do Benfica) «A integração política de africanos é difícil»

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A Capital Quarta-Feira, 25 Maio 2005 4 :: ENTREVISTA DE MARIA JORGE COSTA Vítor Ramalho (VR) – Quando vieste estudar Medicina em 1947 vieram outros que são hoje uma referência em África. Lembras-te deles? Edmundo Rocha (ER) – Foi uma circunstância curiosa, porque en- contraram-se aqui três ou quatro in- divíduos que tiveram mais tarde uma dimensão histórica e imprimi- ram a tomada de consciência das gerações mais novas. Falo do Amíl- car Cabral, que era estudante em Agronomia, do Mário de Andrade, estudante em Letras que tinha o seu quartel general numa pastelaria à frente da antiga Faculdade de Ciên- cias, falo do Agostinho Neto, que co- meçou em Coimbra e aí conheceu Lúcio Lara. Eu fiz os dois primeiros anos aqui em Lisboa mas por razões pessoais tive de ir para Coimbra onde os conheci na Casa dos Estudantes do Império. A CAPITAL – Eram poucos e por isso conheciam-se bem uns aos outros. ER – Exacto, porque em 1948/50 do- minavam os estudantes de etnia branca que tinham facilidades eco- nómicas para vir estudar para Por- tugal. Os africanos em geral vinh- am, ou porque tinham pai branco ou porque tinham bolsas de estudo das missões protestantes e católicas. O Agostinho Neto e Mário de An- drade vieram nesse quadro. VR – O Mário de Andrade foi o pri- meiro líder do MPLA, o Amílcar Ca- bral foi o primeiro presidente do PAIGC, o Agostinho Neto foi o pri- meiro presidente da República de Angola. Nessa Casa dos Estudantes (criada em 1947 em Coimbra) e quando os ventos de descolonização se iniciam, nos anos cinquenta, há já um conjunto de estudantes que cria a revista Mensagem. Essa acti- vidade cultural do Pepetela, Mário de Andrade, Amílcar Cabral, Agos- tinho Neto tinha influência junto dos estudantes portugueses? ER – Sim mas praticamente dez anos depois. Estiveram muito ligados ao MUD juvenil até ao aparecimento do primeiro embrião de organiza- ção, criada em Paris em Novembro de 1957: Movimento Anti Colonia- lista, MAC. Estava o Mário de An- drade, o Viriato da Cruz . Decidiu-se que a sede do MAC seria em Lisboa porque era aqui que estavam os es- tudantes, os trabalhadores no clube Marítimo Africano. O MAC foi diri- gida pelo Agostinho Neto, Lúcio Lara, Eduardo Santos (médico), Ivo Car- reira e por mim e foi a primeira or- ganização especificamente africana. Naquela altura por razões diversas não havia número suficiente de pes- soas para haver organizações na- cionais mas o MAC teve o mérito de continuar a consciencialização dos jovens que iam chegando. AC – Essa consciencialização leva à criação do MAC.... «A integração política de africanos é difícil» Edmundo Rocha e Vítor Ramalho | médico e deputado do Partido Socialista :: Um angolano que vive em Lisboa e um português nascido em Angola conversaram uma hora e meia a convite de A CAPITAL. O pretexto é o Dia de África, que se comemora hoje, no ano em que se assinalam os 30 anos do reconhecimento das independências das ex-colónias portuguesas. Vítor Ramalho e Edmundo Rocha partilham a paixão por África e pela memória deixada pelos protagonistas da história que se conheceram na Casa dos Estudantes do Império,criada pelo regime de Salazar em Coimbra e Lisboa para «controlar os estudantes africanos». Por lá passaram Agostinho Neto, Joaquim Chissano, Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Costa Andrade, Pepetela e tantos outros. Trinta anos depois, A CAPITAL reflecte sobre as relações entre Portugal e os PALOP ouvindo ainda o pintor moçambicano Malangatana, a representante do CIDAC (Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral) e o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação,João Gomes Cravinho Viagem de milhares de perigos, esta, a de Simão, nome da perso- nagem central desta epopeia curta, personagem heróica que estava num ponto do mundo, parado, e de repente, aí está ele, Simão, a avançar a pequena velocidade – na marcação de uma grande pe- nalidade num jogo de futebol. Du- zentos centímetros de viagem,dirá o racionalista, habituado a trans- formar sensações em números, e que provavelmente também me- dirá a solidão pela distância – em metros – a que um homem está de outros seres vivos. Mas não são dois metros de via- gem. O que Simão, a personagem destes 200 centímetros de aven- tura, fez foi alterar a intensidade e o estilo do batimento de milhares de corações individuais. Chamar golo a um golo é uma me- táfora como qualquer outra. No en- tanto, em certos casos, talvez seja melhor o nome, mais ou menos lí- rico, de: alegria. Depois o jogo continuou, aproxi- mou-se do fim e quando uma his- tória se aproxima do seu término, a intensidade aumenta; as arti- culações emocionais dos especta- dores começaram a ranger. Surgiram múltiplos comporta- mentos místicos, até em homens que habitualmente cospem para o chão e para o ar com igual indi- ferença. Ninguém ensina a um homem o modo de ser feliz,cada um aprende por si, autodidacta das emoções privadas. Cada um era, assim, no final, feliz como sabia ser; uns de forma mais tosca,sem grandes atri- butos técnicos, outros com mais experiência e virtuosismo. Homens letrados abraçavam ile- trados e, vistos de perto ou de longe, uns e outros pareciam par- tilhar os mesmos conhecimentos sobre essa ciência estranha,e nada exacta, a que alguns chamam eu- foria. A grande viagem de Simão (2) – (e a vitória do Benfica) Gonçalo M.Tavares Destaque Dia de África, 30 anos depois JOSÉ B. CARIA

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A Capital Quarta-Feira, 25 Maio 20054 ::

ENTREVISTA DE MARIA JORGE COSTA

Vítor Ramalho (VR) – Quando viesteestudar Medicina em 1947 vieramoutros que são hoje uma referênciaem África. Lembras-te deles?Edmundo Rocha (ER) – Foi umacircunstância curiosa, porque en-contraram-se aqui três ou quatro in-divíduos que tiveram mais tardeuma dimensão histórica e imprimi-ram a tomada de consciência dasgerações mais novas. Falo do Amíl-car Cabral, que era estudante emAgronomia, do Mário de Andrade,estudante em Letras que tinha o seuquartel general numa pastelaria àfrente da antiga Faculdade de Ciên-cias, falo do Agostinho Neto, que co-

meçou em Coimbra e aí conheceuLúcio Lara. Eu fiz os dois primeirosanos aqui em Lisboa mas por razõespessoais tive de ir para Coimbra ondeos conheci na Casa dos Estudantesdo Império.A CAPITAL – Eram poucos e por issoconheciam-se bem uns aos outros.ER – Exacto, porque em 1948/50 do-minavam os estudantes de etniabranca que tinham facilidades eco-nómicas para vir estudar para Por-tugal. Os africanos em geral vinh-am, ou porque tinham pai brancoou porque tinham bolsas de estudodas missões protestantes e católicas.O Agostinho Neto e Mário de An-drade vieram nesse quadro.VR – O Mário de Andrade foi o pri-

meiro líder do MPLA, o Amílcar Ca-bral foi o primeiro presidente doPAIGC, o Agostinho Neto foi o pri-meiro presidente da República deAngola. Nessa Casa dos Estudantes(criada em 1947 em Coimbra) equando os ventos de descolonizaçãose iniciam, nos anos cinquenta, hájá um conjunto de estudantes quecria a revista Mensagem. Essa acti-vidade cultural do Pepetela, Máriode Andrade, Amílcar Cabral, Agos-tinho Neto tinha influência juntodos estudantes portugueses?ER – Sim mas praticamente dez anosdepois. Estiveram muito ligados aoMUD juvenil até ao aparecimentodo primeiro embrião de organiza-ção, criada em Paris em Novembro

de 1957: Movimento Anti Colonia-lista, MAC. Estava o Mário de An-drade, o Viriato da Cruz . Decidiu-seque a sede do MAC seria em Lisboaporque era aqui que estavam os es-tudantes, os trabalhadores no clubeMarítimo Africano. O MAC foi diri-gida pelo Agostinho Neto,Lúcio Lara,Eduardo Santos (médico), Ivo Car-reira e por mim e foi a primeira or-ganização especificamente africana.Naquela altura por razões diversasnão havia número suficiente de pes-soas para haver organizações na-cionais mas o MAC teve o mérito decontinuar a consciencialização dosjovens que iam chegando.AC – Essa consciencialização leva àcriação do MAC....

