Do Anatocismo de Juros de Mora e Indemnizatórios no Direito Fiscal 23.07.2015

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DO ANATOCISMO DE JUROS DE MORA E INDEMNIZATÓRIOS NO DIREITO FISCAL

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS:

Centro de Arbitragem Administrativa CAAD

AT Autoridade Tributária e Aduaneira

Código Civil CC

Código de Procedimento e de Processo Tributário CPPT

Código de Processo nos Tribunais Administrativos CPTA

Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ETAF

Lei Geral Tributária LGT

Supremo Tribunal Administrativo STA

Tribunal Central Administrativo TCA

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I – DA (IN)EXISTÊNCIA OU (IN)ADMISSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA SOBRE

JUROS INDEMNIZATÓRIOS – ENUNCIAÇÃO DA QUESTÃO

Suponhamos que um contribuinte paga o imposto e os juros compensatórios fixados pela AT

e, depois, impugna a liquidação de imposto.

Se a sentença determinar que a liquidação de imposto se deveu a erro imputável aos serviços,

serão devidos juros indemnizatórios ao referido sujeito passivo (cfr. artigo 43.º, n.º 1, da

LGT1).

Por seu turno, o artigo 100.º da LGT, igualmente alterado pela Lei n.º 64-B/2011, passou a

referir-se à “(…) imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida

a ilegalidade (…)” em vez de se referir à “(…) à imediata e plena reconstituição da legalidade do

acto ou situação objecto do litígio (…)”.

1 O teor da referida disposição legal é o seguinte: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em

reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida

tributária em montante superior ao legalmente devido”.

100.º (LGT)

Redacção anterior

Efeitos de decisão favorável ao sujeito

passivo

100.º (LGT)

(Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011,

de 30 de Dezembro)

Efeitos de decisão favorável ao sujeito

passivo

A administração tributária está

obrigada, em caso de procedência total

ou parcial de reclamação, impugnação

judicial ou recurso a favor do sujeito

passivo, à imediata e plena

reconstituição da legalidade do acto

ou situação objecto do litígio,

compreendendo o pagamento de juros

indemnizatórios, se for caso disso, a

partir do termo do prazo da execução

da decisão.

A administração tributária está obrigada,

em caso de procedência total ou parcial de

reclamações ou recursos

administrativos, ou de processo

judicial a favor do sujeito passivo, à

imediata e plena reconstituição da

situação que existiria se não tivesse

sido cometida a ilegalidade,

compreendendo o pagamento de juros

indemnizatórios, nos termos e

condições previstos na lei.

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Por fim, nos termos do artigo 102.º, n.º 2, da LGT, sob a epígrafe “Execução de sentença”,

dispõe-se: “Em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora

a partir do termo do prazo da sua execução espontânea”.

Ora, o prazo para execução espontânea de sentença (quando se trate da devolução do

imposto) é de 30 dias, nos termos conjugados dos artigos 146.º, n.º 2, do CPPT2 e 175.º, n.º 3,

do CPTA, sendo o mesmo contado a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao

órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o interessado

requerer a sua remessa no prazo de oito dias após o trânsito em julgado da decisão.

Suponhamos, ainda, que a AT se atrasa a cumprir a sentença, expirando o prazo para

execução espontânea sem que restitua ao contribuinte o imposto e sem que pague os juros

indemnizatórios em que tenha sido condenada.

Nesse caso, começarão a ser contabilizados juros de mora, nos termos do n.º 5 do artigo 43.º3

e do n.º 3 do artigo 44.º4 da LGT5.

Quando a AT não dê execução à sentença de anulação nesse prazo, pode o interessado fazer

valer o seu direito à execução perante o tribunal que tenha proferido a sentença em primeiro

grau de jurisdição, devendo a petição ser apresentada no prazo de seis meses contados desde

2 É o seguinte o teor do referido artigo: “O prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais

tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da administração tributária competente

para a execução, podendo o interessado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado da decisão”. 3 Eis a redacção do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro: “No

período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a

data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada

em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na

lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”. 4 Reza assim o referido número: “A taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras

entidades públicas, excepto no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial

transitada em julgado e a data do pagamento da dívida relativamente ao imposto que deveria ter sido pago por decisão

judicial transitada em julgado, em que será aplicada uma taxa equivalente ao dobro daquela”. 5 As disposições transitórias da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012),

estabeleceram que a nova redacção tem aplicação imediata às decisões judiciais transitadas em julgado cuja

execução se encontre pendente à data da entrada em vigor da Lei.

