes do ensino especial.

    Portanto, a implementao da Educao Inclusiva no sistema educacional brasileiro implica muitos desafios, dentre os quais romper com um silncio instaurado historicamente sobre questes relativas educao de alunos com deficincia no processo de formao docente. Esse silncio d lugar reproduo de concepes e atitudes sociais de marginalizao e segregao no tratamento dado aos alunos com deficincia, pois:

    O fato da Educao Especial est virtualmente excluda do debate educativo a primeira e mais importante discriminao sobre a qual, depois, se projetam sutilmente as demais discriminaes [...] civis, legais, laborais, culturais, etc. (Skliar, 1992, p. 14)

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    2.2 - Trajetria do curso de Pedagogia e o tratamento dado aos alunos com deficincia nessa formao

    A prtica educativa das escolas regulares indicam que os docentes no possuem preparao mnima para trabalhar com alunos com deficincia. No se trata apenas de falta de habilidade e/ou conhecimento tcnico, mas da reproduo de representaes e atitudes sociais construdas historicamente no tratamento dado s pessoas com deficincia. Em contrapartida, a prtica educativa das escolas especiais indicam que os docentes tambm no esto preparados para o trabalho pedaggico desenvolvido no ensino regular, porque construram suas prticas nas dificuldades especficas de cada deficincia. Ambas esto imobilizadas diante da incluso de alunos com deficincia porque historicamente no foi permitido o dilogo entre a Educao Especial e a Educao Comum. Para estabelecer esse dilogo, necessrio uma mediao entre essas modalidades de ensino que foram tradicionalmente separadas: o especial e o regular. Claudia Werneck (1999), uma das estudiosas da proposta de Educao Inclusiva no Brasil, defende a tese de que a escola regular e a escola especial representam uma farsa, porque reproduzem a humanidade de maneira anmala. Para essa autora, a Educao Inclusiva apresenta-se como alternativa fundamental para o homem encontrar sua verdadeira humanidade. A formao inicial tem um papel importante na preparao de docentes responsveis em consolidar a prtica educativa de incluso de alunos com deficincia.

    Dentre os cursos de formao inicial de educadores, o curso de Pedagogia o que oferece as melhores condies para construir esse dilogo, pois promoveu a consagrao da discriminao j na prpria formao (Cartolano, 1998, p. 32), com o surgimento da habilitao em Educao Especial na dcada de 70. medida que a formao inicial passou a ser uma habilitao do curso de Pedagogia, oficializaram-se dois ramos de ensino nessa graduao: um que tratou a formao docente como um subproduto do especialista, contribuindo para que se formasse um docente especializado na deficincia e com pouca formao como professor; e o outro ramo que atendia exclusivamente aos interesses burocrticos do ensino regular e exclua a educao especial da formao docente. Essa formao diferenciada de docentes para o ensino especial e para o ensino comum no curso de Pedagogia confirma que a Educao Especial, tal como o deficiente, segregada,

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    isolada, em vrios aspectos. Seus alunos, seus profissionais, suas instalaes e s vezes suas prprias reflexes vivem um espao comum, mas separado (Romero, 1993, p. 67). Por que o curso de Pedagogia assumiu a formao desses dois nveis de ensino separadamente? Como se encontra o curso de Pedagogia no contexto contemporneo de implementao das polticas de Educao Inclusiva? Para responder esses questionamentos necessrio fazer um passeio pela histria do curso de Pedagogia.

    De acordo com Silva (1999), o curso de Pedagogia surgiu junto com os cursos de Licenciaturas, institudo pela antiga Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, com o Decreto-lei n 1190 de 1939, que tinham como objetivo preparar docentes para a escola secundria (Ensino Mdio). Essas licenciaturas seguiam a frmula conhecida como 3+1, em que se formava o bacharel nos primeiros trs anos do curso e, posteriormente, formava-se o licenciado com o estudo das disciplinas de natureza pedaggica, cuja durao prevista era de um ano. Como bacharel, o pedagogo poderia ocupar cargo de tcnico de educao, e, como licenciado, poderia exercer a funo de docente nas escolas normais, um campo no exclusivo dos pedagogos, uma vez que a Lei Orgnica do Ensino Normal, daquela poca, s exigia um diploma de nvel superior.

