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  • Universidade Estadual de Londrina

    LORENI APARECIDA FERREIRA BALDINI

    CONSTRUO DO CONCEITO DE REA E PERMETRO: UMA SEQNCIA DIDTICA COM AUXLIO DE

    SOFTWARE DE GEOMETRIA DINMICA

    LONDRINA 2004

  • LORENI APARECIDA FERREIRA BALDINI

    CONSTRUO DO CONCEITO DE REA E PERMETRO: UMA SEQNCIA DIDTICA COM AUXLIO DE

    SOFTWARE DE GEOMETRIA DINMICA

    DISSERTAO APRESENTADA AO CURSO DE MESTRADO EM ENSINO DE CINCIAS E EDUCAO MATEMTICA, DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, COMO REQUISITO PARCIAL OBTENO DO TTULO DE MESTRE.

    ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIE-CLAIRE RIBEIRO PLA

    LONDRINA 2004

  • Catalogao na publicao elaborada pela Diviso de Processos Tcnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    B177c Baldini, Loreni Aparecida Ferreira. Construo do conceito de rea e permetro: uma seqncia didtica com auxlio de software de geometria dinmica / Loreni Aparecida Ferreira Baldini. Londrina, 2004. 179f. : il. + Anexos no final da obra.

    Orientadora: Marie-Claire Ribeiro Pla. Dissertao (Mestrado em Ensino de Cincias e Educao Matemtica) Universidade Estadual de Londrina, 2004. Bibliografia : f. 173-179.

    1. Geometria Estudo e ensino - Teses. 2. Geometria Programas de computador - Estudo e ensino - Teses. 3. Educao Matemtica - Teses. I. Pla, Marie-Claire Ribeiro. II. Universidade Estadual de Londrina. III.Ttulo.

    CDU: 514.1:37.02

  • LORENI APARECIDA FERREIRA BALDINI

    CONSTRUO DO CONCEITO DE REA E PERMETRO: UMA SEQNCIA DIDTICA COM AUXLIO DE

    SOFTWARE DE GEOMETRIA DINMICA

    DISSERTAO APRESENTADA AO CURSO DE MESTRADO EM ENSINO DE CINCIAS E EDUCAO MATEMTICA, DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, COMO REQUISITO PARCIAL OBTENO DO TTULO DE MESTRE.

    ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIE-CLAIRE RIBEIRO PLA

    COMISSO EXAMINADORA

    ____________________________________

    PROF. DR. MARIE-CLAIRE RIBEIRO PLA Universidade Estadual de Londrina

    ____________________________________

    PROF. DR. LOURDES MARIA WERLE DE ALMEIDA

    Universidade Estadual de Londrina

    ___________________________________

    PROF. DR. MARIA ALICE GRAVINA Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Londrina, 29 de Maro de 2004.

  • AGRADECIMENTOS

    Professora Doutora Marie-Claire Ribeiro Pla, pela orientao deste trabalho, por todo seu conhecimento compartilhado, pelo apoio as minhas iniciativas e especialmente, pela sua amizade.

    s Professoras Doutoras Lourdes Maria Werle de Almeida e Maria Alice Gravina, pelas sugestes que muito contriburam para a organizao deste trabalho.

    A todos os professores do curso de Mestrado e tambm do curso de Especializao em Educao Matemtica da Universidade Estadual de Londrina, que tanto colaboraram para meu crescimento profissional.

    Direo do Colgio Estadual Izidoro Luiz Cervolo e Equipe Pedaggica, pela disponibilidade do laboratrio de informtica e pelo apoio dispensado na realizao da parte experimental desta pesquisa.

    A todos os alunos participantes desta pesquisa, especialmente aos oito, que participaram da seqncia didtica, pela dedicao, empenho e comprometimento.

    minha amiga Magna Natlia, pelas bibliografias, incentivo, crticas e, principalmente, por compartilhar sua experincia profissional e sua luta pela melhoria da Educao Matemtica.

    Adriana Passos, companheira de curso, pelas valiosas contribuies e aos demais

    Ao Osmar, marido e companheiro, pelo apoio e incentivo desprendidos para a realizao desta conquista.

    Aos meus colegas de trabalho do CEEBJA e do Colgio Estadual Pe. Jos de Anchieta que muito me incentivaram, torceram e de vrias formas colaboraram para que eu conclusse esse curso, em particular as Professoras Irene e Miriam.

  • BALDINI, Loreni Aparecida Ferreira, Construo do conceito de rea e permetro: uma seqncia didtica com auxlio de software de geometria dinmica. 2004. Dissertao (Mestrado em Ensino de Cincias e Educao Matemtica) Universidade Estadual de Londrina.

    RESUMO

    Este estudo prope uma engenharia didtica, em ambiente de geometria dinmica, com o objetivo de verificar se o software Cabri-Gomtre II contribui para a construo de conceitos de geometria. O estudo est fundamentado na Teoria das Situaes Didticas, desenvolvida na escola francesa por Guy Brousseau. De acordo com as fases da engenharia didtica, neste trabalho so apresentados um panorama sobre o ensino de Geometria nos ltimos anos e alguns aspectos da informtica relacionados ao ensino. Apresenta-se tambm um estudo de alguns elementos que participam da transposio didtica, como os PCN - Parmetros Curriculares Nacionais, a Proposta Curricular do Estado do Paran, algumas concepes de professores do Ensino Fundamental, anlise de alguns livros didticos e de anais de congressos nacionais, a fim de verificar como a geometria est sendo tratada. Apresenta-se, ainda, o resultado de uma sondagem feita por meio de um pr-teste, para saber como os alunos que j concluram o Ensino Fundamental resolvem questes sobre os conceitos de rea e permetro. Na anlise a priori, foram elaboradas as atividades e analisados seus aspectos matemticos e didticos. Essas atividades compem a seqncia didtica que foi aplicada a alunos do 1 ano do Ensino Mdio de uma escola pblica da cidade de Apucarana Paran, que tiveram um baixo desempenho no pr-teste. Na anlise a posteriori, as produes dos alunos e seus relatos confirmam as expectativas expressadas na anlise a priori, ou seja, revelam que o enfoque computacional por meio do software Cabri-Gomtre II pode ser indicado como uma alternativa para a realizao do ensino de geometria, pois ele contribuiu significativamente para a construo dos conceitos de rea e permetro.

    Palavras-chaves: Cabri-Gomtre II, rea, permetro, Educao-Matemtica, informtica, geometria.

  • BALDINI, Loreni Aparecida Ferreira, Building of the area and perimeter concept: an educational sequence aided by a dynamic geometry software. 2004. Dissertao (Mestrado em Ensino de Cincias e Educao Matemtica) Universidade Estadual de Londrina.

    ABSTRACT

    This study proposes educational engineering in a dynamic geometry environment, with the goal to check if the software Cabri-Gomtre II helped the building of geometry concepts. The study is based in Theory of Educational Situations, developped by Guy Brousseau. According to the stages of educational engineering, this work shows a view on the teaching of Geometry in the past years and some aspects of information technology applied to teaching. It also presents a study on some elements that participate in educational changing such as PCN Parmetros Curriculares Nacionais, Resume Proposal of State of Paran, some teachers opinions on Secondary Education, analysis of some educational books and National Congresses ANAIS, with the goal to check how geometry is being treated. It still presents the results of a sound about made by a first test to know how the students that already finished Secondary Education solve questions regarding the concepts of area and perimeter. In the first analysis activities were drawn up that represent the educational sequence which was applied to the students of the First Year Medium Teaching of a public school of Apucarana city Paran, which had a low performance in the first test. In the second analysis, the students productions and their narratives confirms the expectations expressed in the first analysis; they reveal that the focusing on the computer through the software Cabri-Gomtre II may be indicated as an alternative to the carrying out of the geometry teaching, for it contributed significantly to the building of area and perimeter concepts.

    Keywords: Cabri-Gomtre II, area, perimeter, Mathematic Education, computer, geometry.

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................... 9

    1 ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE GEOMETRIA E INFORMTICA 12 1.1 O ENSINO E APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA............................. 12 1.1.2 rea e Permetro ................................................................................ 16 1.2 A INFORMTICA NO ENSINO E APRENDIZAGEM........................... 25 1.2.1 A Informtica no Ensino da Geometria ................................................ 26 1.2.2 Geometria Dinmica ............................................................................ 28 1.2.2.1Software Cabri-Gomtre II ................................................................. 30

    2 FUNDAMENTAO TERICA ........................................................... 34 2.1 SITUAES DE ENSINO E APRENDIZAGEM .................................. 34 2.1.1 Saber e Conhecimento ........................................................................ 42

    3 METODOLOGIA ................................................................................. 49 3.1 ENGENHARIA DIDTICA .................................................................. 49 3.2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ............................................ 52 3.2.1 A Seqncia Didtica e as Questes de Estudo.................................. 53 3.2.2 Os Sujeitos da Pesquisa...................................................................... 54 3.2.3 Realizao de Seqncia Didtica....................................................... 54

    4 ANLISES PRELIMINARES................................................................ 57 4.1 SISTEMA SOCIAL DE ENSINO .......................................................... 57 4.1.1 Parmetros Curriculares Nacionais PCN ......................................... 57 4.1.2 Proposta Curricular do Estado do Paran .......................................... 58 4.1.3 Livros Didticos ................................................................................... 59 4.1.3.1Coleo A ........................................................................................... 59 4.1.3.2Coleo B ........................................................................................... 66

  • 4.1.3.3Coleo C ........................................................................................... 72 4.1.4 Livros x Proposta Curricular do Paran x PCN ................................... 78 4.1.5 Anais do VI e VII ENEM Encontro Nacional de Educao Matemtica 80 4.1.6 Algumas Concepes de Alguns Professores do Ensino Fundamental 82 4.2 DESEMPENHO DOS ALUNOS NO PR-TESTE .............................. 88

    5 ESTUDO PRELIMINAR DA SEQNCIA DIDTICA ........................ 96 5.1 Sesso I .............................................................................................. 98 5.2 Sesso II ............................................................................................. 103 5.3 Sesso III ............................................................................................ 106 5.4 Sesso IV ........................................................................................... 111 5.5 Sesso V ............................................................................................ 116 5.6 Sesso VI ........................................................................................... 120 5.7 Sesso VII .......................................................................................... 124 5.8 Sesso VIII ......................................................................................... 128

    6 EXPERIMENTAO E ANLISE A POSTERIORI ............................. 130 6.1 Sesso I .............................................................................................. 131 6.2 Sesso II ............................................................................................. 132 6.3 Sesso III ............................................................................................ 134 6.4 Sesso IV ........................................................................................... 138 6.5 Sesso V ............................................................................................ 142 6.6 Sesso VI ........................................................................................... 149 6.7 Sesso VII .......................................................................................... 156 6.8 Sesso VIII ......................................................................................... 161

    CONSIDERAES FINAIS .......................................................................... 168

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 173

    OBRAS CONSULTADAS............................................................................... 178

    ANEXOS ....................................................................................................... 180

  • INTRODUO

    Neste estudo, abordam-se a geometria e a informtica. A geometria, por ser considerada um dos eixos da matemtica de grande importncia para a formao do indivduo e por ela estar presente nas mais variadas situaes da vida cotidiana, como na natureza, nos objetos que usamos, nas construes, nas artes e at mesmo nas brincadeiras infantis.

