Diversidade morfo-anatômica da estrutura subterrânea de ... · morfologias na estrutura...

3
1. Instituto de Biociências - USP, Departamento de Botânica, Laboratório de Anatomia Vegetal, São Paulo, SP, Brasil. [email protected]. 2. Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, BA, Brasil. Auxílio: CAPES e CNPq. Diversidade morfo-anatômica da estrutura subterrânea de três espécies de Arrojadoa Britton & Rose (Cactoideae, Cactaceae). Renata Cristina Cassimiro de Lemos 1 , Marlon Machado 2 & Gladys Flávia Melo-de-Pinna 1 Palavras-chave: Cactaceae, Arrojadoa, raiz contrátil, caule subterrâneo, tubérculo Introdução Arrojadoa Britton & Rose é gênero endêmico do Brasil, ocorrendo em ambientes característicos de caatinga-agreste e campos rupestres, incluindo também regiões de cerrado (Taylor & Zappi 2004). Trabalhos anatômicos envolvendo o gênero Arrojadoa foram realizados por Soffiatti & Angyalossy (2007), que descrevaram o caule aéreo de quatro espécies (Arrojadoa bahiensis (Braun & Esteves) Taylor & Eggli, A. dinae Buining & Brederoo, A. penicillata (Gürke) Britton & Rose e A. rhodantha (Gürke) Britton & Rose). Para a família, Gibson & Nobel (1986) apontam cinco tipos de sistemas radiculares: 1. série de raízes superficiais, horizontais, que se irradiam da planta para todas as direções; 2. raízes laterais superficiais e uma raiz principal que penetra profundamente no solo, ancorando a planta (encontrado em cactos colunares); 3. sistema compacto, consistindo de raízes curtas, que se desenvolvem na base da planta; 4. única raiz tuberosa, com poucas ou nenhuma raiz lateral; e 5. exclusivamente raízes adventícias. Até o momento, as estruturas subterrâneas armazenadoras em Cactaceae são descritas como raízes tuberosas, podendo ser de origem da raiz primária ou de raízes adventícias. No entanto, a partir de observações no campo em espécies de Arrojadoa, foi possível distinguir diferentes morfologias na estrutura subterrânea. Assim sendo, o objetivo do presente trabalho é analisar a estrutura subterrânea de três espécies de Arrojadoa, tendo como ênfase a caracterização anatômica e morfológica, a fim de registrar e compreender a diversidade dessas estruturas em Arrojadoa. Material e Métodos Para o presente trabalho foram selecionados três táxons: Arrojadoa dinae Buining & Brederoo, Arrojadoa hofackeriana (P.J. Braun & Esteves) P.J. Braun & Esteves, Arrojadoa bahiensis (P.J. Braun & Esteves) Taylor & Eggli, coletados na Chapada Diamantina, Bahia. Após caracterização morfológica e os registros fotográficos, amostras da região mediana das diferentes estruturas do sistema subterrâneo foram fixadas em FAA 50 (formaldeído, ácido acético glacial e etanol 50% - Johansen 1940), sendo após 48 horas armazenadas em etanol 70%. O material foi seccionado transversal e longitudinalmente com o auxílio de lâmina de barbear (Johansen 1940). Sendo clarificados em água sanitária 50%, lavados em água destilada e corados com safranina 1% e azul de Astra 1% (1:9) em etanol 50%, metodologia modificada da descrita por Bukatsch (1972). Lâminas semipermanentes foram confeccionadas em glicerina 50% (Purvis et al.1964). O registro fotográfico foi realizado a partir do Sistema de Digitalização de Imagem IM50 acoplado ao microscópio Leica DMLB. Resultados e Discussão O sistema subterrâneo das espécies aqui analisadas, excetuando Arrojadoa bahiensis, possui estrutura mais complexa do que aquelas relatadas para a família e sintetizadas por Gibson & Nobel (1986). A. dinae apresenta variação na estrutura entre os indivíduos. Nesta espécie foram observados indivíduos que apresentam apenas uma raiz principal contrátil (Fig.1A), e outros em que ocorrem segmentos caulinares subterrâneos (tubérculos), originados das aréolas mais basais do segmento caulinar aéreo, sendo que em alguns casos não há uma raiz principal (Fig. 1B). Arrojadoa hofackeriana apresenta morfologia muito semelhante à A. dinae, sendo observado em um mesmo indivíduo

Transcript of Diversidade morfo-anatômica da estrutura subterrânea de ... · morfologias na estrutura...

1. Instituto de Biociências - USP, Departamento de Botânica, Laboratório de Anatomia Vegetal,São Paulo, SP, Brasil. [email protected]. 2. Departamento de Ciências Biológicas, UniversidadeEstadual de Feira de Santana, Feira de Santana, BA, Brasil. Auxílio: CAPES e CNPq.

Diversidade morfo-anatômica da estrutura subterrânea de três espécies deArrojadoa Britton & Rose (Cactoideae, Cactaceae).

