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1 Sociabilidade, reciprocidade e solidariedade reforçam relações interpessoais de aproximação e aprendizado características de eventos religiosos e culturais na sede do município de Baião, Pará 1 Clélio Palheta Ferreira Mestre em Ciências Sociais Antropologia CPFPAP Escritório Residencial O artigo proposto dá continuidade à pesquisa etnográfica em realização, através de observação participante, na sede do município de Baião, região nordeste do Pará, procurando analisar a importância das formas de sociabilidade e reciprocidade a partir de manifestações religiosas e da cultura popular, em eventos festivos, destacando suas produções e organizações e os laços de solidariedade, fidelidade e gratidão que se estabelecem entre indivíduos participantes, residentes ou não no local de estudo. Nesse ambiente, as redes de relações entre os agentes ocorrem em formas de sociabilidade festiva, em espaços públicos e privados, desenvolvendo-se experiências de ações culturais e de transmissão de saberes. O foco do estudo centra-se nas relações de sociabilidade, reciprocidade e solidariedade que interferem na vivência dos envolvidos, tendo em vista seus interesses em transformarem experiências que começam nos laços individuais e abarcam os interesses coletivos na cidade pesquisada, especialmente aqueles voltados para a valorização do seu patrimônio cultural, turístico e religioso, considerando a importância dos eventos festivos, culturais e religiosos pesquisados. Palavras chaves: Sociabilidade; Reciprocidade; Cultura; Turismo. ABSTRACT The proposed article continues the ethnographic research on achievement, through participant observation, at the seat of the municipality of Baiao, Northeast region of Pará, seeking to analyse the importance of forms of sociability and reciprocity from religious and popular culture manifestations, in festive events, highlighting their productions and organizations and the bonds of solidarity, loyalty and gratitude that are established between individuals, resident or non-participants in the study site. In this environment, networks of relationships among agents occur in forms of sociability, in private and public spaces, developing experiences of cultural actions and transmission of knowledge. The focus of the study focuses on the relationships of sociability, reciprocity and solidarity that interfere in the experience of those involved, in view of its interests in transforming experiences that begin in individual bonds and cover the collective interests on city search, especially those aimed at the enhancement of your cultural heritage, tourist and religious, considering the importance of the festive events, cultural and religious respondents. Keywords: Sociability; Reciprocity; Culture; Tourism. 1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro de 2018, em Belém/PA.

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Sociabilidade, reciprocidade e solidariedade reforçam relações interpessoais de

aproximação e aprendizado características de eventos religiosos e culturais na sede

do município de Baião, Pará 1

Clélio Palheta Ferreira

Mestre em Ciências Sociais – Antropologia

CPFPAP – Escritório Residencial

O artigo proposto dá continuidade à pesquisa etnográfica em realização, através de

observação participante, na sede do município de Baião, região nordeste do Pará,

procurando analisar a importância das formas de sociabilidade e reciprocidade a partir

de manifestações religiosas e da cultura popular, em eventos festivos, destacando suas

produções e organizações e os laços de solidariedade, fidelidade e gratidão que se

estabelecem entre indivíduos participantes, residentes ou não no local de estudo. Nesse

ambiente, as redes de relações entre os agentes ocorrem em formas de sociabilidade

festiva, em espaços públicos e privados, desenvolvendo-se experiências de ações

culturais e de transmissão de saberes. O foco do estudo centra-se nas relações de

sociabilidade, reciprocidade e solidariedade que interferem na vivência dos envolvidos,

tendo em vista seus interesses em transformarem experiências que começam nos laços

individuais e abarcam os interesses coletivos na cidade pesquisada, especialmente

aqueles voltados para a valorização do seu patrimônio cultural, turístico e religioso,

considerando a importância dos eventos festivos, culturais e religiosos pesquisados.

Palavras chaves: Sociabilidade; Reciprocidade; Cultura; Turismo.

ABSTRACT

The proposed article continues the ethnographic research on achievement, through

participant observation, at the seat of the municipality of Baiao, Northeast region of

Pará, seeking to analyse the importance of forms of sociability and reciprocity from

religious and popular culture manifestations, in festive events, highlighting their

productions and organizations and the bonds of solidarity, loyalty and gratitude that are

established between individuals, resident or non-participants in the study site. In this

environment, networks of relationships among agents occur in forms of sociability, in

private and public spaces, developing experiences of cultural actions and transmission

of knowledge. The focus of the study focuses on the relationships of sociability,

reciprocity and solidarity that interfere in the experience of those involved, in view of

its interests in transforming experiences that begin in individual bonds and cover the

collective interests on city search, especially those aimed at the enhancement of your

cultural heritage, tourist and religious, considering the importance of the festive events,

cultural and religious respondents.

Keywords: Sociability; Reciprocity; Culture; Tourism.