    A informtica abordada porque, atualmente, est presente em quase todas as atividades do cotidiano das pessoas e seria conveniente se fosse mais usada nas escolas, pois se trata de um recurso pedaggico de grande valia para a construo de conceitos matemticos como os da geometria. A informtica enfocada nesta pesquisa por meio do software de geometria dinmica, o Cabri-Gomtre II.

    Fonseca et al (2002) ressaltam que alguns conceitos geomtricos esto incorporados na nossa linguagem, na organizao dada a objetos e idias e nos valores estticos. Destacam que as crianas, desde o nascimento, procuram conhecer e explorar o espao em que vivem e que elas dirigem suas aes e atenes nesse sentido. Essas autoras mencionam ainda que as primeiras experincias das crianas so geomtricas. Ao tentarem compreender o mundo no qual esto inseridas, ao distinguirem um objeto do outro, ou mesmo aprendendo a movimentar-se de um lugar para o outro, elas usam idias geomtricas para resolver problemas. Portanto, a geometria tem um papel fundamental para o desenvolvimento de habilidades e competncias do indivduo, tais como a percepo espacial e a resoluo de problemas, uma vez que ela proporciona condies para observar, comparar, medir, generalizar e abstrair.

    A falta de metodologias adequadas tem sido apontada por vrias pesquisas como um dos fatores que muito interfere no processo de ensino e aprendizagem de geometria. Por outro lado, muitas pesquisas realizadas na rea da educao destacam a informtica como recurso pedaggico que muito contribui com o processo de ensino e aprendizagem.

    Nessa perspectiva, acredita-se que existe a necessidade de pesquisas que abordem tanto a geometria quanto a informtica como recurso pedaggico para que novas contribuies sejam disponibilizadas aos educadores matemticos.

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    Atuando h vrios anos no Ensino Mdio, a pesquisadora pde perceber que os alunos deixam o Ensino Fundamental com grandes dificuldades em matemtica e ingressam no Ensino Mdio sem saberem conceitos considerados importantes para sua formao. Diante dessa situao, dos baixos ndices apresentados pelo SAEB Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (2001) e pela AVA 2000 Avaliao do Rendimento Escolar do Paran, procurou-se buscar instrumentos que pudessem ser incorporados ao trabalho de sala de aula e que contribussem para a melhoria do processo ensino e aprendizagem de matemtica. Pela importncia da geometria, relacionada preocupao de buscar subsdios para a melhoria do seu ensino e aprendizagem, e pelo interesse em utilizar a informtica como apoio pedaggico, originou-se esta pesquisa.

    No incio deste trabalho, realizou-se um estudo para verificar qual o panorama da geometria, ou seja, como ela est sendo tratada atualmente. Nesse cenrio, descobriu-se a importncia social do contedo rea e permetro para a formao do indivduo, para interligar os outros contedos matemticos e outras reas de conhecimento.

    Diante dos resultados insatisfatrios apresentados pelo SAEB1 e pela AVA2 a respeito desse contedo, pde-se perceber a viabilidade de se realizar esta pesquisa trabalhando com os conceitos de rea e permetro. Para isso, foi elaborada e desenvolvida uma seqncia didtica, abordando esse contedo, na qual foi utilizado o software Cabri-Gomtre II, com o objetivo de verificar se esse software pode contribuir para a construo dos conceitos de rea e permetro.

    Este trabalho foi organizado em captulos. O primeiro apresenta a problemtica sobre o ensino e aprendizagem de geometria, abordada por meio de algumas pesquisas e enfocando rea e permetro; alguns aspectos da informtica em relao educao assim como alguns aspectos do software Cabri-Gomtre II.

    No segundo captulo, est o suporte terico fundamentado na Teoria de Situaes Didticas de Guy Brousseau e em outros aspectos da didtica francesa, entre eles: contrato didtico, transposio didtica e transposio informtica.

    1 Sempre que for mencionado, SAEB refere-se ao Sistema Nacional de Avaliao da Educao

    Bsica. 2 Sempre que for mencionado AVA, refere-se Avaliao do Rendimento Escolar do Paran.

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    No terceiro captulo, est a metodologia, inspirada na Engenharia Didtica e fundamentada em Artigue (1988).

    No quarto captulo, apresenta-se a primeira fase da Engenharia Didtica, constituda pelas anlises preliminares, a qual foi feita por meio da apreciao dos PCN Parmetros Curriculares Nacionais de 5 a 8 sries de 1998, da Proposta Curricular Fundamental do Paran (1992), da concepo de alguns professores, de colees de livros didticos de 5 a 8 srie e dos Anais do VI e do VII ENEM Encontro Nacional de Educao Matemtica, realizados em 1998 e 2001, respectivamente. Alm disso, nesse captulo so apresentados os resultados do pr-teste aplicado a 68 alunos do 1 ano do Ensino Mdio.

    No quinto captulo, apresenta-se o estudo preliminar da seqncia didtica (a anlise a priori), uma descrio dos objetivos especficos de cada atividade e tambm os seus aspectos matemticos e didticos.

    No sexto captulo, est o relato do desenvolvimento da seqncia didtica, das produes, das reflexes dos alunos, ou seja, a anlise a posteriori.

    No stimo captulo, constam as consideraes finais seguidas das referncias bibliogrficas.

    O Anexo I contm o questionrio que foi utilizado para verificar algumas das concepes dos professores. O anexo II contm o pr-teste que foi utilizado para verificar como os alunos do 1 ano do Ensino Mdio lidam com questes de rea e permetro. O anexo III contm as atividades que compem a seqncia didtica aplicada aos alunos participantes deste estudo.

    Pretende-se compartilhar com professores, educadores e pesquisadores os estudos e os resultados encontrados neste trabalho, na expectativa de contribuir com a prtica pedaggica.

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    1 ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE GEOMETRIA E INFORMTICA

    O propsito deste captulo relatar a problemtica sobre o ensino e aprendizagem da geometria e algumas abordagens de pesquisas na rea. Alm disso, ressaltar alguns aspectos da tecnologia informtica e do software Cabri-Gomtre II.

    1.1 O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA

    Nos ltimos anos, muitas pesquisas a respeito do ensino e aprendizagem de geometria tm sido desenvolvidas utilizando a informtica como recurso pedaggico, como, por exemplo, as de Sangiacomo (1996), Silva (1997), Purificao (1999), Henriques (1999) e Gravina (1996 e 2001).

    A preocupao com a geometria j manifestada em pesquisas e trabalhos realizados h vrios anos. H dez anos Pavanelo (1993) j destacava que houve nas ltimas dcadas um abandono do ensino de geometria, salientando ainda que essa ausncia pode estar prejudicando a formao dos alunos por priv-los da possibilidade do desenvolvimento integral dos processos de pensamento necessrios resoluo de problemas matemticos. Kaleff (1998) ressalta as experincias de realizaes de projetos relacionados formao de professores nos dez anos anteriores, cujo objetivo visava melhoria do ensino aprendizagem de geometria.

    Lorenzato (1995) destaca que existe uma omisso geomtrica e que so vrios os fatores que levam a essa omisso. Ele aponta duas causas que atuam forte e diretamente no interior das salas de aulas. A primeira que muitos professores no detm os conhecimentos geomtricos necessrios para a realizao de suas prticas pedaggicas. Ele salienta que se o professor no conhece a geometria, tambm no conhece o poder, a beleza e a importncia que ela possui para a formao do futuro cidado (p.03). Dessa forma, ou eles ensinam geometria sem conhec-la, ou ento, no ensinam. A segunda causa, deve-se exagerada importncia que dispensada ao livro didtico. Muitos deles pouca

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    geometria apresentam, ou ento, reduzem a geometria a um conjunto de definies, propriedades, nomes e frmulas, no interligando com a realidade, nem com outros campos da matemtica e nem com outros campos do conhecimento da cincia.

    Nos artigos de vrias edies de revistas como Bolema, Zetetik, Educao Matemtica em Revista, entre outros tipos de publicaes, evidente a preocupao de educadores matemticos com o ensino e aprendizagem da geometria. Em particular, pode-se destacar a revista Educao Matemtica n 4, de 1995, que dedica todos os artigos dessa edio geometria, alm de trazer a relao de 29 (vinte e nove) teses e dissertaes de mestrado, doutorado ou livre docncia, produzidas no Brasil e algumas no exterior, que tratam da geometria, no perodo de 1971 a 1994.

    Nos Anais de congressos nacionais como ENEM Encontro Nacional de Educao Matemtica (1998 e 2001), e de encontros regionais, tambm possvel observar um grande nmero de pesquisas e trabalhos relacionados geometria. Isso mostra que esse empenho em melhorar a construo de conceitos geomtricos j tem uma histria. Percebe-se que essa preocupao com o ensino e aprendizagem de geometria se tornou ainda mais notvel nesses ltimos dez anos.

    Certamente tantos outros trabalhos e pesquisas tm acontecido nesses ltimos anos relacionados melhoria do ensino e aprendizagem de geometria. Observa-se uma ascenso dos trabalhos nessa rea, em vrios aspectos, tanto metodolgicos, como psicolgicos, cognitivos e epistemolgicos. Dessa forma, evidente que o setor educacional entende a importncia do estudo da geometria para a formao plena do indivduo. Apesar de tudo isso, sabe-se que os alunos tm grandes dificuldades relacionadas construo de conceitos geomtricos.

    Contrastando com essas observaes, tm-se as avaliaes do SAEB (2001) e da AVA 2000 do Paran, as quais mostram que o ensino e aprendizagem da matemtica tm apresentado resultados bastante insatisfatrios, apontando problemas em vrios contedos e principalmente em geometria, que tem apresentado ndices bastante indesejveis.