    Esse quadro durou at 1969, quando a lei n 5540/68 extinguiu a distino entre bacharelado e licenciatura e criou as famosas habilitaes9 para o curso de Pedagogia. Com esse direcionamento, o curso assumiu o papel de formador de diferentes especialistas em educao, conforme determinava cada uma de suas habilitaes. Paralelamente, continuava a ofertar, agora em forma de habilitao, a licenciatura em ensino das disciplinas e atividades prticas dos cursos normais, que garantia uma formao alternativa para a docncia nas sries iniciais do Ensino Fundamental. A consolidao da habilitao em Educao Especial surgiu em 1973, impulsionada pela criao do CENESP Centro Nacional de Educao Especial que propunha a formao de professores especiais, no ensino superior. At ento, a formao desses profissionais era feita no Ensino Mdio10. O que mais caracterizava o curso de Pedagogia com habilitao em

    9 As principais habilitaes criadas nesse perodo foram: Superviso Escolar, Orientao Educacional,

    Administrao Escolar, Coordenao Pedaggica, Educao Especial, etc. 10

    Os cursos normais de Ensino Mdio foram responsveis pela formao inicial dos docentes da Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental at a promulgao da LDB n 9394 de 1996. Entretanto, contraditoriamente, a flexibilidade da referida lei ainda permite a realizao desses cursos no Sistema Educacional Brasileiro.

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    Educao Especial era o fato de, geralmente, ter como principal elemento identificado: pertencer a faculdades particulares e funcionar no perodo noturno (Enumo, 1995, p. 06). Essas caractersticas, que ainda se encontram presentes no contexto contemporneo, revelam a indiferena das polticas pblicas com relao profissionalizao de docentes para atuar com alunos com deficincia. medida que o governo brasileiro delega essa formao inicial rede privada, demonstra desrespeito com relao a proposta de incluso de alunos com deficincia e insere a profissionalizao docente na anlise da dialtica excluso/incluso (Sawaia, 1999).

    Na dcada de 80, o curso de Pedagogia passou a ser alvo de muitas crticas, devido ao carter tecnicista de suas habilitaes, que no atendiam s necessidades da realidade educacional brasileira, dentro da formao docente. Por isso, os professores das Faculdades de Educao comearam a se reunir para discutir a formao do pedagogo. Desses encontros realizados em diferentes universidades do Brasil, surgiu o Movimento de reconfigurao do curso de Pedagogia (Silva, 1999). O debate sobre a formao inicial em Pedagogia expressava um conflito de posies tericas, metodolgicas e epistemolgicas a respeito do papel do pedagogo no contexto educacional daquela poca. Na tentativa de mediar esse debate, foi criada, em 1983, a Comisso de Especialistas de Ensino de Pedagogia (Silva, 1999). Essa Comisso procurou integrar posies de diferentes grupos e recolheu mais de 500 propostas de instituies de Ensino Superior, para reconfigurao do curso de Pedagogia do Brasil. As propostas recolhidas foram sistematizadas numa nica proposta, que passou a orientar as mudanas curriculares do curso de Pedagogia em diferentes contextos universitrios. A partir das orientaes contidas na referida proposta, o curso de Pedagogia rompia com a tradio tecnicista de separar o saber e o fazer, a teoria da prtica, e assumia o compromisso de promover a formao de um profissional habilitado para atuar no ensino, na organizao e na gesto de sistemas, unidades e projetos educacionais. O ponto mais importante dessa proposta que o curso de Pedagogia passou a assumir a docncia como base obrigatria de sua formao e identidade profissional. O campo de atuao do pedagogo ampliava-se para atender formao de docentes para Educao Infantil, para as sries iniciais do Ensino Fundamental e para o Magistrio de Ensino Mdio.

