Doenças raras do fígado

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  • 8/2/2019 Doenas raras do fgado

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    Doenas raras do fgado

    Jos Carlos Ferraz da Fonseca

    Mdico especialista em doenas do fgado(Hepatologia)

    1. Cirrose biliar primria (CBP)

    Descrita pela primeira vez em 1951, a cirrose biliarprimria (CBP) considerada uma doena hepticarara. Apesar do nome, a doena acometeessencialmente o fgado e no a vescula biliar.Existem evidncias de que a CBP est relacionada comfatores genticos. Porm, estudos recentes sugerem

    que um retrovrus humano participaria dodesenvolvimento da enfermidade. O uso de drogasantivirais no tratamento coadjuvante da CPB e, porsua vez, a melhora do quadro clnico e laboratorialreforam tal hiptese.

    Na maioria dos casos, a doena acomete pacientes do

    sexo feminino. O incio dos sinais e sintomas ocorreentre 30 e 65 anos. Contudo, podem aparecer emmulheres adultas jovens, com menos de 20 anos oumais de 90 anos de idade.

    Em geral, durante anos ou dcadas, a CBP noapresenta qualquer tipo de sinal ou sintoma, ou seja, assintomtica. Mais de 50% dos pacientes tm como

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    primeiro sintoma a coceira (prurido). Em mulheres, acoceira pode se apresentar primeiramente durante agravidez e, assim, ser confundida com um sintoma da

    prpria gestao. Se aps o perodo de gravidezhouver permanncia do sintoma, o diagnstico de CBPpode ser considerado.

    Em locais de clima quente e mido, h piora dacoceira, principalmente durante a noite. Algunspacientes se coam tanto que provocam laceraes

    sangrentas na pele e no couro cabeludo.

    Atendi uma paciente que se coava utilizando umalngua de pirarucu (peixe oriundo da regioamaznica). Nativos da Amaznia usam a referidalngua como ralador para o pau de guaran.H ainda relatos de pacientes que se suicidaram emdecorrncia da coceira intensa.

    Olhos e pele amarelados (ictercia) so sintomastardios e revelam certa gravidade da doena. Emalguns enfermos, so observadas leses protuberantesgordurosas sobre a superfcie da pele, denominadas de

    xantelamas (principalmente nas plpebras) exantomas (ndegas, joelhos, cotovelos). O fgado(hepatomegalia) e o bao (esplenomegalia) tambmtm seu tamanho aumentado. Se o pacienteapresentar quadro de barriga-dgua (ascite) e edemados membros inferiores, pode-se afirmar que o fgadose encontra cirrtico.

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    O tempo de sobrevida dos pacientes com CBP variaentre 7 e 16 anos. Aps o advento do transplanteheptico, a sobrevida dos pacientes aumentou

    consideravelmente.

    O diagnstico da doena bastante difcil para oclnico, contudo, a CBP deve ser considerada quandopacientes do sexo feminino apresentam coceirainexplicvel, cansao (fadiga), olhos amarelados,perda de peso e desconforto no quadrante superior

    direito do abdome. Nveis elevados de colesterol,gama-GT e fosfatase alcalina colaboram para que oclnico suspeite do diagnstico da CBP o qual deveser confirmado com a bipsia heptica.

    O tratamento da CBP dirigido estritamente aossintomas, principalmente em relao coceira, poisno existe cura para a doena. O transplante heptico o tratamento de escolha para os pacientes com CBPem grau avanado.

    2. Doena de Wilson

    A doena de Wilson foi descrita pela primeira vez em1912, por Samuel Wilson. Mas somente em 1948 foidemonstrado o papel do metal cobre nodesenvolvimento da doena, tendo-se em vista oselevados ndices desse metal encontrados no tecidoheptico e cerebral dos pacientes. Todos os sinais e

    sintomas identificados nos portadores da doena de

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    Wilson ocorrem pela deposio do cobre em diversosrgos do corpo humano.

    Trata-se de uma enfermidade hereditria e de cartergentico. Sabe-se que a bile a principal via deexcreo do cobre do corpo humano. O cobre umelemento indispensvel ao organismo e provm dosalimentos ingeridos. Quando um indivduo apresenta adoena de Wilson, a excreo do cobre pela vesculabiliar bastante diminuda. Como grande parte do

    cobre no excretada, ele se acumula no fgado eretorna para a circulao, sendo depositado tambmno crebro, nos olhos, nas hemcias, nos rins e nosossos. Todavia, as alteraes mais comuns eimportantes so hepticas, neurolgicas,oftalmolgicas e hematolgicas.

