Dligeton Keltákon: a Lei Céltica (noções introdutórias)

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    Bellovesos

    DLIGETON KELTKONKOMRETUS KELTKOS

    A Lei Cltica no Final da Pr-Histria:Noes Introdutrias

    1 A Lei Cltica original1.1 Perodo histrico1.2 Definio1.3 Fontes

    2 Princpios2.1 Parentesco natural2.2 Parentesco artificial2.3 Posio social2.4 Contratos

    2.5 Crime e punio2.6 Procedimento legal

    3 Posio doestrangeiro

    4 Evoluo da lei cltica

    1 A Lei Cltica original

    1.1 Perodo histrico: alguns princpios podem recuar ao Neoltico, Idade do Bronze Antiga; outros podem ser mais tardios, fruto de contatoscom civilizaes mediterrneas (exs.: Grcia, Etrria, Roma) no fim daIdade do Ferro.

    Perodo Cltico Comum (PCC, c. sc. X a. C.): termos cognatos para prticas semelhantes no perodo medieval irlands antigo e nas leisgalesas podem indicar que pertencem ao PCC. Terminologia no-cognata:leis clticas especficas.

    1.2 Definio: a lei cltica original...

    ... uma reconstruo.

    ... uma generalizao que no reflete com exatido as antigas prticaslegais, porm mostra princpios gerais provavelmente presentes emmuitas das antigas leis clticas (embora talvez no em todas).

    Lei cltica qualquer lei dada comumente em lngua cltica: foco nalinguagem face quase inexistncia de caractersticas que no possam serencontradas em leis de outras culturas.

    1.3 Fontes: as fontes textuais mais antigas para as leis clticas datam dofim da Idade do Ferro (c. dois ltimos scs. a. C.).Caius Iulius Caesar,De Bello Gallico (DBG):

    1.11-20, 6.13.4-10, 6.16.4, 6.19-20

    1.4, 7.2.2-36.13.6, 7.2.21.4.1, 1.18.3

    Inscries celtibricas:Tabletes de bronze (Contrebia Belaisca)Tesserae hospitales (tabletes de hospitalidade)

    Arqueologia: fontes arqueolgicas so abundantes, porm de difcilinterpretao quanto a seu sentido jurdico.

    2 Princpios

    Podem ser reconstrudos com razovel grau de probabilidade,apresentando possvel foco em parentesco e relaes contratuais.Tambm possvel deduzir algo sobre a lei criminale os procedimentoslegais.

    Princpios semelhantes podem ser encontrados nas leis romanas,germnicas e em outras culturas indo-europeias, permitindo que sejam

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    considerados reconstrues razoavelmente acuradas, embora carentes dedetalhes.

    2.1 Parentesco natural

    O parentesco desempenhava um papel de grande importncia nassociedades clticas da pr-histria tardia.

    Evidncia

    Autores clssicos. Ex.: Caesar (DBG, 6.15.2); Diodorus Siculus (5.29.5).Arqueologia: em determinadas reas e perodos, os cuidados dispensadosaos sepultamentos.

    Reconstruo das estruturas de parentesco clticas

    possvel reconstruir importantes princpios legais relativos a relaes deparentesco externas:Relativamente forte evidncia da exigncia habitual de apoio mtuoentre parentes na vida quotidiana e em disputas legais (DBG, 1.4.2,6.11.3-4; leis antigas da Irlanda e de Gales).Propriedade privada: associada ao parentesco, especialmente em relao terra e recursos. O acesso diferenciado propriedade e recursos paragrupos distintos na sociedade evidencia-se na arqueologia (distintos grausde riqueza em sepultamentos; relativa consistncia no cercamento doespao de assentamentos populacionais).Direitos de acesso baseados ao menos parcialmente em

    parentesco/descendncia (leis antigas irlandesas e galesas; tb. leisromanas e germnicas).Posse individual (passvel de herana) da terra e recursos, permanecendoa propriedade legal com a famlia mais ampla: forma mais provvel pararegular o acesso diferenciado propriedade e recursos nas sociedadesclticas da pr-histria tardia.

    Unies sexuais e reproduo

    A herana parece ter sido transferida primordialmente pela linha paterna.

    A clareza nas relaes entre os parceiros, com muita probabilidademembros de diferentes grupos familiares, assumia grande importncia.Grande semelhana entre as mais antigas leis irlandesas e galesas arespeito das unies sexuais.Semelhana da mais importante forma de unio com o casamento gaulsdescrito por Caesar (DBG, 6.19.1-3): indica concepes semelhantes naEuropa Ocidental da pr-histria tardia ao perodo medieval.Poliginia: prtica disseminada entre a nobreza da Glia (DBG, 1.53.4;6.19.3), da Irlanda antiga e provavelmente tambm em Gales no perodoanterior redao dos textos legais.Principal foco da lei irlandesa antiga em relao s unies sexuais:contribuio e diviso dos recursos em caso de divrcio e as

    responsabilidades em relao s crianas nascidas dessas unies. Forte possibilidade de que semelhante regramento j estivesse presente noperodo da lei cltica."Igual contribuio de recursos" (DBG, 6.19.1): Caesar pressupe que ohomem contribuiu com mais bens do que a mulher; possibilidade dediferentes unies, algumas com contribuio maior ou menor pela mulher,ou contribuio nenhuma.No existe evidncia direta de que o divrcio fosse possvel na leicltica, mas a possibilidade indicada pela nfase no registro conjunto decontribuies e lucros durante o "casamento"(DBG, 6.19.2).Outras possveis reas: adoo; expulso de familares em razo decomportamento antissocial; herana de linhagens totalmente extintas - noh evidncia, exceto algumas semelhanas entre as leis antigas da Irlandae de Gales.

