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Porto AlegreTJ-RS2018

DOIS ANOS DO CPCARTIGOS COMEMORATIVOS A SUA

VIGÊNCIA, COM A VISÃO PREDOMINANTE DA JURISPRUDÊNCIA

GELSON ROLIM STOCKERCOORDENADOR

ALICE DE MARTINI DEITOSANNA PAULA KUCERA MIORANDO

EDUARDO MATHEUS DA SILVAFERNANDA RAQUEL TOMASI CHAVES

GELSON ROLIM STOCKERJOVAIR LOCATELLI

ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA

ISBN 978-85-89676-28-1

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EXPEDIENTE

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

NÚCLEO DE ARTE E CONTROLE DE CÓPIAS (NACC) – SIMD – DSO/TJRS

Dois anos do CPC [recurso eletrônico] : artigos comemorativos a sua vigência, com a visão predominante da jurisprudência / Gelson Rolim Stocker, coordenador; Alice De Martini Deitos ... [et al.]. – Porto Alegre : Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Suporte Operacional, Serviço de Impressão e Mídia Digital, 2018. 6MB ISBN 978-85-89676-28-1 1. Código de Processo Civil. Brasil. 2015. Comentário. 2. Processo civil. Jurisprudência. Comentário. 3. Magistratura. Ingresso. Quinto constitucional. 4. Prova. Apreciação. 5. Persuasão. Vinculação. Distinção. 6. Jurisprudência. Conceituação. 7. Súmula. Conceituação. 8. Precedente. Conceituação. 9. Precatórios. Advogado. Honorários. 10. Justiça gratuita. 11. Imóvel. Construção. Entrega. Atraso. Contrato. Inadimplemento. 12. Usucapião. Bens imóveis. Herdeiro único. 13. Propriedade. Função social. 14. Mandado de segurança. Ato judicial. Impugnação. 15. Agravo de instrumento. Cabimento. 16. Personalidade jurídica. Desconsideração. 17. Alienação fiduciária em garantia. Bens imóveis. 18. Advogado. Honorários de sucumbência. 19. Advogado. Honorários recursais. I. Stocker, Gelson Rolim. II. Deitos, Alice De Martini. III. Miorando, Anna Paula Kucera. IV. Silva, Eduardo Matheus da. V. Chaves, Fernanda Raquel Tomasi. VI. Locatelli, Jovair. CDU 347.9(81)“2015”(094.46) Catalogação na fonte elaborada pelo Departamento de Biblioteca e de Jurisprudência do TJRS

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADMINISTRAÇÃO 2018-2019

Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO – Presidente

Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA – 1º Vice-Presidente

Des. ALMIR PORTO DA ROCHA FILHO – 2ª Vice-Presidente

Des. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS – 3º Vice-Presidente

Desa. DENIZE OLIVEIRA CEZAR – Corregedora-Geral da Justiça

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................... 9

PREFÁCIO .......................................................................................................... 11

ESCLARECIMENTOS SOBRE OS OBJETIVOS DA OBRA ................................... 21

QUINTO CONSTITUCIONAL DA ADVOCACIA ................................................. 23

A SUPERAÇÃO DO LIVRE CONVENCIMENTO COMO OPÇÃO DO LEGISLADOR ..................................................................................................... 29

INSTITUTOS DE PERSUASÃO E VINCULAÇÃO: DISTINÇÕES ......................... 43

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PRECATÓRIOS ............................................ 51

GRATUIDADE, PARCELAMENTO OU REDUÇÃO NA TAXA JUDICIÁRIA ÚNICA CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CONCESSÃO À PESSOA FÍSICA ........... 77

O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL PELA NÃO ENTREGA DE IMÓVEL NO PRAZO PREVISTO DA CONSTRUÇÃO E ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS .......... 93

A USUCAPIÃO DE BEM IMÓVEL EM FAVOR DE UM SÓ HERDEIRO.............. 113

O ROL DO ART. 1.015 DO CPC E O MANDADO DE SEGURANÇA ................... 131

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A (NÃO) BANALIZAÇÃO DO INSTITUTO ........................................................................ 149

EXIGÊNCIAS PARA QUE A IMISSÃO DE POSSE SEJA OBSTADA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ............... 167

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS E RECURSAIS NA REGRA DO ARTIGO 85, §§ 2º, 8º E 11 DO CPC ................................................ 193

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APRESENTAÇÃO

Nos últimos anos o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça vem buscando, entre suas missões institucionais, a divulgação do conhecimento jurídico, inclusive através da publicação de obras, especialmente no formado digital. Para mim, é uma honra e um privilégio partilhar esse momento com o Desembargador Gelson, dileto amigo e companheiro de tantos julgamentos nesta Corte, em que já tivemos oportunidade de compor o mesmo órgão colegiado.

Com muita satisfação, apresentamos esta publicação atual e importante sobre temas atuais que versam sobre o exercício da jurisdição, resultante da liderança do eminente Desembargador Gelson Rolim Stocker, que coordenou a realização da obra, sendo também um dos autores, juntamente com a equipe que compõe o seu gabinete de trabalho no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

A obra aborda questões atuais e polêmicas em diversas áreas do conhecimento, especialmente acerca do novo Código de Processo Civil, sob o viés dos temas de direito privado que são abordados na prestação jurisdicional realizada pelo Desembargador Gelson, nos julgamentos da Câmara Cível que integra.

Nesse contexto, a reflexão crítica das decisões, por meio da abordagem constante no presente trabalho, possibilita a busca por uma melhor prestação jurisdicional, ampliando o conhecimento e abrindo caminhos para novas teses e entendimentos. Além de dar prestígio à atividade jurisdicional, este trabalho expõe, de forma clara, o alcance prático das normas legais acerca da matéria, dando vida às teses conhecidas pelos operadores do direito.

Tratando de tema bastante delicado e atual, esta publicação traz uma pequena amostra dos grandes desafios enfrentados diariamente pelo Poder Judiciário na busca pelo efetivo Estado Democrático de Direito, sendo a divulgação deste trabalho necessária por sua qualidade e importância.

Desembargador Ney Wiedemann Neto,Coordenador do Centro de Estudos do TJRS

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PREFÁCIO

O novo Código de Processo Civil trouxe à comunidade jurídica um arcabouço de regras cuja tarefa árdua de interpretar e de apresentar uma argumentação jurídica para sustentá-las merece especial atenção do leitor.

Essa dificílima tarefa de interpretar uma novel legislação com essa estrutura e dimensão impõe especial atenção aos lidadores do direito, cuja análise exige uma interpretação gramatical (significado da norma); lógica (coerência da norma); sistemática (coerência com o conjunto das normas); sociológica (vontade da norma); teleológica (finalidade da norma) e axiológica (valores da norma), resumindo sinteticamente os métodos de interpretação, sem preocupação de esgotar as magníficas lições de Tito Fulgêncio, Recasèns Siches, Carlos Maximiliano, Miguel Reale, Hans Kelsen, Luiz Fernando Coelho, Boaventura de Souza Santos, J.J. Gomes de Canotilho, Werner Goldschmidt e tantos outros eminentes doutrinadores e estudiosos da árdua e polêmica tarefa de interpretar.

Sobre a interpretação das normas jurídicas, registro que a partir da codificação do Corpus Júris Civilis, realizada pelo imperador romano Justiniano, o Direito passou a ser cada vez mais sistematizado e dogmático. Com isso, logo surgiram movimentos contra esse dogmatismo, pois como o Direito é uma ciência humana, não deveria subsumir-se aos dogmas e às leis como única forma de aplicar a justiça. Deveria acompanhar as mutações sociais e se adaptar ao contexto histórico.

Com esses movimentos surgiram vários pensamentos divergentes, proporcionando a formação de várias doutrinas a respeito da interpretação das normas, com surgimento de importantes escolas de interpretação jurídica.

Já o argumento produz uma sequência de razões e de consequências que, como toda sequência, serve para conservar e voltar a aplicar as distinções. Os conceitos possibilitam um ataque sobre as distinções que tenham sido conservadas, sem que exista necessidade de voltar no processo que se originou a seqüência: os conceitos, em seu novo nível, organizam distinções emergentes. Com ajuda dos conceitos, as distinções podem ser conservadas para tê-las disponíveis em caso de várias decisões, ou seja, os conceitos concentram informações e produzem com ela a redundância que necessita o sistema.

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O discurso da interpretação e o da argumentação jurídica tendem a confundirem-se com o problema da fundamentação do Direito. É preciso clarificar o conceito de argumentação e desligá-lo de urna versão tautológica que o concebe como fundamentação, o que requer, por sua vez, passar a um aparato conceitual operativo, não teleológico.

O que vai diferenciar a noção de interpretação da argumentação é que, no primeiro caso, tem-se em vista uma atividade mental de um leitor individual, ao passo que a argumentação jurídica é uma operação interna do sistema do Direito. Logo, a argumentação jurídica não é um acontecimento individual, mas sim comunicativo, o que não significa que os envolvidos não pensem ao mesmo tempo. Isso significa que não apenas os textos, mas também as interpretações que se fazem desses textos contribuem para a formação de um contexto de argumentação no sistema jurídico e que servirá como base para futuras decisões sobre os temas trazidos nesta obra, cuja honra para a apresentação do presente prefácio me coube.

O eminente Desembargador Gelson Rolim Stocker, estimado e brilhante colega de Câmara que teve a feliz ideia e iniciativa em conjunto com seus colaboradores de assessoria Alice De Martini Deitos, Anna Paula Kucera Miorando, Eduardo Matheus da Silva, Fernanda Raquel Tomasi Chaves e Jovair Locatelli, de nos trazerem temas atuais e cativantes, cuja leitura agradável e qualificada torna a obra uma relevante contribuição aos lidadores do direito.

O histórico da participação dos advogados como magistrados nos Tribunais através do Quinto Constitucional é especialmente analisado pelo eminente Desembargador Gelson Rolim Stocker, trazendo o contraponto daqueles contrários a essa forma de ingresso na magistratura, mas enfatizando de forma clara e objetiva, a importância da preservação da participação da sociedade nos Tribunais, oxigenando os julgamentos, trabalhando, produzindo, atendendo bem aos advogados, estando disponível no gabinete para receber, ouvir e facilitar o exercício da advocacia para a defesa do cidadão, da cidadania e do Estado Democrático e de Direito.

Na Constituição de 1988, está previsto no art. 94 que um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público com mais de dez anos de carreira e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

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Segundo o eminente Desembargador Francisco José Moesch, integrante do Tribunal de Justiça do Estado do RGS, “o Quinto Constitucional contribui para a democratização do Poder Judiciário, na medida em que possibilita o acesso aos Tribunais de pessoas oriundas de outras carreiras que são essenciais à Justiça, o que revigora o Direito, trazendo a tenacidade na defesa das teses jurídicas sustentadas ao longo do exercício da atividade de advogado ou promotor. A experiência e o saber adquiridos com o tempo, e na prática forense, fazem deles profissionais aptos a bem julgarem seus semelhantes. Por terem exercido o Direito em outros setores, trazem perspectivas diferentes e sensibilidades distintas para uma atividade que se caracteriza pela riqueza conceitual e a pluralidade de enfoques”.1

Sobre a interpretação do atual art. 371 do CPC, a autora Alice De Martini Deitos nos apresenta a nova concepção sobre a apreciação da prova pelo juiz, alicerçada pela novel redação da norma legal, anteriormente prevista pelo art. 131 do CPC/73, que excluiu a palavra “livremente”. Pela interpretação literal do novo artigo legal, o juiz deverá apreciar a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e sempre indicará, na sua decisão, as razões da formação de seu convencimento.

Mesmo no código anterior, a denominada “livre apreciação da prova” era mitigada, porque jamais permitia ao magistrado decidir apreciando a prova exclusivamente conforme suas convicções pessoais, fosse de cunho político, religioso ou filosófico, mas com base no cotejo da prova produzida nos autos do processo judicial, aliado a outro fatores lógicos e extralógicos no sentido de exprimir, de forma mais clara, a justiça no caso concreto.

Já o grande processualista Moacyr Amaral Santos entendia que “o convencimento não deve ser, por outros termos, fundado em apreciações subjetivas do juiz; deve ser tal que os fatos e as provas submetidas a seu juízo, se fossem submetidos à apreciação desinteressada de qualquer outra pessoa racional, deveriam produzir, também nesta, a mesma convicção que produziriam no juiz.”2

Na mesma linha o Professor Cândido Rangel Dinamarco afirma que “o livre convencimento há de ser racional, porque necessariamente alcançado mediante as forças do intelecto e não dos impulsos pessoais e eventualmente passionais do juiz: é obrigatório levar em conta as circunstâncias que ordinariamente conferem maior credibilidade a um meio de prova, ou as que no caso sejam capazes de convencer

1 – Jornal Eletrônico Carta Forense, edição de 01.04.2010.2 – Moacyr Amaral Santos, in “Primeiras Linhas de Direito Processual Civil – Vol. 1”. Editora Saraiva, p. 354.

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uma pessoa inteligente e sensível à realidade. Repudiam-se personalismos do juiz, cuja atividade se rege pelo princípio da impessoalidade.”3

Interessante referir que a articulista nos suscita três vertentes de interpretação da novel norma: a primeira, no sentido de restringir qualquer ativismo legal do magistrado, que estaria restrito exclusivamente às provas do processo; a segunda, defendendo a sobrevivência da apreciação livre da prova pelo juiz; e a terceira, a híbrida, defendida pelo eminente processualista Araken de Assis4, em que o magistrado não estaria inteiramente livre, nem totalmente adstrito às provas constantes dos autos.

A difícil tarefa de distinguir os institutos da persuasão e da vinculação coube ao articulista Eduardo Matheus da Silva. Citando farta doutrina e jurisprudência sobre o tema, o autor apresenta, com rara precisão, a exata distinção entre a decisão que apenas orienta e auxilia o lidador do direito (persuasão), daquela cuja vinculação de seguir a mesma orientação é quase imperativa (vinculação).

O artigo transita pelos conceitos de jurisprudência, jurisprudência dominante, súmula, súmula vinculante e precedente, concluindo que apenas dois dos institutos abordados possuem caráter vinculativo (precedentes judiciais e súmulas vinculantes), sendo que os demais (jurisprudência, jurisprudência dominante e súmula) possuem caráter meramente orientativo e persuasivo.

A interpretação dos Tribunais sobre os honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais em sede de pagamento no âmbito do precatório, inclusive na modalidade de RPV, é o tema nuclear do artigo de Anna Paula Kucera Miorando, esmiuçando o tormentoso caminho enfrentando pelas partes, em especial os advogados, sobre o direito de percepção do fruto de seu árduo trabalho jurídico quando sucumbente a fazenda pública.

É inquestionável a relevância das reflexões da articulista, principalmente quando ressalta o caráter alimentar dos honorários advocatícios, gerando, por consequência, o direito de percepção em caráter prioritário, com possível desmembramento nos precatórios (ou RPVs) do crédito principal devido às partes do processo, uma vez de natureza distintas e credores diversos.

A autora do excelente artigo jurídico adianta, e com absoluta razão, que não pretende esgotar o assunto, mas apenas dar prosseguimento às discussões

3 – Cândido Rangel Dinamarco, in “Instituições de Direito Processual Civil – Vol. 3.” 6º ed. Editora Malheiros, p. 104-105.4 – Araken de Assis, in “Processo Civil Brasileiro, Volume II: Parte Geral: Institutos Fundamentais: Tomo 2”. Editora RT, p. 265.

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frente às últimas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul sobre o tema.

Tormentosa questão que ganha especial relevância e novel tempero jurídico com a edição do novo Código de Processo Civil, a concessão do benefício da gratuidade judiciária é enfrentada com clareza e simplicidade de entendimento por Jovair Locatelli, que traz elementos objetivos para o deferimento do beneplácito à pessoa física, além da possibilidade de parcelamento e redução da taxa judiciária também com base na novel legislação estadual (Lei nº 15.016 de 13 de julho de 2017).

A exegese dos arts. 98 e 99 do CPC é feita com detalhamento pormenorizado, levando em consideração a doutrina, jurisprudência, enunciados administrativos e com importante cotejo com a Lei nº 1.060 de 05/02/1950, com a redação dada pela Lei nº 7.510, de 04/07/1986, que disciplina a gratuidade da justiça aos necessitados, parcialmente revogada pelo novo Código de Processo Civil.

O inadimplemento contratual pela não entrega de imóvel no prazo previsto da construção e algumas consequências é tema corriqueiramente enfrentando pelos 9º e 10º Grupos Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do RGS, e dissecado pela articulista Fernanda Raquel Tomasi Chaves, trazendo a jurisprudência moderna sobre o assunto.

Tratando-se de fenômeno comercial de relativa importância no contexto da atual sociedade gaúcha, os numerosos empreendimentos imobiliários lançados para produtos novos, especialmente pela comercialização na planta de bens imóveis, geram, entre contratantes, diversas consequências fáticas e jurídicas, especialmente quando há o inadimplemento da incorporadora responsável pela construção relativamente ao prazo de entrega do imóvel.

À luz da legislação correlata e diretamente vinculada ao contrato de compra e venda perfectibilizado entre comprador (consumidor) e incorporadora (fornecedor), a autora do percuciente artigo jurídico suscita a aplicabilidade do Código Civil Brasileiro, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei nº 4.591/64, fazendo um apanhado do entendimento da doutrina e jurisprudência sobre o tema.

O articulista trilha com absoluta segurança sobre o entendimento jurisprudencial acerca da ocorrência de danos materiais (emergentes e lucros cessantes) e imateriais, este último incidente em determinados casos específicos, com prévia análise das vertentes autorizadoras do juízo condenatório, especialmente quando o atraso na entrega do imóvel for superior a um ano do

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prazo de tolerância previsto no pacto, o que em princípio dispensa da produção de provas (dano in re ipsa).

Com o advento da Carta Constitucional de 1988 e do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) o instituto da usucapião recebeu nova dimensão social e jurídica, extrapolando o denominado direito de propriedade, com novas interpretações jurisprudenciais, ampliando sobremaneira as hipóteses de cabimento da aquisição do bem através da prescrição aquisitiva, inclusive pelo herdeiro único, como muito bem explorado pela articulista Alice De Martini Deitos.

Somos entendedores de que a prescrição aquisitiva deve ser interpretada em consonância com o princípio da função social da propriedade, esculpida em vários artigos da Constituição Federal, (a) art. 5°, XXIII da CF: A propriedade atenderá a sua função social; (b) art. 170 da CF: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II - propriedade privada; III - função social da propriedade; (c) art. 182, § 2° da CF: A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor; e (d) art. 186 da CF: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A função social da propriedade não tem outro fim senão o de dar sentido mais amplo ao conceito econômico de propriedade, encarando-a como uma riqueza que se destina à produção de bens que satisfaçam as necessidades sociais.

Analisando os requisitos da usucapião, à luz da legislação, doutrina e jurisprudência, a eminente articulista defende a tese de que somente é possível a declaração da usucapião envolvendo condomínio decorrente de bem imóvel transmitido pela herança para um único herdeiro, na hipótese de exercício da posse ad usucapionem exclusiva e não apenas consentida, com preenchimento dos demais requisitos legais da modalidade da qual se pretende usucapir.

A articulista Anna Paula Kucera Miorando trata de assunto tormentoso desde a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil e que ainda suscita dúvidas e divergências na doutrina e na jurisprudência pátria, qual seja, sobre taxatividade ou exemplificatividade do rol do art. 1.015 do Código de Processo

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Civil, e a possibilidade da via alternativa do Mandado de segurança para impugnar atos judiciais não previstos na referida norma processual.

O CPC/73 estabelecia regra mais clara e objetiva no sentido de que contra qualquer decisão interlocutória cabia a interposição do agravo retido, salvo nas hipóteses em que se tratasse de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação fosse recebida, quando era admitida a sua interposição por instrumento.5

O legislador resolveu estabelecer em numerus clausus as hipóteses em que seja possível a interposição do agravo de instrumento, não prevendo diversas situações que inclusive foi6 e estão sendo objeto de análise no regime de processos repetitivos.7

Como via alternativa, sugere a articulista da possibilidade à parte prejudicada de impetrar Mandado de Segurança tão somente naquelas hipóteses em que, cumulativamente, não couber recurso com efeito suspensivo; a decisão atacada apresentar-se teratológica, ilegal ou abusiva e, ainda, apta a causar dano imediato, irreparável ou de difícil reparação à parte.

Procurando (não) banalizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC), a articulista Fernanda Raquel Tomasi Chaves traça considerações sobre tema que recebeu especial atenção do novo Código Civil Brasileiro, com reflexos diretos e indiretos na aplicabilidade do Código de Processo Civil, especialmente no instituto do cumprimento de sentença e no processo de execução.

5 – Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.6 – Resp Nº 1.679.909/RS de que “É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015.”7 – PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do CPC/2015 (Resp. nº 1.696.396/MT - Tema 988).

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O artigo traz a posição da doutrina e da jurisprudência sobre o tema que se traduz em abuso da personalidade jurídica, reconhecendo que a legislação civil só reconhece esse abuso para o fim da desconsideração quando ficar caracterizado o desvio de finalidade da sociedade ou pela confusão patrimonial dela com a dos sócios.

O trabalho bem esmiúça com propriedade as hipóteses mais comuns de pedidos formulados em demandas judiciais, quais sejam, para as hipóteses de não localização de bens e na dissolução irregular da sociedade, bem como descreve o procedimento adotado pelo Código de Processo Civil em vigor para a declaração de desconsideração, dispensando a propositura de ação autônoma.

As exigências para que a imissão de posse seja obstada após a consolidação da propriedade em sede de alienação fiduciária à luz da Lei nº 9.514/97 é o tema tratado por Jovair Locatelli, trazendo as exigências legais e processamento administrativo para expropriação imobiliária na hipótese de inadimplemento.

O Artigo bem traça considerações sobre os procedimentos exigidos para intimação do devedor, com análise paralela da utilização subsidiária do Código de Processo Civil, bem como sobre o instituto da purga da mora (art. 26 da Lei nº 9.514/97) e suas conseqüências, conforme o procedimento adotado pelo inadimplente contratual, trazendo o entendimento da doutrina e jurisprudência sobre os temas, inclusive acerca da compatibilidade jurídica entre o Decreto-Lei 70/66 com a Lei da Alienação Fiduciária.

Por fim, e não menos importante, o eminente articulista Des. Gelson Rolim Stocker faz uma percuciente e exaustiva análise acerca dos honorários advocatícios sucumbenciais e recursais à luz das regras estatuídas pelo art. 85, §§ 2º, 8º e 11º, do novo Código de Processo Civil.

Embora com citação de importantes doutrinadores, a construção interpre-tativa está reservada exclusivamente ao autor do artigo jurídico, cuja profundidade das análises e conseqüências jurídicas lançadas conforme o resultado da demanda exigiu uma interpretação gramatical (significado da norma); exigiu lógica (coerência da norma); uma análise sistemática (coerência com o conjunto das normas); e sociológica (vontade da norma); além de teleológica (finalidade da norma), e, por fim, axiológica (valores da norma), tudo partindo da visão jurídica do art. 85 do CPC, e conclusões lançadas com rara felicidade.

Diante de tudo que percebemos e que vamos desfrutar, independentemente dos motivos que levam à exteriorização do pensamento e do trabalho interpretativo na presente obra, saliento que “todo o estudioso que se propõe a realizar um

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trabalho de pesquisa de certa envergadura encontra-se, inevitavelmente, num estado de perplexidade decorrente de inúmeras e infinitas variáveis que se apresentam à sua curiosidade e observação de pesquisador”.8

Assim, é de se concluir que o conjunto de reflexões e interpretações elaboradas pelos articulistas que fazem parte do presente livro e que ora tive a honra e o prazer de apresentar à comunidade jurídica brasileira, alcançará o sucesso que merece, e que a presente obra estimule os autores à disposição de novos cometimentos no campo das letras jurídicas.

Porto Alegre, abril de 2018.

Desembargador Giovanni Conti

8 – Eduardo de Oliveira Leite, in “A Monografia Jurídica”, Editora RT, p.18.

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ESCLARECIMENTOS SOBRE OS OBJETIVOS DA OBRA

De há muito, penso que também deveria ser minha missão expor, de forma organizada, os entendimentos que venho manifestando em julgamentos proferidos na jurisdição que exerço no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Mas não apenas os meus, como também de meus colegas de Tribunais Estaduais e Federais, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Surgiu, agora que estamos completando dois anos de vigência do recente Código de Processo Civil de 2015, a “desculpa” necessária para a publicação. Mas, decidi não o fazer sozinho, e sim de forma coletiva. Para isso, convidei os integrantes de meu gabinete – assessores, secretário e estagiários – e lhes atribuí a missão de sugerirem temas que entendessem relevantes, a partir de julgamentos proferidos por mim, perante a 17ª Câmara Cível e do Órgão Especial do TJRS, nos quais tivessem eles relevante intervenção na pesquisa e redação da proposta de voto.

O norte foram as questões processuais, mas não exclusivamente e de preferência, a partir de inovações do codex processual de regência, dando ênfase aos entendimentos jurisprudenciais, visando principalmente facilitar o acesso dos magistrados e advogados nas questões propostas e disponibilizar-lhes um instrumento para facilitar o acesso de como são enfrentados esses temas na doutrina, mas preponderantemente na jurisprudência ou nos precedentes no Tribunal de Justiça do Estado do Ripo Grande do Sul, em outros Tribunais Estaduais e Federais e também, por evidente, no STJ e no STF, pensando que isso pode ajudar na efetividade da prestação jurisdicional.

Quero então agradecer aos articulistas integrantes de meu gabinete ALICE DE MARTINI DEITOS, ANNA PAULA KUCERA MIORANDO, FERNANDA RAQUEL TOMASI CHAVES e JOVAIR LOCATELLI e ao hoje advogado e até pouco tempo estagiário de meu gabinete EDUARDO MATHEUS DA SILVA por terem ajudado na seleção, pesquisa, redação e produção intelectual dos artigos que estão sendo disponibilizados na presente obra, que espero seja a primeira de uma série.

É evidente que não posso me olvidar de agradecer ao Tribunal de Justiça de meu Estado por disponibilizar ferramenta tão importante de publicação desta

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obra pelo e-book, e, ao mesmo tempo, agradecer ao Colega Desembargador Ney Wiedemann Neto pelo incentivo a partir de sua Coordenação no Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul e ao meu colega de Câmara, Desembargador Giovanni Conti, pela disposição de sempre cooperar para a consecução do objetivo, pois desde o primeiro momento em que lhe confidenciei a idéia do Livro sempre a incentivou, até a disposição de prefaciá-la.

Desembargador Gelson Rolim StockerCoordenador

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QUINTO CONSTITUCIONAL DA ADVOCACIA

Gelson Rolim Stocker

O que mais importa não é como se entra pela porta, mas quem se põe por ela.

O ingresso na magistratura através do chamado Quinto Constitucional é, para mim, um tema relevante e que marca não só a vida dos que assumem nos Tribunais, mas certamente atinge a visão dos integrantes do Poder Judiciário, da advocacia em particular e da sociedade em geral.

Para melhor entendê-lo é necessário conhecer o instituto e saber a origem legislativa do Quinto Constitucional e a grande mudança ocorrida com a Carta Cidadã de 1988.

ORIGEM LEGISLATIVA:

Não se tem dúvida de que foi na Constituição de 19349 que se passou a prever a composição nos Tribunais Superiores com 1/5 de seus membros integrados por oriundos da Advocacia e do Ministério Público.

No entanto, penso que é oportuno destacar que já na Constituição Federal de 189110, havia a previsão da participação de membros da sociedade não integrante da magistratura pelo concurso, através de indicação e nomeação pelo executivo. Era na composição da Justiça Federal de então, em que os Juízes Federais eram nomeados pelo Presidente da República, dentre os indicados

9 – “Eis o texto que definitivamente compôs a Carta de 1934:”“Art. 104 - Compete aos Estados legislar sobre a sua divisão e organização judiciárias e prover os respectivos cargos, observados os preceitos dos arts. 64 a 72 da Constituição, mesmo quanto à requisição de força federal, ainda os princípios seguintes:”“§ 6º - Na composição dos Tribunais superiores serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º”.10 – Art 48 - Compete privativamente ao Presidente da República: (...) 11º) nomear os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal.

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pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, desde então não era necessário ser juiz de carreira, ter passado em concurso, sujeitar-se a promoção, para integrar a magistratura federal.

