ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual ...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE EM ACIDENTES DE
TRÂNSITO
Por: Ana Rosa de Arruda Nobre
Orientador
Prof. Jean Alves
Rio de Janeiro
2015
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE EM ACIDENTES DE
TRÂNSITO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito Penal e Processual
Penal.
Por: Ana Rosa de Arruda Nobre
3
AGRADECIMENTOS
....aos meus amados pais, Francisco e
Alvina Manoela, pela paciência, apoio e
dedicação, no decorrer da minha
jornada, à minha querida irmã, Maria
Auxiliadora, que, com muito amor e
compreensão, se encontra presente
em todos meus momentos, ao meu
querido amigo, Guilherme José, que
com seu companheirismo, dedicou seu
tempo, me orientando em diversos
trabalhos, a todos os outros amigos
que fazem parte da minha caminhada,
torcendo pelo meu sucesso, e aos
mestres que se dedicaram,
proporcionando este título, ao transmitir
seus conhecimentos ......
4
DEDICATÓRIA
.....dedica-se as minhas amadas
sobrinhas e amigas, Maria Fernanda e
Maria Helena, que, apenas com seus
sorrisos, são capazes de transmitir força e
amor para que cada sonho se torne
realidade.......
5
RESUMO
A monografia objetivou discutir os institutos do dolo eventual e da culpa
consciente em acidentes de trânsito. Ao buscar a aproximação da delimitação
entre os referidos institutos, observou-se que a discussão entre a fronteira dos
mesmos é pautada em elementos subjetivos, considerando que para optar por
um ou por outro, ao concretizar determinada conduta, deve ser analisado
minunciosamente o caso concreto. A conjugação de embriaguez com
velocidade excessiva foi discutida, verificando ser notória a divergência tanto
doutrinária quanto jurisprudencial acerca da existência de dolo eventual ou
culpa consciente, em acidentes, envolvendo a referida conjugação, que
desencadeavam em lesões corporais ou homicídios. Por outro lado, concluiu-
se que, quando tais resultados eram provocados pela prática de “racha”,
prevalecia o entendimento favorável ao dolo eventual.
6
METODOLOGIA
Como metodologia aplicada utilizou-se a pesquisa bibliográfica, através
da análise de temas explorados em livros, artigos, ou quaisquer outras
espécies de materiais escritos. Vale ressaltar que as questões foram
examinadas, ainda, através de doutrinas e jurisprudências. Portanto, com base
no material mencionado, foi possível analisar posicionamentos anteriores
acerca do tema, a fim de orientar o desenvolvimento deste trabalho, abordando
um enfoque mais específico direcionado a esclarecer os critérios que
identificam a culpa consciente ou o dolo eventual em determinada conduta.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - A FRONTEIRA EXISTENTE ENTRE DOLO EVENTUAL E
CULPA CONSCIENTE 11
CAPÍTULO II - A RELAÇÃO DE EMBRIAGUEZ E ALTA VELOCIDADE COM OS ACIDENTES DE TRÂNSITO 19 CAPÍTULO III – O INSTITUTO DO DOLO EVENTUAL NAS CONDUTAS
DESENCADEADAS PELA PRÁTICA DE “RACHA” 28
CONCLUSÃO 36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 39
ÍNDICE 43
8
INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo alcançar ou, pelo menos, se aproximar da
exata delimitação entre o dolo eventual e a culpa consciente em acidentes de
trânsito, considerando que, em ambas as situações, o agente tem a previsão
do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o
admita como possível e no dolo eventual, admita a possibilidade de se
concretizar, sendo-lhe indiferente.
Diante das condutas praticadas no trânsito, que desencadeiam
acidentes, com relevância para o Direto Penal, por atingirem bens jurídicos
como a integridade física e a vida, a presente pesquisa pretende focar nos
conceitos jurídicos de dolo eventual e culpa consciente nas referidas condutas,
que culminam em delitos tipificados no Código Penal Brasileiro (CP) ou no
Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Durante o desenvolvimento será apresentado um posicionamento, a fim
de se aproximar da exata demarcação entre o dolo eventual e a culpa
consciente, ao analisar a conduta do agente que resultou em determinado
delito, tipificado no CP ou no CTN. Como o dolo eventual é equiparado ao dolo
direto, no tocante aos seus efeitos, saber se o agente foi impulsionado pelo
dolo ou culpa no momento da ação praticada, em desacordo com os preceitos
legais, requer do jurista uma exegese mais detalhada, pois, conforme a
interpretação à luz do caso concreto, será o agente reprimido com maior ou
menor intensidade por parte do Estado.
É relevante verificar se a delimitação entre o dolo eventual e a culpa
consciente, envolve critérios objetivos e absolutos, ou se é realizada com
critérios subjetivos e relativos, dependendo da ponderação de cada julgador.
Supostamente, entende-se que a referida delimitação envolve critérios
subjetivos, sendo possível identificar se o agente praticou determinada conduta
típica, no trânsito, com culpa consciente ou com dolo eventual, após análise
9
ponderada, pelo Estado Juiz, observando princípios como a razoabilidade e
proporcionalidade, alcançando determinada conclusão relativa e não absoluta.
Pretende-se analisar também a conjugação de velocidade excessiva e
embriaguez do motorista causador de acidentes, a fim de verificar se a conduta
com tal especificidade foi praticada com dolo eventual ou culpa consciente.
Será discutida, ainda, a prática de “racha”, no intuito de observar se
existe relação entre esta e os referidos institutos. Tal conduta é, sem dúvida,
extremamente reprovável, pois expõe a perigo concreto a incolumidade pública
e, por extensão, a privada. No entanto, para imputar uma punição proporcional
à gravidade do ato delituoso, é importante saber classificar o ato típico em
doloso ou culposo.
A razão deste trabalho trata-se da possibilidade de contribuir para o
incremento de justiça, através de uma visão crítica e independente, já que
muito se tem discutido quanto aos chamados delitos de trânsito, que causam a
morte ou deixam sequelas gravíssimas em suas vítimas.
Vale ressaltar que a importância, em aprofundar estas matérias, se
evidencia quando o Direito Penal, por meio de uma disposição geral relativa
aos preceitos penais, expressa que o comportamento doloso é punível e o
culposo não o é, salvo quando a este está cominada expressamente uma
pena.
Diante da excepcionalidade do crime culposo, entender que uma
conduta foi praticada com culpa consciente significa extinguir a própria
tipicidade quando não houver expressamente no Código Penal a previsão do
tipo para conduta culposa.
Portanto, desta maneira, compreender e trabalhar uma distinção
concreta entre ambos equivale a elucidar a não imposição ou a imposição de
10
uma pena, e neste caso, ainda, mensurar em qual magnitude. Se, em uma
leitura rasa, as distinções entre as condutas dolosas e culposas estariam
facilmente enfrentadas em seus conceitos universais, quando confrontadas
com casos práticos, as distinções perdem facilmente seus contornos,
confundindo-se e imbricando-se.
Por fim, vale realçar o direcionamento deste objeto de estudo para
condutas praticadas no trânsito, em território nacional, com relevância para o
Direto Penal, por atingirem bens jurídicos como a integridade física e a vida.