Renata Cristina Cassimiro de Lemos1, Marlon Machado2 & Gladys Flávia Melo-de-Pinna1

Palavras-chave: Cactaceae, Arrojadoa, raiz contrátil, caule subterrâneo, tubérculo

IntroduçãoArrojadoa Britton & Rose é gênero

endêmico do Brasil, ocorrendo em ambientescaracterísticos de caatinga-agreste e camposrupestres, incluindo também regiões decerrado (Taylor & Zappi 2004). Trabalhosanatômicos envolvendo o gênero Arrojadoaforam realizados por Soffiatti & Angyalossy(2007), que descrevaram o caule aéreo dequatro espécies (Arrojadoa bahiensis (Braun& Esteves) Taylor & Eggli, A. dinae Buining& Brederoo, A. penicillata (Gürke) Britton &Rose e A. rhodantha (Gürke) Britton & Rose).

Para a família, Gibson & Nobel (1986)apontam cinco tipos de sistemas radiculares:1. série de raízes superficiais, horizontais, quese irradiam da planta para todas as direções;2. raízes laterais superficiais e uma raizprincipal que penetra profundamente no solo,ancorando a planta (encontrado em cactoscolunares); 3. sistema compacto, consistindode raízes curtas, que se desenvolvem na baseda planta; 4. única raiz tuberosa, com poucasou nenhuma raiz lateral; e 5. exclusivamenteraízes adventícias.

Até o momento, as estruturassubterrâneas armazenadoras em Cactaceaesão descritas como raízes tuberosas, podendoser de origem da raiz primária ou de raízesadventícias. No entanto, a partir deobservações no campo em espécies deArrojadoa, foi possível distinguir diferentesmorfologias na estrutura subterrânea.

Assim sendo, o objetivo do presentetrabalho é analisar a estrutura subterrânea detrês espécies de Arrojadoa, tendo comoênfase a caracterização anatômica emorfológica, a fim de registrar e compreendera diversidade dessas estruturas em Arrojadoa.

Material e MétodosPara o presente trabalho foram

selecionados três táxons: Arrojadoa dinae

Buining & Brederoo, Arrojadoa hofackeriana(P.J. Braun & Esteves) P.J. Braun & Esteves,Arrojadoa bahiensis (P.J. Braun & Esteves)Taylor & Eggli, coletados na ChapadaDiamantina, Bahia. Após caracterizaçãomorfológica e os registros fotográficos,amostras da região mediana das diferentesestruturas do sistema subterrâneo foramfixadas em FAA 50 (formaldeído, ácidoacético glacial e etanol 50% - Johansen 1940),sendo após 48 horas armazenadas em etanol70%. O material foi seccionado transversal elongitudinalmente com o auxílio de lâmina debarbear (Johansen 1940). Sendo clarificadosem água sanitária 50%, lavados em águadestilada e corados com safranina 1% e azulde Astra 1% (1:9) em etanol 50%,metodologia modificada da descrita porBukatsch (1972). Lâminas semipermanentesforam confeccionadas em glicerina 50%(Purvis et al.1964). O registro fotográfico foirealizado a partir do Sistema de Digitalizaçãode Imagem IM50 acoplado ao microscópioLeica DMLB.

Resultados e DiscussãoO sistema subterrâneo das espécies aqui

analisadas, excetuando Arrojadoa bahiensis,possui estrutura mais complexa do queaquelas já relatadas para a família esintetizadas por Gibson & Nobel (1986). A.dinae apresenta variação na estrutura entre osindivíduos. Nesta espécie foram observadosindivíduos que apresentam apenas uma raizprincipal contrátil (Fig.1A), e outros em queocorrem segmentos caulinares subterrâneos(tubérculos), originados das aréolas maisbasais do segmento caulinar aéreo, sendo queem alguns casos não há uma raiz principal(Fig. 1B).

Arrojadoa hofackeriana apresentamorfologia muito semelhante à A. dinae,sendo observado em um mesmo indivíduo

tubérculos e raiz contrátil. Esta espécietambém exibe raizes espessadas de origemadventícia (Fig. 1C). Já A. bahiensis apresentauma morfologia simples, com raiz principalportando raízes laterais curtas na base (Fig.1D), o que poderia ser classificado como otipo “três” descrito por Gibson & Nobel(1986). Neste tipo há um sistema compacto,consistindo de raízes curtas, que sedesenvolvem na base da planta.

Anatomicamente, o caule subterrâneoapresenta características comumenteencontradas nos cladódios de outrasCactaceae, como córtex amplo contendocélulas mucilaginosas e feixes corticais, alémde uma grande quantidade de amiloplastos. Osistema vascular, em estrutura secundária,apresenta fibras na região pericíclica, e lenhofibroso em A. hofackeriana (Fig. 1E).Aspectos já descritos em Arrojadoa para ocaule aéreo (cladódio) por Soffiatti &Angyalossy (2007). Já em A. dinae, o xilemasecundário não forma fibras, apenaselementos de vaso e células parenquimáticas(Fig. 1F). Esta espécie também nãoapresentou fibras na região pericíclica dotubérculo.

