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  • 257Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/2

    RESUMO

    A doena cardiovascular (DCV), incluindo a doena arterial coronariana (DAC), aci-dente vascular cerebral (AVC) e doena arterial perifrica (DAP), importante causade morte em populaes, especialmente na diabtica. Indivduos diabticos apre-sentam risco aumentado de 3 a 4 vezes de sofrer evento cardiovascular e o dobrodo risco de morrer deste evento quando comparados populao geral. Tem havi-do declnio na mortalidade por DCV, porm a queda nas mortes por DAC em porta-dores de diabetes tem sido bastante inferior de no-diabticos. Vrios fatores pre-sentes no diabetes favorecem a maior ocorrncia de DCV, como a hiperglicemia, aresistncia insulina, alm de fatores de risco clssicos e no-clssicos (hiperten-so arterial sistmica, dislipidemia, obesidade, estado inflamatrio subclnico e ou-tros). possvel que o potencial aterognico da obesidade decorra em parte da pro-duo aumentada de citocinas pelos adipcitos. Devido marcante associaoentre diabetes e DCV, e prognstico desfavorvel aps um evento, importanteidentificar quais so os indivduos de mais alto risco e como rastre-los. A Ameri-can Heart Association e a American Diabetes Association recomendam estratifi-cao do risco de pacientes sintomticos por testes diagnsticos. O desafio est emidentificar pacientes diabticos assintomticos que se beneficiariam de testes dia-gnsticos para deteco precoce de DCV, visando viabilizar medidas preventivas outeraputicas, capazes de reduzir morbi-mortalidade. O benefcio do controleglicmico e dos demais fatores de risco na preveno de eventos CV no diabetes jdocumentado, justifica estabelecer estratgias que otimizem a identificao e pos-sibilitem intervenes nos pacientes de alto risco, buscando reduzir mortalidade.(Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/2:257-267)

    Descritores: Doena cardiovascular; Fatores de risco; Diabetes mellitus

    ABSTRACT

    Cardiovascular Disease in Diabetes Mellitus: Classical and Non-ClassicalRisk Factors.Cardiovascular disease, which includes coronary heart disease (CHD), cerebrovas-cular disease (CVD), and peripheral vascular disease (PVD), is the leading cause ofmortality in populations, particularly in the diabetic one. Individuals with diabeteshave at least a two-fold to four-fold increased risk of having cardiovascular eventsand a double risk of death compared with age-matched subjects without diabetes.A decline in mortality from CVD has been shown, but decline due to CHD is consis-tently lower in individuals with diabetes when compared with non-diabetics. Thepresence of several factors in diabetes leads to high occurrence of CVD such ashyperglicemia, insulin resistance, and classical and non-classical risk factors (sys-temic hypertension, dyslipidemia, obesity, proinflammatory condition and others).It is possible that the atherogenic role of obesity may be at least in part due toincreased adipocyte production of cytokines. Considering the marked association ofdiabetes and CVD and unfavorable prognosis following an event, it is important toidentify who is at high risk and how to screen. The American Heart Association andAmerican Diabetes Association recommend risk stratification using diagnostic tests.However, the challenge is to accurately identify patients without a prior history ofan event and those without symptoms strongly suggesting CVD, in whom addition-al testing would be indicated in order to achieve the most effective prevention. Thebenefits of glycemic control and the other risk factors have already been shown andjustify optimization of the management of this high-risk population, aiming toreduce cardiovascular mortality disease and improve quality of life. (Arq BrasEndocrinol Metab 2007;51/2:257-267)

    Keywords: Cardiovascular disease; Risk factors; Diabetes mellitus

    reviso

    Doena Cardiovascular no Diabetes Mellitus: Anlise dosFatores de Risco Clssicos e No-Clssicos

    ANTONELA F.A. SIQUEIRABIANCA DE ALMEIDA-PITITTOSANDRA R.G. FERREIRA

    Disciplina de Endocrinologia,Universidade Federal de So Paulo UNIFESP/EPM (AFAS & BA-P), e Departamentode Nutrio, Faculdade deSade Pblica, Universidade deSo Paulo USP (SRGF), So Paulo, SP.

    Recebido em 17/12/06Aceito em 22/12/06

  • OiMPACTO DELETRIO DO DIAGNSTICO de diabetesmellitus (DM) na morbidade cardiovascular foidefinitivamente comprovado em 1998, com a publi-cao de Haffner e cols. (1), apontando que sua pre-sena conferia risco de evento coronariano isqumicosimilar ao de indivduos no-diabticos sabidamentecoronariopatas. Estes autores atriburam ao DM tipo 2o termo equivalente coronariano, diante da verifi-cao da mesma incidncia de infarto agudo domiocrdio (IAM) em 7 anos de 20%, tanto em indiv-duos sem DM tipo 2 com IAM prvio como naquelescom DM tipo 2 que nunca haviam sofrido IAM. Oestudo de Framingham j chamava ateno para o fatode que o DM dobra o risco de doena cardiovascular(DCV) em homens e triplica em mulheres (2). Apro-ximadamente 13% dos pacientes com DM acima de 65anos j tiveram um episdio de acidente vascular cere-bral (AVC) (3). No que se refere doena arterial pe-rifrica (DAP), afeta de 8 a 10 milhes de americanoscom incidncia crescente (4). Estudos epidemiolgi-cos apontam o DM e o tabagismo como importantesfatores de risco para DAP, aumentando de 2 a 4 vezeso risco relativo (5).