Mas, a partir da Carta Constitucional de 1934, todas as demais Constituições sempre contaram com a previsão de que os Tribunais fossem compostos não apenas por oriundos da carreira da magistratura: constava na Constituição de 1937 (artigo 105); na Carta de 1946 (artigo 124, inciso V); no Diploma de 1967(artigo 136, inciso IV); e mesmo após a Emenda à Constituição nº 1/1969, foi preservada tal participação (inciso IV do artigo 144).

Devo registrar que não é invenção brasileira, pois, entre outros, temos essa forma de participação na composição dos Tribunais, em Portugal, Itália e Espanha.

Em Portugal “acesso ao Supremo Tribunal de Justiça faz-se por concurso curricular aberto aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público e a outros juristas de mérito, nos termos em que a lei determinar”. E que no Estatuto dos Magistrados Judiciais de Portugal, uma de cada cinco vagas para o Supremo Tribunal de Justiça deles “será composta por jurista de reconhecido mérito, sendo que a estes se exige experiência profissional na carreira docente universitária ou na advocacia de, pelo menos, vinte anos”. Na Constituição Italiana, “por designação do Conselho Superior da Magistratura podem ser chamados a desempenhar o cargo de Conselheiro da Corte de Cassação, por méritos insignes, professores universitários de disciplinas jurídicas e advogados, com quinze anos de exercício e registrados nos quadros especiais para as jurisdições superiores”. E na Constituição espanhola, “uma terça parte dos membros do Poder Judiciário será composta por juristas de reconhecida competência com mais de dez anos de exercício profissional”.11

Podemos concluir, assim, que a participação dos advogados nos Tribunais não é neófita, não é tupiniquim e nem eventual, mas consolidada.

O QUINTO CONSTITUCIONAL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988.

Hoje, no Brasil, a composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios é integrada com 1/5 de membros

11 – Fonte de pesquisa: JOÃO MARCELLO DE ARAÚJO JÚNIOR, Procurador de Justiça junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, em trabalho publicado na Revista do Tribunal de Contas – RS - nº 126, de 1992.

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Quinto Constitucional da Advocacia

oriundos da Advocacia e do Ministério Público, conforme regra constitucional contida no art. 94 da Constituição Federal de 198812.

Devemos ter presente que o Quinto Constitucional é a confirmação de que o princípio da indispensabilidade do advogado à administração da justiça se faz atuante, pois tal participação indispensável deve servir para ajudar na formação de um Poder Judiciário capaz de viabilizar novas idéias e experiências. A participação do Advogado é a participação da sociedade. É a confirmação de que adotamos um sistema de participação representativa do povo no Poder, no qual “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” 13.

Ademais, pelas regras hoje vigentes, o nomeado para exercer o cargo de Desembargador nos Tribunais, além de sua condição pessoal (exigência do art. 94 da CF), deve ter presente que depende da indicação que a OAB faz em lista sêxtupla (parte final do art. 94 da CF), do Órgão Pleno dos Tribunais através de redução para uma listra tripla, ou seja, dos seis nomes eleitos na Ordem dos Advogados o Tribunal escolhe três e encaminha essa lista tríplice ao chefe do Poder Executivo competente para a nomeação de um deles.

A grande última mudança na forma de escolha do advogado que irá compor os Tribunais é a participação da OAB na formação da lista com os seis nomes. Isso se dá em razão, principalmente, da participação da OAB na gênese do Estado constitucional hoje vigente no Brasil. É a OAB a protagonista, se não exclusiva, a principal, das conquistas, que resultaram na anistia, no fim da censura, no restabelecimento de eleições diretas em todos os níveis, na liberdade de plena organização partidária e na Assembléia Nacional Constituinte, entre outras.

E, por essa luta e pelo reconhecimento decorrente, é que a OAB participa da seleção de candidatos à Magistratura, ao Ministério Público e às Procuradorias (art. 93, I; 129, §3º e 132, todos da CF). Participa no CNJ e CNMP (EC 45 – arts. 103-B e 130-A, da CF). Tem legitimidade ativa para Ações Diretas de

12 – Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.13 – Art. 1º , § único da Constituição Federal.

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Constitucionalidades e Declaratórias de Inconstitucionalidades (art. 103, da CF). São também as obrigações atribuídas à OAB pelo art. 44, do Estatuto da Advocacia e da OAB que lhe dão importância. É disso tudo e muito mais que, hoje, a OAB tem a responsabilidade da indicação, através de lista sêxtupla, dos nomes que preencham as condições e requisitos para o cargo de integrante dos Tribunais pelo Quinto Constitucional.

VOZES CONTRÁRIAS.

Não podemos olvidar que existem vozes que querem retirar essa forma de participação da sociedade no Poder Judiciário, quer através de algumas Associações de Magistrados, quer de alguns Magistrados individualmente. E, normalmente, para assim concluírem, partem de premissas equivocadas, como a alegação de que “sua criação se deu no regime ditatorial decorrente de sua inclusão na carta de 1934. Esse argumento a própria história desmente, pois como vimos a inspiração do quinto é muito anterior e continua muito depois. Tanto é assim, que a chamada constituição cidadã, de 1988, não só manteve como ampliou e modificou a origem da indicação, que passou a ser da própria classe, como referimos. Outro argumento utilizado, diz respeito que a criação do instituto era uma forma de controlar administrativamente o Judiciário e que com a criação do Conselho Nacional de Justiça, então perderia o sentido a existência do Quinto. Tal controle administrativo nunca foi a base de fundamentação para a existência do Quinto Constitucional. A existência do quinto constitucional se justifica como instrumento de ajudar a manter o Judiciário na condição de Poder. Ademais, a oxigenação do Judiciário com as experiências de pessoas oriundas de outras carreiras é exemplo de grandiosidade para a Magistratura. Há os que alegam que faltaria independência ao julgador oriundo do Quinto Constitucional. Sobre isso, podemos nos valer dos ensinamentos de José Afonso da Silva. Diz o renomado jurista: “no exercício das atribuições que lhe sejam próprias não diz aos titulares consultar os outros e nem necessitam de sua autorização. O julgador oriundo do Quinto Constitucional, ao decidir ou ao julgar, não pede permissão ao Presidente da República que o nomeou, assim como o Magistrado, que acessa o Tribunal, não pede permissão ao grupo de Desembargadores que o colocou por merecimento na Corte.” Alguns dizem que com o ingresso por concurso público, teríamos melhor e maior legitimidade, para não dizer única, do Juiz de carreira para integrar os Tribunais. Será que traço diferenciador seria o ingresso mediante

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Quinto Constitucional da Advocacia

concurso público? “Bem, o promotor também ingressou na carreira mediante concurso público. E o advogado? Para conquistar uma carreira bem sucedida não se submeteu ao concurso, diário, da vida? Da competição? Da concorrência? Da competência profissional? Da ética no trato com os juízes, com os clientes, com a sociedade? Não será esse vestibular, persistente e renovado, hábil a qualificá-lo ao exercício da magistratura?” Todas essas perguntas e respostas o Conselheiro Federal e Ex-Presidente da OAB Nacional Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho tratou no Rio Grande do Sul quando de sua exposição em palestra na AJURIS, há alguns anos.

É verdade que o “quinto constitucional” reduz as “vagas dos juízes de carreira” nos Tribunais, mas seria essa razão suficiente para sua eliminação? Também é verdade que o advogado que passa a integrar os Tribunais não faz concurso público nos exatos termos que o Juiz o faz para ingresso na carreira. Mas isso seria um demérito? É exclusivamente o concurso público que torna o bacharel em direito apto a integrar o Poder Judiciário? Não creio que o concurso seja a redenção de todos os pecados! O exercício da Advocacia por um longo período, a dedicação do advogado aos estudos com vistas ao exercício de suas atividades, com certeza, o qualifica tanto ou até mais.

Agora, devemos reconhecer que a longa vida do instituto, sua importância e sua previsão constitucional, não o tornam imune a críticas ou a falhas, não por si mesmo, mas pela falha nos mecanismos da própria escolha. E essa escolha tanto pode ter problemas num concurso ou não, pois o que realmente importa não é como se entra pela porta, mas quem se põe por ela.

Não consigo pensar que os integrantes do judiciário de origem na carreira da magistratura, “fechando-se em si mesmos” (com o perdão da redundância), consigam melhora quantitativa e qualitativa na prestação jurisdicional ou nas garantias constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.

E não esqueçamos que há ideologias que gostariam que o Judiciário não fosse sequer um Poder de Estado, inclusive pregando o fim do parlamento. Não estou dizendo que somente pela presença do “quinto constitucional” o Poder Judiciário continua sendo um Poder. Longe disso! O que estou dizendo é que a presença externa de integrantes da sociedade, através de uma escolha democrática e republicana entre os que gozam dos predicados constitucionais, ajuda a legitimar o Poder Judiciário a ser um dos Poderes do Estado. A interação e integração do Poder Judiciário com o Legislativo e o Executivo só podem trazer

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benefícios à sociedade e o exercício do preenchimento do “quinto constitucional” é sim um efetivo exercício dessa interação e integração democrática e republicana.

E, a partir da Carta Magna de 1988 a participação no Quinto Constitucional deixou de ser de advogados e passou a ser dos advogados, como bem definido por Milton Augusto de Brito Nobre. Podemos até ter uma preocupação com essa nova forma de indicação, qual seja, por não terem sido indicados na lista pelo próprio Tribunal, que apenas a reduz de 6 para 3 o número de seus integrantes, pode ter havido um aumento na “intolerância” dessa participação, com a visão dos “de carreira” de ser o Quinto, em especial o da Advocacia, um corpo estranho. Ou o contrário, sentindo essa “intolerância”, normalmente não à pessoa do indicado pelo Quinto da Advocacia, mas ao instituto, muitas vezes assume o novo Desembargador uma postura defensiva e de isolamento em relação à sua instituição de origem e se afasta definitivamente dela.

CONCLUSÃO.

Mas, com o tempo, penso que esse comportamento deverá ser totalmente afastado e modificado e o oriundo do Quinto Constitucional da Advocacia deverá, cada vez mais, fazer-se presente na manutenção do relacionamento com sua origem e sua instituição original, sem nunca esquecer que é um magistrado integrante do Poder Judiciário.

Os que integram o Quinto Constitucional dos Tribunais só têm uma maneira de ajudar na preservação da participação da sociedade nos Tribunais: trabalhando, produzindo, atendendo bem aos advogados, estando disponível no gabinete para receber, ouvir e facilitar o exercício da advocacia para a defesa do cidadão, da cidadania e do Estado democrático e de direito e fazendo o que é esperado, JUSTIÇA!

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A SUPERAÇÃO DO LIVRE CONVENCIMENTO COMO OPÇÃO DO LEGISLADOR

Alice De Martini Deitos

A exclusão do termo “livremente” do texto do artigo 371 do Código de Processo Civil14 ora em vigência, que antes qualificava a forma de apreciação da prova, constante do CPC de 197315, bem como no anterior, de 193916, no mínimo, indica a escolha do legislador de proibir a liberdade de formação de convencimento do julgador sem motivação expressa.

Historicamente falando, desde o direito canônico a lei atribuía à cada tipo de prova uma carga específica, bem como indicava taxativamente os tipos passíveis de produção. Conforme leciona o Desembargador do Tribunal de Justiça gaúcho, Rui Portanova, “a prova era tarifada, e o juiz se vinculava a tais valores. Assim, havia prova plena, meia prova, começo de prova, etc. Podia-se, então, calcular o valor de cada prova”.17

Continuando, acentua o mencionado magistrado que “os resquícios de prova legal são lembranças dos regimes de pouca liberdade, preocupados em cavar a separação entre a convicção do juiz e o que vai efetivamente ser decidido”18.

Ademais, analisando o CPC como um todo, em busca do espírito que motivou a revogação do Codex até então vigente, o livre convencimento recebeu restrições à utilização, ao menos, quanto à inserção da vedação à decisão

14 – Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.15 – Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.16 – Art. 118. Na apreciação da prova, o juiz formará livremente o seu convencimento, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pela parte. Mas, quando a lei considerar determinada forma como da substância do ato, o juiz não lhe admitirá a prova por outro meio.17 – PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado. 3. ed. 1999. f.244.18 – PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado. 3. ed. 1999. f.244.

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Alice De Martini Deitos

surpresa19, à boa-fé processual20, ao dever de cooperação das partes21, bem como às normas fundamentais da Constituição da República22, princípios esses que constam expressamente no CPC como “normas fundamentais do processo civil”.

Se assim se procedeu, foi com vistas a assegurar um modelo de devido processo constitucional, e de “fazer uma amarração pedagógica entre a lei processual e sua matriz constitucional, levando o intérprete e aplicador a se afeiçoar a uma leitura das normas procedimentais segundo os princípios maiores.”23

Corroborando com essa linha de pensamento, o anteprojeto do CPC que ora vige expressou, de forma cristalina, a intenção do legislador de frear o movimento do ativismo judicial, conforme se transcreve24:

No novo modelo processual, o modelo cooperativo adotado pelo CPC/15 (art. 6º), o juiz e as partes atuam juntos, de forma comparticipativa, na construção em contraditório do resultado do processo. Todos atuam para um mesmo fim comum: um processo justo. Assim, não seria compatível com este modelo um juiz passivo, neutro, que se limitasse a valorar as provas que as partes produzem.O Deputado Relator no Projeto do NCPC na Câmara de forma muito consistente justificou a retirada dos termos: “embora historicamente os Códigos Processuais estejam baseados no livre convencimento e na

19 – Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.20 – Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.21 – Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.22 – Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.23 – JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, Processo de conhecimento e procedimento comum – vol I. 56 ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 67/68.24 – https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf fl.19. Acesso em 21 out. 2017

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A Superação do Livre Convencimento como Opção do Legislador

livre apreciação judicial, não é mais possível, em plena democracia, continuar transferindo a resolução dos casos complexos em favor da apreciação subjetiva dos juízes e tribunais. Na medida em que o projeto passou a adotar o policentrismo e coparticipação no processo, fica evidente que a abordagem da estrutura do Projeto passou a poder ser lida como um sistema não mais centrado na figura do juiz. As partes assumem especial relevância. Eis o casamento perfeito chamado coparticipação, com pitadas fortes do policentrismo. E o corolário disso é a retirada do livre convencimento. O livre convencimento se justifica em face da necessidade de superação da prova tarifada. Filosoficamente, o abandono da fórmula do livre convencimento ou da livre apreciação da prova é corolário do paradigma da intersubjetividade, cuja compreensão é indispensável em tempos de democracia e autonomia do direito. Dessa forma, a invocação do livre convencimento por parte de juízes e tribunais acarretará, a toda evidência, a nulidade da decisão”.

Então, se, por um lado, o princípio do livre convencimento é garantia de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser prestigiado pelo novo Código, por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir a distorções do princípio da legalidade e à própria ideia de Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, transcrevo a percepção de Michele Taruffo, traduzido livremente por Alexandre Freitas Câmara25, acerca do Estado Democrático de Direito e o do princípio da fundamentação das decisões judiciais:

No seu significado mais profundo, o princípio em exame exprime a exigência geral e constante de controlabilidade sobre o modo como os órgãos estatais exercitam o poder que o ordenamento lhes confere, e sob este perfil a obrigatoriedade de motivação da sentença é uma manifestação específica de um mais geral ‘princípio de controlabilidade’ que parece essencial à noção moderna do

25 – CÂMARA, Alexandre Freitas. Dimensão processual do princípio do devido processo constitucional. In: FREIRE, Alexandre et al (Org.). Coleção Novo CPC Doutrina Selecionada. 1ed. Salvador: JUSPODIVM, 2016, v. 1: parte geral. p. 375.

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Estado de Direito, e que produz consequências análogas também em campos diversos daquele da jurisdição.

A dispersão excessiva da jurisprudência produz intranquilidade social e descrédito do Poder Judiciário. Entretanto, se todos devem agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia.

Essa relação de causalidade, todavia, fica comprometida como decorrência do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma.

Rui Portanova26 advertia, há muito, sobre a cautela quanto à limitação do poder dado ao julgador:

O mesmo sistema jurídico que dá ao juiz o poder de livremente convencer-se, dando às normas a interpretação que entender mais adequada, atribuindo valor às provas dos autos, enfim, concedendo direito e impondo deveres conforme seu sentimento, o mesmo sistema, repetimos, impõe ao juiz o dever de motivar sua convicção, justificando as razões que determinaram o julgamento.

Para arrematar, no mesmo sentido doutrina Humberto Theodoro Junior27, em seu Curso de Direito Processual Civil:

Na verdade, o processo justo concebido na ordem constitucional de hoje impõe uma comparticipação de todos os sujeitos no iter de construção do provimento com que o juiz definirá a solução do litígio. O processo, portanto, não é obra nem do juiz nem das partes, já que se transformou num sistema de cooperação, em simetria de posições entre as partes e o órgão judicante. No estágio de preparação do provimento não há hierarquia entre os sujeitos do processo.

Nesses termos, na mesma medida em que o diploma processual civil expande as garantias e direitos vertidos às partes, estabelece limites à sua atuação,

26 – PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado. 3. ed. 1999. f. 246/247.27 – JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, Processo de conhecimento e procedimento comum – vol I. 56 ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 68.

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como dissertam Humberto Theodoro Junior, Dierle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia, e Flávio Quinaud Pedron28:

Para tanto, em conformidade com esta teoria normativa da comparticipação (cooperativa relida), o Novo CPC traz um conjunto de comandos que fomentam o diálogo e o controle de todas as ações dos sujeitos processuais, como, v.g., a boa-fé processual, a fundamentação estruturada das decisões, o formalismo democrático.Tal premissa otimiza o funcionamento processual na medida em que, de um lado, cria ferramentas de fiscalidade para o comportamento de todos os sujeitos, e, de outro, induz que o processo oferte o máximo de aproveitamento de sua atividade (com a prevalência do julgamento do mérito) com idas e vindas decorrentes, por exemplo, da esperteza dos advogados ou da negligência do juiz ao analisar argumentos essenciais para o deslinde correto do caso.

Na mesma vertente, a doutrina reconhece que a diversidade da previsão do Código, ao excluir o termo “livremente”, bem como ao estabelecer um sistema processual com marcos procedimentais mais bem definidos, demonstra desconforto com a exacerbação do protagonismo judicial, conforme se extrai do trecho abaixo transcrito:

Torna-se imperativo, ao se pensar o sistema processual, a criação de mecanismos de fiscalidade ao exercício dos micropoderes exercidos ao longo do iter processual, além da criação de espaços de interação (participação) que viabilizem consensos procedimentais aptos a tornar viável, no ambiente real do debate processual, a prolação de provimentos que representem o exercício de poder participado, com atuação e influência de todos os envolvidos. Esta é uma das finalidades de um processo democrático lastreado numa teoria deontológica de comparticipação / cooperação, por nós defendida desde 2003, e projetada no Novo Código de Processo Civil, mediante a indução de balizas procedimentais fortes do contraditório como

28 – JUNIOR. Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 53

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influência e não surpresa (art. 10), boa-fé processual (art. 5.o), cooperação (art. 6.o) e fundamentação estruturada da decisão (art. 486).29

Teresa Arruda Alvim Wambier30, no mesmo sentido, disserta sobre a motivação das decisões judiciais e sobre o viés principiológico inaugurado pelo novo CPC:

Já na hipótese de colisão entre princípios, ou mesmo no caso em que haja duas interpretações possíveis para uma norma, o juiz deverá justificar a sua opção apontando as razões e os critérios da ponderação que efetuou em favor da aplicação desta ou daquela norma (art. 489, § 2.º).Finalmente, o novo Código de Processo Civil contém uma norma geral de interpretação da decisão judicial a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé (§ 3.º do art. 489).Pois bem, não basta ao juiz motivar a decisão judicial expondo as razões de seu convencimento, ele deve também expor por qual motivo deixou de dar razão aos demais argumentos trazidos pelas partes, concretizando, assim, a completude da motivação da decisão judicial e o caráter participativo que o novo Código de Processo Civil confere ao processo.

Assim, ao estabelecer a democratização do processo, opta-se pela supressão do livre convencimento do juiz, como destaca Humberto Theodoro Júnior31:

Adotando o novo Código o princípio democrático da participação efetiva das partes na preparação e formação do provimento que haverá de ser editado pelo juiz para se chegar à justa composição

29 – Idem, p. 6730 – CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Org.WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil Ed. 2016. f.28-29.31 – JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol I. 56 ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 861.

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do litígio, entendeu o legislador de suprimir a menção ao “livre convencimento do juiz” na apreciação da prova.

Aliás, a crítica ao livre convencimento consta da moderna doutrina, como disserta mais uma vez Alexandre Freitas Câmara32:

Isto combate o vício de muitos tribunais brasileiros de afirmar algo como “o juiz não está obrigado a examinar todos os fundamentos suscitados pelas partes, bastando encontrar um fundamento suficiente para justificar a decisão”. Esta é postura que claramente viola o princípio do contraditório e, portanto, é frontalmente contrária ao modelo constitucional de processo civil brasileiro. [...] Há, porém, necessidade de exame de todos os fundamentos deduzidos pela parte contrária e que, em tese, seriam capazes de levar a um resultado distinto. Em outros termos, é direito da parte ver na decisão que lhe é desfavorável a exposição dos motivos que levaram à rejeição de todos os fundamentos que suscitou em seu favor. Só assim se poderá afirmar que sua participação no processo de formação da decisão foi relevante, que ela foi ouvida (ainda que não tenha sido atendida) e, portanto, que foi plenamente respeitada sua participação em contraditório.

A expressa manifestação judicial acerca das provas e pontos controvertidos nos autos é fundamental ao contraditório, já que a tese adotada pelo magistrado é composta desses elementos e, sem análise da inadequação dos argumentos trazidos pela parte vencida, o recurso é inviabilizado.

Sobre a matéria, de forma elucidativa Lucio Grassi de Oliveira disserta33:

O juiz, ao fundamentar a sentença, deve apresentar os motivos pelos quais aceitou como válidos os argumentos do vencedor, mas, além disso, demonstrar, também com argumentos convincentes, a impropriedade ou a insuficiência das razões ou fundamentos de fato

32 – CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 26-2733 – GOUVEIA, Lúcio Grassi. Decisões não fundamentadas e o novo Código de Processo Civil. P. 266.

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e de direito utilizados pelo sucumbente. O sucumbente é o maior interessado nessa fundamentação, para que possa confrontar a decisão com as provas trazidas para os autos e teses debatidas no processo, estando apto e tendo subsídios para recorrer da decisão.

Em consequência, a falta de atendimento ao contraditório, pela apreciação da prova em observância aos ditames legais, constitui decisão imotivada e, portanto sujeita à declaração de nulidade, já que, havendo critérios estabelecidos pela lei para adotar ou não a tese apresentada pela parte, o magistrado não poderá ignorá-lo com base no livre convencimento.

Na mesma toada, alude Fredie Didier34, doutrinador baiano membro da comissão de reforma da lei processual, que sustenta a proposital erradicação do livre convencimento, in verbis:

Todas as referências ao “livre convencimento motivado” foram extirpadas do texto do Código. O silêncio é eloquente. O convencimento do julgador deve ser racionalmente motivado: isso é quanto basta para a definição do sistema de valoração da prova pelo juiz adotado pelo CPC - 2015.Não é mais correta, então, a referência ao “livre convencimento motivado”, como princípio fundamental do processo civil brasileiro; não é dogmaticamente aceitável, do mesmo modo, valer-se desse jargão para fundamentar as decisões judicais. A mudança, uma das mais importantes do ponto de vista simbólico do novo CPC, não pode passar despercebida - ela foi clararamente inspirada nas provocações de Lênio Streck.

Na mesma toada, Lucio Delfino e Ziel Ferreira Lopes, mencionados por Luís Antonio Longo no CPC Anotado pela ESA/RS35, dissertam sobre as lições do Professor gaúcho apontado por Fredie Didier:

34 – DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela -10 . ed.- Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v.2. p. 103.35 – LONGO, Luís Antonio. Anotações aos artigos 369 a 380. Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre: OAB/RS. 2015. p. 308.

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Sob o Estado Democrático de Direito, a decisão pública não pode depender em nada da vontade pessoal do juiz. Juiz decide; não escolhe, por mais que a isto se acople um raciocínio adjudicador – justificação ornamental, não estruturante à decisão. Apreogoa o autor que a “Autonomia na valoração da prova” e “necessidade de adequada motivação” não são “elementos distintos”. A prevalecer o “decido-primeiro-e-fundamento-depois”, a tal “disciplina mais clara do método de trabalho do juiz” aparecer como despistadora do subjetivismo, até para o próprio intérprete. Ao invés de fundamentar a partir da própria consciência (ou das essências). Se trata de compreender, “re-conhecer” na tradição as determinantes da decisão. Por isso os princípios fecham a interpretação, talham o acontecer da norma no caso concreto.

Outra medida também abrangida pela inadequação do livre convencimento desde a vigência do CPC é a utilização de princípios como tentativa de fundamentação da decisão, quando há expressa previsão legal que regule a hipótese.

Sobre a matéria, disserta Lucio Grassi de Oliveira36:

Não tenhamos dúvida: no direito brasileiro temos vivido momentos de prevalência do puro subjetivismo dos julgadores. Um dos fatores que têm estimulado essa postura por parte de juízes e tribunais é a utilização indiscriminada e descontrolada de princípios, mesmo existindo no ordenamento jurídico regras claras e inequívocas e passíveis de aplicação na decisão dos casos concretos.(...)Tais decisões que não contenham fundamentação ou possuam fundamentação deficiente são nulas, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal e do art. 11 do CPC, restando, porém, convalidadas com o trânsito em julgado. Após o trânsito em julgado, somente poderão ser impugnadas por ação rescisória, fazendo coisa soberanamente julgada se não rescindidas.

36 – GOUVEIA, Lúcio Grassi. Decisões não fundamentadas e o novo Código de Processo Civil. P. 263.

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Por outro lado, não se desconhece a existência de entendimento contrário na doutrina37, de que o livre convencimento estaria em plena vigência no regramento processual, o que é expresso na obra Novo Código de Processo Civil anotado, organizado pela Escola Superior de Advocacia da OAB/RS, representado pelo Professor Luís Antonio Longo38:

O princípio do livre convencimento motivado do juiz é expressamente agasalhado pelo artigo 371, seguindo os passos do art. 131 do CPC de 1973. (Cassio Scapinella Bueno. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 272). O fato da redação do novo artigo ter suprimido a expressão “o juiz apreciará livremente a prova” não significa que o novel diploma legal abandonou este sistema de apreciação de provas consagrada no Código de 1973. A indicação de um standart mínimo pelo parágrafo primeiro do artigo 489, do novo CPC reforça a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais (art. 93, IV da CF). A previsão do artigo 927 do novo CPC, também não inibe a configuração deste sistema de apreciação das provas, devendo pois os juízes de instâncias inferiores observar uma política judiciária levando-se em conta as respectivas áreas de atuação. O convencimento do juiz deverá surgir de um modelo processual colaborativo onde as partes – por meio do contraditório – participarão do processo, podendo influenciar o julgador a obter suas conclusões.

Alias, é o que se repete na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, de que o livre convencimento estaria vigente, como abaixo transcreve-se:

37 – A título exemplificativo, Fernando da Fonseca Gajardoni: https://jota.info/colunas/novo-cpc/o-livre-convencimento-motivado-nao-acabou-no-novo-cpc-06042015. Acesso em 30 out. 2017 e NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC Comentado. “o Novo Código de Processo Civil não traz qualquer novidade, porque continua o juiz livre –no sentido de não estar condicionado à valoração abstrata feita por lei – a dar carga de convencimento a cada meio de prova no caso concreto. Também não concordo com corrente doutrinária que defende que a mudança legislativa estabeleceu o dever do juiz de apreciar não a prova que livremente escolher, mas todo o conjunto probatório existente nos autos. O sistema do livre convencimento jamais admitiu tal exclusão de provas da fundamentação do juiz, exigindo, inclusive, que o juiz confrontasse todas as provas produzidas para formar seu convencimento. p. 650. 2016.38 – LONGO, Luís Antonio. Anotações aos artigos 369 a 380. Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre: OAB/RS. 2015. p. 308.