«A integração política de africanos é difícil»

Edmundo Rocha e Vítor Ramalho | médico e deputado do Partido Socialista

:: Um angolano que vive em Lisboa e um português nascido em Angola conversaram uma hora e meia a convite de A CAPITAL. O pretexto é o Dia de África, que se comemora hoje, no ano em que se assinalam os 30 anos doreconhecimento das independências das ex-colónias portuguesas.Vítor Ramalho e Edmundo Rocha partilham apaixão por África e pela memória deixada pelos protagonistas da história que se conheceram na Casa dos Estudantesdo Império, criada pelo regime de Salazar em Coimbra e Lisboa para «controlar os estudantes africanos». Por lápassaram Agostinho Neto, Joaquim Chissano, Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Costa Andrade, Pepetela e tantosoutros.Trinta anos depois, A CAPITAL reflecte sobre as relações entre Portugal e os PALOP ouvindo ainda o pintormoçambicano Malangatana, a representante do CIDAC (Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral) e o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho

Viagem de milhares de perigos,esta, a de Simão, nome da perso-nagem central desta epopeia curta,personagem heróica que estavanum ponto do mundo, parado, ede repente, aí está ele, Simão, aavançar a pequena velocidade –na marcação de uma grande pe-nalidade num jogo de futebol.Du-zentos centímetros de viagem,diráo racionalista, habituado a trans-formar sensações em números, eque provavelmente também me-dirá a solidão pela distância – emmetros – a que um homem estáde outros seres vivos.Mas não são dois metros de via-gem.O que Simão,a personagemdestes 200 centímetros de aven-tura,fez foi alterar a intensidade eo estilo do batimento de milharesde corações individuais.Chamar golo a um golo é uma me-táfora como qualquer outra.No en-tanto, em certos casos, talvez sejamelhor o nome,mais ou menos lí-rico,de:alegria.Depois o jogo continuou, aproxi-mou-se do fim e quando uma his-tória se aproxima do seu término,a intensidade aumenta; as arti-culações emocionais dos especta-dores começaram a ranger.Surgiram múltiplos comporta-mentos místicos, até em homensque habitualmente cospem parao chão e para o ar com igual indi-ferença.Ninguém ensina a um homem omodo de ser feliz,cada um aprendepor si, autodidacta das emoçõesprivadas. Cada um era, assim, nofinal, feliz como sabia ser; uns deforma mais tosca,sem grandes atri-butos técnicos, outros com maisexperiência e virtuosismo.Homens letrados abraçavam ile-trados e, vistos de perto ou delonge,uns e outros pareciam par-tilhar os mesmos conhecimentossobre essa ciência estranha,e nadaexacta,a que alguns chamam eu-foria.

A grandeviagem deSimão (2) – (e a vitória do Benfica)

GonçaloM.Tavares

Destaque Dia de África, 30 anos depois

JOSÉ B. CARIA

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Dia de África, 30 anos depois

ER – O MAC tinha relações comLuanda, onde começavam a apare-cer os primeiros núcleos de naciona-listas pela independência de Angolacomo o movimento de libertação deAngola que era mais marxista, e es-tava ligado também à Europa, a Pa-ris onde estava o Mário de Andradee o Marcelino dos Santos e o Aquinode Bragança. O MAC tinha influên-cia na Casa dos Estudantes do Impé-rio onde se faziam as farras ao sá-bado à noite mas no terceiro andarfazia-se o trabalho político. Outra li-gação importante era aos trabalha-dores marítimos. Havia uma colóniade trabalhadores africanos – negros– que tinham cá as famílias e traba-lhavam nos barcos e demandavamos portos do Brasil, Angola, Guiné,Cabo Verde e serviam de correio econtactos entre dirigentes do MAC.Tínhamos um boletim, A Mensagemonde escreveram pela primeira vezpessoas como o Pepetela (Angola),Craveirinha (Moçambique), etc.AC – A Casa mantinha relações com asassociações de estudantes portugue-ses?ER – A partir de certa altura os diri-gentes da Casa sentiram necessidadede manter relações com os estudan-tes portugueses,em Medicina,no Téc-nico, como o Bernardino Soares.VR – Houve muita gente de Angolaque veio para cá que depois entrouna luta da libertação dos povos colo-nizados e outros na luta do povo por-tuguês. O Bernardino acabou mem-bro do comité central do PCP e oirmão foi sempre um anti-colonia-lista angolano. Havia solidariedadeentre os povos africanos e portugue-ses.AC – Travavam combates comunscontra o regime fascista e a guerra co-lonial.ER – Havia duas lutas, a anti-fascistae anti-colonialista. De facto os afri-canos foram-se organizando econcluindo que essa luta devia serfeita ao mesmo tempo que a lutaanti-fascista.VR – Há uma determinada altura emque cerca de 100 estudantes fogemde Portugal para França e seguempara os movimentos de libertação.Entre eles estavam o Pepetela, Joa-quim Chissano, tu, Manuel Pinto daCosta (de S. Tomé). Como foi essafuga?ER – Em 1959 tinhamos criado ummovimento de estudantes angola-nos porque havia alguns, entre osquais Gentil Viana e Ivo Carreira, quedefendiam tratamento específicopara Angola. Esse movimento teveuma grande dimensão, estendeu-seao Porto e a Coimbra, com o DanielChipenda, Manuel Araújo que sendocabo verdiano sempre militou nascoisas angolanas.VR – Como o Amílcar Cabral.ER – Exacto, que foi um dos grandesimpulsionadores do MPLA e isso épouco conhecido.O MPLA foi lançadona primeira conferência pan-africanaem Túnis a 25 de Janeiro de 1960 peloViriato da Cruz, Lúcio Lara, Hugo deMenezes (são tomense). Toda a gentesentiu a necessidade de se especificarno sentido das lutas.Foi assim que nas-ceu o PAIGC em Túnis, pelo Amílcar.