1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os

dias 19 e 21 de setembro de 2018, em Belém/PA.

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Em trabalho apresentado no II Encontro de Antropologia Visual da América

Amazônica, realizado em 2016, apresentei os resultados iniciais de uma etnografia

oriunda de observação participante, na área de antropologia urbana, desenvolvida na

sede municipal de Baião, desde meu primeiro contato com esse local em 2015. Àquela

altura, chamava à percepção as “formas de sociabilidade local”, características de

manifestações lúdicas, religiosas e culturais em que o município como um todo

apresenta características bastante interessantes, destacando-se a sociabilidade festiva

como forma de ação em espaços públicos e privados tal como esse conceito se

desenvolve através de troca, consumo e circulação de bens simbólicos2.

Considerando o período decorrente até a presente data, confirma-se a observação

de que as práticas da sociabilidade festiva permitem a aproximação dos indivíduos que

interagem nos processos de participação, reforçando seus laços de solidariedade,

reciprocidade, fidelidade e gratidão, daí porque os eventos religiosos e culturais

estudados assumem grande importância para a análise antropológica na sede municipal

de Baião. As relações entre amigos, parentes, vizinhos e seguidores ou fiéis religiosos,

por exemplo, acabam por reforçarem as relações de identidade dos participantes com

seus locais de origem, moradia e até de proximidades que, em última análise, acabam

por reforçarem suas experiências de vida.

Com a continuação da pesquisa iniciada anteriormente foi possível confirmar

também que as relações dos participantes nos processos de interação constatados na

investigação das manifestações religiosas e culturais na sede baionense proporcionam a

ampliação dos capitais culturais e simbólicos das pessoas envolvidas e se pautam em

trocas de informações nas ações que incluem crianças, adolescentes e adultos, que se

apresentam como sujeitos ativos na recepção e transmissão de saberes ligados à

religiosidade e aos aspectos característicos das manifestações da cultura popular

constatadas no município. Nesse sentido o município de Baião como um todo e

especificamente sua sede municipal apresentam uma série de atividades que provocam a

interpretação da sociabilidade que os eventos estudados acarretam, constatando-se

nestes, especialmente os religiosos uma ênfase significativa envolvendo a reciprocidade,

a fidelidade e gratidão, como sugerem as imagens a serem apresentadas a seguir.

2 Ver PALHETA FERREIRA, Clélio. “A festa continua companheiro!” – Em Baião, Pará, sociabilidade e

reciprocidade caracterizam relações de aproximação e aprendizado inseridas em eventos festivos culturais

e religiosos. Anais do II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica. Outubro de 2016.

Publicado na Revista Eletrônica Visagem, nº 2.

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Dados gerais da pesquisa

No artigo apresentado no II EAVAAM3 estão detalhados alguns dados

importantes sobre a origem e localização do município de Baião que completará 239

anos de fundação no próximo dia 30 de outubro de 2018. Porém, é importante repetir

aqui os dados de sua localização na mesorregião do Baixo Tocantins, rio que banha e dá

nome à região, e na microrregião de Cametá, podendo ser acessado pelas rodovias PA-

151, BR-422 e pelo rio Tocantins. A distância da capital paraense por via terrestre situa-

se em torno de 270 quilômetros e pode ser feita, através de balsas via porto Arapari, em

Barcarena, ou pela rodovia conhecida como Alça Viária. O acesso às regiões Sul e

Sudeste do estado do Pará pode ser feito pela rodovia PA-151 até o município de Breu

Branco ou pela rodovia Transcametá (BR-422) via município de Tucuruí, no Pará.

Importante também ressaltar que se trata de um município paraense com maior

número de remanescentes quilombolas, refletindo-se isto em várias comunidades que

ainda mantêm atividades ligadas às manifestações culturais de seus antecedentes, sendo

marcantes os traços afros descendentes em seus habitantes, da mesma forma que se

constata as influências étnicas indígenas e brancas.

Além da sede municipal, Baião é composto por diversas vilas e comunidades,

como, São Francisco, Maracanã, Calados, Cardoso, Joana Peres, Ituquara, Umarizal,

Igarapé Preto, Araquembau, dentre outras. Entre seus eventos culturais e religiosos mais

significativos, destacam-se alguns que serão tratados mais adiante, como: Círio de Santo

Antônio de Pádua, Padroeiro do município; Círio de São Raimundo Nonato, co-

Padroeiro do município; apresentação do Pássaro Japiim, que voltou a se apresentar em

dezembro de 2017 com grande afluência de público, portanto, bastante significativos em

termos de participação popular na sede municipal. Outros eventos importantes que, por

minhas limitações de saúde não pude acompanhar para incluir neste artigo são: o Círio

de Nossa Senhora de Nazaré, que ocorre no mesmo dia em que acontece o Círio de

Nazaré em Belém, capital do estado do Pará; a Noite dos Católicos; e a apresentação do

Auto do Círio, que faz parte das atividades culturais da festividade de Santo Antônio de

Pádua. Estes dois últimos fizeram para do artigo apresentado no II EAVAAM, estando

disponíveis suas imagens naquele documento.

