Documento síntese vrc 2015

6

Click here to load reader

Transcript of Documento síntese vrc 2015

Page 1: Documento síntese vrc 2015

Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090

Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – [email protected]

DOCUMENTO SÍNTESE DO SEMINÁRIO NACIONAL “DIREITOS HUMANOS NO BRASIL – A

PROMESSA É A CERTEZA DE QUE A LUTA PRECISA CONTINUAR”.

ASPECTOS DA CONJUNTURA E DA REALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Em âmbito geral, três aspectos parecem desenhar a centralidada da conjuntura nacional, com

reflexos diretos na agenda atual de luta pela defesa e garantia dos direitos humanos no Brasil: a) A

crise econômica e o ajuste fiscal que tendem a “corroer” direitos; b) O esfacelamento do “bloco”

popular e de luta pelos direitos humanos; c) O avanço “galopante” da agenda conservadora em

diferentes frentes e espaços.

Estes aspectos que estão na centralidade da conjuntura nacional com reflexos sobre a agenda e

sobre a efetividade dos direitos humanos no Brasil, têm por bases uma série de motivações, quais

sejam elas:

A) As mudanças recentes, em especial na última década, ainda não geraram grandes

transformações estruturais, com capacidade de inverter ou ao menos equilibrar a lógica da

desigualdade que é histórica no Brasil. Neste sentido, a incorporação ou inclusão social de amplos

grupos a setores médios da sociedade não significou muito mais do que ingresso no mercado do

consumo de massa [cumprindo promessa de 2002], e ser cliente não é ser cidadão.

B) Apesar de conquistas socioeconômicas importantes, como é o caso do salário mínimo, do

emprego e do acesso ao crédito, o governo não avançou em nada ou muito pouco em reformas

econômicas estruturantes (reforma fiscal e tributária; reforma agrária etc). As políticas

governamentais de transferência de renda (bolsa família entre outros) não foram acompanhadas de

uma massiva política de ampliação de acesso e usufruto dos DESC, e neste momento parecem

demonstrar certo esgotamento. Segue-se a isto, o fato de que os setores populares ainda não

conseguiram constituir organizações autônomas consistentes e coletivas, com capacidade de

produzir resultados econômicos em seu benefício, que gere capacidade de enfrentar a dependência

do trabalho, do emprego e da entrega da mais valia, mantendo a classe trabalhadora subordinada

Page 2: Documento síntese vrc 2015

Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090

Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – [email protected]

aos donos dos meios de produção e frágil na capacidade de decisão e de afirmação de agendas

próprias.

C) A adoção de uma política de “conciliação” implementada pelo governo em todos os campos levou

ao mascaramento das contradições. Mesmo que a direita sempre tenha reagido, cada vez com mais

força, revelando as contradições, a resposta sempre foi “conciliação” - assim foi com o mensalão e

com o PNDH-3, por exemplo. No momento atual, em face da crise da corrupção na Petrobrás e

outras grandes obras, bem como da desarticulação das forças políticas da “base governista”, e do

ajuste fiscal e econômico imposto pela pressão dos mercados e da grande mídia, o governo

encontra-se acuado e gere a situação sem grande poder de reação nos diferentes frontes. Isto tudo

resulta que a direita só acumulou forças, enquanto os setores progressistas, tanto institucionais,

quanto da sociedade organizada, a perderam.

D) Não se tem conseguido avançar efetivamente na responsabilização do setor privado no que se

refere as violações de direitos humanos. Isto, casado com a lógica desenvolvimentista calcada nos

grandes projetos, na ânsia pelas commodities [agrícolas e minerais] e de investimento em

infraestrutura, em muitos casos voltados a interesses puramente privados, gerou violações

sistemáticas de direitos humanos de grupos populacionais inteiros nas cidades e de grupos

tradicionais, estes últimos, especialmente os indígenas e quilombolas, ainda mais ameaçados. De

modo geral, o que se percebe, é que o modelo adotado como lógica de desenvolvimento, tem gerado

a inviabilização da produção e da reprodução dos modos de vida de boa parte da população e é

gerador de muitas violações nas diferentes frentes.