    O Relatrio Matemtica, que apresenta os resultados das avaliaes feitas pelo SAEB (2001), indica que 37,60% dos alunos da 8 srie do Ensino Fundamental construram poucas habilidades alm daquelas demonstradas

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    pelos alunos da 4 srie e, assim, esto situados no nvel3 4. Alm disso, esse relatrio revela que a mdia brasileira dos alunos da 8 serie do Ensino Fundamental o nvel 4 e que, abaixo dessa mdia, situam-se 20,76% dos alunos avaliados. Isso indica que grande parte dos alunos deixa o Ensino Fundamental com grandes dificuldades em matemtica, especificamente em geometria, uma vez que os conhecimentos e habilidades4, estabelecidos na Matriz de Referncia do SAEB 2001, correspondem aos mnimos desejveis para um concluinte do Ensino Fundamental (SAEB, 2001).

    Os resultados da AVA 2000 destacam que os alunos ainda obtiveram baixos ndices de acertos nas questes propostas para avaliar o ensino de matemtica, inclusive as de geometria. A srie Estudos Complementares da AVA 2000, lanada pela Secretaria de Estado de Educao do Paran (2002), ressalta que a imagem da matemtica ensinada na escola ainda algo incompreensvel e quase inacessvel. Destacam, tambm, que, para muitos professores, ensinar matemtica proporcionar aos alunos atividades para repetirem, exausto, os mesmos procedimentos e regras ensinadas pelo professor.

    Diante dessa situao, entende-se que os resultados de muitas pesquisas ainda no esto presentes em muitas salas de aulas do Ensino Bsico, ou talvez demorem muito para chegar aos professores atuantes no sistema de ensino. Provavelmente, as concepes de ensino e aprendizagem, que alguns profissionais possuem, podem no estar permitindo que os mesmos aceitem mudana. Isso pode estar dificultando ainda mais para que as novas abordagens norteiem aulas de matemtica. Outro fator, que tambm pode estar contribuindo para isso, o fato de a maioria dos professores inseridos no processo escolar (Ensino Fundamental) no estar vinculada a grupos de estudo e de pesquisas.

    Entende-se que os problemas levantados nas inmeras pesquisas, bem como os resultados dessas e as sugestes dos pesquisadores, precisam estar disponveis de forma mais eficiente e rpida ao maior nmero possvel de professores. Fonseca et al (2002) salientam que, apesar da preocupao que se tm

    3 Em matemtica, os nveis se apresentam em um continuum (SAEB 2001 p.16). O aluno que est no

    nvel 4 mostra ter construdo poucas habilidades alm daquelas demonstradas pelos alunos da 4 srie. 4 Em matemtica, as habilidades foram distribudas em quatro temas: Espao e Forma; Grandezas e

    Medidas; Nmeros e Operaes; Tratamento da Informao. (SAEB 2001, p.14).

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    observado com o ensino de geometria entre os pesquisadores em Educao Matemtica, as mudanas ainda so bastante discretas nesse quadro, principalmente nas sries iniciais.

    Os PCN5 destacam que

    as pospostas curriculares mais recentes so ainda bastante desconhecidas de parte considervel dos professores, que, por sua vez, no tm clara viso dos problemas que motivaram as reformas. O que se observa que idias ricas e inovadoras no chegam a eles, ou so incorporadas superficialmente ou recebem interpretaes inadequadas, sem provocar mudanas desejveis. (1998, p.21)

    Percebe-se que h necessidade de investimentos em formao continuada dos professores, cuja inteno seja contribuir para que se disponha de uma maior diversidade de elementos para conhecer e saber selecionar o que se ensina de geometria e como se ensina. Investimentos em materiais didticos e outros meios pedaggicos se fazem necessrios tambm, com a finalidade de que essa preocupao, que de mbito nacional e em vrios aspectos com o ensino e aprendizagem da geometria, se faa presente nas inmeras salas de aula, proporcionando, assim, uma melhoria na aprendizagem da matemtica, contribuindo, dessa forma, para a formao plena do indivduo.

    Pesquisas como as de Gravina (1996), Henriques (1999) apontam que os alunos chegam s universidades sem ter se apropriado de conhecimentos considerados elementares em geometria. A partir dessas pesquisas e dos resultados de avaliaes nacionais, entende-se que o ensino e aprendizagem de geometria na formao bsica do indivduo, mesmo com tantos esforos, ainda mantm um quadro insatisfatrio como j foi mencionado.

    Pavanello (1993) destaca tambm a necessidade de investimentos em pesquisas sobre metodologias mais apropriadas para a abordagem da geometria, visando proporcionar aos professores condies para a melhoria da qualidade desse ensino. Dessa forma, necessrio que haja investimentos em pesquisas relacionadas ao Ensino Fundamental e Mdio, que abordem novas metodologias, como o uso das Novas Tecnologias da Informao, as quais podem apontar algumas alternativas que contribuam com o ensino e aprendizagem de geometria.

    5 Sempre que for mencionado, PCN refere-se aos Parmetros Curriculares Nacionais.

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    De acordo com essa perspectiva, e considerando as pesquisas mencionadas inicialmente, que abordam temas especficos de matemtica por meio dos recursos informticos e que apresentam resultados satisfatrios, percebeu-se a viabilidade de desenvolver uma pesquisa que envolva geometria e informtica. Os temas enfocados neste estudo sero os de rea e permetro.

    1.1.2 rea e Permetro

    Como se sabe, as primeiras consideraes que o homem fez a respeito da geometria so muito antigas. Eves (1992) ressalta que provavelmente a geometria originou-se de observaes simples que possibilitaram reconhecer configuraes fsicas, comparar formas e tamanhos. O mesmo autor ainda destaca que a noo de distncia deve ter sido um dos primeiros conceitos geomtricos a ser desenvolvido pelos homens primitivos.

    Boyer (1996) relata que Herdoto, subestimou a idade da geometria e acreditava que ela tenha surgido da necessidade prtica de fazer novas medidas de terra aps as inundaes no vale do rio Nilo. A necessidade de fazer novas demarcaes de terras aps as cheias do Nilo fez com que aparecessem os mensuradores.

    Segundo Eves (1992), a necessidade de delimitar a terra levou noo de algumas figuras geomtricas, tais como retngulos, quadrados e tringulos, mas a geometria no sentido mais amplo surgiu em tempos mais antigos que a arte de escrever. Os conceitos de rea e permetro, provavelmente, esto relacionados ao problema das medies de terra.

    Por meio da histria da matemtica, sabe-se tambm que as civilizaes antigas obtiveram vrias frmulas para o clculo de rea de vrias figuras, sendo algumas com preciso e outras aproximadas. A comparao de reas enfrentaram alguns problemas tericos no decorrer da histria relacionados s unidades de medidas. Em muitos casos, para decidir se uma superfcie tem rea igual a outra necessrio atribuir nmeros a essas reas. Do mesmo modo, para classificar como maior ou menor e at para construir superfcies de acordo com critrios relativos rea, isso tambm necessrio. Surge, assim, a necessidade de unidades padro.

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    Os problemas de medida de terra e de clculo aproximado de rea de terrenos esto presentes ainda hoje no cotidiano e so de muita relevncia tanto nas prticas rurais quanto nas urbanas. Como exemplo, tem-se a situao do agricultor que, ao fazer o plantio, muitas vezes precisa estimar a rea do terreno, que em muitos casos de forma irregular. Outro caso o IPTU Imposto Predial e Territorial que, entre outros fatores, cobrado em funo da rea do terreno e da rea construda. Alm desses casos, ainda tm-se tambm os profissionais da construo civil, os quais lidam com muita freqncia com os clculos de rea e permetro e tantos outros.

    O conceito de rea e o processo de medir rea do ponto de vista da estrutura matemtica, segundo Bellemain & Lima (2000), tem como ponto de partida a definio de uma funo (f), dita funo rea, num conjunto de superfcies, assumindo valores no conjunto dos nmeros reais no negativos (p.2 grifo nosso). Esses autores relatam ainda que existem trs propriedades julgadas essenciais para caracterizar a grandeza rea, que so:

    1) positividade: uma figura que possua interior no vazio tem rea positiva;

    2) aditividade: se duas figuras A e B tm em comuns pontos de suas fronteiras, ento a rea da figura AUB (A unio de B) a soma da rea A com a rea B;

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    3) invarincia por isometrias: se uma figura plana A transformada em outra, B, de modo que a distncia entre dois pontos quaisquer de A fica inalterado em B, ento A e B tm a mesma rea.

    Considerando essas trs propriedades, necessria a caracterizao do domnio da funo (f), ou seja, uma verificao de quais superfcies so mensurveis pela funo rea, sendo necessrio limitar uma regio do plano, ou seja, a parte do plano ocupada por uma figura plana. Para abordar o conceito de rea, faz-se necessrio, ainda, pressupor conhecimentos referentes ao conceito de comprimento e tambm assumir uma outra superfcie que ser tomada como unidade de rea para comparar com a superfcie da qual se deseja saber a rea.

    Medir comparar. Medir a rea de uma superfcie compar-la rea de outra superfcie.

    O resultado dessa comparao, segundo Lima (1991), ser um nmero, que dever exprimir quantas vezes a figura, que est sendo medida, contm a unidade rea. Um par (nmero, unidade de rea) uma maneira de designar uma rea, a qual considerada como uma classe de equivalncia de superfcies.

    Pesquisadores como Baltar (1996) e Perrotta (2001) tm mostrado a importncia do conceito de rea e permetro e sua relevncia social para a formao do indivduo. Alm disso, fazem indicaes de problemas na aprendizagem desses conceitos e propem seqncias de ensino para a construo desses conceitos.

    Bellemain & Bittar (2000) relatam que, a partir dos resultados da pesquisas de Baltar (1996), percebeu-se que as dificuldades conceituais apresentadas pelos alunos eram variadas e resistentes aprendizagem. Entre os

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    elementos relacionados aos erros cometidos pelos alunos, destacam-se as concepes geomtricas e a numrica. Relatam que muitas dificuldades se devem forma como tratado o problema de rea, ou somente do ponto de vista geomtrico ou somente do numrico, verificando, assim, a necessidade e a importncia de articular as abordagens geomtricas e numricas. Bellemain & Bittar (2000) relatam que Lima e Bellemain (2002) propuseram o seguinte esquema conceitual:

    Fonte: Bellemain e Bittar 2000

    Essas autoras destacam as superfcies e figuras geomtricas, como objetos do quadro geomtrico; os conceitos de comprimento permetro, rea, volume, capacidade e ngulo, como objetos do quadro das grandezas; os nmeros reais positivos representando as medidas das grandezas, como objetos do quadro numrico; as frmulas de rea e de volume, como objetos do quadro algbrico-funcional.