3 Ver PALHETA FERREIRA, Clélio. “A festa continua companheiro...”, trabalho op. Cit., apresentado

no II EAVAAM, Belém, Outubro de 2016. Publicado na Revista Visagem nº 2.

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Para uma apresentação dos resultados desta pesquisa e considerando as

limitações de saúde referidas, neste artigo são apresentados a seguir registros imagéticos

de alguns desses eventos que sugerem uma análise no âmbito da antropologia visual,

conforme os objetivos do III EAVAAM, bem como a aplicação dos conceitos referidos

na proposta deste artigo.

Festividade de Santo Antônio de Pádua

Em 2017 a festividade do padroeiro do município teve início como em todos os

anos no dia 31 de maio com a Romaria ou Círio fluvial saindo da localidade de Igarapé

Preto onde ficou sob a responsabilidade da Comunidade Católica de Nossa Senhora

Aparecida, sendo a imagem de Santo Antônio transportada de balsa até o trapiche

municipal na sede de Baião, tendo à frente o Pároco do município, Padre Vicente de

Paula Xavier Pereira e chegando à matriz localizada na Praça de Santo Antônio,

acompanhada de um contingente significativo de fiéis seguidores que prestam suas

homenagens, iniciando-se a festividade na sede municipal.

Fotos 1 e 2 – Registros da chegada do Círio Fluvial de Santo Antônio de Pádua – 31/05/2017

Foto 3 – Reverências dos fiéis ao Santo Padroeiro – 31/05/2017

Em 2018, o início da festividade de Santo Antônio de Pádua, com o Círio

Fluvial, foi realizado no dia 27 de maio, domingo, pelo fato do dia 31 de maio, data em

que sempre inicia essa festividade coincidir com o dia consagrado a Corpus Christi.

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Essa procissão foi acompanhada desde o momento de sua chegada ao trapiche da sede

municipal até sua entrada na matriz. Nota-se um acompanhamento interessante e

significativo pelo número de fiéis que sobem a rampa do trapiche municipal até a matriz

de Santo Antônio, tendo à frente o Pároco do município seus ajudantes de celebração e

sua equipe de trabalho na organização dos eventos ligados à Paróquia. Dentre estes,

destaca-se a presença da Guarda de Santo Antônio de Pádua, que transporta o andor e

contribui significativamente para a sequência do evento. Trata-se de uma ação

importante na medida em que requer um esforço muito grande, representando o

sacrifício dos fiéis dedicado ao santo padroeiro de Baião.

Foto 4 – Subida da rampa do Trapiche Municipal da Sede do Município de Baião – 27/05/2018

Foto 5 – Condução do andor de Santo Antônio de Pádua – Círio Fluvial – 27/05/2018

A banda de música Rabelo e Nogueira no acompanhamento da procissão

executa, dentre outras músicas, o hino de Santo Antônio no decorrer do trajeto que, este

ano partiu da localidade de Cardoso, pertencente ao município de Baião, situada à

margem do rio Tocantins. O início do Círio Fluvial em 2018 ficou assim sob a

responsabilidade da Comunidade Católica de Nossa Senhora das Graças, um dos setores

de abrangência da Paróquia de Santo Antônio de Pádua, sendo recebido no trapiche

municipal, prolongando-se até a matriz, localizada na sede do município.

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Foto 6 – Chegada do Círio Fluvial de Santo Antônio de Pádua à Matriz – 27/05/2018

Foto 7 – Chegada Círio de Santo Antônio de Pádua e reza final da Guarda do Santo – 27/05/2018

Momento significativo e emocionante ocorre quando a Guarda de Santo Antônio

de Pádua chega ao interior da matriz e reza o Pai Nosso, consolidando um ato de missão

cumprida.

Após isso, o Pároco agradece a participação de todos, dá os avisos necessários à

sequência da festividade e abençoa os fiéis finalizando a romaria fluvial.

Foto 8 – Benção final do Círio Fluvial de Santo Antônio pelo Pároco do município – 27/05/2018

Depois da benção final do Círio Fluvial 2018, os fiéis registram seus momentos

de devoção, respeito, fidelidade e gratidão ao Santo Padroeiro posando diante de sua

imagem, como é o caso de um guarda de Santo Antônio que fez questão de trazer uma

criança para prestar sua reverência, como demonstram as imagens a seguir,

representando o respeito devotado pelos fiéis durante todo o evento.