    A alta concentrao de cobre no fgado capaz deprovocar cirrose heptica. A doena se manifesta,geralmente, entre os 10 anos e os 30 anos de idade epode ser diagnosticada como uma hepatite aguda.Durante anos, ela pode passar despercebida e, quandose exacerba, o paciente manifesta sinais e sintomas

    clssicos de cirrose heptica.

    Todos os pacientes por mim diagnosticados comoportadores da doena de Wilson na forma heptica seapresentaram, na primeira consulta, como portadoresde cirrose heptica, at ento sem causa definida.

    O diagnstico da doena de Wilson realizado atravs

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    de exames laboratoriais especficos (dosagem de cobretotal no sangue, cobre urinrio em 24 horas, dosagemda ceruloplasmina sangunea), bipsia heptica e

    exame de fundo de olho. A tomografiacomputadorizada (TC) e a ressonncia magntica docrnio tm sido utilizadas no diagnstico das lesescerebrais ocasionadas pelo depsito de cobre nocrebro.

    Conforme descrito anteriormente, a doena de Wilson

    pode ocasionar as formas clnicas oftalmolgicas,hematolgicas, sseas, renais, neurolgicas e demanifestaes psiquitricas.Pacientes portadores da doena de Wilson na formaheptica devem ser tratados durante todo o decorrerda sua vida e o transplante de fgado a teraputicaextrema indicada.

    3. Deficincia de alfa-1-antitripsina

    A deficincia de alfa-1-antitripsina uma doena decarter gentico, que afeta recm-nascidos, crianase adultos. A carncia dessa glicoprotena pode

    ocasionar problemas no pulmo e no fgado.

    Com relao aos pulmes, observa-se um quadroevolutivo de enfisema pulmonar e sabe-se que os doisrgos so comprometidos, principalmente as basespulmonares. O quadro de enfisema surge, na maioriados pacientes, na fase adulta, manifestando-se por

    obstruo respiratria e, aps os 40 anos de idade,

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    por falta de ar (dispneia).

    O diagnstico da deficincia de alfa-1-antitripsina ,

    comumente, efetuado por excluso, diante daexistncia de doena heptica crnica de causa noconhecida. Em geral, quando os pacientes procuramum mdico j apresentam sinais clnicos de cirroseheptica, tais como barriga dgua (ascite) e histrico

    de hemorragias digestivas por ruptura de varizesesofgicas.

    O diagnstico laboratorial da doena feito atravs dadosagem de alfa-1-antitripsina no sangue que, naocorrncia da doena, se apresenta reduzida. Abipsia heptica pode ser indicada para confirmao eestadiamento da doena.

    No existe tratamento especfico para a doenaheptica associada deficincia de alfa-1-antitripsina.O transplante heptico , atualmente, a alternativamais procedente para os pacientes com doenaheptica em fase bem avanada.

    Na minha experincia clnica privada, atendi apenasdois pacientes portadores de deficincia de alfa-1-antitripsina, os quais foram transplantados e vivemmuito bem. Um deles recebeu o transplante h maisde dez anos.

    4. Colangite esclerosante primria (CEP)

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    A colangite esclerosante primria (CEP) uma doenaheptica crnica, caracterizada por inflamao e

    fibrose progressiva das vias biliares intra e extra-heptica. Diversos fatores so postulados comocausadores da doena, todavia, entende-se que ela ocasionada pelo sistema imune do paciente, ou seja, oorganismo produz anticorpos que destroem as viasbiliares.

    Quanto ao quadro clnico da doena, a CEP acometeprincipalmente homens jovens, entre 30 e 40 anos deidade. Os sintomas mais frequentes so fadiga (70%) ecoceira (65%). Podem ocorrer tambm febre e dor noquadrante superior direito do abdome.

    Trata-se de uma doena progressiva, sendo que asobrevida, em 5 anos, de 72%. Aps o diagnstico, asobrevida varia de 12 a 21 anos.

    Os maiores problemas dos pacientes com CEP estorelacionados com o alto risco de desenvolveremcarcinoma de clon e colangiocarcinoma (tumor

    cancergeno do fgado). Periodicamente, indicada acolonoscopia, como mtodo de diagnstico precoce docncer de clon.