AC – Estava a falar do movimentos dosestudantes angolanos.ER – Eles saíram de Paris e instala-ram-se em Conacri em princípios desessenta onde formaram o primeiroembrião da direcção do MPLA. Erampoucos, com pessoas no Congo (Ma-tias Miguéis) e fazem-nos o apelopara que as pessoas mais conscien-tes se lhes juntassem e saíssem dePortugal. Eu fui escolhido para ir parafora organizar a fuga juntamentecom o Graça Tavares, dos trabalha-dores marítimos. Saímos de Portugallegalmente e fomos para a Alemanhaonde estavam alguns estudantescomo o Luis de Almeida, actual em-baixador em Rabat. Não havia din-heiro nem capacidade operacional equem organizou foram os missioná-rios protestantes da assembleia mun-dial de protestantes que tinha a suasede em Genebra. Eles estavam muitoligados a África inglesa e portuguesa,conheciam muito bem o AgostinhoNeto que tinha tido uma bolsa de es-tudo deles. Aliás, o pai do AgostinhoNeto era pastor protestante. Em me-nos de 15 dias organizaram a fuga emque saíram estudantes de várias co-lónias.VR – Joaquim Chissano foi nessa fuga.ER - Saíram angolanos, cabo verdia-nos, são tomenses.AC – Como foi a fuga?ER – Houve episódios rocambolescos.Tudo foi organizado para saírem pelaraia do Minho com os passadoresclandestinos que faziam sair os por-tugueses para trabalhar em Françae na Alemanha. Eles foram metidosem dois autocarros, atravessaramtoda a Espanha e quando chegaramà fronteira espanhola com a francesaforam mandados parar. O primeiroautocarro passou com a conivênciade um funcionário da alfândegaespanhola. O segundo autocarro sóapareceu horas depois e o tal fun-

cionário caiu doente e foi substituídoe quem estava ao serviço achoumuito curioso que todos os passa-geiros apresentavam títulos de via-gem do Senegal. Entretanto a PIDEapercebeu-se da fuga e informou oMNE e Salazar, que entraram emcontacto com Madrid. Entretanto noautocarro havia três elementos quesó falavam americano, que se reve-laram ser agentes da CIA. Estes trêshomens tentaram convencer as auto-ridades na fronteira mas não conse-guiram nada e tiveram de ir a Ma-drid e foi a embaixada americanaque resolveu o assunto.VR – O grupo não era homogéneo,certo?ER – Eram ligações anteriores. Em Pa-ris foram acolhidos pela CIMAD, or-ganização protestante vocacionadaà protecção dos refugiados que vin-ham de Leste. O dirigente era o pa-dre Paul Beaumont que veio a Lisboae foi um dos coordenadores destafuga. Em Paris houve uma fracturano seio dos estudantes por pressõesde Jonas Savimbi, que foi a Parisconversar com os estudantes protes-tantes. Uma parte desses estudantesfoi para a Suiça e para a luta e muitomais tarde para a Unita.AC – É a primeira grande cisão?ER – É. Muitos dos que foram apoiaro MPLA não tinham acabado o cursoe o MPLA entendeu que deviamconcluir as licenciaturas através debolsas de estudo da União Soviética,da Alemanha de Leste. Foi nessecontexto que os que acabámos ocurso fomos para o Congo como vo-luntários durante três anos(1961,62,63) a trabalhar. Em 1963 fo-mos expulsos do território do Congopelo governo congolês.VR – Este percurso da memória éinteressante porque marca o futurodos nossos povos. A colonização por-tuguesa é única dos países que colo-

nizavam África cuja luta é comumporque era a ditadura que imperavae isso aproximou muito os povos eaté o povo português por contradi-tório que possa parecer. Mais tardequando os movimentos se desenvol-vem criaram uma organização quese chama Comité das OrganizaçõesNacionalistas das Colónias Portu-guesas (CONCP) e um dos lemas fun-damentais era que a luta desenvol-vida pelos povos colonizados eracontra o regime português e nãocontra o povo português.ER – De facto houve sempre umapreocupação e uma tendência uni-tária no seio destes diferentes afri-canos, guineenses, moçambicanos,cabo verdianos. Angolanos e são to-menses. O grupo inicial da Casa dosEstudantes do Império mantevesempre este sentido unitário nacondução das lutas e fundamentadonuma grande amizade e de relaçõesmuito fortes, pouco comuns.AC – O regime criou a Casa dos Estu-dantes do Império para...ER – Para controlar os estudantes afri-canos.AC – Mas o feitiço virou-se contra o fei-ticeiro, de tal maneira que acabarampor fechar a Casa.ER – Para além do aspecto unitáriodos africanos há também uma preo-cupação constante com as organiza-ções portuguesas da oposição, quemilitavam lá fora contra o regime fas-cista. Em Argel, por exemplo a FrentePopular de Libertação Nacional tinharelações muito profundas com todosos movimentos.VR – É esta génese de relação entreos povos que, quando o mundo bi-polar cai, eu que não acompanheinada disto porque esta é a memóriados mais velhos – cheguei a Lisboaem 1965 – com um conjunto de ami-gos percebemos o sentido unitáriodos povos e a saída possível para a

paz em Angola decidimos criar o pri-meiro Congresso dos Quadros An-golanos no exterior em 1990 quecontou com representações ao maisalto nível da igreja e dos movimen-tos políticos que abriu caminho aosacordos de Bicesse, com o secretáriode Estado dos Negócios Estrangeirosportuguês Durão Barroso. Como vê amemória do fundo não é apenas umacto de recordação, mas fez caminhopara a libertação dos povos e solida-riedade entre todos nós.AC – Esse sentimento unitário não im-pediu os caminhos próprios de cadapovo com caminhos muito diferentes.ER – Com histórias e percursos total-mente diferentes como o caso doMPLA que teve sempre uma históriaextremamente complicada e dolo-rosa em conflito com outros movi-mentos que, aliás, não pertencem aeste pano de fundo. Não beberam nasmesmas fontes, mesmo ideologica-mente são totalmente afastados, seé que tiveram algum dia algumaideologia. Cada um destes movi-mentos tem depois as suas influên-cias mas conservando sempre estaideia da organização unitária e coor-denação dos corpos, não só políticoscomo militares. Lembro-me que oMPLA tinha excesso de médicos, en-viou um médico, Manuel Bual, paratrabalhar com o PAIGC que não tinhamédicos. A CONCP, que Vítor Ra-malho cita,é o centro nevrálgico destacoordenação da luta anti colonial.AC – Acha que esse sentimento uni-tário,de que falam,passou para as ge-rações seguintes?ER – Isso é complicado porque cadaum destes povos teve a sua evoluçãoprópria. Encontro hoje um organismounitário que pretende reproduzir oespírito do Comité, que é a CPLP. Sóque esta estrutura, quanto a mim ca-rece desse fundamento porque é umaorganização de regimes, de governos

JOÃO BARATA

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Dia de África, 30 anos depois