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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL. APRECIAÇÃO DE PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS DESPESAS DE SOBRE-ESTADIAS. CONCLUSÃO COM BASE NO CONJUNTO DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.1. Embora os embargos de declaração tenham sido rejeitados, a Corte a quo examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes, logo, não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional.2. O STJ possui firme jurisprudência no sentido de que o Magistrado não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o entendimento das partes, mas, sim, conforme sua orientação, utilizando-se de provas, fatos e aspectos pertinentes ao tema, de modo que a necessidade de produção de provas encontra-se submetida ao princípio do livre convencimento do juiz diante das circunstâncias de cada caso. Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ.3. O Tribunal de origem delineou a controvérsia com base no conjunto de provas colacionadas aos autos, consignando a responsabilidade da ora agravante pelo pagamento das sobre-estadias questionadas. Dessa forma, o acolhimento do recurso não prescindiria do reexame do acervo probatório a fim de serem estabelecidas conclusões fáticas em sentido contrário àquelas firmadas pelas instâncias ordinárias, providência vedada nesta instância processual ante o óbice da Súmula 7/STJ.4. Não deve ser acolhido o requerimento da parte agravada para que seja aplicada a multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015, pois a interposição do presente agravo interno não se revela manifestamente inadmissível, tampouco reveste-se de caráter abusivo ou protelatório.5. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 914.403/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 22/08/2017)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIVULGAÇÃO DE MEDICAMENTO PROIBIDO.

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NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS PENALIDADES APLICADAS AOS DEMAIS INFRATORES PELO MESMO FATO. PENA DE ADVERTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE DE ORIGEM SEM O REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DA ANVISA DESPROVIDO.1. O acolhimento das alegações deduzidas no Apelo Nobre para alterar a conclusão a que chegou a Corte de origem demadaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de novo juízo acerca dos fatos, e não de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção.2. Conforme jurisprudência sedimentada neste Tribunal, o juízo de pertinência das provas produzidas nos autos compete às vias ordinárias. O art. 370 do Novo Código de Processo Civil (art. 130 do CPC/1973) consagra o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado fica habilitado a valorar, livremente, as provas trazidas à demanda. 3. Em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, compete ao julgador, dentro do seu livre convencimento e de acordo com as peculiaridades do caso, adequar a penalidade.4. Agravo Regimental da ANVISA desprovido. (AgRg no REsp 1169112/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 02/08/2017)

Salienta-se também a existência de entendimento intermediário, capitaneado por Araken de Assis39, em que o magistrado não estaria inteiramente livre, nem totalmente adstrito às provas constantes dos autos, o que depreende do excerto abaixo:

O art. 371 suprimiu o advérbio “livremente” preocupado com a motivação do ato, e, não, porque houvesse atentado particularmente à inexistência de inteira liberdade na apreciação do órgão judicial.

39 – ASSIS, Araken de. Processo Civil brasileiro, volume II: parte geral: institutos fundamentais: tomo 2. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. f.265.

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A Superação do Livre Convencimento como Opção do Legislador

Essa preocupação também eliminou a referência aos fatos e às circunstâncias não alegadas, porque o prévio debate e a observância do contraditório receberam especial importância no NCPC (art. 7º, in fine, c/c art. 8º).O princípio da livre apreciação da prova não se afigura absoluto. Legitima-se pela observância dos princípios informativos do respectivo emprego (retro, 1.335.1.3.1.). Ademais, há regras que subordinam o juiz a reconhecer a veracidade de certas alegações de fato e que pré-excluem determinados meios de prova (v.g., o art. 444, primeira parte), retirando-lhe, portanto, o poder instrutório. Assim, se A reclama de B o preço da compra e venda, mas o tabelião certificou que o vendedor A recebeu o preço de B, em moeda corrente nacional na sua presunção, o art. 215, caput, do CC, declara o instrumento prova “plena” desse fato, não cabendo ao juiz admitir prova em contrário, especialmente a testemunhal, nos termos do art. 443, I, primeira parte, do CPC.

À vista do exposto, analisando as três vertentes sobre a matéria, conclui-se pelo inafastável reconhecimento de mudança proposital no texto do CPC ora em vigência, e, consequentemente, do sentido que dela se extrai.

É também legitimado o movimento histórico de limitação de poder ao Estado, eis que, livremente, mostrou-se por vezes arbitrário, e nisso está incluída a prática da jurisdição.

Deve-se reconhecer que a função elementar do magistrado é de aplicação da lei, ou seja, é função atípica do Poder Judiciário a sua elaboração.

Repisa-se que a observância de tais normas primárias da tripartição dos Poderes, base do Estado Democrático, ratifica a segurança jurídica almejada pelas partes e pela sociedade quando vislumbram a necessidade de litigar.

Para ultimar, diante da menção expressa no anteprojeto do CPC, ainda que a observância da norma em vigência seja tímida, o arcabouço está à disposição dos aplicadores da lei.

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INSTITUTOS DE PERSUASÃO E VINCULAÇÃO: DISTINÇÕES

Eduardo Matheus da Silva

É sabido que, por vezes, os institutos da vinculação do direito pátrio são entendidos de diversas maneiras. Todavia, não é toda decisão que possui o escopo de vincular. Em outras palavras, existem decisões que têm o fito tão somente de persuadir e orientar.

Neste ínterim, para um melhor embate das questões abordadas, é de extrema relevância distinguir os institutos da “jurisprudência”, “jurisprudência dominante”, “súmula”, “súmula vinculante” e “precedente”. Melhor dizendo, necessário se faz conceituar e distinguir cada espécie vinculativa e persuasiva.

Compreende-se, de início, que a jurisprudência, pode-se dizer, de forma genérica e quase coloquial, é um conjunto de decisões proferidas pelos Tribunais. Entretanto, o termo jurisprudência não pode ser entendido única e exclusivamente por uma posição, haja vista que a sua expressão pode ser ramificada em outros diversos significados.40

Lenio Luiz Streck41 refere-se a três significados distintos à expressão jurisprudência, quais sejam:

a) em sentido estrito, pode indicar a “Ciência do Direito”, também denominada “Dogmática Jurídica” ou “Jurisprudência”; b) em sentido lato, pode referir-se ao conjunto de sentenças dos tribunais, e abranger tanto a jurisprudência uniforme como a contraditória; e c) pode significar apenas o conjunto de sentenças uniformes, falando-se, nesse sentido, em “firmar jurisprudência” ou “contrariar a jurisprudência.”

40 – Wambier, Teresa Arruda Alvim (Coord); TALAMINI, Eduardo (Coord). A Jurisprdência Uniforme e os Precedentes no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. 1. Ed. e-book. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2015. cap. 2. p. 1.41 – Streck, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro – Eficácia, Poder e Função. 3. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1998. p. 83

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Eduardo Matheus da Silva

Michele Taruffo preconiza também três significados para expressão ‘Giursprudenza’. Em outras palavras, ensina que jurisprudência pode ser entendida como: (a) Jurisprudência como ciência do direito, (b) Jurisprudência como atividade do jurista e (c) Jurisprudência como conjunto de decisões judiciais.42

Com efeito, Taruffo salienta que no presente o termo – jurisprudência – é entendido como o produto da atividade jurisdicional produzida através de uma decisão colegiada de um Tribunal. Neste sentido, destaca o autor:

Além da atividade do jurista o termo “jurisprudência” também se refere, e – ao uso que atualmente prevalece – sobretudo ao produto desta atividade (ver Gorla, 1981, pp. 303 ss.). A este respeito, no entanto, é necessário distinguir entre a origem e, todavia, a natureza deste produto. Por um lado, de fato, também se fala em jurisprudência para indicar o resultado da elaboração teórica dos juristas ou, genericamente, para indicar a leitura jurídica que mais próxima dos requisitos da prática forense, ou em qual a prática forense majoritariamente se inspira (ver Cannata, 1976 pp. 56 pp. 56 ss.; v. Cannata e Gambaro, 1989⁴, pp. 21 ss., 27 ss., 198 ss., 275 ss.).43

Avaliando critérios atuais do que se entende por jurisprudência, é correto afirmar que, para que exista jurisprudência, é necessário uma série de julgamentos análogos que, ao longo do tempo, formam um “corpo” de decisões que apontam para uma solução. Ressalta-se, contudo, que essas decisões não obrigatoriamente apontaram em uma única direção, uma vez que, mesmo dentro de um único Tribunal, é possível verificar diversos pontos dissonantes entre os seus julgados.44

42 – TARUFFO, Michele. Giurisprudenza. Disponível em: <http://www.treccani.it/enciclopedia/>. Acesso em: 09 ago. 2017. No original: “(a) Giurisprudenza come scienza del diritto, (b) Giurisprudenza come attività del giurista e (c) Giurisprudenza come insieme di decisioni giudiziarie.”43 – Ibdem. No original: “Oltre che all'attività dei giuristi, il termine 'giurisprudenza' si riferisce anche, e - nell'uso attualmente prevalente - soprattutto, al prodotto di questa attività (v. Gorla, 1981, pp. 303 ss.). Al riguardo occorre tuttavia distinguere a seconda della provenienza, e quindi a seconda della natura, di questo prodotto.Per un verso, infatti, si parla di giurisprudenza anche per indicare il risultato delle elaborazioni teoriche dei giuristi, o più genericamente per indicare la letteratura giuridica più vicina alle esigenze della pratica forense, o che a questa maggiormente si ispira (v. Cannata, 1976², pp. 56 ss.; v. Cannata e Gambaro, 1989⁴, pp. 21 ss., 27 ss., 198 ss., 275 ss.)”44 – WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord); TALAMINI, Eduardo (Coord). A Jurisprdência Uniforme e os Precedentes no Novo Código de Processo Civil Brasileiro. 1. Ed. e-book. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2015. cap. 2. p. 3.

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Institutos de Persuasão e Vinculação: Distinções

Outrossim, assevera-se que jurisprudência é o resultado de um conjunto de decisões judiciais no mesmo sentido, ou não, sobre uma mesma matéria proferidas pelos Tribunais. Ou seja, ela é formada por decisões – vinculantes e persuasivas –, desde que venham sendo utilizados como razões da decisão em outros processos, e de meras decisões.45

No mesmo passo, Miguel Reale define jurisprudência como “A forma de revelação do direito que processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.”46

Ensina Reale47:

Se uma regra é, no fundo, a sua interpretação, isto é, aquilo que se diz ser o seu significado, não há como negar à Jurisprudência a categoria de fonte do Direito, visto como ao juiz é dado armar de obrigatoriedade aquilo que declara ser ‘de direito’ no caso concreto.

Portanto, verifica-se que a jurisprudência deve ser tratada como fonte do Direito, isto é, melhor dizendo, trata-se de uma nascente de Direitos.

Assim, com o intuito de fortalecer e uniformizar esta fonte, fora proposto, antecipadamente, no Código de Processo Civil de 1973 (art. 476 e seguintes) e reiteradamente reforçado no Código de Processo Civil de 2015 (art. 926)48, a concepção de uma jurisprudência dominante, a fim de forçar os Tribunais a uniformizarem as suas decisões acarretando, assim, uma maior segurança jurídica aos seus julgados.49

Pode-se referir que a jurisprudência dominante é aquela que é altamente discutida dentro de um Tribunal, ou seja, significa dizer que há um conjunto de decisões, harmônicas e não díspares, que a formam. Entretanto, a jurisprudência

45 – NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. Ed. Salvador: Juspodivm. 2016. p. 1297.46 – REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 167.47 – REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 16948 – BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n.º 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 ago. 2017. Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.49 – NUNES, Dierle (Coord); MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro (Coord); JAYME, Fernando Gonzaga. A Nova Aplicação da Jurisprudência e Precedentes no Código de Processo Civil/2015. 1. Ed. e-book. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2015. Cap. 3. p. 2.

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dominante se destaca da jurisprudência comum, em razão de critérios quantitativos, considerando-se dominante aquela amplamente majoritária nos Tribunais.50

Não obstante, apesar de existirem decisões contrárias à jurisprudência dominante, estas não possuem o condão de descaracterizar a predominância da tese lançada como dominante.

Neste sentido foi o posicionamento do TRF2, em dezembro de 2010, no qual o Relator do agravo interno n.º 200902010094300, Desembargador Federal Reis Freire, destaca que a jurisprudência dominante é aquela amplamente majoritária nos tribunais. Todavia, o fato de haver alguns posicionamentos divergentes não descaracteriza a predominância da tese.51

Assim ficou ementado o julgamento:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO QUE JULGA RECURSO COM BASE NO ART. 557, CAPUT, DO CPC. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. I - Trata-se de Agravo Interno interposto em face de Decisão que negou seguimento ao Agravo de Instrumento interposto em face de Decisão que deferiu a liquidação por arbitramento, na forma do art. 475-D do CPC, nomeando como perito do Juízo o Engenheiro Agrônomo, oportunizando às partes a apresentação de quesitos e assistente técnico em 10 dias. II - O agravante não demonstrou, nem sequer alegou, que o entendimento jurisprudencial adotado na decisão atacada não é dominante ou que a jurisprudência invocada não se amolda ao caso concreto. III - Jurisprudência dominante é aquela amplamente majoritária nos tribunais. O fato de haver alguns acórdãos em sentido contrário não descaracteriza a predominância da tese em que se apóia a decisão monocrática, ora agravada. IV - Agravo interno improvido. (TRT 2ª R. AI 200902010094300, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Reis Freire, julgado em: 24/11/2010). (Grifo nosso).”

Com o propósito de compilar em verbetes sucintos e claros, a jurisprudência dominante dos Tribunais, fora proposto, já no Código de Processo Civil de 1973

50 – Ibdem. Cap. 2.51 – RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da 2 Região. Agravo Interno 200902010094300. Agravante: União Federal. Agravado: Joel de Souza Carvalho e Outro. Rel. Des. Federal Reis Freire. Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2010. Disponível em: < http://www10.trf2.jus.br/ >. Acesso em: 09 ago. 2017.

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Institutos de Persuasão e Vinculação: Distinções

(art. 479)52 e reiterado no Código de Processo Civil de 2015 (Art. 926, § 1º)53, que os Tribunais compilem em súmulas a sua jurisprudência dominante. Súmulas são, portanto, compilados da jurisprudência dominante com o propósito de facilitar a propagação do seu entendimento.54

Em suma, pode-se dizer que a súmula é um mero “guia de interpretação”, sem qualquer correspondência com os casos os quais a originaram e com a própria prática do direito jurisprudencial. Melhor dizendo, é um “guia de interpretação estético” e sem qualquer compromisso com o desenvolvimento do direito e com a realização da justiça nos casos concretos.55

Daniel Amorim Assumpção Neves salienta que:

a súmula é uma consolidação objetiva da jurisprudência, ou seja, é a materialização objetiva da jurisprudência. O tribunal, reconhecendo já ter um entendimento majoritário a respeito de uma determinada questão jurídica tem o dever de formalizar esse entendimento por meio de um enunciado, dando notícia de forma objetiva de qual é a jurisprudência presente naquele tribunal a respeito da matéria.56

Assim, com traços controladores e repreensivos, as súmulas são adotadas no Direito pátrio, visando a retenção da disseminação de julgados equivocados. Em outras palavras, a súmula freia a aplicação equivocada do direito.57

52 – BRASIL. Código de Processo Civil. Lei. N.º 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm>. Acesso em: 09 ago. 2017. Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.53 – BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n.º 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 ago. 2017. Art. 926 (...) §1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.54 – NUNES, Dierle (Coord); MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro (Coord); JAYME, Fernando Gonzaga. A Nova Aplicação da Jurisprudência e Precedentes no Código de Processo Civil/2015. 1. Ed. e-book. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2015. cap. 2. p. 2.55 – MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. P. 485.56 – NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. Ed. Salvador: Juspodivm. 2016. p. 1298.57 – MITIDIERO, Daniel. Precedentes da Persuasão à Vinculação. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p. 83.

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Eduardo Matheus da Silva

Luiz Guilherme Marinoni58 entende que súmula é o simples resultado interpretativo de um julgado, o qual não se preocupa com fundamentos, mas apenas em expressar um verbete, que é um simples resultado interpretativo da norma. Assim, preconiza que um mero enunciado ou resultado interpretativo jamais será capaz de fornecer aos juízes dos casos futuros as derradeiras razões da decisão. Grifa-se, neste ínterim, que a súmula deriva da reafirmação de resultados semelhantes e não de fundamentos iguais.

Portanto, as súmulas, no direito brasileiro, possuem o escopo de facilitar o deslinde de casos fáceis e repetitivos. Ressalta-se que, para justificar as súmulas, aludiu-se à necessidade de “desafogar o Judiciário”, mas nunca se disse – ao menos antes da “súmula vinculante” – que era preciso afirmar a coerência da ordem jurídica, garantir a segurança jurídica e impedir que casos semelhantes fossem decididos de modo desigual.59

Com a evolução processual brasileira, passou-se à adesão de um sistema vinculativo através das súmulas, isto é, as súmulas passaram por uma paulatina transformação, convivendo em nossa ordem jurídica súmulas persuasivas e súmulas vinculantes.60

Não obstante, com o advento da Emenda Constitucional 45, de 2004 (art. 103-A, CF)61 as súmulas que, inicialmente tinham por função facilitar a tarefa de controle então exercida pelo Supremo Tribunal Federal e posteriormente evitar a admissão de recursos, passaram a ter função de determinar o conteúdo das decisões judiciais. Melhor dizendo, as súmulas, agora vinculantes, passaram a ter uma função preventiva – evitar julgamentos desconformes com à jurisprudência assentada.62

58 – MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: Precedente e Decisão do Recurso Diante do Novo CPC. 2. Ed. e-book. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2017. cap. 1. p. 4.59 – MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. P. 482.60 – MITIDIERO, Daniel. Precedentes da Persuasão à Vinculação. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p. 84.61 – BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 15 ago. 2017. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.62 – MITIDIERO, Daniel. Precedentes da Persuasão à Vinculação. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p. 84.

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Institutos de Persuasão e Vinculação: Distinções

Denota-se, então, que súmula vinculante é a disposta no art. 103-A da Constituição Federal, a qual não é passível de interpretação, sendo suficientemente clara para ser aplicada sem maiores tergiversações.63

Assim, como visto, a súmula vinculante não se resigna a vincular o juiz aos fundamentos de um caso concreto, tampouco há a necessidade da existência de processo para ser aplicada; ou seja, basta existir a súmula vinculante para que esta deva ser satisfeita por todo e qualquer órgão do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta.

Por outro lado, no que cerne à teoria do precedente, entende-se que este é objetivo, uma vez que se trata de uma decisão específica que venha a ser utilizada como fundamento do decidir em outro processo.64 Em outras palavras, precedentes são decisões prévias que funcionam como modelo para decisões posteriores.65

Verifica-se, pois, que precedente judicial é uma decisão proferida por uma corte de vértice (Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça), a qual serve como fundamento a ser considerado para que outros julgadores possam definir o direito aplicável no julgamento de outros casos análogos àquele antes decidido.66

Nesse norte, Luis Alberto Reichelt67 leciona que:

O precedente judicial diferencia-se em relação às demais espécies do gênero decisão judicial na medida em que ele serve como ponto de partida para que se possa determinar a norma aplicável quando do julgamento de outro caso semelhante. Sob essa ótica, precedentes são fontes formais do Direito (já que atuam como pontos de partida criados pelo Estado que devem ser considerados obrigatoriamente

63 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo="102548>. Acesso em: 15 ago. 201764 – NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. Ed. Salvador: Juspodivm. 2016. p. 129865 – MacCORMICK, Neil. Introduction. Em cooperação com Robert S. Summers. In: MacCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (Ed.). Interpreting precedents. Vermont: Dartmouth, 1997. p. 1. No original: prior decisions that functions as models for later decisions66 – REICHELT, Luis Alberto (Coord); DALL’ALBA, Felipe Camilo (Coord). Primeiras Linhas de Processo Civil. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2016. p. 224.67 – Ibdem

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na interpretação e na aplicação de normas jurídicas) e, ao mesmo tempo, fontes materiais do Direito (pois servem como ferramenta que pode ser considerada pelo intérprete com vistas à determinação do conteúdo das normas jurídicas).

Com efeito, Henry Campbell Black68 ensina que o precedente pode ser entendido como “um caso sentenciado ou decisão da corte considerada como fornecedora de um exemplo ou de autoridade para um caso similar ou idêntico posteriormente surgido ou para uma questão similar de direito”.

O precedente judicial pátrio, na mesma concepção inspiradora da stare decisis inglesa, traz uma preocupação em fazer com que as decisões tomadas em litígios, transborde seus efeitos para indivíduos que não fizeram parte do processo mas que, de uma forma ou de outra, possuem vínculo com o litígio ocorrido em outro processo e, portanto, merecem tratamento paritário pelo judiciário.69

Nesta senda, por fim, percebe-se que apenas dois dos institutos abordados possuem caráter vinculativo (precedentes judiciais e súmulas vinculantes), sendo que os demais (jurisprudência, jurisprudência dominante e súmula) possuem caráter orientativo e persuasivo.

Contudo, em que pese a semelhança vinculativa, precedente e súmulas vinculantes trilham caminhos distintos, haja vista que na espécie stare decisis, cabe ao juiz adotar, ou não, o precedente. Ou seja, não se constitui numa imposição do juízo anterior, como no caso da súmula vinculante.70

Conclui-se, destarte, que o novel diploma processual civil se preocupou em conferir maior força vinculante para as Cortes de Vértices, uma vez que este institui o precedente no território pátrio. No mesmo norte, limitou tal força apenas ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, haja vista que são os únicos capazes de vincular os demais órgãos jurisdicionais.

Afigura-se, assim, que o Código de Processo Civil de 2015 nasceu com o condão, que aos poucos vai se firmando, de dar unidade e maior segurança jurídica para a população brasileira.

68 – BLACK, Henry Campbell. Black’s Law Dictionary. 6. Ed. sr. Paul, USA: West Publishing. 1990. Tradução. Souza, Marcelo Alves Dias. No original: An adjudged case or decision of a court, considered as furnishing an example or authority for an identical or similar case afterwars arising or a similar questiono f law.69 – PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a Common Law, Civil Law e o Precedente Judicial. Disponível em: <http://www.adbpc.org.br >. Acesso em: 15 ago. 2017. p. 17.70 – Ibdem. p. 11.

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HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PRECATÓRIOS

Anna Paula Kucera Miorando

Assunto muito debatido atualmente refere-se à forma de pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais e a possibilidade de individualização do crédito dito principal, de modo a possibilitar seu recebimento de forma separada e autônoma, em ações de litígio contra a Fazenda Pública, viabilizando assim que seja o crédito inserido em requisição de pequeno valor, ou mesmo precatório, mas independentes. Não só isso, mas também a possibilidade de posterior desmembramento/individualização dos honorários advocatícios em precatório ou RPV expedidos de forma unitária, em que o credor desse crédito alimentar passa a ostentar a condição prioritária e diferente do crédito do autor da demanda.

I – A INDIVIDUALIZAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NOS PRECATÓRIOS EXPEDIDOS POR CONDENAÇÕES DA FAZENDA PÚBLICA.

a) Dos honorários sucumbenciais:Após o julgamento em Sessão Plenária do Recurso Extraordinário nº

564.132/RS, com repercussão geral, que transitou em julgado no dia 05-03-2015, pode o advogado formalizar pedido de individualização do crédito referente aos honorários advocatícios sucumbenciais, tendo em consideração sua natureza autônoma e alimentar. Os Ministros da Corte Suprema, reconhecendo a natureza autônoma, alimentar e independente do crédito dito principal entenderam ser possível o desmembramento dos créditos em execução.

Assim ficou a ementa do julgamento:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE

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DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Neste diapasão, importa recordar as disposições da Lei nº 8.906/94:Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.§ 1º A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.(...) (grifei)

E esse entendimento da Suprema Corte certamente abrange a hipótese em que não se tenha procedido à inclusão dos procuradores dos demandantes da ação de conhecimento no polo ativo da ação de execução, pois resta assegurado exclusivamente àqueles o direito ao crédito referente aos honorários advocatícios, vez que se trata de litisconsórcio ativo facultativo.

Fica evidente que a verba honorária sucumbencial é parcela autônoma e não acessória do valor principal, não se tratando, dessa feita, de fracionamento do valor da execução, mas de individualização de créditos autônomos.

Nesse sentido, também a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal:

REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO SIMPLES. CONSIDERAÇÃO INDIVIDUAL DOS LITISCONSORTES: CONSTITUCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

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Honorários Advocatícios e Precatórios

1. Ausência de prequestionamento quanto à alegação de inconstitucionalidade da Resolução n. 199/2005 do Tribunal de Justiça de São Paulo e quanto ao fracionamento dos honorários advocatícios. Incidência das Súmulas 282 e 356.2. A execução ou o pagamento singularizado dos valores devidos a partes integrantes de litisconsórcio facultativo simples não contrariam o § 8º (originariamente § 4º) do art. 100 da Constituição da República. A forma de pagamento, por requisição de pequeno valor ou precatório, dependerá dos valores isoladamente considerados.3. Recurso extraordinário do Estado ao qual se nega provimento.(RE nº 568645, Pleno, Rel. Ministra CARMEN LÚCIA, julgado em 24/09/2014).

Oportuno, de igual modo, destacar a decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça que segue a mesma linha do quanto decidido pelo STF:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. PROCESSO CIVIL. FORMULAÇÃO DE PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA HABILITAÇÃO OBJETO DO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. IMPOSSIBILIDADE. CESSÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO CAUSÍDICO. PRECATÓRIO. ESPECIFICAÇÃO DO CRÉDITO RELATIVO À VERBA ADVOCATÍCIA OBJETO DA CESSÃO DE CRÉDITO. HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO. POSSIBILIDADE.1. De acordo com o Estatuto da Advocacia em vigor (Lei nº 8.906/94), os honorários de sucumbência constituem direito autônomo do advogado e têm natureza remuneratória, podendo ser executados em nome próprio ou nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o causídico, o que não altera a titularidade do crédito referente à verba advocatícia, da qual a parte vencedora na demanda não pode livremente dispor.2. O fato de o precatório ter sido expedido em nome da parte não repercute na disponibilidade do crédito referente aos honorários advocatícios sucumbenciais, tendo o advogado o direito de executá-lo ou cedê-lo a terceiro.3. Comprovada a validade do ato de cessão dos honorários advocatícios sucumbenciais, realizado por escritura pública, bem como discriminado

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no precatório o valor devido a título da respectiva verba advocatícia, deve-se reconhecer a legitimidade do cessionário para se habilitar no crédito consignado no precatório.4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.(REsp. 1.102.473/RS, Corte Especial, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. em 16/05/2012, DJe 27/08/2012).(grifei)

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 1.347.736/RS, igualmente processado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, reconhece o direito a cobrança individual dos honorários advocatícios para fins de pagamento por meio de RPV:

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESMEMBRAMENTO DO MONTANTE PRINCIPAL SUJEITO A PRECATÓRIO. ADOÇÃO DE RITO DISTINTO (RPV). POSSIBILIDADE. DA NATUREZA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.1. No direito brasileiro, os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado; e o contrato, a decisão e a sentença que os estabelecem são títulos executivos, que podem ser executados autonomamente, nos termos dos arts. 23 e 24, § 1º, da Lei 8.906/1994, que fixa o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.2. A sentença definitiva, ou seja, em que apreciado o mérito da causa, constitui, basicamente, duas relações jurídicas: a do vencedor em face do vencido e a deste com o advogado da parte adversa. Na primeira relação, estará o vencido obrigado a dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa em favor do seu adversário processual. Na segunda, será imposto ao vencido o dever de arcar com os honorários sucumbenciais em favor dos advogados do vencedor.3. Já na sentença terminativa, como o processo é extinto sem resolução de mérito, forma-se apenas a segunda relação, entre o advogado e a parte que deu causa ao processo, o que revela não haver acessoriedade necessária entre as duas relações. Assim, é possível que exista crédito de honorários independentemente da

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Honorários Advocatícios e Precatórios

existência de crédito “principal” titularizado pela parte vencedora da demanda.4. Os honorários, portanto, constituem direito autônomo do causídico, que poderá executá-los nos próprios autos ou em ação distinta.5. Diz-se que os honorários são créditos acessórios porque não são o bem da vida imediatamente perseguido em juízo, e não porque dependem de um crédito dito “principal”. Assim, não é correto afirmar que a natureza acessória dos honorários impede que se adote procedimento distinto do que for utilizado para o crédito “principal”.6. O art. 100, § 8º, da CF não proíbe, nem mesmo implicitamente, que a execução dos honorários se faça sob regime diferente daquele utilizado para o crédito dito “principal”. O dispositivo tem por propósito evitar que o exequente se utilize de maneira simultânea - mediante fracionamento ou repartição do valor executado - de dois sistemas de satisfação do crédito (requisição de pequeno valor e precatório).7. O fracionamento vedado pela norma constitucional toma por base a titularidade do crédito. Assim, um mesmo credor não pode ter seu crédito satisfeito por RPV e precatório, simultaneamente. Nada impede, todavia, que dois ou mais credores, incluídos no polo ativo da mesma execução, possam receber seus créditos por sistemas distintos (RPV ou precatório), de acordo com o valor que couber a cada qual.8. Sendo a execução promovida em regime de litisconsórcio ativo voluntário, a aferição do valor, para fins de submissão ao rito da RPV (art. 100, § 3º da CF/88), deve levar em conta o crédito individual de cada exequente. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público do STJ.9. Optando o advogado por executar os honorários nos próprios autos, haverá regime de litisconsórcio ativo facultativo (já que poderiam ser executados autonomamente) com o titular do crédito dito “principal”.10. Assim, havendo litisconsórcio ativo voluntário entre o advogado e seu cliente, a aferição do valor, para fins de submissão ao rito da RPV, deve levar em conta o crédito individual de cada exequente, nos termos da jurisprudência pacífica do STJ.11. O fracionamento proscrito pela regra do art. 100, § 8º, da CF ocorreria apenas se o advogado pretendesse receber seus honorários

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de sucumbência parte em requisição de pequeno valor e parte em precatório. Limitando-se o advogado a requerer a expedição de RPV, quando seus honorários não excederam ao teto legal, não haverá fracionamento algum da execução, mesmo que o crédito do seu cliente siga o regime de precatório. E não ocorrerá fracionamento porque assim não pode ser considerada a execução de créditos independentes, a exemplo do que acontece nas hipóteses de litisconsórcio ativo facultativo, para as quais a jurisprudência admite que o valor da execução seja considerado por credor individualmente considerado. RE 564.132/RS, submetido ao rito da repercussão geral12. No RE 564.132/RS, o Estado do Rio Grande do Sul insurge-se contra decisão do Tribunal de Justiça local que assegurou ao advogado do exequente o direito de requisitar os honorários de sucumbência por meio de requisição de pequeno valor, enquanto o crédito dito “principal” seguiu a sistemática dos precatórios. Esse recurso foi submetido ao rito da repercussão geral, considerando a existência de interpretações divergentes dadas ao art. 100, § 8º, da CF.13. Em 3.12.2008, iniciou-se o julgamento do apelo, tendo o relator, Ministro Eros Grau, negado provimento ao recurso, acompanhado pelos votos dos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Brito. O Ministro Cezar Peluso abriu a divergência ao dar provimento ao recurso. Pediu vista a Ministra Ellen Gracie. Com a aposentadoria de Sua Excelência, os autos foram conclusos ao Min. Luiz Fux em 23.4.2012.14. Há, portanto, uma maioria provisória, admitindo a execução de forma autônoma dos honorários de sucumbência mediante RPV, mesmo quando o valor “principal” seguir o regime dos precatórios.15. Não há impedimento constitucional, ou mesmo legal, para que os honorários advocatícios, quando não excederem ao valor limite, possam ser executados mediante RPV, ainda que o crédito dito “principal” observe o regime dos precatórios. Esta é, sem dúvida, a melhor exegese para o art. 100, § 8º, da CF, e por tabela para os arts. 17, § 3º, da Lei 10.259/2001 e 128, § 1º, da Lei 8.213/1991, neste recurso apontados como malferidos.16. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008.

