Documento de trabalho - 1ª versão

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“O sonho missionário de chegar a todos” Papa Francisco, Evangelii Gaudium nº 31 DOCUMENTO DE TRABALHO julho / 2016

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“O sonho missionáriode chegar a todos”

Papa Francisco, Evangelii Gaudium nº 31

DOCUMENTODE TRABALHO

julho / 2016

DOCUMENTO DE TRABALHO / julho 2016

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Em ordem ao Sínodo Diocesano

Caríssimosdiocesanos

Publica-se hoje o Documento de Trabalho que serve de base ao Sínodo Diocesano(abertura na Sé no Domingo 27 de novembro, trabalhos no Centro Diocesano deEspiritualidade,Turcifal,de30denovembroa4dedezembro).

Agradecendo muito aos redatores o excelente trabalho agora apresentado, lembroqueestesistematizaacontribuiçãodecentenasdegruposemilharesdeparticipações,que, ao longo de cinco trimestres estudaram, rezaram e projetaram as indicaçõespastoraisdoPapaFrancisconaexortaçãoapostólicaEvangeliiGaudium,com«osonhomissionáriodechegaratodos».

Assimsendo,oSínodoqueagoraimediatamenteseprepara,conformeoscânones460ss,temdeserconsideradocomomaisummomentodumacaminhadasinodalinédita,que direta ou indiretamente envolveu, envolve e continuará a envolver a Dioceseinteira,tendoamissãocomopropósitoeasinodalidadecomométodo.Creiomesmoque, como exercício conjunto, este será o melhor resultado da caminhada quefazemos e a garantia mais sólida do que continuaremos a fazer, para a “novaevangelização”quetantourge.

Nestamesmaalturaecomomepermiteocânone463,§2,alargueiaparticipaçãonoSínodoaoutrosnomes,especialmentedonossolaicado,ajuntaraosjádivulgadosnodecretode29de junhopassado.Os cânonespreveemqueo SínodoDiocesano sejacomposto na sua maioria por membros ex officio, mas creio que deste modoganharemos nos contributos sem lesar o princípio. Tanto mais que os nomes queagregosão“representativos”deimportantesrealidadesdiocesanas,querdoterritórioquer dos serviços centrais, além de movimentos e associações preponderantes.Falarãoporsi,semdeixaremdeecoarmuitosoutros.

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Como indica juntamente o Secretário do Sínodo, Pe. Rui Pedro Trigo Carvalho, esteDocumento de Trabalho é particularmente confiado aos membros do SínodoDiocesano, que o deverão estudar e comentar até 15 de outubro próximo,possibilitandoassimqueoSecretariadoelaboreasuasegundaredação,sobreaqualincidirãoostrabalhosdaassembleiasinodalpropriamentedita.

Assimcontinuamos,rumoaofuturoqueDeusquerabrirconnosco,pararesponderaoqueomundo sempreesperadeCristoeda sua Igreja. ComSantaMaria e todososBem-aventurados que na nossaDiocese nasceramou trabalharam, façamos agora oquenos cumpre, pois fomos «criados emCristo Jesus, para vivermosna prática dasboasobrasqueDeusdeantemãopreparouparanelascaminharmos»(Ef2,10).

Lisboa,7dejulhode2016

+Manuel,Cardeal-Patriarca

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Documento de trabalho «O sonho missionário de chegar a todos»

1. AIgrejaqueperegrinaemLisboaquersertestemunhadaalegriadoEvangelhoe

rosto da misericórdia de Deus. Animada pelo convite sempre novo do SenhorJesus–«faz-teaolargo»(Lc5,4)1–,elasabequeaissosempreaimpeleoBomDeus,pelasuaPalavra,noseuEspírito.Omandatopereneaser«saldaterraeluzdomundo»(cf.Mt5,13-14)eavontadecrentedeseraífermentoevangélico(cf.Lc13,20-21)chamam-naaumanovaestaçãodavidaeclesial.Astransformaçõesdomundoondeestáreforçamaurgênciadeacolhercomesperançaeousadiaossinais dos tempos. Em caminhada sinodal, ela abraça com entusiasmo ochamamentosemprerenovadoadeixar-seevangelizareaserevangelizadora.

2. O presente Documento de trabalho é um fruto da dinâmica sinodal querida e

implementadanoPatriarcadode Lisboae comaqual seprocuradar resposta àexortação do Papa Francisco, dirigida à Igreja universal, a «uma nova etapaevangelizadora»(EG1).ComaconvocaçãodoSínododiocesanoquis-sedarcorpoàindicaçãodoRomanoPontíficeparasepromoveremosdiversos«organismosdeparticipaçãopropostospeloCódigodeDireitoCanónico»eaodesejode«ouviratodos» para o incremento eclesial de uma «comunhão dinâmica, aberta emissionária»(EG31).Acomemoraçãodos300anosdaqualificaçãodadiocesedeLisboa como Patriarcado ofereceu a ocasião para esta procura comum decaminhosnovosparaumapresençaeclesialevangelizadoraecapazderesponderaosdesafiosdestetempo.

Desde setembro de 2014, muitos cristãos, em vários contextos eclesiais(paróquias, serviços diocesanos, movimentos, famílias, grupos especialmenteconstituídos para o efeito, entre outros), vêm lendo a Exortação ApostólicaEvangeliiGaudium–AalegriadoEvangelho,assumidacomoinspiraçãoeguiãodoSínododiocesano,erefletindoàsualuzsobreoscaminhosqueaIgrejaemLisboaé hoje chamada a percorrer. Este Documento de trabalho recolhe estescontributoseprocura sistematizaro frutodesta reflexãodiocesanaemordemaservir de base aos trabalhos da Assembleia do Sínodo (27 de novembro a 4 dedezembrode2016).Nocontextodasuahistóriarecente,estaempresaeclesialsintoniza-sequercomareflexãoeaçãodesenvolvidasemtornodoPlanodeAçãoPastoraldoPatriarcadodeLisboa(1976)2quercomaexperiênciadoCongressoInternacionalparaaNova

1NMI,1:«Ducinaltum!Estaspalavrasressoamhojeaosnossosouvidos,convidando-nosalembrar

comgratidãoopassado,avivercompaixãoopresente,abrir-secomconfiançaaofuturo:“JesusCristoéomesmo,ontem,hojeesempre”(Hb13,8)».

2Já então se procurava estimular uma renovação missionária da Igreja: «Um plano pastoral nãopode limitar-se a reformas tímidas, apenas conservando e transformando o que já existe. Não basta

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Evangelização (ICNE – 2003-2007), particularmente no que se refere à suamobilizaçãoparaumestiloeclesialmaisassumidamenteevangelizadorepresentenosespaçosquotidianosdanossasociedade.

I. «[Uma] mudança de época» (EG 52): escutar o mundo e olhar a Igreja

3. «Deus viu que era bom» (cf. Gn 1, 1-36). Ecoam ainda hoje estas palavras

primordiaisdacriação.ParaquemcrêemCristo,elasnãocaducaramcomotemponemperderamasuaverdadeprofunda.Pelocontrário,elas interpretamoolharcom que Deus sempre olha omundo em cada tempo e, portanto, também nonosso.AssimsereconhecemoscristãoscatólicosdeLisboaeassimreconhecemomundo ao qual pertencem e no qual vivem a sua fé: sempre sob o olharmisericordioso e paterno de Deus. Esta certeza crente, fundamento docompromisso cristão no mundo, é geradora de uma esperança firme quenenhuma adversidade poderá jamais abafar3. Consciente deste primado dapresençadeDeusnaobservaçãodomundo,aIgrejadeLisboaolhaparasieparaoseucontextocomolugarderevelaçãodoEvangelhoeacolhecomoapelosdoaltoosdesafioscomqueestáhojeconfrontada.

4. O presente processo sinodal é também momento para a Igreja em Lisboa

reconheceremsiapresençaatuantedeDeus.Contemplandoolongocaminhoporsi percorrido, ela reconhece-se herdeira de um notável património decompromisso e testemunho cristão. Ela olha com particular gratidão para asmuitassementesdesantidadequeagraçadivinasemeounasuahistóriaeparaosfrutos de caridade e de autêntica cultura humana que ela gerou entre nós. Elaagradece ao Senhor a dedicação ao Evangelho e ao serviço do próximo deinúmerosdos seus filhos e filhas, tanto em tempos remotos comonopresente.Nesteexercíciodememória,elareconheceigualmentenemsempreterestadoedenemsempreestaràalturada sua sublimevocação.Por isso,neste caminharconjuntoparaumaconversãoeclesial,elapedetambémperdãopelosseuserroseomissõesnotestemunhodoEvangelho.

5. Enviada ao mundo, a Igreja participa das suas alegrias e esperanças, das suas

tristezas e angústias (cf. GS 1). Ela quer estar nomeio domundo «como quem

reproduzir coisas velhas, mais ou menos inteligentemente reformadas; é preciso criar coisasinteiramentenovas,segundoaPalavradoSenhor:“vinhonovoemodresnovos”(Mc2,22).UmaIgrejaque se renova tem de ser sensível à mudança, aceitando realizar as transformações necessárias»(«PlanodeAcçãoPastoralparaoPatriarcadodeLisboa»,inBoletimDiocesanodePastoral–separata).

