Doença tromboembólica venosa

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1 Doença Tromboembólica Venosa Agnes Neves e Aline Ribas Trombose venosa é a formação aguda de trombos no sistema venoso superficial ou profundo, provocando a oclusão total ou parcial da veia. Os trombos formam-se espontaneamente ou são resultados de lesão parietal traumática ou inflamatória. Emprega-se a denominação de trombose venosa profunda (TVP) quando os trombos atingem o sistema venoso profundo e tromboflebite superficial ou trombose venosa superficial quando as veias superficiais são acometidas. Os trombos formados em veias profundas e mais raramente no sistema venoso superficial podem se fragmentar e migrar na corrente circulatória (via coração direto) e se alojar em artéria pulmonar e ramos constituindo uma complicação grave freqüentemente fatal que é a embolia pulmonar. Ou seja, o espectro da doença tromboembólica venosa, divide-se em: Fisiopatologia: Virchow, em 1956, descreveu pela primeira vez os fatores primários (válidos até hoje) que predispõem os pacientes à TVP, a chamada tríade de Virchow: coagulabilidade aumentada, lesão endotelial e estase venosa.

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Doença Tromboembólica Venosa

Agnes Neves e Aline Ribas

Trombose venosa é a formação aguda de trombos no sistema venoso

superficial ou profundo, provocando a oclusão total ou parcial da veia. Os

trombos formam-se espontaneamente ou são resultados de lesão parietal

traumática ou inflamatória. Emprega-se a denominação de trombose venosa

profunda (TVP) quando os trombos atingem o sistema venoso profundo e

tromboflebite superficial ou trombose venosa superficial quando as veias

superficiais são acometidas. Os trombos formados em veias profundas e mais

raramente no sistema venoso superficial podem se fragmentar e migrar na

corrente circulatória (via coração direto) e se alojar em artéria pulmonar e

ramos constituindo uma complicação grave freqüentemente fatal que é a

embolia pulmonar.

Ou seja, o espectro da doença tromboembólica venosa, divide-se em:

Fisiopatologia:

Virchow, em 1956, descreveu pela primeira vez os fatores primários

(válidos até hoje) que predispõem os pacientes à TVP, a chamada tríade de

Virchow: coagulabilidade aumentada, lesão endotelial e estase venosa.

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O mecanismo de formação de coágulos (coagulação) pode ser resumido

na cascata da coagulação sangüínea pela ação da via intrínseca e/ou

extrínseca resultando na formação da trombina que age sobre o fribrinogênio

circulante formando a rede de fibrina. Mas o organismo dispõe também de

mecanismos protetores que evitam a trombose por meio de inativação dos

fatores ativados da coagulação (proteínas C e S e antitrombina III), eliminação

dos fatores ativados da coagulação e a fibrinólise (que promove a lise dos

coágulos).O desbalanço entre os fatores trombogênicos e os protetores, com o

predomínio dos primeiros, desencadeia a trombose venosa.A estase venosa e

a lesão endotelial são consideradas fatores desencadeantes, enquanto que a

hipercoabulabilidade (coagulabilidade aumentada) pode ser considerada como

fator predisponente.

A evolução dos trombos (os trombos podem evoluir):

1- Lise: muitos trombos, especialmente os pequenos, são totalmente

dissolvidos após sua formação por ação da plasmina ou fibrinolisina.

2- Propagação: pode ocorrer a montante ou a jusante da obstrução inicial,

aumentando a área isquêmica;

3- Fragmentação: leva à formação de êmbolos;

4- Organização: resulta do crescimento de células endoteliais, musculares lisas

ou mesenquimatosas indiferenciadas da parede vascular para o interior do

trombo, que se transformam em vasos, através dos quais chegam macrófagos

que fagocitam a fibrina e os restos celulares. Assim, o trombo se transforma em

tecido conjuntivo muito vascularizado. Dessa forma, há uma tentativa de

recanalização, que na prática possui pouco valor funcional.

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Reconhecem-se algumas condições como fatores da trombogênese venosa:

Fatores de risco para TEV:

Abortamento recorrente

Acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico

Anticoncepcional hormonal

Câncer

Cateter venoso central

Doença inflamatória intestinal

DPOC

Doença reumática ativa

Idade > 55 anos

IAM atual

Infecção

Insuficiência arterial periférica

ICC classe funcional III ou IV

Insuficiência respiratória

Internação em unidade de terapia intensiva

Obesidade

Puerpério (até 4 semanas)

Síndrome Nefrótica

Paresia ou paralisia de membros inferiores

Quimioterapia

Reposição Hormonal

TEV prévio

Trombofilias(antecedente familiar de trombose)

Varizes / Insuficiência venosa periférica

Algumas condições clínicas adquiridas que se manifestam com

deficiência de plasminogênio, disfibrinogenemia, presença de antifosfolipídicos

(fator lúpico) e hiper-homocisteinemia também são trombogênicas. Todos estes

fatores, quando associados a outros tipos de cirurgias de grande porte

(abdominal ou torácica) multiplicam os riscos. As cirurgias de grande porte,

cuja duração ultrapassa 30 minutos apresentam alto risco de desenvolver TVP

pós-operatória.