e não uma organização de povos. Essaé que é a diferença.VR – O Edmundo colocou o dedo naferida: é fundamental avançar parauma organização de povos.ER – Enquanto a CPLP for uma orga-nização de regimes não é possívelavançar.VR – A própria sigla da CPLP espelhaessa noção porque se chama Comu-nidade dos Povos e Países. Simples-mente a focagem dos povos, a soli-dariedade, a relação histórica domundo da nossa fala comum nãoestá a ser aprofundado.AC – O que estão a dizer é que a CPLPnão ouve os povos.ER – Os povos têm muito pouca voznesses países.AC – A 25 de Maio de 1963 foi criada aOrganização da Unidade Africana(OUA).ER – Uma das ambições da OUA eraa de apoiar os movimentos de liber-tação não só nos aspectos políticosmas também militares no sentido daconquista das independências e du-rante um certo tempo eles apoiaramcom dinheiro, em certos países per-mitia a formação militar e davaapoios no seio da ONU. Teve um pa-pel muito importante, só que em An-gola uma crise grave no seio do MPLAentre Agostinho Neto e Viriato daCruz, em 1963 fes perder apoios parao MPLA. Havia o conflito entre oMPLA e a FNLA e a OUA acabou porapoiar a FNLA.VR – A FNLA criou o «Governo revo-lucionário de Angola no exílio»apoiado pela OUA onde Savimbi foiministro dos Negócios Estrangeiros.Nessa altura Mobutu correu com oMPLA do ex-Zaire.AC – O Dr. Edmundo Rocha participouna luta?ER – Não na guerrilha. Estive quatroanos numa organização do MPLA,com vários médicos e enfermeiros noCongo. Criámos vários postos juntoda fronteira de Angola para apoiaros refugiados e os nossos militares.Por ali passaram muitas armas. Ha-via 200 mil refugiados da guerra co-lonial. O MPLA ainda não tinha pre-sença no interior. As tropas do FNLAimpediam e matavam os guerrilhei-ros que entrassem nos seus territó-rios.AC – Foi violento?.ER – Muito complicado.VR – Mas agora está-se numa fase dereconciliação de Angola e é isso queimporta.AC – Estamos a falar de cinco paísescom caminhos diferentes. No caso deAngola habituámo-nos a ouvir, até háalgum tempo, que era um dos paísesonde a guerra parecia nunca acabarcom interesses estrangeiros que fo-mentavam essa mesma guerra.ER- O percurso de Angola é marcadopelas suas riquezas?– África do sul,Estados Unidos da América, França....AC - O percurso de Angola é marcadopelas suas riquezas?ER – Em grande parte sim. Nos anossessenta havia um conflito políticopor parte das duas potências – EUAe União Soviética – de controlo daÁfrica austral. Os apoios da União So-viética não se passavam só com oMPLA e a Frelimo mas com todos os

movimentos de libertação do ANC(África do Sul), da Suapo, e Zanu. AURSS tentava apoiar os seus peõesem cada uma destas colónias no sen-tido de mais tarde recolher os lucros.Os regimes não teriam vingado semo apoio eficaz da União Soviética etodo o bloco de Leste. Mas foram es-senciais também para a conquistadas independências.AC – Trinta anos depois a comunidadeinternacional tem a mesma atençãopelos países da África Austral?ER – O mundo mudou muito e os pró-prios regimes evoluíram. Houve umareconversão extraordinária dos regi-mes não só em Moçambique e An-gola e até Guiné no sentido de seadaptarem aos ventos da globaliza-ção depois da queda do muro de Berlim, em 1989. O regime angolanomudou totalmente, deu uma cam-balhota extraordinária e hoje em diaestá aberto aos negócios internacio-nais, ao FMI a todas as organizaçõesinternacionais e faz negócios com to-

dos os países capitalistas sem restri-ção nenhuma. É a única maneira defazer evoluir o país.AC – Portugal tem uma participaçãoactiva com os PALOP?ER – Penso que os outros países che-garam lá com muito mais força. Lem-bre-se que o principal parceiro co-mercial são os Estados Unidos daAmérica, seguidos pela China. Por-tugal virá em terceiro ou quarto lu-gar.AC – Dr. Vítor Ramalho, porque achaque isto acontece?VR – É necessário termos a percepçãodescomplexada da nossa história edos nossos povos e fazer em funçãodela uma estratégia clara e de futuroque passe sobretudo pelas potencia-lidades do ponto de vista cultural,científico do que Portugal pode dare receber. Na minha perspectiva ape-sar dos esforços que têm sido desen-volvidos por um país de parcos re-cursos como é Portugal, a estratégianão existe. Não é claro que esteja para

além da transitoriedade dos poderese isso é absolutamente decisivo.A nossa mais-valia no mundo só tema ver com este contributo que Portu-gal e os outros povos possam dar emconjunto à própria União Europeia ea partir daí aprofundar as relaçõesdo eixo euro atlântico. Verifico quesempre que há debates, campanhaseleitorais legislativas esta questãoestá arredada. Portugal pode dar oque eu chamo o cimento que se co-loca sobre os tijolos. O nosso papeldeve ser motor da sensibilizaçãomundial deste fenómeno único queé a o mundo da fala comum. Por ou-tro lado, o incentivo de parcerias tri-angulares e finalmente na consoli-dação da presença de pessoas nodomínio da educação e da saúde e dopequeno comércio porque tudo oresto se arrasta e é essa estratégiaque não existe.AC – Concretize.VR - Vou-lhe dar um exemplo: emPortugal temos actualmente cerca de

seis mil docentes do ensino secun-dário sem darem aulas e recebem or-denado. Angola e outros países, têmcarência de docentes. Se houvesse apreocupação de em termos de vo-luntariado essas pessoas, que rece-bem cá o seu dinheiro poderem ir umperíodo para África o efeito multi-plicador seria brutal. Um pouco comoo que foi feito em Timor mas deforma conjuntural. Este exemplopode ser alargado para as pescas ouà agricultura. Isso envolve uma es-tratégia e o que eu sinto é que a novageração que está no poder, seja elado PS ou do PSD não tem esta me-mória histórica que estamos a ouviraqui e muitas vezes comporta-se deforma complexada quando não te-mos de ter nenhum complexo. Estavisão apoiada na nossa história econexionada com os outros povosnuma estratégia completamenteclara é tão necessária como o pão épara a boca.AC – Qualquer político de qualquerpartido concorda com o que disse masnunca se fez.VR – O momento é agora porque àexcepção da Guiné, que atravessa umperíodo difícil, vivem em estabilidadeque, a meu ver, vai ser duradoura. Seé verdade que no passado mais re-cente havia situações complicadasde guerra impeditivas do investi-mento, em Angola a partir de 4 deAbril de 2002 a preocupação é de re-conciliação. Sob a embalagem ante-rior da instabilidade ainda não se viuque Portugal tem de articular umapolítica consequente. Como é que issose faz? Compreendendo por um ladoa importância do assunto e conjugaresforços públicos com privados emparcerias que podem envolver todosos nossos países: o Brasil, União Eu-ropeia porque isso é desejado pelosafricanos que têm a necessidade im-periosa que Portugal dê um contri-buto, que está a tardar.AC – Disse que a instabilidade impe-dia uma estratégia de investimentomas nessa instabilidade outros paísesentraram em força.ER – Por exemplo,há uma coisa espec-tacular: a China tomou a si a reabili-tação das vias férroviárias e rodo-viárias. Só para isso deram dois milmilhões de dólares e isso é uma lançaprofundamente ancorada porque vaicolocar esse país numa situação ím-par. Como dizia o Vítor Ramalho háconjunturas em que os países têm deaproveitar e posicionar-se. Uma de-las é esta. Não há dúvida que a mortede Jonas Savimbi, que provocou tan-tos danos a Angola,conseguiu condu-zir a uma estabilidade política e o par-tido no poder teve gestos dereconciliação muito grandes: veja-sea entrada de elementos da Unitacomo ministros, deputados, em-baixadores. Dentro de um ano vai ha-ver eleições mas não há dúvida queo único partido que vai conseguirmanter a estabilidade é o MPLA, comtodas as suas idiossincrasias. Agora,não há dúvida que Portugal tem deavançar, até porque os angolanos sãoos mais portugueses dos africanos.O português é uma língua de coesãoem Angola, é língua oficial, isto é umtrunfo espectacular. Ora, de facto, a