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o termo do prazo de que a AT dispunha para a execução espontânea6 ou da notificação da

invocação de causa legítima de inexecução (artigo 176.º, n.º 1, do CPTA) – cfr. Acórdão do

STA, de 12 de Março de 2008, proferido no âmbito do Processo n.º 0708/08.

Saliente-se que, não obstante o disposto no artigo 146.º, n.º 2, do CPPT, a jurisprudência

recente do STA e do TCA - Sul, determina que os juros de mora são “(…) devidos, a pedido do

sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória

(artº.102, da L.G.T.), prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial

cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A.

Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do

C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L. G. Tributária

e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente

inconstitucional” – cfr. Acórdão de 17 de Setembro de 2013, proferido no âmbito do Processo

n.º 06718/137 (destaque nosso).

Quer isto dizer que a AT terá a obrigação de pagar juros de mora ao referido sujeito passivo.

6 A este propósito, parece-nos defensável o entendimento de que na medida em que o artigo 176.º, n.º 1, do

CPTA, refere o n.º 1 do artigo 175.º (o qual estabelece o prazo genérico de execução da sentença) e não o n.º 3 (o

qual estabelece um prazo de 30 dias para os casos em que a execução da sentença consista no pagamento de

uma quantia pecuniária), o prazo para intentar a referida acção deve começar a contar-se do termo dos referidos

3 meses e não do termo dos 30 dias. 7 Vide a este propósito, os acórdãos proferidos pelo STA no âmbito do processo n.º 0570A/08, a 3 de Dezembro

de 2008, e do processo n.º 0983/08, a 19 de Março de 2009.

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A questão que se coloca é, pois, a de saber se os referidos juros de mora incidem também sobre os juros indemnizatórios em que a

AT foi condenada, mormente entre o termo do prazo para execução espontânea da sentença e a data de emissão da nota de crédito.

O entendimento que vem sendo afirmado na jurisprudência do STA, embora sem unanimidade de posições, é o de que não podem

existir juros moratórios sobre juros indemnizatórios a favor de um contribuinte.

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Na tabela infra identificamos, sem qualquer pretensão de exaustividade, alguns acórdãos e

sentido das posições neles assumidas pelos Juízes Conselheiros do STA.

Em funções a 30/04/2015?

Admissibilidade de juros de mora sobre juros indemnizatórios

Identificação do Acórdão

Admitem Não admitem

2 3

NÃO

Domingos Brandão de Pinho (Relator)

Ac. STA 01220/06, de 07/03/2007

Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale

Lúcio Alberto de Assunção Barbosa

NÃO

Domingos Brandão de Pinho (Relator) Ac. STA 01095/05, de

24/10/2007 - Pleno da Secção do Contencioso

Tributário - Oposição de Julgados

José Norberto Baeta de Queiroz

Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

Jorge Manuel Lopes de Sousa

Lúcio Alberto de Assunção Barbosa

SIM António Francisco de Almeida Calhau

NÃO

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Relator)

Ac. STA 0303/08, de 02/07/2008

Domingos Brandão de Pinho

Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale

NÃO

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Relator)

Ac. STA 01003/08, de 11/02/2009

Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale

SIM António Francisco de Almeida Calhau

NÃO

Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale (Relator)