3EsperançaqueoPapaJoãoPauloII,naesteiraaIIAssembleiaEspecialdoSínododosBisposparaaEuropa (1999), considerou a «urgência maior» que atravessa o continente europeu e uma condiçãoessencialparaquesetornepossíveldar«sentidoàvida»e«caminhardemãosdadas»(cf.EE4).

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serve»(Lc22,27).Semseconfundircomomundo,aIgrejatambémdelenãosesepara.Pelocontrário,elaverificacomoasdinâmicasdasociedadedestetempose manifestam e fazem sentir no seu seio. Neste mesmo sentido indicou D.ManuelClemente,PatriarcadeLisboa:«OsereoacontecerdaIgrejanomundoepara o mundo constituem o ponto essencial de reflexão e celebração […] dacaminhada sinodal»4. Por tudo isto, a Igreja em Lisboa não se posiciona comoobservadora externa e crítica do seu mundo, mas como comunidade que sabepartilharcomelemuitasdassuasluzesesombras.

ESCUTAROMUNDO

6. Com o mencionado espírito de positiva cooperação com o contexto social ecultural da diocese de Lisboa, procura-se aqui fundamentar a reflexão sinodal eação eclesial numa atenta escuta da realidade que nos envolve e de que oscristãosfazemparte.Comhumildade,aIgrejaquerfazê-loematitudedediálogosincero.Comolharde fé, elaquer ser sentineladosecosdeDeusneste tempo.Com espírito profético, ela quer ainda levantar a sua voz diante daquelascircunstânciasemqueoplanosalvíficodeDeuseadignidadehumanasãopostosemcausa.

7. O mundo de hoje mostra-se crescentemente heterogéneo e complexo. Aconfluência de gentes de proveniências diversas, com a consequentetransformaçãonaformacomosegeramosvínculossociaiseanoçãodepertença;a dispersão dos espaços onde a vida acontece (casa, família, trabalho, escola,comércio, lazer),comenormes impactosnoritmodiáriodetantosresidentesnaárea desta diocese; as desigualdades sociais, económicas e culturais, com asdiversas formas de pobreza e solidão que elas fomentam; a pluralização dosgrandes referenciaisquemoldamaexistênciaedeterminamoseuhorizonte;asintensas transformações no mundo laboral ou no âmbito familiar são apenasalguns dados observáveis na presente realidade sociocultural e que tornamevidente como esta se vai tornando progressivamentemais heterogénea5. Estacrescenteheterogeneidadesocialamplificaacomplexidadedomundoatual.Hoje,mais do que nunca, aumenta o número de variáveis necessárias para descrevercomrigorumadeterminadasituaçãoe,nãopoucasvezes,essasvariáveisapontammesmo em sentidos contrários. Daí que as análises se tornem cada vez maisexigenteseassoluçõesparaosproblemasdifíceisdeencontrar.

8. Não escasseiam no presente deste mundo notáveis sinais de esperança.

Observam-sehoje,mesmosede formaalgoparadoxal,bastantesexpressõesde

4D.MANUELCLEMENTE,«“Osonhomissionáriodechegaratodos”(EG31).Iniciandoocaminhosinodal

doPatriarcadodeLisboa»,inVidaCatólica4ªsérie–II/3(maio/agosto2014),128-129.5Dinâmicas,porventura,commaiorrelevâncianasáreasdadiocesemaisintensamenteurbanizadas.

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umaefetivaprocuradefraternidade,tantasvezestraduzidaemváriasformasdevoluntariado ou em gestos discretos de solidariedade. Também ao nível dasorganizações,verifica-seumacrescenteconsciênciadaresponsabilidadesocialdeempresaseinstituições.Apróprianoçãodehabitarmosumacasacomum,tantasvezessoba formadeconsciênciaecológica,vaiconhecendoprogressosquenãodevemserignorados.

9. SinaldegrandeesperançaparaaIgrejaétambémasededevidaespiritualquese

pode constatar. É certo que os hodiernos itinerários de busca espiritual nemsemprepassampelaIgreja.Todavia,apersistênciadestainquietaçãoassegura-lhequepermanecevivanocoraçãohumanoafomedesentidoedetranscendência.As artes têm sido, por vezes, um domínio onde estas procuras se revelam e,enquantotal,elastornam-setambémsinaldeesperançanomundo.Profundamente interpeladora é a forma pela qual muitos, mesmo quandoafastadosdeumaregularpráticacristãounemseconsiderandosequercristãos,sevoltamparaaIgrejaembuscadeumapalavradeDeus,deumaluzdoalto,deuma voz profética, de um gesto magnânimo, de um tempo de escuta ou,simplesmente, de um espaço de silêncio. Tambémnesta boa vontade e atitudedialogante se reconhece um sinal dos tempos que provoca e responsabiliza otestemunhoeclesial.

10. Aoperscrutaromundo,aIgrejatambémreconhecenelesinaisdealerta.Assiste-seaumcrescente individualismo,queestendeosseusefeitosaosmaisdiversosdomíniosdavida:erosãodanoçãodebemcomumedeumapráticaconsequentecomasuasalvaguardaepromoção;desconfiançafacea instituiçõese indivíduosque corrói os laços sociais e enfraquece o empenho político dos cidadãos;desequilibrada procura de bem-estar, associada a uma cultura do consumoquetende a tornar tudo descartável; competitividade social e económica que fazdepender o valor de pessoas e realizações do seu sucesso e produtividade. Emsimultâneo,constata-seumaaceleraçãodesumanizadorados ritmosdavidaquemultiplicatensões,esgotamentosedepressões,tantoanívelsocialcomopessoal.Estes fenómenos patentes no mundo que somos e habitamos são, para acomunidade cristã,motivos de preocupação,mas também apelos a uma críticaconstrutivaeempenhadanaaberturadecaminhosparaumamaiorhumanizaçãodasociedade.Amagnitudeeabrangênciadestesdesafiosexigemacooperaçãodetodos.Conscientedisto,aIgrejaquertrabalharlado-a-ladocomtodosos«homensdeboavontade»(cf.GS43)naconstruçãodeummundomelhor.

11. Neste ambiente, a par de sinais de autêntica inquietação espiritual, verifica-setambém uma dispersão do universo religioso e um distanciamento do espaçocristão que interpelam a Igreja. Observa-se, por exemplo, um progressivodesconhecimentodasreferênciascristãsqueestruturamanossahistóriaecultura.Este desconhecimento é, por vezes, alimentado por uma atitude de indiferença

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perante a questão de Deus e da fé. Estas transformações dão nota de queatravessamos, efetivamente, uma «mudança de época» e uma «viragemhistórica»(EG52)queaIgrejaemsínodoquerescutarparamelhoragirnomundoaquepertenceeaquesempreéenviadapeloseuSenhor(cf.Mt28,19-20).

OLHARAIGREJA

12. A Igreja em Lisboa, empenhada neste caminho sinodal, olha também para si eparaasuarealidadecomhumildadeefá-loemvistadasua«conversãopastoralemissionária» (EG 25). Iluminada pelo Evangelho, fonte da sua alegria, ela querestar à altura das necessidades deste tempo e do mandato de Jesus: «sereisminhastestemunhas»(Act1,8).Porisso,oSínododiocesanoolhatambémparaaIgreja, para as suas práticas e estruturas, para as suas formas de presença elinguagens, para os seus limites e potencialidades. Só encontrando-se com averdadedoqueéetemsidoasuaaçãopoderáesta«porçãodoPovodeDeus»encetaroscaminhosnovosqueosdesafiosatuaislhepedemeaqueoEspíritodeDeusaquerconduzir.

13. A Igreja reconhece-se como «comunidade de discípulos» (EG 21.24) de Jesus enissoencontraohorizontefundamentaldasuaidentidadeemissão.Napresentecaminhada sinodal do Patriarcado de Lisboa foi possível identificar expressõesconcretasdeautênticacomunhãoeclesialevidafraterna,taiscomoexperiênciasderepartiçãodebensederesponsabilidades;decomunhãonaoraçãoenaação;dedomdesiemfamíliaeemoutrasvocaçõesdeespecialconsagração;degestosconcretos de proximidade pastoral e de atenção aos mais necessitados; deaudáciamissionária e de ousadia na procura de «novo ardor, novosmétodos enovas linguagens» eclesiais6. Tambéma experiência doSínodo tem sidoocasiãoparaumreforçodasdinâmicascomunitáriasnadiocesedeLisboa,entreosseusgruposeentreosseusmembros.A Igreja sente-se particularmente interpelada pela diversificação de referênciaseclesiais e de pertenças comunitárias de muitos dos seus filhos. Esta realidadeconvocaoseudiscernimentoecriatividade,paraqueestadiversificaçãoconcorrasempreparaa«edificaçãodoCorpodeCristo»(Ef4,12).