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    Paralelo ao debate sobre a reconfigurao do curso de Pedagogia, surgiram os primeiros cursos de ps-graduao em Educao Especial no Brasil. O resultado desses cursos implicou a produo de pesquisas que denunciavam a realidade educacional dos alunos com deficincia no Brasil. No final da dcada de 80 e na dcada de 90, as primeiras produes dos cursos de Especializao, Mestrado e Doutorado em Educao Especial trouxeram tona a situao da educao de alunos com deficincia no pas, silenciada historicamente pelas polticas pblicas de educao e, tambm, pelos estudos acadmicos. De acordo com Glat (1998), a publicao dessas pesquisas comeou a desnudar a situao da Educao Especial no sistema educacional brasileiro. Como a maioria dos estudantes desses cursos de ps-graduao eram docentes de universidades em diferentes Estados do Brasil, o debate sobre Educao Especial passou a circular em algumas universidades brasileiras, especialmente naquelas onde os referidos profissionais estavam inseridos. Enquanto isso, o governo brasileiro era contaminado com a proposta de Educao Inclusiva, divulgada nos encontros promovidos pela UNESCO, ONU e demais agncias internacionais, que orientam e/ou determinam as polticas pblicas de educao em pases de Terceiro Mundo, como o Brasil. Nesses encontros, foram assumidos os compromissos da Declarao de Educao para Todos (1990) e da Declarao de Salamanca (1994), que oficializaram a posio do Brasil em relao proposta de Educao Inclusiva.

    medida que a proposta de Educao Inclusiva passava a incorporar as polticas pblicas do sistema educacional brasileiro, as primeiras experincias de mudana curricular comeavam a ocorrer nos cursos de Pedagogia de algumas universidades. Contudo, estas mudanas curriculares no aconteceram de forma linear. Cada universidade procurou adaptar a proposta apresentada pela Comisso de Especialistas conforme sua realidade, interesses e necessidades. Como conseqncia, o curso de Pedagogia chegou ao final da dcada de 90 com diferentes fluxogramas.11 A abertura para mudanas curriculares levou algumas universidades a desativarem habilitaes a exemplo da habilitao em Superviso Escolar, considerada tecnicista e a criarem novas habilitaes como a habilitao em Educao Infantil e Sries Iniciais do Ensino Fundamental, considerada

    11 Em termos didticos, fluxograma a representao grfica da organizao curricular de um determinado

    curso, com a distribuio de disciplinas dentro de uma carga horria definida.

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    importante para o contexto educacional contemporneo. O resultado desse processo de reconfigurao que algumas universidades mantiveram suas habilitaes, outras criaram novas habilitaes incorporadas s antigas e outras excluram habilitaes antigas e implantaram novas habilitaes. A Comisso de Especialistas no ensino de Pedagogia realizou encontros regionais, estaduais e nacionais, a fim de avaliar os resultados dessas mudanas.

    Dessa forma o curso de Pedagogia buscava encontrar seu rumo, pois as experincias das mudanas curriculares combinavam com as exigncias da nova LDB, que determinava: A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel superior, em cursos de licenciatura, de graduao plena (Art. 62, da Lei de n 9.394/96). Cabe ressaltar que essas mudanas curriculares, apesar de inovadoras, no contemplavam as necessidades da proposta de incluso. Ressaltem-se algumas excees, advindas das experincias na ps-graduao em Educao Especial de universidade brasileiras que ofereciam, paralelamente, cursos de graduao em Pedagogia e cursos de ps-graduao em Educao Especial UNICAMP/SP, UFSM/RS, UFRJ/RJ, UFSCar/SP, UNESP de Marlia/SP, entre outras. No contexto das universidades baianas, o mximo que se conseguiu sobre educao de alunos com deficincia no curso de Pedagogia, foi a oferta da disciplina Educao Especial em algumas universidades que ousaram criar novas habilitaes no currculo do referido curso. Contudo, a ementa dessa disciplina, em geral, apareceu carregada pela concepo clnica da deficincia, conforme se verifica na ementa oferecida em uma das novas habilitaes12 do curso de Pedagogia da UNEB/BA:

    Estuda os fundamentos da Educao Especial. As etiologias das diversas afees responsveis pela conseqente condio de aluno especial. Discute o conceito de Ensino Especial. Estuda as diversas abordagens que instrumentalizam bem a insero social do aluno atendido pela Educao do tipo especial. Analisa o fenmeno da aprendizagem na perspectiva da Educao Especial. (Ementa da disciplina Educao Especial, 1999 - grifos nossos)

    12 Retirada do curso de Pedagogia com Habilitao em Administrao e Coordenao de Projetos

    Pedaggicos (Departamento de Educao - Campus XI, UNEB). uma disciplina oferecida no 5 semestre dessa nova habilitao.