    As experincias de trabalho realizadas com os contedos de rea e permetro, como a pesquisa de Baltar (1996) e tambm as avaliaes de rendimento escolar feitas pela AVA 2000 e pelo SAEB 2001 indicam que os alunos fazem grande confuso entre rea e permetro. Nas resolues de problemas que envolvem esses contedos so utilizadas frmulas errneas e as unidades tambm aparecem de forma inadequada, muitas vezes expressam rea com unidades lineares ou unidades cbicas.

    Baltar (1996) classificou a diferena entre rea e permetro sob quatro pontos de vista diferentes:

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    topolgico: os conceitos de rea e de permetro correspondem a objetos geomtricos distintos, a rea sendo associada a superfcie e o permetro ao contorno;

    Figura 1 Figura 2

    Na figura1, a superfcie que corresponde rea foi destacada de cinza; e na figura 2, o destaque de cinza foi dado ao seu contorno, o permetro da figura.

    dimensional: uma superfcie e seu contorno so objetos matemticos de naturezas distintas no que diz respeito s dimenses, o que traz conseqncias imediatas sobre o uso das unidades adaptadas expresso das medidas de rea e permetro;

    Figura 3

    Figura 4

    A figura 3 bidimensional, ou seja, tem duas dimenses e adequada para o clculo de reas. A figura 4 unidimensional, ou seja, possui uma nica dimenso, adequada para o clculo de permetro.

    computacional: corresponde aquisio das frmulas de rea e permetro de figuras usuais;

    rea = b . h Permetro = b + b +h + h = 2b + 2h

  • 21

    variacional: consiste na aceitao de que rea e permetro no variam necessariamente no mesmo sentido, de que superfcies de mesma rea podem ter permetros distintos e vice-versa.

    As figuras apresentadas (a e b) so exemplos de superfcies que possuem mesma rea e permetros diferentes.

    Como se pode observar, as questes de rea devem ser tratadas tanto do ponto de vista geomtrico quanto do ponto de vista numrico. A articulao entre essas abordagens tornar o estudo de rea mais significativo para o aluno, favorecendo dessa forma a ausncia das dificuldades conceituais muito observada nas pesquisas relacionadas com rea e permetro.

    Nesse contexto, tm-se os resultados da AVA 2000 e do SAEB 2001, que tambm destacam as dificuldades dos alunos nos contedos de rea e permetro. Abordam-se inicialmente, neste trabalho, algumas observaes feitas pela AVA 2000 e, mais adiante, as feitas pelo SAEB 2001.

    No caderno Resultados da Avaliao Escolar (2001), mostra-se que 29% dos alunos da 8 srie do Ensino Fundamental obtiveram pontuao que indica terem aprendido: resolver problemas simples e rotineiros que envolvem as quatro operaes bsicas de nmeros naturais; resolver problemas simples de proporcionalidade, de escala, de operaes bsicas; retirarem informaes apresentadas em grficos e tabelas simples. Porm, esse mesmo grupo de alunos demonstrou ter aprendido muito pouco das habilidades/contedos do eixo das medidas e geometria. No outro extremo, um tero dos alunos demonstrou no ter aprendido as habilidades/contedos avaliados na referida prova, constatando-se dessa forma que parte significativa dos alunos da 8 srie do Ensino Fundamental apresenta resultados baixos em matemtica e particularmente em medidas e geometria.

    rea = 12 u2 Permetro = 16 u

    rea = 12 u2 Permetro = 14 u

    a)

    b)

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    No Caderno AVA 2000 Matemtica: uma anlise pedaggica (2001), tem-se a anlise de algumas questes utilizadas nas avaliaes da AVA 2000 aplicada aos alunos da 8 srie do Ensino Fundamental. A seguir apresentam-se exemplos que mostram alguns casos.

    Exemplo 1: (M08176PR) Qual a rea da figura?

    (A) 39 cm2 (B) 37 cm2 (C) 33 cm2 (D) 29 cm2 (E) 26 cm2

    Para resolver essa questo, o aluno precisaria apenas identificar cada um dos polgonos que formam a figura com suas respectivas medidas, calcular a rea de cada um dos polgonos e em seguida somar as reas encontradas. Apenas 14,3% optaram pela alternativa B, correta. Enquanto a alternativa C foi assinalada por 37,5% dos alunos. Segundo esse Caderno, eles podem ter confundido rea com permetro e, ainda, calculado errado o permetro. A alternativa D tambm teve um grande ndice de alunos que a assinalaram, 30,3%.

    Exemplo 2: (M08098PR) O permetro de um retngulo de 5cm de base e 3 cm de altura : A) 8 cm B) 11 cm C) 13 cm D) 15 cm E) 16 cm

    Para resolver essa questo, o aluno precisaria saber como calcular o permetro, qual a figura retngulo e, alm disso, saber o significado das palavras base e altura. O acerto foi de apenas 20,7%, o que segundo esse caderno, revela que este contedo pouco trabalhado. A alternativa A foi assinalada como certa por 39,9% dos alunos. Possivelmente, eles tenham tomado como permetro base mais altura (5 + 3). Quanto alternativa D, assinalada por 30,1% dos alunos,

  • 23

    possvel que eles tenham confundido rea com permetro e, com isso, multiplicado a base pela altura (5 x 3) e sem considerar ou observar a unidade de medida.

    O documento Estudos Complementares AVA 2000 (2002) revela que, apesar de existir um discurso atual sobre o papel da geometria para a visualizao e integrao dos diferentes campos da matemtica, pelos resultados apresentados, tudo indica que a nfase ainda est nos aspectos aritmticos e algbricos, e que isso evidente na prtica pedaggica dos professores.

    O relatrio do SAEB 2001 tambm enfatiza que Espao e Forma ainda no devem estar recebendo tratamento adequado nas escolas e que o campo conceitual que envolve a geometria tem sido negligenciado. Enfatiza tambm que questes consideradas elementares, que j deveriam ter sido objeto de estudo nas sries iniciais, apresentam grandes problemas para os alunos da 8 srie do Ensino Fundamental.

    Ressalta ainda que,

    Seria de todo desejvel um enfoque mais prximo da realidade dos alunos, inclusive com a manipulao de objetos, figuras e slidos geomtricos, construindo-os e desconstruindo-os, procurando observar suas propriedades, regularidades, etc. A problematizao de situaes do cotidiano que envolve espao e forma certamente far com que os alunos adquiram as competncias necessrias neste campo conceitual. (SAEB, 2001, p.42)

    No que se refere a Grandezas e Medidas, esse relatrio destaca que os alunos da 8 srie do Ensino Fundamental apresentam grandes dificuldades nas questes que tratam de competncias ligadas a clculo de rea e permetro de figuras planas, de noes de volumes e de relaes e transformaes de diferentes unidades de medidas.

    O Relatrio Matemtica SAEB 2001 destaca que, na 8 srie do Ensino Fundamental, alm das habilidades descritas para os alunos da 4 srie, os alunos tambm dominam outras habilidades, entre elas, destaca-se nesse trabalho, algumas relacionadas aos temas Espao e Forma e Grandezas e Medidas:

    40,70%6 reconhecem medida do permetro de um retngulo em malha quadriculada;

    0,81% calculam reas de figuras simples (tringulos, paralelogramos, retngulos e trapzios);

    6 Esses ndices acumulam alunos dos nveis 5, 6 e 7 ( SAEB 2001 p.38).

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    2,66% calculam rea de regies poligonais desenhadas em malhas quadriculadas.

    O exemplo 3 uma das questes aplicada 8 srie do Ensino Fundamental que o Relatrio Matemtica do SAEB 2001 apresenta.

    Exemplo 3: Deseja-se construir um quadrado com rea igual rea de um tringulo. Sabendo-se que a base do tringulo e a altura relativa a essa base medem, nessa ordem, 10cm e 5cm, o lado do quadrado, em centmetros, A) 5 B) 10 C) 25 D) 50

    Para resolver essa questo, necessrio saber calcular a rea de um tringulo conhecendo as medidas da base e da altura. O valor encontrado deve ser associado rea do quadrado e para encontrar a medida do lado do quadrado, deve-se extrair a raiz quadrada desse valor da rea. Somente 24% dos alunos assinalaram o item correto, enquanto 32% dos alunos assinalaram a alternativa C, que corresponde rea das figuras.

    Pode-se observar por meio da anlise dessas questes que uma grande parte dos alunos do Ensino Fundamental ingressa no Ensino Mdio com grandes problemas de aprendizagem relacionados geometria. O interesse de realizar pesquisa com os alunos do 1 ano do Ensino Mdio deve-se ao fato de os alunos da 8 srie terem apresentado baixos ndices de acertos nas questes de rea e permetro nessas avaliaes mencionadas, uma vez que esses conceitos, supostamente, j foram estudados nas sries do Ensino Fundamental.

    Outros fatores que tambm influenciaram na escolha desse tema a relevncia social de rea e permetro para a formao do indivduo que, no seu dia-a-dia, precisa medir ou estimar medidas de regies planas e tambm o fato de esses conceitos permitirem interligar os outros eixos da matemtica (geometria e nmeros), bem como outros campos de conhecimentos.

    Entre os fatores que possivelmente tm influenciado nos baixos ndices apresentados pelos alunos nas avaliaes mencionadas, um deles pode ser a falta de metodologias adequadas para o ensino e aprendizagem de geometria. Portanto, pretende-se investigar se uma seqncia didtica utilizando os recursos da

  • 25

    informtica pode contribuir na construo dos conceitos de rea e permetro, uma vez que a informtica vem sendo apontada por muitos pesquisadores como grande aliada na construo do conhecimento.

    1.2 A INFORMTICA NO ENSINO E APRENDIZAGEM

    Grandes discusses vm ocorrendo a respeito do papel da educao frente ao desenvolvimento tecnolgico que tanto tem alterado os paradigmas da nossa sociedade. Muitos educadores, pesquisadores e tambm os PCN (1998) indicam que, em qualquer nvel da educao escolar, deve-se formar indivduos crticos, criativos, conscientes e que consigam se integrar s rpidas mudanas da sociedade.

    Com o desenvolvimento das novas tecnologias e dos computadores, a informtica est cada vez mais presente na vida de todo cidado. Dessa forma, grandes transformaes vm ocorrendo no comportamento da sociedade. Baranauskas diz que A tecnologia computacional tem mudado a prtica de quase todas as atividades, das cientficas s de negcios, at as empresarias (Apud VALENTE, 1999). Ressalta tambm que o contedo e a prtica educacional tambm seguem essa tendncia.