14. «Não deixemos que nos roubem a comunidade!» (EG 92). A Igreja em Lisboa

verificatambémemsiváriasexpressõesde«crisedecompromissocomunitário»(cf.EG50-109).AsdificuldadesaumavidaemIgrejamaiscomunionaldecorrem,porum lado,deumamentalidademundanaepessimista,moralistaeburocrataque acaba por fazer sentir os seus efeitos negativos na comunhão eclesial. Poroutro lado, essas dificuldades são multiplicadas por problemas na própriaorganização e ação eclesiais: descoordenação pastoral e multiplicação de

6Cf. PAPA JOÃO PAULO II, Insegnamenti, VI/1, 698; D. JOSÉ POLICARPO, «Carta pastoral: “Nova

evangelização”,umdesafiopastoral»,inVidaCatólica3ªsérie–XII/36(setembro/dezembro)2010.

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propostas,quetendemadispersaresforçoserecursos;tendênciaparaprivilegiaro particular e o imediato em detrimento de uma pastoral de conjunto e decontinuidade, pensada a longo prazo e não tão dependente da mudança deagentespastorais;resistênciaemsairderotinasestabelecidaseempreenderumapresençaassumidamentemaisevangelizadora;excessode improvisoedéficedeplanificaçãoemcertasaçõeseclesiais;lacunasváriasdeformaçãoentreosváriosagentes pastorais (teológica, bíblica, litúrgica, catequética, social); consciênciacomunitária e vocacional da vida e da proposta cristã não devidamenteconsolidadas.Olhandoparasicomaverdadeexigentedesercomunhão,aIgrejaem Lisboa quer assumir estasmanifestações como lugares para crescer no seu«compromissocomunitário»eexercitarasuadesejada«conversãopastoral».

15. Corpoformadopormuitosmembroseenriquecidopeladiversidadedecarismasque o Espírito nela suscita (cf. 1Cor 12), a Igreja de Lisboa reconhece ocompromissoevangélicodaquelesqueaconstituem.

16. Ela olha com alegria para a entrega e vitalidade de tantos dos seus ministrosordenados (bispos, presbíteros e diáconos) e reconhece a fecundidade dasrelaçõesdeproximidadequeestabelecemcomascomunidadesaquemservem.Aomesmotempo,elapreocupa-secomaformaçãopessoaleespiritualdosseuspastores e verifica que subsistem sinais de uma escassa confiança nos leigos. Acomunidade diocesana preocupa-se, ainda, ao verificar que os pastores estão,muitasvezes,sobrecarregadoscomváriosencargos.Paraalémdadispersãoquegera, este facto não promove o acompanhamento espiritual e pessoal dos fiéis,algosentidoporestescomodegrandeimportância.A Igrejade Lisboamostra-se igualmente reconhecidapelo testemunhodoReinodado por religiosos e religiosas. Na multiforme riqueza dos seus carismas, elestornampresenteodefinitivodeDeusnoprovisóriodanossacondição.Se,porumlado, a sua presença e ação se mostram essenciais no acompanhamento depessoas e comunidades7, por outro, parece haver ainda necessidade deaprofundaraarticulaçãodoseuserviçopastoralcomoutrasrealidadeseclesiais.

17. Entre os cristãos leigos observam-se também testemunhos do Evangelhoinspiradores e interpeladores, assentes na profundidade da vida espiritual, nocompromissoeclesialenavivênciadacaridade.Talfacto,contudo,nãoimpedeaIgreja de reconhecer debilidades quanto à sua iniciação à oração e à vidasacramental, tantas vezes reduzidas apenas a dever ou a recursos úteis emmomentosdenecessidade;dificuldadesempassardacatequesedeinfânciaaumaopçãodevidacristãassumidaeamadurecida;fragilidadesemcomunicaraalegreexperiência do seguimento de Cristo. Particular cuidado e atençãomerecem asnovas gerações. A este respeito, a realidade eclesial mostra-se diversificada,verificando-sefaltadecapacidadedemotivaremobilizarosjovense,emparalelo,

7Paróquias,escolas,hospitais,obrassociais,universidades,paramencionarapenasalgunsespaços

ondeessapresençaeacçãopodemserobservadas.

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experiências conseguidas da sua integração na vida de grupos e comunidadescristãs.NaáreadoPatriarcado,diversosmovimentos vãoprestandoumnotável serviçopastoral.MuitosencontramnelesovigordoEvangelhoque transformaavidaefazcaminharemIgreja.Permanecem,contudo,desafiosnãonegligenciáveisparauma melhor integração e acolhimento destas comunidades quer ao níveldiocesano,queraonívelparoquial.

18. Nestepercursosinodal, foi tambémpossívelperceberumarenovadadescobertada vocação da família na Igreja e na sociedade8. A complexidade das situaçõesfamiliares constitui, todavia, um desafio incontornável para a ação eclesial.Constata-se que há, ainda, um longo caminho a percorrer para que as famíliascristãs se descubram como verdadeiras igrejas domésticas e para que acomunidadeeclesialseconfigurecomoautêntica«famíliadefamílias»(AL87).

19. A Igreja de Lisboa procura também encarnar o Evangelho de Jesus em gestosconcretos de amor ao próximo. A ação social, sobretudo quando desenvolvidajunto dos mais pobres, é um fator que torna mais credível a sua presençaevangelizadora.Contudo, seemalgunscasosessaaçãoéumaefetivaexpressãodacaridadedascomunidadescristãs,noutroselapareceter-sedistanciadodasuavida e celebração da fé, assumindo não poucas vezes a feição de uma simplesprestaçãoorganizadadeserviçossociais.Para além destas formas de exercício da solidariedade, verifica-se uma escassaparticipaçãodoscristãoscatólicosnoutrosdomíniosdavidasocialepolítica. Istopodeserverificadonaprevalênciadeumacertaatitudedefensivafaceaomundo,natraduçãoimperfeitadasuamundividênciamoralecultural,nasuadificuldadeeminterpretarashodiernasmutaçõessociais,sobretudoemcontextourbano,ouna escassa capacidade de acompanhar os cristãos e outros nos seus ambienteslaborais.

8Processo, seguramente, estimulado pelos Sínodos dos Bispos sobre a família (2014; 2015) –

contemporâneosdestacaminhadasinodaldiocesana–epelaExortaçãoApostólicaPós-SinodalAmorisLaetitia–Aalegriadoamor.

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II. «Discernir […] com critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência» (EG 77): critérios para a ação eclesial

20. Aoolharopresentecomverdadeeesperança,aIgrejaemLisboaquerserlugarde

autêntico«discernimentoevangélico»,talcomopreconizadopeloPapaFrancisco(cf. EG 50). Ela reconhece que os exigentes desafios com que está confrontadarequerem que entre «decididamente num processo de discernimento» (EG 30)acercadesiprópriaedasociedadedaqualfazparte.Atuando,pois,asuavocaçãoprofética,elaqueridentificaremultiplicaraquelasrealidadesemquereconheceafrescura do Evangelho e «as sendas do Espírito» (EG 45). Mas, também porcompromissoprofético,elaquerdenunciareagirsobreaquelasoutrasrealidadesondeabelezadoencontrocomCristoeadignidadedapessoahumanasãopostasemcausa.

21. OcritériosupremododiscernimentoemIgrejaésempreoEvangelhodeJesuseo

sentidodafédosfiéis.Nelesestáasuaidentidadeeespecificidade.Nomagistériorecente do Papa Francisco e dos Patriarcas de Lisboa encontram-se sugestivasindicações para uma tradução vital e uma concretização pastoral desse critériosupremo.Estasindicaçõesforamtambém,aolongodopercursosinodal,objetodereflexão e debate entre os cristãos católicos de Lisboa. Após um primeiromomentodesteDocumentodetrabalho,emqueseprocurouobservararealidadesocialeeclesial,eantesdeummomentofinal,emqueseprocurarãoperspetivasdeaçãopastoral,parececonvenienteapontarcritériosdediscernimentoedeaçãoinspiradosnoEvangelho,paraquenemsediluaamencionadaespecificidadedodiscernimentoeclesialnemdeixedeseconsiderararealidadedocontextoatual.

CRITÉRIOSFUNDAMENTAIS

22. AenquadraroscritériosdediscernimentoexplicitamentepropostosnaExortaçãoEvangeliiGaudium estánão sóo seuapeloauma«reformadasestruturas»eauma «conversão pastoral» (EG 25.27), mas sobretudo a sua proposta de ummodelo de «Igreja “em saída”»9. Este assume-se aí como critério primeiro de

9D.MANUELCLEMENTE,«“Osonhomissionáriodechegaratodos”(EG31).Iniciandoocaminhosinodal

do Patriarcado de Lisboa», inVida Católica4ª série – II/3 (maio/agosto 2014), 130: «Julgo que estasduaspalavras–saídaeperiferias–podemedevemcaracterizartodoonossocaminhosinodal.AsaídaemrelaçãoaDeus,naoração,easaídaemrelaçãoaosoutros,naacção,estimulam-semutuamente,poisquemseaproximadeDeusdescobreeaprofundaoamordivinopor todasassuascriaturas, issomesmoqueéacaridade.Nãocaminharemosemsínodosenãoligarmosoraçãoeacção,maisemais,comoemJesusaconteciatotalmente,semprecomoPaiesempreparaosoutros».