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    Essa ementa expressa uma viso de aluno especial como um sujeito doente, que merece um atendimento clnico e, por isso, deve-se conhecer as etiologias das diversas afees. Portanto, a deficincia considerada uma doena e no uma diferena e a aprendizagem desses alunos que analisada como um fenmeno e no como um processo de construo e/ou reconstruo de conhecimentos. Contudo, a existncia da disciplina pelo menos rompe o silncio acadmico sobre essa temtica no curso de Pedagogia.

    Nesse sentido, no se pode negar que o curso de Pedagogia teve muitos avanos nesse contexto de reconfigurao iniciado na dcada de 80. Inclusive, os representantes dos docentes das Faculdades de Educao no final da dcada de 90 j discutiam a reestruturao do curso de Pedagogia com CNE Conselho Nacional de Educao , na tentativa de consolidar a formao do docente de Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental no referido curso. Existia at um consenso entre representantes dos docentes do curso de Pedagogia e representantes do Conselho Nacional de Educao de que o processo de reestruturao do curso de Pedagogia visava atender s necessidades da formao sugerida pela nova LDB.

    Entretanto, o debate sobre a reestruturao do curso de Pedagogia para atender docncia da Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental foi atropelado em dezembro de 1999, com a publicao de um Decreto Presidencial que determinava: A formao em nvel superior de professores para atuao multidisciplinar, destinada ao magistrio na Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, far-se- exclusivamente em Cursos Normais Superiores13 (Decreto n 3.276, 1999). A palavra exclusivamente decretou o fim dos cursos de Pedagogia como formadores de docentes e liquidou o trabalho desenvolvido pelo movimento de reconfigurao do curso de Pedagogia desde a dcada de 80. Devido forte presso dos educadores e da opinio pblica, o governo publicou um outro Decreto, em agosto de 2000, que apenas trocava a palavra exclusivamente pela palavra preferencialmente. Essa simples mudana vocabular restituiu ao curso de Pedagogia a possibilidade de continuar com sua formao voltada para a docncia. Mas no resolveu a situao da formao do profissional docente da Educao

    13 Trata-se de um novo curso de licenciatura previsto na LDB, Lei de n 9394/96, voltado para formao

    inicial de professores da Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental.

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    Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental, pois ainda no ficou definido o lugar dessa formao no sistema educacional brasileiro.

    Cabe ressaltar que a principal crtica que desencadeou a reconfigurao do curso de Pedagogia, nos anos 80, foi sua formao ser considerada excessivamente tecnicista, que no propiciava uma viso integrada da educao. Entretanto, parece que os Cursos Normais Superiores, recomendados pelo governo federal, repetem o mesmo erro: trata-se de uma formao baseada no aprendizado de tcnicas de ensino, sem uma viso do conjunto educacional. O Movimento Nacional dos Docentes das Faculdades de Educao considera que os Cursos Normais Superiores no passam de uma nova roupagem dos Cursos Normais de Ensino Mdio. Dessa forma, pouco contribuir para a formao profissional dos docentes de Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental. Outro dado importante nessa anlise que esses Cursos Normais Superiores, em geral, funcionam em Institutos Superiores de Educao instituies isoladas do ambiente universitrio e limitam-se apenas s atividades de ensino. Sem contato com a pesquisa e/ou a extenso, a formao inicial docente sofre uma grande perda, pois essas atividades acadmicas favorecem o dilogo com a diversidade, fundamental para a construo de uma prtica educativa inclusiva. Enquanto a formao inicial de docentes da Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental permanece indefinida, novos cursos so criados especialmente pela rede privada , sem a devida preocupao com as conseqncias que uma formao inicial docente desqualificada pode acarretar para a educao do pas. A legislao deixou essa formao inicial em aberto para que os Cursos Normais Superiores e os Cursos Normais de Ensino Mdio formassem profissionais com uma baixa qualificao em relao formao inicial propiciada pelo ambiente universitrio. A indefinio na formao inicial de docentes para a Educao Infantil e as sries iniciais do Ensino Fundamental pode contribuir para ampliar, ainda mais, o quadro de excluso escolar no contexto contemporneo da Educao Inclusiva.