E) Temos acompanhado ao enfraquecimento de sujeitos populares que historicamente deram

sustentação à luta em defesa dos direitos humanos. Isto ocorre por várias questões, seja por

pactuação com a lógica de “conciliação”, por dificuldade de radicalizar as políticas de direitos, por

perda da capacidade de aglutinação e de proposição de agendas comuns, levando ao

enfraquecimento das coalizões e ao crescimento da segmentação e das disputas internas. Após um

processo de envolvimento importante da sociedade civil na construção do PNDH3, como marco

importante da experiência histórica de convergência e de construção conjunta, o “bloco” dos

Page 3: Documento síntese vrc 2015

Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090

Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – [email protected]

direitos humanos fragilizou-se. Fato é que, de lá para cá, o que vimos é, senão um refluxo, uma

quase total estagnação na implementação da agenda proposta pelo PNDH3.

F) Vivemos um período de acirramento da criminalização dos movimentos e das lutas sociais por

setores conservadores da sociedade (mídia; judiciário; setores conservadores do empresariado e

do agronegócio etc), que junto a um movimento de recuo de parte da cooperação internacional com

relação à agenda Brasil, fragilizou bastante as organizações em diferentes frentes e regiões, gerando

fragmentação das lutas sociais e segmentos cada vez mais diversos e isolados. Junto a isto, percebe-

se que o modo de construção das lutas, de articulação e mobilização por parte dos movimentos

sociais e das organizações da sociedade civil organizada, encontra-se com dinâmicas

desatualizadas, sem capacidade de incorporar novas dinâmicas e novas linguagens, fato este que

gerou certa surpresa frente à capacidade de mobilidade exposta pelas grandes manifestações de

massa – já em 2013 e agora de forma mais recente.

G) Apesar do amplo crescimento do envolvimento e da adesão das organizações da sociedade civil

organizada e do movimento social nos espaços institucionais (conferências, conselhos etc), isto não

resultou em efetiva alteração na dinâmica de enfrentamento da baixa institucionalidade

confrontando com relativa normatividade, o que continua ameaçando de forma consistente a

eficácia dos direitos humanos. Em contrapartida a este deslocamento de foco, houve em muitos

setores da luta social, um afastamento e um descuido das organizações e do movimento social, com

relação ao fortalecimento da atuação nas bases. Por fim, não se pode negar que em diferentes

espaços e setores de governo, houve algum grau de “aliciamento” das forças populares, o que

também contribui para a fragilização da atuação na base.

H) A lógica da indústria cultural nas mais modernas versões eletrônicas atravessa e devasta as

culturas populares, gerando monoculturas e posicionamentos dóceis e servis às dinâmicas

consumistas e individualistas adequadas ao capital. Isto é reforçado pelo não enfrentamento da

concentração dos mídia e de sua transformação em agentes econômicos, que já não só transmitem

ideologia do capital, mas se organizam como uma da vertentes do capital, pautando e orientando de

forma direta, inclusive, as pautas e políticas governamentais e de Estado.

Page 4: Documento síntese vrc 2015

Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090

Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – [email protected]

I) Acompanhamos ao crescimento acelerado da violência sem perspectivas consistentes de

enfrentamento por vias que não sejam “mais do mesmo”, isto é, ação e repressão policial,

criminalização e encarceramento em massa entre outras. Esta posição torna-se funcional à

dinâmica reprodutiva do mimetismo social e faz vítimas os mais fracos e pobres (juventude negra,

crianças, mulheres), ao mesmo tempo em que assanha o conservadorismo que defende redução da

maioridade penal, armamento da sociedade de bem entre outras questões.

J) A funcionalização da democracia chegou ao seu limite com a eleição de uma composição das mais

conservadoras do congresso dos últimos 50 anos, sendo a imensa maioria eleita por financiamento

privado e com compromissos escusos com “BOI, BALA e BÍBLIA”. A agenda defendida por boa parte

desta composição e seus aliados conservadores da sociedade, vem também sendo defendida e

explicitamente visualizada nas recentes manifestações de rua, através da defesa da volta do

governo militar, da ameaça golpista à democracia, da criminalização da mobilização e das lutas

sociais etc.