TROMBOSE VENOSA SUPERFICIAL

A tromboflebite superficial (TS), também chamada de trombose venosa

superficial, é uma condição patológica caracterizada pela presença de um

trombo na luz de uma veia superficial, acompanhada pela reação inflamatória

da sua parede e dos tecidos adjacentes.

Clínica: Apresenta-se como um cordão palpável, quente, doloroso e

hiperemiado no curso de uma veia superficial. A amplitude dessa trombose é

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variável, atingindo desde pequenas tributárias até grande extensão dos troncos

safenos nos membros inferiores, podendo, em casos mais graves, estender-se

ao sistema venoso profundo (SVP) pode também provocar embolia pulmonar, e

há indícios de que esteja relacionada com a recorrência de episódios de

tromboembolismo venoso.

Tratamento: AINES; pomadas locais com ação analgésica também são

prescritas (pomadas heparinóides); processo inflamatório asséptico: é contra-

indicado o uso de antibióticos; meia elástica, cirurgia(mais indicado para TS

acometendo veias varicosas); heparina e anticoagulante oral.

TROMBOSE VENOSA PROFUNDA

A TVP é muito comum em pacientes hospitalizados, politraumatizados, no pós-

operatório de cirurgias de grande porte, em idosos, em gestantes pós-parto,

portadores de doenças neoplásicas malignas, inflamatórias, infecciosas e

degenerativas e pode levar à morte súbita por embolia pulmonar.

Localização: 65 a 90% têm origem no sistema venoso profundo dos MMII

Veias ilíacas

Veias femorais

Veias poplíteas

Além da embolia pulmonar há outras complicações da TVP, não menos

graves. Após a fase aguda da trombose sobrevem a fibrinólise que é capaz de

lisar o trombo. Esta lise pode ser efetiva ou não. Assim, a veia pode ser

desobstruída e recuperar sua função ou o trombo pode se aderir à parede

venosa e resultar em obstrução parcial ou total da veia (organização do

trombo). Quando há organização do trombo (aderência) a veia terá dificuldade

em manter a drenagem sangüínea, particularmente no sistema venoso

profundo dos membros inferiores. Essa disfunção venosa resulta em estase

venosa. Esta complicação tardia da trombose venosa é conhecida por

síndrome pós-trombótica. Estima-se que a prevalência desta síndrome na

população seja de1-3%. Quando na fase aguda da trombose venosa profunda

os trombos atingem e ocluem praticamente todo o sistema venoso profundo

haverá dificuldade de perfusão dos tecidos pelo sistema arterial, resultando em

quadros gravíssimos de gangrena venosa (trombose maciça), felizmente raros.

Resumidamente, na fase aguda da TVP há risco iminente de embolia

pulmonar e raramente gangrena venosa, mas tardia e cronicamente este

problema poderá cursar com síndrome pós-trombótica (edema, varizes

secundárias, dermite ocre, etc.) em membros inferiores.

Clínica: As manifestações clínicas da TVP são baseadas na inflamação

da parede do vaso e na obstrução venosa. A primeira pode levar a dor,

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hiperestesia, rubor e calor no local da inflamação, enquanto a última acarreta

edema, com aumento do diâmetro da região da perna drenada pelas veias

envolvidas. A presença do sinal de Homan’s, representado pela dor à

dorsoflexão do pé, reforça a suspeita de TVP. Entretanto, menos de 50% dos

pacientes com TVP apresentam sinais clínicos que permitam o diagnóstico.

Complicações:

• TEP • Síndrome pós-trombótica: lesão no sistema venoso valvar edema,pigmentação ocre, dermatosclerose e úlceras de estase

• Phlegmasia cerulea dolens : comprometimento do fluxo venoso por trombose maciça isquemia dor, edema, cianose, gangrena venosa, sd compartimental e comprometimento arterial, geralmente seguido de choque circulatório

Diagnóstico:

• - Ultrassonografia com Doppler (Mapeamento Duplex): É o mais utilizado por não ser invasivo. Permite o estudo do fluxo venoso. A imagem da veia com trombo aparece hiperecogênica e as paredes venosas não “colabam” a manobras compressivas com o transdutor

• - Flebografia: É considerada o padrão ouro no diagnóstico da TVP. Tem alta S e E. Utiliza contrastes iodados. A injeção destes contrastes deve ser feita em veia distal da extremidade e forçados a transitar no sistema venoso profundo. A flebografia é empregada somente quando a ecografia (US) for inconclusiva e houver forte suspeita de TVP.