    Hoje, uma parte considervel da populao j tem acesso a recursos informticos e v-se cada vez mais a informtica ocupando maior espao no nosso cotidiano. Nos ambientes escolares, existem grandes esforos por parte dos educadores para que a informtica esteja cada vez mais freqente nas prticas pedaggicas. A realizao de vrios projetos desenvolvidos com o apoio de rgos governamentais e em parceiras com as universidades, como EDUCOM, FORMAR, PRONINFE e PROINFO, muito contribuiu para expanso e uso eficiente da informtica. Esses projetos envolveram desde a criao de laboratrios de informtica at formao de recursos humanos e ainda recursos didtico-pedaggicos, proporcionando a chegada da informtica a muitas escolas da rede pblica. Atualmente, existem vrios grupos de estudos e pesquisas que desenvolvem projetos na busca de contribuir para que a informtica permeie cada vez mais as atividades desenvolvidas nas salas de aulas.

    Nas escolas da rede pblica (Ensino Fundamental e Mdio), sabe-se que os recursos que o computador oferece para o desenvolvimento de atividades

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    com os estudantes ainda no so utilizados com muita freqncia por inmeros problemas, desde os polticos at o simples acesso chave do laboratrio de informtica, como apontam Borba & Penteado (2001). Esses autores ainda destacam que a informtica deve ser vista como um direito do aluno e que parte necessria para sua formao. Dessa forma, faz-se necessrio que sejam utilizados os recursos das novas tecnologias, principalmente as ligadas ao computador, nas atividades de ensino.

    Segundo o Jornal Zero Hora de 30/07/2002 de Porto Alegre, RS, no artigo intitulado Novas tecnologia e educao, Koelling salienta que em nenhuma poca pode-se observar um desenvolvimento cientfico e tecnolgico to expressivo quanto o que ocorre nestes ltimos tempos. Destaca que a informtica ingressa nos mais diferentes segmentos da sociedade, porm, em relao educao brasileira, permanece longe de ser uma conquista da educao, especificamente quando se fala em escola pblica. Argumenta que necessrio que o professor esteja comprometido com o seu papel social e, baseando-se em suportes tericos e tecnolgicos, estabelea um vnculo com o aluno ao buscar uma tendncia inovadora, preocupada com a formao intelectual dos cidados, e, ainda, que a integrao entre homem e computador possa favorecer o fortalecimento de uma educao crtica.

    Por outro lado, sabe-se que, por no estar sociabilizado com essa mdia, o professor, muitas vezes, no conhece ou no sabe selecionar software adequados para a realidade de sua escola, correndo o risco de tomar atitudes que no correspondem s mudanas to almejadas, ou seja, de forma que haja um ensino de maior qualidade. Borba & Penteado (1999) e Gravina (1998) salientam que, se almejada uma mudana de paradigma para a educao, necessrio ser crtico e cuidadoso no processo de uso da informtica, pois o computador por si s no garante mudanas. Podemos com seu uso apenas reforar as mesmas caractersticas do modelo j existente.

    Valente (1999) acentua que a formao do professor deve propiciar condies para que ele construa conhecimento sobre as tcnicas computacionais, entenda por que e como integrar o computador na sua prtica pedaggica. Como foi mencionado anteriormente, os cursos de formao continuada dos professores se fazem cada vez mais necessrios, afim de que eles possam, tambm, usufruir desse recurso informtico para direcionar com sucesso os contedos a serem trabalhados

  • 27

    e cumprirem satisfatoriamente o seu papel social, favorecendo uma educao crtica e democratizante.

    Os PCN (1997) ressaltam que o computador permite criar ambientes de aprendizagem que fazem surgir novas formas de pensar. Alm disso, o computador favorece aprendizagem ativa e controlada pelo prprio aluno, j que permite representar idias, comparar resultados, refletir sobre sua ao e tomar decises depurando o processo de construo do conhecimento.

    Nas aulas de matemtica, os recursos informticos podem ser utilizados com vrias finalidades: fonte de informao; auxlio no processo de construo do conhecimento; como meio para desenvolver autonomia segundo os PCN (1998). Alm disso, ressaltado que tudo indica que o computador pode ser um grande aliado no desenvolvimento cognitivo dos alunos, mas, para que isso acontea, depende da escolha de software adequados, visando os objetivos que se pretendem atingir. Ambientes informatizados esto sendo cada vez mais comuns na rea da educao e na realidade de todo cidado. Acredita-se que essa tendncia aumente nos prximos anos.

    A informtica tem sido fonte de muitas pesquisas, tanto pelo significado que ela tem para o aluno em relao cobrana do mercado de trabalho, como pelas mudanas no comportamento intelectual que ela provoca, e tambm pelos recursos que ela oferece para desenvolver atividades curriculares, nos programas escolares em seus diferentes nveis.

    1.2.1 A Informtica no Ensino de Geometria

    Pesquisadores como Gravina (1998), Henriques (1999) e outros destacam aspectos relacionados s dificuldades dos alunos em construir conceitos geomtricos e tambm a falta de conhecimentos geomtricos por parte do professor. Segundo esses pesquisadores, grande parte dos alunos chega s universidades sem ter desenvolvido a habilidade de visualizao, de interpretao e de representaes grficas, apresentando pouca compreenso dos objetos geomtricos. Gravina (1996) ressalta, ainda, que parte dessa situao tem origem nos programas e prticas de ensino de nossas escolas e a falta de metodologias adequadas para o ensino e aprendizagem de geometria. As ferramentas, que o computador nos oferece, criam novas situaes nas quais as formas virtuais ganham

  • 28

    aspecto de uma realidade e com isso abrem novos rumos por meio das formas apresentadas pelo computador para a aprendizagem da geometria, segundo essa pesquisadora. Com isso, surgem novas abordagens para o ensino de geometria.

    Se para ensinar geometria, um dos problemas enfrentados a falta de observao, manipulao e visualizao de objetos geomtricos como observa Kaleff (1998), a informtica pode ser uma grande aliada a esses aspectos. Vrios software dispem de recursos que podem contribuir para a construo da percepo espacial, pois eles proporcionam a oportunidade de manipular as figuras e visualizar as diversas propriedades geomtricas.

    Muitos programas ou software vm sendo desenvolvidos com o objetivo de integrar a informtica prtica pedaggica. Esses, oferecem recursos que devem ser analisados e explorados, a fim de que na prtica pedaggica os professores faam bom uso deles.

    Atualmente, os ambientes informatizados, que oferecem melhores condies para o desenvolvimento de uma aprendizagem construtivista da geometria, so aqueles construdos dentro dos princpios da "Geometria Dinmica".

    1.2.2 Geometria Dinmica

    As manifestaes de geometria dinmica so antigas, mas o conceito s foi explicitado a partir da criao de software como o Cabri-Gomtre II ou Geometer Sketchpad, segundo Bellemain (2000). Ele ainda argumenta que

    A geometria dinmica tem por objetivo fornecer representaes dos objetos e relaes geomtricas que permitem ultrapassar as limitaes dos desenhos geomtricos7 no ambiente papel-lpis e facilitam a visualizao de propriedades geomtricas. (p. 202)

    Esses programas possibilitam a manipulao das figuras construdas ou apenas de alguns dos seus elementos, sendo que suas propriedades so conservadas apesar do movimento. A manipulao possvel por meio do recurso arrastar, o qual possibilita a transformao contnua de uma figura em tempo real e tambm a mudana de posio da figura na tela. Usando esses programas, as

    7 Distingue-se desenho e figura. Figura um objeto terico que representa um conjunto de objetos e

    relaes geomtricas (representa-se graficamente). Desenho uma representao grfica de uma figura sem respeitar rigorosamente as relaes.

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    concepes dos alunos a propsito da noo de figura geomtrica podem se modificar. Gravina (1996) salienta que nos ambientes de Geometria Dinmica:

    [...] conceitos geomtricos so construdos com equilbrio conceitual e figural. A habilidade de perceber representaes diferentes de uma mesma configurao se desenvolve; controle sobre configuraes geomtricas levam a descobertas de propriedades novas e interessantes. Os alunos desenvolvem algumas atitudes frente ao processo de aprender: experimentam, criam estratgias, fazem conjecturas, argumentam e deduzem propriedades matemticas. A partir de manipulao concreta do "desenho em movimento", passam para a manipulao abstrata atingindo nveis mentais superiores da deduo e rigor e desta forma entendem a natureza do raciocnio matemtico".(p.13)

    Os software que oportunizam investigao e explorao das propriedades das figuras geomtricas por meio de sua caracterstica dinmica permitem ao aluno desenvolver seu esprito de investigao, fazer conjecturas, desenvolver atividades manipulativas, ter seu ritmo individual, proporcionando, com isso, as novas formas de pensar e novas formas de resolver problemas.

    Levando em considerao a importncia desse recurso para o ensino, para a aprendizagem e de modo geral para a educao, bem como a importncia do ensino de geometria onde tambm existem grandes problemas de aprendizagem, entende-se que a informtica pode contribuir para a melhoria desse quadro, conforme indicaes de vrias pesquisas. Gravina (1996) salienta que v emergir uma nova forma de ensinar e aprender Geometria; a partir de explorao experimental vivel somente em ambientes informatizados (p.01).

    Henriques (1999) ressalta que o software de geometria dinmica (Cabri-Gomtre II) uma alternativa para a efetivao do ensino de geometria [...]. um software que oferece aos alunos a possibilidade de descortinar um leque de oportunidades na construo de seus conhecimentos (p.136).

    Silva (1997) argumenta que preciso enxergar o conceito no campo geomtrico [...] um conceito pode ser explorado em diversos campos e situaes, permitindo dessa forma uma compreenso melhor do mesmo (p.48). Ressalta, tambm, que a utilizao do software de geometria dinmica (Cabri II) permite compreender as relaes e propriedades geomtricas.

    Introduzir e utilizar as novas formas de ensino com o auxlio das Novas Tecnologias da Informao so tarefas importantes para os educadores. Um dos software que atualmente vem contribuindo com essa nova forma de ensino o

  • 30

    software Cabri-Gomtre II, como tm mostrado as pesquisas mencionadas e que ser utilizado nesta pesquisa para aplicao de uma seqncia didtica.

    1.2.2.1 O Software Cabri-Gomtre II

    O software Cabri-Gomtre II foi desenvolvido na Frana, no Laboratrio de Estruturas Discretas e de Didtica do Instituto de Informtica e Matemtica Aplicada de Genoble IMAG, na Universidade Joseph Fourier de Grenoble, por um grupo de pesquisadores coordenados por Jean Marie Laborde. Ele um software didtico e interativo, que permite o estudo da geometria elementar numa linguagem muito prxima do universo papel-e-lpis. Ao entrar no programa, o indivduo tem a sua disposio os cones e os botes das ferramentas de que o software dispe. Alm disso, existe uma pgina em branco disponibilizando espao para o desenvolvimento das atividades. O Cabri-Gomtre II caracterizado como um software aberto por proporcionar uma interao entre o indivduo e seus comandos, ou seja, o aluno quem determina o que vai ser executado na tela. A seguir apresentada a tela inicial do Cabri II com uma construo.