JOÃO BARATA

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Dia de África, 30 anos depois

política de cooperação portuguesatem sido débil. Portugal tem em An-gola empresas há muitos anos.VR – Eu que sou do Partido Socialistadigo que Portugal tem de acarinharas empresas e os grupos empresa-riais portugueses que há longos anosestão em África e têm um papel fun-damental a desempenhar na cons-trução civil, nos transportes aéreos,no sistema rodoviário e a possibili-dade de fazer parcerias, nomeada-mente com os chineses. É uma reali-dade que não pode ser descuradaporque isso é necessário sobretudopara os africanos como disse o Ed-mundo, e é absolutamente decisivopara Portugal.AC – Durão Barroso foi quem conse-guiu os acordos de paz em Angola....VR – Quem conseguiu trazer os acor-dos de paz para Portugal foi o 1.ºCongresso dos quadros angolanosno exterior. O dr. Durão Barroso teveo mérito de perceber quando isto es-tava em marcha, a grandeza queaquele congresso ia ter e aproveitou– bem – para trazer a paz para Por-

tugal. A partir do momento em queisto se confina às relações institu-cionais, a grandeza da importânciado Congresso perdeu-se. Se o não ti-vesse sido feito cá o congresso, nãotenha dúvida que não teria havidoacordos de Bicesse. Os governos têmde ter a noção que têm de contarcom pessoas que conhecem esta rea-lidade, não só com o Vítor Ramalhoou com o Edmundo Rocha. Não pe-dimos nada! O meu desejo é ser de-putado e continuar a ser mas as pes-soas que privaram com Gentil Viana,com Lopo do Nascimento, com Joa-quim Chissano e conhecem a histó-ria não são ouvidas? Nos outros paí-ses são.ER – Pego nessas palavras para dizeruma coisa. Nós (africanos) achamosmuito curioso como noutros paísesas comunidades de língua francesaou inglesa são integradas no processopolítico e como é tão difícil fazer ele-ger um deputado aqui. Há muitosafricanos que vivem em Portugal hávinte ou trinta anos e é tão difícil in-tegrar nas listas dos partidos à As-

sembleia da República. Estamos a fa-lar de pessoas que já são portugue-ses. Eu fui presidente da Casa de An-gola durante três anos e tivémossempre extrema dificuldade em ob-ter apoio das autoridades portugue-sas. Sentimos que há uma grande di-ficuldade na aceitação política destesimigrantes. Quando se fala de co-operação falamos de criar pontes masestas têm de ser feitas aqui com ascomunidades portuguesa e africana.Os africanos têm grande dificuldadeem fazer valer os seus pontos de vistae interesses quando não estão sequernuma junta de freguesia.AC – Isso explica o alheamento dos po-líticos com as questões africanas?ER – É verdade. Veja o exemplo daAmérica ultra direita que tem a di-mensão suficiente para receber doisministros dos negócios estrangeirosda comunidade negra, tem minis-tros da comunidade hispânica (do co-mércio), um elemento da comuni-dade asiática. No governo do Sr. Bush!O que mostra que um país que é pro-fundamente racista tem a coragem

política para se abrir às outras co-munidades. Porque só assim se re-solvem os problemas das comunida-des. É muito diferente ter deputadosbrancos ou um preto! Até Salazar tevedeputados pretos!AC – A questão da cor é determinante?ER – Não há dúvida nenhuma. Há umdiscurso que fica só nas palavras ,estános decretos mas é pouco aceite naprática. Acha que é normal trintaanos depois a existência destes bair-ros como a Cova da Moura ? É nor-mal que num país europeu no séculoXXI as crianças brinquem nos esgo-tos? Não é normal! Quando se temvontade política muda-se, basta vero que fez João Soares em muitos bair-ros de Lisboa e só se preocupamquando há problemas. Isto é que épreciso dizer ao povo português.AC – Como deputado e ex-governanteconcorda com esta crítica?VR – Acho que o país tem de ser maisaudaz. Do ponto de vista da alma dosnossos povos isto é um arco íris e ainfluência da africanidade neste paísé enormíssima. No concreto eu luto

por uma sociedade anti rácica.Quando há uma grande crise econó-mica em que os mais afectados sãoos de mais fracos recursos e têm umacor diferente da cor dos portuguesesporque vivem em guetos. Natural-mente essa gente é objecto de maisatenção persecutória. É por isso queo Edmundo Rocha tem razão, temosde acabar com esses guetos, integraras pessoas porque se eles persistemna sociedade hoje são pretos,amanhãsão ucranianos e as pessoas perse-guem-nos à mesma.ER – Seria normal que tendo umafracção da comunidade portuguesade origem africana houvesse umaparticipação a todos os níveis políti-cos porque é um meio de integração. Esses elementos estariam muitomais sensibilizados para resolver osproblemas das suas comunidades. Li-mito-me a descrever a realidade emque há uma discriminação que co-meça por ser económica depois é cul-tural e as pessoas vão ficando nesseestatuto anos e anos não sendo in-tegrados em parte nenhuma.

A Capital Quarta-Feira, 25 Maio 20058 :: Destaque

Dia de África, 30 anos depois

ANA GOULART

«Felizmente o colonialismo portu-guês teve muita ingenuidade e igno-rância.» A constatação do pintorMalangatana corresponde à sua vi-são de moçambicano, «criado de be-bés», empregado num clube de «os-tentação colonial», resistente,militante da Frente de Libertação deMoçambique (Frelimo), preso polí-tico e, hoje, «ligado por afectos e re-cordações» a Portugal.

Malangatana Valente Ngwenyanão teve oportunidade de ser me-nino. «Não frequentei a escola pri-mária normal, nem a escola secun-dária. Não tive oportunidade de sercriança, tive de começar a trabalharmuito cedo» conta a A CAPITAL o pin-tor moçambicano, recordando ostempos em que trabalhava como«criado de bebés», em «bairros me-nos bonitos, em casa de cidadãos pre-tos, mulatos, chineses, indianos», de-pois «em bairros bonitos, em casa degente rica, com muita opulência».

«A colonização portuguesa, comomuitas outras colonizações, tevemuita ingenuidade e ignorância.O colonizador vivia num estado deeuforia, o que cria uma penumbrade ignorância. Via-se a brindar comchampanhe porque o algodão estavaa dar ou porque podia mandar pes-soas para São Tomé ou para as mi-nas da África do Sul e sujeitar ho-mens a trabalhos forçados para lhefazer as estradas e os caminhos-de--ferro. Mas esquecia-se por completoque isso estava a ajudar o colonizadoa formar uma consciência de revolta,a perceber e combater as injustiças».

A revolução de 25 de Abril de 1974serve para o artista plástico ilustrar

a ignorância que impediu muitos deperceberem o que se estava a pas-sar. «Lembro-me que, quando se deuo 25 de Abril, os colonos que tudo ti-nham, nomeadamente os grandeslatifundiários, que eram ricos, que jánem se lembravam da existência damãe-pátria, nem mesmo sabiam osnomes dos primos e outros familia-res que viviam em Portugal, foramos que mais problemas criaram» e,naturalmente, «mais provocaram osmoçambicanos».

«Felizmente, havia muitos outros,democratas, como os advogados quedefendiam os presos políticos, comofoi o meu caso, que compreendiamo que se passava. Afinal, um dos ob-jectivos da Revolução também era adescolonização», diz Malangatana.

COMPREENSÃO. Mesmo a guerra co-lonial não impediu que «em Mo-çambique existisse um clima de ter-nura, de compreensão e houvessetolerância».

Filho de um mineiro «que viveu

muitos anos na África do Sul, ondetrabalhava», conseguiu concluir aterceira classe e ainda meninodeixou a sua terra, Matalana, e mu-dou-se para a capital de Moçam-bique, ao tempo Lourenço Marques,agora Maputo. Foi «criado de bebés».«Dava-lhes banho, mudava-lhes asfraldas, tratava deles. Por vezes, ospatrões batiam-me, mas como po-deria olhar com ódio para os meusmeninos de colo ou para os seuspais?»