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR

Tromboembolismo pulmonar (TEP), refere-se ao transporte de coágulos sangüíneos, trombos, desenvolvidos em algum local da circulação venosa sistêmica, com posterior impactação dentro de um ou mais ramos da artéria pulmonar. É importante compreender o TEP não como uma desordem isolada, mas, sim, como uma complicação da trombose venosa profunda (TVP). Essa obstrução circulatória determina sinais e sintomas relacionados com os sistemas respiratório e cardiovascular, exibindo elevada taxa de mortalidade e morbidade, além de um potencial de recorrência.

Clínica: A grande maioria dos pacientes são assintomáticos ou evidenciam sinais clínicos que só serão reconhecidos retrospectivamente. O diagnóstico clínico do TEP, bem como da TVP, é muito pouco confiável. A clássica dispnéia, de início súbito e inexplicável, sugere o diagnóstico de TEP. Freqüentemente, é o único sintoma clínico encontrado. Outras manifestações clínicas, como dor torácica do tipo pleurítica e hemoptise, associadas ao infarto pulmonar, também são sugestivas de TEP, mas não são a regra. A febre,

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geralmente, nunca superior a 38.5 está presente em 18 a 50% do casos de TEP com infarto pulmonar. Entretanto, a ausência desses sinais não exclui o diagnóstico de TEP.

Achados clínicos nas embolias pequenas (submaciças): dor torácica,

dor pleurítica, dispnéia, taquipnéia, tosse, hemoptise, taquicardia, febre, cianose. Achados clínicos nas embolias grandes (maciças): Síncope,

hipotensão arterial / choque, taquicardia, dispnéia, cianose.

Para fins didáticos, O TEP pode ser classificado em três síndromes clínicas:

colapso circulatório ( embolia maciça)

dispnéia não explicada ( embolia submaciça)

dor torácica do tipo pleurítica (infarto pulmonar)

Colapso Circulatório (TEP maciço): A embolia pulmonar maciça ocorre com a obstrução de, no mínimo, 50% do leito vascular pulmonar.A apresentação clínica é dramática, acompanhada de cor pulmonale agudo, falência cardíaca, hipotensão e choque circulatório. Sinais como dor subesternal severa,arritmias cardíacas, ritmo cardíaco em galope, estase venosa, sopro tricúspide e outros achados, são típicos dessa forma clínica.

Pode se manifestar com quadro de choque ou hipotensão arterial, definida como a pressão arterial sistólica < que 90mmHg ou queda da pressão arterial ≥ que 40mmHg por mais de 15min, afastados arritmia, hipovolemia ou sepse.

• Manifestções clínicas de IVD, com aumento da pressão venosa jugular

e aumento do componente pulmonar de B2.

• Taquicardia é frequente e pode associar-se à B3, produzindo ritmo em

galope

• Sopro de insuficiência tricúspide pode ser auscultado e alguns pacientes

dilatação de VD

• Cor pulmonale secundário a TEP apresenta alta mortalidade, sendo,

porém a apresentação menos frequente da doença.

TEP não-maciço: é estabelecido na ausência dos sinais de TEP maciço. Entre

os pacientes com TEP não-maciço existem aqueles com sinais

ecocardiográficos de disfunção do VD que são classificados como TEP

submaciço.

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Dor torácica do tipo pleurítica (infarto pulmonar) : hemoptise ou dor

pleurítica na ausência de colapso circulatório.

Diagnóstico: Raio X, ECG, D-dímero, Ecocardiograma, TC helicoidal, RM.

Embora os testes já citados sejam bastante sugestivos e úteis para o diagnóstico diferencial, sabe-se que apenas o mapeamento pulmonar (cintilografia) e a angiografia pulmonar podem, realmente, ser métodos de confirmação diagnóstica. Uma cintilografia de perfusão normal exclui o TEP. Embora o mapeamento pulmonar possa ser útil, o único procedimento diagnóstico definitivo, capaz de demonstrar o êmbolo é a angiografia pulmonar. A angiografia também deve ser realizada quando há contra-indicação ao uso de qualquer anticoagulante ou trombolítico, mesmo na vigência de um exame cintilográfico com baixa probabilidade. TRATAMENTO

Anticoagulação • No tratamento do tromboembolismo venoso, a HNF por via intravenosa

