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    Luiz Carlos Bresser-Pereira ensina economia e cincia poltica na Fundao Getlio Vargas, SoPaulo. www.bresserpereira.org.br [email protected]

    26.3.2005

    DO ISEB E DA CEPAL

    TEORIA DA DEPENDENDNCIA

    Luiz Carlos Bresser-Pereira

    Papera ser publicado em livro organizado por CaioNavarro de Toledo, 50 Anos do ISEB (2005). SoPaulo: Editora da UNESP.

    Abstract. In the 1950s, two groups organized around the ECLAC (CEPAL), inSantiago do Chile, and the ISEB, in Rio de Janeiro, thought in innovative termsthe Latin American and Brazilian societies and economies. CEPAL principallycriticized the law of comparative advantages and the imperialist views behind;ISEB mostly designed the national-developmentalist ideology for economicgrowth. The idea of a national bourgeoisy was key in both approaches. TheCuban revolution, the economic crisis of the 1960s, and the military coups in the

    South Cone, however, opened room for a critique to these ideas by thedependency theory. By rejecting the possibility of a national bourgeoisie, thedependency theory that had been developed from such critique also rejected thepossibility of continuing the national revolution which was essential to economicgrowth.

    Nos anos 50, os intelectuais do ISEB, refletindo o processo de revoluo industrial e nacional

    que estava em curso desde 1930, conceberam a interpretao nacional-burguesa ou nacional-

    desenvolvimentista do Brasil e da Amrica Latina. Ao mesmo tempo, os intelectuais da

    CEPAL desenharam a crtica da lei das vantagens comparativas, dando fundamentao

    econmica poltica de industrializao com participao ativa do Estado, alm de haverem

    formulado a teoria estruturalista da inflao.1Os dois grupos de produtores de idias viviam

    em um contexto social e poltico que, desde a Grande Depresso dos anos 30, descria do

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    liberalismo, fazia a crtica ideolgica do mesmo apontando-o como instrumento dos pases

    mais desenvolvidos, particularmente da Inglaterra e dos Estados Unidos, e apostava em um

    protagonismo mais acentuado do Estado nacional na busca do desenvolvimento econmico.

    Dessa forma, atribuam o subdesenvolvimento da regio no apenas ao atraso decorrente da

    colonizao mercantil da Amrica Latina, mas tambm aos interesses do centro imperial em

    manter os pases em desenvolvimento produzindo bens primrios, e entendiam que o

    desenvolvimento deveria ser fruto de uma estratgia nacional definida com a participao das

    burguesias nacionais e dos tcnicos do Estado. Suas teorias deram apoio terico para o grande

    processo de desenvolvimento que caracterizou a Amrica Latina entre 1930 e 1980. Nos anos

    60 e incio dos 70, porm, uma srie de golpes militares nos pases do Cone Sul levou os

    intelectuais latino-americanos de esquerda a afirmar a impossibilidade da existncia de uma

    burguesia nacional, e a desenvolver uma teoria da dependncia associada, consistente comesse pressuposto, que enfraqueceu o conceito de nao na Amrica Latina.

    Para compreendermos os embates das idias que iro se travar na Amrica Latina durante

    o sculo vinte, no seio dos intelectuais de esquerda ou progressistas, preciso considerar duas

    grandes oposies ideolgicas que marcaram o mundo desde o sculo dezenove: de um lado,

    ordem versusjustia social, e de outro, nao versusCosmpolis. No caso da primeira

    oposio, a prioridade conservadora ou de direita ser a da ordem, do primado da lei

    independentemente de ser justa ou injusta, enquanto os progressistas ou de esquerda estaro

    dispostos a arriscar a ordem, primeiro historicamente, em nome da liberdade (so os liberais

    polticos e os democratas) e, mais tarde, em nome da justia social (so os socialistas ou de

    esquerda). No caso da segunda oposio, os nacionalistas defendero a idia de nao como

    uma grande associao de pessoas em torno de valores e destino comuns, e a correspondncia

    dessa nao com o Estado para a formao do moderno Estado-naoa condio histrica

    fundamental do desenvolvimento econmico. J os cosmopolitas negam a legitimidade da

    idia de nao e de Estado-nao, ou buscam reduzir sua importncia.

    Conforme veremos nestepapersobre histria intelectual, o conflito entre as duas

    oposies ideolgicas bsicas (ordem e justia, nao e Cosmpolis) dominou o pensamento

    1Por esse motivo, os economistas da CEPAL so com freqncia chamados de estruturalistas.

    Essencialmente, porm, foram desenvolvimentistas, como os do ISEB.

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    brasileiro e latino-americano. Para quem est preocupado essencialmente com a justia social

    difcil defender a idia de desenvolvimento, porque este implica em um acordo de classes

    que acaba, de alguma forma, legitimando o capitalismo. Da mesma forma, para defender o

    desenvolvimento difcil ser radicalmente socialista, porque no h desenvolvimento sem

    uma estratgia nacional de desenvolvimento, e uma estratgia desse tipo envolve sempre um

    certo acordo de classes. Na Amrica Latina, especialmente, onde a injustia social to

    profunda, esta dificuldade central.

    Neste trabalho, vou examinar estas questes a partir das idias nacionalistas e

    desenvolvimentistas que o ISEB e a CEPAL elaboraram nos anos 50, e vou contrap-las s

    idias da teoria da dependncia, principalmente na sua verso da dependncia associada.2Na

    primeira seo, vou descrever os trs grupos de intelectuais que nos interessam neste trabalho:os do ISEB, os da CEPAL, e os da escola de sociologia de So Paulo, que serviu de base para

    a teoria da dependncia associada. Na segunda vou examinar a idia do nacional-

    desenvolvimentismo, e, mais especificamente, o conceito de desenvolvimento do ISEB e da

    CEPAL como, de um lado, revoluo capitalista e revoluo nacional, e, de outro, como

    superao da dualidade. Na terceira e na quarta seo, discutirei o conceito de nacionalismo e

    a questo da burguesia nacional, e farei uma referncia aos fatos histricos novos que

    tornaram parcialmente superada a viso isebiana e cepalina. Na quinta, voltar-me-ei para a

    teoria da dependncia, e examinarei suas trs verses: a teoria da super-explorao capitalista,

    a da dependncia associada, e a nacional-dependente, com a qual me associo porque , no

    fundo, a continuao e a crtica interna teoria nacional-desenvolvimentista.

    Instituies de intelectuais pblicos

    O ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) foi um grupo de intelectuais de vrias

    origens e especialidades que, durante os anos 50 no Rio de Janeiro, desenvolveu uma viso

    coerente e abrangente do Brasil, e do seu processo de industrializao e desenvolvimento. A

    CEPAL (Comisso Econmica para a Amrica Latina das Naes Unidas) ir se tornar, a

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    partir de 1949, a origem do pensamento econmico estruturalista latino-americano. No fao

    aqui uma resenha do pensamento da CEPAL ou do ISEB, mas dou-lhes uma interpretao

    pessoal, particularmente do ISEB. As perspectivas abrangentes das duas instituies so

    contemporneas, conhecendo seu auge nos anos 50, e so coerentes entre si. Na dcada

    seguinte, porm, depois da crise dos anos 60, dos golpes militares, e da retomada do

    desenvolvimento a partir do final dessa dcada, a viso nacional-desenvolvimentista da

    CEPAL e principalmente do ISEB ser criticada de forma cerrada pelos socilogos brasileiros

    que se renem na Universidade de So Paulo, originalmente sob a liderana de Florestan

    Fernandes. a escola de sociologia de So Paulo que est surgindo. Tanto o ISEB como a