11
CAPÍTULO I A FRONTEIRA EXISTENTE ENTRE DOLO EVENTUAL E
CULPA CONSCIENTE
Dolo, conforme descrito no artigo 18, inciso I, do Código Penal é a
vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal
incriminador. De acordo com o que preleciona Welzel, “toda ação consciente é
conduzida pela decisão da ação, quer dizer, pela consciência do que se quer –
o momento intelectual – e pela decisão a respeito de querer realizá-lo – o
momento volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatores
configuradores de uma ação típica real, formam o dolo (dolo do tipo); ou,
ainda, na lição de Zaffaroni, “dolo é uma vontade determinada que, como
qualquer vontade, pressupõe um conhecimento determinado”. Assim, podemos
perceber que o dolo é formado por um elemento intelectual e um elemento
volitivo.1
Culpa pode ser caracterizada pela inobservância do dever objetivo de
cuidado, ou seja, a quebra do dever de cuidado imposto a todos e manifesta
por meio de três modalidades: imprudência, negligência e imperícia, todas
previstas no artigo 18, inciso II, do Código Penal. A imprudência é a culpa de
quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o
cuidado necessário. A negligência é a culpa na sua forma omissiva, consiste
em deixar alguém de tomar o cuidado devido antes de começar a agir. Por fim,
a imperícia é a demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade.2
É típica a conduta que deixa de observar o cuidado necessário
objetivamente previsível. Pode-se, então, conceituar culpa como a
inobservância do dever objetivo de cuidado, manifestada numa conduta
produtora de um resultado não desejado, objetivamente previsível.3
1 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 183.
2 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 233. 3 BITENCOURT. Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 11.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 278.
12
A previsibilidade é um dos elementos que integram o crime culposo.
Quando o agente deixa de prever o resultado que lhe era previsível, trata-se de
culpa inconsciente. Por outro lado, culpa consciente é aquela em que o agente,
embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a conduta acreditando,
sinceramente, que este resultado não venha a ocorrer. O resultado, embora
previsto, não é assumido ou aceito pelo agente, que confia na sua não
ocorrência.
Dolo e culpa em stricto sensu são conceitos inteiramente diversos. Dolo
é o fenômeno psicológico, ao passo que culpa só tem existência no plano
normativo. Portanto, o dolo faz parte do chamado tipo subjetivo, já a culpa
possui uma característica normativa aberta: o desatendimento ao cuidado
objetivo exigível ao autor. 4
O ponto limítrofe entre dolo e culpa é a divisa entre os conceitos do dolo
eventual e da culpa consciente. O dolo eventual caracteriza-se pela vontade do
agente de realizar a conduta, pela consciência da conduta e do nexo causal.
O dolo eventual ocorre quando o agente, embora não querendo
diretamente a realização do tipo, o aceite como possível ou mesmo como
provável, assumindo o risco da produção do resultado. O responsável pela
conduta não deseja o resultado, pois se assim ocorresse, não seria dolo
eventual, e sim direto. Ele prevê que é possível causar aquele resultado, mas a
vontade de agir é mais forte, que o compele e ele prefere assumir o risco a
desistir da ação. Não há uma aceitação do resultado em si, há a sua aceitação
como probabilidade, como possibilidade. "Entre desistir da conduta e poder
causar o resultado, este se lhe mostra indiferente”, no dizer de Damásio de
Jesus, em parecer emitido sobre o caso do índio Pataxó queimado em Brasília,
4 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 240.
13
que aliás, causou uma enorme confusão na cabeça de muitos juristas que
julgavam dominar o assunto.5
Em contrapartida, na culpa consciente, o agente, ainda que tenha
previsto o resultado, acredita que o mesmo não irá acontecer; por não ser
desejado nem assumido pelo causador. Entende-se, na verdade, que o
resultado pode ser evitado.6
Ao invés de caminhar para uma proposta, muitas vezes, de abolição
penal, que pode ser chamada de direito penal mínimo e na presente pesquisa
tenderia à culpa consciente, independentemente de qualquer análise, ou, no
extremo oposto, acolher uma ideia de um direito penal máximo, caracterizando
o dolo eventual, sempre que existisse dúvida, dentro de uma perspectiva
moderna e antenada com a ideia de uma constituição social, desenvolve-se a
tendência para o direito penal proporcional.7
Portanto, não é possível delimitar os dois institutos, com base na
ausência de dolo direto, vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta
prevista no tipo penal incriminador, e na possível ausência do dever de
cuidado, quando o agente não prevê o resultado previsível, pois a delimitação
em questão deve ser resolvida em cada caso concreto, em observância ao uso
proporcional do direito penal, protegendo a dignidade da pessoa humana, não
aplicando uma sanção com base no dolo quando se tratava de culpa.
Diante do exposto, tende-se a pautar a discussão entre a fronteira da
culpa consciente e do dolo eventual em elementos subjetivos, considerando
que para optar por um instituto ou outro, ao concretizar determinada conduta,
deve ser analisado minunciosamente o caso concreto.
5 CONCEIÇÃO, Arnaldo Alves. Distinção de Dolo Eventual e Culpa Consciente. Âmbito Jurídico, Rio Grande do Sul, ago. 2010. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8149 >. Acesso em: 20 dez. 2014. 6 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 205.
14
Consigna-se que quando se trata de crimes dolosos contra vida é
reconhecida a instituição do Tribunal do Júri, de acordo com o artigo 5º, inciso
XXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CRFB/1988).
Portanto, caracterizar que o homicídio, desencadeado por um acidente
de trânsito, resultou de uma conduta praticada com dolo eventual, possui
significativa relevância para o Direito Penal por deslocar a competência de
julgamento do caso para o Tribunal de Júri.
Outra diferença marcante entre tais conceitos é que no crime culposo o
agente, se soubesse que iria matar alguém, não teria prosseguido na sua
ação. No dolo eventual, o agente, contrariamente, mesmo sabendo que pode
matar alguém, prossegue no seu ato, porque esse resultado lhe é indiferente,
ou seja, se ocorrer, ocorreu, tanto faz acontecer ou não acontecer, visto que
lhe é indiferente à lesão ao bem jurídico.
Vale destacar que o limite existente entre o dolo eventual e a culpa
consciente é um terreno movediço, embora mais no campo processual do que
no campo penal. Em nossa ciência, o limite é dado pela aceitação ou rejeição
da possibilidade de produção do resultado, e, no campo processual, configura
um problema de prova que, em caso de dúvida sobre aceitação ou rejeição da
possibilidade de produção do resultado, imporá ao Tribunal a consideração da
existência de culpa, em razão do benefício da dúvida, in dubio pro reo.
Ao cometer um homicídio doloso, o réu poderá ser condenado de 6 a 20
anos de pena de reclusão, enquanto que, se condenado por crime culposo,
previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, a pena é menor, 2 a 4
anos de detenção.8
7 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. aum. e atual. Rio de Janeiro: Saraiva, 2009, p.709. 8 KÖCHE, Nazareno Ramos. Dolo eventual e culpa consciente nos homicídios causados por acidentes de trânsito. Net, Rio de Janeiro, nov. 2006. Disponível em: < http://siaibib01.univali.br/pdf/Nazareno%20Ramos%20Koche.pdf >. Acesso em: 27 dez. 2014.