Ac. STA 0447/07, de 17/06/2009 - Pleno da Secção do Contencioso

Tributário - Oposição de Julgados

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

António José Martins Miranda de Pacheco

Domingos Brandão de Pinho

Jorge Manuel Lopes de Sousa

Lúcio Alberto de Assunção Barbosa

SIM

António Francisco de Almeida Calhau

Isabel Cristina Mota Marques da Silva

SIM

Joaquim Casimiro Gonçalves (Relator) Ac. STA 01008/12, de 22/05/2013

Francisco António Pedrosa de Areal Rothes

NÃO Fernanda Maçãs

SIM

Isabel Cristina Mota Marques da Silva (Relatora)

Ac. STA 0955/13, de 30/10/2013

Pedro Manuel Dias Delgado

Valente Torrão

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8

De seguida analisamos, em primeiro lugar, a argumentação que propugna a possibilidade de

incidência de juros de mora sobre os juros indemnizatórios e, em segundo lugar, a que

justificou as decisões em sentido contrário.

I.1 – TOMADAS DE POSIÇÃO QUE PROPUGNARAM A POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DE JUROS DE

MORA SOBRE JUROS INDEMNIZATÓRIOS8

I.1.1 - VOTOS DE VENCIDO DO ACÓRDÃO DO PLENO (POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS) DA SECÇÃO

DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO STA, DE 24 DE OUTUBRO DE 2007, PROFERIDO NO ÂMBITO

DO RECURSO N.º 01095/05

Os Conselheiros Lúcio Barbosa e António Calhau sustentaram que tanto os juros

compensatórios (devidos à AT nos termos do artigo 35.º da LGT) como os juros

indemnizatórios têm uma natureza indemnizatória, com base na responsabilidade civil

extracontratual, pelo que os juros de mora deveriam incidir sobre os juros indemnizatórios.9

8 Referimos aqui “tomadas de posição” e não acórdãos por a fundamentação relatada não corresponder à

fundamentação dos acórdãos, mas antes aos votos de vencido lavrados nalgumas decisões.

9 É o seguinte o teor (parcial) do voto de vencido em causa: “Afigura-se-me inequívoco que os juros compensatórios

e os juros indemnizatórios têm a mesma natureza. E, como tal, devem estar sujeitos ao mesmo regime jurídico. Daí que, a

meu ver, não tenham a natureza de juros, na acepção restrita do termo, mas, quer num caso, quer noutro, tenham antes a

natureza de uma reparação civil. Os juros compensatórios têm a natureza de um agravamento da dívida de imposto, uma

sobretaxa, visando indemnizar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que não foi liquidada no momento em que

o deveria ser ou foi indevidamente reembolsada ao contribuinte (…). Por sua vez, os juros indemnizatórios correspondem

à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Daí que deva dizer que a natureza dos juros

indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída

com base em responsabilidade civil extracontratual (…) Tendo uma natureza idêntica devem, a meu ver, ter um tratamento

idêntico (…) Assim, e para mim, é inequívoco que os juros de mora incidem também sobre os juros indemnizatórios”.

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9

I.1.2 - VOTO DE VENCIDO DO ACÓRDÃO DO PLENO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO

DO STA, DE 17 DE JUNHO DE 2009, PROFERIDO NO ÂMBITO DO PROCESSO N.º 0447/07

A Conselheira Isabel Marques da Silva defendeu a referida incidência de juros de mora sobre

juros indemnizatórios, parecendo inclusivamente sustentar que a inadmissibilidade da

referida incidência legitimaria uma situação iníqua: a de a AT poder pagar apenas quando

entendesse, sem que fosse condenada no pagamento de quaisquer juros pelo atraso do

pagamento em que fora condenada.10

Apesar de a Sr.ª Conselheira ter votado vencida em vários acórdãos, melhor identificados na

tabela supra, mais recentemente veio a decidir em sentido contrário ao aqui referido, em nome

de uma interpretação e aplicação uniformes do direito, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do CC.11

10 É o seguinte o teor integral do referido voto de vencida: “Voto vencida, por entender que decidindo-se não haver

lugar a juros de mora sobre juros indemnizatórios fica a administração como que legitimada a pagar, quando quiser sem

que o contribuinte possa ser ressarcido através do pagamento de juros de mora no pagamento (o que me parece afigurar-se

iníquo)”.