    CEPAL e a escola de sociologia de So Paulo foram instituies de intelectuais pblicos,

    embora a ltima pretendesse ser antes uma instituio puramente acadmica, mas, entre elas,

    era o ISEB a que mais se enquadrava nessa categoria.3

    Os principais intelectuais do ISEB foram os filsofos lvaro Vieira Pinto, Roland

    Corbisier e Michel Debrun, o socilogo Alberto Guerreiro Ramos, os economistas Igncio

    Rangel, Rmulo de Almeida e Ewaldo Correia Lima, o historiador Nelson Werneck Sodr, e

    os cientistas polticos Hlio Jaguaribe e Cndido Mendes de Almeida. Suas idias, de carter

    antes poltico do que econmico,4completavam-se, no plano econmico, com o pensamento

    estruturalista da CEPAL. As idias desse organismo das Naes Unidas tiveram uma

    repercusso muito maior do que as do ISEB e foram alvo de uma crtica muito mais suave do

    que aquela que enfrentou o grupo de intelectuais brasileiros. A CEPAL contar com dois

    gigantes do pensamento econmico do sculo vinte: seu segundo diretor executivo e principal

    dirigente ser Raul Prebisch, logo a ele se associando Celso Furtado. Outros economistas

    significativos da CEPAL foram Anbal Pinto, Oswaldo Sunkel e Maria da Conceio

    2Este trabalho est baseado em O Conceito de Desenvolvimento do ISEB Rediscutido

    (Bresser-Pereira, 2004). Alm de diversas modificaes e cortes, foi acrescentada aqui aanlise da teoria da dependncia.3Estou usando a expresso intelectuais pblicos nos termos adotados por Russell Jacoby,

    1987.4Embora contassem com um notvel economista, Igncio Rangel.

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    Sua preocupao principal ser com a marginalidade social, a distribuio de renda, e a

    anlise dos gneros e das classes sociais. Ao contrrio do que ocorre com o ISEB, a questo

    nacional no central para a escola de sociologia de So Paulo. Enquanto a interpretao do

    ISEB, como a da CEPAL, corresponde interpretao nacional-burguesa do Brasil, e sua

    viso do desenvolvimento est intrinsecamente ligada idia da revoluo nacional, a escola

    de So Paulo estar muito mais ligada a uma das trs verses da teoria da dependncia: a

    verso da dependncia associada.6Enquanto os intelectuais do ISEB vem no pacto populista

    de Getlio Vargas um modelo para a revoluo capitalista e nacional de pases perifricos, e

    vem o populismo poltico como uma primeira expresso do povo e, portanto, da democracia,

    a escola de sociologia de So Paulo dar ao populismo de Vargas uma conotao negativa.

    Enquanto o grupo do ISEB, embora dotado de ampla formao terica, estivesse antes situado

    no aparelho do Estado do que na universidade, e no se mostrasse preocupado com a pesquisa

    emprica, sendo antes um grupo de intelectuais pblicos universalistas, os socilogos de So

    Paulo eram um produto por excelncia da universidade, e reivindicam para o si o carter

    puramente acadmico ou cientfico.7Enquanto, de acordo com Norma Crtes (2003: 27-31), o

    ISEB era um grupo nacionalista e historicista, que tinha uma viso dualista da histria, que

    pressupunha a possibilidade das alianas de classe, e estava preocupado com o

    desenvolvimento nacional obstado pelo imperialismo, a escola paulista adotou uma

    perspectiva cosmopolita, anti-dualista, enfatizou o conflito das classesou seja, a dicotomiaesquerda-direita, e rejeitando a possibilidade de acordos nacionais, e no se interessando em

    criticar as relaes imperiais existentes entre os pases desenvolvidos e os no desenvolvidos.

    Esta anlise sumria no significa, porm, que a escola de sociologia de So Paulo tenha se

    Revista Brasileira de Economia, por iniciativa de Celso Furtado.6

    Em um trabalho anterior (Bresser-Pereira, 1982) eu distingui a interpretao funcionalcapitalista da teoria da nova dependncia, que nomearia tanto a interpretao de FernandoHenrique Cardoso como a minha, na medida em que ambas mostravam os que as empresasmultinacionais podiam contribuir para a industrializao, mas causavam distores no planoda distribuio de renda e da poltica autoritria. Hoje, mais consciente da negao porCardoso da possibilidade de uma burguesia nacionalcoisa com a qual nunca concordei,parece-me mais adequado distinguir a minha posio da dele. Na verdade, a posio deCardoso era a mesma da interpretao funcional capitalista, ligada escola de sociologia deSo Paulo, enquanto a minha manteve sua vinculao com a viso original do ISEB e daCEPAL, como se poder ver neste trabalho.

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    constitudo em um grupo compacto. Pelo contrrio, houve muito pensamento independente, e

    conflitos tericos de todo o tipo. O alvo inicial da crtica da sociologia paulista foi Gilberto

    Freyre.8O segundo alvo ser o ISEB e comear com um famoso debate entre Florestan

    Fernandes e Guerreiro Ramos. O primeiro trabalho amplo do grupo paulista, que esboa uma

    viso do Brasil e compete diretamente com as idias do grupo do Rio de Janeiro, ser o livro

    de Fernando Henrique Cardoso (1964) sobre os empresrios e o desenvolvimento

    econmico.9

    Desenvolvimento como revoluo capitalista e nacional

    O ISEB e a CEPAL eram crticos do liberalismo econmico, que na Europa e nos Estados

    Unidos s se tornou dominante depois que o nacionalismo permitiu que construssem seus

    Estados nacionais. Para seus intelectuais, o desenvolvimento dos pases ento

    subdesenvolvidos s seria possvel se fosse fruto de planejamento e de estratgia, tendo como

    agente principal o Estado. Dada a existncia do imperialismo, seria impossvel a esses pases

    se desenvolverem sem que sua revoluo capitalista se completasse pela revoluo nacional,

    que leva formao do Estado nacional. Nesse contexto terico, o desenvolvimento um

    processo de acumulao de capital e de incorporao de progresso tcnico atravs do qual os

    padres de vida da populao aumentam de forma sustentada, mas tambm o processo

    atravs do qual o pas realiza sua revoluo capitalista e nacional. Como para Marx, era um

    processo integrado de desenvolvimento econmico, social e poltico. Como para Schumpeter,

    7A preocupao das pesquisas empricas iniciais ser com a discriminao racial, inaugurada

    com os trabalhos pioneiros de Fernando Henrique Cardoso (1962) e de Florestan Fernandes(1965).8Ver, sobre essa crtica, alm da ampla produo paulista, o ensaio de Joaquim Falco, A

    Luta pelo Trono: Gilberto Freyre versus a USP (2001).9Fernando Henrique Cardoso faz a crtica inicial das idias do ISEB (1964: 81-82). Esta

    crtica radicalizada mais tarde por dois representantes da escola de So Paulo, Caio Navarrode Toledo,ISEB, Fbrica de Ideologias(1974) e Maria Sylvia de Carvalho Franco, OTempo das Iluses (1978), enquanto Francisco de Oliveira, Economia Brasileira:Crtica Razo Dualista (1972) criticava principalmente o estruturalismo de Celso Furtado. AlziraAlves Abreu (1975) precisou de muita independncia intelectual para defender em Paris umacompetente tese sobre o ISEB. Segundo seu depoimento, o tema era visto pelos seus amigospaulistas como imprprio, a no ser que o objetivo fosse criticar radicalmente o pensamento