    Barra de menu Barra de ferramentas

    Figura

    Janela de ajuda

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    Para o desenvolvimento de atividades, inicialmente deve-se escolher as ferramentas que sero utilizadas e executar determinadas operaes de acordo com o que se pretende realizar. Neste trabalho sero utilizadas apenas algumas das ferramentas que esse software disponibiliza, como as que so mostradas a seguir:

    Com esse software, possvel criar e construir figuras que podem ser transformadas a partir do deslocamento de seus elementos primitivos (vrtices, centros, lados etc), conservando as propriedades. Essas transformaes so visveis

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    em tempo real, fato que impossvel com a utilizao do lpis e papel, a menos que se faa uma infinidade de construes sucessivas o que certamente levaria qualquer um exausto. Ele permite aos alunos visualizarem, na tela do computador, diferentes desenhos correspondentes a uma mesma descrio. Possibilita, ainda, a manipulao e observao dos objetos construdos, aspectos esses importantes na construo dos conceitos geomtricos, bem como na construo da percepo espacial. A seguir, tem-se o exemplo de uma figura na qual foi deslocado um dos seus elementos, mas que continua com as mesmas propriedades.

    Esse software til tambm para se trabalhar alguns contedos da lgebra (grficos), da trigonometria, da geometria espacial (perspectivas de figuras espaciais), da geometria descritiva, entre outros. Outra caracterstica importante desse software que ele permite modificar profundamente as relaes entre desenho e figura geomtrica, relaes que no so simples para o aluno na mdia habitual (papel-e-lpis). Laborde (1994) destaca que [...] a figura o objeto terico geomtrico [...] ao passo que o desenho uma representao grfica deste objeto terico (p.01). Essa autora cita como exemplo de desenho um trao na areia ou no papel. Sangiacomo (1996) define figura geomtrica como um conjunto de pares ordenados que tem como primeiro termo o referente (objeto geomtrico) e como segundo termo um dos desenhos que o representa (p. 49).

    Baldin & Villagra (2002) observam que entre as possibilidades que a informtica, em particular o software Cabri-Gomtre II, pode apresentar ao processo de ensino aprendizagem esto:

    1. a linguagem visual, que estimula novo meio de comunicao de conceitos abstratos, tornando a tarefa de compreenso da linguagem matemtica mais agradvel;

  • 33

    2. a interatividade, que por meio das experincias introduzidas em laboratrios proporcionam o esprito de investigao de propriedades, conjecturas de novas propriedades, confirmao de resultados, entre outras;

    3. o desenvolvimento de atividades manipulativas concretas, que permitem o acompanhamento mais personalizado da aprendizagem, respeitando tambm as diferenas individuais; etc.

    De acordo com os aspectos citados, fica evidenciado que a linguagem desse software apropriada para a construo dos conceitos geomtricos, bem como para estimular o desenvolvimento do raciocnio matemtico, uma vez que o mesmo permite que os alunos faam conjecturas, verifiquem seus erros e faam a validao de suas hipteses.

    O software Cabri-Gomtre II foi escolhido como recurso informtico para a realizao da parte experimental desta pesquisa por ser um software que permite construir e explorar de forma interativa os objetos geomtricos, por oferecer condies ao aluno de observar, manipular e construir figuras geomtricas numa linguagem bastante prxima do papel-e-lpis e, principalmente, por permitir que uma figura seja deformada respeitando suas propriedades. Um ponto essencial, quando se trabalha com as novas tecnologias da informtica, que o aluno consiga, ao final da aprendizagem, transferir esses conhecimentos para o papel, aspecto que ser considerado nesta pesquisa.

    Outros fatores que influram na escolha do Cabri-Gomtre II, que esse software oferece ao aluno a oportunidade de construir seu prprio conhecimento de forma interativa e tambm por ser um software que exige poucas habilidades na rea da informtica. Assim sendo, pretende-se investigar se uma seqncia didtica utilizando o software Cabri-Gomtre II pode contribuir para a construo dos conceitos de rea e permetro.

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    2 FUNDAMENTAO TERICA

    Este captulo trata da fundamentao terica desta pesquisa, que se apia na Teoria de Situaes Didticas de Guy Brousseau e em outros aspectos da didtica francesa, tais como: contrato didtico (tambm de Brousseau); transposio didtica e transposio informtica (de Yves Chevallard).

    2.1 SITUAES DE ENSINO E APRENDIZAGEM

    Para o aluno, o significado do saber matemtico est intimamente ligado maneira como o contedo lhe apresentado. Assim sendo, segundo Freitas (2002), o envolvimento do aluno depender de como as diversas atividades de aprendizagem so estruturadas por meio de uma situao didtica.

    A didtica da matemtica tem como objeto de estudo o ensino de matemtica. Saber o que acontece numa situao de ensino seu objeto principal, mas isso no se faz apenas pelo resultado de uma observao, mas pela anlise que apoiada no conhecimento dos fenmenos que definem o que se conserva e o que deixa de ser invariante na situao, como menciona Brousseau (1986). Apesar disso, a didtica da matemtica no visa recomendar modelos ou receitas de soluo dos problemas de aprendizagem, mas, a partir dos resultados de pesquisas que interligam teoria e prtica, desenvolvidas em sala de aula, pode fazer indicaes de propostas pedaggicas que possam contribuir para uma compreenso mais ntida dos fenmenos da aprendizagem da matemtica, contribuindo, assim, para a melhoria do seu ensino e da construo de significados pelos alunos.

    A Teoria das Situaes Didticas, desenvolvida na Frana por Guy Brousseau, na dcada de 80, modeliza o processo de aprendizagem matemtica em sala de aula interligando professor, aluno e o conhecimento matemtico. O objeto de estudo dessa teoria constitudo por esses trs elementos, os quais compem o sistema didtico. Essa modelizao tem duas grandes finalidades: uma relacionada ao conhecimento e a outra atividade de ensino. Nessa modelizao, o conhecimento deve aparecer como a soluo de um problema, ou

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    como o meio de estabelecer boas estratgias. Num primeiro momento, as solues podero ser encontradas por meio da lgica, da histria da cincia, da anlise da matemtica ou da didtica. Brousseau (1986) argumenta que o jogo especfico de um saber deve justificar a sua utilizao e/ou o seu aparecimento, de acordo com a didtica terica (p.75).

    Nessa modelizao, as atividades de ensino devem representar todas as situaes observadas na sala de aula, inclusive as menos satisfatrias. As representaes observadas devem ser consideradas a partir do momento em que as atividades consigam levar os alunos a apropriar-se de uma forma visada de saber. Com isso ser levantada, por meio das escolhas dos valores de determinadas variveis feitas pelos alunos, a caracterstica dessa relao com o saber visado.

    Brousseau (1986) ressalta que:

    Uma situao didtica um conjunto de relaes estabelecidas explicitamente e ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar um saber constitudo ou em vias de constituio[...] o trabalho do aluno deveria pelo menos em parte, reproduzir caractersticas do trabalho cientfico propriamente dito, como garantia de uma construo efetiva de conhecimento pertinente. (apud FREITAS, 2002, p.67)

    Freitas (2002) salienta que na estrutura terica das situaes didticas relacionam-se vrios componentes, sendo o contrato didtico um desses, o qual regulamenta toda situao didtica.

    O contrato didtico surge quando acontece a relao professor-aluno-saber. Ele est interligado diretamente com o contedo especfico a ser estudado, o objeto de ensino e aprendizagem numa aula. Por essa razo ele abordado nesta pesquisa, pois a preocupao deste trabalho com o conhecimento matemtico, especificamente o contedo de rea e permetro. Considera-se a definio de Brousseau (1986), na qual contrato didtico

    [...] uma relao que determina, explicitamente em pequena parte, mas sobretudo implicitamente, aquilo que cada parceiro, o professor e o aluno, tem a responsabilidade de gerir e pelo qual ser, de uma maneira ou outra, responsvel perante o outro (p. 51).

    Segundo Brousseau (1986), o conjunto de comportamentos do professor que so esperados pelos alunos e o conjunto de comportamentos dos

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    alunos que so esperados pelo professor assemelham-se a um contrato, pois se tornam um sistema de obrigaes recprocas entre as partes, relacionado a um conhecimento. Brousseau (1986) argumenta que:

    Saber matemtica no apenas saber definies e teoremas, a fim de reconhecer as ocasies em que eles podem ser utilizados e aplicados; sabemos perfeitamente que fazer matemtica implica resolver problemas. [...] resolver problemas apenas uma parte do trabalho; encontrar boas questes to importante como encontrar boas solues para elas. Uma boa reproduo pelo aluno de uma atividade cientfica exige que ele aja, formule, prove, construa modelos, linguagens, conceitos, teorias, os troques com outros, reconhea aqueles que so conforme a cultura e retire desta, aqueles que lhe so teis (p.38).

    Cabe ao professor, ento, propor atividades de forma que os conhecimentos apaream como solues possveis de serem descobertas pelos alunos, possibilitando, assim, verificar se houve aprendizagem ou no.

    De acordo com Silva (2002), a prtica pedaggica mais comum em matemtica parece ser ainda aquela em que o professor cumpre o seu contrato dando aula expositiva, na qual a parte do contrato especfica do professor propor problemas de um referido contedo j explicado ou definido, nos quais o enunciado contenha dados necessrios que permitam encontrar a soluo. Caso no encontre, o professor deve conduzir o aluno ao algoritmo que solucione o problema. Essas atitudes so denominadas por Brousseau (1986) de efeito Topzio8 e, dessa forma, esvazia o significado e o sentido do conhecimento almejado. Segundo esse autor, o sentido de um conhecimento provm, em grande parte, do fato do aluno adquiri-lo adaptando-se s situaes didticas que lhe so propostas (devolvidas) (p.66).

    Nesse sentido, Brousseau (1986) salienta que quanto mais o professor revela o que deseja e mais precisamente diz ao aluno aquilo que ele deve fazer, mais priva o aluno das condies necessrias compreenso e aprendizagem do conceito visado. Por outro lado, se o aluno aceitar que o professor lhe ensine os resultados que ele deve produzir como respostas, sem ter ele mesmo feito as escolhas que caracterizam o saber, no ir aprender matemtica dessa forma, no se apropriando, assim, dos conhecimentos.