11 Cfr. Acórdão do STA, de 30 de Outubro de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 0955/13: “Como bem se

consignou na sentença recorrida, as questões controvertidas nos presentes autos de recurso têm recebido na jurisprudência

deste Supremo Tribunal resposta desfavorável às pretensões da recorrente, que tem entendido de forma dominante que os

juros indemnizatórios não integram a base de cálculo dos juros de mora devidos pela Administração fiscal ao contribuinte

e que a taxa de juros de mora aplicável é a taxa de juro legal, e não a taxa de juro de mora aplicável às dívidas do Estado e

outras entidades públicas.

A sentença recorrida citou jurisprudência do Pleno e da Secção na qual tal entendimento é sufragado, tendo inclusive

transcrito o que a propósito se consignou no Acórdão de 2/07/2008 (sentença recorrida, a fls. 110 115 dos autos).

E se, no que à questão da não incidência de juros de mora sobre juros indemnizatórios tal jurisprudência embora dominante,

não era unânime, de então para cá foi sendo reforçado o entendimento maioritário nesse sentido, sendo que, dos juízes

actualmente em funções na Secção, é precisamente a Relatora a única a manifestar reservas a tal entendimento (cfr. as

declarações de voto apostas no Acórdão do Pleno da Secção de 17 de Junho de 2009, rec. n.º 447/07 e no acórdão da Secção

de 6 de Fevereiro de 2013, rec. n.º 1114/12).

A não incidência de juros de mora sobre juros compensatórios constitui, pois, jurisprudência consolidada da Secção de

Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo – inclusivamente adoptada pelo Pleno da Secção – o que leva

a que, não obstante as reservas já referidas e que ficaram consignadas no lugar próprio, se entenda dar prevalência ao dever

de contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), razão pela

qual no presente recurso não se divergirá do entendimento largamente maioritário que vem sendo assumido por este

Supremo Tribunal quanto à questão, assim se decidindo - pelos fundamentos constantes do Acórdão deste Supremo

Tribunal de 2 de Março de 2011, rec. n.º 880/10, para cuja fundamentação se remete –, que os juros indemnizatórios não

integram a base de cálculo dos juros de mora devidos ao contribuinte, nesta parte negando provimento ao recurso e

confirmando a sentença recorrida.”

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10

I.2 - TOMADAS DE POSIÇÃO QUE PROPUGNARAM A IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DE JUROS

DE MORA SOBRE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Como resulta claro do quadro supra, a jurisprudência maioritária decidiu no sentido da

impossibilidade de os juros de mora incidirem sobre os juros indemnizatórios,

essencialmente com base, por um lado, na proibição do anatocismo estabelecida no artigo

560.º do CC e, por outro lado, numa tripartição de argumentos:

(i) “não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele nº 8 do artigo 35º da Lei

Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e

subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto.”

(ii) “(…) devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir

sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte”.

(iii) “no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o

que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento

dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas

nas leis tributárias. (…) Assim, está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros

indemnizatórios serem fonte de novos juros. (…) Em suma: os juros moratórios não podem incidir

sobre os juros indemnizatórios”12/13.

12 Cfr. Acórdão do STA, de 22 de Maio de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 01008/12. Neste acórdão o

STA identifica do seguinte modo outros acórdãos que decidiram no mesmo sentido: “E este é entendimento que

vem sendo afirmado (embora sem unanimidade de posições) repetidamente pela jurisprudência do STA (cfr. entre outros,

os acórdãos desta Secção do STA, de 17/4/02, rec. nº 10/02; de 20/11/02, rec. nº 1079/02; de 11/2/04, rec. nº 1731/03; de

7/3/2007, rec. nº 1220/06 (com voto de vencido); de 2/5/07, rec. nº 9/07; de 31/1/08, rec. nº 839/07; de 2/7/08, rec. nº

303/08; de 14/7/08, rec. nº 304/08 (com voto de vencido); de 2/3/2011, rec. nº 0880/10 (com voto de vencido); de 6/2/13,

rec. nº 01114/12 (com voto de vencido); bem como os acórdãos do Pleno, de 24/10/07 rec. 1095/05 (com 2 votos de vencido)

e de 17/6/2009, rec. nº 447/07 (com 3 votos de vencido). Em sentido contrário, cfr. o ac. da Secção, de 3/10/2007, rec. nº

0431/07”.