    A retrospectiva histrica do curso de Pedagogia com relao Educao Especial e, mais recentemente, Educao Inclusiva, retrata uma completa desarticulao entre a formao docente e as polticas de Educao Inclusiva. Essa desarticulao nas polticas pblicas do sistema educacional brasileiro foi construda historicamente. No que se refere ao curso de Pedagogia, foi produzida desde a criao do curso, uma vez que faltava uma

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    definio clara sobre a sua funo social no processo de formao docente. As reformas educacionais sofridas pelo curso, no decorrer de sua histria, pouco contriburam para criar e/ou delimitar sua identidade. Contudo, as crticas que lhe foram atribudas na dcada de 80 levaram o referido curso a se olhar, a perceber a necessidade de reformulao. Foram duas dcadas de trabalho para construir o processo de reconfigurao do curso de Pedagogia. O resultado que o curso de Pedagogia comeou a descobrir sua identidade e delinear sua opo pela docncia. Mas a falta de articulao, nas polticas pblicas do sistema educacional brasileiro, interrompeu bruscamente o processo de reconfigurao do curso de Pedagogia com a fora de um Decreto imposto, no final da dcada de 90. A presso dos educadores conseguiu derrubar esse Decreto. Entretanto, o destino da formao inicial do docente da Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental no foi resolvido e o curso de Pedagogia continua com a identidade indefinida na legislao educacional brasileira.

    Enquanto isso, a proposta de Educao Inclusiva permanece indefinida porque depende, tambm, de uma formao inicial qualificada. Parece contraditrio que a Educao Inclusiva seja instaurada num contexto em que a formao profissional do docente da Educao Infantil e das sries iniciais do Ensino Fundamental enfrenta essa crise de paternidade. O curso de Pedagogia poderia resolver a questo, pois responsvel pela formao inicial da maioria dos professores que atuam na Educao Infantil e nas sries iniciais do Ensino Fundamental, nveis de ensino em que se encontra o maior nmero de alunos da Educao Inclusiva. Segundo o Informe Estatstico do MEC/INEP (1998), no ano de 1997, dos 334.507 alunos matriculados na Educao Especial no Brasil, 25,67% estavam na Educao Infantil, 40,44% estavam no Ensino Fundamental, 33,25% recebiam outros atendimentos e apenas 0,63% estavam no Ensino Mdio. Esses dados sugerem a necessidade de investimento na formao inicial dos profissionais que vo atuar na Educao Infantil e no Ensino Fundamental para incorporar os princpios da proposta de incluso em suas prticas educativas. Contudo, o CNE Conselho Nacional de Educao permitiu que o carter provisrio e flexvel das leis educacionais brasileiras atropelassem o processo de reconfigurao do curso de Pedagogia e, paralelamente, deixassem em aberto a situao do Curso Normal de Nvel Mdio e criassem Cursos Normais Superiores. A falta

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    de comunicao entre as polticas de Educao Inclusiva e a formao inicial em Pedagogia indicam que,

    no que tange a uma poltica de formao docente, estamos longe de alcanar nveis de qualidade mnimos para a consecuo de uma Educao Inclusiva, no por genrica falta de condies, mas por falta de vontade poltica, tanto por parte dos rgos governamentais como pelas Instituies de Formao, em especial as universidades. (Bueno, 1999. p. 156)

    Todavia, as universidades brasileiras no podem se furtar do compromisso social e poltico de assumirem uma posio diante da formao inicial de docentes no contexto contemporneo de implementao da proposta de Educao Inclusiva. A retrospectiva do curso de Pedagogia e a histria da Educao Especial no Brasil demonstram que ainda existe um silncio pairando sobre a educao de alunos com deficincia. Em contrapartida, o curso de Pedagogia tem uma dvida social com a formao de docentes para atuar com alunos com deficincia, j que, em sua trajetria histrica, assumiu paralelamente a formao profissional de especialistas em Educao Comum e de especialistas em Educao Especial. Trata-se da nica formao inicial docente de nvel universitrio com instrumentos tericos e experienciais necessrios para integrar o ensino

    especial com o ensino regular. Como ainda no existe uma formao instituda para o exerccio da Educao Inclusiva, o curso de Pedagogia a graduao que se encontra mais prxima para instaurar esse processo. Contudo, a preparao profissional para Educao Inclusiva vai exigir do curso de Pedagogia, no s a abordagem de habilidades e conhecimentos tcnicos sobre alunos com deficincia, mas tambm o levantamento de conhecimentos oriundos das representaes e atitudes construdas historicamente no tratamento dado s pessoas com deficincia.