15
Vale realçar que diante da diferença acerca da rigidez das sanções
citadas, deve-se buscar a aproximação com a verdade real dos fatos ao
caracterizar se a conduta foi praticada com dolo eventual ou culpa consciente,
a fim de proporcionar um julgamento justo e imparcial.
Cabe mencionar diversas teorias identificadas pela doutrina para
delimitar a fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente. Por tratar-se
de uma das mais usuais formas de distinção da culpa consciente do dolo
eventual nos manuais e nas doutrinas nacionais, assim como nas
internacionais, justifica-se explanar primeiramente sobre a fórmula de Frank.9
Frank, como todo dogmata, tentou criar uma fórmula para resolver tal
questão. Segundo ele, o julgador deveria colocar-se ex ante factum na posição
do infrator e indagar: se o resultado ilícito representado, mas não desejado,
fosse de certa ocorrência, o sujeito interromperia a ação? Se, na situação
questionada, o sujeito interrompesse a ação, estaria no campo da culpa
consciente; se o sujeito, mesmo com a certeza do ilícito, prosseguisse com a
prática da conduta, haveria imputação de dolo eventual.
Ocorre que a fórmula não auxilia em nada. Não apenas porque inexiste
a possibilidade de o julgador se deslocar no tempo e invadir a psique do infrator
para determinar o seu desejo, mas, sobretudo, porque este raciocínio só cabe
a quem está no papel de decidir. Fundamentalmente, porque trabalhando com
fórmulas metafísicas inexiste possibilidade de refutar a tese que o julgador
estabelece como verdadeira.10
9 CATTANI, Carlos F. M. R. Contributos para compreender a fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente. Net, Rio de Janeiro, maio. 2011. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/20309/contributos-para-compreender-a-fronteira-entre-o-dolo-eventual-e-a-culpa-consciente >. Acesso em: 27 dez. 2014. 10 CARVALHO, Salo. Dolo Eventual, Frank e suas Fórmulas. Net. março. 2011. Disponível em: < http://antiblogdecriminologia.blogspot.com.br/2011/03/dolo-eventual-frank-e-suas-formulas.html > Acesso em: 28 dez. 2014.
16
Aceita-se, para argumentar, que a primeira “fórmula de Frank” seja meio
de prova. Haveria dolo eventual se o agente, embora admitindo o resultado
como certo, ainda assim atuasse. Desse modo, a questão se deslocaria para
os domínios cerebrais. Os neurônios do agente é que deveriam ser
investigados, para, se fosse o caso, avançar para a segunda “fórmula”, na qual
é completa a indiferença quanto ao resultado (“dê no que der; aconteça o que
acontecer, pratico a ação”)
A teoria da probabilidade, ou da representação estabelece a fronteira
entre os dois institutos através de um momento intelectivo. Afirma o dolo
eventual quando o agente representa a realização do tipo como muito
provável, e, apesar disso, pratica a conduta. Haveria culpa consciente na
hipótese de se ter a realização típica muito longínqua ou remota.
A teoria da aprovação, ou do consentimento procura delimitar o dolo
eventual da culpa consciente através do momento volitivo. Afirma-o quando o
agente não só representa a possibilidade de realização típica, mas também,
interiormente, a aprova ou aceita. A teoria em apreço reflete o que se contém
na segunda das chamadas “fórmulas de Frank”: “dê no que der; aconteça o
que acontecer, pratico a ação”. A culpa se configuraria se ao agente considerar
seguro o resultado, deixasse ele de atuar.11
Por estas teorias se busca descrever o dolo eventual mediante uma
combinação de variados princípios, pelos quais haveria o dolo quando o sujeito
considera possível e aprova a realização do tipo; o considera provável, ou lhe
afronta com indiferença, ressalvando que inexiste dolo para aquele ao que
resulta indesejável uma lesão do bem jurídico considerado possível.
Busca-se justificar o “assumir o risco” mediante o afastamento do
psicologismo a ele inerente, através de um exame objetivo das circunstâncias
de cada caso em particular. E tais circunstâncias são submetidas, de forma
17
desconexa e altamente volúvel, ao manto das teorias existentes, não sobrando
nenhuma independentemente. Todas são utilizadas, completando-se
mutuamente, apesar de suas incompatibilidades conceituais.12
Cabe relatar que o condutor que percebe que está em alta velocidade,
mas acredita que, devido à sua habilidade e perícia ao volante, evitará
qualquer colisão, está em culpa consciente. Já o motorista que sabe que anda
acima da velocidade permitida e que isso representa a possibilidade de causar
um acidente, tem dolo eventual, mesmo que deseje ou tenha esperança de
não lesionar outrem.13
A fórmula acolhida pelo Código Penal em seu artigo 18, inciso I é a de
assumir o risco, ou seja, dá-se relevância ao elemento volitivo na
caracterização do dolo eventual. Portanto, pode-se considerar a fórmula do
Código incompatível com um direito penal de garantia, o que está a exigir uma
precisa tomada de posição da doutrina para delimitá-la no seu verdadeiro
sentido. A configuração do dolo eventual depende de dois elementos, tais
como: a consciência do agente de que com sua atuação pode causar lesão ou
expor a perigo um bem jurídico e a indiferença diante da possibilidade de lesão
ao bem jurídico, de modo a assumir o risco de sua produção. Vale realçar que
a indiferença não se trata de simples dúvida.14
Enquanto, no dolo eventual, o sujeito age movido de egoísmo, na dúvida
sobre se o resultado previsto sobreviria ou não, arriscando-se a produzir o
resultado, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, o agente,
11 VARGAS, José Cirilo de. Dolo eventual e culpa consciente. Revista Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 55, p. 93-102, jul./dez. 2009. 12 SILVA, W. D. Q. D. Um estudo teórico-prático do dolo eventual à luz da teoria finalista da ação. Net, Rio Grande do Sul, 2011. Disponível em: < http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_2/william_silva.pdf >. Acesso em: 28 dez. 2014. 13 BOTTINI, P. C. Dolo eventual e culpa consciente em acidente de trânsito. Net, São Paulo, ago. 2011. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2011-ago-09/direito-defesa-dolo-eventual-culpa-consciente-acidente-transito >. Acesso em: 28 dez. 2014. 14 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 350.
18
embora inconscientemente, repele a superveniência do resultado,
empreendendo ação na esperança ou presunção de que este não ocorra.15
Considerando o exposto, percebe-se que os limites fronteiriços entre o
dolo eventual e a culpa consciente constituem um dos problemas mais
tormentosos da Teoria do Delito. Há entre ambos um traço em comum: a
previsão do resultado proibido. Todavia enquanto no dolo eventual o agente
concorda com advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em
vez de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese
de superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não
ocorrerá. No entanto, Persistindo a dúvida entre um e outra, dever-se-á
concluir pela solução menos grave: pela culpa consciente.16
Vale ressaltar, a fim de ratificar a consideração supramencionada, que
ao perceber que a atitude psíquica do agente não se revelar inequívoca, ou se
há inafastável dúvida se houve, ou não, aceitação do risco do resultado, a
solução deve ser baseada no princípio in dubio pro reo, cabe dizer, pelo
reconhecimento da culpa consciente. Nos delitos de trânsito, há um decisivo
elemento de referência para o deslinde da dúvida entre dolo eventual e culpa
consciente: o risco para o próprio agente. Com efeito, é difícil aceitar que um
condutor de veículo, na plenitude de sua sanidade mental, seja indiferente à
perda de sua própria vida.