13 Efectivamente, o Acórdão do STA, de 2 de Julho de 2008, proferido no âmbito do Processo n.º 0303/08,

estabelecia já a fundamentação que o proferido no âmbito do processo n.º 01008/12, acima parcialmente

transcrito, acabou por repetir.

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11

Neste sentido, os acórdãos do pleno da secção do contencioso tributário do STA proferidos

no âmbito dos recursos n.º 01095/05 e 0447/07,14 a 24 de Outubro de 2007 e a 17 de Junho de

2009, decidiram ambos que os juros moratórios não incidem sobre o montante dos juros

indemnizatórios.

II – DA INEXISTÊNCIA DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA NO ÂMBITO DO

PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO REGULADO PELO CPPT

Não existindo acórdãos uniformizadores de jurisprudência no processo judicial tributário15,

os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 24 de Outubro de

14 O sumário deste último parece enfatizar o entendimento de que os juros indemnizatórios e os moratórios têm

uma mesma natureza de “compensação” do contribuinte: “Destinando-se os juros indemnizatórios e moratórios a

compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente liquidada, eles,

não são cumulativos”.

15 O recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.º do CPTA não encontra previsão no

processo tributário regulado nos termos dos artigos 279.º e seguintes do CPPT. Neste sentido, a título

meramente exemplificativo, veja-se o sumário do Acórdão de 22 de Outubro de 2008, proferido no âmbito do

Processo n.º 0251/08, o qual, pela sua clareza, ora se transcreve: “I - Muito embora o recurso para uniformização de

jurisprudência tenha previsão legal no artigo 27.º, n.º 1, alínea b) do actual ETAF, tal recurso não encontrou ainda eco na

jurisdição processual tributária, a qual continua a prever apenas o recurso por oposição de julgados [rectius, recurso por

oposição de acórdãos] no artigo 284.º do CPPT. II - O recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo

152.º do CPTA não tem, assim, aplicação nos meios processuais próprios do contencioso tributário, como é o caso da

impugnação judicial, mas tão só nos meios processuais que, no contencioso tributário, são regulados pelas regras do

contencioso administrativo, como é o caso das acções administrativas especiais e meios processuais acessórios a que é

aplicável o CPTA. III - Com o recurso por oposição de acórdãos previsto no artigo 284.º do CPPT, só aplicável a recursos

jurisdicionais de actos praticados no processo judicial tributário regulado pelo CPPT e no processo de execução fiscal e

processos associados (artigo 279.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPPT), mostra-se assegurada a tutela efectiva prevista na CRP

(artigo 268.º, n.º 4) bem como o princípio da legalidade.”

Neste mesmo sentido, veja-se, igualmente a título meramente exemplificativo, o acórdão proferido no

âmbito do processo n.º 01222/12, de 25 de Fevereiro de 2015.

Contudo, para além das acções administrativas especiais (cfr. a título meramente exemplificativo os

Acórdãos do STA proferidos no âmbito dos processos n.º 01003/05, a 16 de Junho de 2010, e n.º 0966/12, a 18 de

Setembro de 2013, do pleno da Secção de Contencioso Tributário) e meios processuais acessórios, o STA tem

admitido a aplicabilidade dos recursos para uniformização de jurisprudência relativamente às decisões

proferidas pelos Tribunais Arbitrais Tributários que funcionam junto do CAAD.

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12

2007, proferido no âmbito do Recurso n.º 01095 (com 2 votos de vencido) e de 17 de Junho de

2009, proferido no âmbito do Processo n.º 0447/07 (aprovado por maioria com 3 votos de

vencido) não vinculam os tribunais tributários inferiores16 -, e, por conseguinte, ainda é

possível sustentar e peticionar a existência de juros de mora sobre os juros indemnizatórios.