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    3. Teoria da Representao Social: uma alternativa para conhecer atitudes dos estudantes de Pedagogia em relao incluso de alunos com deficincia

    Esse homem, ou mulher, est grvido de muita gente. Gente que sai por seus poros. Assim mostram, em figuras de barro, os ndios hopis, do Novo Mxico: o narrador, o que conta a memria coletiva, est todo brotado de pessoinhas.

    Eduardo Galeano, O Livro dos Abraos

    3.1 Aspectos relevantes da teoria da Representao Social:

    Diante da realidade educacional brasileira, em que no existe uma formao inicial para os docentes atuarem segundo os princpios da proposta de incluso, ocorre uma tendncia dos educadores recorrerem s representaes sociais sobre alunos com deficincia, para orientar suas atitudes com relao a essa proposta educativa. Portanto, conhecer as representaes sociais de futuros educadores constitui-se numa alternativa necessria para repensar a formao inicial docente no contexto de implementao das polticas pblicas de Educao Inclusiva. O conceito de Representao Social entendido como uma modalidade de conhecimento particular que tem por funo a elaborao de comportamentos e a comunicao entre indivduos (Moscovici, 1978, p. 26). As representaes sociais so constitudas por um conjunto de informaes, idias, crenas, opinies, concepes e valores partilhados por um grupo sociocultural a respeito de um dado objeto social. Mas no se trata apenas de informaes, valores, crenas, opinies, concepes ou idias aleatrias, e sim, de teorias coletivas sobre o real, sistemas que tm uma lgica e uma linguagem prpria, uma estrutura de implicaes baseada em valores e conceitos que determinam o campo das comunicaes possveis, dos valores ou das idias presentes nas vises compartilhadas pelos grupos, e regem, subseqentemente, as condutas desejveis ou admitidas (Moscovici, 1978, p. 51).

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    Para compreender como ocorre a construo das representaes sociais e o seu significado na orientao das atitudes sociais dos indivduos e/ou grupos, faz-se necessrio conhecer os conceitos bsicos que estruturam essa teoria e um pouco da sua trajetria histrica. A teoria da Representaes Social no surgiu a partir do nada, num vazio cultural (Farr, 1995), ela foi precedida por estudos da Sociologia, Antropologia e Psicologia. Essas cincias preocupavam-se em compreender as relaes entre os aspectos individuais e sociais do sujeito. Os estudos elaborados pelas referidas cincias, entretanto, apresentavam uma viso dicotmica, ora priorizando os aspectos sociais, ora os aspectos individuais, conforme os interesses de sua rea especfica de conhecimento. Durkheim foi o primeiro terico a utilizar o conceito de representao, em seus estudos sobre representaes coletivas. Defendia a tese de que o conhecimento social era determinante no processo de construo das representaes coletivas. Para Durkheim, o conhecimento das representaes individuais era de domnio da Psicologia e se diferenciava do conhecimento das representaes coletivas, que era de domnio exclusivo da Sociologia.

    Moscovici partiu do referencial de Durkheim, apesar de reconhecer que este tinha uma concepo bastante esttica da sociedade e apresentava uma viso dicotmica entre o individual e o social. Entretanto, Moscovici queria se contrapor tendncia individualista e psicologizante da Psicologia Social Norte-Americana que atribua ao indivduo a responsabilidade de todos os problemas. Por isso, o referido autor criou um novo modelo terico para dialetizar as relaes entre o indivduo e a sociedade; afastou-se tanto da viso sociologizante de Durkheim, quanto da viso psicologizante da Psicologia Social Norte-Americana. O brilhantismo indito na obra de Moscovici foi ultrapassar as barreiras acadmicas da Psicologia e da Sociologia cincias que se apresentavam de forma dissociada e independente para criar uma nova teoria, capaz de explicar os mecanismos psicolgicos e sociais que atuam na produo das representaes sociais, em suas operaes e funes.