As raízes espessadas em A.hofackeriana, apresentam uma ampla matrizde parênquima xilemático secundário, comoprincipal tecido de reserva de amido (Fig.1G). Com relação às raízes contráteispresentes em A. hofackeriana e A. dinae,foram observadas traqueídes com amploespessamento de parede secundária (“WBTs”– wide band tracheids) formando grande partedo sistema vascular secundário (Fig. 1H, 1I e1J). A função dessas traqueídes ainda édiscutida, podendo estar relacionada àresistência ao estresse hídrico, impedindo ocolapso da célula, ao mesmo tempo em quepermitem o fluxo de água contínuo (Landrum2006).

A. bahiensis foi a única que nãoapresentou estruturas espessadas no sistemasubterrâneo, sendo que a raiz principalapresenta xilema secundário composto poruma grande quantidade de fibras e elementosde vaso em menor proporção (Fig. 1K). Omesmo é observado para a raiz lateral de A.dinae (Fig. 1L). Contudo, A. bahiensisapresenta grande desenvolvimento do xilemasecundário na raiz principal, com a formação

de parênquima não-lignificado, como foidescrito para o caule aéreo em quatro espéciesde Arrojadoa por Soffiatti & Angyalossy(2007). Na raiz a presença de parênquimanão-lignificado pode estar auxiliando nafixação da planta à rocha, dando maiormaleabilidade, já que A. bahiensis ocorre emafloramentos rochosos, assim como foidescrito por Milanez (1936) para plantasepífitas.

Com esse trabalho foi possívelconfirmar a origem das diferentes estruturasque formam o sistema subterrâneo dasespécies analisadas de Arrojadoa. Comrelação aos tubérculos, sua presença podeestar relacionada ao tipo de solo em que asplantas ocorrem, já que aquelas que possuemcaule subterrâneo estão presentes em áreas desolo arenoso, enquanto A. bahiensis ocorreem afloramentos rochosos (rupícula).

Referências BibliográficasBUKATSCH, F. 1972. Bemerkungen zur

Doppelfärbung Astrablau-Safranin.Microkosmos 61 (8): 255.

GIBSON, A. C. & NOBEL, P. S. 1986. TheCactus Primer. Cambridge, HarvardUniversity Press. 286p.

JOHANSEN, D. A. 1940. Plantmicrotechnique. New York, 3ª ed. Paul B.Hoeber Inc. 523p.

PURVIS, M; COLLIER, D. & WALLS, D.1964. Laboratory techniques in botany.London, Butterworths. 371p.

SOFFIATTI, P. & ANGYALOSSY. 2007.Anatomy of Brazilian Cereeae (subfamilyCactoideae, Cactaceae): Arrojadoa Britton& Rose, Stephanocereus A. Berger andBrasilicereus Backeberg. Acta BotânicaBrasilica, 21(4): 813-822.

TAYLOR, N. & ZAPPI, D. 2004. Cacti ofEastern Brazil. Kew, The Royal BotanicGardens. 499p.

MILANEZ, F. R. 1936. Estructura secundariadas raizes de Rhipsalis. Rodriguésia 5:165-175.

LANDRUM, J.V. 2006. Wide-band tracheids ingenera of Portulacaceae: novel, non xylarytracheids possibly evolved as an adaptationto water stress. Journal Plant of Research119: 497-504

Figura 1. A. Arrojadoa dinae Buining & Brederoo, notar raiz contrátil. B. Arrojadoa dinae Buining & Brederoo, com raiz principalausente e tubérculos se originando das aréolas mais basais do caule aéreo. C. Arrojadoa hofackeriana (P.J. Braun & Esteves) P.J.Braun & Esteves, indivíduo com morfologia do sistema subterrâneo complexa, apresentando tubérculo com raiz contrátil e raizespessada de origem adventícia. D. Arrojadoa bahiensis. E. Secção transversal do tubérculo de A hofackeriana com grande produçãode fibras no xilema secundário. F. Secção transversal do tubérculo de A. dinae, xilema secundário pouco desenvolvido. G. Secçãotransversal da raiz espessada de A. hofackeriana, com ampla matriz de parênquima xilemático secundário. H. Secção longitudinal daraiz contrátil de A. hofackeriana, notar regiões de contração. I. Secção transversal da raiz contrátil de A. hofackeriana, mostrandotraqueídes com amplo espessamento de parede secundária (“WBTs”). J. Secção transversal da raiz contrátil de A. dinae, com xilemasecundário formado por uma fase inicial fibrosa, seguida de uma fase com “WBTs”. K. Secção transversal da raiz principal de A.bahiensis, notar formação de parênquinma não-lignificado. L. Secção transversal da raiz lateral de A. dinae. pnl, parênquima não-lignificado; rc, raiz contrátil; re, raiz espessada; tu, tubérculo. Fig. 1A, 3,0cm; Fig. 1B, 3,0cm; Fig. 1C, 3,0cm; Fig. 1D, 3,0cm; Fig.1E, 100µm; Fig. 1F, 200µm; Fig. G, 580µm; Fig. 1H, 400µm; Fig. 1I, 580µm; Fig. 1J, 100µm; Fig.1K 200µm; Fig. 1L, 100µm.