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discernimento e ação eclesiais. Por isso, se insiste que todo o batizado éconstitutivamente«discípulomissionário» (EG119)esepropõea«missãocomopropósito»davidaeclesial10.Trata-sedaadoçãodeumestilocristão:proativoeque assume ousadia da iniciativa («primeirear»); comprometido e próximo darealidadeemqueseencontra («envolver-se»);acolhedoredisponívelpara fazercaminhocomtodos(«acompanhar»);pacientepararecolherosfrutosdasuaaçãono tempo oportuno («frutificar»); capaz de celebrar os pequenos e os grandespassos da vida («festejar») (cf. EG 24). Estemodo de ser e de estar constitui ainspiração fundamental do discernimento que a Igreja é chamada a realizar e ohorizontequehádeconduzirasuaaçãopastoral.

23. Os cristãos do Patriarcado de Lisboa têm sido convidados pelo seu bispo, D.

ManuelClemente,aadotarema«sinodalidadecomométodo»11devidaeação.Nisto reconhece-se também um fator estruturante do discernimento e dotestemunho que a Igreja é chamada a assumir, tarefas a levar a cabo comocaminhoconjuntoedasquaistodososbatizados,deacordocomavariedadedosseus carismas, são corresponsáveis. Como método fundamental, o princípiosinodalhádesuportareestarrefletidonoolhareclesialsobrearealidadeenoscritériosevangélicosquehãodeorientaresseolhar.Nestesentido,asinodalidadeou a eclesialidadepode ser igualmente consideradaumcritério fundamental dodiscernimentoeaçãoeclesiais.

CRITÉRIOSDEDISCERNIMENTOEAÇÃO

24. CombasenaExortaçãoEvangeliiGaudium,nasindicaçõesdoCardealPatriarcaD.ManuelClementeenosdiversoscontributosqueprepararamoSínododiocesano,podemelencar-sesetecritériosdediscernimentoeaçãoeclesiais:

25. Critério do tempo: os desafios da hodierna realidade social e eclesial requerem

uma especial disponibilidade para acompanhar pessoas e situações. Estadisponibilidadebrotadaconsciênciacrentedesesersemprepovoemcaminhonoseguimentode Jesus. Istopermite«trabalhara longoprazo», sema«obsessão»nem a «ansiedade» de obter «resultados imediatos» (EG 223). Respeitando ocritério do tempo, torna-se possível abrir horizontes maiores e olhar todas assituaçõescomoestandopotencialmenteorientadasparaavidaevangélica.Assim,agir-se-ádetalformaquenãosefaçacoincidiropontodepartidacomametadocaminho.Osdesafiosdaevangelizaçãomostramcomonãoestáaoalcancedoagir

10Cf.D.MANUELCLEMENTE,«Amissãocomopropósitoeasinodalidadecomométodo.Introduçãoao

programadiocesano2015/16»,inVidaCatólica4ªsérie–III/6(maio/agosto2015),13-15.11D.MANUEL CLEMENTE, «Amissão como propósito e a sinodalidade comométodo. Introdução ao

programadiocesano2015/16»,inVidaCatólica4ªsérie–III/6(maio/agosto2015),14:«Asinodalidade[…] significa congregação de pessoas e ideias, num caminho comum em que todos cabem e sãoigualmente reconhecidos: famílias, paróquias, institutos religiosos e seculares […], movimentos einiciativas,norespectivocontributoemutuamenteindispensáveis».

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eclesial determinar os passos da conversão ao Evangelho, mas sim assistir eanimaratodosnesseprocesso.Noconcreto,istosupõeumapresençacristãmaisocupadaem«iniciarprocessosdoque[em]possuirespaços»(EG223).

26. Critério da unidade: a consciência de que partilhamos uma mesma condição e

dignidadeedequepertencemosaumamesmacomunidade–humanaeeclesial,nocasodosbatizados–leva-nosareconhecerquea«unidadeprevalecesobreoconflito» (EG 226). Esta convicção deverá traduzir-se em critério concreto dediscernimentoeação,levandoaqueseanteponhaedêprioridadeaoquegeraacomunhãosemanularadiversidadeeaoqueaumentaasolidariedadesemcederao sincretismo. Não se trata de ignorar o conflito ou as polaridades queatravessama Igrejaeasociedade.Trata-sesimdeashierarquizaremfunçãodacomunhão e do bem comum e de as situar num contexto em que essaspolaridadessetornemforçasregeneradorasdarealidade.

27. Critérioda realidade:partirda realidade, tal comoelaée senosmostra,define

umoutrocritérioquehádeestruturarodiscernimentoeaaçãodascomunidadescristãs.Procedendoassim,estasagemà imagemesemelhançadoSenhor Jesus,ElepróprioPalavraeternaencarnadananossarealidadehumanaequeanunciouoReinodosCéusapartirdarealidadedoseumundoedaquelesqueencontrou.Um saudável realismo aberto à esperança emerge, portanto, como outro eixoestruturante da presença eclesial. O discernimento evangelicamente inspiradoimpeleaagir considerandoa«realidadesuperiorà ideia» (EG231).Novamente,nãosetratadeabdicardosgrandesideaiscristãosnemdasuaforçamotivadora.Trata-sesimdereconhecerqueaideiapodeinterpretararealidade,masnuncaapode substituir. Um discernimento e ação pastoral realistas parecem serexigências tanto do estilo evangélico de Jesus como das necessidades daevangelizaçãononossotempo.

28. Critériodatotalidade:háumatotalidadenoEvangelhoqueaIgrejaéchamadaa

guardar e a assumir na forma como olha o mundo e age no seu seio. EssatotalidadedoEvangelhoéplenitudee,porisso,nãoémerosomatóriodepartes.Anecessáriaatençãoaoparticularnãodeve,portanto,fazê-laperderdevistaque«o todo é superior à parte» (EG 234). A ação eclesial, tendo sempre em vista«todososhomens»eo«homemtodo»(cf.EG181),encontraránestecritériodatotalidadeoudauniversalidadeoudaplenitudeumhorizontequeadeveguiar.Àsua luz, tanto aobradaevangelização comoaproféticadefesadobemcomumtornam-seserviçoà«plenitudedaexistênciahumana»(EG224)enelaencontramasuamedidaeoseucritério.

29. Critério da evangelização: o projeto de uma «Igreja “em saída”» supõe uma

reconfiguraçãodeváriasdassuasestruturaserotinas.Estasdevemserpensadaseimplementadas em função da evangelização e a sua pertinência considerada a

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esta luz. Este objetivo prioritário da presença eclesial torna-se, pois, critériodeterminantedodiscernimentoeaçãopastoral.Ainspiraçãodeuma«Igreja“emsaída”» determina, igualmente, a forma que há de tomar esse empenhoevangelizador, menos focado na «auto-preservação» (EG 27) de dinâmicaseclesiaisestabelecidaseconfiguradomaisematençãoàrealidadedaquelescomquem se quer partilhar o admirável dom da vida em Cristo. Estamesma lógicaevangelizadora há de configurar o anúncio cristão (querigma) e as propostascatequéticas,pensadosdinamicamenteepropostos,sobretudo,comodiscipuladodeCristo,comoconduçãoaosmistériosdafé(mistagogia)ecomoiniciaçãoàvidacristãemIgreja.

30. Critériodaautenticidade:vive-sehojeoquealgunsdescreveramcomo«umaera

da autenticidade»12. Num tempo em que o despertar da fé conhece profundastransformações, o testemunho da autenticidade cristã mostra, pelo contrário,uma crescente capacidade interpeladora13. Constatando este facto, a Igreja emLisboa há de reconhecer a autenticidade das buscas de tantos seuscontemporâneos e fazer da autenticidade evangélica um critério central da suaaçãopastoral.Trata-sedeprivilegiaraquelasformasdepresençaeclesial«ligadasaonúcleodoEvangelho»,emdetrimentodeformasdemasiadoligadasa«normasepreceitoseclesiaisquepodemtersidomuitoeficazesnoutrasépocas,masjánãotêmamesmaforçaeducativacomocanaisdevida»(EG43).

31. Critériodaqualidadeedabeleza:«nãoqueremosofereceraosoutrosalgodemá

qualidade» (EG 156). Esta indicação do Papa Francisco impõe-se hoje como umcritério regulador da ação eclesial. Se o encanto do Evangelho brota de umimpulsodagraça,a formapelaqualelepodeser suscitadoealimentadorequerumaqualidadenaaçãoqueameraboavontadenãopodegarantir.Estecritériodaqualidadeestender-se-áatodososdomíniosdavastapresençaeclesialeterádeser suportado por propostas sólidas de formação dos cristãos. A Igreja tambémnãoquerofereceralgoquedesfigureabelezadoEvangelho.Cientedeque«todasasexpressõesdeverdadeirabelezapodemserreconhecidascomoumasendaqueajudaaencontrar-secomoSenhor Jesus»,elaassumetambémabuscadobelocomo«via»(EG167)ecritérioorientadordasuapresençaeatividade14.