    A teoria da Representao Social foi inaugurada por Moscovici em 1961, com a publicao da sua pesquisa sobre Representao Social da Psicanlise. O objetivo principal dessa pesquisa, era saber o que pensava o grande pblico da cidade de Paris sobre a Psicanlise, mais especificamente, que imagem fazia o homem leigo das diversas

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    camadas da sociedade parisiense o trabalhador, o estudante, o profissional liberal, o catlico, o ateu, o burgus, o comunista, entre outros acerca da finalidade da psicanlise. Moscovici utilizou a entrevista combinada com questionrio e apoiou-se nas tcnicas de pesquisa de opinio para fazer a coleta de dados. Trabalhou com uma amostra formada por 2.265 sujeitos e fez um levantamento do material publicado pela imprensa sobre o tema da Psicanlise, no perodo de janeiro de 1952 a julho de 1956. Para interpretar os dados coletados na entrevista, usou a tcnica de anlise de contedo. Os resultados da pesquisa de Moscovici demonstraram que o processo de absoro da Psicanlise pelo senso comum se dava atravs da linguagem e da comunicao, sendo que a socializao do conhecimento implicava sempre a reelaborao de atitudes num grupo social especfico e restrito o dos que produziam a cincia por outros grupos sociais diversos, em ambientes sociais mais amplos.

    A pesquisa de Moscovici estabeleceu um modelo terico para explicar os mecanismos sociais e psicolgicos que atuam na produo das representaes sociais. O autor partiu da premissa de que no existe um corte dado entre o universo externo e o universo interno do indivduo (Moscovici, 1978, p.48), para descrever como as representaes sociais so produzidas. De acordo com Moscovici dois processos geram as representaes sociais: objetivao e ancoragem. A objetivao o processo pelo qual as noes abstratas, as idias, as imagens no-familiares so transformadas em algo concreto que molda e constri a realidade. A ancoragem se reflete na classificao e nomeao dos objetos no-familiares ao compar-lo com categorias similares de objetos sociais j existentes. A classificao implica sempre na comparao do objeto representado com o prottipo ou modelo, visando criar uma rede de significados a partir de determinados fatores sociais. Moscovici utilizou os dois processos em sua pesquisa porque tratava-se de um estudo de grande porte, que durou aproximadamente cinco anos para sua concretizao. Seus estudos foram aprofundados e complementados por vrios pesquisadores, dentre os quais cabe destacar as contribuies de Denise Jodelet (1998).

    Jodelet a principal colaboradora de Moscovici na anlise dos aspectos constitutivos da teoria da Representao Social. Para essa autora, as representaes sociais contribuem para elaborar os comportamentos porque so sistemas de referncia e de significao que permitem interpretar, entender, explicar e classificar as informaes,

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    os eventos, os indivduos, etc. uma maneira de apreender e de pensar a realidade cotidiana, com o objetivo de dar sentido e coeso referida realidade enfim, trata-se de um conhecimento prtico, espontneo que tem incidncia no comportamento social. Os sistemas de referencia fornecido pelas representaes sociais tem uma funo mediadora entre o indivduo e o seu meio e entre os membros de um mesmo grupo, por isso contribuem para afirmar a identidade grupal e o sentimento de pertencimento do indivduo. Para compreender como isso ocorre Jodelet retomou aos processos bsicos de produo das representaes sociais: objetivao e ancoragem. Tais processos so responsveis pela constituio das representaes sociais e foram abordados por Moscovici (1978).