    2.2 Parentesco artificial

    Parentesco: elemento essencial nos sistemas legais clticos antigos.

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    Parentesco artificial: assumia provavelmente a forma de adoo.Evidncia: a troca de crianas como refns comum nas fontes histricas

    (ex.: DBG 5.4.2; 5.27.2); muitos gauleses enviavam seus filhos paraestudar druidismo junto aos druidas e na Gr-Bretanha, suposto local desua origem (DBG 6.13.11; 14.3); os gauleses no toleravam ser vistos em

    pblico com seus filhos (DBG 6.18.3). A adoo era um institutoimportante nas sociedades irlandesa e galesa do comeo da Idade Mdia.Terminologia cognata permite reconstruir as palavras proto-clticas*altros ("nutridor, pai adotivo") e *komaltros ("alimentado junto, criado

    junto").Os laos criadospela adoo, ao estabelecer parentesco artificial e redesde troca de informao e influncia poltica, podem explicar algunsaspectos da cultura material cltica, como a difuso da arte no estilo LaTne.

    2.3 Posio social

    A importncia da posio social parece ter sido um princpio muitodisseminado nas leis clticas antigas. Porm, no possvel determinarse, no PCC, encontrava-se to minuciosamente regulamentado quanto naIrlanda no comeo da Idade Mdia. A declarao de Caesar em DBG6.15.2, contudo, resume de forma bastante aproximada os requisitosestabelecidos pelo texto jurdico irlands Crith Gablach para osdiferentes graus da nobreza, assim permitindo supor que a posio socialseria um elemento importante no direito costumeiro gauls da Idade doFerro.

    No possvel atualmente determinar as vantagens trazidas pela posiosocial, mas convm considerar DBG 6.11.3. Umaposio social superiortalvez trouxesse tambm um tratamento diferenciado quanto aos

    procedimentos legais.

    2.4 Contratos

    A importncia da regulamentao das relaes contratuais eraaumentada pela ausncia de um estado central forte, ficando a coero

    das decises legais na dependncia do grupo familiar.O nmero de semelhanas e de termos cognatos entre a pr-histriatardia e as leis antigas de Gales e da Irlanda maior no campo doscontratos, abrangendo, p. ex., garantias (ou fianas), promessas (ou

    penhores) e confisco, estendendo-se ocasionalmente terminologia legalgermnica, o que demonstra os laos estreitos entre as sociedades clticase germnicas nesse perodo. Tais elementos esto tambm presentes emoutros sistemas legais indo-europeus antigos.

    Irlandsantigo

    Gals Alemo Proto-cltico

    garantia macc mach --- *makkos

    promessa gell gwystl Geisel *gistlonconfisco athgabil atafaeliad Anfall *ategabagl

    Asseguravam os contratos: promessas (*gistl) ou garantias (*makkoi).Evidncia: DBG, 7.2.2.Dois principais tipos de contratos: a) de curto prazo ou de exigibilidadeimediata (de baixo risco); b) de longo prazo ou de relao semi-

    permanente (de alto risco).Contratos de exigibilidade imediata (baixo risco): assegurados por

    garantias.Contratos de relao semi-permanente (alto risco): assegurados por

    garantias e promessas.Tipos de penhores (oupromessas): penhores menores e refns.Tipos de garantias (ou fianas): a) um indivduo que aparecia como

    substituto do contratante original caso este falhasse em cumprir suasobrigaes; b) um indivduo que teria o direito de impor o cumprimentodas obrigaes ao contratante que no as satisfizesse espontaneamente.

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    Possvel importncia das relaes contratuais na economia desubsistncia comum: as leis antigas de Gales e da Irlanda apresentam

    paralelos bastante prximos na regulamentao de atividades agrcolas

    desenvolvidas em conjunto, sobretudo lavouras realizadas emcooperao, com base em contratos celebrados entre pequenosfazendeiros, individualmente no possuidores de bois suficientes parauma junta com capacidade para arar os solos pesados da Gallia Cisalpinaou das regies mais ao norte. Assim, altamente provvel queregulamentaes semelhantes estivessem em vigor no final do perodo

    pr-histrico, sendo *komarom ("lavoura em comum") seu nome emcltico antigo reconstrudo.Estabelecimento de relaes de longa durao ou semipermanentesentre indivduos de posies sociais diferentes (contratos de clientela):repetio da semelhana hiberno-gaulesa na instaurao da nobreza(responsabilidades mtuas entre patrono nobre e cliente plebeu).