K) E, ainda, os espaços públicos de participação social não tem conseguido corresponder às

demandas e expectativas de participação, considerando seus limites institucionais e os poucos

resultados efetivos no campo da implementação das deliberações realizadas. Por outro lado, a

proposta popular de reforma política via Plebiscito, que prevê processos e definições políticos com

maior participação social nos rumos do país, mesmo que tenha sido o maior movimento de

mobilização e articulação dos setores populares dos últimos anos [mais de 8 milhões de votos], não

emplacou. Neste momento, estamos mais próximos de termos uma reforma política maquiada e que

legitime de forma constitucional o jogo dos interesses privados e dos mandatários em suas regiões

e currais eleitorais.

ALGUNS DESAFIOS POSTOS À RETOMADA DA CENTRALIDADE DA PAUTA DE LUTA EM

DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS NO PRÓXIMO PERÍODO

1. Fazer convergir entre si agendas emergentes, agendas urgentes e agendas represadas,

recuperando a força e a legitimidade das lutas coletivas e das agendas estratégicas e comuns à

sociedade.

Page 5: Documento síntese vrc 2015

Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090

Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – [email protected]

2. Defender a centralidade dos bens e serviços públicos como universais e não passíveis de serem

corroídos pelo ajuste fiscal e econômico imposto pelos mercados, bem como investir em iniciativas

alternativas autônomas e populares, como meio de fortalecer a capacidade de enfrentamento da

hegemonia no campo econômico.

3. Defender uma reforma política ampla que não só modifique o jogo eleitoral e os interesses

privados dos grupos ligados ao mercado e ao poder político, mas que também abra espaços de

participação efetiva da sociedade na definição de agendas e políticas de interesse comum à

sociedade.

4. Fortalecer a agenda de luta das organizações populares para avançar no enfrentamento à

criminalização e à desmoralização dos movimentos e das lutas sociais, que se dá em diferentes

frentes (judiciário; legislativo; mídia etc).

5. Avançar na construção de uma agenda política positiva que promova o debate público amplo em

favor da democratização e da regulação econômica dos meios de comunicação e da cultura no

Brasil.

6. Retomar e ampliar a agenda de capacitação e formação política dos sujeitos sociais, a fim de

fortalecer a base dos movimentos e organizações para atuação em rede e no campo da

institucionalidade, contribuindo também com a conectividade entre a atuação na base (local) e as

agendas e processos nacionais.

7. Retomar o debate sobre a construção de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, a fim de

orientar uma política nacional de direitos humanos e de estabelecer instrumentos e procedimentos

efetivos de implementação de ações, políticas e programas de DH (PNDH3).

8. Promover momentos ampliados de diálogo, debates, monitoramento e definição de estratégias

para atuação na agenda de direitos humanos de forma conjunta e parceira, entre as organizações

locais, as redes de articulação nacionais e a cooperação internacional.

Page 6: Documento síntese vrc 2015

Secretaria Executiva – Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil Rua Liberdade, 255 / 201 – Bairro Rio Branco – POA/RS CEP: 90420-090

Fone / Fax: (62) 3012-9874/ 8141-0084 – [email protected]

9. Estabelecer uma agenda pública positiva e de visibilidade dos direitos humanos como forma de

fazer o enfrentamento com os conservadorismos e os particularismos interesseiros, interessados e

recessivos de compreensão dos direitos humanos em nível local e nacional.

10. Definir uma agenda estratégica de incidência política nos espaços institucionais e órgãos

públicos (executivo; legislativo e judiciário), a fim de bancar a agenda de direitos humanos na

formulação da agenda política destes espaços.

11. Pautar o fortalecimento dos programas e das ações de direitos humanos que visam o

enfrentamento das chagas históricas e persistentes de violação de direitos humanos, como a luta

contra a discriminação, violência e o extermínio de grupos e populações, contra a perseguição e

tortura, contra a impunidade dos violadores de direitos etc.

12. O desafio fundamental está em fortalecer a organização e a luta dos diversos sujeitos de

direitos, tanto nas suas agendas específicas quanto no sentido de consolidar uma agenda popular

de articulação das diversas lutas, na qual os diversos possam se expressar de forma consistente e

significativa, a partir de um projeto de desenvolvimento com e para a garantia efetiva dos direitos

humanos.

Brasília, 30 e 31 de março de 2015.

Coordenação geral

Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

Parceiros de MISEREOR no Brasil

Processo de Articulação e Diálogo entre as Agências Ecumênicas Europeias e Parceiros Brasileiros

(PAD).