No entanto, esse pedido não tem, em termos realísticos, hipótese de obter vencimento nos

anos mais próximos na jurisdição nacional. Para além de toda a argumentação que foi aqui

recolhida, e da jurisprudência recorrente do STA que não tem admitido o cômputo dos juros

de mora sobre os juros indemnizatórios, acresce uma questão prática: da actual composição

do STA, apenas o Presidente do STA, Conselheiro António Calhau, tem votado

recorrentemente (vencido) de forma favorável à cumulação dos juros, tendo a Conselheira

Isabel Marques da Silva, não obstante as suas reservas quanto ao entendimento perfilhado

no Acórdão do STA, de 30 de Outubro de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 0955/13,

julgado, enquanto relatora, em sentido contrário ao anteriormente assumido por si no voto

de vencido lavrado no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0447/07, de 17 de Junho

de 2009 (já referido supra). Dos restantes nove juízes da secção (Vice-presidente e outros oito

Conselheiros) apenas um (Conselheiro António Pimpão) ainda não se pronunciou sequer

Entre outros, os Acórdãos do STA proferidos no âmbito dos processos n.º 0158/12, de 18 de Setembro

de 2013, n.º 01136/12, de 3 de Julho de 2013, e n.º 0731/14, de 14 de Abril de 2015, todos do pleno da Secção de

Contencioso Tributário, encaram o recurso previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do RJAT como um recurso para

uniformização de jurisprudência. 16 O recurso com fundamento em oposição de julgados está previsto no artigo 280.º, n.º 5, do CPPT.

Nos termos da norma supra enunciada: “A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo

Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e

na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual

grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.” – destaque nosso.

Este recurso com fundamento em oposição de julgados segue a tramitação dos previstos nos artigos 280.º a

283.º, e não a estabelecida no artigo 284.º do CPPT (a qual é aplicável ao recurso por oposição de acórdãos).

A competência para conhecer destes recursos, previstos no n.º 5 do artigo 280.º, diferentemente do que sucede

com os recursos por oposição de acórdãos, cabe à Secção do Contencioso Tributário do STA e não ao respectivo

Pleno, como resulta do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 27.º, a contrario, do ETAF de 2002.

Por seu turno, o recurso por oposição de acórdãos apenas se aplica a recursos interpostos de acórdãos dos

tribunais centrais administrativos e do STA, porque apenas existem tribunais colectivos nos TCA e STA – cfr.

46.º, n.º 1, do ETAF.

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sobre a questão. Todos os outros se pronunciaram pela inadmissibilidade, chegando a

invocar jurisprudência reiterada do STA17.

Ora, o Presidente do STA faz parte da secção do Contencioso Tributário (artigo 14.º, n.º 1, do

ETAF), mas ele não julga, apenas presidindo à sessão (artigo 23.º, n.º 1, alínea h), do ETAF) e

somente votando nas decisões em caso de empate (artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do ETAF), algo

que muito dificilmente acontecerá nos colectivos de três juízes.

De facto, sendo os julgamentos efectuados por um Conselheiro relator e outros dois

desembargadores (artigo 17.º, n.º 1, do ETAF), e tendo a Conselheira Isabel Marques da Silva

alterado a sua posição inicial para permitir uma interpretação e aplicação uniforme do

direito, a eventual pretensão de cumulação de juros nunca obterá vencimento.

Adicionalmente, as alterações legais posteriores vêm clarificar a situação, em termos que não

admitem o pedido de juros de mora sobre os juros indemnizatórios contabilizados desde o

pagamento indevido, aceitando-o apenas sobre os juros indemnizatórios devidos entre o

termo do prazo para execução espontânea de sentença - em que começam a correr os juros

de mora agravados actualmente previstos no artigo 43.º, n.º 5, da LGT - e a data de emissão

da nota de crédito (momento em que termina a contagem dos juros indemnizatórios, nos

termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

III – O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

O Direito da União Europeia parece não se opor à solução que domina as decisões do STA,

segundo a qual apenas são devidos juros moratórios sobre os juros indemnizatórios

decorridos entre o termo do prazo para execução espontânea da sentença e a data de

processamento da nota de crédito, e não sobre os juros indemnizatórios devidos desde a data

do pagamento voluntário e a data de processamento da nota de crédito.