32. Elencados estes sete critérios inspiradores do discernimento em Igreja e

reguladores da sua ação, reconhece-se ainda a pertinência do anticritérioapontadopeloPapaFrancisco:«fez-se sempreassim» (EG33).Comefeito,nemsempreoscristãostêmsabidovencerainérciaeaacédiapastoral(cf.EG82)que

12Cf.C.TAYLOR,ASecularAge,HarvardUniversityPress,Cambridge,MA–London2007,473-504.13Cf.EG100.14Qualidade e beleza eram já características propostas pelo Patriarca D. José Policarpo para as

iniciativaseclesiais(cf.D.JOSÉPOLICARPO,«Cartapastoral:“MissãonaCidade”»,inVidaCatólica3ªsérie–V/15(setembro/dezembro)2003,148).

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os fecha aos apelos de Deus e às necessidades do mundo. Animada por esteprocessosinodalde«conversãopastoralemissionária»,aIgrejaemLisboaassumea carência de fundamento de tudo quando se faz apenas e só porque sempreassimsefezeabraçacomousadiaoconvitea«nãodeixartudonamesma»(EG25).

III. «Não deixar tudo na mesma» (EG 25): para uma conversão pastoral e missionária

33. O olhar evangélico sobre omundo e a Igreja e os critérios para a ação eclesial

anteriormente sistematizados constituem os fundamentos a partir dos quais seprocuraapontarperspetivasdeaçãopastoral.Ocaminhosinodalempreendidonadiocesede Lisboa seguiuumametodologiapastoral articuladaem tornodedoismomentosfundamentais.Oprimeiromomentocentrou-senaleituraereflexãodaExortaçãoApostólicaEvangeliiGaudium.Osegundoprocuroudesafiarosdiversosgrupos e comunidades a «ensaiar» concretizações missionárias das intuiçõeslançadaspelotexto.Deummodogeral,evidencia-seumdinamismoevangelizadornas preocupações e nas formas de ação de um grande número de cristãosapostadosnuma«opçãomissionária capazde transformar tudo» (EG27)emaisaptaàevangelizaçãodomundoatual.

34. A conversão pastoral e missionária da Igreja implica uma maior dedicação e

competência dos seus agentes pastorais. No âmbito de uma compreensão daIgrejacomo«sacramentouniversaldasalvação»(LG48)enaconsciênciadeque«evangelizaré tornaroReinodeDeuspresentenomundo» (EG176), todossãochamadosaexercerasuamissãoemcomunhãocomuma«visãoglobal»daaçãoevangelizadorada Igreja (cf.EN26).Estavisão integraldoagireclesialderivadaprópria missão de Cristo compreendida na sua tríplice dimensão sacerdotal,profética e real (cf. CIC cân. 204). Como ação orgânica, a ação pastoral procurapromover a comunhão (cf. NMI 43). É com base nestes princípios que seformularãoosdesafioslançadosàIgrejadeLisboaduranteoitineráriosinodal.

DIMENSÃOSACERDOTAL:CELEBRAÇÃODAFÉEVIDAESPIRITUAL

35. Acelebraçãodaféconstituiumdoselementoscentraisdaevangelizaçãoedavidacristã. Nela se celebram os mistérios da fé, se festejam os progressos naevangelização e se colocam sob o olhar damisericórdia de Deus o pecado e o

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fracasso experimentados na vida e na ação pastoral (cf. EG 24). É também nacelebração litúrgica que se renova para cada cristão o encontro pessoal ecomunitário com o Senhor, para o qual concorrem todas as outras formas decultivo da vida espiritual (cf. EG 3; CIgC 1112). Neste âmbito, destacaram-se osseguintesaspetosnocaminhosinodal:

36. Viveraliturgiacomolugardeencontro.AliturgiaélugardeencontrocomDeus.

Alémdabelezadosespaçosedosritos,damúsicaedocanto,acelebraçãodafééchamadaaeducarparaa interioridadeeparaosilêncio,criandomomentosquedisponham à escuta de Deus. Neste sentido, chama-se a atenção para anecessidade de formação litúrgica das comunidades, para que tanto os queexercemministérios,comotodaaassembleiaentreemdiálogocomoSenhor.É,por isso, de grande utilidade uma permanente catequese mistagógica queintroduzatodaacomunidadenavivênciadostemposlitúrgicosenacompreensãodosseussímboloseritos(cf.EG166;DD1).

37. DespertarodesejodeDeuseproporoseguimentodeCristonapreparaçãoparaos

sacramentos. Pela liturgia a Igreja contacta com muitas pessoas que procuramDeusmas que, por motivos vários, se distanciaram da Sua presença eclesial. Apreparação para os sacramentos, sobretudo os de iniciação e o Matrimónio,reveste-sedeparticular importânciaevangelizadora.Oacolhimentopastoraldosquepedemossacramentoseaspedagogiasadotadasnapreparaçãodosmesmosdevemproporcionarumaexperiênciafelizquersobopontodevistahumanoquereclesial. Os contactos esporádicos com a Igreja por ocasião da celebração dossacramentos são oportunidades para se voltar a falar de Deus e a despertar odesejo de um encontro com Ele. Nesta perspetiva, na preparação para ossacramentos proponham-se formas concretas de prosseguir no seguimento deCristoenafidelidadeàprópriavocação(cf.AL211).

38. Celebrara liturgianaatençãoaospercursospessoais.A Igrejaéchamadaauma

atitudedeacolhimentoedevalorizaçãodopercursohumanodecadapessoa.Osmomentos sacramentais são, por excelência, lugares onde se toca essasingularidadeeondeavidapodevibrardesentidonovo,pelacelebraçãolitúrgicaepelahospitalidadedacomunidade.NocasodoBatismodascrianças,ospaissãoconvidadosaaprofundarosignificadolitúrgicoeespiritualdobatismoeacelebrá-lonacomunidadecristã.AcelebraçãodasexéquiasconstituitambémumaocasiãoparasefazersentirasolicitudedemãedaIgreja.AsiniciativasrelacionadascomadescobertaecelebraçãodosacramentodaReconciliaçãoconstituem,emmuitoscasos,momentosfelizesdedescobertadosentidodavida.

39. Cultivaravidainterior.Avidaespiritualcarateriza-seporumaaberturaconstante

à ação do Espírito Santo fazendo florescer a riqueza da graça e da vocaçãobatismal.Neste sentido,as comunidadescristãs sãochamadasa serverdadeiras

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escolas de oração (cf. NMI 33) providenciando oportunidades de cultivo dainterioridade e regeneração da fé, guardando especial atenção aos agentespastorais (cf. EG 77). Além das propostas concretas a nível paroquial, inter-paroquial ou diocesano, adquire particular relevo o acompanhamento espiritualporpartedossacerdotes.Noentanto,ocultivodavidaespiritualéumprocessoque diz respeito a cada cristão. Valorizam-se, neste contexto, a descoberta davocaçãoàsantidade;a iniciaçãoàoraçãopessoalecomunitária;oenvolvimentoemgruposdeoração;apreparaçãoecelebraçãodossacramentosdaEucaristiaedaReconciliação,querpelameditaçãoorantedaPalavradeDeusqueratravésdoexame de consciência; a participação em retiros, exercícios espirituais eperegrinações;avalorizaçãodaadoraçãoeucarística,daespiritualidademarianaeda religiosidade popular, entre outras dimensões e práticas de cultivo da vidainterior.

DIMENSÃOPROFÉTICA:ANÚNCIOETESTEMUNHODOEVANGELHO

40. O anúncio e o testemunho do Evangelho constituem um dos âmbitos onde sesenteaurgênciaeanecessidadedatransformaçãomissionáriadaIgreja,umavezqueoanúncioexplícitodoEvangelho constitui a suaprioridadeabsoluta (cf. EG110). O sinal profético engloba todos os dinamismos de encontro entre amensagem evangélica e a situação de vida de cada pessoa. No centro destaconversação está o anúncio fundamental e primordial que exprime o amorsalvíficodeDeus,prévioaqualquerobrigaçãomoralereligiosa,quenãoimpõeaverdademas fazapeloà liberdadeeémarcadopelaalegria,ânimoevitalidade.Poroutro lado,asdisposições requeridasàscomunidadeseaosevangelizadoressãoproximidadeeaberturaaodiálogo,bemcomopaciênciaeacolhimentocordial(cf.EG165).Nestecontexto,apresentam-seosseguintesdesafiosapontadospelacaminhadasinodal:

41. Aceitara surpresadeDeus.Umadas regras supremasdaevangelizaçãoconsiste

emaceitaraliberdadesurpreendentedaaçãodeDeus,«queéeficazaseumodoe sob formas tão variadas quemuitas vezes nos escapam, superando as nossasprevisões e quebrando os nossos esquemas» (EG 22). Assim, um dos desafioscolocados pelo caminho sinodal de Lisboa consiste em reconhecer que Deuscontinua a amar o mundo de forma única e a fazer-se presente nosacontecimentos e na história de cada pessoa de forma inesperada. As diversasmodalidadesde regressodo religiosonanossa sociedadeeas formaspluraisdeprocurarDeusapontam,comoparteintegrantedaaçãoevangelizadoradaIgreja,adescobertade formasdeacompanhamentodos«buscadoresdeDeus»noseuitinerárioespiritual.