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Fotos 9 e 10 – Reverências do Guarda do Santo e criança - respeito ao Padroeiro – 27/05/2018

A festividade continua na parte da tarde com a Moto Romaria de Santo Antônio

que saiu da matriz até a Comunidade Católica de São Francisco de onde sai o Círio

terrestre do padroeiro em retorno à matriz no dia 01 de junho, data que marca o início da

trezena que se estende até o dia 13 de junho consagrado ao Santo.

Em 2017, como em todos os anos, homenagens e reverências ao Padroeiro do

município foram realizadas através da moto romaria que trasladou a imagem até a

Comunidade Católica de Nossa Senhora do Carmo, no bairro do Limão, onde ocorreu o

início da romaria do Círio Terrestre.

Foto 11 – Traslado da imagem de Santo Antônio – Moto Romaria – 31/05/2017

Durante a noite foi feita uma vigília que culminou na alvorada que ocorre ao

amanhecer na praça da matriz, uma tradição nas festas no município, tendo como

destaque a presença de uma banda de música e foguetório que desperta a cidade,

chmando-a para a participação no Círio terrestre.

Foto 12 – Alvorada ao amanhecer na Praça da Matriz – 31/05/2017

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No decorrer do período da festividade são desenvolvidas várias atividades de

adoração e celebrações com missa diária na matriz e atividades culturais componentes

da programação geral sendo envolvidos os diversos setores componentes da paróquia,

que conta com uma equipe numerosa de pessoas que se responsabiliza pelo bom

andamento dos trabalhos.

A preparação da festividade é toda feita com cuidados especiais contando com

uma estrutrura de apoio no Salão Paroquial e a participação de significativo número de

fiéis e devotos do santo padoreiro.

A “Cozinha Sorriso”, por exemplo, encarrega-se da preparação da comida que

será oferecida aos frequentadores e participantes da festividade a preços razoáveis para

ajudar na cobertura dos custos básicos da festividade.

Fotos 13 e 14 – Voluntárias paraticipantes da Cozinha Sorriso – 31/05/2017

Além dessa, outras atividades envolvem a sociabilidade, a reciprocidade, a

solidariedade e a transmissão de saberes que estão sempre presentes nas diversas ações

que ocorrem no decorrer de todo o processo de interação presente na festividade como

um todo, incluem-se as atividades religiosas e culturais componentes da programação

que ocorre no período e nas preparações que a antecedem.

Algumas imagens registram a devoção dos fiéis na chegada do Círio terrestre de

Santo Antônio de Pádua na matriz no dia 01 de junho de 2018. Mostram a grande

afluência das pessoas no evento e a demonstração da força social que representa para a

população baionense. Percebe-se nessas demonstrações especialmente a reciprocidade,

na medida em que os fiéis devotos estão ali presentes para pedir e agradecer pela

intercessão do santo em suas vidas. Tais aspectos, foram captados no decorrer das

atividades finais do Círio em que o Padre Vicente de Paula Xavier Pereira agradece a

todos pela participação na procissão e pede a proteção de Santo Antônio para esses

participantes e toda a população baionense.

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Fotos 15 e 16 – Chegada do Círio de Santo Antônio à Matriz e Agradecimentos do Pároco – 01/06/2018

Fotos 17 a 20 – Devoção dos fiéis ao Santo Padroeiro – 01/06/2018

Festividade de São Raimundo Nonato

A Festividade de São Raimundo Nonato, co-Padroeiro do município, é muito

importante, pois, é considerado o santo protetor dos partos, parturientes e parteiras, e se

realiza todo ano no período de 22 de agosto, iniciando-se com a procissão do Círio de

São Raimundo e se estendendo até o dia 31 do mês, dia consagrado ao santo no

calendário. Compreende uma afluência de fiéis e seguidores bastante significativa e

interessante para os objetivos desta pesquisa, por enfatizar também momentos de

sociabilidade, reciprocidade, solidariedade, fidelidade e gratidão que esses seguidores

dedicam à intercessão de São Raimundo em suas vidas de forma próxima às ações

dedicadas ao Padroeiro Santo Antônio de Pádua.

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Trata-se de um evento com algumas particularidades bem interessantes como o

fato de ter sido iniciada a partir de uma promessa feita pela devota do santo, Dona

Teonila de Brito Lemos (sic), matriarca de uma família tradicional de Baião, e ter

continuado a partir dos esforços de sua filha, Professora Lucimar Lemos (foto abaixo,

juntamente com sua filha, Ivete Lemos), que, atualmente, com 90 anos de idade, ainda

participa das atividades ligadas à festividade, juntamente com sua família.

Evidentemente, em conjunto com as atividades da Paróquia de Santo Antônio de Pádua,

comandada pelo Padre Vicente de Paula Xavier Pereira, seu Pároco, e pelo Padre

Olegário Melo dos Prazeres, Vigário.