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Honorários Advocatícios e Precatórios

(REsp nº 1.347.736/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/10/2013, DJe 15/04/2014)

Percebo, de forma clara, que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme mencionado no REsp nº 1.347.736, estabelece o direito do advogado em executar a sentença no que se refere ao seu direito à verba honorária, inclusive, de forma autônoma ou facultativa, nos mesmos autos da ação que tenha prestado assistência. Aliás, hoje o codex processual de regência é expresso em reconhecer que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar”.

Neste mesmo norte, por se tratar de condenação sucumbencial, incluídos na mesma categoria, encontram-se os honorários recursais, aos quais se aplicam os mesmos argumentos.

b) Dos honorários contratuais:Seguindo os mesmos argumentos, isto é, sendo viável a individualização

dos honorários sucumbenciais para a expedição de RPV ou precatório de forma autônoma em favor do advogado, igualmente é direito deste a expedição do RPV ou precatório autônomo, em seu favor, da verba relativa aos honorários contratuais que venham a ser apontados nos autos, os quais devem estar consubstanciados em contrato regularmente firmado entre as partes, no caso, credor dito principal (parte) e seu Procurador.

A este respeito, dispõe o art. 22, §4º do Estatuto da Ordem dos Advogados:

Art. 22. (...)§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil reconhece o direito do patrono da parte em receber seus honorários na própria ação, desde que junte o contrato firmado antes da expedição do precatório ou da expedição da requisição de pequeno valor. Esta condição reafirma o caráter autônomo e individual da parcela que, no caso, cabe apenas ao Procurador da parte credora e não a ela própria.

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Assim, devidamente contratado e demonstrado nos autos, origina-se o direito do Procurador em receber também diretamente da Fazenda Pública, via requisição de pequeno valor ou precatório, a depender do valor e da Entidade Pública envolvida, a remuneração negociada para o trabalho realizado, consubstanciada em contrato de prestação de serviços, a ser juntado aos autos antes da expedição da ordem de pagamento, sendo uma em favor de cada credor, mesmo porque são pagamentos diferentes, cada um com a parcela que lhe cabe.

Os créditos são autônomos e há dois credores diferentes: um relativamente à parte dita principal e outro aos honorários advocatícios, incluindo os sucumbenciais e os contratuais, desde que preenchidos os requisitos para essa inclusão, nos moldes da explanação acima realizada.

Não foi por outra razão que na Reclamação nº 26.259, que transitou em julgado em 25/08/201771, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso, reconheceu em decisão monocrática que a Súmula Vinculante nº 47 aplica-se aos honorários advocatícios sucumbenciais e, também, aos contratuais.

71 – DECISÃO: RECLAMAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SÚMULA VINCULANTE 47. PRECATÓRIOS. FRACIONAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. 1. A natureza autônoma e o caráter alimentar são comuns aos honorários sucumbenciais, por arbitramento judicial e contratuais. 2. Viola a Súmula Vinculante 47 decisão que exclui do seu âmbito de incidência os honorários advocatícios contratuais. 3. Reclamação julgada procedente. Prejudicado o pedido de ingresso na condição de amicus curiae. 1. Trata-se de reclamação, com pedido liminar, contra decisão do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Itabuna/BA, que indeferiu pedido de fracionamento de execução contra a Fazenda Pública, relativamente a honorários advocatícios contratuais, nos seguintes termos: “Pretende o patrono do autor em sua peça de fls. 1719/1723 o fracionamento do Precatório para pagamento de honorários advocatícios. Indefiro quanto ao fracionamento uma vez que não se trata de honorários arbitrados em sentença. O eventual arbitramento/retenção/divisão de verba honorária contratual deve ser proferida quando do pagamento do Precatório.” 2. A parte requerente alega afronta à Súmula Vinculante 47 (“Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”). Defende que o Supremo Tribunal Federal resguarda o direito à execução apartada tanto dos honorários de sucumbência quanto dos contratuais, por constituírem crédito autônomo de natureza alimentar, nos termos dos arts. 22, § 4º, e 23 da Lei nº 8.906/94. Requer o benefício da justiça gratuita. 3. Citado, o INSS alega a inviabilidade da reclamação, porquanto ajuizada após o trânsito em julgado do processo judicial. Afirma não ser cabível a reclamação na fase de expedição de precatório, em razão do caráter meramente administrativo do procedimento. Impugna o pedido de gratuidade de justiça, no sentido de que “não há na presente ação elementos concretos que possibilitem ao Ministro Relator verificar plausível a invocação do instituto da Assistência Judiciária Gratuita” (doc. 15). 4. As informações foram prestadas pela autoridade reclamada,

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nas quais destaca: “Entende essa magistrada que o pagamento em apartado, direto ao advogado, via requisição de pequeno valor ou precatório alimentar se aplica apenas aos honorários sucumbenciais, ou seja, incluídos na condenação, não restando autorizado o fracionamento do Precatório na forma preconizada pela Súmula Vinculante 47 do STF, para pagamento de honorários advocatícios contratuais” (doc. 20). 5. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB requereu seu ingresso no feito, na condição de amicus curiae. Afirma a viabilidade da sua intervenção no feito, em face do “interesse de toda a classe, porque envolvida discussão acerca da prerrogativa de advogado, no tocante à possibilidade de destaque dos honorários advocatícios contratuais, à luz do artigo 22, §4º do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94)”. No mérito, ratifica os argumentos trazidos pelo reclamante, afirmando que o indeferimento do fracionamento da execução “além de violar o enunciado da súmula vinculante 47 c/c art. 22, §4º da Lei Federal n. 8.906/94 e art. 133 da Constituição Federal, está corroborando com o aviltamento de honorários, haja vista que está entendendo pela realização dos serviços advocatícios sem a devida contraprestação imediata pelos serviços prestados. Ou ainda, acaba por impor ao advogado o ônus de possivelmente ter que movimentar a máquina judiciária para o recebimento de seus honorários contratuais” (doc. 25). 6. É o relatório. Decido. 7. Dispenso a manifestação da Procuradoria-Geral da República (RI/STF, art. 52, parágrafo único). 8. Defiro o pedido de gratuidade de justiça. Nos termos do art. 99, § 3º, do CPC/2015, a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural goza de presunção relativa de veracidade, a qual não foi elidida pela Autarquia Previdenciária. 9. Também não prospera a alegação do INSS de inviabilidade da reclamação, por força do trânsito em julgado anterior da sentença condenatória. Com efeito, a presente reclamação impugna ato relativo à fase executiva, não decidido em sentença e, pelos elementos trazidos aos autos, não alcançado pela preclusão. Ademais, o indeferimento do pedido de fracionamento da execução não se encontra fundamentado na intempestividade do requerimento, mas na natureza da verba honorária, o que foi, inclusive, confirmado pelas informações da autoridade reclamada. 10. Superadas as preliminares arguidas pela Fazenda Pública, passo à análise do mérito. 11. A Súmula Vinculante 47 foi editada após reiterados julgamentos desta Corte no sentido da viabilidade do fracionamento de execução contra a Fazenda Pública, para satisfação autônoma dos honorários do advogado. A jurisprudência sobre a matéria encontra-se fundada em duas das características da verba honorária: (i) a autonomia do crédito em relação àquele devido à parte patrocinada, por pertencer a um outro titular; e (ii) a natureza alimentar da parcela. Confiram-se, a propósito, as ementas de dois precedentes que deram origem à Súmula: “CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.” (RE 564.132 RG, Rel. p/ acórdão Min. Cármen Lúcia) “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR. SUBMISSÃO AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS PRECATÓRIOS, OBSERVADA ORDEM ESPECIAL. 1. Os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado e possuem natureza alimentícia. A satisfação pela Fazenda Pública se dá por precatório, observada ordem especial restrita aos

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créditos de igual natureza. Precedentes: AIs 623.145, sob a relatoria do ministro Dias Toffoli; 691.824, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio; 732.358-AgR, sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; e 758.435, sob a relatoria do ministro Cezar Peluso; REs 470.407, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio; 538.810, sob a relatoria do ministro Eros Grau; e 568.215, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia; bem como SL 158-AgR. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 415.950-AgR, Rel. Min. Ayres Brito) 12. No mesmo sentido: RE 502.656-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; AI 732.358, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 13. Ressalte-se, ainda, que a proposta de edição da Súmula Vinculante 47 (PSV nº 85), de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil, restou embasada tanto no art. 22, § 4º, quanto no art. 23, ambos da Lei nº 8.906/1994, que tratam, respectivamente, dos honorários contratuais, sucumbenciais e por arbitramento judicial. Dispõe o Estatuto da OAB: “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. (…) § 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou. (...) Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor” (destaques acrescentados). 14. O alcance dos honorários contratuais pela Súmula Vinculante 47 pode ser deduzido do seu próprio texto, que contempla “honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor”. A expressão em destaque claramente remete ao § 4º do art. 22 da Lei nº 8.906/1994. Observe-se ainda que, nos debates para a aprovação da Súmula Vinculante, não foi acolhida a sugestão da Procuradoria-Geral da República, no sentido de manter no texto apenas os honorários advocatícios incluídos na condenação, com explícita remissão apenas ao art. 23 do Estatuto da OAB. 15. Dito isso, ofende a Súmula Vinculante 47 decisão que afasta sua incidência dos créditos decorrentes de honorários advocatícios contratuais. Nessa linha, confira-se a Rcl 21.516, Rel. Min. Luiz Fux, e a Rcl 21.297, sob a minha relatoria, assim ementada: Ementa: RECLAMAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRECATÓRIOS. FRACIONAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. 1. A natureza autônoma e o caráter alimentar são comuns aos honorários sucumbenciais, por arbitramento judicial e contratuais. 2. Viola a Súmula Vinculante 47 decisão que exclui do seu âmbito de incidência os honorários advocatícios contratuais. 3. Reclamação julgada procedente. 16. Por fim, a procedência do pedido resulta em prejuízo do pedido de ingresso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil como amicus curiae, por ter se tornado desnecessária sua contribuição para o deslinde da controvérsia. 17. Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do RI/STF, julgo procedente o pedido, para cassar a decisão reclamada, e determinar que outra seja proferida à luz da Súmula Vinculante 47, salvo se verificado algum óbice que impossibilite o fracionamento. Fica prejudicado o pedido de ingresso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na condição de amicus curiae, conforme fundamentação acima. 18. Nos termos do art. 85, § 3º, I, do CPC/2015, fixo os honorários de sucumbência em 10% (dez por cento) sobre o crédito exequendo de origem, pertencente ao advogado (correspondente ao proveito econômico obtido). A presente condenação deverá ser executada nos autos em que proferida a decisão reclamada. Publique-se. Intimem-se. Comunique-se. Brasília, 30 de maio de 2017. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO Relator. (Rcl 26259, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 30/05/2017, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-115 DIVULG 31/05/2017 PUBLIC 01/06/2017).

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Segundo esse novel entendimento, ficou assegurado que os honorários contratuais também possuem natureza alimentar, portanto, por igual motivo dos sucumbenciais podem ser “destacados”, “individualizados” ou “desmembrados” do valor dito principal da causa, que é objeto do precatório ou da requisição de pequeno valor.

Por esse entendimento, repito, considerando a evidente natureza alimentar dos honorários advocatícios contratuais, além da inexistente distinção entre eles e os honorários sucumbenciais no teor da Súmula Vinculante referida, não há que se fazer tal interpretação restritiva, diminuindo o alcance da benesse. Seguindo ainda a argumentação do Ministro Barroso, “(...) A jurisprudência sobre a matéria encontra-se fundada em duas das características da verba honorária: (i) a autonomia do crédito em relação àquele devido à parte patrocinada, por pertencer a um outro titular; e (ii) a natureza alimentar da parcela”. Ressalta o Ministro, também que a proposta da Súmula foi feita pela Ordem dos Advogados do Brasil embasada nos artigos 22, §4º e 23 ambos da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia72), que tratam, respectivamente, dos honorários contratuais, sucumbenciais, além do arbitramento judicial.

Afora isto, o Ministro Roberto Barroso recorda na decisão que, durante os debates para a aprovação da Súmula nº 47, não foi acolhida a sugestão da Procuradoria-Geral da República no sentido de manter no texto apenas os honorários advocatícios incluídos na condenação73.

72 – “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. (…) § 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou. (...)Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”73 – “(...) O alcance dos honorários contratuais pela Súmula Vinculante 47 pode ser deduzido do seu próprio texto, que contempla “honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor”. A expressão em destaque claramente remete ao § 4º do art. 22 da Lei nº 8.906/1994. Observe-se ainda que, nos debates para a aprovação da Súmula Vinculante, não foi acolhida a sugestão da Procuradoria-Geral da República, no sentido de manter no texto apenas os honorários advocatícios incluídos na condenação, com explícita remissão apenas ao art. 23 do Estatuto da OAB. (...)”

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Portanto, seguindo a disposição contida na Súmula Vinculante nº 47, corroborado por este novo entendimento monocrático, perfeitamente viável à inclusão dos honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais, os quais poderão ser individualizados e destacados para expedição do precatório ou requisição de pequeno valor em favor exclusivo do advogado e, portanto, em instrumento distinto ao expedido em favor da parte credora do valor dito principal, mesmo que a execução seja conjunta.

Não se olvida, por evidente, a existência de decisões em sentido contrário, inclusive do próprio Supremo Tribunal Federal, como os entendimentos da Ministra Rosa Weber, Relatora da Reclamação nº 26.241 e do Ministro Edson Faccin, na Reclamação nº 26.243. Contudo, seguindo a argumentação do Ministro Barroso, a nova corrente vem se orientando no sentido de que é direito dos advogados a defesa de seus créditos alimentares, sejam eles respaldados por decisão judicial ou mesmo de relação contratual.

Sendo assim, na situação de individualização do valor em execução para expedição do precatório ou RPV, não há qualquer vedação constitucional ou legal, pois, consoante esclarecido, os valores são distintos (crédito da parte exequente e honorários advocatícios) e pertencem a pessoas distintas.

Desta feita, afinal, tem direito o advogado de receber os honorários sucumbenciais e contratuais diretamente da Fazenda Pública, via requisição de pequeno valor ou precatório, individualizando tais parcelas do crédito do seu cliente, se assim aquele desejar, ou, se já expedido, ser possível o desmembramento.

Não há se confundir a individualização/desmembramento dos honorários advocatícios em hipóteses equivalentes ao fracionamento do débito, haja vista que a toda evidência não se trata de violação ao disposto no artigo 100, §8º74, da Constituição Federal. Recordo que os credores são diferentes, sendo que cada um terá direito a sua ordem de pagamento, com origem diferenciada, individualmente considerada, sendo apenas ambos credores individuais do mesmo devedor, a saber, a Fazenda Pública.

Assim, basta seguir o expresso teor da disposição da Súmula Vinculante nº 47 do Supremo Tribunal Federal e os entendimentos consagrados nos julgamentos

74 – É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo.

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proferidos no Recurso Extraordinário nº 564.132/RS75 e na Reclamação nº 26.259, de Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, bem como os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, como os destacados anteriormente, para concluirmos de forma extensiva (portanto, não restritiva) em favor da expedição da requisição de pequeno valor ou do precatório de forma autônoma e individualizada, quando se trata do adimplemento dos honorários advocatícios pela Fazenda Pública, sejam sucumbenciais, recursais ou contratuais, devidos ao advogado, mesmo nas hipóteses de execução única.

II – O DESMEMBRAMENTO POSTERIOR DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS E SUCUMBENCIAIS NOS PRECATÓRIOS EXPEDIDOS NAS CONDENAÇÕES DA FAZENDA PÚBLICA.

Não é só a individualização prévia dos créditos de honorários advocatícios a questão enfrentada pelos advogados quando da apresentação do precatório. Resta a questão também tormentosa acerca da possibilidade do posterior desmembramento dos honorários, após já ter sido expedida a ordem de pagamento, especialmente no caso do precatório em que, com o decurso do tempo, o advogado venha a preencher os requisitos de preferência na percepção de seu crédito autônomo e alimentar.

Aliás, esse tema tem sido enfrentado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual não tem acolhido a tese da possibilidade do posterior desmembramento, não obstante o entendimento exposto acima do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria, em decisões por maioria de votos, como podemos ver exemplificativamente dos seguintes julgamentos:

75 – EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (RE 564132, RELATOR(A): MIN. EROS GRAU, RELATOR(A) P/ ACÓRDÃO: MIN. CÁRMEN LÚCIA, TRIBUNAL PLENO, JULGADO EM 30/10/2014, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJE-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015 EMENT VOL-02765-01 PP-00001)

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MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PÚBLICO. PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS. PRECATÓRIO. DESMEMBRAMENTO, PARA FINS DE PREFERÊNCIA. INOCORRÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO ATIVO. IMPOSSIBILIDADE. - Inexistente prova pré-constituída a acompanhar a petição inicial do mandamus apta a demonstrar que o impetrante, na condição de advogado titular de crédito relativo a honorários advocatícios sucumbenciais, tivesse promovido execução em nome próprio contra o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul a fim de receber tal verba. - Segundo entendimento firmado no 1.347.736/RS, processado como recurso repetitivo, “Sendo a execução promovida em regime de litisconsórcio ativo voluntário, a aferição do valor, para fins de submissão ao rito da RPV (art. 100, § 3º da CF/88), deve levar em conta o crédito individual de cada exequente. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público do STJ”. - Contudo, este não consiste no caso dos autos, uma vez que não há litisconsórcio ativo voluntário. - Precedentes deste Órgão Especial. SEGURANÇA DENEGADA, POR MAIORIA. (Mandado de Segurança Nº 70070658323, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Redator: Marilene Bonzanini, Julgado em 28/11/2016)MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO AUTÔNOMO OU DE LITISCONSÓRCIO ATIVO. DESCABIMENTO DO PEDIDO DE PREFERÊNCIA EM VIRTUDE DA IDADE. O entendimento adotado pela Autoridade responsável pela Central de Precatórios não desconsidera a individualização dos honorários advocatícios constantes nas requisições de pagamento e tampouco a possibilidade da execução autônoma dessa verba pelo patrono, com a expedição de precatório próprio, porém quando os honorários são requisitados juntamente com o valor principal somente o credor principal será o destinatário da preferência, não se estendendo o benefício ao advogado que não executou os honorários advocatícios em litisconsórcio ativo ou de maneira autônoma, tampouco podendo ele reclamar benefício próprio nesta hipótese. ORDEM DENEGADA, POR MAIORIA. (Mandado de Segurança nº 70069469567, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Redator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 01/08/2016)

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Verifica-se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul diverge a respeito da possibilidade do desmembramento do valor atinente aos honorários advocatícios devidos ao Procurador do crédito dito principal e sua inclusão nesta ‘categoria’, por exemplo, quando este Procurador venha a completar 60 anos de idade após a expedição da ordem de pagamento.

Cabe, no entanto, transcrever, mesmo que parcialmente, os fundamentos dos votos divergentes, não obstante minoritários ainda na Corte, pois bem representativos da controvérsia, como destacamos. Neste sentido, trechos do entendimento da Desembargadora Ana Paula Dal Bosco, expostos no Mandado de Segurança nº 70070658323, julgado na sessão do órgão especial do TJRS em 28-11-2016:

(...) A edição da súmula vinculante nº 47 pelo STF, anteriormente referida, consolidou a natureza alimentícia e a possibilidade do fracionamento da execução para pagamento em separado dos honorários advocatícios decorrentes da condenação.Portanto, tem-se a segunda premissa balizadora deste julgamento: para pagamento de créditos advindos do mesmo processo executório, porém com dois ou mais credores, deverá ser considerado o crédito individual de cada exequente para fins de submissão ao devido rito de pagamento – precatório (com a possibilidade de se incluir como crédito preferencial) ou requisição de pequeno valor - considerando a particularidade e o valor a que cada um tem direito.(...)Como acentuado no acórdão do STJ, não há necessidade de que o advogado promova em seu nome execução da verba honorária, para posterior desmembramento e submissão a rito diverso de pagamento.Sendo o advogado o titular dos honorários de sucumbência, em razão da solidariedade ativa preconizada por Cahali, ele adentra na relação jurídico-processual como litisconsórcio facultativo, sem a necessidade de sua inclusão formal no polo ativo da demanda, não havendo se falar, assim, em ausência de prova de ingresso de execução em nome próprio ou em litisconsórcio ativo.Ao se perseguir o valor total executado, se está, concomitantemente, buscando o crédito correspondente à honorária.

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Chega-se a terceira e derradeira premissa: a de que o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.347.736/RS, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC/73, consolidou a tese de que os honorários se constituem em direito autônomo do advogado, permitida a submissão a rito diverso do principal.Destarte, impedimento algum há, seja constitucional, legal ou até mesmo jurisprudencial, para que o impetrante, titular de crédito referente aos honorários advocatícios, perceba a sua parcela de forma distinta da empregada ao crédito principal. Podendo, portanto, cumpridos os requisitos do art. 100, § 2º, da CF, receber seu pagamento de forma preferencial.(...) (grifei)

A fundamentação lançada pelo Desembargador Francisco José Moesch no Mandado de Segurança nº 70069469567 segue no mesmo sentido:

(...) Ainda que não se tenha procedido à inclusão do procurador da demandante no polo ativo da ação de execução, tem este direito ao crédito referente aos honorários advocatícios sucumbenciais, pois se trata de um litisconsórcio ativo facultativo.Oportuno citar a seguinte decisão do egrégio Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. PROCESSO CIVIL. FORMULAÇÃO DE PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA HABILITAÇÃO OBJETO DO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. IMPOSSIBILIDADE. CESSÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO CAUSÍDICO. PRECATÓRIO. ESPECIFICAÇÃO DO CRÉDITO RELATIVO À VERBA ADVOCATÍCIA OBJETO DA CESSÃO DE CRÉDITO. HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO. POSSIBILIDADE.1. De acordo com o Estatuto da Advocacia em vigor (Lei nº 8.906/94), os honorários de sucumbência constituem direito autônomo do advogado e têm natureza remuneratória, podendo ser executados em nome

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próprio ou nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o causídico, o que não altera a titularidade do crédito referente à verba advocatícia, da qual a parte vencedora na demanda não pode livremente dispor.2. O fato de o precatório ter sido expedido em nome da parte não repercute na disponibilidade do crédito referente aos honorários advocatícios sucumbenciais, tendo o advogado o direito de executá-lo ou cedê-lo a terceiro.3. Comprovada a validade do ato de cessão dos honorários advocatícios sucumbenciais, realizado por escritura pública, bem como discriminado no precatório o valor devido a título da respectiva verba advocatícia, deve-se reconhecer a legitimidade do cessionário para se habilitar no crédito consignado no precatório.4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.(REsp. 1102473/RS, Corte Especial, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. em 16/05/2012, DJe 27/08/2012).(grifei)

Resta claro, pois, que a verba honorária é parcela autônoma e não acessória do valor principal, não se tratando, dessa feita, de fracionamento do valor da execução, mas de individualização de créditos autônomos. (...)Quanto ao requisito etário, considerando que o impetrante não tinha idade superior a 60 anos na data da expedição do precatório, cumpre registrar que, quando do julgamento da ADI 4357, foi declarada a inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, constante do § 2º do art. 100 da Constituição Federal, conforme se observa na ementa abaixo transcrita:

DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE

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INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º). CONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE “SUPERPREFERÊNCIA” A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDOSOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPORCIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUE COMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5º). INCONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS EM PROVEITO EXCLUSIVO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARAÇO À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV), DESRESPEITO À COISA JULGADA MATERIAL (CF, ART. 5º XXXVI), OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART. 2º) E ULTRAJE À ISONOMIA ENTRE O ESTADO E O PARTICULAR (CF, ART. 1º, CAPUT, C/C ART. 5º, CAPUT). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

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Honorários Advocatícios e Precatórios

(CF, ART. 2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT), À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE.1. A aprovação de emendas à Constituição não recebeu da Carta de 1988 tratamento específico quanto ao intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira.2. Os precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave devem submeter-se ao pagamento prioritário, até certo limite, posto metodologia que promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional nº 62/2009.3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, §2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento.

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4. A compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os

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mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário.7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.8. O regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).89. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.(ADI 4357, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014)(grifei)

Do Desembargador Rui Portanova, no Mandado de Segurança nº 70069469567, no qual foi Relator vencido:

(...) É inafastável, assim, a conclusão de que os honorários não configuram verba acessória, e que o crédito de honorários tem natureza alimentar e que por isso faz jus ao direito de preferência destinado a tais créditos.A dois, e apenas para que não pairem, no que tange à idade do impetrante, que hoje tem 71 anos de idade, relembro que o egrégio

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STF já declarou a inconstitucionalidade da expressão “na data da expedição do precatório”, quando do julgamento da ADI 4357.(...)Portanto, não é preciso ter 60 anos de idade na data de expedição do precatório, para fazer jus à preferência. O completar dos 60 anos enquanto o precatório segue pendente de pagamento dá igual direito à preferência.Em face de tudo isso, por considerar que neste caso está definitiva e cabalmente demonstrado que o advogado é parte exequente, por considerar que o crédito dele tem natureza alimentar, e porque não há impedimento de idade a obstar o reconhecimento do direito de preferência, tenho que se mostra de rigor o reconhecimento a direito líquido e certo violado, a ser garantido pela concessão da ordem postulada.(...)