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    tinha como agentes os empresrios, e no significava simplesmente aumento da renda per

    capita, mas transformaes estruturais da economia e da sociedade. Mas todo esse processo

    s fazia sentido no quadro da revoluo capitalista ou burguesa, que dava origem a uma classe

    orientada para a acumulao de capital e para inovao, e da formao de um Estado-nao

    moderno que tinha dois papis: de um lado, constitua-se no mercado interno seguro

    necessrio industrializao,10

    e, de outro, coordenava a estratgia nacional de

    desenvolvimento, usando do seu aparelho de Estado e de suas instituies.11

    A idia de revoluo capitalista dividida em duas etapasrevoluo comercial e

    revoluo industrialestava na base do pensamento do ISEB. com a passagem do

    capitalismo mercantil para o industrial que as duas caractersticas essenciais do

    desenvolvimento econmicoa acumulao capitalista e a incorporao sistemtica deprogresso tcnicose materializam, provocando o crescimento sustentado da renda por

    habitante, e a melhoria dos padres de vida da populao. Entretanto, da anlise do ISEB e da

    CEPAL, e da histria da Europa, possvel depreender que, para que essa transio se

    complete, essencial que, entre a revoluo capitalista e a industrial, uma terceira revoluo

    ocorraa revoluo nacional que d origem ao Estado-nao moderno, ou seja, que

    estabelece o mercado interno necessrio ao investimento industrial e cria o instrumento de

    ao coletiva para que uma estratgia de desenvolvimento possa ser concebida e executada.

    No caso dos pases subdesenvolvidos que estavam em pleno processo de revoluo

    capitalista e nacional nos anos 50, o ISEB e a CEPAL salientavam, em primeiro lugar, que, a

    partir da acelerao do desenvolvimento industrial nos anos 30, a sociedade latino-americana

    deixava de ter uma organizao bipolar simples, baseada em uma oligarquia dominante e uma

    massa rural, e passava por um processo de diferenciao que dava origem a classes mdias

    burguesas e burocrticas modernas, cabendo a elas um papel chave na liderana do

    do grupo. Extinto e perseguido pelos militares por ser de esquerda, o ISEB foi, assim, vtimade uma crtica equivocada e ressentida originada na prpria esquerda.10

    A burguesia foi capaz de realizar a revoluo comercial contando essencialmente com ocomrcio de longa distncia, externo, mas para empreender a revoluo industrial necessitavade um mercado interno seguro.11

    Os governos de cada Estado usaro dois tipos bsicos de instituio para promover odesenvolvimento: leis relativamente permanentes, a comear pela garantia da propriedade, epolticas pblicas provisrias, refletindo a estratgia de cada momento histrico.

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    desenvolvimento. Oswaldo Sunkel, um dos representantes mais expressivos do pensamento

    cepalino, afirmava a respeito, em 1967, que dessa diferenciao surgiam ento possibilidades

    de alianas desses grupos com setores populares para promover o desenvolvimento

    econmico: e acentuava: o nacionalismo e a organizao e participao populares seriam os

    pilares ideolgicos de tais alianas. Entretanto, observava, as relaes de dependncia e de

    alienao dessas classes mdias, preocupadas em reproduzir os padres de consumo do

    centro, que revelam o carter contraditrio das mesmas e sua dificuldade em levar a cabo um

    desenvolvimento econmico nacional.12

    Em segundo lugar, os intelectuais dos dois grupos

    verificavam que o Estado, atravs de seus polticos e tcnicos, estava desempenhando um

    papel estratgico no desenvolvimento e viam esse fato de forma positiva. O Estado devia,

    principalmente, proteger a indstria nacional infante contra a concorrncia estrangeira,

    reservando seu mercado interno para essa indstriada a tese que o desenvolvimento deve

    ocorrer pela substituio de importaes. Mais amplamente, para a CEPAL, o Estado deve

    liderar a sociedade na superao das trs tendncias consideradas inerentes industrializao

    perifrica: o desemprego estrutural, o desequilbrio externo e a deteriorao dos termos de

    intercmbio.13

    O desenvolvimento , portanto, planejamento, mas tambm estratgia. O

    Estado no pode limitar-se a estabelecer as condies institucionais para que os empresrios

    invistam. Deve, tambm, criar as condies econmicas necessrias. Para o ISEB

    principalmente, o desenvolvimento econmico envolve sempre revoluo nacionalou,como dizia Celso Furtado, a transferncia dos centros de deciso para dentro do pas. E,

    mais amplamente, envolve revoluo capitalista. a partir da que se viabiliza a associao

    entre o empresrio industrial, que o agente por excelncia do desenvolvimento, e os

    polticos e tcnicos do governo, a quem cabe a coordenao do processo.

    12Sunkel, (1969[1967]: 251). Este ensaio aparece em um livro, Andrs Bianchi et al. (1969),

    que rene ensaios dos principais economistas da CEPAL. Recentemente RicardoBielschowsky, org. (2000) organizou um livro mais amplo com o mesmo objetivo.13

    Octavio Rodrigues (1981): 20. Em trabalho recente, o analista do pensamento cepalinoassinala que na Amrica Latina houve trs modelos de industrializao: a industrializaoliberal, a nacional-populista, e a estatal-desenvolvimentista, que teriam como exemplos,respectivamente, a Argentina, o Brasil, e o Mxico, e mostra que na segunda e na terceira opapel de uma burguesia industrial foi chave (Rodrigues, 2004: 178-182) A CEPAL foi umadas fontes inspiradoras do segundo e do terceiro modelo, que neste trabalho eu estoudefinindo como o modelo nacional-desenvolvimentista.

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    Nacionalismo

    Para que o desenvolvimento possa ser pensado em termos estratgicos, portanto, necessrio

    que a revoluo capitalista seja tambm uma revoluo nacional. Com o surgimento do

    Estado, a sociedade passa a dispor do instrumento necessrio para promover seudesenvolvimento econmico. Tanto na revoluo capitalista quanto na revoluo nacional o

    poder poltico se concentra principalmente nos empresrios e nos burocratas estatais, e nos

    polticos que os representam, ficando para os trabalhadores assalariados um papel secundrio,

    embora crescente na medida em que a democracia avana. Entretanto, enquanto na revoluo

    capitalista o conflito que marca a relao capital-trabalho, na revoluo nacional o

    fenmeno marcante a associao em torno de um projeto de nao dos empresrios,

    detentores do capital e da capacidade de inovao, da tecnoburocracia pblica e privada,

    detentora de conhecimento tcnico e organizacional, e dos trabalhadores. A partir desta

    perspectiva dialtica ao mesmo tempo histrica e normativa, e dando nfase associao

    entre a burguesia e os tcnicos do Estado, o pensamento do ISEB essencialmente

    nacionalista. Neste contexto, o nacionalismo de pases em desenvolvimento que, a partir do

    fim da Segunda Guerra Mundial, pensam em reduzir seu atraso em relao aos pases ricos,

    no significa rejeio do estrangeiro, nem mesmo correspondncia da nao com o Estado-

    nao,14

    mas a ideologia da formao do Estado-nao, essencial ao desenvolvimento

    nacional. Nos pases em desenvolvimento, os nacionalistas, entre os quais o ISEB foram,

    provavelmente, o grupo intelectual mais significativo na Amrica Latina, alm de afirmarem a

    necessidade de uma estratgia nacional de desenvolvimento, adotam, em termos gerais, a

    teoria do imperialismo. Ou seja, atribuem o subdesenvolvimento no apenas a fatores

    internos, mas tambm explorao dos pases desenvolvidos e sua estratgia de, atravs de

    conselhos e presses, praticar o que Friederich List, ainda na primeira metade do sculo

    dezenove, identificou como o ato de chutar a escada.15

    Apenas os mais radicais afirmam que

    no possvel haver desenvolvimento para todos, e que o desenvolvimento do centro se fezprincipalmente s custas da explorao da periferia, mas todos concordam que os interesses

    14Ernest Gellner (1983), pensando principalmente no nacionalismo europeu, definiu

    nacionalismo como a sendo a ideologia visando essa correspondncia.