    A DCV aterosclertica constitui a principalcausa de morte em diversas populaes, sendo que oacometimento dos territrios arteriais coronariano,cerebral e dos membros inferiores so os que mais con-tribuem para a morbi-mortalidade dos portadores deDM. Indivduos diabticos apresentam o dobro dorisco de morrer por causa cardiovascular quando com-parados populao geral (6). Quando sofrem eventocoronariano, tm maior risco de morte que aquelessem a doena (7). A presena de DM tambm elevaem 3 vezes a mortalidade por AVC (8).

    Dados populacionais norte-americanos reve-laram que 58% das mortes no ano de 2002 tiveram aDCV como causa principal ou contribuinte (9), apesarda tendncia de queda observada nas ltimas dcadas(10), atribuda ao melhor controle de certos fatores derisco e melhora no tratamento dessas doenas. Dadosanalisados por Lotufo mostram que a mortalidadepelas DCV no Brasil das mais elevadas quando com-parada de outros pases. Apesar de as mortes por estacausa serem mais freqentes no sexo masculino, a mor-talidade das mulheres brasileiras por DCV maior doque em outras regies do mundo. Tem-se verificadoum declnio consistente nas taxas de mortalidade car-diovascular no Estado de So Paulo desde o incio dosanos 80. Em cidades como Porto Alegre e Curitiba, asituao de estabilidade, enquanto que no Rio deJaneiro tem sido observado certo aumento nas taxas(11). Infelizmente, este declnio no vem sendo relata-

    do de maneira impactante nos indivduos diabticos.Uma comparao de dados de uma coorte norte-ame-ricana do perodo de 1971 a 1975 com uma maisrecente (1982 a 1984) revelou que, em homens no-diabticos, houve 44% de diminuio na mortalidadepor doena isqumica do corao, enquanto que nosportadores de DM esta queda foi de apenas 17%. Paraas mulheres, a situao ainda mais grave, uma vezque, enquanto houve 20% de declnio na mortalidadepor doena isqumica do corao nas no-diabticas,houve aumento de 11% nas portadoras de DM (12).

    O DM tipo 2 freqentemente associa-se a ou-tras anormalidades, tais como a obesidade visceral, ahipertenso arterial sistmica (HAS) e a dislipidemia. Asndrome metablica (SM) conjunto de anormali-dades que aumentam o risco cardiovascular estassociada elevao da mortalidade, tanto cardiovas-cular como geral (13). Nos EUA, est presente em24% da populao adulta (14). Em relao mortali-dade por doena arterial coronariana, a presena deum ou dois componentes da SM j aumenta em duasvezes o risco de morte, e o impacto do DM tipo 2nestes indivduos evidente: hazard ratio = 1,65naqueles com SM mas sem DM tipo 2 vs. 2,87 naque-les com SM e com DM tipo 2 (14). Um estudo po-pulacional conduzido em nipo-brasileiros exemplifica acontribuio da SM e do DM tipo 2 na ocorrncia dedoena macrovascular: houve diferena significanteentre a prevalncia de DCV nos indivduos com e sema SM (16,9% vs. 11,2%), e aqueles com DM tipo 2apresentaram quase o dobro da prevalncia de DCV(razo de prevalncia = 1,91) (15).

    Indivduos diabticos do tipo 1 tambm apresen-tam prevalncia aumentada de DCV, sendo 10 vezesmaior que em controles no-diabticos da mesma faixaetria (16). Em uma coorte inglesa com mais de 23.000indivduos diabticos tipo 1, a doena isqumica docorao foi responsvel por 8% das mortes em homens e11% em mulheres com menos de 40 anos. Os homenscom DM tipo 1 morreram mais que os no-diabticos,e a taxa de mortalidade por coronariopatia foi maior emmulheres diabticas do que em mulheres e homens no-diabticos (17), chamando a ateno para o impacto doDM tipo 1 na mortalidade tambm de indivduosjovens, principalmente do sexo feminino. Nesta mesmacoorte foi avaliada a mortalidade cerebrovascular destespacientes, revelando que 4% das mortes em indivduoscom menos de 40 anos foram decorrentes de acidentevascular cerebral (AVC), principalmente de causaisqumica (18). A ttulo de comparao, na populaogeral adulta norte-americana, apenas 2% haviam sofridoum AVC no ltimo censo (9).

    Doena Cardiovascular no DiabetesSiqueira, Almeida-Pititto & Ferreira

    258 Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/2

  • Recentemente, o estudo INTERHEARTmostrou que o risco populacional de IAM atribuvel aoDM foi de cerca de 10%, considerando diferentesregies geogrficas e etnias (19). Diante das projeesde prevalncia crescente do DM nas populaes (20) ede seu forte impacto na morbidade e mortalidadeespecialmente cardiovascular, prevenir e tratar o DMso de fundamental importncia em termos de sadepblica.

    MARCADORES DE HIPERGLICEMIA E DCV

    Habitualmente, o metabolismo glicdico vem sendoestudado com base nos valores da glicemia de jejum(GJ), glicemia de 2 horas ps-sobrecarga