    8 O professor acaba por se encarregar do essencial do trabalho e se os conhecimentos visados

    desaparecem diante das atitudes do professor, estamos perante o Efeito Topzio segundo Brousseau (1986).

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    Para Silva (2002), grande parte das dificuldades dos alunos causada pelos efeitos do contrato mal-colocado ou mal-entendido, que pode estabelecer um acordo entre professor e aluno: o professor limita sua exigncia imagem que fez da capacidade do aluno e este, por sua vez, limita seu trabalho imagem de si prprio que o professor lhe refletiu (p.54).

    Silva (2002) ressalta, ainda, algumas regras vigentes que foram destacadas por Chevallard (1988) em seu trabalho. Essas so muitas vezes internalizadas pelos alunos e implicam na construo da aprendizagem dos mesmos. Destacam-se neste trabalho algumas delas:

    Sempre h uma resposta, conhecida pelo professor e que deve ser apresentada na correo do problema.

    Para resolver um problema de matemtica preciso encontrar os dados no seu enunciado.

    Em matemtica, resolve-se um problema efetuando-se operaes, bastando encontrar a operao apropriada. No enunciado h palavras-chaves que auxiliam a escolha dessa operao.

    O contrato didtico deve ser estabelecido em funo da aprendizagem dos alunos. Em cada etapa da construo do conhecimento deve haver uma renegociao. Se o contrato didtico for mal interpretado pelo professor ou pelo aluno, poder levar ao fracasso escolar, ao invs de uma aprendizagem que tenha sentido e significado.

    Espera-se, nesta pesquisa, uma ruptura do contrato didtico no sentido descrito (regras vigentes destacadas por Chevallard) para, com isso, verificar se os alunos constroem os conceitos de rea e permetro. As atividades sero propostas de forma que eles no identificaro, pelo menos a princpio, os contedos especficos que estaro estudando, diferentemente de uma aula expositiva utilizando o livro didtico, na qual os alunos tendem a resolver as atividades seguindo alguns passos ou frmulas apresentadas pelo professor ou pelo livro. A resposta das atividades no ser fornecida aos alunos. Eles devero obt-las no desenvolvimento das atividades, bem como construir o conhecimento por meio das mesmas e pela interao com o software utilizado no desenvolvimento da seqncia didtica. Alm disso, o aluno ter um papel ativo no processo de aprendizagem, ou seja, ser deixado de lado o tipo de aula em que o professor explica e o aluno escuta e copia.

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    Nesta pesquisa tambm ser respeitado o ritmo individual do aluno, fato que muitas vezes no ocorre na mdia usual (lpis-e-papel). Outros dois aspectos, que possivelmente estaro implcitos na ruptura do contrato didtico desta pesquisa, sero o fato de os alunos no conhecerem a postura da pesquisadora, enquanto professora, e tambm o fato de eles nunca terem tido aulas de matemtica utilizando a informtica, pois nesse caso a mudana de contrato grande diante da mudana de ambiente de aprendizagem.

    A forma como o professor prope atividades de ensino aos alunos tambm est relacionada ao contrato didtico e, como j foi mencionado anteriormente, so vrios componentes que permeiam as estruturas da situao didtica. Assim, outro aspecto fundamental que ser considerado nessa pesquisa a situao a-didtica, que se refere s atividades propostas.

    Na situao a-didtica no aparece a inteno de ensinar, mas essa continua especfica do saber. Ela caracterizada por Brousseau (1986) da seguinte maneira:

    professor escolhe problemas de forma que o aluno possa aceit-los e, ainda, que os leve a agir, falar, refletir e evoluir por si prprio.

    professor no deve intervir como aquele que proponente dos conhecimentos que pretende que o aluno construa.

    problema deve ser escolhido para levar o aluno a adquirir um conhecimento justificado pela lgica interna da situao.

    Dessa forma, o aluno ter construdo efetivamente o conhecimento se for capaz de aplic-lo, por si prprio, s diferentes situaes com as quais se depara fora do contexto escolar e na ausncia de qualquer indicao intencional.

    Esse processo de ensino e aprendizagem ocorre por meio da devoluo de um problema ao aluno. A devoluo, segundo Freitas (2002), o ato pelo qual o professor prope atividades de forma que o aluno tome o problema como seu e aceite o desafio de resolv-lo, ou seja, aceite a responsabilidade de uma situao de aprendizagem. Se o aluno aceita esse desafio intelectual da necessidade da resoluo do problema, inicia-se, assim, o processo de aprendizagem.

    Brousseau (1986) salienta que por meio da devoluo que o professor coloca o aluno em situao a-didtica e, alm disso, exemplifica a

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    devoluo de uma situao a-didtica por meio de cinco etapas, definindo as suas diferentes componentes.

    Primeira etapa: abordagem puramente ldica. Os alunos no compreendem nessa etapa que existem resultados desejados.

    Segunda etapa: devoluo de uma preferncia. Os alunos percebem que existem resultados esperados, mas referem-se a esses como se fossem por acaso.

    Terceira etapa: devoluo de uma responsabilidade e de uma causalidade. Para se responsabilizar pelos fatos ocorridos, os alunos precisam compreender que existem vrias possibilidades para os resultados, e que existe uma relao entre as decises que tomou e o resultado que conseguiu. No final da resoluo, os alunos ainda podem perceber que poderiam ter utilizado outros procedimentos.

    Quarta etapa: devoluo da antecipao. Nessa etapa, a relao entre a deciso e o resultado deve ser considerada antes da deciso, ou seja, o aluno encarrega-se das antecipaes que excluem qualquer interveno oculta. nessa etapa que eles formulam as hipteses.

    Quinta etapa: devoluo da situao a-didtica. O aluno tem que reconhecer o que aprendeu e reproduzir esse conhecimento vrias vezes em circunstncias variadas. Ele deve estar consciente desta capacidade de reproduo e ter conhecimento, pelo menos, intuitivo das condies que lhe permitem ter boas possibilidades de xito. Nessa etapa, o que o aluno aprendeu no descrito como procedimentos fixos. Assim, a devoluo no diz respeito ao objeto do ensino, mas s situaes que o caracterizam.

    Brousseau (1986) desenvolve as fases das situaes a-didticas, com a finalidade de analisar o processo de aprendizagem da matemtica, que so: situao de ao, de formulao e de validao, as quais so de responsabilidade do aluno. Segundo Artigue (1988), a necessidade de dar um estatuto cultural ao conhecimento em jogo fez com que fosse introduzida a situao de institucionalizao que, juntamente com a devoluo, considerada uma das principais atividades do professor numa situao de ensino.

    Na didtica da matemtica, segundo Brousseau (1986), [...] o ensino a devoluo ao aluno de uma situao a-didtica e a aprendizagem uma adaptao a esta situao. (p.51). O que estimula o processo ensino e

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    aprendizagem da matemtica a resoluo de problemas, segundo a teoria de situaes didticas. Ao professor cabe propor problemas por meio da devoluo e fazer a institucionalizao do saber. O trabalho pedaggico tem incio com a escolha de problemas adequados, sendo essa uma tarefa do professor. Alm disso, aps a experimentao, na qual o aluno elabora o conhecimento de forma ampla, cabe ao professor, com a participao ativa do aluno, fazer a institucionalizao, ou seja, atribuir um estatuto cultural a esse conhecimento.

    O esquema abaixo representa as diferentes fases de uma situao didtica, conforme a teoria das situaes didticas de Brousseau, no qual se destacam os diferentes papis do professor e do aluno.

    O desenrolar da situao didtica Fonte: Gravina (2001)

    Situao de ao: Na situao de ao, proposto ao aluno problema com algumas condies, em que a soluo obtida mediante um conhecimento a ser ensinado, provocando uma aprendizagem por adaptao. Em uma situao de ao, o aluno fornece a soluo, mas no necessariamente faz formulaes, provas, ou sistematizaes. Nessa situao, o professor no faz intervenes. As informaes so devolvidas pela situao e devem ser percebidas pelo aluno, o qual devolve tambm informaes sobre as conseqncias da ao. O aluno manifesta suas escolhas e decises sobre a influncia do meio, e produzido um dilogo entre o aluno e a situao conforme o esquema abaixo.

    O desenrolar da situao de ao Fonte: Brousseau (1986)

    Alunos

    Professores e alunos

    Professores1. Contextualizao + devoluo

    2. Situao a-didtica Ao

    Formulao Validao

    3. Institucionalizao

    Situao

    Sujeito Informao

    Ao

    confirmao

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    Situao de formulao: Situao em que o aluno troca informaes com uma ou vrias pessoas e comunica as estratgias e os procedimentos utilizados na resoluo do problema. Essa comunicao feita em linguagem matemtica pode ser escrita ou oral.

    O desenrolar da situao de formulao Fonte: Brousseau (1986)

    Situao de validao: a fase em que o aluno deve demonstrar porque o modelo criado por ele vlido. Para construir uma demonstrao de modo que essa tenha sentido para o aluno, necessrio que ele convena outra pessoa, verificando e validando, assim, as afirmaes feitas nas situaes de ao e formulao.

    O desenrolar da situao de validao Fonte: Brousseau (1986)

    Situao

    Mensagem

    Emissor

    Receptor

    Informao

    Ao insuficiente

    confirmao

    ao

    confirmao

    Situao

    Teoria

    Proponente

    Oponente

    Informao

    Informao

    confirmao

    confirmao

    confirmao

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    Situao de Institucionalizao: Na institucionalizao, o professor define as relaes que os comportamentos ou as produes livres, como atividades, linguagens e conhecimento expressados por proposies do aluno, podem ter com o saber cultural ou cientfico e com o projeto didtico. Segundo Freitas (2002), cabe ao professor organizar uma sntese do conhecimento com a finalidade de lev-lo a um status de um saber que no dependa mais dos aspectos subjetivos e particulares, conferindo-lhe um tipo de validade cultural.

    O desenrolar da situao de institucionalizao Fonte: Brousseau (1986)

    Outro componente da estrutura terica da teoria das situaes didticas que tambm considerado nesta pesquisa a transformao dos saberes em saber a ser ensinado, denominada de transposio didtica. Aborda-se a seguir esse componente, uma vez que a forma como a matemtica chega aos nossos alunos influenciam fortemente a construo do conhecimento.

    2.1.1 Saber e Conhecimento

    Conne (1992) argumenta que o termo transposio didtica, desenvolvido por Yves Chevallard, um caso especial da transposio do saber. Para esse autor, saber e transposio andam juntos, o que torna necessria uma distino entre saber e conhecimento e ele faz essa distino salientando que,

    Quando o sujeito reconhece o papel ativo de um conhecimento sobre a situao, para ele, o lao indutor da situao sobre este conhecimento torna-se irreversvel, ele sabe. Um conhecimento assim identificado um saber, um conhecimento til, utilizvel, no sentido em que permite ao sujeito agir sobre a representao (p.221).