Os mesmos afectos desenvolveuquando jovem foi trabalhar comocriado no Clube de LourençoMarques. «Aí conheci dois homensgrandes, o Augusto Cabral e o JoãoAires, que me levaram para o Núcleode Arte», recorda Malangatana Va-lente, para quem a pintura há muitose tinha tornado na sua forma dequestionar e registar o mundo e avida.

«No Núcleo tive a oportunidadede encontrar muita gente e pintarao lado do meu amigo Zé Júlio que

quando entrava comigo deixava-mesubir no elevador das pessoas e nãono da carga, que era o que os pretospodiam usar».

O amigo Zé Júlio apresentou-o aintelectuais, que viriam igualmentea tornar-se amigos, como Rui Nogar,José Craveirinha, Daniel Tomé Ma-gaia e, «mais tarde, Luís BernardoHonwana». «Começaram a convidar--me para participar em encontros e,hoje pergunto-me como é que eu,que mal sabia falar português, davaopiniões e era escutado», recorda ri-sonho o moçambicano que por in-fluência «destes grandes amigos»aderiu à resistência e se tornoumembro da Frelimo.

«É importante dizer que a tole-rância também faz parte de um pro-cesso de aprendizagem. Quando co-mecei a participar na Frelimo ouviadizer que não estávamos a comba-ter o homem branco mas o sistema.Que não estávamos a combater oportuguês, mas o regime colonialistae o sistema político-administrativo.

Confesso que não percebia muitobem a diferença e pensava: o sis-tema? Mas o sistema é feito pelo ho-mem, e o homem do sistema ébranco! Quem estava na adminis-tração eram os brancos e tornava-semuito difícil fazer a distinção entreo sistema colonial e os brancos, osportugueses».

AFECTOS. No ano de 1971, Malanga-tana Ngwenya Valente, então com35 anos de idade chegou a Portugalpara, como bolseiro da Fundação Ca-louste Gulbenkian, frequentar a Es-cola Superior de Belas-Artes. «Nãosenti qualquer tipo de racismo, em-bora na altura não houvesse muitospretos em Lisboa. A única coisa ne-gativa que recordo foi a vigilância daPIDE, o que, no entanto, não impe-diu que os meus amigos me levas-sem a locais que sabiam ser perigosolevar-me, como quando fiz questãode visitar a campa da Catarina Eu-fémia».

Do tempo passado na «metró-pole» – «como na altura se chamavaa Portugal» – guardou «muito boas»recordações e «muitos e muitos ami-gos». Em Lisboa, mantém o seu ate-lier de Telheiras, «onde se for preciso»passa um ou dois meses, mas ga-rante que, antes como agora, foisempre «um moçambicano, em Por-tugal», o que não quer dizer «queame mais ou menos o país» a quevolta quando pode, sem que o consi-dere a sua segunda pátria. «A minhaúnica pátria é Moçambique!»

«Não fui o único que confundi oregime colonial com o branco ou comos portugueses. Muitos daqueles quevieram a ser grandes dirigentes po-líticos e mesmo com responsabili-dades governativas cometeram omesmo erro. Mas, como disse, crescide forma mesclada e mesmo tendoapanhado vergastadas nunca deixeique o ódio toldasse a minha atitude.Mesmo no dia em que na polícia mederam 54 vergastadas por ter ido auma missa pela Páscoa quando fal-tavam cinco minutos para a hora deproibição do indígena andar na rua,não confundi as coisas e, no dia se-guinte, peguei na minha bandeja deempregado do Clube de LourençoMarques e servi como sempre tinhafeito».

O dia da independência de Mo-çambique foi o «mais feliz» da vidado pintor. Hoje, 30 anos passados,Malangatana continua, como sem-pre, a depositar «muita esperança»no futuro do seu país. Quanto a Por-tugal e aos portugueses, «é o afectode sempre» porque este «não se es-quece, nem se perde».

:: Confessa que confundiu o regime colonial com os brancos,mas garante que isso nãoprejudicou os seus afectos e que a tolerância fez partedo seu processo de aprendizagem.Malangatana, pintormoçambicano de renomeinternacional, recorda o colonialismo português e a resistência doscolonizados, sem mágoas,e destacando das memóriasda vida os laços «de ternura» que perduram

MEMÓRIA :: FOI CRIADO DE BEBÉS, EMPREGADO DE BAR, RESISTENTE E MILITANTE DA FRELIMO. É MOÇAMBICANO. PORTUGAL É UM DESTINO FREQUENTE

«Mesmo tendo apanhado vergastadas, nunca deixei que o ódio toldasse a minha atitude», assegura o pintor Malangatana

«Os afectos não se perdemnem se esquecem»

DR

A Capital Quarta-Feira, 25 Maio 2005 Destaque :: 9

Dia de África, 30 anos depois

ANA GOULART

Luísa Teotónio Pereira, presidentedo Centro de Informação e Docu-mentação Amílcar Cabral (CIDAC)diz ter dificuldade em classificar acooperação entre Portugal e os cincopaíses africanos, antigas colóniasportuguesas, pelo simples facto deque «não existem políticas de co-operação».

Criado em Maio de 1974 com oobjectivo de divulgar a realidadecolonial portuguesa o CIDAC voltouas suas atenções para a cooperaçãoe desenvolvimento nos países lusó-fonos que até ao terceiro quartel doséculo XX constituíram o universocolonial de Portugal – Angola, CaboVerde, Guiné-Bissau, Moçambique,São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

«Não se pode olhar para os paísesafricanos de língua portuguesacomo um todo. São cinco realidadesdiferentes e cada vez mais isso senota. Cada um vai fazendo o seupróprio caminho» constata LuisaTeotónio, acrescentando que «a ma-triz comum não deixa de existir,mastorna-se menos importante em re-lação ao percurso de cada país».

Daí que a presidente do CIDACaceite como «natural» a integraçãode Moçambique na anglófona daCommonwealth e da Guiné-Bissauna comunidade francófona que usacomo moeda comum o franco CFA.«Certos sectores, em Portugal, insis-tem em olhar para África de umaforma minimalista e enviesada.África é muito mais que os cincopaíses de língua portuguesa e é na-tural estas países tendam a integrar-se na região em que se situam. Asreacções negativas que se manifes-taram em Portugal aquando daadesão de Moçambique à Com-monwealth são reveladoras de umsentimento de certa posse em re-lação a estes países».

Luísa Teotóno Pereira tem difi-culdade em classificar a cooperaçãoportuguesa ao longo dos últimos 30anos. «Aquilo a que assistimos sãoformas avulsas de cooperação. Sãomedidas pontuais que mudam con-stantemente e estão muito mar-cadas por quem passa pelo Governoe por cada ministério. Em três dé-cadas a excepção apenas se verifi-cou quando doutor Luís Amadotutelou a Cooperação».

Desde os anos 80 do século pas-sado que as teses da cooperação in-ternacional se voltam para o com-bate à pobreza. Também aqui,segundo o CIDAC, Portugal perdeoportunidades. «Ao nível da saúdegrande parte dos recursos são gas-tos na evacuação de pessoas paracá. Isso é importante, mas mais im-

portante seria investir num sistemalocal de saúde». O mesmo se veri-fica na área da educação «onde háimensas bolsas para os estudantesdos PALOP que ingressam no ensinosuperior, mas não se investe numsistema de ensino a começar no pré-primário».

«A política de cooperação [oufalta dela] espelha a debilidade pro-funda das relações» com os paísesafricanos que segundo LuísaTeotónio são atingidas por dois prob-lemas: «a atitude bastante pater-nalista herdada do colonialismo,quer dos indivíduos quer do próprioEstado e o mito português de que seconhece muito bem esses países,quando se calhar nunca se co-nheceu».