42. O diálogo inter-cultural. O diálogo com as diferentes culturas presentes na

sociedade atual constitui um dos grandes desafios colocados ao anúncio da

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mensagemcristã.Antesdemais,acontemplaçãodadiversidadeculturalconvidaao reconhecimento de que Deus vive no meio das pessoas e das realidadeshumanas.Aomesmo tempo, comprometea todosnapromoçãodeumaculturado encontro, numa harmonia entre diversas nacionalidades, sensibilidades egrupos. Na criação de espaços de conversação não devem faltar as questõesfundamentais da existência, a aposta na definição de opções conjuntas naprossecução do bem comum e na troca de experiências de convivência (cf. EG220).

43. Tornar credível a comunicação e adotar novas linguagens. Um dos desafios

colocados à prática pastoral atual prende-se com a credibilidade da suacomunicação,tantonamaneiracomoelaserealizanointeriordaIgrejacomonodiálogo com o exterior. Os esforços realizados nas últimas décadas têmdiversificadoasformaseasinstânciasqueorganizamacomunicaçãoeclesial,queseestendemdesdeasestruturasorganizadasinstitucionalmenteainiciativaslivresde grupos e indivíduos. No campo pastoral, o recurso às tecnologias decomunicação tem-se revelado fecundo em âmbitos como o ensino religioso, acatequese e a formação de adultos. Reconhece-se que podem ser mais bemexploradas noutras áreas, tais como a liturgia e a administração paroquial. Atransmissãodecelebraçõeseoutrasiniciativasatravésdosmeiosdecomunicaçãocontémumfortedinamismoevangelizador.ApresençadaIgrejanasredessociaistorna possível a existência de debates públicos e de livre expressão de opinião.Estas aparecem hoje como novos areópagos onde os cristãos encontramoportunidadeparatestemunharemasuafé.Progressivamente,astecnologiasdeinformaçãoconstituemcadavezmaisouniversomental,culturalerelacionalemquevivemos.As linguagensdafétambémencontramexpressãonesseambientedigital15.Torna-seimperioso,nesteâmbito,desenvolvercompetênciaseclesiaisnacriaçãodenovossímbolos,sinaiseformasdebelezaconsonantescomosdiversosambientes culturaisque,podendonão serparticularmente significativosparaosevangelizadores,oserãoparaosseusdestinatários(cf.EG167).

44. Fazer da Palavra deDeus o lugar onde nasce a fé. A Palavra deDeus temuma

importância nuclear na vida da Igreja, no percurso de fé dos crentes e naconstruçãodasuaprópriapersonalidade.ElafaznasceraIgrejaedespertaaféemcadamomentodavida.ÉurgenterecolocaraPalavradeDeusnocentrodavidadas comunidades cristãs, mobilizando os recursos necessários para que sejaconhecida,escutada,meditada,rezada,celebrada,vividaetestemunhada(cf.EG174-175).Nestesentido,destaca-seaimportânciadaleituraorantedaEscrituraea formaçãobíblica.APalavradeDeusestápresenteem todososmomentosdaevangelização,desdeoprimeiroanúncioàs formasqueconduzemàmaturidade

15Comoexemplosdessapresença,podem-se indicaralgumas iniciativas: Ivangelho, Ibreviary,Click

toPray,Passoarezar,aplicação«MissasemLisboa».

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da fé. Ela tem um papel fundamental nos processos de conversão e decrescimento na fé e de discernimento das motivações para seguir Jesus. Asdiferentes modalidades de evangelização devem ter a Palavra de Deus comoelemento estruturante. Merece especial destaque, neste contexto, a homilia.Sendo paramuitos cristãos omomento evangelizador por excelência, requer-sepreparaçãoenão improvisação;que tenhaumabasebíblica, interpeleavidadacomunidadecristãe introduzanomistérioquesecelebra.Finalmente,aPalavradeDeus constitui o itinerário fundante de uma catequese de acompanhamentodosadultosnafé.

45. Fomentar uma pastoral de acolhimento. O acolhimento pastoral constitui um

desafio permanente da Igreja. De um bom acolhimento depende, em grandemedida,aconstituiçãodelaçosdepertençaàIgreja.Alémdeespaçosacolhedoresé necessária a formação dos agentes pastorais para o sentido do verdadeiroacolhimentodooutro,queimplicaaescutaeodiálogopacientes.Porisso,nãosepode reduzir o acolhimento paroquial a uma mera lógica de «repartição deserviçosreligiosos».ÀsemelhançadoquefaziaJesus,énecessárioumverdadeiroacolhimentohumanoonde«todospossamencontrarsempreumsimàpessoaquesão»16. O desenvolvimento de uma pastoral de acolhimento exige redobradaatençãoediscernimentopastoralquandosetratadequestõesrelacionadascomacelebraçãodossacramentoseodesempenhodedeterminadasfunçõeseclesiais.Oacolhimentoimplica,ainda,acapacidadedeuma«saída»aoencontrodosquesãodiferentes.

46. Propor percursos de iniciação diferenciados. Um dos desafios colocados à atual

práticaeclesialprende-secomapreocupaçãoporgarantirpercursosdeiniciaçãoàfé. No caso das crianças e adolescentes este processo decorre, normalmente,seguindo o itinerário catequético. No caso dos adultos, as propostas são maisdiversificadas,masmenos estruturadas. Tantonum caso comonoutro, constituiumapreocupaçãopastoralofactodequemuitosnãopermaneçamnumcaminhode amadurecimento da fé depois da celebração dos sacramentos de iniciação.Neste sentido, considera-se prioridadepastoral a organizaçãodo catecumenadodosadultos.Poroutrolado,aorganizaçãodacatequesedascriançasdevecolocarcomo critério de passagem de uma etapa à seguinte o crescimento humano eespiritual.Senocontextodeumacatequesemassificadoraetotalizanteasformasde catequisar e os processos de iniciação eram formalmente igualitários, hojeassistimosaumamaiordiversidadenoquerespeitaàspráticascatequéticaseàsformasdegarantiroacessoaossacramentos.Aatualsituaçãoreclamaumsériodiscernimentodocaminhoaseguirembenefíciodacomunhãodiocesana.

16D.MANUELCLEMENTE,«HomilianamissadeentradacomoPatriarcadeLisboa:“Reedificarnapaza

cidadedetodos”»,inVidaCatólica4ªsérie–I/1(julho/dezembro)2013,38.

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47. Proporcionarexperiênciasdeinterioridadenacatequese.Oentendimentoatualdacatequese como uma «aprendizagem de toda a vida cristã» (AG 14) tende aenglobar de forma consistente, a par da aquisição de conhecimentos e dosexercícios morais, dimensões que valorizam a interioridade, dando assim àcatequese um cunho querigmático emistagógico. Sãomuitas as iniciativas queprocuramtornaracatequeseumespaçodereflexãoesilêncio,ondeascriançaseosadolescentessãoconvidadosacompreendereinteriorizarapresençadeJesusnassuasvidaseadesenvolverumarelaçãocomEle.Acatequeseinicia,assim,àexperiênciadeDeuseàdescobertadosseussinaisnavidadecadaum,prestandoumauxílioímparnodiscernimentodaprópriavocação.Adquiremespecialrelevo,neste contexto, experiências de âmbito social, cultural e desportivo, realizadascom crianças, adolescentes e famílias, no sentido de tornar a experiência cristãmais encarnada. A crítica à escolarização da catequese exige modelos que sesituemnumadinâmicacatecumenalquealibertemdasestruturastradicionaiseaabramàdimensãoexperiencialecomunitáriadavidacristã(cf.EG166).

48. Velar pelos recomeços da fé. A situação daqueles que por algum motivo

redescobremafécristãconstituiumdesafioparaaevangelização.Nestescasos,trata-sede reavivara fédaquelesqueavivemcomoumsimplescostumeouseafastaram dela. A Igreja deve estar atenta aos sinais da procura espiritual eestimularodesejodeDeusondeseverificaumasededevidacomsentido.Elaéchamada a interpretar esta presença de «buscadores de Deus» como umaoportunidadeúnica,nãosóparaosajudarnoseucaminhopessoal,mastambémparasequestionarsobreasua identidadeemissão,ensaiandomodalidadesquefavoreçam a integração destes novos membros. Nestes casos, o anúncio da fécentra-se no querigma e assume a forma de um segundo primeiro anúncio, ouseja,aqueleanúnciofundamentalquetemdeseouvirmuitasvezes(cf.EG164;EE46).Paraosquerecomeçaménecessáriaumanovaapologéticaqueproponhaemlinguagem audível os elementos constitutivos da iniciação cristã: o Credo, ossacramentos,asbem-aventuranças,oPai-nosso.