    Ele ainda ressalta que, nas linguagens mais comuns, o saber oposto ao conhecimento, na medida em que descontextualizado,

    Sujeito 1

    Sujeito 2

    Situao

    Informao

    Estatuto Conhecimento

    Cultural

    Registro

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    despersonalizado, e mesmo scio-culturalmente institudo.(CONNE, p .222). Por outro lado, o conhecimento, segundo Pais (2002), sempre diz respeito ao contexto individual e subjetivo, revelando algum aspecto com o qual o sujeito tem uma experincia direta e pessoal.

    No contexto do ensino da matemtica, Brousseau (1986) citado por Pais (2002) e por Conne (1992), faz tambm essa distino entre conhecimento e saber, evidenciando o aspecto da utilidade, o qual analisa segundo as situaes didticas envolvidas em cada caso. Nessa anlise, o saber aparece associado institucionalizao do conhecimento, enquanto o conhecimento aparece vinculado ao aspecto experimental, isto , na ao. Para Brousseau (1986), um saber um conhecimento institucionalizado. Conne (1992) salienta tambm que o estudo do conhecimento procede de uma transposio de saber (p. 221).

    O saber cientfico, isto , aquele saber puro, produzido pelo matemtico, para tornar-se um saber a ser ensinado, passa por transformaes at ser o objeto de ensino. Toda noosfera9 participa dessa transformao, ou seja, professores, autores de livros didticos, elaboradores de currculo, polticos etc. Com essas transformaes, muitas vezes apagada a histria desses saberes, a sucesso das dificuldades e das questes que provocaram o aparecimento de conceitos fundamentais, bem como a sua utilizao para a colocao de novos problemas, a colocao de tcnicas e de questes resultantes dos progressos, a rejeio de determinados pontos de vista, considerados falsos ou inadequados. O verdadeiro funcionamento da cincia ocultado, pois impossvel comunicar fielmente seus passos. Assim sendo, so feitas as diversas transformaes, com a finalidade de tornar o seu ensino mais fcil e com isso acaba-se isolando variveis que deram o sentido, a motivao e a sua utilizao, transpondo-as para o contexto escolar, dando-se assim a transposio didtica segundo Brousseau (1986).

    Chevallard (1991) define transposio didtica como

    Um contedo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre ento um conjunto de transformaes adaptativas que vo torn-lo apto a tomar lugar entre os objeto de ensino. O trabalho, que de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, chamado de transposio didtica. (apud PAIS, 2002)

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    Noosfera o conjunto das fontes de influncia que atuam na seleo dos contedos, que devero compor os programas escolares e que determinam o funcionamento do processo didtico.(Pais 2002).

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    Para analisar o processo da transposio didtica, Brousseau (1986) situa esse processo em trs etapas: o trabalho do matemtico, o trabalho do professor e o trabalho do aluno.

    O trabalho do matemtico: Sendo o matemtico o produtor do saber, ele despersonaliza, descontextualiza e destemporaliza o mais possvel os seus resultados, para que o leitor possa tomar conscincia da validade desse saber, sem realizar ele prprio o caminho percorrido pelo matemtico.

    O trabalho do professor: O trabalho do professor o inverso do trabalho do matemtico, pois papel daquele produzir uma recontextualizao do saber, para que esse se transforme no conhecimento do aluno, de forma que tenha algum sentido.

    O trabalho do aluno: O aluno deve receber esse mesmo saber, mas de forma adaptada, ou seja, depois que o professor fez a recontextualizao desse saber. Ele tem ento que redescontextualizar e redespersonalizar o saber, e tem de faz-lo de maneira a identificar sua produo com o saber em curso na comunidade cientifica universal e cultural da sua poca.

    Qualquer comunicao de um saber precisa ser transformada em funo da comunidade alvo dessa comunicao, segundo Bellemain (2000). Para ele, a transformao didtica estuda esse processo de aprendizagem e, portanto, investiga a transformao de saberes de referncia para produzir saberes a ensinar. (p.199). Esse autor, ainda, argumenta que a transposio didtica deve adaptar-se a exigncias prprias de aprendizagem, isto , adaptar-se s condies materiais de ensino e hipteses de aprendizagem.

    A figura representa o esquema da transposio didtica proposto por Balacheff (1991).

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    Esquema da transposio didtica Fonte: Balacheff (1991)

    Conforme o esquema da transposio didtica, o professor no tem, na maioria das vezes, acesso ao saber cientfico. Grande parte da transposio didtica fica por conta dos autores de livros didticos e tambm dos elaboradores de currculo. Entretanto o professor participa efetivamente dessa transposio didtica no momento de reorganizar os conhecimentos para poder ensin-los. Brousseau (1986) ressalta que o professor faz isso de acordo com a epistemologia que sustenta toda sua prtica pedaggica, iniciando, assim, um processo de modificao dos conhecimentos que altera sua organizao, a sua importncia relativa, a sua apresentao e a sua origem.

    Pais (2002) argumenta que no interior da prtica pedaggica do professor existe um conjunto de crenas, que acabam enrijecidas pelo tempo e podem determinar um olhar puramente pessoal sobre a cincia ensinada e as conseqncias dessa postura podem tornar o objeto de ensino inexpressivo para os alunos.

    Do ponto de vista social, o processo de transposio didtica integra-se tambm s exigncias da sociedade sobre a escola e sobre o papel dela como formadora de indivduos nas estruturas scio-econmicas, salienta Bellemain (2000). Atualmente tem-se necessidade de uma formao mais geral do indivduo, na qual ele tenha conhecimentos suficientes que permitam uma compreenso e uma capacidade de adaptao s rpidas mudanas que ocorrem na sociedade.

    Entre os fatores, que podem influenciar a determinao do saber a

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    ensinar, esto os resultados de pesquisas sobre aprendizagem, mas, para integrar esses resultados, exige-se uma reformulao de grande parte do sistema de ensino. Entre vrios aspectos, implicaria inclusive na formao continuada do professor. Sabe-se que as condies atuais de ensino, em grande parte das escolas pblicas do Ensino Fundamental e Mdio, favorecem o ensino tradicional, inclusive pela prpria formao do professor, que em muitos casos tambm foi formado por um ensino tradicional, formando-se um crculo vicioso que dificulta a introduo de algumas mudanas. Para Bellemain,

    Uma transposio didtica integrando as reflexes sobre aprendizagem, alm de determinar novos contedos e novas formas de ensinar esses contedos, deve considerar a questo da preparao dos professores para as novas formas de ensino (2000, p.200).

    Outro fator, que tem influenciado e que tende a influenciar cada vez mais na transposio didtica, so os recursos tecnolgicos da informtica. Pesquisas apontam para grandes mudanas na forma de ensinar, bem como na reestruturao e reorganizao dos contedos. Portanto, a transposio didtica, est sendo adaptada e estendida tambm para a introduo e dimenso da informtica, originando com isso o conceito de transposio informtica, aspecto que tambm considerado nesta pesquisa.

    Muitos pesquisadores e profissionais, das vrias reas envolvidas na criao de tecnologias informticas para o ensino aprendizagem, tm mostrado que necessria uma interao entre educao, didtica, psicologia cognitiva, cincia da computao e outras reas. Para o desenvolvimento de software especficos para a construo de conhecimentos, imprescindvel que sejam compartilhados e integrados os diferentes mtodos e conceitos dessas reas mencionadas, ressalta Bellemain (2000).

    Se a transposio didtica analisa os fenmenos de transformao do saber em saber a ensinar, logo essas consideraes e preocupaes devem estar presentes tambm na produo de softwares educativos, assim como na integrao das novas tecnologias da informtica no ensino. O computador por si s, segundo Bellemain (2000), j participa dessa transformao.

    O conceito de transposio informtica foi introduzido por Balacheff (1991), com a finalidade de caracterizar as transposies do saber a ensinar com

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    sua mediatizao por meio do computador. O termo considerado um complemento da transposio didtica que integra a dimenso informtica ao saber a ser ensinado.

    A figura mostra um esquema de transposio informtica proposta por Balacheff (1991)

    Esquema da transposio informtica Fonte: Balacheff (1991)

    O computador est presente em quase todos os nveis profissionais e tende estar ainda mais. Com isso, a informtica na determinao do saber a ensinar passa a ter uma forte dimenso social. Portanto, a escola deve us-lo no processo ensino aprendizagem prevendo e adaptando suas atividades de ensino.

    Ao usar a informtica em situaes de aprendizagem, seja por meio de software, internet ou outros meios, os alunos passam a ter acesso a muito mais informaes e saberes em menos tempo do que por meio de livros didticos ou aulas expositivas, por exemplo, fator bastante relevante para uma sociedade que aumenta a quantidade de informaes em pouco tempo.

    Com a introduo da informtica na transposio didtica, necessrio repensar as estruturas de ensino, os tipos de atividades desenvolvidas

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    para os alunos, os diversos contedos e tambm o papel do professor. Bellemain (2000) argumenta que, com o uso das novas tecnologias da informtica, ocorre uma aproximao do tempo de aprendizagem com o tempo de ensino, uma vez que o computador se encarrega de algumas tarefas, como, por exemplo, os clculos e as representaes grficas, permitindo organizar maior nmero de atividades conceituais, ao contrrio de uma aula expositiva. Para ele, nesse tipo de aula, existe uma certa distncia entre o tempo de ensino e o tempo de aprendizagem. A situao descrita implica na formao continuada do professor, pois atualmente grande parte deles no tem instruo e conhecimentos suficientes para utilizar o computador como recurso pedaggico.

    Considera-se, neste estudo, a importncia das diferentes representaes grficas dos objetos que a informtica possibilita e que auxiliam fortemente a construo dos conceitos. Sabe-se que na mdia usual (lpis-e-papel) quase sempre um objeto (uma figura) representado graficamente apenas em uma posio, o que pode criar um conceito imagem e limitar a percepo do aluno. Vinner e Hershkowitz (1980) ressaltam que,

    [...] em pensamento, as pessoas no usam definies e conceitos, mas sim conceitos imagens, combinaes de todas as figuras mentais e propriedades que podem ser associadas a um conceito, o que se denomina de conceito imagem. (Apud CLEMENTES & BATTISTA, 1992)

    Nesta pesquisa, trabalha-se com o software Cabri-Gomtre II, para a construo do conceito de rea e permetro por meio de uma seqncia didtica. As atividades esto ligadas resoluo de problemas e co