é a abordagem terapêutica mais frequente e de comprovada eficácia. A dose média diária de HNF no tratamento do tromboembolismo venoso varia de 24.000 a 30.000U nas 24h (em geral 5-7d);

• HBPM; • Inibidor do Xa ( Fondaparinux); • Cumarínicos : A dose inicial de warfarin é de 5mg/dia, podendo ser

iniciada concomitantemente à heparina no primeiro dia do tratamento;

Antitrombínicos • O ximelagatran :antitrombínico disponível para uso por via oral;

Trombolíticos

• São mais eficazes que a heparina para dissolver os trombos e, consequentemente, propiciarem melhor resultado clínico. Em contrapartida: maior risco de sangramento. Sua indicação é limitada a subgrupos de pacientes que apresentem maior gravidade clínica (Os pacientes com instabilidade hemodinâmica e disfunção do VD, caracterizando a EP maciça subgrupo de pior prognóstico).

Cirúrgico

• A embolectomia no TEP maciço com contraindicações para o uso de trombolítico ou, mais raramente, para aqueles que não responderam à trombólise e permanecem instáveis a despeito do tratamento intensivo. O melhor resultado cirúrgico é reservado para os casos de obstrução subtotal do tronco da artéria pulmonar ou dos seus ramos principais. A mortalidade dos pacientes submetidos à embolectomia é elevada, principalmente pela gravidade daqueles que realizam tal procedimento.

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PREVENÇÃO

A profilaxia divide-se em medidas farmacológicas e não farmacológicas (mecânicas):

A prevenção do TEP, que, na verdade, é a prevenção da TVP, inclui, basicamente, cuidados fisioterápicos e instituição medicamentosa que contribuam com a diminuição da formação dos trombos. A movimentação ativa, ou passiva, a elevação dos membros inferiores, massagens, deambulação precoce, uso de meias elásticas e aplicação de ultra-som são medidas importantes na prevenção da TVP. O uso da heparina, em pequenas doses, está indicado nas condições ditas tromboembolígenas de risco de TVP. Dessa forma, a heparina inibe os eventos que ocorrem no início da cascata da coagulação, antes da formação da trombina. O esquema deve ser iniciado imediatamente após o risco ter sido evidenciado, e continuado até que o mesmo tenha desaparecido.

As recomendações aqui apresentadas baseiam-se nas diretrizes de

profilaxia de TEV do American College of Chest Physicians e nas Diretrizes

Brasileiras de Profilaxia de TEV em Pacientes Clínicos Internados.

Esquemas de quimioprofilaxia para pacientes cirúrgicos

1. Pacientes com risco intermediário devem ser submetidos à profilaxia com

heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou heparina não fracionada (HNF)

subcutânea, nas doses profiláticas baixas: HNF 5.000 UI a cada 12 horas,

enoxaparina 20 mg 1X ao dia, dalteparina 2.500 UI 1 X ao dia, ou nadroparina

1.900-3.800 UI 1X ao dia ou Fondaparinux 2,5 mg SC 1x ao dia.

2. Pacientes com risco alto devem ser submetidos à profilaxia com HBPM ou

HNF subcutânea, nas doses profiláticas altas: HNF 5.000 UI a cada 8

horas,enoxaparina 40 mg 1X ao dia, dalteparina 5.000 UI 1 X ao dia, ou

nadroparina 2.850-5.700 UI 1X ao dia, ou Fondaparinux 2,5 mg SC 1x ao dia.

3. Pacientes considerados com risco particularmente alto devem receber

profilaxia medicamentosa associada à profilaxia mecânica (MECG, CPI ou BP).

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4. De modo geral, a profilaxia deve ser mantida por 7 a 10 dias, mesmo que o

paciente tenha alta ou volte a deambular.

A profilaxia de TEV em pacientes clínicos não é tão bem estudada como

nos pacientes cirúrgicos. Ao contrário destes, que muitas vezes apresentam o

procedimento cirúrgico como o único fator de risco, os pacientes clínicos

podem apresentar vários fatores de risco para TEV que, muitas vezes, se

mantém por períodos indeterminados, obrigando à uma profilaxia prolongada.

Esquemas de quimioprofilaxia em pacientes clínicos

1. HNF 5.000 UI SC a cada 8 horas – eliminação hepática.

2. Enoxaparina 40 mg SC 1X ao dia – eliminação renal.

3. Nadroparina 2.850-5.700 SC UI 1X ao dia – eliminação renal.

4. Dalteparina 5.000 UI SC 1X ao dia – eliminação renal.

5. Fondaparinux 2,5 mg SC 1x ao dia – eliminação renal.