15 TJRS – Apelação Criminal nº 693039687 – 4º C – Relator Dr. Egon Wilde – 29/06/1993. 16 BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. v. 2. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 85.
19
CAPÍTULO II A RELAÇÃO DE EMBRIAGUEZ E ALTA VELOCIDADE
COM OS ACIDENTES DE TRÂNSITO
Estudos técnicos têm demonstrado que os custos com acidentes
automobilísticos no Brasil consomem cifras bilionárias, tratando-se
exponencialmente de caso de saúde pública. Em virtude do exposto, além dos
alarmantes índices de óbitos em acidentes de trânsito e do intenso clamor
popular por punições mais severas, o poder legislativo achou por bem revogar
o Código Nacional de Trânsito (Lei 5.108/66 – CNT) em detrimento do Código
de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), vigente até o momento.17
O Brasil é considerado o terceiro país que mais mata no trânsito,
ultrapassou os Estados Unidos (EUA), com cerca de 40 mil mortes por ano.
Há, portanto, também nessa área, uma demanda populista punitivista muito
forte. Isso vem conduzindo muitas autoridades a aceitarem dolo eventual em
muitos acidentes. No entanto, é de se lamentar que a pressão popular e
midiática venha a interferir nessas questões puramente dogmáticas. É incrível
como a realidade criminal vem se impondo sobre a Teoria Geral do Delito ou
da Pena.18
A mídia tem enfatizado os delitos ocorridos em razão de acidentes
provocados por motoristas que dirigiam em velocidade excessiva e
embriagados, pois, em geral, causam a morte ou deixam sequelas gravíssimas
em suas vítimas. Este destaque promovido pela própria mídia, exigindo
punições mais rígidas, fez com que juízes e promotores passassem a enxergar
o delito de trânsito cometido nessas circunstâncias, ou seja, quando houvesse
a conjugação da velocidade excessiva com a embriaguez voluntária do
17 Acidentes de Trânsito causados por embriaguez: dolo ou culpa do condutor. Net, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: < http://www.denatran.gov.br/premio/XII%20premio/arquivos/vencedores/obra%20tecnica/03%20Obra%20Tecnica-201210001958.pdf.>. Acesso em: 28 dez. 2014. 18 GOMES, Luiz Flávio. Decisão não pode ficar ao sabor do populismo penal. Net, São Paulo, set. 2011. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2011-set-15/coluna-lfg-decisao-judicial-nao-ficar-sabor-populismo-penal >. Acesso em: 28 dez. 2014.
20
motorista atropelador, com a presença do dolo eventual na conduta, em
decorrência do descrito na segunda parte do inciso I do artigo 18 do Código
Penal, que diz ser dolosa a conduta quando o agente assume o risco de
produzir o resultado.19
Contudo, a questão não é tão simples, não se pode partir do princípio de
que todos aqueles que dirigem embriagados e com velocidade excessiva não
se importam em causar a morte ou mesmo lesões em outras pessoas.
Somente no caso concreto, pelas provas produzidas nos autos, é que se
poderá extrair outra forma de conduta do autor, através da perquirição do
elemento subjetivo. Cabe destacar que o Código Penal não adotou a teoria da
representação, mas, sim, a da vontade e do assentimento, exigindo, portanto,
para caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o
resultado e o aceite, não se importando realmente com a sua ocorrência.20
Destaca-se que a caracterização de uma conduta ou outra pelo
magistrado vai depender do caso concreto. Percebe-se que muitas vezes o
Tribunal entende que homicídio praticado no trânsito por motorista embriagado
deve ser punido de acordo com a legislação especial, ou seja, o Código de
Trânsito Brasileiro, editado com o fim de punir exclusivamente os crimes de
trânsito na modalidade culposa. Porém, em outros casos, pune o condutor do
veículo de acordo com o Código Penal, por entender que está configurado o
dolo eventual na conduta do mesmo, e assim é levado ao Tribunal do Júri.
Os homicídios praticados no trânsito por motorista embriagado sempre
são de grande repercussão, pois o condutor do veículo praticou a conduta
após ter ingerido bebidas alcoólicas, que sempre causam alterações nos
reflexos de uma pessoa, e a sociedade imediatamente clama pela condenação
daquele condutor pela modalidade de dolo eventual, pois se entende que ele
assumiu o risco de produzir o resultado lesivo.
19 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 205. 20 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 206.
21
Cabe observar, portanto, cada caso concreto, aplicando o princípio da
proporcionalidade, a fim de ponderar e verificar se há o predomínio do princípio
do in dúbio pro reo ou do in dúbio pro societate, no que se refere a existência
de dúvida sobre a capitulação do fato à modalidade culposa (culpa consciente)
ou dolosa (dolo eventual). 21
O clamor social no sentido de que os motoristas que dirigem
embriagados e/ou em velocidade excessiva devem ser punidos severamente,
quando tiram a vida ou causam lesões irreversíveis em pessoas inocentes, não
pode ter o poder de modificar a estrutura jurídico-penal. Não é razoável
condenar o motorista por dolo eventual quando, na verdade, o mesmo
cometeu a infração culposamente.
Somente as circunstâncias do caso concreto, devidamente
comprovadas nos autos, permitem afirmar o elemento subjetivo do agente,
razão pela qual não se pode generalizar que nos acidentes de trânsito em
situação de velocidade excessiva e/ou com o condutor embriagado há,
necessária e invariavelmente, dolo eventual. Ao analisar diversas situações, é
possível verificar a necessidade de observar as particularidades de cada caso
concreto, para concluir se o agente agiu com culpa consciente ou com dolo
eventual.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou afirmando
que mesmo diante da embriaguez do condutor, há culpa consciente e não dolo
eventual:
DIREITO PENAL – AÇÃO PENAL – CRIME DE
TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO –
MATERIALIDADE COMPROVADA PELOS LAUDOS
DO EXAME CADAVÉRICO E DO LOCAL DA
21 Acidentes de Trânsito causados por embriaguez: dolo ou culpa do condutor. Net, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <
22
OCORRÊNCIA, BEM COMO PELA PROVA
TESTEMUNHAL – AUTORIA DEMONSTRADA EM
FACE DA PRISÃO EM FLAGRANTE –
CONFIRMADAS A EMBRIAGUEZ DO DENUNCIADO
E A VELOCIDADE SUPERIOR À PERMITIDA NO
LOCAL DO ACIDENTE – OMISSÃO DE SOCORRO –
OCORRÊNCIA – PROCEDÊNCIA, EM PARTE, DA
DENÚNCIA – DETENÇÃO MAJORADA DE 1/3
(TERÇO) – SUBSTITUIÇÃO PELAS PENAS
RESTRITIVAS DE DIREITOS – DELEGAÇÃO PARA
EXECUÇÃO DA PENA. I – Em ação penal,
comprovada a materialidade do crime de trânsito,
pelos laudos de exame cadavérico, do local da
ocorrência e pela prova testemunhal, do qual resultou
atropelamento com vítima fatal, configura-se o
cometimento de homicídio culposo, cabendo ser
imposta a condenação do responsável pelo acidente
nas penas do art. 302 da Lei nº 9.503, de 23/09/97
(CTB). II – A autoria do crime resta demonstrada, se
houve auto de prisão em flagrante e prova de que o
motorista estava dirigindo embriagado, imprimindo
velocidade superior à permitida para o local. III –
Ocorrente, na espécie, omissão de socorro (art. 302,
parágrafo único, inciso III do CTB), a pena poderá ser
majorada de 1/3 (um terço). [...] VI – Decisão por
maioria.22
Observa-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao
julgar a Ação Penal, entendeu que a embriaguez do motorista não é causa
determinante para configuração do dolo eventual. O Código de Trânsito
Brasileiro é a lei especial que regula os crimes de trânsito e, portanto, é ela que
deve ser aplicada.