Foto 21 - Professora Lucimar Lemos e sua filha Ivete Lemos – 22/08/2018

Foto 22 - Padre Olegário Melo dos Prazeres – Vigário da Paróquia de Santo Antônio de Pádua

(Acompanhamento do Círio de São Raimundo com Ivete Lemos) – 22/08/2018

Foto 23 – Benção final do Círio de São Raimundo pelo Padre Vicente de Paula Xavier Pereira –

22/08/2018

Outra particularidade importante da procissão do Círio de São Raimundo é o

fato de seu andor ser carregado por mulheres, de acordo com a devoção do santo

protetor dos partos, parturientes e parteiras, além da grande maioria dos fiéis presentes

na benção final da procissão, já no interior da matriz, ser composta de mulheres, como

está demonstrado nas fotos abaixo. Afirma-se assim a assertiva de reciprocidade,

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solidariedade, fidelidade e gratidão presentes nos eventos religiosos dos mais

significativos registrados na sede do município de Baião.

Fotos 24 a 27 – Condução do andor no Círio de São Raimundo; recepção da benção final

pelos devotos (as) – 22/08/2018

As festividades de Santo Antônio de Pádua e de São Raimundo Nonato

encerram-se mais ou menos com os mesmos formatos, com a alvoradas no último dia de

cada uma, na Praça da Matriz, e com as Missas Solenes Finais, geralmente às 08:00

horas. Seguem-se nesses dias atos de congraçamento e sociabilidade festiva no Salão

Paroquial com grandes afluências de pessoas, realizações de bingos e vendas de

comidas aos frequentadores, cujos resultados financeiros ajudam a cobrir os gastos com

essas festividades.

Pássaro Japiim

O Pássaro Japiim tem sua história reconhecida no contexto da cultura popular no

município. Trata-se de um cordão de pássaro que estava praticamente inativo até

dezembro de 2017 quando voltou a se apresentar nas ruas da sede municipal.

No decorrer da pesquisa etnográfica para este artigo entrevistei dois ex-

componentes significativos do Pássaro Japiim desde o início de suas apresentações

pelas ruas da sede de Baião.

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O senhor Raimundo Pinto da Silva - Mestre Mico, 86 anos, é reconhecido como

um proponente da cultura popular e uma referência fundamental para falar sobre a

história do Japiim. Começou nossa conversa sobre a forma como surgiu a idéia de

criação do pássaro: “o Japiim começou quando nós que estávamos trabalhando na mata,

na hora da recreação - nós éramos cinco -, [citou, Mestre Zico, Banguela, Miguel e

compadre Adão]. Nessa hora, veio um japiim e sentou numa árvore, aí o Zico que é meu

parente, disse assim: vumbora por o cordão do japiim? [...] Aí alguém respondeu pra ele

vumbora, mas aqui só o Mico pra resolver isso. [...] Aí eu falei vamos procurar o Antero

Pinto, nosso parente, que tocava flauta, e era bom de flauta mesmo, [...] Aí quando

saímos do trabalho, depois da janta, fomos procurar o Antero Pinto na casa dele e

falamos que nós queríamos botar o cordão do japiim e já havia uma música que o

Antero começou a dedilhar no violão”.

Certo dia, após o almoço, em sua casa, ele conversou com sua mulher - dona

Maria Brígida da Silva, já falecida, com quem foi casado durante 59 anos e tiveram 11

filhos -, sobre a idéia de botar o pássaro e ela perguntou sobre o quê precisava para que

isso acontecesse, pois, segundo Mestre Mico, “ela costurava muito bem e podia fazer

em suas máquinas roupas, chapéus, etc., e era uma pessoa que gostava de carimbó,

samba, boi, pássaros, pavão, tudo”. Então, juntou-se a ele e àqueles seus companheiros

que haviam participado da idéia de formar o Cordão do Japiim o Antero Lopes, já

falecido, um excelente músico, reconhecido no município por essa competência, que

perguntou ao mestre Mico pelas músicas que já existiam e este cantarolou uma música

para ele: “abre alas, abre alas, que nós queremos passar, é o mimoso Japiim que saiu pra

passear (bis)”. O Antero gostou e topou botar o cordão pedindo para avisar quem

quisesse participar. Então o cordão foi formado com cerca de 50 pessoas, entre solteiros

e casados.

O outro interlocutor contatado foi o senhor Manoel Soares, conhecido como

Banguela, 69 anos, citado pelo mestre Mico como um participante ativo das

brincadeiras de cultura popular, em sua juventude, e que, além de participar como

brincante, ainda contribuia bastante com ajudas financeiras na medida em que sendo um

comerciante bem sucedido podia contribuir com numerário para pagamentos de licenças

exigidas para as apresentações das brincadeiras populares, como o próprio pássaro,

apresentações de boi, etc. Manoel reconhece a importância de várias pessoas que se

dedicavam à cultura popular no município, como Dário Tavares, Haroldo Brito, Dona

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Clívia, também conhecida como Dona Bica, além da competência de Antero Pinto

nesses folguedos como músico e compositor que fazia as músicas, desde a partitura,

tocava, ensinava e cantava, samba, frevo, marcha de carnaval, “muito competente, fazia

tudo! Um fenômeno que tocava vários tipos de instrumentos”.