Do Desembargador Otávio Augusto de Freitas Barcellos, no voto lançado no Mandado de Segurança nº 70067326454:

(...) Canotilho, ao examinar a questão, propõe a ressalva do núcleo essencial dos direitos, garantias e liberdades fundamentais inseridas na Constituição, isto é, que haja o cotejo entre valores em disputa, dentre normas da própria Constituição, onde o próprio sistema tem de buscar uma solução. Não tenho a menor dúvida de que, nesse cotejo entre o art. 100, § 2º, que instituiu como requisito para que o idoso goze da preferência, que a extração do precatório seja prévio, ou pelo menos, contemporânea ao implemento da idade. No caso, aqui se trata de uma pessoa que, no momento em que extraído o precatório, tinha cinquenta e três anos de idade. Ele jamais poderia ter pedido ou pretendido pedir, naquele momento, a extração de uma preferencial RPV pelo requisito da idade. Mas, por assim dizer, faz dezessete anos que tramita o precatório, e ele, agora, não está com sessenta anos, mas está com setenta anos. Assim mesmo, não estamos dando concretude a um mandamento constitucional, aquele do art. 230, que trata da obrigação do Poder Publico de proteção ao idoso. Ora, em não o fazendo, os direitos, as garantias

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e as liberdades previstas na Constituição se tornam letra fria, morta, inútil, em detrimento de uma norma de categoria inferior que trata do procedimento. Deixamos de ser um Tribunal para sermos uma EPTC ou um departamento, um DETRAN, onde a aplicação da lei não merece qualquer reflexão racional ou razoável. (...)Transposta a situação para o caso dos autos, o fato de alguém não haver, ainda implementado as plenas condições para o exercício de um direito fundamental, não significa a perda ou sequer a redução desse direito. No caso, condicionar o exercício de um direito fundamental ao momento da extração do precatório (tem que ter completado os sessenta anos), não é a solução adequada, data vênia. A regra do art. 100, § 2º, CF/88, não pode excepcionar e tornar letra fria normas de categoria superior, consistentes em direitos fundamentais; tais como a que trata da dignidade da pessoa humana; da que trata dos alimentos; e, a que trata do idoso. Por isso, temos de ler a norma do § 2º do art. 100 da CF/88 como uma restrição de ordem técnica, processual, não como uma norma que venha a restringir o núcleo essencial de um direito fundamental. (..)Assim que, reconhecida a natureza alimentar do crédito de honorários advocatícios sucumbenciais, importante notar que não cabe ao legislador ordinário, muito menos ao aplicador da lei, restringir a aplicação de dispositivo da Constituição, sem o risco de malferir princípios fundamentais de índole protetiva, no caso, os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CF/88); do direito social fundamental a alimentos (art. 6º, caput, da CF/88); da proteção do idoso (Capitulo VII da CF/88); e, finalmente, o princípio da salvaguarda do núcleo essencial de que fala J.J. Gomes Canotilho, na sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição:(...)A solução, no caso, não prescinde de uma releitura dos fundamentos do direito à prioridade no recebimento da verba de caráter alimentar e da reconstrução da jurisprudência então dominante, a fim de dar concretude e eficácia das normas programáticas da Constituição Federal de 1988 que não convivem com a exceção instituída pela digna autoridade dita coatora, no caso em comento.Eventual dificuldade de natureza burocrática não justifica a aplicação da exceção instituída pela digna autoridade apontada como coatora

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à execução dos honorários de sucumbência, verba com reconhecido caráter alimentar, direito social fundamental (artigo 6º, caput, da Constituição Federal) e um dos pressupostos informadores da República Federativa do Brasil, inscrito no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, que diz com a dignidade da pessoa humana.(...)

Por conseguinte, entendo que a matéria ainda carece de melhor interpretação no Tribunal Gaúcho, especialmente frente ao próprio amadurecimento da questão junto ao Supremo Tribunal Federal e também no Superior Tribunal de Justiça, conforme exposto acima.

Parece-nos mais lógico e jurídico, diante dos termos do que prescreve o art. 100, §2º da Constituição Federal76, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 94 de 15 de dezembro de 2017, que o recebimento dos débitos com natureza alimentícia, cujos titulares tenham 60 anos ou mais de idade ou, ainda, sejam portadores de doença grave ou possuam deficiência na forma da lei, sejam pagos com preferência sobre todos os demais, até o valor equivalente ao triplo do que a lei atribui às requisições de pequeno valor, a depender de cada Fazenda Pública, inclusive, com possibilidade de fracionamento para esta hipótese.

Importa recordar que o Supremo Tribunal Federal, na ADI 4357, de relatoria do Ministro Ayres Britto77, já declarou a inconstitucionalidade da disposição antes existente, em razão da redação fornecida ao §2º do art. 100 pela EC nº 62 na ocasião que limitava a benesse àqueles que tivessem a idade de 60 anos ou mais apenas ‘na data da expedição do precatório’, haja vista que ultraja a isonomia do artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Segundo suas palavras, (…) A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, §2º, da CF, com redação

76 – Art. 100. (…)§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.77 – ADI 4357, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014.

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dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento. (...)

Em decorrência de todo o exposto, diante do caráter alimentar dos honorários advocatícios sucumbenciais e contratuais, entendo viável o desmembramento posterior dos valores expressos nos precatórios ou requisições de pequeno valor, do crédito dito principal devido às partes litigantes pelas Fazendas Públicas, haja vista que são credores e os créditos diferentes. E, afora isto, entendo também perfeitamente possível a inclusão, tanto do crédito da parte processual (figura do advogado) que vier a preencher os critérios de preferência no recebimento daquele, nos moldes do estabelecido no art. 100, §2º da Constituição Federal, mesmo após a expedição da ordem de pagamento.

É necessário, diante da nova Ordem Constitucional do Direito, pensar e interpretar os institutos visando cada vez mais sua efetividade no mundo dos fatos, além da necessária celeridade processual, primando, sempre, pela isonomia entre as situações e a vista do brocado da dignidade da pessoa humana. É o que se objetiva com a presente reflexão, que não pretende esgotar o assunto, mas apenas iniciar as discussões frente às últimas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

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GRATUIDADE, PARCELAMENTO OU REDUÇÃO NA TAXA JUDICIÁRIA ÚNICA78 CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CONCESSÃO À PESSOA FÍSICA

Jovair Locatelli

PARTE GERAL

O Código de Processo Civil de regência, além de outras tantas novidades que propiciou, trouxe em seu bojo a regulação da Gratuidade da Justiça, destinada a garantir o acesso à Justiça àqueles com insuficiência de recursos para pagar taxa judiciária única79, despesas processuais e honorários advocatícios. É bem verdade que alguns dispositivos da Lei 1.060/50 ainda encontram-se vigentes. Todavia, fato é que esta lei foi praticamente toda derrogada com a validade do novo diploma processual.

Desta forma, atento ao texto processual em vigor, verifico que dois foram os intentos do legislador: 1) continuar obtendo, mesmo que parcialmente, recursos de maneira direta junto aos litigantes; 2) conceder a gratuidade da justiça integral tão somente a quem realmente dela necessita. Em outras palavras, quem nada pode, nada paga. Quem pouco pode, pouco paga e quem realmente pode, tudo paga. Essa evolução aproximou a dinâmica processual da realidade brasileira.

E mais, afora a ultrapassada dicotomia80 entre a concessão e a não concessão da Gratuidade da Justiça inovou-se, trazendo não só a possibilidade da concessão tradicional do benefício da Gratuidade de Justiça81, mas também

78 – A Lei Estadual nº 15.016, que alterou a Lei nº 14.634 trata o tema com a expressão “Taxa Única”.79 – Taxa Judiciária única é a denominação que a legislação Estadual do Rio grande do Sul atribuiu as custas judiciais.80 – Com a nova redação, deixamos de ter as duas hipóteses extremas de conceder ou não o benefício. Na dinâmica do CPC de 1973 é tudo ou nada (all or nothing) enquanto perante o CPC de 2015, caso demonstrado que não tem condições, ganha a gratuidade para um determinado ato (mas paga um pouco). Ainda, pode ganhar um redução, ou se o redução não for suficiente, pode-se usufruir do brasileiríssimo parcelamento.81 – BENEFÍCIO DA GRATUIDADE. Também se diz benefício da Justiça gratuita. É concessão do Direito Processual outorgada a toda pessoa que não esteja em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio e do de sua família. (...)O benefício é concedido para todas as instâncias. É de caráter personalíssimo, pelo que não se transmite aos herdeiros do beneficiado, se morre no correr do processo. (Silva, De Plácido e Vocabulário Jurídico / atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes – 31. ed. – Rio de Janeiro:Forense, 2014).

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a ampliação do conceito. Inclusive, a previsão do art. 98 do CPC vai ao encontro do princípio incutido no art. 5º, LXXVII da Constituição Federal em que o “Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Segundo Elpídio Donizetti,82, “em nome do acesso à Justiça, o legislador instituiu benefícios aos que necessitam recorrer ao monopólio do Estado (jurisdição), mas que não possuem condições de arcar com os ônus decorrentes do processo. (...) O dispositivo constitucional instituiu dois instrumentos de promoção do acesso à Justiça, que são comumente confundidos ou tomados como sinônimos: a assistência judiciária e a gratuidade judiciária, esta também denominada justiça gratuita.”

A partir daí, pode-se dizer que a Gratuidade da Justiça se manifesta (principalmente) no Codex Processual Brasileiro nos artigos 98 e 99, in verbis:

Da Gratuidade da JustiçaArt. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.§ 1º A gratuidade da justiça compreende:I - as taxas ou as custas judiciais;II - os selos postais;III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;

82 – Donizetti, Elpídio Novo Código de Processo Civil comentado – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, pág. 171);

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Gratuidade, Parcelamento ou Redução na Taxa Judiciária Única Critérios Objetivos para Concessão à Pessoa Física

IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.§ 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.§ 4º A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.§ 7º Aplica-se o disposto no art. 95, §§ 3º a 5º, ao custeio dos emolumentos previstos no § 1º, inciso IX, do presente artigo, observada a tabela e as condições da lei estadual ou distrital respectiva.§ 8º Na hipótese do § 1º, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6º deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento.Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

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§ 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.§ 6º O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos.§ 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento.

Então, podemos sintetizar dizendo que temos as seguintes hipóteses: a) concessão da gratuidade (art. 98, “caput” c/c § 1º e seus incisos); b) concessão da Gratuidade para determinado ato (art. 98, § 5º, primeira parte); c) concessão de redução (art. 98, § 5º, segunda parte); d) concessão de parcelamento (art.98 § 6º); e) custas ao final (art. 11, §1º da Lei Estadual instituidora da Taxa única de Serviços Judiciais, nº 14.634/1483); f) indeferimento da gratuidade da Justiça. Todas essas

83 – § 1º O magistrado poderá conceder direito ao parcelamento do pagamento da taxa que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento ou, ainda, facultar o pagamento ao final do processo, para pronta quitação em 30 (trinta) dias, sob pena de protesto e inclusão nos cadastros de restrição de crédito. (Parágrafo acrescentado pela Lei Nº 15016 DE 13/07/2017).

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Gratuidade, Parcelamento ou Redução na Taxa Judiciária Única Critérios Objetivos para Concessão à Pessoa Física

variantes derivam diretamente da natureza jurídica do instituto da Gratuidade da Justiça, que busca assegurar o direito fundamental de acesso à Justiça84.

Quando o magistrado analisar o pedido de gratuidade, deverá primeiramente ater-se sobre a real necessidade da parte. Dessa forma, a primeira questão a ser sopesada é: A parte realmente é pessoa necessitada? Sim ou não. Binário. Se é necessitada, deve haver a concessão do beneplácito. Incontroverso.

Não sendo destinatária do benefício, deve haver a análise acerca da possibilidade de ser operada “redução” na “taxa judiciária única”. Uma redução pode ser a solução? Esta deve ser a pergunta. Se sim, deve haver a redução da taxa judiciária única, que não pode desonerar totalmente a parte (Ex. redução de 70%), e que também não deixe de proporcionar recursos diretos ao Poder Judiciário.

Caso a redução não seja o caminho ou a solução, pois a parte apresenta uma situação financeira difícil mas momentânea (crise, por exemplo), poder-se-á conceder o parcelamento da taxa judiciária única que, inclusive, pode ter como marco inicial (primeira parcela) ao final do processo.

Não há um número específico de parcelas previsto pela Legislação. Todavia o Juiz deve ter em mente o real valor da taxa judiciária única e, com base nas declarações de imposto de renda ou capacidade de pagamento, verificar, com fundamento na proporcionalidade, o número de prestações.

Caso houver o inadimplemento de uma das parcelas, revogar-se-á integralmente o parcelamento, determinando o pagamento da integralidade da taxa judiciária única, abatido o montante eventualmente pago, podendo ser utilizado o “protesto e a inclusão nos cadastros de restrição de crédito”85.

Um enfoque dado pelo CPC é o de que o Poder Judiciário tem um custo e o que se constata é que ao passo que o número de processos aumenta, a participação do Poder Judiciário perante os orçamentos estatais (na maioria dos Estados) diminui.

Essa realidade não é diferente da vivenciada no Rio Grande do Sul. Desta feita, concedendo o Beneplácito a tão somente quem necessitar, estar-se-á garantindo parte do custeio do próprio Poder Judiciário Estadual.

84 – Pag 74; Câmara, Alexandre Freitas O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.85 – Art. 11 da Lei Estadual 14.634/14: § 1º O magistrado poderá conceder direito ao parcelamento do pagamento da taxa que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento ou, ainda, facultar o pagamento ao final do processo, para pronta quitação em 30 (trinta) dias, sob pena de protesto e inclusão nos cadastros de restrição de crédito. (Parágrafo acrescentado pela Lei Nº 15016 DE 13/07/2017).

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BALIZAS PARA SUA CONCESSÃO

A Gratuidade da Justiça num conceito simplificado é a concessão do Direito Processual outorgada a toda pessoa que não esteja em condições de pagar as despesas do processo, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família.

No conceito de necessidade (do latim necessitas, indigência, extrema pobreza), pode ser considerada no sentido de estado de penúria, estado de miserabilidade, em que se encontra a pessoa, por não possuir recursos para arcar com as despesas do processo sem prejuízo da própria mantença, alimentação ou satisfação das menores coisas, de que precisa para viver como ser humano.

Nesse viés, o Código de Processo Civil, em seus artigos 98 a 102, revogando parcialmente a Lei nº 1.060 de 05/02/1950 com a redação dada pela Lei nº 7.510, de 04/07/1986, disciplina a gratuidade da justiça aos necessitados. Apesar da previsão do §3º, do art. 99 do CPC, que refere “presumir-se” verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural, é admissível ao magistrado86 e 87 exigir

86 – Nesse sentido, é o entendimento recente do Tribunal da Cidadania: PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. EXAME DA CONDIÇÃO FINANCEIRA PELO MAGISTRADO. POSSIBILIDADE. 1. O art. 4º, § 1º, da Lei n. 1.060/1950, à época de sua vigência, e o art. 99, § 3º, do CPC/2015 estabeleceram presunção relativa de veracidade à declaração de hipossuficiência financeira das pessoas físicas que pleiteiam a concessão do benefício de gratuidade de justiça. 2. Na falta de impugnação da parte ex adversa e não havendo, nos autos, indícios da falsidade da declaração, o órgão julgador não deve exigir comprovação prévia da condição de pobreza. 3. Havendo dúvidas quanto à veracidade da alegação de hipossuficiência, o atual posicionamento jurisprudencial desta Corte é no sentido de que "as instâncias ordinárias podem examinar de ofício a condição financeira do requerente para atribuir a gratuidade de justiça, haja vista a presunção relativa da declaração de hipossuficiência" (AgInt no REsp 1.641.432/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 04/04/2017). 4. Hipótese em que o recurso especial encontra óbice nas Súmulas 7 e 83 do STJ, tendo em vista que o Tribunal de Justiça indeferiu o benefício porque a renda da parte requerente poderia suportar os ônus do processo. 5. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 793487 PR 2015/0260051-9, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 22/08/2017, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2017)(Grifei);87 – Exemplo desse entendimento também utilizado pelo Egrégio Tribunal de Minas Gerais: AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUSTIÇA GRATUITA - ART. 98 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI 13.105/15)- PESSOA FÍSICA - DECLARAÇÃO DE POBREZA - PRESUNÇÃO "IURIS TANTUM" DE VERACIDADE - ART. 99, § 3º, DO CPC - POSSIBILIDADE DE CONDICIONAR A CONCESSÃO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA À COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA - ART. 99, § 2º, DO CPC - PRECEDENTE DESTE TRIBUNAL FIRMADO EM INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - NECESSIDADE DO BENEFÍCIO NÃO DEMONSTRADA - INDEFERIMENTO - MANTENÇA DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, COM FULCRO NO ART. 932, IV, C, DO CPC - AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. - Nos termos do art. 98 do CPC, "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à

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Gratuidade, Parcelamento ou Redução na Taxa Judiciária Única Critérios Objetivos para Concessão à Pessoa Física

a efetiva comprovação, com documentos idôneos e fixar parâmetros de presunção da necessidade88 para concessão do benefício, nos termos do disposto na parte final do §2º do art.99 do CPC89, c/c o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal90.

gratuidade da justiça". - Assim como no sistema anterior, no hodierno, adotado pelo Código de Processo Civil, em conjunto com a Lei 1.060/50, que não foi totalmente revogada por aquele, a declaração de pobreza firmada por pessoa natural possui presunção "iuris tantum" de veracidade, sendo que, inexistindo provas ou indícios da suficiência financeira da pretendente, a concessão dos benefícios da justiça gratuita é medida imperativa (art. 99, § 3º, do CPC). - Contudo, tal regra não é absoluta, visto que comporta exceções, podendo o juiz, diante de elementos que evidenciem que o requerente possui condições de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios, indeferir a gratuidade judiciária, devendo, antes disso, determinar a comprovação dos rendimentos auferidos (art. 99, § 3º, do CPC). Nesse sentido, o entendimento pacífico deste Tribunal, firmado no acórdão proferido no incidente de uniformização de jurisprudência nº 1.0024.08.093413-6/002. - Caracterizado o descumprimento da diligência determinada de ofício, a fim de que a parte comprovasse sua real condição fin anceira, reputa-se correto o indeferimento da justiça gratuita. - Se o recurso é contrário a entendimento firmado em incidente de uniformização de jurisprudência, que, a exemplo dos hodiernos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência, insere-se no microssistema de formação concentrada de precedentes vinculantes ou obrigatórios, deve ser mantida a decisão do relator que, com fulcro no art. 932, IV, alínea c, do CPC, negou-lhe provimento. - Agravo interno desprovido. (TJ-MG - AGT: 10000160456604002 MG, Relator: Eduardo Mariné da Cunha, Data de Julgamento: 27/09/0016, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/10/2016) 88 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO REVISIONAL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. PARCELAMENTO DAS DESPESAS PROCESSUAIS. POSSIBILIDADE. - Diante da previsão expressa do art.98, § 6º, do CPC em regência, da possibilidade do parcelamento das custas, despesas e honorários, é imperioso rever os critérios até então adotados para a concessão da gratuidade total ou se é caso de deferir o parcelamento ou, em última hipótese, seu indeferimento. - Ausente efetiva comprovação do direito ao benefício à gratuidade da justiça, esta é indeferida. - Assim o é, pois: i) tendo a parte renda/receita mensal líquida (bruto menos despesas legais obrigatórias) abaixo de 03 Salários Mínimos, presume-se a necessidade para a concessão da gratuidade; ii) a partir de renda mensal de 03 Salários Mínimos até 10 Salários Mínimos, não tem direito a presunção do recebimento da gratuidade plena, mas tão somente o direito ao parcelamento; iii) independente da renda / receita mensal, mas sendo o valor a ser despendido em adiantamento no processo, em uma única parcela, passível de prejudicar sua manutenção mensal, faz jus ao parcelamento que não comprometa mais 10% do valor da renda/receita líquida do requerente do benefício, iv) acima de 10SM de renda/receita mensal e nenhum outro comprometimento legal e involuntário não ter direito nem ao benefício da gratuidade e nem do parcelamento. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO, PARA CONCESSÃO DO PARCELAMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70073220758, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 05/04/2017)89 – § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.90 – Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (grifo nosso)

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Formulado o requerimento por pessoa natural, o juiz poderá indeferi-lo “se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade”. Em palavras mais simples, deve-se ter presente que embora exista a presunção legal de hipossuficiência econômica em favor da pessoa natural que afirme não ter condições de arcar com o custo do processo, pode haver nos autos elementos que tenham força probatória apta a afastar tal presunção iuris tantum.

Um exemplo que se enquadra nessa explicação se dá quando o autor postula a concessão da Gratuidade de Justiça em processo em que se pretende discutir contratos cujos valores por ele assumidos são elevados, especialmente aqueles em que tenha havido financiamento de parcelas de valor elevado por instituições financeiras (afinal, é notório que as instituições financeiras fazem diversas exigências para conceder crédito). Nesses casos, não poderá o juiz indeferir o benefício, devendo – justificadamente – determinar ao requerente que comprove, já que afastada a presunção, não ser capaz de arcar com o custo do processo91.

Outro exemplo de tendência a ser utilizada pelo Egrégio TJ/RS remonta à decisão exarada pelo Juiz Marco Antônio Preis, da Comarca de Cerro Largo, que negou a concessão da Gratuidade da Justiça a um homem cujo perfil no Facebook revela atividades que contrariam declaração de pobreza ou de necessidade econômica. Disse o douto Magistrado que “colhe-se do perfil do requerente na rede social Facebook, aberto para todos, que se apresenta em diversas viagens pela serra gaúcha e pelo litoral gaúcho, ostentando objetos caros (óculos, relógios, celulares), em mesas de restaurantes e em bares, dizendo expressamente: ‘Mas não é que a boa fase chegou e é nela que eu vou continuar’”. Para o Juiz, a boa fase do homem - executado em processo em que se discutem alimentos - “não condiz com seu comportamento processual”. O julgador também citou foto do autor do pedido de gratuidade, alegadamente desempregado, na direção ao caminhão em que trabalha. Citou que em uma das imagens, em um badalado bar na praia de Atlântida, a legenda é “O maior erro dos espertos é achar que podem fazer todos de otários”. Acrescentou que a assistência e a gratuidade judiciária são direitos fundamentais importantes, devendo ser limitados àqueles que comprovem a hipossuficiência de recursos, “e não aos que se utilizam de artifícios para se esquivar de seus deveres”92.

91 – Câmara, Alexandre Freitas O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017; Pag 74;92 – http://www.tjrs.jus.br/site/imprensa/noticias/?idNoticia=41609 ; Acesso em 20/02/2018;

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Gratuidade, Parcelamento ou Redução na Taxa Judiciária Única Critérios Objetivos para Concessão à Pessoa Física

Nesse mesmo caminho, destaco que outros Tribunais desta Federação vêm se utilizando das redes sociais para auferir a real necessidade da concessão do beneplácito, até mesmo porque a Gratuidade da Justiça está relacionada à probidade e lealdade processual93 e 94. Para tanto, o Magistrado deve valer-se da Teoria da Aparência95.

Todavia, o indeferimento da Gratuidade da Justiça pleiteado não poderá ocorrer antes de ser determinado que a parte comprove que preenche os pressupostos para a concessão ou afaste a aparência de possuir condições não oficialmente declaradas, ocultas ou incompatíveis com a própria causa de pedir. Aliás, é o que prevê o art. 99, § 2º, do CPC.

Ademais, destaco que o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no dia 08 de agosto de 2017, aprovou enunciado normativo

93 – JUSTIÇA GRATUITA. Revogação dos benefícios. Ação que tem por objeto a rescisão de contrato de compra e venda de sociedade empresarial. Concessão da gratuidade da justiça que já foi apreciada por esta Corte quando do julgamento do AI nº 0244632-16.2012.8.26.0000. Ausência de comprovação da alteração do quadro econômico-financeiro do agravante. Apresentação das declarações do IRPF referentes apenas aos exercícios 2009, 2010 e 2012. Insuficiência da alegação de hipossuficiência. Presunção juris tantum de pobreza (§ 3º do art. 99 do CPC/15) desfeita no caso concreto. Agravante que, ademais, divulga nas redes sociais que exerce a profissão de "professor" em quatro empresas distintas. Benefício indeferido. AGRAVO DESPROVIDO, revogado o efeito suspensivo. (TJ-SP - AI: 20438966920178260000 SP 2043896-69.2017.8.26.0000, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 18/04/2017, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 18/04/2017); Justiça gratuita – Impugnação – Revogação do benefício – Existência de sérios indícios de capacidade econômica – Agravante que não juntou qualquer documento que demonstrasse a sua situação financeira atual – Declaração de pobreza que tem veracidade relativa, podendo ceder às provas produzidas pela parte contrária – Agravante que ostenta aparente conforto financeiro, não tendo feito contraprova às provas apresentadas pela agravada – Embargos de terceiro que não se enquadram em nenhuma das hipóteses do art. 5º, I a IV, da Lei Estadual 11.608/2003 – Incabível o diferimento do recolhimento das custas para o final da demanda - Agravo desprovido. (TJ-SP - AI: 21287087820168260000 SP 2128708-78.2016.8.26.0000, Relator: José Marcos Marrone, Data de Julgamento: 30/11/2016, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/12/2016);94 – Haverá dolo processual sempre que uma das partes, agindo sem observar o dever de lealdade e de boa-fé, tentar influir no convencimento do julgador para obter um resultado que lhe seja favorável. Câmara, Alexandre Freitas O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017; Pag 401;95 – TEORIA DA APARÊNCIA. Decorre a aplicação da teoria da aparência de uma determinada situação de fato que exterioriza uma situação jurídica não verdadeira, mas cuja aparência é capaz de produzir efeitos jurídicos em favor de quem, estando de boa-fé, podia legitimamente esperar de tal situação fática os efeitos devidos. Por exemplo, o pagamento putativo, referido no Cód. Civil/2002, art. 309 (Cód. Civil/1916, art. 935), tem a sua validade decorrente da teoria da aparência (Silva, De Plácido e Vocabulário Jurídico– 31. ed. – Forense, 2014).

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definidor de critérios objetivos para concessão de gratuidade judiciária para a pessoa natural, nos seguintes termos:

Enunciado nº 49: O benefício da gratuidade judiciária pode ser concedido, sem maiores perquirições, aos que tiverem renda mensal bruta comprovada de até (5) cinco salários mínimos.

Neste prisma, perante o TJRS é dominante o entendimento que considera possível a concessão da Gratuidade da Justiça à pessoa natural que comprovar renda bruta inferior a CINCO SALÁRIOS MÍNIMOS NACIONAIS, sem necessidade de outras perquirições, salvo, é claro, se tal renda declarada for incompatível com outras condições presentes nos autos. É evidente que, nos casos em que a renda for superior ao critério adotado, mas o requerente demonstrar o seu comprometimento por situações involuntárias ou legais que justifiquem a ausência de recursos e sua condição de necessidade, o benefício poderá também ser concedido, pois sempre prevalecerá o caso concreto, conforme o critério econômico96.

Todavia, mostra-se perfeitamente ágil à parte, ao fazer o pedido de concessão do beneplácito, desde o pedido comprovar a real impossibilidade de pagar, o que permite dizer que a impossibilidade é econômica. Desta feita, a análise deve ocorrer sobre documentos que expressem em números a real necessidade da concessão do benefício ou as demais aparências de existências de recursos ocultos, como já referidos.

96 – Exemplo de situação excepcionalíssima, apta ao deferimento da Gratuidade da Justiça, mesmo com renda superior ao estipulado pelo Centro de Estudos: “Do exame do conjunto fático-probatório verifica-se a presença de elementos que autorizam a concessão do benefício da gratuidade. Partindo da análise dos documentos acostados, verifico que, a parte requerente tem duas filhas e possui gastos mensais com educação (fls.118-130), com medicação e tratamentos diversos (fls.131-298). Inclusive, uma das filhas da requerente foi hospitalizada com lesões na face, exigindo intervenção cirúrgica (fls.270-274). Ainda, uma das filhas é acometida de asma e epilepsia, necessitando de uso contínuo de medicação e companhamento médico (fl.262 e fls.270-274). Assim, em que pese o salário da requerente supere os cinco salários mínimos (fl.58 - R$ 6.422,94), entendo que a condição da requerente e de seus filhos é situação excepcional e, realmente, a cobrança do valor das custas pode, sim, impactar e prejudicar o sustento da família. Portanto, defiro o pedido de gratuidade da justiça, em observância aos princípios constitucionais e infraconstitucionais de igualdade e de livre acesso à jurisdição”. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. (...) Agravo de Instrumento Nº 70074472572, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 26/09/2017;

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DA CONCESSÃO DA GRATUIDADE PARA DETERMINADO ATO

A Lei agora permite que o Juiz, module o beneplácito da Gratuidade da Justiça. Tanto o é, que agora pode ser concedido o benefício a um, a alguns ou a todos os atos do processo. Ele controla quais os atos podem ser abrangidos pela gratuidade. O juiz, além de ser o Juiz das provas, também o é na aferição da real necessidade econômica.