Por outro lado, já ocorreu o reconhecimento do dolo eventual no trânsito
pelos tribunais, quando o condutor do veículo, ao dirigir embriagado, causou
http://www.denatran.gov.br/premio/XII%20premio/arquivos/vencedores/obra%20tecnica/03%20Obra%20Tecnica-201210001958.pdf.>. Acesso em: 28 dez. 2014.
23
um acidente com vítimas. Sobre o tema, apresenta-se o posicionamento do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJ/RS:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO –
TRÂNSITO – EMBRIAGUEZ – DOLO EVENTUAL –
PRONÚNCIA.
O motorista que dirige veículo automotor embriagado
causando a morte de outrem, assume o risco de
produzir o resultado danoso, restando caracterizado o
dolo eventual. Em delitos dessa natureza, neste
momento processual impõe-se a pronúncia, cabendo
ao Tribunal do Júri julgar a causa.23
No HC 107.801/SP, apresentado em 6 de setembro de 2011, o Ministro
Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), com precisão, desclassificou a
conduta daquele que havia sido denunciado pela prática do delito de homicídio
doloso, em virtude de, em estado de embriaguez, na direção de seu veículo
automotor, ter atropelado a vítima, causando-lhe a morte. O pensamento do
referido ministro foi resumido na ementa parcialmente transcrita: “O homicídio
na forma culposa na direção de veículo automotor (artigo 302 do CTB)
prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de
mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual”.
Tecnicamente a decisão do STF está correta. A embriaguez, por si só,
não significa dolo eventual. Dolo eventual existe quando o sujeito representa o
resultado, aceita o resultado e atua com indiferença frente ao bem jurídico. O
estar embriagado não significa automaticamente dolo eventual. Cada caso é
um caso. O que não se pode é partir de presunções contra o réu. Isso é
inadmissível em Direito Penal.
Afinal, o princípio do in dúbio pro reo é um dos preceitos fundamentais
do direito penal, e consubstancia-se na presunção de que, pairando qualquer
22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Penal n.189. Relator: Min. Garcia Vieira, Brasília, DF, 05 de setembro de 2001. 23 TJ/RS – RSE 70003230588- 3º Câmara Criminal. Rel.: Des. Danúbio Edson Franco – data da decisão 18/4/2002.
24
espécie de dúvida no decorrer do processo, esta deve ser decidida de forma
mais favorável ao réu.
Considerando que o agente, revoltado com o fim do namoro, passou a
efetuar manobras radicais com o automóvel na rua onde a ex-namorada
residia; todavia, antes de entrar no automóvel, ele avisou algumas mulheres
para recolherem os filhos da calçada porque ele estava revoltado e não se
importaria se matasse alguma criança; durante as manobras radicais ele
perdeu o controle do automóvel, avançou sobre a calçada, atropelou e matou
uma criança; desceu do automóvel e disse “eu avisei”, nessa situação, diante
das circunstâncias do caso concreto, ficou evidenciado o dolo eventual.
Por outro lado, se um pai sai da festa de formatura da filha e no trajeto
causa um acidente matando a própria filha, não se pode afirmar que o infrator
agiu com dolo eventual apenas porque tomou dois copos de bebida alcoólica
durante o evento. Da mesma forma, não se pode afirmar que houve dolo
eventual na conduta de um filho que, socorrendo o pai para o pronto socorro,
imprime velocidade excessiva no automóvel e causa um acidente matando o
próprio pai. Nos três exemplos é possível observar que o agente previu o
resultado, diante disso, um leigo diria com a maior certeza do mundo que os
condutores assumiram o risco. No entanto, certamente o que houve no
primeiro exemplo foi dolo eventual e, nos dois últimos, culpa consciente.
Além disso, admitir que nos acidentes de trânsito o agente atua com
dolo eventual significa dizer que ele quis o suicídio, porque como ele é o
condutor do veículo envolvido no acidente, a morte da outra pessoa terá como
consequência necessária a morte ou lesões do próprio infrator. É preciso
concluir que o infrator imaginou que se ele morresse ou ficasse gravemente
ferido não se importaria, afinal, seria azar dele. 24
24 MACIEL, Silvio. Acidentes de trânsito: Dolo Eventual ou Culpa Consciente? Net, São Paulo, set. 2011. Disponível em: < http://atualidadesdodireito.com.br/silviomaciel/2011/09/09/acidentes-de-transito-dolo-eventual-ou-culpa-consciente-stf-respondeu/ >. Acesso em: 28 dez. 2014.
25
É possível perceber, então, que a doutrina penalista mais autorizada
situa os crimes de trânsito na esfera da culpa consciente, salvo naqueles
casos em que reste provado que o agente ingeriu álcool ou substância análoga
com o intuito de praticar o crime. Aí, sim, pode-se falar em conduta dolosa, o
que, porém, é extremamente difícil de provar no caso concreto.
Vale mencionar, ratificando tal entendimento, que a embriaguez
alcoólica que conduz para responsabilização, a título doloso, é apenas a
preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o
ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.25
Consigna-se, ainda, que para haver a ocorrência do crime culposo, deve
haver a existência do nexo de causalidade entre o estado de embriaguez do
agente e o fato danoso. Não havendo esta relação, o motorista é punido
apenas por embriaguez ao volante, com fulcro no artigo 306 do Código de
Trânsito Brasileiro. Tal crime do artigo 306 do CTB, embriaguez ao volante, é
absorvido pelo previsto nos artigos 302 e 303 do CTB, homicídio culposo e
lesão corporal.
Destaca-se, ainda, que segundo entendimento jurisprudencial o
indivíduo que dirige à noite, em local sabidamente proibido, embriagado e em
alta velocidade, assume o risco de atropelar e matar, agindo, pois com dolo
eventual.26
É sabido, ainda, que a intensidade do impacto causado pelo álcool no
organismo humano depende, além da quantidade da substância que foi
ingerida, do nível de resistência oferecido pelo indivíduo. Pessoas que ingerem
bebidas alcoólicas com maior frequência tendem a tolerar quantidades maiores
antes de entrar clinicamente no estado de embriaguez.
25 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 209. 26 TJSP – Rec. 189655-3 – Relator Des. Denser de Sá – RJTJSP 168/295.
26
Diversos são os casos em que indivíduos com taxas de alcoolemia
acima das permitidas conduzem seus veículos de forma correta, se
apresentam com comportamento educado, sem nenhum tipo de infração,
apenas são abordados por questão dita preventiva. O inverso também é
verdadeiro, pois o indivíduo pode estar abaixo das taxas permitidas e
apresentar manifestamente sinais de embriaguez e ter cometido infrações.