    Evidncia: relato de Caesar sobre Dumnorix, o duo (DBG, 1.18.3). At arelao entre os nobres e o estado baseava-se em contratos (fundamentono modelo geral da clientela) nas organizaes polticas da Glia na pr-histria tardia, abrangendo o acesso propriedade ou recursos em troca de

    pagamento.

    2.5 Crime e punio

    Para o perodo em questo, escassa a evidncia para o que seriamcrimes e quais as punies adequadas. O texto de Caesar permitereconstruir princpios gerais e aponta especificamente homicdio (DBG,6.13.5), furto e roubo (DBG, 6.15.5), o que se coaduna s leis antigas daIrlanda e de Gales, bem como infraes especficas de algumassociedades gaulesas, como a usurpao da realeza entre os Heluetii (DBG,1.4.1).Punio: de acordo, com Caesar, a punio mais severa entre os gaulesesera a interdio aos ritos religiosos (DBG, 6.13.6-8). Havia tambm apena de morte (DBG, 1.4.1; 6.16, 4-5), mais rara que a imposio de

    multas (praemia poenasque, "compensaes e multas", DBG, 6.13.5).Indicao da possvel existncia de dois tipos de multas, semelhantes multa corprea (corp dre)/restituio (aithgin) e preo da honra

    (enecl/lg n-enech) das leis irlandesa e galesa, em que o banimento e aimposio de penalidades pecunirias eram as formas maisdisseminadas de punio.

    2.6 Procedimento legal

    Evidncia direta muito escassa.Caesar (DBG, 6.13.5): os druidas so os juzes em questes legais civis(menciona heranas e disputas sobre limites) e criminais.Druidas so filsofos morais (Strabo, Geogrphika, 4.4.4): indicao deque alguns poderiam ser treinados como juristas profissionais.Possvel sequncia do procedimento legal:

    1) Reclamante (a prpria vtima ou um representante legal - parente)apresenta uma queixa: 1.a) ao responsvel pela aplicao da justia(talvez um druida ou um oficial), 1.b) ou a um nobre (seu prprio patronoou do ofensor) ou ainda 1.c) ao prprio ofensor.2) Se o ofensor no concordasse em comparecer diante da corte, talvez

    pudesse ser levado fora pelo reclamante (prtica atestada nas leisantigas da Irlanda e de Gales, nas antigas leis germnicas e mesmo nodireito romano primitivo).3) Designao de um dia para a apresentao do pleito (DBG, 1.4) eoferecimento de caues (*gistl) ou garantias (*makkoi) de que o ofensorcompareceria, com 3.1) reclamante e ofensor proferindo um juramento deque a queixa ou relato dos fatos correspondiam ao que realmente ocorrerae 3.2) apoiadores das partes (parentes, associados ou quaisquer outros)

    pronunciando juramentos semelhantes como testemunhas abonadoras doreclamante e do ofensor.4) No h evidncia sobre a forma de cumprimento das sentenas, nemsobre a existncia de recursos. Possivelmente, seria designado um dia paraque a parte condenada pagasse quaisquer multas e compensaes. Caso

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    no pagasse, bastante provvel que o requerente vencedor pudesseapossar-se de bens do derrotado e assim recuperar o valor equivalente smultas ou compensaes no pagas. Outras formas de punio:

    provavelmente seriam executadas de imediato no local do julgamento.3 Posio do estrangeiro

    Novamente, no h evidncia direta sobre o tratamento dispensado aosestrangeiros no mundo cltico da pr-histria tardia. As tesseraehospitales (placas de hospitalidade) da Celtibria e a prtica comum nossistemas legais da Europa antiga de considerar estrangeiros sem umanfitrio local como carentes de qualquer proteo legal indicam queseria essa a situao na lei cltica da pr-histria tardia.Estrangeiros sem parentes na localidade seriam considerados como

    passveis de agresso; entretanto, possvel que, ao menos em algumas

    comunidades clticas, certos indivduos pudesse conceder proteo legal aestrangeiros (convidados), o que corresponde situao na Irlanda e emGales ao comear a Idade Mdia. No h como dizer quais seriam essesindivduos, porm as tesserae hospitales indicam que essa possibilidadeno se limitava aos membros das famlias governantes das comunidadesmaiores, mas encontrava-se mais disseminado ao menos em nvel local,outra vez concordando com os usos insulares.

    4 Evoluo da lei cltica

    Leis so dinmicas, mudam constantemente para adequar-se snecessidades das sociedades que regulam.Os princpios legais que regulavam as sociedades clticas aparentemente

    permaneceram semelhantes durante muitos sculos.Possvel razo: as exigncias polticas, econmicas e sociais

    permaneceram similares por largo perodo de tempo e alcanando umarea muito ampla, tornando desnecessria sua modificao radical.

    Foco: relaes interfamiliares e contratos, dando a entender quesurgiram das necessidades de sociedades baseadas no grupo familiar.Esses princpios mostraram-se teis mesmo quando a organizao social

    mudou sua orientao do grupo familiar para o territrio.Embora obedecendo a princpios gerais, a evoluo das leis clticasocorreu em nvel local ou, no mximo, regional .

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