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    dos pases mais ricos no podem ser identificados com os dos pases economicamente

    atrasados, principalmente com aqueles dos pases de desenvolvimento mdio que ameaam os

    pases ricos com sua mo-de-obra barata.

    O ISEB, e mais ainda a CEPAL, adotavam posies nacionalistas moderadas. No sepretendia que o Brasil ou os pases latino-americanos fossem mais nacionalistas do que

    haviam sido os pases desenvolvidos. Diferentemente, porm, dos primeiros pases ricos, que,

    depois da independncia americana, no tiveram que enfrentar o problema da dominao

    formal ou informal estrangeira, desenvolveram teorias que tinham como pressuposto o

    imperialismo. A oposio centro-periferia desenvolvida por Raul Prebisch no outra coisa

    seno um eufemismo para indicar a relao imperialista. A teoria da troca desigual a

    explicao economicamente precisa de como os pases ricos conservam para si os ganhos de

    produtividade, como garantem que o valor adicionado do trabalho em seus pases no se

    reparta com os consumidores dos produtos industriais nos pases em desenvolvimento, como a

    teoria do comrcio internacional pressupe. Tanto o ISEB quanto a CEPAL eram

    moderadamente de esquerda, porque estavam preocupados com a desigualdade reinante na

    Amrica Latina, e claramente nacionalistas, porque seu objetivo maior era o desenvolvimento.

    Para o ISEB, particularmente, estava claro que a formao do Estado nacional se faz,

    necessariamente, atravs de uma aliana dialtica ou contraditria, mas, sem dvida, de uma

    aliana real entre capital e trabalho. Uma aliana ou um esprito de solidariedade que se

    manifesta na competio com outros Estados nacionais. O nacionalismo do ISEB tinha como

    modelo o nacionalismo patritico, bismarquiano, dos grandes pases capitalistas

    desenvolvidos, que s puderam se desenvolver porque formaram Estados-nao capazes de

    liderar um projeto de desenvolvimento. O ISEB no pedia aos brasileiros ou aos latino-

    americanos que fossem mais nacionalistas do que os americanos, os franceses ou os ingleses:

    pediam apenas que fossem igualmente nacionalistas.

    Podemos, assim, completar o conceito de desenvolvimento do ISEB e da CEPAL: o

    processo de acumulao de capital, incorporao de progresso tcnico, e elevao dos padres

    de vida da populao de um pas, que se inicia com uma revoluo capitalista e nacional; o

    15Friedrich List (1999[1846]). Ha-Joon Chang escreveu um livro notvel dando evidncias

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    processo de crescimento sustentado da renda dos habitantes de um pas sob a liderana

    estratgica do Estado nacional e tendo como principais atores os empresrios nacionais. O

    desenvolvimento nacional porque se realiza nos quadros de cada Estado nacional, sob a

    gide de instituies definidas e garantidas pelo Estado. Nesta definio fica clara a

    importncia das instituies.

    Burguesia nacional e fatos histricos novos

    Na viso do desenvolvimento dos intelectuais do ISEB, a questo da burguesia nacional

    central. Nos anos 50, o ISEB identificava a industrializao, que se acelerara desde 1930 com

    a Revoluo Nacional Brasileira, e argumentava que ento, sob a gide de Getlio Vargas, se

    formara um pacto poltico nacional-popular unindo burguesia industrial, trabalhadores,

    tcnicos do Estado, e a parte da velha oligarquia (a substituidora de importaes, como os

    criadores de gado do Rio Grande do Sul), que lutava contra o imperialismo e a oligarquia

    agrrio-exportadora. Neste esquema poltico, necessariamente simplificado, os intelectuais do

    ISEB atribuam um papel protagonista para os empresrios industriais.16

    Eles sabiam que nem

    sempre a burguesia brasileira se ajustava ao modelo da revoluo nacional, mas esse modelo

    era consistente com os interesses reais dos atores, e observvel no plano histrico. A CEPAL

    acompanhou o ISEB nesse ponto.17

    Nos anos 50 era razovel falar em uma burguesia nacional. Nos anos 60, porm, o quadro

    muda. Minha interpretao para a crise poltica que comea em 1961 e para o golpe militar de

    1964 foi de que se tratava de uma subordinao estratgica com os Estados Unidos, e,

    portanto, provisria, decorrente de uma srie de fatos histricos novos que haviam mudado o

    quadro poltico. Desde o incio dos anos 60, no quadro da derrota das foras nacional-

    desenvolvimentistas nas eleies presidenciais brasileiras de 1960, e da crise poltica que se

    modernas dessa tese com o livro Chutando a Escada (2002).16

    Observe-se que Vargas foi populista apenas do ponto de vista poltico. Ao contrrio do queocorria com Juan Pern, com quem freqentemente comparado, jamais foi um populistaeconmico, mantendo sempre equilibradas as finanas do Estado, controlando o gastopblico, e o equilbrio do Estado nacional, evitando o endividamento externo excessivo.17

    Ver Octavio Rodriguez (1981: 22-23

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    segue, ficou claro para mim que o modelo poltico pensado pelo ISEB se tornara

    provisoriamente superado por um conjunto de fatos histricos novos. Esses fatos haviam

    ocorrido durante os anos 50, e haviam superado o conflito entre indstria e setor agro-

    exportador, inviabilizado uma aliana entre as esquerdas e os empresrios industriais, e

    levando a classe capitalista a se unir contra a ameaa comunista. A revoluo de Cuba, em

    1959, no contexto da Guerra Fria, a entrada de capitais multinacionais na indstria que, de

    fato, s comea a ocorrer a partir do incio da dcada, a consolidao da industrializao

    durante o governo Juscelino Kubitschek, e o fim da grande transferncia de rendas do setor

    exportador de caf para a indstria foram alguns desses fatos.18

    Muito diferente, porm, foi a anlise que fez a escola de sociologia de So Paulo do golpe

    militar de 1964. Ao invs de reconhecer o carter contraditrio da burguesia em pasesdependentes, e que a aliana com os Estados Unidos a partir daquele golpe fora provisria ou

    incompleta, entendeu que o carter no nacional da burguesia era permanentemais do que

    isto, intrnseco. Apoiada na pesquisa de Cardoso sobre a participao poltica dos

    empresrios, j referida, e na participao dos empresrios no golpe militar de 1964, negava a

    possibilidade de uma burguesia nacional, embora, contraditoriamente, reconhecesse a

    existncia do pacto populista de Vargas.

    Depois do golpe militar de 1964, enquanto o grupo de So Paulo exorcismava ainterpretao nacional-burguesa do Brasil, que o ISEB e o Partido Comunista haviam

    compartilhado, culpando-a pelo prprio golpe, os intelectuais do ISEB haviam sido

    dispersos.19

    A vitria acadmicada escola paulista foi completa, no apenas porque seus

    intelectuais falavam em nome da cincia, mas tambm porque aproveitaram o natural

    ressentimento dos intelectuais de esquerda e democrticos com o golpe militar, e porque o

    18Fiz a anlise dos fatos histricos novos que mudavam estruturalmente a poltica brasileira,

    primeiramente, em uma carta a Luiz Antnio de Almeida Ea (Bresser-Pereira, 1960); depoisem umpaperO Empresrio Industrial e a Revoluo Brasileira (Bresser-Pereira, 1963); eem deDesenvolvimento e Crise no Brasil1930-1967 (Bresser-Pereira, 1968: captulo 4).Nas demais edies deste livro, o captulo no sofreu qualquer alterao.19

    Caio Prado Jr., muito mais velho, no era parte do grupo, mas trouxe-lhe um inesperadoapoio atravs do ensaio, to notvel quanto equivocado,A Revoluo Brasileira (1966).Identifiquei a viso de Caio Prado Jr., que foi dominante na escola de sociologia de So Paulonos anos 60, interpretao funcional-capitalista (Bresser-Pereira, Seis Interpretaes doBrasil, 1982).