DIMENSÃOREAL:SERVIÇOECUIDADODOPRÓXIMO

49. O serviço e o cuidado do próximo estão intimamente ligados ao anúncio doEvangelho (cf. EG 177). São inúmeras as manifestações evangelizadoras que sedesenvolvemnoâmbitodapastoralsocio-caritativa.Ocaminhosinodalapontou,nesteâmbito,algunsdesafios:

50. Sair com Cristo ao encontro de todas as periferias sociais e geográficas. Este

desafio constitui uma prioridade da ação evangelizadora da Igreja. Implica umaopção preferencial pelos pobres e uma proximidade aos excluídos em ordem àpromoçãodasuadignidade,nosseusdiversosníveis(saúde,educação,habitação,emprego). Exige, ainda, uma aposta no trabalho formativo com as famílias e

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contextos sociais mais vulneráveis, uma sensibilização da comunidade eclesialpara «ouvir o clamordopobre» (EG187; cf. EG200) e o fortalecimentoda suaresponsabilidadesocial.Finalmente,reclamaanecessidadedeseacompanharemas constantes formas de reorganização social, decorrentes de transformaçõesgeográficas e urbanas, e as rápidas mudanças ao nível das condições demobilidadedaspopulações.

51. Intensificar o caráter evangelizador das instituições sociais da Igreja. As

instituições sociais da Igreja têm como missão responder com prontidão ecompetência às necessidades das populações. No entanto, a urgência de umaresposta imediata sobrepõe-se, frequentemente, à dinamização de processoseducativos capazes de dar um rosto evangélico a essas instituições. Nesteprocesso é necessário cuidar, em primeiro lugar, da sua identidade cristã e daformação dos seus principais agentes. Neste âmbito, têm sido desenvolvidosprojetos educativos de formação que visam diretamente os colaboradores dasinstituições,dando-lhesaconhecerosprincípiosdafécristãedaDoutrinaSocialdaIgrejaetrabalhandosobreoperfilhumanoeespiritualprópriodocolaboradorde uma instituição social católica. Elas são, também, chamadas a desenvolverprocessos de evangelização adaptados aos diversos públicos com os quaiscontactam17.

52. Fomentaracooperaçãoentreasinstituiçõeseapostarnaformaçãodosgestores.

No atual contexto, sente-se a necessidade de fomentar umamaior cooperaçãoentreasinstituições,potenciando,quandopossível,asuaproximidadegeográfica.Assimcriar-se-áumaredemaiscapazderesponderaosdesafiosquesecolocamno diálogo com as entidades públicas e civis e de estimular a coerência deprincípios de gestão e de formação técnica especializada. A situação presentereclama dos gestores graus de competência e profissionalismo que nuncadescurem, entre outros, o sentido de responsabilidade da própria missão, oconhecimentodalegislaçãoeocumprimentodamesma,agestãoequilibradadosdiversos recursos, a consciência da situação económica da instituição e suasustentabilidadefinanceira.Exige-se,ainda,umavisãoglobaldosdiversosdesafioslançados a estas organizações, a procura de soluções antecipadas para osproblemaseaapostaeminiciativasinovadorasquefavoreçammodosdiversosdeexerceresteserviço.

53. Diversificar as formas de presença da Igreja nos diversos âmbitos da vida. A

pastoral social abrange uma diversidade de formas de presença da Igreja nasociedadeeumvastocampodeintervenção.AIgrejaéchamadaaestarpresente

17Destaca-se,nestecampo,oprojeto«Despertardafé»,direcionadoparaascriançasdopré-escolar

e respetivas famílias. Nesta linha, seria desejável que se desenvolvessem projetos semelhantesdirecionadosaoutrosgrupos.

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emtodososâmbitosdavidasocialcontribuindoparaaedificaçãodacidadedoshomens. Neste sentido, toda a comunidade eclesial e, nesta, muitoparticularmente os cristãos leigos, devemempenhar-se em todas as causas quepromovam e defendam a dignificação da pessoa humana, favorecendo, pelodiálogo sensato e cordial, uma apresentação positiva da sua proposta moral esocial18. É fundamental, ainda, acompanhar o trabalho dos profissionais,promovendo o seu associativismo, e fomentar a formação de agentes pastoraiscapazesdeintervirnosdiversosâmbitosdavidasocial.

54. Abriratodosasportasdaesperança.Ascomunidadescristãssãochamadasaser

lugaresdeesperançae«oásisdemisericórdia»(MV12).Istosupõequeseaceitecada pessoa na situação em que se encontra. A criação de espaços deacolhimento,escutae reflexãopermitiráque todos, em Igreja, sepossamsentirem casa. Neste sentido, é fundamental privilegiar a relação com os pobres eexcluídos,osmigranteserefugiados,osdoenteseossós,indoaoseuencontro.Énecessária,também,umamaiorpreocupaçãocomasnecessidadesespirituaisdaspessoas,atendendoàsuasangústias,situaçõesdeviolência(físicaepsicológica)eexperiências de perda. Finalmente, tenha-se como grave preocupação oacompanhamento de todos os que passam por experiências de desagregaçãofamiliar.A dinâmica evangelizadora da esperança reclama uma conversão mental dasprioridades da evangelização. Ao estilo evangélico de agir, concretizado emmúltiplossinais,gestoseatitudes,correspondeaconvicçãodequeoanúnciodoamordeDeusprecedea«obrigaçãomoralereligiosa»(EG165);aproximidade,aescutaeodiálogo,preparamoanúncioexplícitodoEvangelho,eaalegriadodomrespeitaaliberdadederespostaeocompromisso(cf.EG129,165).

EDIFICAÇÃOCOMUNITÁRIAEVIVÊNCIADACOMUNHÃOPARAOSERVIÇODOMUNDO

55. A transformação missionária da Igreja engloba uma preocupação pelo bem domundoedaspessoasquenelehabitam.Aconsciênciadasuaresponsabilidadena«construçãodanossacasacomum»(LS13)enapromoçãododiálogoemproldadignidade da pessoa humana levam-na a aceitar com ousadia e humildade odesafio de ser «casa e escola da comunhão» (NMI 43). Neste sentido, antes dequalquer programação, torna-se necessário «promover uma espiritualidade dacomunhão,elevando-aaoníveldeprincípioeducativoemtodosos lugaresondese plasma o homem e o cristão, onde se educam os ministros do altar, osconsagrados, os agentes pastorais, onde se constroem as famílias e ascomunidades»(NMI43).Ésoboprismadeumaespiritualidadedecomunhãoque

18Na tessitura da «ordem temporal» indicam-se alguns campos onde os cristãos leigos são

chamadosaexerceroseuapostolado:científicoecultural(LG36;AA1;GS62;AG21);familiar(LG35;AA4.11;GS47);social,económico,político(GS77);éticoebioético;campoecológico(LS6.14.137).

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se lançam relativos à edificação comunitária e à estruturação sinodal da vidaeclesial.

56. Viver amisericórdia, rosto da comunhão e alma damissão. Existe uma relação

intrínsecaentremissão,comunhãoemisericórdia.Amisericórdiaestánonúcleodoquerigmacristão:«JesusCristoama-te,deuasuavidaparatesalvar,eagoravive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar» (EG 164). Avivência da misericórdia, como atributo do Pai «rico em misericórdia», comoexpressãodorostodoFilhoecomocoraçãopulsantedoEspírito(cf.MV1.11-12),manifesta-senacomunhãoda Igrejaesustentaasuamissão.Comefeito,semamisericórdiaoanúnciodoEvangelhocorreo riscodenãosercompreendido (cf.NMI 50). Nesta perspetiva, a misericórdia é rosto da comunhão num duplosentido.Emprimeirolugar,refere-seàcomunhãocomDeuseàcontemplaçãodoseumistériodeamor gratuito. Em segundo lugar, é rostoda comunhão comosirmãos,porquelevaadescobrirooutrocomo«próximo»,criandoespaçoparaele,partilhandoas suas alegrias e sofrimentos, intuindoos seus anseios, curandoassuasferidaseoferecendo-lheuma«verdadeiraeprofundaamizade»(NMI43;cf.EG270).Atransformaçãomissionáriada Igrejarequer,por isso,queemtudosemanifesteamisericórdiacomoarquitravequesuportaasuavida(cf.MV10).

57. Fazer da Igreja uma rede de relações fraternas. Um ponto determinante na

edificaçãocomunitáriaprende-secomaatençãoàvida fraternanasparóquiasecomunidades.Deladepende,emgrandeparte,asuacapacidadeevangelizadora.Torna-se,porisso,necessárioformargruposdecrentesquereleiamavidapessoalecomunitáriaàluzdoEvangelho,fomentaracomunhãoentregruposdamesmaparóquia,partilharosrecursospastoraiscomparóquiaspróximasedinamizarumapastoral de conjunto, evitando dispersão de recursos e de energias. Também éurgentevelarpelacolaboraçãoentreosdiversosministérioseinstânciaseclesiais,motivandoeincrementandootrabalhoemequipa.Consciente de quenem tudopode ser determinadopor si, a Igreja diocesana échamada a acompanhar, agradecida, a gestação de dinamismos de cooperaçãoentre diversos organismos e grupos eclesiais19. Finalmente, no contexto culturalhodierno, é urgente criar novos modos de presença junto dos nossoscontemporâneos, propondo-lhes de novo o Evangelho e a sociabilidade emqueelenosintroduz.