Em ambas as entrevistas, muito ricas em termos de informações sobre a cultura

popular de Baião percebi a participação ativa das famílias e vizinhanças, através de

envolvimentos nos processos de organização das brincadeiras que existiam naquela

época e uma lamentação pela falta de incentivos a essa cultura de raiz que vem, no

decorrer do tempo, perdendo terreno para a invasão maciça da indústria cultural tal

como se repete em vários municípios paraenses, espaço esse importante para se afirmar

nos próprios municípios e manter a identidade cultural de cada um deles. Afirma

Manoel, “eu brinquei com isso e acredito que falta alguém que possa mexer com isso

para que seja valorizado através de um investimento que incentive a retomada desse tipo

de coisa. Isso, por exemplo, acabou e ninguém sabe que fim levou”. E mais adiante,

referiu ao Cordão do Japiim de antigamente, que, com tudo pronto, “eu te garanto que

era meia população de Baião que estava esperando para assistir a exibição do pássaro

para se exibir na praça, era muita gente, para você entrar no colégio. Depois da chegada

do cordão era um absurdo, era muita gente, vinha gente de toda parte”.

Mestre Mico, em sua entrevista citou vários nomes de pessoas que se dedicavam

ou ainda se dedicam à cultura popular no município, além dos que já foram citados:

“finado Manelito, Graciano, Pedro Lemos, Zé Piano, Manuel Lobo, seus filhos Zeca e

Rosiela”. E foi lembrada também a participação de Dona Diquinha, Dona Liduína, da

professora Joana D’Arc Medeiros e do historiador Dilamilton Paiva Junior, que

ajudaram na apresentação de 2017 e demonstraram interesse em participar de novas

apresentações do Japiim. Foi citada também a ajuda do Padre Vicente de Paula que

cedeu o Salão Paroquial para os ensaios da apresentação de 2017.

E assim, para alegria de todos, no segundo semestre de 2017, depois de uma

longa inatividade e contando com a ajuda de várias pessoas que amam a cultura popular,

o Pássaro Japiim retornou às suas atividades na sede municipal de Baião, partindo de

ensaios no Salão Paroquial, com Mestre Mico reunindo um significativo contingente de

adultos, crianças e adolescentes para participar desse retorno extremamente importante

para a cultura local.

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As imagens a seguir registraram esse momento:

Fotos 28 a 31 – Ensaios do Pássaro Japiim – Participação do Mestre Mico – 27/10/2017

No dia 10 de dezembro de 2017, o Pássaro Japiim retornou às ruas da sede

municipal de Baião, com uma apresentação bastante rica, com belas indumentárias,

contando para isso com a colaboração de seus brincantes e familiares que contribuíram

significativamente para que esse evento da cultura popular baionense acontecesse.

Todos os brincantes e seus colaboradores merecem um agradecimento especial por essa

participação, o que demonstra um ambiente de sociabilidade festiva muito interessante

digno de exposição no âmbito da antropologia visual de Baião e da América

Amazônica. Nesse sentido, destacam-se os esforços do Mestre Mico e sua equipe de

montagem do Pássaro Japiim para que fosse concretizada essa apresentação.

Fotos 32 e 33 – Estandarte do Pássaro Japiim e Bandeira de Baião – Mestre Mico e brincantes –

10/12/2017

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Fotos 34 e 35 – Brincantes do Pássaro Japiim – 20/12/2017

As imagens acima mostram a riqueza da indumentária do pássaro e o

compromisso com o seu retorno às ruas de Baião, registrando-se o seu estandarte e a

bandeira do município. As imagens abaixo registram o conjunto de componentes que

participaram desse momento significativo para a cultura local e a exibição do Japiim em

frente a Igreja Matriz localizada na praça principal da sede municipal de Baião.

Foto 36 – Conjunto de brincantes do Pássaro Japiim, antes da apresentação nas ruas – 10/12/2017

Foto 37 – Apresentação do Pássaro Japiim na Praça da Matriz em Baião – 10/12/2017

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Finalmente, na apresentação do Pássaro Japiim, cabe destacar a indicação de

uma identidade muito forte com a cultura popular e com a população baionense,

enfatizando-se a necessidade do tão reclamado incentivo que esse tipo de manifestação

merece para a sua continuidade.