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    modelo poltico do ISEB (que fora adotado pelo Partido Comunista Brasileiro) foi entendido

    como uma traio aos trabalhadores e ao ideal socialista.20

    E, com essa vitria, perdura at

    hoje uma viso enviesada da grande contribuio dos intelectuais do ISEB para a

    compreenso da realidade brasileira.

    21

    J a CEPAL, embora partilhasse da maioria das idiasdo ISEB, no foi criticada, inclusive porque sua anlise era mais econmica do que poltica, e,

    provavelmente, porque no interessava nem aos crticos nem aos criticados incluir a CEPAL

    no debate.22

    Dessa forma, estabeleceu-se uma espcie de estratgia tcita entre os novos

    tericos da dependncia e a burocracia da CEPAL de minimizar o conflito e aumentar os

    acordos. Segundo essa perspectiva, as teses da teoria da dependncia no significariam a

    superao da CEPAL, e sim uma contribuio sociolgica ao pensamento sobre a relao

    centro-periferia, em sintonia com o seu pensamento econmico. No essa a forma que vejo

    o problema. A prpria CEPAL foi envolvida pelas novas idias, e tratou de alguma forma de

    aderir a elas, mas preciso reconhecer que, como acontecera com o ISEB, os anos 50 foram

    os de auge da CEPAL. Nas duas instituies, naquela dcada, havia uma anlise econmica

    original dos obstculos que o desenvolvimento brasileiro e latino-americano enfrentavam, um

    projeto de desenvolvimento, e uma anlise sociolgica de como alcan-lo no plano poltico.

    Depois, foi o declnio.

    20Essa vitria, e a estratgia da escola de sociologia de So Paulo de identificar as idias do

    ISEB com as do populismo ser celebrada, por exemplo, por uma notvel representante daescola de sociologia de So Paulo, Emilia Viotti da Costa (1978: 178), que afirma: A crisedo populismo que culminou com o golpe militar de 1964 colocou os analistas sociais em umanova direo. O modelo da dependncia tomou lugar do modelo dualista.21

    Norma Crtes cita a respeito a seguinte frase de Jaguaribe (1979: 102) na qual sou citado:quase todos os estudos sobre o ISEB com a importante exceo de Luiz Carlos Bresser-Pereira...tm sido empreendidos por uma nova gerao de intelectuais geralmente comteses de doutoramento, aos quais escapa... um suficiente entendimento das condiesbrasileiras de fins da dcada de 1940 a princpios de 1960. Estes crticos so conduzidos, semse dar conta, a uma polmica geracional condicionada pela postura de jovem acadmico...Quando Jaguaribe fala em polmica geracional ele est sugerindo que os principaisintelectuais da escola de sociologia de So Paulo eram de uma gerao posterior dosintelectuais do ISEB.22

    Ver, por exemplo, a avaliao geral que Cardoso (1980[1977]) faz da CEPAL. A atitude antes de apoio do que de crtica. Ou ento, em outro trabalho (1980[1972]: 65), sua afirmaode que os estudos sobre a dependncia constituram uma espcie de autocrtica dinamizadapelo ardor dos que, sem jamais ter passado pela escola cepalina, souberam, entretanto, critic-lasine ira ac studio.

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    Teoria da dependncia

    Na histria intelectual da Amrica Latina, um dos temas tratados de forma mais confusa e

    imprecisa o da teoria da dependncia. A maioria dos que a discutem simplesmente a

    confundem com a teoria do imperialismo, quando ela uma crtica dessa teoria,especialmente quando ela supe a possibilidade de uma revoluo nacional nos pases

    perifricos com a participao ativa das diversas elites nacionais, a comear pela burguesia

    nacional. Surgindo depois dos golpes militares, e da associao da burguesia aos militares e

    aos Estados Unidos que viabilizar esses golpes, a teoria da dependncia constitua-se,

    essencialmente, em uma crtica forma dependente do capitalismo se manifestar na Amrica

    Latina. No negava a explorao da periferia pelo centro desenvolvido, mas acentuava que

    essa explorao no podia ser atribuda apenas aos dominadores: as elites dos pases

    dominados, revelando sua dependncia ou sua subordinao em relao s elites centrais,

    associavam-se a elas. Desta forma, enquanto a teoria do imperialismo, especialmente na

    verso que o ISEB defendeu no Brasil, supunha a possibilidade de uma burguesia nacional e

    lhe atribua um papel fundamental na afirmao das naes em desenvolvimento, a teoria da

    dependncia caracterizava-se pela negao da possibilidade de existncia dessa burguesia. A

    expresso dependncia, na periferia, a contrapartida da palavra imperialismo, no centro.

    Muitos, por isso, so levados a crer que as duas teorias so equivalentes. Na verdade, a teoria

    da dependncia s existe, s constituiu uma novidade, porque se ops teoria doimperialismo de duas maneiras. Primeiro, afirmando que a causa do atraso dos pases

    subdesenvolvidos no est apenas na explorao do centro imperial, mas, tambm, seno

    principalmente, na incapacidade das elites locais, especificamente da burguesia, de serem

    nacionais, ou seja, de pensarem e agirem em termos dos interesses nacionais, no se podendo

    falar em uma revoluo nacional burguesa. Enquanto a interpretao nacional-

    desenvolvimentista pressupunha que estava surgindo uma burguesia industrial e nacional, em

    conflito com as velhas elites latino-americanas, em parte feudais ou patriarcais, em partemercantis, Gunder Frank negava radicalmente essa hiptese.Afirmava que a interpretao

    nacional-desenvolvimentista era uma verso da teoria de modernizao adotada por

    socilogos conservadores, principalmente americanos. Na verdade, a maioria dos adeptos da

    teoria da dependncia afirma que os pases da Amrica Latina haviam sido sempre burgueses,

    mas, seguindo Caio Prado Jr. nesse ponto, afirmam que sua burguesia sempre fora, desde o

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    incio da colonizao portuguesa ou espanhola, uma burguesia mercantil, dependente do

    centro, incapaz de realizar uma revoluo nacional. Em segundo lugar, a teoria da

    dependncia, na sua verso associada e tambm na nacional-dependente (no na da super-

    explorao capitalista), afirmava que a teoria do imperialismo equivocava-se ao afirmar que o

    centro seria contrrio industrializao. Tanto no era assim que as empresas multinacionais

    estavam, desde os anos 50, investindo em plantas industriais na regio. As empresas

    multinacionais e o capital financeiro internacional no impedem, mas condicionam

    perversamente o desenvolvimento econmico. Condicionam promovendo a concentrao de

    renda da classe mdia para cima e estimulando o autoritarismo. Na verso da dependncia

    associada da teoria da dependncia se d um passo alm, e se afirma que essa participao das

    empresas multinacionais no desenvolvimento, trazendo sua poupana externa, e dos

    emprstimos internacionais, tambm envolvendo poupana externa, ser condio para odesenvolvimento da Amrica Latina. Em sntese, a teoria da dependncia define-se de forma

    distinta da teoria do imperialismo por atribuir a responsabilidade do subdesenvolvimento mais

    s elites locais dependentes, incapazes de serem nacionais, e menos (em diversas medidas)

    capacidade do centro imperial de criar obstculos ao desenvolvimento da periferia.