Portugal não é o único culpadopela forma como a cooperação seestabelece. «Cooperar com estespaíses não é fácil. Faltam quadros,há gente oportunista, instabilidadeinstitucional, debilidades económi-cas, falta mesmo organização aopróprio aparelho de Estado», porém,a presidente do CIDAC considera quePortugal tem responsabilidades,«atéporque não tem as mesmas debili-dades e fragilidades».

«Portugal tem de deixar de ser oparceiro a quem tudo se pode pedirpara se transformar no parceiro ca-paz de apoiar o desenvolvimento.Isso obriga a fazer escolhas que nemsempre são fáceis», bem como a um«relacionamento mais maduro» que,ao fim de 30 anos, se impõe.

:: Portugal não é o únicoculpado pela ausência deuma cooperação efectiva.Mas tem responsabilidades,desconhece a realidade e continua paternalista

COOPERAÇÃO :: «INICIATIVAS AVULSAS, PONTUAIS E QUE MUDAM CONSTANTEMENTE»

Desde os anos 80 do século passado que as teses de cooperação internacional se centram no combate à pobreza

Debilidade marca relações

CATARINA FIGUEIRA

A Associação das Universidades de Lín-gua Portuguesa (AULP) vai pressionaros respectivos Governos no sentido deestes aprovarem legislação que con-cretize um espaço lusófono de ensinosuperior.O objectivo foi reafirmado noXV Encontro da AULP,que decorre atéhoje no Instituto de Ciências Sociais ePolíticas da Universidade Técnica deLisboa e no qual estarão presentesresponsáveis de 50 universidades epolitécnicos dos oito países lusófonos.

O grande objectivo da AULP é deitarpor terra as barreiras entre as institui-ções de ensino superior da Comuni-dade de Países de Língua Oficial Portu-guesa (CPLP), tornando a mobilidadedos estudantes de Angola,Brasil,Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique,Portugal,São Tomé e Príncipe e Timor--Leste numa realidade.

Na prática,isso significaria que umestudante português pudesse com-pletar a sua licenciatura passando porescolas de Timor, Luanda ou MinasGerais.A Declaração de Fortaleza – assi-nada no ano passado pelos ministrosresponsáveis pelo Ensino Superior dospaíses que integram a CPLP – prevê queesse espaço de ensino superior lusó-fono seja concretizado até 2014.

A ideia é criar um bloco de influên-cia lusófono que possa competir deigual para igual com outras comu-nidades ligadas pela língua, como éo caso da Commonwealth britânica.Mas há mais: está também previstaa criação de uma universidade vir-tual de Língua Portuguesa,que reúnaas instituições dos vários países lusó-fonos e onde estas possam trocarinformações e experiências.

Actualmente frequentam o ensinosuperior nos oito países lusófonos cercade cinco milhões de estudantes.«A mobilidade é uma necessidadeglobal e um instrumento que en-riquece o horizonte cultural e intelec-tual do aluno, para além do aprofun-damento do conhecimento científico.É natural que os alunos dos paísesmenos desenvolvidos sintam necessi-dade de ir estudar para países maisavançados.Gostaríamos que o inversotambém acontecesse,porque existemáreas em que porventura somos me-lhores.Um estudante de Medicina por-tuguês que tenha a oportunidade de irestudar para África terá uma base deformação completamente diferente»,explicou a A CAPITAL João Sebastião Teta.

Segundo o reitor da UniversidadeAgostinho Neto,de Angola,a questãofinanceira é algo que não deve com-prometer a mobilidade no espaçolusófono.«A existência de um espaçocomum de ensino e investigação cien-tífica na CPLP foi consagrado pelosrespectivos ministros que tutelam oEnsino Superior,o que implica que osGovernos que integram tenham deassumir, como têm feito, o ónus fi-nanceiro dessa mobilidade».

:: Responsáveis pelas universidades querem que os respectivos governosaprovem legislação que estimule os alunos a estudarnos oito países da CPLP

:: O OBJECTIVO É CRIAR, ATÉ 2014, UM ESPAÇO DE ENSINOSUPERIOR PARTILHADO POR TODOS OS PAÍSES DA CPLP

Reitores lusófonosexigem mobilidade

JOSÉ B. CARIA

João Sebastião Teta foi recebido em Lisboa pelo reitor da Técnica, Lopes da Silva

JOSÉ ANTÓNIO CRUZ

A Capital Quarta-Feira, 25 Maio 200510 ::

Entrevista do dia João Gomes Cravinho | Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação

ENTREVISTA DE MARIA JORGE COSTAFOTOS DE PEDRO LOPES

– Trinta anos depois do reconhecimentodas independências, como classifica orelacionamento de Portugal com as ex-colónias?– Estamos a falar de cinco países e arelação com cada um é única. Passa-dos trinta anos diria que passámos aadolescência,já estamos numa alturaem que do lado português e do ladodos diversos países africanos de ex-pressão portuguesa já não olhamospara 1975. Temos outros pontos de re-ferência. Estamos numa fase das pósindependências com parâmetros deum outro relacionamento. São trintaanos de países soberanos com uma re-lação adulta.– Portugal deixou de ser paternalista norelacionamento com esses Estados?– Acho que temos a obrigação de deixarisso para trás.No relacionamento ins-titucional não há dúvida que não hápaternalismo.– Afirmou que Portugal nunca teve po-lítica de cooperação.O que é uma polí-tica de cooperação?– Deixe-me fazer uma correcção.Houveum período em que houve uma polí-tica de cooperação: no final dos anosnoventa. Durante uns três anos emque era secretário de Estado o Dr.LuisAmado houve uma efectiva política decooperação. Do lado português aolongo de trinta anos há uma densarede de actividade de cooperação quesó naquele período começou a ganhara forma de uma política de coopera-ção. Infelizmente, depois disso os go-vernos Durão Barroso/Santana Lopesnão valorizaram e boa parte do que sefez acabou por sofrer retrocessos.A minha missão agora é pegar no tra-balho interrompido e dar seguimento.Que é que entendo por política de co-operação? É orientar todas estas acti-vidades para a cooperação numa ló-gica integrada. Porque há projectos eprojectinhos e se calhar muitos delesdeixar-se-ão cair por não fazerem sen-tido. Em contrapartida desenvolvere-mos um trabalho integrado que serádiferente de país para país.Não faz sen-tido trabalharmos em todos os paísesde expressão portuguesa em todas asáreas. A cooperação portuguesa foisempre sui generis porque se baseavasobretudo no relacionamento pessoalentre pessoas na administração pú-blica portuguesa e as suas contrapar-tes nesses países.– Isso é mau?– Há aí uma enorme riqueza humanae há uma enorme pobreza em termosde políticas e consequências.Se viajarpor esses países e perguntar o que Por-tugal conseguiu mudar este tempotodo para melhorar a qualidade de vidadas pessoas não vai conseguir encon-trar nenhuma resposta clara. Talvezencontre exemplos de um projectoaqui e outro ali, nem todos os projec-tos do passado são maus mas os queforam bons foram por acaso. Não ha-via nenhuma lógica intrínseca que le-vasse a que fossem criados.– Que prioridades devem ser assumi-das por Portugal? Porque olhamos paraos Estados Unidos da América, para aFrança ou para a China e percebe-se asáreas em que pretendem apostar. Em