Considerações finais:

O material acima exposto acerca de uma etnografia realizada na sede do

município de Baião sugere caminhos para uma interpretação antropológica dos eventos

culturais festivos e lúdico-religiosos, especialmente no que tange às aplicações dos

conceitos de sociabilidade e reciprocidade, considerando o ambiente relacional entre

indivíduos e suas respectivas comunidades. Especificamente, sugere a análise das

relações entre os conceitos de sociabilidade como forma “lúdica” de sociação em

Simmel (1983) e reciprocidade em Mauss (2003) quando se observa que as várias

manifestações culturais festivas aqui relatadas envolve a participação de moradores do

local de estudo e ainda o envolvimento de parentes, vizinhos, conhecidos e amigos,

oriundos de locais situados nos vários bairros que compõem a cidade pesquisada e até

participantes vindos de outros locais, do interior do município ou até de outros

municípios.

Por outro lado, observa-se um local onde moradores e visitantes conversam e

trocam informações em interação, diariamente, uns com os outros, especialmente em

dias de eventos festivos. Incluem-se aí relações de bem ou até conflituosas entre os

participantes das manifestações.

Em todos os eventos considerados foi notada a existência de redes de

sociabilidade inseridas nas manifestações e a ampliação de relações de interação que

elas proporcionam aos participantes dos eventos aqui tratados. Nesse sentido, percebe-

se que a sociabilidade tal como constatada no ambiente festivo estudado envolve formas

lúdicas de sociação e permite o estabelecimento de vínculos de reciprocidade, fidelidade

e gratidão, ao enfatizarem comprometimentos que, além dos aspectos relacionais,

sociais ou religiosos, compreendem traços de ludicidade e solidariedade que reforçam

os envolvimentos nessas manifestações culturais e religiosas.

Nos eventos registrados foram constatadas várias formas de participação nas

festas realizadas, onde se confirma a importância que estas assumem nos

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relacionamentos entre os indivíduos e suas comunidades. Por exemplo, nos eventos

religiosos ou ligados de alguma forma à Paróquia de Santo Antônio de Pádua os

moradores são convidados a participarem, especialmente quando assumem as formas de

procissões ou eventos festivos em geral. Importante ressaltar que todos os convidados

são muito bem recebidos o que caracterizam relações de convivência bastante

agradável.

Em todos os eventos registrados são utilizados espaços públicos e privados, e,

podem envolver inclusive as residências dos participantes nos atos de preparação para

que tais eventos aconteçam. Os aspectos religiosos, culturais e festivos demonstram a

importância das festas como reforço das relações de interação, vizinhança e amizade

entre os envolvidos e ampliam seus horizontes de cidadania, sendo isto uma

característica marcante da comunidade baionense de modo geral. Cabe notar que os

participantes desses processos de interação têm oportunidades de estabelecerem e

ampliarem suas relações pessoais com “outros” indivíduos, consolidando-se, através de

laços relacionais de sociabilidade e comprometimentos, suas identidades com a cidade

onde residem. Constatam-se então relações lúdicas, afetivas, religiosas e associativas

que interferem nas ações que se estabelecem a partir delas.

De modo geral, enfatiza-se um ambiente de colaboração entre pessoas que

ajudam na realização das festas, através de coletas ou da realização de pequenos eventos

para a obtenção de recursos necessários à compra de materiais nelas utilizados. Esse

senso de colaboração se caracteriza por essa ajuda e pela divisão de atividades com os

vizinhos, parentes e amigos, pois os trabalhos como um todo envolvem uma série de

atividades. Considere-se aqui um ambiente de sociabilidade festiva, solidariedade e

reciprocidade que promove a aproximação das pessoas o que lhes permite uma

convivência bastante agradável, embora não totalmente isenta de conflitos.

Tais relações, entre fiéis devotos, moradores, amigos, parentes e vizinhos, abrem

perspectivas de redes de sociabilidade, reforçam suas identidades e suas relações

cidadãs, especialmente em seus locais de residência. Esses fatos abrem aos participantes

dos processos aqui referidos as possibilidades de troca ou reciprocidade (MAUSS,

2003) e ampliam suas redes de sociabilidade (SIMMEL, 1983), destacando-se a

sociabilidade festiva (RODRIGUES, 2008; e COSTA, 2009), onde se destacam também

os laços de fidelidade e gratidão (SIMMEL, 2004).

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É notório que esse conjunto de relações se pauta em interesses de ampliação do

capital social, e, consequentemente, do capital cultural e simbólico dos envolvidos, pois,

incluem trocas de informações, através de ações culturais que assumem importância

especial por incluírem crianças e adolescentes além de adultos, residentes ou não no

local, sujeitos ativos que participam dos processos de recepção e transmissão de saberes

tradicionais ligados à cultura lúdico religiosa, tão significativa no ambiente festivo que

envolve como característica, a rua, o bairro e a cidade (BOURDIEU, 2010).