Dessa forma, ao considerar apenas o resultado da dosagem de álcool no
sangue, vê-se que é possível cometer enganos, diante da inflexibilidade de
uma avaliação que se baseia apenas no teor alcoólico do sangue do condutor
de veículo.
Indubitavelmente, torna-se razoável admitir o direito de presunção de
inocência desses condutores de veículo quando dirigem com taxas mais
elevadas de alcoolemia, mas que não apresentam clinicamente nenhuma
manifestação que prove sua periculosidade.27
Considerando que a tese de culpa consciente é mais favorável ao
agente, acredita-se que será alegada, como regra e com frequência, pela
defesa. Portanto os delegados, promotores e juízes, como operadores do
Direito, devem estudar o caso com amplitude, esmiuçando todas as provas
possíveis.
O STF tende a decidir que somente haverá dolo eventual, nos crimes de
trânsito provocados por embriaguez, quando houver embriaguez preordenada,
ou seja, quando o agente embriagar-se com a finalidade de atropelar e matar
ou, embora prevendo este resultado, o aceite.
Por outro lado, cabe destaque a conduta que ultrapassa as fronteiras do
artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro e invade a área do dolo eventual. O
27 DIAS, Ádamo Brasil. Embriaguez e homicídio no trânsito: dolo eventual ou culpa consciente? Jus Navigandi, Teresina, nov. 2008. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/12036/embriaguez-e-homicidio-no-transito-dolo-eventual-ou-culpa-consciente/ >. Acesso em: 01 jan. 2015.
27
dispositivo da lei especial abrange a entrega de direção do veículo às pessoas
que, embora habilitadas ou com direito de dirigir, temporariamente não podem
fazê-lo, ou tem esta possibilidade restringida por questões de saúde física ou
mental, tal como se sucede com as pessoas, por exemplo, com deficiência de
visão, audição, movimentação dos membros, pessoas essas que não estejam
em condições de conduzir veículo automotor com segurança que também
faltará nas pessoas embriagadas.
A atual tendência jurisprudencial é de imputar o crime de homicídio
doloso a quem passa a direção à pessoa embriagada, pois, mesmo não
querendo a morte da vítima, assumiu o risco de produzi-la, configurando o dolo
eventual.28
28 STJ – Habeas Corpus nº 196.292 – Pernambuco (2011/0023113-8) – Relatora Ministra Laurita Vaz – 27/08/2012.
28
CAPÍTULO III O INSTITUTO DO DOLO EVENTUAL NAS
CONDUTAS DESENCADEADAS PELA PRÁTICA DE
“RACHA”.
Racha, também chamado popularmente de pega, é uma forma de
corrida ilícita praticado em áreas urbanas, rural ou rodovias com automóveis
e/ou motocicletas. Tal prática pode ocorrer de forma espontânea entre os
competidores, que eventualmente se encontram, ou de forma premeditada
com auxílio da internet e celulares para desviar a atenção das autoridades. Em
muitas cidades, assim como conduzir alcoolizado, o racha é um dos principais
causadores de acidente de trânsito graves.
São inúmeros os motivos para decidir participar deste tipo de
competição, entre eles, a atração pela velocidade e adrenalina, ostentação de
veículos potentes, apostas por dinheiro ou outro, além de envolver mulheres,
festas e disputas pessoais.
A referida prática causa diversos danos a sociedade e aos praticantes,
acidentes com vítimas fatais ou não, ou acidentes com pessoas que
acompanham os pilotos, outros carros e pedestres.
No Brasil, centenas de acidentes de trânsito envolvendo rachas são
contabilizados anualmente. Em muitos dos acidentes em questão, são
vitimadas terceiros, como foi o caso da jovem Mayana, que em fevereiro de
2012, teve veículo atingido por dois apostadores. Mayana foi levada em estado
grave para o hospital e morreu 10 dias depois e de Seila, que estava na garupa
de uma moto atingida por dois apostadores . Em muitos dos casos de racha
levados ao Tribunal de Júri, não são aplicadas satisfatórias penalidades, como
em 20 de julho de 2010, onde a atriz Cissa Guimarães perdeu seu filho Rafael
Mascarenhas, de 18 anos, atropelado em um túnel na Gávea, zona sul do Rio
29
de Janeiro. O túnel estava fechado para manutenção, porém tinha uma
passagem por onde dois carros entraram no túnel e um deles acabou
atropelando Rafael, que andava de skate na companhia de dois amigos. A
perícia concluiu que os carros estavam em alta velocidade. Contudo, o caso
completou, em 2012, dois anos sem julgamento dos acusados.29
Os competidores determinam o ponto de chegada, partindo do mesmo
ponto, ganha quem chegar antes no mesmo, é permitido a utilização de
caminhos alternativos pelos participantes como atalhos, estradas menos
movimentados e cortes de caminho. Pode ser praticado, ainda, com mais de
dois competidores.
Destaca-se a exigência técnica e habilidade em manobras, além de um
grande senso de navegação. A maioria dos corredores é jovem, muitas vezes
até menores de idade. Mulheres são as companhias principais dos corredores,
que as chamam de mascotes. Contudo vidas são colocadas em perigo, tendo
em vista que cruzam regiões urbanas e não respeitam limites, nem regras.
Algumas cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Piracicaba, Campinas têm
muitas equipes de “rachas”, e corredores que acabam se tornando
personalidades neste grupo clandestino, além de entrarem para um suposto
"ranking".
Tal conduta é reprimida pelo Código de Trânsito Brasileiro em seu art.
308 que a tipifica como crime, considerando punível, com detenção, de seis
meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor, a conduta de participar, na
direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou
competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde
que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada. A conduta em
29
Racha. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Racha >. Acesso em: 01 jan. 2015.
30
questão expõe a um perigo o público que ali assiste, podendo trazer ainda
danos patrimoniais para o Estado.
Os crimes decorrentes de tal prática não escapam de ser considerados
como de perigo, uma vez que para as corridas é necessário que se imprima a
maior velocidade possível ao veículo, tornando-se mais fácil perder o controle
da direção e atingir qualquer pessoa que esteja passando.
O “racha” é um crime tão sério, que foi tema da Organização Mundial de
Saúde, pois tal conduta refletiu em um grande número de jovens mortos, no
século passado e no atual.30
Os sujeitos ativos do crime em questão são os condutores participantes,
quaisquer pessoas, legalmente habilitadas ou não. Por outro lado, o sujeito
passivo principal do crime é a coletividade e, de forma secundária e eventual, a
pessoa exposta ao risco em virtude da disputa. Os próprios competidores
podem ser considerados sujeitos passivos, pois o perigo é representado para
todos, inclusive entre os próprios provocadores.31
Sendo assim, tal delito é descrito como crime de perigo concreto
caracterizando-se pela necessária e efetiva lesão ao bem jurídico protegido,
segurança viária e, por conseguinte, a incolumidade pública e privada, ou seja,
necessário que se demonstre o risco criado ou incrementado pela conduta do
agente, nas circunstâncias previstas objetivamente pelo tipo penal, sob pena
de em sentido contrário acabar punindo a mera conduta de dirigir em alta
velocidade em via pública, sem se estar participando de corrida, disputa ou
competição autorizada, portanto, a discutida conduta requer a efetiva
demonstração do perigo concreto, no intuito de não se punir presumindo o
30 COSTANZE, Francisco Carlos. Crime de Racha. Net, São Paulo, ago. 2011. Disponível em: < http://buenoecostanze.adv.br/artigos/artigos/direito-penal/32083-crime-de-racha.html >. Acesso em: 01 jan. 2015. 31GELATTI, Cristiane. Aspectos normativos das corridas, disputas e competições automobilísticas não autorizadas em via pública. Net, Itajaí, jun. 2008. Disponível em: < http://siaibib01.univali.br/pdf/Cristiane%20Gelatti.pdf >. Acesso em: 01 jan. 2015.