Assim, se está garantindo à parte necessitada demandar pela concessão da Gratuidade em sentido lattu sensu ou, conforme o caso, pleitear, por exemplo, o parcelamento das despesas processuais, não havendo impedimento de que o magistrado lance mão de qualquer outra das possibilidades previstas no artigo 98 do CPC. E mais, o Juiz poderá fundamentadamente alternar entre as opções previstas no artigo 98 do CPC, sem que haja a ocorrência de vício insanável (sentença extra, citra ou ultra petita). Isso é um tremendo avanço, tendo em vista que muitas vezes a parte não é totalmente necessitada.

A novidade tende a adequar o instituto às necessidades das partes, que podem muitas vezes não ter condições de arcar com, tão somente, um ato processual (perícia de uma área cuja parte pretenda usucapir) e não com todos os que se fizerem necessários.

DA REDUÇÃO

A redução promovida em uma dívida, ou obrigação, se dá pelo pagamento antecipado, em uma só vez. É uma bonificação pelo pagamento à vista. Se a redução ajudar, deve ser concedida desde que comprovada a sua ‘utilidade’ na situação econômica da parte.

Assim, o artigo 98, § 5º do CPC tem enorme importância processual e material, pois evita que aquele que tem algum dinheiro para pagar as despesas do processo usufrua do benefício integralmente ou tenha a gratuidade totalmente negada.

Todavia, para ser cotejada tal redução, a parte deve ter meios/renda para o pagamento da taxa judiciária única e o magistrado não pode desonerá-la totalmente. Também não pode deixar de remunerar corretamente as despesas que der causa ao ajuizar a demanda. Deve haver um equilíbrio na concessão da redução.

Neste prisma, deve ser estabelecida uma margem para que se possa trabalhar com a ideia de redução. Acredito que o patamar de redução não deve

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ultrapassar os 40%, sob pena de tornar a redução inócua e mais razoável conceder a Gratuidade97, pois também seria incompatível com um dos pilares fundamentais do NOVO CPC, qual seja, da remuneração da atuação judicial do Estado por quem, comprovadamente não for necessitado.

DO PARCELAMENTO

O parcelamento é uma realidade tipicamente brasileira para se dividir em prestações determinadas compras que não seriam passíveis de pagamento em uma única vez98 e 99 podendo, inclusive, ser determinado/concedido de

97 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO NA SUA INTEGRALIDADE. Embora autorizada a concessão da gratuidade da justiça parcial, conforme previsto no art. 98, §5º, do CPC, tal medida não se aplica quando o beneficiário enquadrar-se nos requisitos para concessão do benefício em sua integralidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70076333749, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 11/01/2018)98 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NÃO COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. CONCESSÃO DO PARCELAMENTO. - Diante da não comprovação concreta da situação econômica atual da parte agravante, encargo probatório que lhe cabia, não tem direito à gratuidade da justiça. - Diante da situação exposta nos autos, possível o parcelamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, na forma do artigo 98, § 6º, do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. (Agravo de Instrumento Nº 70076587476, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 09/02/2018)99 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NÃO COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. CONCESSÃO DO PARCELAMENTO. - Havendo comprovação de renda mensal bruta superior a cinco salários mínimos nacional, presume-se a suficiência econômica, não tendo direito à gratuidade da justiça. - A parte que comprovar renda mensal entre cinco e dez salários mínimos nacional, tem direito, sem qualquer outra perquirição, tão somente ao parcelamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, na forma do artigo 98, § 6º, do CPC. - Acima dos patamares fixados para as concessões da gratuidade ou do parcelamento sem necessidade de outras perquirições, só terá direito ao referidos benefícios se comprovar o efetivo comprometimento da renda por situações involuntárias ou legais que justifiquem a ausência de recursos para reconhecimento da sua condição de necessidade ou do direito ao parcelamento, pois sempre prevalecerá o caso concreto. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. (Agravo de Instrumento Nº 70076476712, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 30/01/2018)

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Gratuidade, Parcelamento ou Redução na Taxa Judiciária Única Critérios Objetivos para Concessão à Pessoa Física

ofício100. É algo presente na vida do brasileiro hodiernamente. O pagamento da taxa judiciária única representa uma boa inovação ao ponto que permite que a taxa judiciária única seja parcelada em diversas vezes. Óbvio que a proporcionalidade também deve ser respeitada no que toca ao número de parcelas.

Conforme a necessidade, deve haver mais ou menos parcelas. Assim, assumo que, embora não haja previsão legal, deve haver um mínimo e um máximo de parcelas.

Um mínimo de duas parcelas é imposto pela própria lógica. Com apenas uma parcela estar-se-ia indeferindo a concessão da própria Gratuidade, determinando o recolhimento da totalidade da taxa judiciária única.

Doutrabanda, deverá haver como regra, um número máximo de parcelas. Não pode haver a concessão teratológica do parcelamento em 100 vezes, por exemplo. Neste caso, o correto é que se conceda, como regra, o parcelamento em, no máximo, 10 vezes, desde que comprovada a real necessidade. Ainda, caso utilizado o parcelamento e a primeira parcela se dê in continenti, acaba por permitir ao juiz suprir eventual necessidade de um adiantamento de despesas no processo. Isso pode ocorrer quando a parte não for necessitada, mas não pode pagar em apenas uma vez, resolvendo a urgência de recursos financeiros para pagamento de alguma despesa imediata do processo. Poderá o magistrado resolver essa equação, determinando o parcelamento da taxa judiciária única, com o vencimento da primeira parcela in continenti.

100 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCA DE DÉBITO. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NÃO COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. CONCESSÃO DO PARCELAMENTO. - Havendo comprovação de renda mensal bruta superior a cinco salários mínimos nacional, presume-se a suficiência econômica, não tendo direito à gratuidade da justiça. - A parte que comprovar renda mensal entre cinco e dez salários mínimos nacional, tem direito, sem qualquer outra perquirição, tão somente ao parcelamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, na forma do artigo 98, § 6º, do CPC. - Acima dos patamares fixados para as concessões da gratuidade ou do parcelamento sem necessidade de outras perquirições, só terá direito ao referidos benefícios se comprovar o efetivo comprometimento da renda por situações involuntárias ou legais que justifiquem a ausência de recursos para reconhecimento da sua condição de necessidade ou do direito ao parcelamento, pois sempre prevalecerá o caso concreto. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. (Agravo de Instrumento Nº 70076322817, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 10/01/2018)

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DA IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO ENTRE A REDUÇÃO E O PARCELAMENTO DA TAXA JUDICIÁRIA ÚNICA

Como bem dito anteriormente, o CPC procurou aproximar-se da realidade brasileira. Assim, se formos a uma loja e pedimos redução, infere o atendente que de pronto deverá haver pagamento. No comércio, a redução (vulgo desconto), via de regra, não se coaduna com uma compra realizada de forma parcelada. São coisas distintas. A redução visa beneficiar quem pagará de pronto e o parcelamento visa protrair no tempo uma dívida, que não pode ser saldada em uma única vez. Diferentemente não funciona o novo CPC.

A concessão da redução fica condicionada ao pronto pagamento. Quando o magistrado entender pela redução, estar-se-á diante de uma pessoa física não necessitada, que pode realizar o pagamento da taxa judiciária única. Nada mais justo que o magistrado, sensível à necessidade momentânea, conceda uma redução à obrigação que deverá ser paga de uma só vez.

Caso constatado que a pessoa física possua condições, todavia, por um lapso de tempo maior de necessidade, deverá ser concedido o parcelamento ou a própria Gratuidade da Justiça.

DA TAXA JUDICIÁRIA ÚNICA AO FINAL DO PROCESSO

A taxa judiciária única ao final do processo consubstancia importante inovação pois o magistrado, verificando que a parte não é necessitada, poderá determinar que o montante da taxa judiciária única seja paga ao final para pronta quitação em 30 (trinta) dias, sob pena de protesto e inclusão nos cadastros de restrição de crédito101, também podendo ser cotejado ex officio102. Claro que o Juiz

101 – art. 11, §1º da Lei Estadual instituidora da Taxa única de Serviços Judiciais, nº 14.634/14;102 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. PESSOA FÍSICA. PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS AO FINAL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. - Não se olvida que a comprovação de renda mensal mínima é condição à concessão da gratuidade, em tese. E, no caso, há indicação de bens e negócios do recorrente incompatíveis com a renda declarada, de forma que deve ser a mesma considerada inconsistente para a prova do direito da Gratuidade. - No entanto, o agravante comprova ser devedor de expressivos valores e com dívidas em execução e a afirmação da perda de renda, o que dá indicação de não impedir o acesso ao judiciário desde logo. - Assim, diante da previsão expressa do art.98, § 6º, do CPC c/c art. 11 da Lei Estadual nº 15.016/2017, deve ser autorizado o pagamento das custas ao final do processo. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DISPOSIÇÃO DE OFÍCIO. (Agravo de Instrumento Nº 70075550699, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 22/10/2017)

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Gratuidade, Parcelamento ou Redução na Taxa Judiciária Única Critérios Objetivos para Concessão à Pessoa Física

poderá analisar a situação econômico-financeira da parte antes, durante e depois da ação.

Considerando que os herdeiros e o espólio, por exemplo, não têm disponibilidade imediata de valores, deferir-se-á o pagamento de taxa judiciária única ao final103, inclusive para o fim de não obstar o acesso à Justiça. Nesse caso, nítido é que ao final, com a partilha dos bens, os herdeiros (que antes não tinham condições de arcar com as despesas) passarão a tê-la.

CONCLUSÃO

Louvável foi a iniciativa do Legislador ao aproximar a realidade da sistemática processual à vivida pelo brasileiro no dia a dia, afastando a aferição da necessidade econômica da antiga dicotomia (era necessitado ou não era necessitado). Assim pode o magistrado cotejar da Gratuidade da Justiça, sob diferentes enfoques, que em muito se distanciam da antiga dicotomia prevista pela Lei 1.060/50 e pelo CPC de 1973.

Todavia, o fará sempre com base na real necessidade econômica da parte e na medida de Justiça que o caso (concreto) vier a demandar, sem perder de vista o leque de direitos fundamentais, a proporcionalidade e o dever de fundamentação.

Dessa forma, entendo que um critério objetivo, com relação à redução, é o de que esta nunca ultrapasse o percentual de 40%, bem como que seu pagamento seja in continenti e em uma parcela, sob pena de descaracterizar o espírito da norma. Tangente ao parcelamento, este deve ocorrer em no máximo 10 vezes, desde que comprovada a real necessidade econômica. Claro que, sem perder de vista a incompatibilidade entre o instituto da redução e o do parcelamento.

103 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. PESSOA FÍSICA. PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS AO FINAL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. - Não se olvida que a comprovação de renda mensal mínima é condição à concessão da gratuidade, em tese. E, no caso, há indicação de bens e negócios do recorrente incompatíveis com a renda declarada, de forma que deve ser a mesma considerada inconsistente para a prova do direito da gratuidade. - Assim, diante da previsão expressa do art.98, § 6º, do CPC c/c art. 11 da Lei Estadual nº 15.016/2017, deve ser autorizado o pagamento das custas ao final do processo. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMETNE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70075324954, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 26/10/2017)

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O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL PELA NÃO ENTREGA DE IMÓVEL NO PRAZO PREVISTO DA CONSTRUÇÃO E ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS

Fernanda Raquel Tomasi Chaves

I – INTRODUÇÃO

A promessa de compra e venda é considerada pela doutrina como “contrato preliminar” e está disciplinada nos artigos 462 a 465 do Código Civil.

De acordo com Darcy Bessone104 a “promessa de compra e venda é o contrato pelo qual ambas as partes, ou uma delas, se compromete a celebrar, mais tarde, o contrato de compra e venda”. Portanto, o “contrato preliminar” não é venda, mas possui como objeto a celebração de outro contrato, definitivo, que, respeitados determinados requisitos, gerará o direito real de propriedade.

No presente artigo abordaremos os problemas decorrentes dos contratos de promessa de compra e venda não cumpridos, sobretudo na hipótese de atraso na entrega de imóveis adquiridos na planta, uma vez que os tribunais estão assoberbados de intermináveis discussões dessa natureza, mormente em decorrência da instabilidade econômica brasileira.

Veremos que as construtoras incluem nos contratos diversas cláusulas que lhes são favoráveis, um exemplo é a previsão unilateral e prazo de tolerância, o que gera descontentamento pelos consumidores, que batem à porta do Judiciário buscando uma solução para o problema.

No caso, vamos abordar os pontos mais debatidos no Poder Judiciário do Rio Grande do Sul ligados ao atraso na entrega do imóvel por culpa do vendedor.

II – DA CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA PREVISTA NOS CONTRATOS

De acordo com o disposto na Lei n. 4.591/64, que versa sobre as incorporações imobiliárias, os contratos devem estipular prazo de entrega, as

104 – Definição extraída da obra de José Osório de Azevedo Jr in “Compromisso de Compra e Venda”, 5ª Edição, Revista e Ampliada, Malheiros Editores, 2006, p. 16.

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condições e formas de sua eventual prorrogação. Nesse sentido dispõe o art. 48 da referida lei:

Art. 48. A construção de imóveis, objeto de incorporação nos moldes previstos nesta Lei poderá ser contratada sob o regime de empreitada ou de administração conforme adiante definidos e poderá estar incluída no contrato com o incorporador (VETADO), ou ser contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor.(...)§ 2º Do contrato deverá constar a prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação.

A exigência contida na lei tem como escopo conferir segurança aos contratantes, motivo pelo qual os prazos devem ser projetados à execução da obra.

Um dos requisitos dos contratos de promessa de compra é a bilateralidade. No entanto, via de regra os contratos são preparados ao talante das construtoras e neles há previsão de um prazo de tolerância, previsto somente em favor da construtora, normalmente de 180 dias para além do prazo contratado para entrega da obra.

A justificativa de tal prazo é a ocorrência de imprevistos a que estão sujeitas as construções de imóveis, tais como excesso de chuvas, escassez de insumos, demora na expedição de alvarás pelos órgãos públicos e tantas outras questões burocráticas ligadas à construção do imóvel, sobretudo no Brasil onde a demasiada burocracia, não raro, obstaculiza os negócios.

Considerando que o prazo de tolerância é assunto recorrente em nossos Tribunais, importante verificar a legitimidade da cláusula contratual e as questões indenizatórias dela decorrentes.

A cláusula de tolerância tem sido objeto de muitas discussões na medida em que o construtor possui prévia ciência dos possíveis imprevistos que podem ocorrer durante a realização da obra e, portanto, deveria prever um prazo mais dilatado para a conclusão do imóvel, a fim de garantir ao consumidor a entrega do produto com pontualidade, demonstrando boa-fé.

Acerca da boa-fé objetiva dos contratos, preleciona Antônio Herman Benjamin que “a boa fé objetiva molda a nova teoria contratual, exigindo das partes a construção de ambiente de solidariedade, lealdade, transparência e cooperação”.

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Também acerca do assunto, pontua Flávio Tartuce: “Pela relação direta que mantém com a socialidade, a boa-fé objetiva também encontra fundamento na função social da propriedade, prevista nos arts. 5º, XXII e XXIII, e 170, III, da Constuitção Fedederal de 1988. A confiança contratual, aliás, é conceito ínsito à própria manutenção da ordem econômica (art. 170 da CF/1988).”

À luz do princípio geral da boa-fé e, principalmente, do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula de carência ou tolerância, prevista unicamente em prol da construtora, poderia ser considerada cláusula nula, na medida em que coloca o consumidor em desvantagem excessiva.

Ainda, o art. 927, parágrafo único, do Código Civil preceitua que haverá a obrigação de indenizar, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Assim, o diploma vigente para essas hipóteses adota a Teoria do Risco, segundo a qual aquele que, em virtude de sua atividade, cria risco de danos a terceiros, fica obrigado a reparar, sendo irrelevante que a ação do agente denote imprudência ou negligência.

A propósito Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery105 comentam o art. 927 do Código Civil:

29. Risco da atividade. A norma determina seja objetiva a responsabilidade quando a atividade do causador do dano, por sua natureza, implicar risco para o direito de outrem. É a responsabilidade pelo risco da atividade.

Destarte, segundo a Teoria do Risco, aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Nesse contexto, as construtoras, que possuem o bônus do negócio, também deveriam suportar o ônus.

Assim, parece-nos evidente que a cláusula de tolerância viola os princípios contratuais, sobretudo ao considerar que as imprevisibilidades também podem ocorrer com os adquirentes do imóvel, já que estão sujeitos à perda do emprego, doenças e tantos outros infortúnios que podem comprometer o cumprimento das obrigações assumidas com a construtora.

105 – NERY JUNIOR.Nelson e NERY. Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 5ª Ed., ampl. e atual. Revista dos Tribunais, 2007, p. 708.

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No entanto, encontra-se consolidado o entendimento jurisprudencial de que a cláusula de tolerância de até 180 dias, escrita de forma clara e prevista em prol da construtora, é válida e, por isso, não é computada para efeitos de indenização.

A título exemplificativo cito precendente do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO DA OBRA. ENTREGA APÓS O PRAZO ESTIMADO. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. VALIDADE. PREVISÃO LEGAL. PECULIARIDADES DA CONSTRUÇÃO CIVIL. ATENUAÇÃO DE RISCOS. BENEFÍCIO AOS CONTRATANTES. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. OBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAR. PRAZO DE PRORROGAÇÃO. RAZOABILIDADE.1. Cinge-se a controvérsia a saber se é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, a qual permite a prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra.2. A compra de um imóvel “na planta” com prazo e preço certos possibilita ao adquirente planejar sua vida econômica e social, pois é sabido de antemão quando haverá a entrega das chaves, devendo ser observado, portanto, pelo incorporador e pelo construtor, com a maior fidelidade possível, o cronograma de execução da obra, sob pena de indenizarem os prejuízos causados ao adquirente ou ao compromissário pela não conclusão da edificação ou pelo retardo injustificado na conclusão da obra (arts. 43, II, da Lei nº 4.591/1964 e 927 do Código Civil).3. No contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, cláusula de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra, que varia entre 90 (noventa) e 180 (cento e oitenta) dias: a cláusula de tolerância.4. Aos contratos de incorporação imobiliária, embora regidos pelos princípios e normas que lhes são próprios (Lei nº 4.591/1964), também se aplica subsidiariamente a legislação consumerista

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sempre que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família. 5. Não pode ser reputada abusiva a cláusula de tolerância no compromisso de compra e venda de imóvel em construção desde que contratada com prazo determinado e razoável, já que possui amparo não só nos usos e costumes do setor, mas também em lei especial (art. 48, § 2º, da Lei nº 4.591/1964), constituindo previsão que atenua os fatores de imprevisibilidade que afetam negativamente a construção civil, a onerar excessivamente seus atores, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos.6. A cláusula de tolerância, para fins de mora contratual, não constitui desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas. Tal disposição contratual concorre para a diminuição do preço final da unidade habitacional a ser suportada pelo adquirente, pois ameniza o risco da atividade advindo da dificuldade de se fixar data certa para o término de obra de grande magnitude sujeita a diversos obstáculos e situações imprevisíveis.7. Deve ser reputada razoável a cláusula que prevê no máximo o lapso de 180 (cento e oitenta) dias de prorrogação, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei nº 4.591/1964 e 12 da Lei nº 4.864/1965) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC).8. Mesmo sendo válida a cláusula de tolerância para o atraso na entrega da unidade habitacional em construção com prazo determinado de até 180 (cento e oitenta) dias, o incorporador deve observar o dever de informar e os demais princípios da legislação consumerista, cientificando claramente o adquirente, inclusive em ofertas, informes e peças publicitárias, do prazo de prorrogação, cujo descumprimento implicará responsabilidade civil. Igualmente, durante a execução do contrato, deverá notificar o consumidor acerca do uso de tal cláusula juntamente com a sua justificação, primando pelo direito à informação.

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9. Recurso especial não provido.(REsp 1582318/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 21/09/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL POR CULTA DO ADQUIRANTE. COMISSÃO DE CORRETAGEM. DANOS MATERIAIS E MORAIS. - Atraso da obra não verificado, uma vez que o habite-se foi expedido antes de expirado o prazo de tolerância de 180 dias previsto no contrato, prazo que não se mostra abusivo. - Rescisão do contrato motivada pela inadimplência do preço pelo comprador. Hipótese em que este possui direito a tão somente a devolução das parcelas que desembolsou para aquisição do imóvel. - A comissão de corretagem é a remuneração do corretor de imóveis, sendo devida pelo obrigado contratual. - É válida a cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação do pagamento da comissão de corretagem, se houver devida informação e efetiva prestação do serviço. Julgamento conforme REsp. 1.599.511. - Tendo em vista que a própria autora deu causa à rescisão do contrato, resta afastado os pedidos de indenização por danos materiais e morais, formulados em razão do suposto atraso na entrega da obra. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70073106569, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 27/04/2017)

Em que pese o entendimento jurisprudencial acerca da ausência de abusividade na previsão da cláusula de prorrogação de entrega do imóvel, o prazo estabelecido deve guardar razoabilidade com o tempo previsto ao implemento regular do projeto.

III – DAS CONSEQUÊNCIAS DO ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL

Na hipótese de atraso na entrega do bem imóvel o promitente comprador pode exigir a resolução do contrato, o que lhe é possibilitado pelo art. 35, III, do Código de Defesa do Consumidor e também poderá exigir do vendedor, nos termos do art. 475 do Código Civil, a entrega do bem (cumprimento da obrigação da construtora) requerendo, cumulativamente, indenização por danos materiais

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(perdas e danos) e danos extrapatrimonais, a teor do disposto nos artigos 402 e 403 do Código Civil:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

a) Dos danos materiais.O atraso na entrega do imóvel por culpa exclusiva do vendedor acarreta

a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, que se dividem em danos emergentes e lucros cessantes.

O dano emergente106 também chamado de dano positivo, importa na efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima em razão do ato ilícito; enquanto lucro cessante consiste na perda do ganho esperado, na frustração da expectativa de lucro.

Recente discussão ventilada nos tribunais pátrios diz respeito à necessidade ou não de realizar prova acerca dos lucros cessantes.

As Câmaras Julgadoras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, competentes para a análise da matéria, não são unânimes a respeito da necessidade de prova do efetivo dano. É o que se vê das ementas transcritas.

17ª Câmara Julgadora:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PERMUTA DE IMÓVEL POR ÁREA CONSTRUÍDA. ALTERAÇÃO DO PROJETO. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. DANOS MATERIAIS. DANOS MORAIS. VALOR MAJORADO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO E DÉBITO AFASTADA. DAS PRELIMINARES. (...) MÉRITO. - Descabe o pedido de anulação das escrituras públicas,

106 – CAVALIERI Filho, Sergio; Programa de Responsabilidade Civil – 12ª Ed. Rev. e Ampl. – São Paulo: Atlas, 2015, p. 104-105.

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que contêm a presunção “júris tantum” de veracidade, pois para a procedência da pretensão dos autores necessária prova inconteste da existência de vício, ônus probatório do qual não se desincumbiram. - As provas dos autos demonstram que as rés possuíam intenção de construir o empreendimento no imóvel objeto de permuta, mas por razões mercadológicas efetuaram alterações no projeto, o que ensejou o pedido de resolução pelos autores, em face da exceção de contrato não cumprido, a teor do disposto no art. 476 do CCB, pedido plenamente cabível. DANOS MATERIAIS. Multa. Mantida a condenação das rés ao pagamento da multa de 2% sobre o valor total do negócio, ante a previsão contratual expressa. Lucros cessantes São devidos alugueis ao adquirente, correspondentes ao tempo de atraso na entrega do imóvel pela construtora, a contar da data contratualmente pactuada. Precedentes do STJ.. DANOS MORAIS. Dever de indenizar caracterizado no caso em apreço, porquanto os autores tiveram suas residências destruídas pela promessa de um empreendimento imobiliário, que poderia lhes representar segurança financeira, mas foram frustrados pela tentativa das rés de modificar substancialmente o projeto inicialmente contratado. Hipótese excepcional configurada, que certamente resultou em angústia da parte autora, na forma exigida para a configuração do dano extrapatrimonial. (...) PRELIMINARES REJEITADAS. APELO DOS AUTORES PROVIDOS E DAS RÉS DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70074162645, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 26/09/2017)

18ª Câmara Julgadora:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ORDINÁRIA. DANO MATERIAL. ENTREGA DE IMÓVEL. ATRASO. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. A demora injustificada na entrega de imóvel em construção quando não demonstrada aceitação ou tolerância do comprador impõe reparação do prejuízo material. - Não provado o atraso na entrega não há que se falar em indenização pelos danos materiais. DANO MORAL. ENTREGA DE IMÓVEL. ATRASO. A compensação por dano moral exige prova de ato ilícito, demonstração

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do nexo causal e dano indenizável que se caracteriza por gravame ao direito personalíssimo, situação vexatória ou abalo psíquico duradouro e que não se justifica diante de transtornos ou dissabores da relação jurídica civil. O descumprimento contratual que dá causa à rescisão, restituição de valores e perdas e danos não é suficiente à caracterização do dano moral indenizável. LUCROS CESSANTES. O direito à indenização por lucros cessantes não tem por base o lucro imaginário ou hipotético que seria apenas a conseqüência indireta ou mediata do ato ilícito, mas o ressarcimento do que o lesado perdeu ou razoavelmente deixou de ganhar em atividade real e lesão em concreto. RECURSOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70067779686, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 10/03/2016)

19ª Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. PRESCRIÇÃO. Apesar de incidente o prazo prescricional previsto no artigo 206, §3º, IV, do CC, no que tange à comissão de corretagem, o termo inicial não pode ser a data do pagamento, mas a data em que se tornou possível ao promitente-comprador solicitar a restituição, o que, no caso sub judice, ocorreu na data em que a obra deveria ter sido entregue. Nessas condições, na hipótese dos autos, não resultou implementado o prazo prescricional, motivo pelo qual o valor pago a título de comissão de corretagem deve ser restituído ao autor, mormente porque comprovado nos autos que o pedido formulado pelo autor decorre do inadimplemento contratual, ou seja, em razão do atraso na entrega da obra, ocasionado por culpa exclusiva da ré. Comissão de corretagem. O Egrégio STJ, ao julgar o Recurso Especial nº 1.599.511-SP, sob a égide dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/73, correspondente ao art. 1.036 do NCPC), Tema 938, manifestou-se pela Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente

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informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem, o que no caso foi convencionado pelas partes. LUCROS CESSANTES. Indevidos por inexistir prova inequívoca nos autos a este respeito. DANOS MORAIS. Quantum fixado de acordo com os parâmetros de razoabilidade adotados por esta Câmara para casos semelhantes ao sub judice. Apelação improvida. (Apelação Cível Nº 70073145237, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 31/08/2017)

20ª Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA CONCLUSÃO DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. LUCROS CESSANTES. DANO EXTRAPATRIMONIAL INOCORRENTE. I. Cabível a fixação de lucros cessantes em favor do promissário comprador, durante o tempo em que a promitente vendedora permaneceu em mora, como forma de reparação pela privação de utilização do imóvel, independentemente de prova acerca da finalidade para a qual adquirido o bem. O prejuízo, no caso, é presumível. Precedentes desta Corte e do STJ. II. Na seara do pedido indenizatório, o simples inadimplemento contratual é incapaz de gerar dano de ordem extrapatrimonial. As hipóteses de indenização devem resguardar-se aos casos em que efetivamente haja dano a bem jurídico de relevância, fundamentalmente aos direitos de personalidade. Apelo parcialmente provido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70073638322, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 23/08/2017)

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que os lucros cessantes podem ser presumidos ante a não entrega de imóvel na data convencionada, conforme se infere das seguintes decisões107:

107 – E mais recentemente, nos julgamentos monocráticos do STJ, conforme se vê dos julgados REsp. 1.593.714; AREsp 922.593 e AREsp 924.830, foi mantido tal entendimento.