Interessante no contexto em análise os caminhos sugeridos por Simmel (1983)

quando define a sociabilidade como a “forma lúdica de sociação”. Segundo ele, a

“sociação” se configura como um processo composto de vários microprocessos em um

contexto micro de relações entre indivíduos interessados em permanecerem e ampliarem

relações desse tipo. A sociabilidade se caracteriza por formas de interação, onde os

envolvidos demonstram “gostar de estar juntos”, identificam-se, interferem e marcam

suas presenças nos eventos que, ao se multiplicarem, compõem um todo estruturado

maior de relações ocorridas em seus locais de pertencimento.

Assim, ocorrem formas de interação ou sociabilidade que implicam em

mudanças nas trajetórias de vida de cada indivíduo, sendo de extrema importância a

solidariedade e o respeito mútuo nas relações com os “outros”.

É relevante considerar a importância da afetividade nos processos de interação

registrados, especialmente, ao perceber as construções associativas e dissociativas daí

decorrentes. Além disso, estas proposições relacionam-se com os conceitos simmelianos

de “fidelidade”, “gratidão” e “reciprocidade”, necessariamente presentes nas redes de

sociabilidade, em constantes processos de mudança nas manifestações aqui tratadas.

Refere-se isto a locais, como a sede municipal de Baião, onde eventos culturais

convivem com os religiosos, sendo estes últimos bastante respeitados pelos primeiros e

que, por isso mesmo, podem ser reciprocamente respeitados por estes. Por outro lado,

percebe-se que as relações ligadas às festas não se limitam apenas a seus aspectos

lúdicos, mas implicam em formas de ações individuais e coletivas, principalmente

quando envolvem os participantes com várias características: fiéis seguidores religiosos,

parentes, vizinhos e amigos em práticas de ações culturais que lhes ocasionam

transformações em suas vidas.

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Enfatizam-se, desse modo, os destaques dados por Mauss (2003) no “ensaio

sobre a dádiva” quando ele busca o entendimento da constituição da vida social através

de relações de trocas e reciprocidades em processos constantes de dádivas e

retribuições, onde os atos de “dar” e de “retribuir” correspondem a obrigações que

interferem nas instituições componentes do todo social. No contexto social estudado, a

“dádiva” se caracteriza pelo caráter obrigatório de “dar e receber” em trocas que se

estabelecem entre indivíduos ou grupos sociais. Esse caráter pode incluir presentes, mas

também se configura em formas de visitas, festas, comunhões, esmolas, heranças,

tributos, inúmeras “prestações” que podem ser “totais” ou até “agonísticas”. Conforme

Mauss: “as trocas e os contratos se fazem sob a forma de presentes, em teoria,

voluntários, na verdade, obrigatoriamente dados e retribuídos” (MAUSS, 2003, p. 187).

A análise de qualquer espaço de relações sociais, segundo Mauss, deve

considerar a existência de “um enorme conjunto de fatos” que na verdade são “fatos

muito complexos”, onde, “tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente

social”. Trata-se aqui de sua grande contribuição à interpretação sociológica quando ele

encontra o fio condutor de sua análise dos “fenômenos sociais totais” na interpretação

da sociedade por exprimirem, ao mesmo tempo, instituições “religiosas, jurídicas e

morais” (idem, p. 187).

Essa proposta de interpretação mostra-se de forma clara nas manifestações

culturais e nas relações religiosas identificadas pela etnografia na sede municipal de

Baião, especialmente quando o autor destaca que as trocas não se referem apenas a

“bens, riquezas ou produtos [...] entre os indivíduos”, mesmo porque “não são

indivíduos, são coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam”, pois se

trata de relações entre “pessoas morais [...] que se enfrentam e se opõem” de diversas

formas. Além disso, como essas trocas e reciprocidades não compreendem apenas bens

materiais, mas são “antes de tudo amabilidades [...], ritos [...], danças, festas, feiras

[...]”, delas resulta um vínculo bem mais geral e permanente (idem, p. 190-191). Trata-

se na verdade de “sistemas sociais inteiros” que ele descreveu e analisou com muita

propriedade e que sugerem um entendimento de modo mais claro do meu objeto de

estudo centrado nas relações de sociabilidade, reciprocidade, fidelidade e gratidão na

cidade de Baião, especialmente quando a atenção se pauta na análise dos eventos

religiosos aqui referidos.

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Enfim, as contribuições de Mauss sobre os conceitos de troca e reciprocidade

assumem grande importância teórica para a interpretação antropológica da realidade

social em estudo, uma vez que suas propostas permitem o diálogo com os conceitos de

capital social, cultural e simbólico propostos por Bourdieu (2010) e de sociabilidade,

reciprocidade, fidelidade e gratidão propostos por Simmel (1983 e 2004), além das

diversas relações e interrelações que sugerem até uma ampliação do horizonte desta

pesquisa.

Referências

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(organizadores). Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2010.

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