    Finalmente, para ficar clara a distino entre a teoria da dependncia e a teoria do

    imperialismo, preciso assinalar que a primeira, ao contrrio da segunda, uma teoria

    originalmente marxista.

    23

    Por isso, a teoria da dependncia d mais nfase explorao declasses do que explorao de naes. Cardoso (1980[1976]: 97) claro e insistente nesse

    ponto. Para ele, a caracterstica essencial da teoria da dependncia no a de estudar as

    relaes entre as naes, embora estas no possam ser esquecidas, mas a de fazer a anlise

    das classes sociais no capitalismo dependente: o que interessava era o movimento, as lutas

    de classe, as redefinies de interesses, as alianas que ao mesmo tempo em que mantm as

    estruturas abrem perspectivas para sua transformao.No surpreendente, portanto, que

    essa teoria tenha tido tanta repercusso nos Estados Unidos, cujos intelectuais viram nela algo

    de novo e de atrativo.

    23A teoria do imperialismo foi inicialmente desenvolvida por Hobson, que no era marxista.

    Foi mais tarde adotada por Lnin. J a teoria da dependencia, tanto na verso da super-explorao capitalista quanto na da dependncia associada, tem clara origem marxista.Cardoso (1980[1972]) enftico nesse ponto: A idia da dependncia se define no campoterico da teoria marxista do capitalismo.

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    Uma das origens da teoria da dependncia foi a crtica aos trabalhos de Celso Furtado da

    segunda metade dos anos 60. Em uma linha consistente com as idias da CEPAL, afirmou ele

    ento que Amrica Latina caminhava para a estagnao devido utilizao de uma tecnologia

    trabalho-intensiva e concentrao de renda que ela provocava. A crtica dessa viso ser

    esboada no livro de Cardoso e Falleto, que o texto bsico da teoria da dependncia

    associada, e realizada por dois trabalhos econmicos Dividir ou Multiplicar: A Distribuio

    da Renda e a Recuperao da Economia Brasileira (Bresser-Pereira, 1970), e Alm da

    Estagnao (Conceio Tavares e Jos Serra, 1971). Esses trabalhos esto na base da viso

    econmica da teoria da dependncia,24

    embora se deva assinalar que Andr Gunder Frank foi

    seu fundador e principal formulador, particularmente da verso da superexplorao

    capitalista.25

    Na teoria da dependncia esto presentes trs verses: a teoria original, marxista, a teoria

    da dependncia associada, e a teoria que denominarei de nacional-dependente. A primeira

    interpretao adotou um raciocnio linear, muito prprio de um marxismo que se pretendia

    ortodoxo. Dada a impossibilidade da existncia de uma burguesia nacional, no restaria

    alternativa para os trabalhadores, ou para as esquerdas, seno trabalhar pela revoluo

    socialista. Era, portanto, uma teoria prxima da do imperialismo, porque admitia claramente a

    existncia do mesmo, mas radicalmente uma teoria crtica da verso nacional-

    desenvolvimentista da teoria imperialista porque negava qualquer possibilidade de reao

    nacional nos quadros do capitalismo, sob a liderana de uma burguesia industrial nacional.

    Esta verso tem como principal base terica os trabalhos j referidos de Gunder Frank, para

    quem a Amrica Latina sempre foi capitalista, mas capitalista mercantil, e no estava

    realizando no sculo vinte sua revoluo nacional burguesa. A colonizao europia teria sido

    puramente mercantil e, portanto, essencialmente capitalista, implantando na regio um

    modelo capitalista exportador de produtos primrios. Dessa forma, capitalismo e imperialismo

    24Bresser-Pereira, 1970; Maria da Conceio Tavares e Jos Serra (1972[1971]). Alm desse

    papere da anlise dos fatos histricos novos em trabalhos j citados (1963, 1968), minhacontribuio original para a teoria da dependncia estar presente em O Novo Modelo deDesenvolvimento (1973) e emEstado e Subdesenvolvimento Industrializado (1977).25

    Gunder Frank um economista marxista belga que teve profundo contato com a AmricaLatina. Seus principais trabalhos so um artigo clssico, Desenvolvimento do

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    seriam as causas bsicas do subdesenvolvimento, tanto assim que as zonas mais

    subdesenvolvidas do continente foram aquelas que tiveram um grande auge exportador

    mercantil. Na mesma linha, Ruy Mauro Marini desenvolve a teoria da superexplorao.

    Marini reconhece que durante um certo perodo houve interesses comuns entre a burguesia e o

    proletariado, tendo isto conduzido a vanguarda pequeno-burguesa ao reformismo e poltica

    de colaborao de classes,26

    mas o pronunciamento militar de 1964 assestou um golpe

    modal na corrente reformista. A interpretao nacional-burguesa, portanto, identificada

    com o reformismo, embora se admita que ela tenha tido certa validade durante algum tempo.

    O reformismo fracassou porque o desenvolvimento do Brasil estaria baseado essencialmente

    na superexplorao dos trabalhadores, definida pelo fato de que os trabalhadores recebem um

    salrio inferior ao nvel de subsistncia, alm de terem sua jornada de trabalho e a intensidade

    de seu trabalho aumentadas. Esta superexplorao seria uma tendncia normal nos pases

    capitalistas, que se acentuaria nos pases dependentes ou perifricos, j que esto submetidos

    ao imperialismo dos pases capitalistas centrais, que lhes extrai parte da mais-valia, atravs da

    troca desigual de mercadorias no mercado internacional. Na mesma linha de pensamento,

    Theotnio dos Santos deixa muito claro, inclusive no ttulo de um de seus livros, que a

    alternativa para o Brasil e a Amrica Latina o socialismo ou o fascismo.27Sua anlise no se

    limita apenas a este aspecto e, como no caso de Ruy Mauro Marini, constitui-se em uma

    importante contribuio crtica radical ao modelo latino-americano e brasileiro,subdesenvolvido, dependente e autoritrio. No plano da dependncia, Theotnio dos Santos

    identifica trs formas histricas: (1) a dependncia colonial, comercial-exportadora, (2) a

    dependncia financeiro-industrial, que se consolida no final do sculo dezenove, e (3) a

    dependncia tecnolgico-industrial do perodo do ps-guerra, exercida atravs das empresas

    multinacionais.28Este ltimo tipo de dependncia d origem a um tipo de desenvolvimento

    Subdesenvolvimento, de 1966,e em uma srie de livros, a partir de Capitalism and

    Underdevelopment in Latin Amrica (1969)26

    Ruy Mauro Marini, Subdesarrollo Revolucin, Mxico, Siglo XXI, 1969, p. 151.27

    Theotnio dos Santos,El Nuevo Caracter de la Dependencia, Santiago Centro de Estudios Socio-Econmicos da Universidade do Chile (CESO), 1967;Dependencia y Cambio Social, Santiago,Centro de Estudios Socio-Econmicos da Universidade do Chile (CESO), 1970; Socialismo o Facismo

    el Nuevo Caracter de la Dependencia y el Dilema Latinoamericano, Buenos Aires, EdicionesPeriferia, 1973.28

    Theotnio dos Santos, Dependencia y Cambio , op. cit., p. 55.

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    desigual e combinado, na medida em que o subdesenvolvimento caracterizado por

    desigualdades profundas, relacionadas com a superexplorao da mo-de-obra.