    Para Jodelet, a objetivao a transformao de um conceito ou de uma idia em algo concreto, uma vez que as informaes que circulam sobre esse objeto sofrem uma triagem em funo dos condicionantes culturais e, sobretudo, dos critrios normativos, guiados pelo sistema de valores do grupo, para proporcionar uma imagem coerente do objeto representado. Consideram-se como condicionantes o acesso diferenciado s informaes em decorrncia da insero social do sujeito. A ancoragem a insero orgnica de um conhecimento novo em um repertrio de crenas j constitudo; ancorar classificar, rotular, o processo utilizado para o sujeito se familiarizar com algo que lhe estranho e conseqentemente ameaador. Em sntese, ancoragem o enraizamento social da representao por meio da integrao cognitiva do objeto representado no sistema de pensamento preexistente a partir dos fatores sociais determinantes. De acordo com a autora, a interao dialtica entre os processos de objetivao e ancoragem permitem compreender de forma mais ampla como a significao conferida ao objeto representado e como a representao social utilizada como um sistema de interpretao do mundo. Na objetivao a interveno dos fatores sociais se d no agenciamento e na forma dos conhecimentos relativos ao objeto representado. Na ancoragem, essa interveno se traduz na significao e na utilidade que os fatores sociais conferem ao objeto representado, em que os elementos da representao no apenas exprimem as relaes sociais, mas contribuem para constitu-la. A estrutura imaginante que produzida no processo de ancoragem torna-se um guia de leitura, uma referncia para a compreenso da realidade. Para estudar as

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    representaes sociais os pesquisadores podem optar por um dos processos, ou por ambos, a depender do objeto de estudo que se pretende investigar.

    Desde a publicao da pesquisa de Moscovici e a ampliao de seus estudos por Jodelet, a teoria da Representao Social tem se propagado pelo mundo e conquistado novos seguidores, especialmente aps a dcada de 80. Numa reviso bibliogrfica sobre a referida teoria, verificou-se uma fertilidade muito grande na produo de estudos e pesquisas em diferentes reas do conhecimento que utilizam as representaes sociais. Os resultados das pesquisas indicam que trata-se de uma teoria boa para pensar e, assim apontar solues, dar respostas para ao concreta. (Arruda, 1998, p. 11). Contudo, a expanso da teoria da Representao Social no impediu o surgimento de crticas sobre sua validade cientfica no mundo acadmico. Em geral, essas crticas se referem falta de rigor dos mtodos utilizados na pesquisa, falta de clareza na definio dos conceitos, qualidade hermenutica da anlise e falta de hipteses que possam ser submetidas verificao emprica. Na qualidade de criador da teoria, Moscovici tem procurado responder as crticas, esclarecendo alguns pontos da teoria que foram mal compreendidos e, por isso, combatidos. No prefcio da obra organizada por Guareschi e Jovchelovitch (1994), Moscovici retomou e aprofundou alguns aspectos tericos e metodolgicos acerca da teoria da Representao Social e defendeu a tese de que esta deve permanecer criativa e aproveitar as contribuies de diferentes mtodos, embora suscitem resistncias ou discordncias. Para Moscovici, cabe ao cientista descobrir novos princpios, novas teorias, novos mtodos de verificao e isso no se aprende com o mtodo e sim com o exerccio da pesquisa. A defesa apresentada pelo autor da teoria importante para consolidar o referencial de pesquisadores comprometidos com o uso das representaes sociais em investigaes cientficas. Porm, no se pode negar que existem pesquisas sobre representaes sociais que no usam nem mesmo os conceitos bsicos da referida teoria, limitando-se a arrolar falas dos entrevistados, com pouca ou nenhuma tentativa de interpretao dos resultados. Na realidade, os resultados dessas pesquisas no passam de opinies sobre ou imagens de, sem nenhuma anlise terica. Para evitar incorrer nos mesmos erros, necessrio que pesquisadores, interessados em trabalhar com essa teoria, busquem um rigor metodolgico coerente com os pressupostos apresentados por Moscovici.

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    3.2 As representaes sociais nas pesquisas educacionais

    As representaes sociais interferem nas prticas sociais porque cada grupo sociocultural tem seu sistema de significao construdo e partilhado socialmente. Esse sistema de significao orienta as atitudes sociais desejveis e/ou admitidas em cada segmento social. Uma vez em que essas representaes interferem e/ou podem determinar comunicaes e atitudes sociais de indivduos e/ou grupos sociais, fica patente a importncia desse conhecimento para as prticas sociais, especialmente a prtica educativa que atua na formao da personalidade humana. Simone Baillauqus (