Portugal não se percebe.– Não.Vivemos num contexto de densacolaboração internacional o que si-gnifica que nós temos de identificaras nossas mais valias e trabalhar deacordo com elas.– Quais são?– A língua,obviamente,e consequên-cias da história.A língua significa umaaptidão especial em trabalhar em tudoo que tenha a ver com educação e for-mação de forma mais ampla do que osistema escolar.Quando falo de conse-quências da história estou a pensar naadministração pública, nos sistemasjurídicos de matriz portuguesa.São es-sas as áreas da nossa mais valia.Sabertrabalhar no contexto internacionalsignifica trabalhar com outros doado-res institucionais como o Banco Mun-dial ou a Comissão Europeia e em re-lações bilaterais de outros países.Saberdizer que temos capacidades especiaispara trabalhar.Há outras áreas em quenão temos nenhuma mais valia espe-cial e porque não ser a Suécia ou Esta-dos Unidos a ocupar esses sectores?Isso é obviamente eficiente mas nãose consegue fazer se a cooperação por-tuguesa continua a ser resultado decentenas de iniciativas,cada uma dasquais com a sua própria lógica e razãode ser.– O interlocutor comum vai passar a sero Ministério dos Negócios Estrangeiros(MNE)?– Temos de distinguir entre duas coi-sas, uma que é a política de coopera-ção e o raciocínio de fundo que estápresente nas escolhas porque infeliz-mente é preciso fazer escolhas. É pre-ciso dizer que vamos trabalhar aqui enão ali e isso obviamente só pode es-tar no MNE ou no local. Questão dis-tinta é a capacidade técnica para a exe-cução de projectos que está noutrosMinistérios,na iniciativa privada,nasuniversidades, nas organizações nãogovernamentais e fundações.– Nos vários governos, cada ministériodefinia a sua política de cooperação masnão havia uma política previamente de-finida.– Sim, é verdade. Uma política de co-operação implica a definição de umponto focal que identifique e desen-volva de forma coerente as sinergiasque estão espalhadas pela adminis-tração pública e pela sociedade.A par-tir da matriz podemos identificar asnecessidades de cada um dos paísesporque se trata de realidades muito di-ferentes e com envolvimento interna-cional distinto. Moçambique, porexemplo, é um país com um intensacooperação multilateral e bilateral deoutros doadores. São Tomé tem pou-cas cooperações, temos de saber tra-balhar nesse âmbito. Temos de saberaproveitar as nossas mais-valias porrelação com o contribuinte portuguêsque tem o direito de exigir eficiênciaem relação aos recursos públicos e porobrigação também aos países parcei-ros que têm o direito de esperar queos recursos disponibilizados sejam uti-lizados da melhor maneira.– Ouve-se muitas vezes o discurso deque Portugal pode ter um papel fun-damental na ligação entre os PALOP ea União Europeia. Isto tem tido poucaexpressão prática.Em que medida podeser alterado?

«Portugal passou a adolescência no relacionamento com os PALOP»

:: Os governos de Durão Barroso e Santana Lopes descuraram os instrumentos de cooperação criados pelos governos socialistas. O novo secretário de Estado da cooperação garante que vai recuperar o tempo perdido e anuncia alterações no sistema de selecção de diplomatas para os diversos postos no mundo

A Capital Quarta-Feira, 25 Maio 2005 :: 11

João Gomes Cravinho | Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação

– Mais uma vez reporto ao período emque havia um fio condutor claro nessamatéria no final dos anos noventa eeste período um bocado rocambolescoque se viveu desde então. Digo ro-cambolesco porque estamos a falar deum ministério que teve três ministros,na cooperação teve três secretários deEstado cada um com ideias diferentesdos outros,impedindo a continuidadenas coisas. Em que é que isso se podeconsubstanciar? Voltamos à questãode saber trabalhar no âmbito bilateral,interpretando o que são as necessida-des dos países beneficiários e as nos-sas capacidades e, por outro lado, tra-balhar nos circuitos internacionais:Comissão Europeia, Banco Mundial,etc.Eu enquanto professor universitá-rio e consultor tenho trabalhado comessas entidades e vejo que nos últimosanos deixou de se falar de Portugal.Não se sabia o que Portugal represen-tava ou queria e isso não é bom paranós nem para os países africanos deexpressão portuguesa para quem nóspodemos ser um trunfo junto das in-stituições financeiras internacionais.Não estamos minimamente próximosdo que é o nosso potencial na vidainternacional.– Em que se vai traduzir esta diferençade actuação?– Quanto a isso queria pedir reservaporque estamos no início de um go-verno e o ministro dos Negócios Es-trangeiros [Freitas do Amaral] no dis-curso de apresentação do programado Governo foi muito claro quanto àimportância que atribui a África. Háassuntos que virão a ser política do Go-verno.Não é o ministro que faz a polí-tica do Governo, muito menos o se-cretário de Estado. Há ideias bastantedesenvolvidas sobre o que queremosfazer mas chegará o momento em queo Governo assume essa política e nãofalta muito tempo.– Um dos exemplos da falta de sensibi-lidade para as questões africanas é quea maioria das vezes o início da carreirados nossos diplomatas começa nos paí-ses africanos de expressão portuguesa.Nesses mesmos países há muito tempoque França ou os Estados Unidos en-viam diplomatas com muita experiên-cia. Isso é revelador do tipo de apostaque os vários governos,PS e PSD fazemem África. Concorda com esta crítica?– Concordo. Temos excelentes diplo-matas e muito bons nos PALOP mastemos de reflectir sobre os mecanis-mos para selecção de pessoas nos di-versos sítios. No MNE português nãotemos uma tradição de especialistasde área como em algumas outras di-plomacias.É uma opção mas acabo porachar que nos fragiliza. Isto não é algoque se mude de um ano para o outronem por decreto. Outras diplomacias,por exemplo, têm sinólogos que têmtoda uma carreira ligada à China ou apaíses próximos.Nós não temos umalógica de carreira que encoraje a espe-cialização e isso é algo sobre o qual de-vemos reflectir. Acho que o problemaestá aí.– Durão Barroso lançou a ideia da di-plomacia económica. Funcionou?– Ficou pela ideia. Estamos todos deacordo que há um papel importante adesempenhar pelo MNE na interna-cionalização das empresas portugue-

sas. Não é por despacho conjunto dedois ministros que se resolve a ques-tão. Os Ministérios dos Negócios Es-trangeiros e da Economia têm trabalhoa fazer e isso está programado.– A especialização da diplomacia quefalou poderia ser nas questões econó-micas?– Pode ser uma vertente mas isso é ape-nas um elemento. Há um enredo demelhor utilização de recursos institu-cionais que precisa de ser apurado.Es-tamos a trabalhar nisso.Não dependetanto das pessoas mas de sabermosencontrar princípios em Lisboa e osinstrumentos mais adequados.– Cita como bom exemplo de coopera-ção o tempo dos governos de AntónioGuterres. Exemplifique.– Há toda uma nova geração de ins-trumentos que foi criada nessa alturade ajuda pública ao desenvolvimentorelativamente a África.Desenvolveram-se mecanismos que depois não foramcuidados.Todo o objectivo de fazer pro-gramas integrados de cooperação apon-tavam para prioridades.O que aconte-ceu foi que em 2003 e 2004 essesprogramas voltaram à velha tradiçõesdas comissões mistas em que tudo eraprioritário.Como é óbvio quando tudoé prioritário deixa de haver prioridades.A falta de profissionalismo da coope-ração nos anos oitenta não passa de-sapercebida internacionalmente. Nosanos oitenta não havia nada que se pa-recesse com a coordenação internacio-nal que existe actualmente.Hoje esta-mos sob os holofotes da comunidadeinternacional na cooperação portu-guesa e é muito visível quando traba-lhamos mal.As empresas portuguesasque trabalham em África já não têm amesma lógica do «toque e foge» dosanos oitenta.

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