    A verso da dependncia associada deriva diretamente da escola de sociologia de So

    Paulo, e originalmente tambm de base marxista. Sua anlise , de um lado, uma reao aosgolpes militares no Cone Sul a partir de 1964, e, de outro, uma reflexo sobre o milagre

    econmico que comea no Brasil em 1968. Os pesados investimentos na indstria

    promoviam, ento, mais uma etapa da industrializao por substituio de importaes, ao

    mesmo tempo que pareciam causadores de um novo pacto poltico que agora unia a

    tecnoburocracia do Estado com os empresrios industriais e as empresas multinacionais , e

    dele exclua radicalmente os trabalhadores. Em conseqncia, o novo modelo de

    desenvolvimento que se delineia a partir de meados dos anos 60, o modelo de

    desenvolvimento dependente e associado, era, no plano poltico, autoritrio, e no econmico,

    concentrador de renda. Essas circunstncias serviram de base para a teoria da dependncia

    associada, cujo trabalho fundador o ensaio que Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto

    publicam em 1969 no Chile,Dependncia e Desenvolvimento da Amrica Latina.29

    . Esse

    livro, seguido por uma srie de outros escritos pelo primeiro autor, so de grande riqueza e

    permitem muitas leituras. Durante muito tempo eu no vi com clareza a distino entre essa

    verso e a minha prpria da teoria da dependncia, que denomino nacional-dependente.

    Hoje, a leitura que me parece adequada da dependncia associada pode ser resumidacom

    todos os riscos dos resumosem uma idia simples: j que os pases latino-americanos no

    podem contar com uma burguesia nacional, no lhes resta outra alternativa seno se

    associarem ao sistema dominante, e aproveitar as frestas que esse oferece para que a Amrica

    Latina se desenvolva. Dessa forma, a teoria da dependncia associada compartilhava com a

    teoria da super-explorao capitalista o pressuposto da impossibilidade de uma burguesia, ou,

    mais amplamente, de elites nacionais, mas dava muito mais nfase possibilidade do

    desenvolvimento nos quadros da dependncia. Inclusive porque, argumentavam seusdefensores, uma condio necessria do desenvolvimento desses pases seria o influxo de

    poupana externa, j que as oportunidades de desenvolvimento autnomo via substituio de

    29Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto,Dependncia e Desenvolvimento na Amrica Latina,

    Rio de Janeiro, Zahar, 1970.

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    importaes haviam se esgotado. Essa colaborao j estava ocorrendo, desde os anos 50,

    quando as empresas multinacionais comeam a investir na indstria latino-americana.

    Desmentia-se, assim, a crtica da teoria do imperialismo que as potncias imperialistas se

    opunham a industrializao dos pases em desenvolvimento. Valendo-se de sua notvel

    competncia para a anlise sociolgica e poltica, Cardoso mostrou melhor do que ningum

    como as classes sociais se digladiavam e se entrelaavam no processo de disputa do poder nos

    quadros de uma relao da dependncia, mas foi longe demais na tese da impossibilidade de

    existncia de elites nacionais, e no tinha base terica ou emprica para sua tese da poupana

    externa como condio do desenvolvimento dos pases perifricos.30

    A verso do desenvolvimento nacional-dependente, embora tenha diversos pontos em

    comum com a da dependncia associada, distingue-se dela por negar a premissa principal: aimpossibilidade de existir uma burguesia nacional, ou, mais amplamente, de elites nacionais.

    Concorda com a crtica teoria do imperialismo que responsabiliza todo o

    subdesenvolvimento aos dominantes externos, reconhecendo que internamente as elites

    tendem a ser alienadas e cosmopolitas, e, portanto, co-responsveis. Mas d uma nfase ao

    carter contraditrio dos interesses dos pases ricos e dos pases de desenvolvimento mdio

    como o Brasil.Na expresso nacional-dependente est contido um oxmoro, j que os dois

    termos, nacional e dependente, ligados propositadamente por um hfen, so opostos. A

    burguesia ou o empresariado nacional e a prpria burocracia do Estado vivem um processo de

    permanente contradio entre sua tendncia a se identificar com a formao do Estado

    nacional e a tentao de se aliar ao capitalismo dos pases centrais. No sculo dezenove, as

    burguesias europias e a americana eram nacionais, opondo-se ao cosmopolitismo socialista.

    Por isso, seu desenvolvimento podia ser nacional sem ser dependente. J na segunda metade

    do sculo vinte, diante da ameaa comunista, a aproximao das burguesias locais ao

    capitalismo internacional tornou-se naturalmente mais forte. Entretanto, a partir desse fato,

    no se poderia concluir que estava descartada a hiptese da construo de uma Nao noBrasil e nos demais pases em desenvolvimento, como fez a grande maioria dos intelectuais

    de esquerda brasileiros e latino-americanos a partir de 1964, ressentidos pelos golpes

    30Os pases asiticos, que, com freqncia, desenvolveram-se com despoupana externa

    (supervits em conta corrente) mostraram claramente o equvoco dessa condio para o

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    militares, e fascinados pela teoriaatrativa porque de esquerdada dependncia associada.

    Uma esquerda muito relativa, verdade, j que se associava aos dominadores externos, ao

    invs de procurar definir com autonomia seu prprio caminho. Esse carter de associao no

    estava, porm, muito claro, embora a expresso tenha sido usada expressamente por Cardoso

    em seus trabalhos, e tenha constitudo parte do ttulo de um deles.31

    Para as trs vertentes da teoria da dependncia, a tendncia das elites locais a se

    associarem ao imperialismo estava presente, mas enquanto, no caso da verso da super-

    explorao imperialista, o desenvolvimento impossvel, e, na vertente da dependncia

    associada, s possvel de forma subordinada ou associada,32

    na perspectiva nacional-

    dependente o desenvolvimento possvel porque existe sempre a possibilidade de os

    empresrios e os intelectuais voltarem a se associar aos trabalhadores e aos tcnicos dogoverno em torno de questes e de uma estratgia nacional. As presses ideolgicas

    internacionais que promovem sua alienao so poderosas. Em certos casos, como no tempo

    da Guerra Fria, alm dessas presses havia uma solidariedade capitalista bsica diante da

    ameaa do estatismo sovitico, mas, em compensao, existia uma identificao real dos

    interesses de empresrios e das classes mdias profissionais, particularmente as situadas no

    aparelho do Estado, com o mercado nacional e com a prpria idia de Nao. Assim, h uma

    ambigidade essencial no apenas na burguesia, mas em todas as elites nacionais. Elas so ao

    mesmo tempo nacionais e alienadas, comprometidas com uma idia de nao e cosmopolitas.

    Eu prprio me inscrevo nesta terceira verso da teoria da dependncia, que a mais prxima

    da teoria nacional-desenvolvimentista. Que, em grande parte, nasce de uma auto-crtica, ao

    invs de sua simples substituio por outra. A anlise dos fatos histricos novos dos anos 50,

    que inviabilizaram o acordo nacional liderado por Vargas em torno da industrializao, est

    na base dessa auto-crtica, que uma crtica interna e parcial da teoria do ISEB e da CEPAL.

    desenvolvimento.31Fernando Henrique Cardoso, O Modelo Poltico Brasileiro(1972). Esse trabalho foi

    apresentado no ano anterior na Universidade de Yale com o ttulo Associated DependentDevelopment: Theoretical and Practical Implications.32

    Conforme observa Niemeyer Almeida Filho (2004: 4, 8), Cardoso e Faletto definem adependncia como uma situao em que a acumulao e a expanso do capital no podemencontrar os seus componentes essenciais dentro do sistema. Mais do que isto, essa viso,nesse caso semelhante da teoria radical da dependncia, v a dependncia como umaqualidade imutvel de algumas economias.