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EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. LUCROS CESSANTES. PREJUÍZO PRESUMIDO.1. Nos termos da jurisprudência do STJ, o atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador.2. A citação é o marco inicial para a incidência dos juros de mora, no caso de responsabilidade contratual. Precedentes.3. Embargos de divergência acolhidos.(EREsp 1341138/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 22/05/2018)

APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. CONSTRUTORA. ATRASO NA ENTREGA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. LUCROS CESSANTES. PRESUNÇÃO. CABIMENTO. 1. Ação de indenização por dano material e compensação por dano moral ajuizada em 11.07.2012. Agravo em Recurso especial atribuído ao gabinete em 25.08.2016. 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o atraso da recorrida em entregar unidade imobiliária gerou danos materiais e morais aos recorrentes. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, impede o conhecimento do recurso especial. 4. A jurisprudência do STJ vem evoluindo, de maneira acertada, para permitir que se observe o fato concreto e suas circunstâncias, afastando o caráter absoluto da presunção de existência de danos morais indenizáveis. 5. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 6. A inexecução do contrato pelo promitente-vendedor, que não entrega o imóvel na data estipulada, causa, além do dano emergente, figurado nos valores das parcelas pagas pelo promitente-comprador, lucros cessantes a título de alugueres que poderia o imóvel ter rendido se tivesse sido entregue na data contratada. Trata-se de situação que, vinda da experiência comum, não necessita de prova (art. 335 do CPC/73). Precedentes. 6. Recurso especial parcialmente

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conhecido, e nessa parte, provido. (REsp 1633274/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2016, DJe 14/11/2016) (grifei)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO INCAPAZ DE ALTERAR O JULGADO. LUCROS CESSANTES. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL.PRESUNÇÃO DE PREJUÍZO. PRECEDENTES.1. Esta Corte Superior já firmou entendimento de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes, havendo presunção de prejuízo do promitente-comprador. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1319473/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 02/12/2013

Não obstante a divergência jurisprudencial, entendemos que na hipótese de descumprimento do contrato por culpa exclusiva da construtora, esta é responsável pelos valores que o consumidor teria auferido (ou economizado) caso o contrato tivesse se perfectibilizado no prazo contratual, independente da necessidade de produção da prova dos efetivos danos, pois nos parece evidente os prejuízos decorrentes da privação sofrida pelo comprador do imóvel.

b) Do dano extrapatrimonialO direito à indenização por dano extrapatrimonial está consagrado na

nossa Constituição Federal, no art. 5º, incisos V e X108; na regra prevista no art. 927 do Código Civil109; e, no art. 6º, VI, do CDC 110.

108 – Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;109 – Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo110 – Art. 6º São direitos básicos do consumidor:VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

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O Inadimplemento Contratual pela Não Entrega de Imóvel no Prazo Previsto da Construção e Algumas Consequências

Antes de discorrer acerca das hipóteses de cabimento de indenização por dano extrapatrimonial, também denominado dano moral, importante trazer a definição do dano dada por Sérgio Cavalieri Filho111:

“À luz da Constituição vigente podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos: em sentido estrito e em sentido amplo. Em sentido estrito dano moral é a violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral. Este, pois, é o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o dano moral: Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável.”(...)Em sentido amplo, dano moral, é a violação de algum direito ou atributo da personalidade. Relembre-se, como já assentado, que os direitos da personalidade constituem a essência do ser humano, independentemente de raça, cor, fortuna, cultura, credo, sexo, idade, nacionalidade. São inerentes à pessoa humana desde o nascimento até a morte. É através dela que a pessoa pode adquirir e defender os demais bens. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Sem suma, os direitos de personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis.”

Assim, a partir da consagração do direito constitucional à dignidade da pessoa humana, o dano moral tem sido entendido como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social, integrada à sociedade.

Contudo, “nem todo atentado a direitos de personalidade em geral é apto a gerar dano de cunho moral”112, uma vez que os danos podem se limitar aos aspectos físicos ou materiais de uma determinada situação fática.

111 – Op. Cit., p.117; 119.112 – BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015 p. 60

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Destarte, para a concessão de indenização, mister verificar se a situação vivenciada pela parte, além de reprovável atitude do fornecedor, é passível de atingir a excepcionalidade exigida para a caracterização do dano moral.

No âmbito das relações negociais, esse entendimento se impõe de forma ainda mais categórica, pois, em regra, o descumprimento de quaisquer das obrigações pelas partes se resolve na esfera patrimonial, mediante a reparação de danos emergentes e/ou lucros cessantes, etc. Assim, tratando-se de inadimplemento contratual, a caracterização do dano moral pressupõe mais do que o aborrecimento decorrente de um negócio frustrado; há a necessidade de uma situação anormal e com violação a direito da personalidade.

Portanto, na hipótese de atraso na entrega de imóvel adquirido na planta, a lesão extrapatrimonial se caracteriza quando houver a confluência de outros fatores capazes de causar sofrimento, angústia, dor ou desconforto nos promitentes compradores.

Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. IMPONTUALIDADE. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA.1. O mero inadimplemento contratual não enseja, por si só, indenização por dano moral. “Salvo circunstância excepcional que coloque o contratante em situação de extraordinária angústia ou humilhação, não há dano moral. Isso porque, o dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente de inadimplemento contratual se insere no cotidiano das relações comerciais e não implica lesão à honra ou violação da dignidade humana” (REsp n. 1.129.881/RJ, relator Ministro MASSAMI UYEDA, 3ª Turma, unânime, DJe 19.12.2011).2. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no AgRg no Ag 546.608/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/05/2012, DJe 09/05/2012)

Nas hipóteses de atraso na entrega de obra, verificamos que o posiciona-mento da jurisprudência pátria é no sentido de que o dano resta configurado quando o atraso na entrega do imóvel for superior a um ano além do prazo de tolerância. Isso porque, o atraso demasiado na entrega do bem evidencia dano espiritual que ultrapassa o mero dissabor, pois é capaz de ocasionar sofrimento e

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O Inadimplemento Contratual pela Não Entrega de Imóvel no Prazo Previsto da Construção e Algumas Consequências

angústia ao comprador, principalmente pela incerteza acerca do recebimento do bem para o qual já desembolsou algum valor.

Desta forma, o atraso superior a um ano além do prazo de tolerância previsto contratualmente, a princípio, dispensa a produção de prova pelo consumidor, pois se trata de dano in re ipsa.

Acerca da matéria convém citar alguns precedentes da 17ª Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. AFASTAMENTO. I - A parte demandada é legítima para responder à demanda. O nome das empresas demandadas está nos contratos firmados com a autora, os quais também consagram seus logotipos, sendo que aquelas pertencem ao mesmo Grupo Econômico, enquadrando-se a situação na Teoria da Aparência. II - Configurado atraso na entrega da obra, porquanto a demandada ultrapassou em mais de um ano o prazo de tolerância previsto no contrato. Problemas na tramitação de procedimentos administrativos junto a órgãos público não podem considerados como caso fortuito ou força maior, mas previamente considerados para o prazo na entrega da obra. Culpa que não pode ser imputada aos consumidores. III - Mantida a condenação da ré aos valores despendidos a título de aluguel, tendo em vista que se não houvesse atraso na obra, a parte demandante não arcaria com tal despesa. IV - Dano moral configurado. Ocorrência de circunstância excepcional, caracterizadora do dano imaterial, que certamente resultou em angústia da parte autora na forma exigida para esses casos. Quantum mantido. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70075299883, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 23/11/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS IMATERIAIS. CONSUMIDOR. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DAS CHAVES E DA EXPEDIÇÃO DO HABITE-SE. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. QUANTUM. MANTIDO.

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MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Relação de Consumo. CDC. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações como a dos autos. Caso. Verifica-se o efetivo e injustificado atraso da obra, mesmo aplicando-se a cláusula de tolerância de 180 dias, assim como da expedição do Habite-se por parte da demandada. Dano moral. Atraso de mais de um ano para entrega da obra e da expedição do habite-se. O atraso demasiado e injustificado na entrega de obra gera dano moral passível de indenização. Período que extrapolou os limites do mero descumprimento contratual caracterizando, portanto, o dano moral indenizável. Quantum. Valor indenizatório mantido, pois corresponde aos parâmetros utilizados por esta Câmara Cível em situações análogas. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70074774217, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 19/10/2017)

PELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMÓVEL ADQUIRIDO NA PLANTA. ATRASO NA OBRA. DANOS EMERGENTES DEVIDOS. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM CLÁUSULA PENAL JÁ PAGA EXTRAJUDICIALMENTE. DANOS MORAIS OCORRENTES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. SENTENÇA REFORMADA. I. O termo de acordo extrajudicial firmado entre as partes, pelo qual a construtora ré pagou quantia aos autores especificamente a título de multa pelo atraso na entrega da obra (cláusula penal), não os impede de postular, na via judicial, indenização a título de indenização por danos emergentes (aluguéis que precisaram pagar durante o atraso) e indenização por danos morais, pois, no acordo, houve quitação específica daquela multa, não incluídas outras rubricas. II. De acordo com o REsp 1639016/RJ, “revela-se legítima, nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, a cumulação da multa moratória contratual com indenização pelo atraso na entrega do bem, consistente esta no ressarcimento dos valores pagos pelos promissários compradores a título de aluguel de imóvel similar” (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28/3/2017). Não configuração de “bis in idem”. III. Ocorrente o abalo moral na hipótese dos autos, considerando o largo atraso quanto

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à entrega do imóvel. IV. Julgamento de procedência do pedido inicial, com a inversão da sucumbência e redimensionamento da verba honorária, com fixação em percentual sobre a condenação e observância ao trabalho recursal realizado (art. 85, §§2º e 11, do CPC/2015). RECURSO PROVIDO À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70073477911, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 31/08/2017)

Contudo, caso o atraso seja inferior ao tempo alhures referido, cabe ao consumidor a produção da prova do dano no caso concreto.

Como exemplo, podemos citar a hipótese em que um casal de namorados adquire um imóvel na planta cuja entrega do bem seja próxima com a data do casamento marcada antecipadamente. Sobrevindo o fato (casamento) e frustrada a entrega do imóvel, o casal necessita socorrer-se do abrigo de familiares, v.g., situação que pode gerar desconforto e angústia.

Nesse sentido:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA CONCLUSÃO DAS OBRAS. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. RESTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM. VALIDADE DA CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA A cláusula de tolerância de 180 dias não é abusiva, sendo largamente aceita pela jurisprudência, haja vista a complexidade dos empreendimentos da construção civil, que dependem não só da disponibilidade de material e mão de obra, como das condições climáticas e questões jurídico-administrativas. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA Reconhecida a validade da cláusula de tolerância de 180 dias e considerando que a entrega da obra estava prevista para 30/07/2011, impõe-se a fixação da data de 30/01/2012 como termo final para a conclusão do imóvel. Comprovado, pelo conjunto-probatório dos autos, que a unidade habitacional foi entregue aos autores apenas em junho de 2012, encontra-se configurada a mora da demandada. COMISSÃO DE CORRETAGEM Em regra, a quantia paga a título de comissão de corretagem não deve integrar os valores a ser restituídos ao promitente comprador, porquanto se trata de verba paga a terceiro. No caso concreto, entretanto, não há prova

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escorreita de que a quantia tenha, efetivamente, sido paga a título de comissão e repassada ao corretor. Assim, impondo-se a devolução dos valores constantes dos recibos encartados aos autos. FIXAÇÃO DE MULTA EM FAVOR DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. IDÊNTICA PREVISÃO CONTRATUAL EM FAVOR DA CONSTRUTORA Por força do princípio da isonomia, possível a fixação de multa moratória em favor do promitente comprador, nos casos em que há estipulação contratual em favor da promitente vendedora, visando estimular o adimplemento contratual. DANOS MATERIAIS. Para que seja autorizado o ressarcimento por dano material, deve este ser devidamente provado. Na hipótese, o autor logrou comprovar apenas as despesas gastas com o refazimento da tubulação de ar condicionando, inexistindo prova escorreita de que, em razão do atraso na entrega da obra, teria experimentado lucros cessantes. DOS DANOS MORAIS. A aquisição, por parte dos autores, de apartamento residencial para residir após o casamento, ainda no ano de 2010, com a conclusão do imóvel somente em junho de 2012, gera expectativas e frustrações que, por si só, já bastam à configuração do dano. APELO PROVIDO EM PARTE. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. UNÃNIME. (Apelação Cível Nº 70062977681, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 28/01/2015)

Portanto, em situações como a exemplificada, em que há prova do efetivo dano pelo postulante, a indenização é concedida, ainda que o atraso pela vendedora não exceda aos parâmetros utilizados pela jurisprudência.

Ressalta-se que as justificativas normalmente utilizadas pelas construtoras no sentido de que os atrasos se devem a infortúnios decorrentes das condições climáticas ou questões burocráticas para obtenção de autorizações perante os órgãos públicos, não servem de justificativa para a exclusão da responsabilidade, porquanto a construtora, ao realizar o contrato, deve ter ciência do risco da atividade empresarial desenvolvida, como já ressaltado.

c) Do quantum indenizatórioAntes da Constituição Federal de 1988 eram observados alguns dispositivos

legais para estabelecer os critérios da quantificação do dano moral. A exemplo,

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utilizava-se a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967), que limitava o valor da indenização para empresas que exploravam os meios de comunicação.

Com o advento da Constituição Federal ora vigente, Suprema Corte afastou a indenização tarifada para o dano moral, cuja matéria foi objeto da Súmula nº 281: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

De acordo com o disposto no art. 944 do Código Civil a indenização mede-se pela extensão do dano. Tal regramento atende ao princípio constitucional da proporcionalidade, que deve ser considerado, juntamente com a razoabilidade, na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, bem como a repercussão do fato ilícito na vida do ofendido, dentre outros.

Ademais, a fixação do valor da indenização por dano extrapatrimonial deve respeitar critérios de prudência e eqüidade, observando-se os padrões utilizados pela doutrina e jurisprudência, evitando-se com isso que as ações de indenização se tornem mecanismos de extorsão ou de enriquecimento ilícito, reprováveis e injustificáveis. Da mesma forma não se pode esperar que um valor irrisório possa atender a esses requisitos.

Nesse aspecto leciona Sérgio Cavalieri Filho113 “Cremos que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.”

No mesmo contexto é o posicionamento de OLIVEIRA DEDA114 nos ensina: “Ao fixar o valor da indenização, não procederá o juiz como um fantasiador, mas como um homem de responsabilidade e experiência, examinando as circunstâncias particulares do caso e decidindo com fundamento e moderação”.

Nesse sentido também é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: “é de repudiar-se a pretensão dos que postulam exorbitâncias inadmissíveis com arrimo no dano moral, que não tem por escopo favorecer o enriquecimento indevido” (AgReg. No Ag. 108.923, 4ªT. do STJ, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, ac. Um. De 24-9-1996, DJU, 29-10-1996, p. 41.666).

113 – Op. Cit. p. 136.114 – DEDA, Artur Oscar Oliveira. Dano Moral - Reparação, 2005 in Enciclopédia Saraiva de Direito, vol. 22 p.290.

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Desta forma, o valor das indenizações são variáveis, pois levam em consideração o caso submetido a julgamento.

Consigna-se, por oportuno, que a fixação do dano decorrente do atraso pela entrega da obra normalmente é fixada ao valor equivalente a dez salários mínimos nacionais pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

IV – CONCLUSÃO

O contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta é um contrato preliminar, usualmente redigido pela construtora do imóvel, que estabelece unilateralmente as condições de conclusão da obra e de entrega da unidade, com especificação acerca das hipóteses em que o vendedor estaria se eximindo de cumprir o prazo convencionado para a entrega da unidade, normalmente com a a possibilidade de prorrogação em prol do vendedor, sem imputação de multa ou qualquer outra consequência.

Em que pese o prazo de tolerância constituir em cláusula que beneficia apenas uma parte da relação contratual, está consolidada a validade da referida cláusula pela jurisprudência pátria. Contudo, a construtora deve estabelecer um prazo de atraso razoável; atualmente a doutrina e jurisprudência estabeleceram o prazo de até 180 dias, sob pena de ficar configurada mora, apta a ensejar responsabilização civil por danos patrimoniais e extrapatrimonial.

A respeito da indenização por lucros cessantes (aluguéis), mister ressalvar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que estes são presumidos, dispensando o consumidor da produção de provas do efetivo dano.

Por fim, na hipótese de atraso na entrega da obra, pode ficar configurado dano de ordem extrapatrimonial, sobretudo quando o atraso se revelar excessivo. Nesse contexto, a jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é no sentido de que o atraso superior a um ano além do prazo de tolerância configura dano moral in re ipsa e, se inferior a tal prazo, a indenização é condicionada à produção probatória de ocorrência de situação excepcional apta a caracterizar a violação a algum atributo da personalidade.

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A USUCAPIÃO DE BEM IMÓVEL EM FAVOR DE UM SÓ HERDEIRO

Alice De Martini Deitos

A usucapião, como forma originária de aquisição da propriedade pelo decurso do tempo, se expressa em diversas modalidades, cada uma com seus pressupostos específicos. Dentre os requisitos básicos, comuns a todas hipóteses, estão a posse, o tempo e a previsão legal.

No que tange à posse, dentre outras qualidades, faz-se necessário seja ad usucapionem que, na concepção de Plácido e Silva115, assim se define:

É a posse exteriorizada pelo uso e gozo contínuo da coisa, tida como própria, sem que tenha a pessoa qualquer título legítimo, em que funde o seu direito de propriedade. E se esta posse se prolonga, mansa ou pacificamente, por certo interregno, segundo o fixa a própria lei, promoverá a usucapião, que é meio aquisitivo da propriedade. Caracteriza-se, principalmente, pela mansidão ou tranquilidade, seguida da continuidade, com o animus domini.

Nesses termos, o animus domini, requisito subjetivo da posse, se caracteriza na expressão do possuidor aos olhos de terceiros, que o percebem como dono.

Quanto à matéria, Cristiano Chaves116 assim caracteriza, in verbis:

Em outros termos, essa posse soma ao animus dominis, de acordo com a teoria subjetiva de Savigny. A mencionada tese, elaborada em 1803, por Friedrich Karl Von Savigny, estabelece que a posse seria o poder de dispor materialmente de uma coisa específica, com intenção de mantê-la para si e defendê-la contra a ação de terceiros. Essa posse teria dois elementos subjetivos: o corpus, que seria o controle

115 – PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Forense. 2014. fl. 2037/2038.116 – Curso de Direito Civil – Reais – Cristiano Chaves. Fl. 39. 2017.

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Alice De Martini Deitos

material, e o animus, traduzido no elemento volitivo de exercer a posse como se proprietário fosse. Nesses termos, ausente o elemento da vontade, o animus, haveria mera detenção (como no caso da locação, do comodato, ou do usufruto), onde, para o doutrinador, não haveria posse. Com essa base, a principal crítica à teoria seria a ausência de disposição para proteção possessória nas hipóteses de detenção. Por outro lado, e posterior a isso, surge a teoria objetiva da posse, empreendida por Rudolf von Ihering, em que, de forma resumida, a posse seria mero exercício da propriedade, e, portanto, dependeria da forma em que o poder fático sobre a coisa revela-se ao exterior.

Além disso, quanto ao requisito objetivo, a posse deve ser pacífica, pública e contínua.

O doutrinador117 anteriormente mencionado caracteriza também a conotação objetiva:

“Savigny e Ihering concebem suas teorias com base em um ponto de partida comum: a detenção. Todavia, visceral é compreender que a teoria de Ihering é tida por objetiva pelo fato de explicar que a distinção entre possuidores e detentores não é traduzida à luz do elemento anímico da vontade de possuir, e sim por uma prévia conformação do ordenamento objetivo, que cuidará de explicitar as hipóteses em que certas pessoas não alcançarão a tutela possessória por expressa opção de política legislativa, em razão da forma pela qual ingressaram na coisa. A posse seria a regra: sempre que uma pessoa tenha uma coisa em seu poder, deverá ser protegida legalmente. Excepcionalmente, o direito a privará de defesa: nesse caso, haverá detenção”

Sendo esses os pressupostos gerais para caracterização da prescrição aquisitiva, parte-se para o ponto fulcral, objetivo deste artigo, que é justificar quando e se é possível a declaração da usucapião de bem imóvel em favor de um só herdeiro, mas como exceção e não regra geral.

117 – Curso de Direito Civil – Reais – Cristiano Chaves. Fl. 39. 2017.

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A Usucapião de Bem Imóvel em Favor de Um Só Herdeiro

Enquanto o proprietário vive, os seus herdeiros têm apenas expectativa de receber o bem, ou parte dele, tendo em vista que, além da possibilidade de alienação do bem, há parte de livre disposição da herança118 e, portanto, inviável antever o beneficiário de parte ou de todo o do quinhão. Além disso, antes do falecimento não se dispõe sobre herança, pela vedação contida no art. 426 do Código Civil119.

Por outro lado, após o falecimento, e antes da realização da partilha no inventário, a herança compõe “todo unitário”, nos termos do art. 1.791 do Código Civil120 e, portanto, é regulada pelas normas atinentes ao condomínio.

Flávio Tartuce apresenta, em seu Curso de Direito Civil121, expressa menção sobre a matéria:

Em relação à usucapião em favor de um herdeiro contra o outro, o raciocínio deve ser o mesmo. Isso porque a herança é um bem imóvel e indivisível antes da partilha, o que decorre do princípio da saisine, havendo um condomínio entre os herdeiros até o momento da divisão.

Então, como regra geral, não se pode concluir pela possibilidade da usucapião de bem imóvel em favor tão somente de um dos herdeiros.

No entanto, como veremos, há hipóteses que tal é possível, desde que a posse, após o evento morte, seja cum animus domini, exclusiva e no tempo necessário para obter esse reconhecimento.

Nesse mote, Maria Helena Diniz122 ensina:

Entendem a doutrina e a jurisprudência que é impossível a aquisição por usucapião contra os outros condôminos, enquando subsistir o estado de indivisão, pois não pode haver usucapião de área

118 – Código Civil. Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.119 – Código Civil. Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.120 – Código Civil. Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.121 – TARTUCE, Flavio. Direito das coisas. Volume 4. 2016. f. 183. 122 – DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, v. 4, p. 159

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Alice De Martini Deitos

incerta. Para que se torne possível a um condômino usucapir contra os demais, necessário seria de sua parte um comportamento de proprietário exclusivo, ou a inversão de sua posse, abrangendo o todo e não apenas uma parte, ou seja, o condômino para pretender a usucapião deverá ter sobre o todo posse exclusiva, cessando o estado de comunhão.

Carlos Roberto Gonçalves123 também demonstra seu entendimento acerca da usucapião de bem imóvel por um só herdeiro a partir da existência do condomínio como exceção, somente na hipótese da parte requerente comprovar cabalmente a utilização do imóvel com o preenchimento dos requisitos de forma exclusiva:

Em princípio, não é lícito a um condômino excluir a posse dos demais. Dispõe a propósito o art. 1.324 do Código Civil que “o condômino que administrar sem oposição dos outros presume–se representante comum”. Por essa razão, mostra-se, em regra, incompatível com a prescrição aquisitiva a convivência condominial, que, por sua natureza, exclui a posse cum animo domini.A jurisprudência tem, todavia, admitido tal modalidade aquisitiva do domínio em casos especiais, ou seja, desde que a posse do condômino tenha sido exclusiva sobre o bem usucapiendo e com ânimo de dono, caracterizado por atos exteriores que demonstrem a vontade de impedir a posse dos demais condôminos, como se proprietário único do imóvel fosse.

Diante desses esclarecimentos doutrinários, passa-se à análise da jurisprudência, que anda no mesmo sentido, conforme se depreende dos precentes que se transcrevem:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BEM IMÓVEL. REGISTRADO EM NOME DO PAI DO COAUTOR. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS POR PARTE DE ALGUNS HERDEIROS. CONDOMÍNIO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL. - Para que seja reconhecida a

123 – GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 2. Contratos em espécie e direito das coisas. 2016 P. 738

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usucapião extraordinária ou especial urbana, antes de analisar os requisitos específicos, é necessária a existência da posse, que perdure, ininterruptamente, de forma mansa e pacífica, com a intenção do possuidor de tê-la como sua. - Em havendo formação de condomínio no imóvel objeto da demanda, sem individualizar as respectivas áreas, a via da usucapião não se mostra adequada ao caso. - Antes de lançar mão do instituto da usucapião, premente é a necessidade da correta individualização da área. Sentença de improcedência mantida. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70073493389, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 25/05/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BENS IMÓVEIS. USUCAPIÃO POSTULADA POR HERDEIRO DOS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS. A ação de usucapião não constitui via adequada para a mera regularização do registro do imóvel. Tratando-se o autor de titular de direitos hereditários sobre os bens, em condomínio com outros herdeiros, resta inviabilizado o requerimento da declaração da prescrição aquisitiva, sob pena de possibilitar-se a evasão fiscal. Afigura-se devida a regularização da propriedade pela via derivada, mediante o pagamento dos impostos incidentes. APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70073011629, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Redator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 19/10/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. (BEM IMÓVEL). AÇÃO DE USUCAPIÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECONHECIMENTO DA IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO, SUCESSOR DO PROPRIETÁRIO REGISTRAL. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA, MORMENTE CONSIDERANDO A POSSIBILIDADE, EM ABSTRATO, DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL EM CONDOMÍNIO POR UM DOS CONDÔMINOS, SE DEMONSTRADA A POSSE EXCLUSIVA. ACOLHERAM A PRELIMINAR E DESCONSTITUÍRAM A SENTENÇA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70073367559, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 10/08/2017)

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APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BENS IMÓVEIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. HERANÇA. CONDÔMINO. ALEGADA POSSE EXCLUSIVA. POSSIBILIDADE DO PROCEDIMENTO. A posse exercida de modo exclusivo e inconteste por um dos condôminos, por determinado lapso de tempo, autoriza o reconhecimento da prescrição aquisitiva em desfavor dos demais herdeiros. Circunstância dos autos em que se impõe desconstituir a sentença que julgou extinto o processo, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular - entendendo que o procedimento adequado seria o ajuizamento de inventário/arrolamento - oportunizando-se a dilação probatória. APELO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70072558760, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 29/06/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO AJUIZADA POR HERDEIRO CONTRA OS DEMAIS SUCESSORES DO PROPRIETÁRIO REGISTRAL DO BEM. POSSIBILIDADE. Comprovada a cessação da composse, a condição do autor, de sucessor do proprietário registral do imóvel, não constitui óbice ao ajuizamento de ação de usucapião em face dos demais herdeiros do bem em que exerce posse exclusiva. Impossibilidade jurídica do pedido, por tal razão, afastada. Prescrição aquisitiva do imóvel em face dos demais compossuidores que, no entanto, depende da comprovação, pelo autor, de que preenche os requisitos legais atinentes ao usucapião. Imprescindível, por conta disso, a angularização do feito e a produção de provas. Sentença desconstituída. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70067455147, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 27/01/2016).

AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA-SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida

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posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários.(...)(REsp 668.131/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 14/09/2010)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO.SÚMULA 7/STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO HOSTILIZADA PELAS SUAS RAZÕES E FUNDAMENTOS. AGRAVO IMPROVIDO.I - Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser possível ao condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel.Precedentes.II - Não houve qualquer argumento capaz de modificar a conclusão alvitrada, que está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos.Agravo improvido.(AgRg no Ag 731.971/MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 20/10/2008)

Deste modo, também conclui-se que somente é possível a declaração da usucapião envolvendo condomínio decorrente de bem imóvel transmitido pela herança, com respaldo da lei, doutrina e jurisprudência, na hipótese da parte usucapiente exercer posse ad usucapionem124, ou seja, exclusiva e não apenas consentida, com preenchimento dos demais requisitos legais da modalidade da qual se pretende usucapir.

A questão que ainda persiste é como se pode ou se deve aferir se a posse exercida por um condômino herdeiro pode resultar na declaração da usucapião com exclusividade a este herdeiro.

A simples posse daquele que alega a prescrição aquisitiva de imóvel que faça parte do rol da herança com outros herdeiros, não se qualifica como

124 – POSSE “AD USUCAPIONEM”. É a posse exteriorizada pelo uso e gozo contínuo da coisa, tida como própria, sem que tenha a pessoa qualquer título legítimo, em que funde o seu direito de propriedade. E se esta posse se prolonga, mansa ou pacificamente, por certo interregno, segundo o fixa a própria lei, promoverá a usucapião, que é meio aquisitivo da propriedade. Caracteriza-se, principalmente, pela mansidão ou tranquilidade, seguida da continuidade, com o animus domini. Vocabulário jurídico. P.2.038/9

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posse passível de usucapião, já que obtida com fim diverso, como disserta Flavio Tartuce125:

Posse ad usucapionem – exceção à regra, é a que se prolonga por determinado lapso de tempo previsto na lei, admitindo-se a aquisição da propriedade pela usucapião, desde que obedecidos os parâmetros legais. Em outras palavras, é aquela posse com olhos à usucapião (posse usucapível), pela presença dos seus elementos, que serão estudados oportunamente. A posse ad usucapionem deve ser mansa, pacífica, duradoura por lapso temporal previsto em lei, ininterrupta e com intenção de dono (animus domini – conceito de Savigny). Além disso, em regra, deve ter os requisitos do justo título e da boa-fé.