17 Vide acórdãos do STA, de 6 de Fevereiro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 01114/12, de 8 de Maio

de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 033/13, e de 22 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 01008/12.

Page 14: Do Anatocismo de Juros de Mora e Indemnizatórios no Direito Fiscal 23.07.2015

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Com efeito, decidiu-se o seguinte no âmbito do caso C-591/10, Littlewoods Retail Ltd e outros

vs. Her Majesty’s Commissioners for Revenue and Customs, em Acórdão de 19 de Julho de 2012:

“O direito da União deve ser interpretado no sentido de que exige que o sujeito passivo que tenha pago

um montante excessivo de imposto sobre o valor acrescentado, cobrado pelo Estado‑Membro em causa,

em violação do disposto na legislação da União em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, tenha

direito ao reembolso do imposto cobrado em violação do direito da União e ao pagamento de juros sobre

esse montante. Compete ao direito nacional determinar, no respeito dos princípios da

efetividade e da equivalência, se ao montante principal devem acrescer juros calculados

segundo um regime de juros simples ou segundo um regime de juros compostos, ou ainda

segundo outro regime de juros.”

Page 15: Do Anatocismo de Juros de Mora e Indemnizatórios no Direito Fiscal 23.07.2015

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IV – CONCLUSÕES

No âmbito do processo tributário não existem acórdãos uniformizadores de jurisprudência,

pelo que os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA acima

mencionados que sancionam entendimento contrário à pretensão dos contribuintes de exigir

a condenação da AT no pagamento de juros moratórios sobre juros indemnizatórios, não

vinculam os tribunais tributários de hierarquia inferior.

Nestes termos, é sempre possível pedir a condenação da AT no pagamento de juros de mora

sobre os juros indemnizatórios.

Porém, mesmo sem a atribuição de tal força vinculativa, os Acórdãos proferidos pelo Pleno

não deixam de ter uma função uniformizadora de jurisprudência.

A jurisprudência reiterada do STA tem-se pronunciado no sentido de não admitir o cômputo

dos juros de mora sobre os juros indemnizatórios e, atendendo à sua actual composição,

afigura-se virtualmente impossível obter uma decisão favorável nesta matéria junto daquele.

Acresce que as alterações legais posteriores vêm clarificar a situação, em termos que não

admitem o pedido de juros de mora sobre os juros indemnizatórios devidos desde a data do

pagamento indevido, mas apenas, potencialmente, sobre os juros indemnizatórios devidos

entre o termo do prazo para execução espontânea de sentença e a data de emissão da nota de

crédito.

Depois de uma análise das teses em confronto relativamente à possibilidade de condenação

da AT no pagamento de juros moratórios sobre os juros indemnizatórios, não parece ser

viável apresentar um tal pedido.

***

Page 16: Do Anatocismo de Juros de Mora e Indemnizatórios no Direito Fiscal 23.07.2015

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Embora a elaboração desta Nota Informativa tenha sido objecto do devido cuidado, a Ricardo

da Palma Borges & Associados (RPBA) - Sociedade de Advogados, R.L. não se responsabiliza

por quaisquer consequências decorrentes do uso da informação nela contida. Ela é fornecida

apenas para fins genéricos e não pode ser considerada aconselhamento jurídico ou de outro

tipo. Recomenda-se uma assessoria jurídica qualificada e dirigida ao caso concreto,

previamente à tomada de decisão relativamente a estes assuntos. Caso pretenda uma

consulta ou obter informação relativa a este assunto, por favor contacte-nos via e-mail para:

[email protected]

[email protected]

23 de Julho de 2015

Ricardo da Palma Borges

Bruno Botelho Antunes

Ana Rita Pereira

Pedro Ribeiro de Sousa

Agradecimento: Elda Catarina Fernandes