58. Suscitar uma cultura missionária e vocacional. O testemunho dos jovens que

participaramnainiciativasinodalmanifestaariquezadeexperiênciasmissionáriaspor eles realizadas. Amissão é lugar de crescimento humano e espiritual, querpelo encontro com realidades humanas marcadas pela fragilidade, quer pela

19Citam-se,atítulodeexemplo,asseguintesexperiências:MissãoPaís,RededeCamposdeFérias

Católicos,Núcleosdepastoraluniversitária.

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leitura orante da Palavra de Deus que sustenta a vida e dá sentido à missão.Muitas das dimensões do apostolado da juventude procuram imprimir umadinâmica vocacional que provoque uma resposta ao Deus que fala e chama.PorqueaIgrejaemLisboa«precisadejovenscapazesdedarrespostaaDeusqueos chama, para voltar a haver famílias cristãs estáveis e fecundas, para voltar ahaverconsagradoseconsagradasquetrocamtudopelotesourodoReinodeDeus,paravoltarahaversacerdotesimoladoscomCristopelosseusirmãoseirmãs»20,énecessárionãosóconferirdimensãovocacionalaospercursoscatequéticos,mastambémousarproporconcretamenteavocaçãomatrimonial,sacerdotal,religiosaemissionáriacomoopçãodevida.

59. Promovera recomposição familiardavidacomunitária.A importânciada família

para a vida de toda a sociedade é também um benefício para a Igreja, comoescreve o Papa Francisco: «A Igreja é família de famílias, constantementeenriquecida pela vida de todas as igrejas domésticas. Assim, em virtude dosacramentodomatrimónio,cadafamíliatorna-se,paratodososefeitos,umbemparaa Igreja»(AL87).Nestaperspetiva,aatençãoacadapessoatemdeteremcontaasuarealidadefamiliar.Exige-se,portanto,quecadaparóquiasequestioneacerca das redes que a constitueme suportam, descubra a riqueza e valorize ocontributodasfamílias21.Sãomuitas as famílias que não tendo uma prática religiosa regular procuram aIgrejaparacelebrarumsacramentoouparasolicitaracatequeseparaascrianças.Numcontextodemaiordistânciaculturalfaceaomundodafé,estefactoconstituiuma oportunidade para que se proponham aos adultos formas concretas dedescobertadaféedeprimeiroanúncioquefavoreçamasuaintegraçãoeclesial.Aformação e acompanhamento das famílias, nas suas complexas problemáticas,favorecemonascimentodedinamismosfecundosdecolaboraçãoentreaselaseas comunidades cristãs. Neste sentido, incentivem-se iniciativas pastorais quedevolvamàfamíliaadignidadedasuafunçãoeducativa.Omedodearriscartendeaadiaratãodesejadatransformaçãomissionáriada Igrejanasuarelaçãocomafamília.

60. Formardiscípulosmissionários.Aimportânciadotestemunhoecoerênciadevida

dos agentes pastorais, fruto do seu encontro pessoal com Cristo, é umapreocupação para a Igreja. Neste sentido, é necessário criar espaços onde osagentes pastorais alimentem a sua relação com Jesus que os chama e envia;espaços onde possam partilhar as suas questões mais profundas e aspreocupações quotidianas, onde tenham oportunidade de discernir emprofundidadeecomcritériosevangélicossobreaprópriaexistênciaeexperiência

20PAPA FRANCISCO, «Discurso do Papa Francisco aos Bispos Portugueses em visita “ad Limina

Apostolorum”»,inLumensérieIII–76/5(Setembro/outubro)2015,6.21D. MANUEL CLEMENTE, «Comunicação sobre a Exortação Apostólica “Amoris Laetitia”»,

(http://www.patriarcado-lisboa.pt/site/index.php?id=6398).

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(cf.EG77).Oentusiasmomissionário,aalegrianaevangelização,a irradiaçãodaesperança, a opção pela ternura, a fraternidade e comunhão, a vivência doEvangelho, a oração e o perdão mútuo, constituem traços essenciais daespiritualidadeprópriadoagentepastoral(cf.EG108-171).Asuaformaçãodeveenglobar, também, competências de ordem teológica, cultural e pastoral quefavoreçam um discernimento evangélico de todas as questões e uma leituracrentedaactualidade,emvistadeumapresença«dosvalorescristãosnomundosocial,políticoeeconómico»(EG102).

61. Fazerdasinodalidadeométododaaçãoeclesial.AexperiênciarecentedaIgreja

de Lisboa garante-nos, na senda da renovação eclesiológica promovida peloConcílio Vaticano II, que a sua transformaçãomissionária acontece também namedida emque fizer da sinodalidadeométododa ação eclesial.Neste sentido,impõe-seponderararealvitalidadedassuasestruturasdeparticipaçãoevalorizaras expressões de sinodalidade existentes ou a implementar. Para que issoaconteça,fomente-seacriaçãodeespaçosdeencontroedepartilha,deestudoede reflexão; promova-se a comunhão e a coordenação entre os diversosorganismos diocesanos, nomeadamente os da Cúria; incrementem-se estruturasde sinodalidade, tais como equipas vicariais de coordenação pastoral e outrosorganismos previstos pelo direito (conselho económico, conselho pastoralparoquial)22.Nocontextoatual,espera-sedosministrosordenadosumestímuloàparticipação de todos, promovendo uma autêntica cultura da sinodalidade naIgreja,eumtestemunhodecomunhãonavidaempresbitério.

O Sínodo diocesano de Lisboa é uma ocasião propícia para se assumir amissãocomo propósito do ser Igreja e a sinodalidade como método da vida emcomunidade. A Igreja em Lisboa quer ir além do sonho que amove e encarnarneste tempoo rosto da beleza do Pai, os gestos da caridade do Filho e a forçasurpreendentedoEspírito,queafazdizeraomundoemnomedoseuSenhor:«Eisquefaçonovastodasascoisas»(Ap21,5).

22Cf.CICcân.536.537.

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Índice de Siglas 1Cor -PrimeiracartaaosCoríntios

AA -DecretoApostolicamActuositatem;

Act -ActosdosApóstolos;

AG -DecretoAdGentes;

AL -ExortaçãoApostólicaPós-SinodalAmorisLaetitia;

Ap -LivrodoApocalipse;

CIC -CódigodeDireitoCanónico;

CIgC -CatecismodaIgrejaCatólica;

DD -CartaApostólicaDiesDomini;

EE -ExortaçãoApostólicaPós-SinodalEcclesiainEuropa;

Ef -CartaaosEfésios;

EG -ExortaçãoApostólicaEvangeliiGaudium;

EN -ExortaçãoApostólicaPós-SinodalEvangeliiNuntiandi;

EV -CartaencíclicaEvangeliumVitae;

Gn -LivrodoGénesis;

GS -ConstituiçãoPastoralGaudiumetSpes;

Lc -EvangelhosegundoS.Lucas;

Hb -CartaaosHebreus;

LG -ConstituiçãoDogmáticaLumenGentium;

LS -CartaencíclicaLaudatoSi’;

Mc -EvangelhosegundoS.Marcos;

Mt -EvangelhosegundoS.Mateus;

MV -MisericordiaeVultus.Buladeproclamaçãodojubileuextraordináriodamisericórdia;

NMI -CartaApostólicaNovoMillenniumIneunte.

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Índice

EMORDEMAOSÍNODODIOCESANO.....................................................................................2

DOCUMENTODETRABALHO.................................................................................................4

I.«[UMA]MUDANÇADEÉPOCA»(EG52):ESCUTAROMUNDOEOLHARAIGREJA...............5

ESCUTAROMUNDO.......................................................................................................................6

OLHARAIGREJA............................................................................................................................8

II.«DISCERNIR[…]COMCRITÉRIOSEVANGÉLICOSSOBREAPRÓPRIAEXISTÊNCIAE

EXPERIÊNCIA»(EG77):CRITÉRIOSPARAAAÇÃOECLESIAL..................................................11

CRITÉRIOSFUNDAMENTAIS............................................................................................................11

CRITÉRIOSDEDISCERNIMENTOEAÇÃO............................................................................................12

III.«NÃODEIXARTUDONAMESMA»(EG25):PARAUMACONVERSÃOPASTORALE

MISSIONÁRIA......................................................................................................................15

DIMENSÃOSACERDOTAL:CELEBRAÇÃODAFÉEVIDAESPIRITUAL..........................................................15

DIMENSÃOPROFÉTICA:ANÚNCIOETESTEMUNHODOEVANGELHO.......................................................17

DIMENSÃOREAL:SERVIÇOECUIDADODOPRÓXIMO..........................................................................20

EDIFICAÇÃOCOMUNITÁRIAEVIVÊNCIADACOMUNHÃOPARAOSERVIÇODOMUNDO..............................22

ÍNDICEDESIGLAS................................................................................................................26