31
risco que ela gera, caracterizando, assim, delito de perigo abstrato, tão
criticado pela doutrina e jurisprudência em geral.
O entendimento descrito em epígrafe, acerca da referida classificação
do crime como de perigo concreto de dano é demonstrado no julgamento do
Superior Tribunal de Justiça (STJ):
DIREITO PENAL. CRIME DO ART. 310 DO CTB.
EXIGÊNCIA DE PERIGO CONCRETO DE DANO.
Para a configuração do crime previsto no art. 310 do
CTB, é exigida a demonstração de perigo concreto de
dano. Segundo a jurisprudência do STJ, o delito
descrito no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro
(CTB) – conduzir veículo automotor sem habilitação –
necessita da existência de perigo concreto para sua
configuração. No mesmo sentido segue a posição do
STF, que, inclusive, editou a Súm. n. 720 sobre o tema.
O mesmo entendimento deve ser aplicado ao delito
previsto no art. 310 do CTB – permitir, confiar ou
entregar a direção de veículo automotor a pessoa não
habilitada. Assim, não basta a simples entrega do
veículo a pessoa não habilitada para a caracterização
do crime, fazendo-se necessária a demonstração de
perigo concreto de dano decorrente de tal conduta.
Precedentes citados do STF: HC 84.377-SP, DJ
27/8/2004; do STJ: Ag 1.141.187-MG, DJe 18/8/2009;
REsp 331.104-SP, DJ 17/5/2004; HC 28.500-SP, DJ
4/9/2006, e HC 150.397-SP, DJe 31/5/2010.HC
118.310-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
18/10/2012.32
O aprofundamento da análise da superveniência de resultado concreto
nos referidos crimes instiga à investigação, pois é justamente quando ocorre
absorção do delito de participação em competição não autorizada pelo
32
homicídio ou lesão corporal que surge a discussão sobre a incidência do
instituto de dolo eventual ou culpa consciente.
A prática de “racha” é, sem dúvida, reprovável, pois expõe a perigo
concreto a incolumidade pública e, por extensão, a privada. No entanto, para
imputar uma punição proporcional à gravidade do ato delituoso, é importante
saber classificar o ato típico em doloso ou culposo, alcançando, assim, o
objetivo do Poder Judiciário e, por extensão, também, da sociedade como um
todo, quando visam uma punição ao referido delito.33
É inquestionável que o praticante de racha prevê o resultado antijurídico,
lesão corporal ou morte de terceiros, como possível. A dúvida reside em
determinar se o agente presta anuência para que este resultado sobrevenha,
dolo eventual, ou se repele a ideia de advento do resultado e acredita
veemente que, em função de sua habilidade, tal resultado não virá a ocorrer,
culpa consciente.34
Para os defensores da culpa consciente nas lesões corporais e
homicídios provocados pelos “rachas”, a intenção dos participantes é apenas
vencer a disputa; não querendo matar ninguém, tampouco aceitam esse
resultado, caso ocorra.
Os Tribunais têm tido entendimento rigoroso, no que se refere à
culpabilidade do agente nos crimes de “racha”, entendendo que o crime será
tipificado por dolo eventual, ainda que seja difícil provar qual era o pensamento
32 STJ – Habeas Corpus nº 118.310 – Rio Grande do Sul – Relator Ministro Og Fernandes – 18/10/2012. 33 ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Racha: Dolo Eventual ou Culpa Consciente? Âmbito Jurídico, Rio Grande, jun. 2006. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1100 >. Acesso em: 01 jan. 2015. 34 LOCOSELLI, André Machado. Responsabilidade penal, dolo eventual ou culpa consciente, dos praticantes de racha. Net, Rio de Janeiro, jun. 2011. Disponível em: < http://www.uva.br/sites/all/themes/uva/files/pdf/responsabilidade-penal-dolo-eventual-ou-culpa-consciente-dos-praticantes-de-racha.pdf >. Acesso em: 01 jan. 2015.
33
do agente no momento do crime.35 Há presunção de que o “racha” em via
pública cria um risco elevado, este dado é objetivo, o que leva, na maioria das
vezes, a caracterizar o crime como doloso.
O Motorista que matou em competição conhecida como “racha”
respondeu por crime doloso, ou seja, com intenção de matar, este foi o
entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), quando, por
unanimidade, negou Habeas Corpus a Ismael Keller Loth, este pretendia ser
julgado por um juiz singular e não pelo Tribunal do Júri. O referido agente
respondeu por homicídio de cinco pessoas da mesma família, em Bicas, Minas
Gerais. A ministra Ellen Gracie, relatora do processo, explicou a diferença
entre dolo, dolo eventual e culpa consciente, e ato contínuo descartou a
possibilidade de ter havido culpa consciente, o que ela acredita ser
incompatível com o sistema jurídico brasileiro devido à previsão contida no
artigo 18 do Código Penal, que caracteriza o dolo quando o agente quis o
resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.36
Cabe mencionar o julgamento do STF, ratificando o exposto acima:
“Racha” e dolo eventual –
Quanto ao mérito, distinguiu-se o caso dos autos
daquele versado no HC 107801/SP (DJe de
13.10.2011), que cuidara de homicídio na direção de
veículo automotor cometido por agente sob o efeito de
bebidas alcoólicas. Rememorou-se que o Colegiado
limitara a aplicação da teoria da actio libera in causa
aos casos de embriaguez preordenada. Sublinhou-se,
entretanto, que não se deveria generalizar a
compreensão de que qualquer homicídio praticado na
direção de veículo automotor seria culposo, desde que
tratasse de embriaguez preordenada. Elucidou-se que
35 COSTANZE, Francisco Carlos. Crime de Racha. Net, São Paulo, ago. 2011. Disponível em: < http://buenoecostanze.adv.br/artigos/artigos/direito-penal/32083-crime-de-racha.html >. Acesso em: 01 jan. 2015.
34
a diferença entre dolo eventual e culpa consciente
encontrar-se-ia no elemento volitivo do tipo penal.
Todavia, ante a impossibilidade de se adentrar a psique
do agente, essa análise exigiria a observação de todas
as circunstâncias objetivas do caso concreto. Nesse
sentido, dessumiu-se, da descrição dos fatos realizada
pelas instâncias ordinárias, que o réu, ao lançar-se em
prática de altíssima periculosidade em via pública e
mediante alta velocidade, teria consentido com que o
resultado se produzisse, de sorte a incidir em dolo
eventual (CP, art. 18, I: “Diz-se o crime: I – doloso,
quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-lo”). No ponto, assentou-se que o Supremo
firmara jurisprudência no sentido de que o homicídio
cometido na direção de veículo automotor em virtude
de “pega” seria doloso. Desta feita, aludiu-se que a
prática de competições automobilísticas em vias
públicas seria crime autônomo, doloso e de perigo
concreto (CTB, art. 308: “Participar, na direção de
veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa
ou competição automobilística não autorizada pela
autoridade competente, desde que resulte dano
potencial à incolumidade pública ou privada”).