    At o presente momento, todas as tentativas deteraputica se revelaram ineficazes na cura da CEP,tendo sido suficientes apenas para o controle da

    enfermidade. O transplante heptico o tratamento

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    de escolha para a CEP em fase terminal.Apenas umpaciente integra a minha casustica e aguardatransplante heptico.

    5. Sndrome de Budd-Chiari

    O quadro clnico da sndrome de Budd-Chiari foidescrito, inicialmente, por Budd, em 1845, e o quadrohistolgico por Chiari, em 1849. A sndrome secaracteriza pela obstruo completa ou parcial das

    veias hepticas, principalmente da veia cava inferior(93%).

    Diversas situaes levam obstruo completa ouparcial do fluxo venoso do fgado. As principais soestado de hipercoagulao, ou seja, formao decogulos de sangue nas veias hepticas; insuficinciacardaca direita; inflamao do pericrdio (membranaque envolve o corao); uso de estrgenos; uso decontraceptivos orais; gravidez e ps-parto; infecocrnica pelo vrus Epstein-Barr (mononucleose);pancreatite; tumores (mieloma mltiplo); cncer defgado e rim; cisto heptico macio (nico);

    estreitamento das veias hepticas aps traumas(acidentes de trnsito, lutas marciais, quedas quelesionam a barriga, tiros, facadas).

    A doena acomete homens e mulheres. Clinicamente,a sndrome de Budd-Chiari pode apresentar asseguintes formas: aguda ou fulminante e crnica.

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    Na forma aguda ou fulminante, o quadro muito gravee se caracteriza por aparecimento sbito de barrigadgua e sinais clnicos e laboratoriais de insuficincia

    heptica.

    Na doena crnica, as manifestaes clnicas soinchao dos membros inferiores (edema), fgadoaumentado (hepatomegalia), dor abdominal (pode sersimplesmente a primeira manifestao da doena),pele e olhos amarelados (pequena incidncia).

    Geralmente, o diagnstico da sndrome de Budd-Chiari efetuado atravs de exames de imagem, sendo aultrassonografia (US) abdominal com Doppler coloridoo passo inicial.

    O tratamento da doena pode ser clnico ou cirrgico,mas o transplante heptico tem sido considerado umaboa opo no tratamento da sndrome de Budd-Chiari.

    6. Hemocromatose hereditria

    A hemocromatose um distrbio metablico genticoocasionado pelo depsito excessivo de ferro emclulas de diversos rgos do corpo humano, sendo ofgado o mais comprometido. O acmulo de ferro nofgado ocasiona leso nas suas clulas, provocando,portanto, prejuzo funcional grave.

    O termo hemocromatose provm do grego haima

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    (sangue) e chromatos (cor). Grande parte dosportadores da doena apresenta pele bronzeada,decorrente da deposio de pigmentos que contm

    ferro.

    O ferro um dos elementos mais importantes para avida do ser humano, pois utilizado no transporte deoxignio para as clulas. O excesso de ferro noorganismo, por sua vez, pode levar a vrias situaesclnicas e as mais importantes esto relacionadas a

    facilitao de infeces bacterianas, prejuzo daresposta imunolgica e celular do indivduo, lesocelular do fgado e, consequentemente, fibrose.

    No que diz respeito especificamente aocomprometimento heptico, a sobrecarga do depsitode ferro pode ocasionar um processo contnuo deagresso do fgado e, sendo assim, o paciente podedesenvolver cirrose heptica.

    Nos pacientes cirrticos, a hemocromatose hereditriase caracteriza, clinicamente, por fgado aumentado(hepatomegalia), pigmentao cutnea da pele (cor

    bronzeada), bao aumentado, barriga dgua, olhosamarelados (ictercia) e edema dos membrosinferiores. comum os pacientes com hemocromatosehereditria se queixarem de artralgia, perda da libidoe ausncia de menstruao (no caso das mulheres).Mesmo tendo aparecimento tardio, portadores dessasndrome apresentam sintomas clssicos do diabetes

    mellitus.

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    O diagnstico realizado atravs de exames desangue e bipsia heptica. O tratamento da

    hemocromatose essencialmente clnico e algunspacientes precisam fazer flebotomias (sangriasvenosas) semanais ou bissemanais. Diversas drogas soutilizadas na remoo do ferro do organismo.Recomenda-se a abstinncia de lcool e fumo.

    O transplante heptico em portadores da enfermidade

    revela resultados desanimadores, com elevadamortalidade ps-transplante. comum o acmulo deferro tambm no fgado transplantado.

    Fonte : http://drjcfonsecaeofigado.blogspot.com/