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    Estou longe, porm, de estar sozinho nesta linha de pensamento. Seu principal representante

    foi Celso Furtado, que tambm compreendeu com clareza que a crise dos anos 60 exigia

    novas interpretaes do Brasil, mas no justificava abandonar a crtica do imperialismo da

    forma como foi feito. Para ele, porm, a teoria da dependncia s fazia sentido no quadro do

    imperialismo. De um modo geral, os autores que deram contribuies originais para a

    interpretao nacional-desenvolvimentista inscrevem-se na verso nacional-dependente da

    teoria da dependncia.

    O ISEB e a CEPAL preocuparam-se pouco com o problema da democracia. Foi s no

    incio dos anos 70 que, diante dos regimes militares, os intelectuais latino-americanos

    passaram a se preocupar com o problema de forma central. A explicao do autoritarismo

    latino-americano que teve maior repercusso na Amrica Latina foi essencialmente formulada

    por Guillermo ODonnell. Dado o apoio que os regimes militares recebiam dos Estados

    Unidos, dominao externa e autoritarismo estavam naquele momento claramente ligados. Da

    mesma forma que Cardoso ento afirmava, j naquela poca, que a poupana externa era

    necessria para o desenvolvimento da regio, Guillermo ODonnell sugeriua tese de que o

    autoritarismo era inerente ao aprofundamento do processo de acumulao, ou seja, a adoo

    de tecnologias capital-intensivas nas indstrias de base e de bens de capital que ento

    ocorria.33

    Essas teses, ligadas teoria da dependncia associada, embora equivocadas, tiveram

    grande repercusso na Amrica Latina e nos Estados Unidos. J para teoria nacional-

    dependente, que eu tambm chamei de teoria da nova dependncia, concentrao de renda e

    autoritarismo eram conseqncia do colapso do pacto nacional-popular dos anos 50, do vcuo

    poltico decorrente, e da capacidade dos militares de formularem um pacto poltico

    autoritrio-modernizante ps-1964, mas no se atribua ao autoritarismo decorrente qualquer

    carter necessrio. O autoritarismo no decorria de condicionamento estrutural, como

    aqueles autores supunham, mas de uma conjugao de foras polticas que era ento

    dominante. Por isso, quando, em 1977, percebi que o pacto poltico autoritrio-modernizanteestava entrando em colapso, no tive dvida em formular minha teoria da transio

    democrtica brasileira baseada na ruptura da aliana da burguesia com a tecnoburocracia

    33ODonnell,Modernization and Bureaucratic Authoritarianism: Studies in South American

    Politics(1973).

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    militar.34

    De fato, em 1977, reagindo ao conjunto de medidas autoritrias do presidente

    Geisel, que ficaram com o nome de pacote de abril, a burguesiabrasileira comea a romper

    sua aliana com os militares, e se forma um novo pacto poltico nacional popular-

    democrtico, reunindo burguesia nacional, trabalhadores, intelectuais de esquerda, e classes

    mdias na luta pela redemocratizao, e, num segundo momento, pela retomada do

    desenvolvimento. O pacto, que no plano econmico pretendia ser fiel s idias nacional-

    desenvolvimentistas, ser bem sucedido em completar a transio democrtica (1984-85), mas

    entra em colapso em seguida com o fracasso do Plano Cruzado, de 1986, originado no

    populismo econmico do governo Sarney.35

    Finalmente, enquanto na teoria nacional-

    dependente a herana de Vargas vista de forma positiva, na medida que foi ele o lder

    poltico da industrializao ou do nacional-desenvolvimentismo brasileiro, para a viso da

    dependncia associada Vargas tendeu antes a ser rejeitado: a preocupao foi a de salientar as

    deficincias de seus dois governos.

    Em sntese, as trs vertentes da teoria da dependncia, alm de se diferenciarem em

    relao possibilidade de que as elites nacionais venham superar sua alienao, distinguem-se

    tambm em relao s duas clivagens ideolgicas fundamentais que tm caracterizado o

    mundo moderno: a esquerda versus a direita, e o nacionalismo versus o cosmopolitismo. A

    interpretao da superexplorao capitalista radicalmente de esquerda e relativamente

    cosmopolita: faz a denncia do imperialismo, mas nega a possibilidade da nao ao negar a

    possibilidade de um acordo nacional entre as classes para constitu-la. J a interpretao da

    dependncia associada moderadamente de esquerda, e claramente cosmopolita. A

    interpretao da nacional-dependente, finalmente, moderadamente de esquerda e claramente

    nacionalista: apesar de reconhecer sua ambigidade, considera a possibilidade da existncia

    de elites nacionais. Por outro lado, parte do pressuposto de que o desenvolvimento s

    possvel a partir de uma estratgia nacional: os pases hoje desenvolvidos alcanaram esse

    34Refiro-me aos meus livros O Colapso de uma Aliana de Classes (1978) ePactos Polticos

    (1985).35

    Fiz a anlise do fracasso do Plano Cruzado, embora esse plano estivesse baseado na teoriada inflao inercial, principalmente nopapercom Yoshiaki Nakano, "Inflao Inercial eChoque Heterodoxo no Brasil" (1986). A crise que se desencadeia a partir de ento estanalisada nos ensaios que formam o livroA Crise do Estado (1992). A anlise geral doperodo est na quinta edio deDesenvolvimento e Crise no Brasil (2003).

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    estgio porque tiveram e ainda tm um claro conceito de Nao, e porque seus cidados no

    tm dvida quanto ao dever do governo de defender o trabalho e o capital nacionais.

    Concluso

    Em sntese, nos anos 50, a CEPAL, mais no plano econmico, e o ISEB, mais no plano

    poltico, mas ambos os grupos de intelectuais com um amplo espao de interseco de suas

    idias, fizeram a crtica do imperialismo de ento, e desenvolveram a estratgia e a ideologia

    nacional-desenvolvimentista. Para o ISEB o desenvolvimento um processo histrico que

    implica revoluo capitalista, atravs da industrializao, e revoluo nacional, que torna o

    pas capaz de formular uma estratgia nacional de desenvolvimento. Nela, o pressuposto da

    existncia de uma burguesia nacional era chave para que pudesse haver um princpio de

    solidariedade, unindo as classes em torno da idia de nao, sem prejuzo dos conflitos que

    naturalmente se travam entre elas. Entretanto, a partir da revoluo de Cuba de 1959, da

    primeira grande crise econmica do modelo de substituio de importaes que se

    desencadeia em 1960, e da crise poltica caracterizada pela radicalizao ideolgica, que vo

    resultar em golpes militares no Brasil (1964), Argentina (1967), Uruguai (1968), e Chile

    (1973), o modelo nacional-desenvolvimentista passa a ser objeto de crise dentro da prpria

    esquerda. J no incio dos anos 60, a escola de sociologia de So Paulo, que se forma naUniversidade de So Paulo, comea a fazer a crtica das idias do ISEB, e a negar a

    possibilidade de existncia de elites nacionais. No final da dcada, surge a teoria da

    dependncia, que se distingue da do imperialismo porque responsabiliza tambm as elites

    locais alienadas de no defenderem os interesses nacionais. Essa teoria ter trs verses: a da

    super-explorao capitalista, a da dependncia associada, e a da nova dependncia ou

    nacional-dependente. S a ltima admite a possibilidade da existncia de elites nacionais,

    inclusive uma burguesia nacional, embora admitindo que elas sejam ambguas e

    contraditrias, dado o peso da hegemonia ideolgica americana.

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