Enfatizou-se que este tipo penal, se resultar em lesão
corporal ou homicídio, progrediria para os delitos
dispostos nos artigos 129 ou 121 do CP, em sua forma
dolosa, visto que seria contra-senso transmudá-lo para
a modalidade culposa em razão do advento de
resultado mais grave. Assim, reconheceu-se presente o
elemento volitivo do dolo eventual. Por fim, explicou-se
tanto haver hipótese de “racha” entre dois condutores,
assim como de apenas um motorista, que poderia
perseguir outro veículo, o que denotaria um único
imputável para a prática. Vencido o Min. Marco Aurélio,
que concedia a ordem, para que os 2 réus
respondessem criminalmente pelo fato tendo em conta
o art. 302 do CTB (“Praticar homicídio culposo na
36 STF – Habeas Corpus nº HC 91159 – Minas Gerais – Relatora Ministra Ellen Gracie–
35
direção de veículo automotor” ).
HC 101698/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 18.10.2011. (HC-
101698) 37
O posicionamento do STF é ratificado pelo STJ quando o ministro Felix
Fisher, ao julgar um caso de São Paulo também envolvendo um crime de
“racha”, assinalou em seu voto que o dolo eventual não é extraído da mente do
autor, mas das circunstâncias. Considerando que nele não se admite que o
resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas que a
aceitação se mostre no plano possível, provável.
Segundo Guilherme de Souza Nucci: “se, anos atrás, um “racha”, com
vítimas fatais, terminava sendo punido como delito culposo (culpa consciente),
hoje não se deixa de considerar o desprezo pela vida por parte do condutor do
veículo, punindo-se como crime doloso (dolo eventual)”.38
Fernando Capez segue o mesmo raciocínio ao entender que a
participação em inaceitável disputa automobilística em via pública - "racha",
ocasionado morte, é caso de dolo eventual.39
Relata-se, ainda, que na hipótese de "racha", em se tratando de
pronúncia, a desclassificação da modalidade dolosa de homicídio para a
culposa deve ser calcada em prova por demais sólida.40
02/09/2008. 37 STF – Habeas Corpus nº 101.698 – Rio de Janeiro – Relator Ministro Luiz Fux – 18/10/2011. 38 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 146. 39 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 227. 40 STJ – REsp 249604 SP 2000/0019028-4 – São Paulo – Relator Ministro Felix Fisher – 23/09/2002.
36
CONCLUSÃO A presente monografia pretendeu focar nos conceitos jurídicos de dolo
eventual e culpa consciente nas condutas praticadas no trânsito, que
desencadeiam acidentes, com relevância para o Direto Penal, por atingirem
bens jurídicos como a integridade física e a vida, que culminam em delitos
tipificados no Código Penal Brasileiro (CP) ou no Código de Trânsito Brasileiro
(CTB).
Observou-se que o ponto limítrofe entre dolo e culpa é a divisa entre os
conceitos do dolo eventual e da culpa consciente. Vale lembrar que o dolo
eventual caracteriza-se pela vontade do agente de realizar a conduta,
envolvendo consciência da mesma e nexo causal. Na culpa consciente, o
agente, ainda que tenha previsto o resultado, acredita que o mesmo não irá
acontecer pelo resultado não ser desejado nem assumido pelo agente. Em
contrapartida, o dolo eventual, embora não seja almejado diretamente pelo
agente, este assume o risco de vir a produzi-lo.
Tal pesquisa possibilitou o entendimento tendente a pautar a discussão
entre a fronteira da culpa consciente e do dolo eventual em elementos
subjetivos e relativos, considerando que para optar por um instituto ou outro,
ao concretizar determinada conduta, deve ser analisado minunciosamente o
caso concreto, exigindo uma apreciação ponderada, pelo Estado Juiz,
observando princípios como a razoabilidade e proporcionalidade, alcançando
determinada conclusão relativa e não absoluta.
Considerando a quantidade elevada de acidentes ocorridos no trânsito
devido à conjugação de embriaguez e velocidade excessiva, foi realizado um
estudo acerca do tema, verificando que, quando o resultado é produzido em
função da prática de conduta, envolvendo a referida conjugação, o
posicionamento tanto doutrinário quanto jurisprudencial é controvertido,
prevalecendo, ainda, o favorecimento para o instituto da culpa consciente, pois
alguns autores acreditam que, para assumir o risco, nestes casos, o agente
37
estaria disposto a cometer um suicídio, colocando em risco a própria vida. Isso
fica evidenciado, pois por ser o agente o condutor do veículo envolvido no
acidente, a morte da outra pessoa teria como consequência necessária a sua
própria morte ou lesões.
Concluiu-se, acerca do tema, que a doutrina penalista mais autorizada
situa os crimes de trânsito na esfera da culpa consciente, salvo naqueles
casos em que reste provado que o agente ingeriu álcool ou substância análoga
com a finalidade de praticar o crime ou assumir o risco de produzi-lo, ou seja,
embriaguez preordenada.
Foi observado, ainda, que a vontade social desloca-se para o
entendimento de que os motoristas ao dirigirem embriagados e/ou em
velocidade excessiva devem ser punidos severamente, quando tiram a vida ou
causam lesões irreversíveis em pessoas inocentes. No entanto, operadores do
Direito não consideram ser razoável condenar o motorista por dolo eventual
quando, na verdade, o mesmo cometeu a infração culposamente.
Ao pesquisar acerca do entendimento da existência de dolo eventual
nas condutas envolvidas com a prática de “racha”, constatou-se que a maioria
dos tribunais acredita existir dolo eventual, quando o resultado é produzido em
consequência da realização de tal competição, deslocando, portanto, a
competência do julgamento para o Tribunal de Júri. Observou-se, ainda, a
existência da presunção de que o “racha” em via pública cria um risco elevado,
o que leva, na maioria das vezes, a caracterizar o crime como doloso,
ratificando o posicionamento dos tribunais.
Em contrapartida, verificou-se que, embora se trate da minoria, existem
os defensores da culpa consciente nas lesões corporais e homicídios
provocados pelos “rachas”, que enxergam a intenção dos participantes apenas
voltada para vencer a disputa, entendendo que os mesmos não querem matar
ninguém e tampouco aceitam esse resultado, caso ocorra.
38
Por fim, cabe expor que acredita-se que a razão deste trabalho foi
atingida, possibilitando a contribuição para o incremento de justiça, através de
uma visão crítica e independente, já que muito se tem discutido quanto aos
chamados delitos de trânsito, que causam a morte ou deixam sequelas
gravíssimas em suas vítimas.
39
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43
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I 11
(A FRONTEIRA EXISTENTE ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE) CAPÍTULO II 19
(A RELAÇÃO DE EMBRIAGUEZ E ALTA VELOCIDADE COM OS ACIDENTES DE TRÂNSITO) CAPÍTULO III 28
(O INSTITUTO DO DOLO EVENTUAL NAS CONDUTAS DESENCADEADAS PELA PRÁTICA DE “RACHA”) CONCLUSÃO 36
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 39
ÍNDICE 43