Assim compreende-se, pois, em regra, que a posse mantém sua natureza da forma em que foi adquirida, nos termos do artigo 1.203 do Diploma Civil126, ou seja, se a parte tomou posse do bem por tolerância dos demais herdeiros (condôminos), ou mesmo por anuência daquele do qual veio a herdar, a qualidade da posse é inalterada, e segue sem a característica ad usucapionem.

Aliás, é o ensinamento da clássica doutrina de Orlando Gomes127:

A posse que conduz à usucapião deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente. O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse (...) Necessário, por conseguinte, que o possuidor exerça a posse com animus domini. Se há obstáculo objetivo a que possua com esse animus, não pode adquirir a propriedade por usucapião. (...) Por fim, é preciso que a intenção de possuir como dono exista desde o momento em que o prescribente se apossa do bem.

A jurisprudência dos Tribunais está de acordo com esse entendimento. Vejamos:

125 – TARTUCE, Flavio. Direito Civil. V. 4. Direito das coisas. 2017. P. 44.126 – Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.127 – "Direitos Reais", Rio de Janeiro: Forense, 12.ª ed., 1996, p. 166

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Ação de usucapião extraordinário. Doação. Herdeiros. Composse. Comodato. Os herdeiros ou co-proprietários, que nesta qualidade tem composse ideal ou de fato, deixam de exercer posse da qual decorra direito de usucapir um contra o outro, salvo inversão do caráter da posse, a partir da situação, de direito e de fato, em que um passe a exercer posse exclusiva e própria, hostil aos demais, do que a usucapiente deixou de se desincumbir, porque persistiu residindo na casa em decorrência das relações familiares, doada pelo pai aos filhos, entre eles a usucapiente como donatária, situação completamente distinta da posse exclusiva, própria e hostil aos irmãos ou sobrinhos, como requisito básico, fundamental e indispensável à aquisição pelo usucapião. A vontade subjetiva do possuidor em ser dono é insuficiente ao usucapião. A posse como dono tem que ser demonstrada por fatores objetivos, demonstrativos de que a usucapiente exercia posse exclusiva oponível aos demais titulares da coisa, fatores objetivos inexistentes, porque a posse exerceu-se com as mesmas características ao longo do tempo, o imóvel, constituído em terreno e casa residencial, é o mesmo sem alterações que distingam posse como dono ou justifiquem a alteração do caráter da posse, os impostos foram pagos pelos sobrinhos. Nesta situação, o transcurso do tempo, mesmo por muitos e muitos anos e até superior ao prazo para o usucapião, é insuficiente para gerar o usucapião. (Apelação Cível Nº 70069549616, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 24/08/2016)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL. HERANÇA. POSSE EXCLUSIVA DE HERDEIRO. ÔNUS DA PROVA. Em princípio, somente se admite a usucapião sobre imóvel adquirido por herança, em detrimento dos demais herdeiros, em hipóteses excepcionais, quando a usucapiente demonstrar o exercício de posse exclusiva durante o lapso temporal legalmente previsto e com animus domini. Posse decorrente de relações familiares. Prova oral que aponta para a existência de mera tolerância. Posse não revestida de animus domini, elemento anímico indispensável ao reconhecimento da prescrição aquisitiva visada. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (Apelação Cível Nº

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70062651039, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 19/03/2015).

APELAÇÃO CÍVEL. POSSE (BENS IMÓVEIS). USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROPRIEDADE PLÚRIMA EM CONDOMÍNIO, POR FORÇA DE SUCESSÃO HEREDITÁRIA. INVIABILIDADE DE POSTULAR CONTRA DEMAIS HERDEIROS A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NO CASO CONCRETO. IMPROCEDÊNCIA. Em que pese a jurisprudência admitir, em situações excepcionalíssimas, a usucapião de área de uso comum por um dos condôminos, em se tratando de propriedade plúrima decorrente de sucessão hereditária, quando há prova da posse própria e exclusiva, decorrente de atos inequívocos nesse sentido, ou seja, quando há intenção de ter a coisa exclusivamente para si, sem a oposição dos demais condôminos, na hipótese dos autos não lograram os autores demonstrar a exteriorização de atos tendentes a afastar os direitos dos co-proprietários. Ausente demonstração de que os demandantes externaram a intenção de ter a coisa para si, com exclusividade e afastando o direito dos demais herdeiros condôminos, descabe o pedido de usucapião sobre a totalidade do imóvel, pois a mera utilização exclusiva, com pagamento das despesas e impostos incidentes, não afasta a natureza de ato de mera tolerância, máxime quando referido pelos próprios autores que a pretensão só restou deduzida quando da manifestação dos réus de alienar o imóvel. RECURSO DESPROVIDO À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70035666569, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 14/10/2010)

APELAÇÃO CÍVEL - NULIDADE DA SENTENÇA POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO OCORRÊNCIA - USUCAPIÃO ENTRE HERDEIROS - IMPOSSIBILIDADE. - Aquele que presidir audiência em que houver a colheita de prova oral deverá julgar a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, sob pena de nulidade da sentença. - A usucapião é modo aquisitivo do domínio da coisa ou de certos direitos reais pela posse continuada durante determinado lapso temporal, com o concurso dos requisitos estabelecidos pelo art. 1.238, do Código Civil. - Admite, a jurisprudência, que o condômino adquira a propriedade do imóvel

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comum através da usucapião, desde que exerça a posse com exclusividade sobre o bem. - A posse baseada em mera permissão ou tolerância é precária, evidenciando-se a concordância por parte do grupo familiar diante da situação consolidada, sendo imprescindível para a alteração da sua natureza a demonstração do momento em que se transforma em uma posse ad usucapionem, a ser exercida em nome próprio. - Ausente um dos requisitos ensejadores da prescrição aquisitiva, qual seja a existência de posse exclusiva dos autores em imóveis do qual os réus são coproprietários, inviável o pedido de usucapião extraordinário. (TJ-MG - AC: 10386070069425001 MG, Relator: Márcio Idalmo Santos Miranda, Data de Julgamento: 21/07/2015, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/08/2015)

USUCAPIAO. A POSSE “AD USUCAPIONEM” DEVE SER ININTERRUPTA E SEM OPOSIÇÃO, DURANTE O PRAZO LEGAL, COM “ANIMUS DOMINI”, CÓDIGO CIVIL, ART-550. POSSE ENTRE CONDOMINOS. EM VIRTUDE DA OPOSIÇÃO A POSSE DOS AUTORES, INICIADA EM 1958, OS DEMAIS CONDOMINOS AJUIZARAM, EM 1968, AÇÃO ANULATORIA DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ASCENDENTE A DESCEDENTE, POR INTERPOSTA PESSOA (CCB, ART-1132), DE QUE RESULTARA, POR ÚLTIMO, EM 1960, A POSSE DOS AUTORES NO IMÓVEL. CONTESTADA A DEMANDA, VEIO A JULGAR-SE PROCEDENTE, COM A ANULAÇÃO DO TÍTULO, EM 1973, DO QUE DECORRIA A OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR O BEM POSSUIDO AO ESPOLIO, PARA PARTILHA. TENTARAM OS AUTORES, A SEGUIR, AÇÃO RESCISÓRIA DO ACÓRDÃO, CONTESTADA E JULGADA IMPROCEDENTE EM 1978. SEM DEVOLVER O IMÓVEL, AFORARAM AÇÃO DE USUCAPIAO, NO ANO SEGUINTE. NÃO SE CUIDA, NA HIPÓTESE, DE MERO REEXAME DE PROVAS, INTERDITADO NA SÚMULA 279, MAS DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS, ASSIM COMO POSTOS NO ACÓRDÃO. NO CASO, NÃO CABE CONSIDERAR, SEM OPOSIÇÃO, A POSSE, ASSIM CONTESTADA, PELOS DEMAIS CONDOMINOS, DURANTE VINTE ANOS ININTERRUPTOS, PARA OS EFEITOS DO ART-550, DO CCB. NÃO SE PODEM TER, NA ESPÉCIE, COMO CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS DO ART-550, DO CCB. AÇÃO DE USUCAPIAO VINTENARIA IMPROCEDENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, POR NEGATIVA DE VIGENCIA DO

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ART-550, DO CCB, E PROVIDO, PARA RESTABELECER A DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, QUE JULGOU A AÇÃO IMPROCEDENTE. (RE 97645, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Primeira Turma, julgado em 06/04/1984, DJ 08-06-1984 PP-09260 EMENT VOL-01339-03 PP-00534 RTJ VOL-00112-03 PP-01169)

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIROS. AQUISIÇÃO DE BEM IMÓVEL DE HERDEIRO. ALIENAÇÃO POR INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA LAVRADO ANTES DA PARTILHA DE BENS NOS AUTOS DE AÇÃO DE INVENTÁRIO. ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO URBANA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS. APELO NOBRE AJUIZADO APENAS COM BASE NA ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. 1. Não se conhece de recurso especial interposto com base em divergência jurisprudencial que não esteja comprovada nos moldes dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. 2. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 1483576 SP 2014/0228520-4, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 04/11/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/11/2014)

Ação de usucapião entre herdeiros. Procedência da ação em primeiro grau. Reforma do decisório. Observância ao instituto da saisine, transmissão da posse e da propriedade dos bens da herança aos herdeiros, no exato momento do falecimento. Inteligência do artigo 1.784 do Código Civil. Ausência de posse com animus domini ou animus rem sibi habendi. Recurso provido, para julgar improcedente a pretensão inicial, invertendo-se os ônus da sucumbência. (TJ-SP - APL: 91319076720088260000 SP 9131907-67.2008.8.26.0000, Relator: Edson Luiz de Queiroz, Data de Julgamento: 03/07/2013, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/07/2013)

Diante da ausência de demonstração de posse ad usucapionem e com as características referidas, portanto, ilegal é a declaração da prescrição aquisitiva em favor de herdeiro que apenas demonstra posse, seja em razão da imutabilidade, em regra, da natureza da posse, seja pela falta do requisito subjetivo da posse.

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E assim deve ser, pois a legislação pátria tem diversos mecanismos que visam a coibir a burla dos direitos hereditários, uma vez que reconhecer em favor de um dos herdeiros a usucapião de bem imóvel que seria objeto de herança comum, acarretaria em direta violação e desprestígio dessas normas128, já que há restrições à liberdade de dispor do patrimônio e, por outro lado, um herdeiro necessário somente poderá ser privado da legítima mediante procedimento legal129.

128 – A título exemplificativo: Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.§ 1º Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa.§ 2º Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.129 – Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:I - ofensa física;II - injúria grave;III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:I - ofensa física;II - injúria grave;III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento.Art. 1.965. Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador.Parágrafo único. O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de quatro anos, a contar da data da abertura do testamento.

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Sendo também objetivo deste artigo trazer os julgamentos sobre o tema, em especial do Tribunal Gaúcho, reproduzo alguns:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. - A declaração da usucapião pressupõe a demonstração de animus domini, o que não se configura na posse que decorre de mera permissão ou tolerância. Art. 1.208 CC. - In casu, inconteste que a demandante é descendente dos possuidores do imóvel, e, diante da presença de outros herdeiros, a configuração da usucapião acarretaria em prejuízo à legítima. - Ademais, há notícia nos autos de que a demandante tem irmão menor de idade e, portanto, há causa impeditiva do curso da prescrição. Arts. 197, II e 198, I, ambos do CC. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70074912999, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 26/10/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO. BENS IMÓVEIS. DIREITO CIVIL. COISAS. PROPRIEDADE. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXTRAORDINÁRIO. USUCAPIÃO. ADJUDICAÇÃO. COMPRA E VENDA. A usucapião é meio de aquisição originária da propriedade pelo exercício prolongado da posse com o ânimo de dono sem sê-lo. O titular de direito sucessório e o compromissário de compra e venda de imóvel carecem da via de aquisição originária. Não se trata de concurso eletivo de ação, mas de formas de aquisições distintas, a originária e a derivada. - Circunstância dos autos em que se impõe julgar os autores carecedores da ação. RECURSO PROVIDO E PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. (Apelação Cível Nº 70060391067, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 19/03/2015)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. Contestação tempestiva. Contrarrazões intempestivas que não merecem ser conhecidas. Memoriais que foram apresentados de forma sucessiva, onde não há vedação legal para tanto. Ademais, ainda que a ré tenha tido acesso aos memoriais apresentados pela autora, inexistiu qualquer prejuízo

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porque nada de novo consta neles que pudesse ser especialmente levado em conta na sentença. Para adquirir-se um imóvel por usucapião não basta a fluência, isolada, do prazo estabelecido em lei. É necessário que a posse sobre o bem usucapiendo seja exercida com o ânimo de usucapir e de modo contínuo, manso e pacífico. Caso em apreço que a posse decorreu de atos de mera permissão, tolerância ou ocupação consentida pela ré, uma vez que a autora era a companheira do pai da demandada, permanecendo no bem após a morte daquele. Posse não revestida de animus domini, elemento anímico indispensável ao reconhecimento da prescrição aquisitiva visada. Eventual direito sucessório deve ser pleiteado na via adequada. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (Apelação Cível Nº 70058233586, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 05/06/2014)

CIVIL. USUCAPIÃO. HERDEIRO. ATOS DE ADMINISTRAÇÃO DOS BENS. RECURSO DESPROVIDO. A ação de usucapião não é o instrumento adequado para o herdeiro postular o reconhecimento do domínio sobre um dos imóveis que devem ser partilhados nos autos de inventário, por conta da existência de outros bens e herdeiros. Qualquer compensação de valores antecipados aos herdeiros somente pode ser realizado através do formal de partilha ou documento equivalente. (TJ-PR - AC: 7283158 PR 0728315-8, Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento: 02/03/2011, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 595)

Deste modo, para a declaração da usucapião de bem imóvel em favor de um só herdeiro, o exame da posse “cum animus domini” deve ser feito não só pela alegação e prova do direito invocado pelo pretendente, mas também pela inexistência de perda do direito dos demais herdeiros, eis que condôminos.

Nesse sentido, estabeleceu-se a jurisprudência do STJ, em recente julgado de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, quando esclarecidos os requisitos para declaração da usucapião em favor de um herdeiro, quais sejam, posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição, além dos requisitos próprios da modalidade da qual se pretende usucapir.

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Alice De Martini Deitos

Para elucidar, transcrevo a ementa do mencionado julgado:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA.1. Ação ajuizada 16/12/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73.2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros.3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02).5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02.6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários.7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão - o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar

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A Usucapião de Bem Imóvel em Favor de Um Só Herdeiro

à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária.9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.(REsp 1631859/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018) (grifei)

Não podemos nos olvidar, ainda, que o prazo da prescrição aquisitiva pode ser interrompido ou suspenso durante o poder familiar, conforme ensinamentos de Cristiano Chaves130:

Adverte o art. 1.244 do Código Civil que se estendem aos possuidores as causas impeditivas e suspensivas ao curso da prescrição a que aludem os arts. 197 a 201 do Código Civil. Por isso, sempre se faz necessário rigoroso exame para averiguar se a usucapião está tramitando entre cônjuges, companheiros, pais e filhos na constância do poder de família, ou contra os absolutamente incapazes a que alude o art. 3º do Código Civil.

Ou seja, análise que também deve ser feita diz respeito à contagem do tempo para aquisição do imóvel em relação ao poder familiar131 que, coexistindo,

130 – Curso de Direito Civil – Reais – Cristiano Chaves. Fl. 338131 – PODER FAMILIAR. Exprime a expressão o conjunto ou a soma de poderes legalmente outorgados aos pais em relação aos filhos e aos bens destes. Dizem-se, também, direitos, que outrossim, se fundam na outorga legal, que este poder revela. E são direitos necessários e indispensáveis para que os pais se desobriguem dos deveres, que lhes são impostos pela lei e pela própria natureza. Desta forma não há somente a ideia de poderes e direitos. Há deveres, pelos quais lhes cabe assisti-los e mantê-los, segundo as obrigações que lhes são juridicamente e naturalmente impostas. O poder familiar compete aos pais e, na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade (art. 1.631, do Cód. Civil/2002). Os pais representam os filhos menores em todos os atos da vida civil, extrajudiciais ou judiciais. Os pais podem ser privados do poder familiar, por ato judicial, em que fique demonstrada e provada causa justa para semelhante medida. A suspensão e privação do poder familiar devem ser intentadas em ação especial, a que é assistente obrigatório o representante do Ministério Público. O exercício do poder familiar é personalíssimo, sendo irrenunciável e indelegável. Sobre o filho não reconhecido pelo pai, cabe exclusivamente à mãe (art. 1.633, do Código Civil/2002). A expressão “pátrio poder” do CC/1916 foi substituída pelo legislador na nova redação do Cód. Civil/2002, que passou a tratar o tema no seu Capítulo V, dos arts. 1.630 a 1.638 como “poder familiar” buscando adequar-se à Constituição de 1988, que igualou os direitos entre homens e mulheres. (ngc) f. 2.016/7

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seja com o postulante, seja com os demais herdeiros, cessa o transcurso do prazo necessário para declaração da perda da propriedade.

Então, apesar de admitida a usucapião de bem imóvel em favor de um só herdeiro, há, pelo menos, três empecilhos à caracterização e declaração dessa usucapião, seja porque a posse não é ad usucapionem; ou em razão da lei vedar a antecipação de herança; ou porque a perda da propriedade em condomínio em benefício de um só condômino é exceção.

Ademais, não se pode abandonar a disposição constitucional acerca da proteção da propriedade, como direito fundamental que é, e, portanto, o reconhecimento da sua perda deve ser medida excepcional.

Em conclusão, podemos afirmar que a declaração da usucapião de bem imóvel integrante de herança em favor de um só herdeiro é exceção e somente com o exame adequado dos elementos exigidos para tal declaração, poderá ocorrer.

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O ROL DO ART. 1.015 DO CPC E O MANDADO DE SEGURANÇA

Anna Paula Kucera Miorando

A doutrina majoritária no Brasil entende que o rol do art.1.015 do Código de Processo Civil, referente às hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, são taxativas.

Portanto, para que o juízo de 2º Grau exerça a reanálise pela interposição do recurso de Agravo de Instrumento, a questão deverá envolver diretamente tutelas provisórias; de mérito; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; incidente de desconsideração da personalidade jurídica; rejeição do pedido de Gratuidade da Justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte ou rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; além de outros casos expressamente referidos em lei, afora decisões tomadas nos incidentes de liquidação e cumprimento de sentença, processos de inventário e execução, cujo recurso de Agravo de Instrumento caberá de quaisquer decisões por força do parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.

Neste sentido, tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, exemplificativamente, transcrevo nas seguintes ementas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DECISÃO QUE DESACOLHE A IMPUGNAÇÃO A GRATUIDADE DA JUSTIÇA. RECURSO CABÍVEL NÃO É O AGRAVO DE INSTRUMENTO. TAXATIVIDADE DO ROL. A decisão que desacolhe a impugnação da Gratuidade da Justiça à parte autora não está contemplada no rol taxativo do art. 1.015 do CPC. Não conhecimento do agravo de instrumento, nos termos do art. 932, III, do CPC é medida que se impõe. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70076535947, Décima

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Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 05/02/2018)

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INDEFERIMENTO DE PERICIA CONTABIL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.015 DO CPC/15. O agravo de instrumento não restou conhecido, pois a decisão agravada não está elencada do rol taxativo do artigo 1.015 do CPC/15. Ademais, o recorrente não impugnou os fundamentos da decisão anteriormente proferida, restando mantida a decisão agravada. NÃO CONHECERAM O AGRAVO INTERNO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70075985564, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 22/02/2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE TERCEIRO. DECISÃO QUE RECONHECE CORRETO O CÁLCULO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. DECISÃO NÃO RECORRÍVEL. ART. 1015. ROL TAXATIVO. RECURSO INADMISSÍVEL. CPC/15. A decisão recorrida que reconheceu correto o cálculo de custas apresentado pela Contadoria Judicial não é agravável, pois não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 1.015, caput e parágrafo único, do CPC/15, o que permite não conhecimento do recurso, por manifestamente inadmissível. NÃO CONHECERAM DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70075703843, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 22/02/2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE ARRENDAMENTO CUMULADA COM RESCISÃO CONTRATUAL, DESPEJO E CAUTELAR DE ARRESTO. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. DECISÃO NÃO PASSÍVEL DE RECURSO. A decisão recorrida não está contemplada nas hipóteses previstas no rol taxativo do art. 1.015 do NCPC e não é caso de interpretação analógica ou mitigada do rol, razão de não conhecimento do agravo de instrumento, nos termos do art. 932, III, do NCPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO.

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(Agravo de Instrumento Nº 70076229467, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 19/12/2017)

O Superior Tribunal de Justiça, igualmente, a muito vem explicitando em seus julgados a taxatividade do rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil, conforme demonstra, exemplificativamente, a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO CABIMENTO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. CONSUMIDOR.IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.1. Cuida-se, na origem, de Agravo de Instrumento interposto contra decisão do Juiz de primeiro grau, que, nos autos da Ação de Repetição de Indébito proposta pela ora recorrida, rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva e a denunciação da lide.2. O Tribunal a quo negou provimento ao Agravo de Instrumento da ora recorrente e assim consignou na sua decisão: “O artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 dispõe sobre as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, sendo que, em nenhuma delas, está previsto o ato judicial que rejeita a arguição de ilegitimidade passiva ad causam, de maneira que, nesse ponto, o presente recurso é inadmissível. (...) Tratando-se de matéria não compreendida no rol das hipóteses elencadas no art. 1.015 do Código de Processo Civil, a discussão não restará preclusa, pois será possível devolvê-la ao Tribunal em futuro recurso de apelação ou em contrarrazões, em atenção ao que dispõe o artigo 1.009, § 1º, do referido diploma legal, in litteris: (...) No tocante ao pedido de denunciação da lide do Município do Rio de Janeiro, o recurso deve ser conhecido e desprovido, pois esta modalidade de intervenção de terceiro não é admitida pela legislação consumerista, nos termos do artigo 88 do CDC. (...) Isto posto, voto no sentido de conhecer parcialmente do recurso e nessa parte nega-lhe provimento.” (fls. 29-32, grifo acrescentado).3. Esclareça-se, como consignado pelo Tribunal de origem, que não é cabível a interposição do Agravo de Instrumento contra decisão

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interlocutória que versa sobre ilegitimidade passiva, pois essa matéria não faz parte do rol de hipóteses do artigo 1.015 do CPC/2015.4. Ademais, para acolher a tese da recorrente, quanto à ilegitimidade passiva, é necessário o reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. 5. E com relação a denunciação da lide, esclareça-se que é “pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual, em se tratando de relação de consumo, descabe a denunciação da lide, nos termos do art. 88 do Código de Defesa do Consumidor.” (AgInt no REsp 1.635.254/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellize, Terceira Turma, DJe 30/3/2017).6. Por fim, o acórdão recorrido encontra-se bem fundamentado, sendo que não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram.7. Recurso Especial não provido.(REsp 1701917/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 19/12/2017)

Por conseguinte, importante os apontamentos realizados por Teresa Arruda Alvim Wambier132:

O rol previsto nos incisos e parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015 aparentemente é taxativo. (...) Eventual extensão do rol para outras hipóteses talvez venha com o tempo. Tal análise caberá a doutrina e a jurisprudência, apesar de parecer que a intenção do legislador foi a de realmente elaborar um rol taxativo para o cabimento do recurso de agravo de instrumento.

Sobre o artigo 1.015 do CPC e ser o seu rol taxativo, explica Alexandre Freitas Câmara133:

132 – Breves comentários do código de processo civil [livro eletrônico]. Teresa Arruda Alvim Wambier...[et al.], coordenadores. 1ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.133 – Câmara, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, Pag. 448.

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O Rol do Art. 1.015 do CPC e o Mandado de Segurança

“Agravo de instrumento é o recurso adequado para impugnar algumas decisões interlocutórias, expressamente indicadas em lei como sendo recorríveis em separado. O art. 1.015 estabelece um rol taxativo. Assim, só é impugnável por agravo de instrumento a decisão interlocutória que, proferida por juízo de primeira instância, venha a se enquadrar em alguma das hipóteses previstas nos incisos do art. 1.015 ou que seja declarada agravável por alguma outra disposição legal.”

Não se desconhecem os intensos debates a respeito da possibilidade do rol ter uma interpretação extensiva, analógica ou mitigada, em que se admitiria que as decisões elencadas no art. 1.015 do CPC compreendem um rol verticalmente taxativo e horizontalmente exemplificativo.

Inclusive, colaciono a seguinte decisão do próprio STJ, a qual assinala que o rol do art. 1.015 do CPC é taxativo, mas possibilita a utilização de interpretação extensiva pelos juristas:

PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. ROL TAXATIVO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. DECISÃO QUE AFASTA A PRESCRIÇÃO E A DECADÊNCIA. POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO.1. É certo que as hipóteses de Agravo de Instrumento trazidas pelo CPC de 2015 são taxativas, mas também é certo que o exegeta pode valer-se de uma interpretação extensiva. 2. A decisão sobre prescrição e decadência é, consoante o art. 487, II, de mérito, não havendo razão para somente permitir a interposição de Agravo de Instrumento da decisão que reconhece os dois institutos. 3. É inadequada a preclusão prematura da decisão que afasta as prejudiciais de mérito elencadas na contestação, razão pela qual, por meio de interpretação extensiva, deve-se reconhecer a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento nesses casos, ou mesmo por interpretação literal, diante do teor do art. 1.015, II, do CPC.4. Recurso Especial conhecido e provido.(REsp 1695936/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017)

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Ainda, os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni134 a este respeito:

(...) 2. Rol taxativo. A fim de limitar o cabimento do agravo de instrumento, o legislador vale-se da técnica da enumeração taxativa das suas hipóteses de conhecimento. Isso não quer dizer, porém, que não se possa utilizar a analogia para interpretação das hipóteses contidas nos textos. Como é amplamente reconhecido, o raciocínio analógico perpassa a interpretação de todo o sistema jurídico, constituindo ao fim e ao cabo um elemento de determinação do direito. O fato de o legislador construir um rol taxativo não elimina a necessidade de interpretação para sua compreensão: em outras palavras, a taxatividade não elimina a equivocidade dos dispositivos e a necessidade de se adscrever sentido aos textos mediante interpretação.

Neste diapasão, considerando a forma de disposição do novo Código de Processo Civil em vigência, penso que o legislador foi claro na intenção de limitar as hipóteses de admissão do recurso de Agravo de Instrumento, sem que isso possa resultar na ideia de ausência de qualquer recurso pois, não sendo hipótese de decisão recorrível por Agravo de Instrumento (e não ser a hipótese de cabimento de Mandado de Segurança, como veremos adiante), caberá o reexame na apelação, ou seja, ao final e ao cabo, caberá recurso de todas as decisões prolatados pelo julgador de primeiro grau.

Aliás, é esse o caminho traçado pela Exposição de Motivos do novo CPC, que reproduzo na parte que interessa:

(...) Bastante simplificado foi o sistema recursal. Essa simplificação, todavia, em momento algum significou restrição ao direito de defesa. Em vez disso deu, de acordo com o objetivo tratado no item seguinte, maior rendimento a cada processo individualmente considerado.Desapareceu o agravo retido, tendo, correlatamente, alterado-se o regime das preclusões. Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade,

134 – Marinoni, Luiz Guilherme, Novo Código de Processo Civil Comentado – livro eletrônico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

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O Rol do Art. 1.015 do CPC e o Mandado de Segurança

o que se modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado, como preliminar de apelação. Com o novo regime, o momento de julgamento será o mesmo; não o da impugnação.O agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de concessão, ou não, de tutela de urgência; para as interlocutórias de mérito, para as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal expressa. (...)

Entretanto, temos encontrado situações fora das hipóteses de cabimento legal do recurso de Agravo de Instrumento que merecem a devida reanálise em grau recursal antes da sentença definitiva, e não só em apelação. São situações que, considerando os fatos em concreto e os efeitos imediatos na decisão prolatada, não podem ficar sem o amparo recursal imediato (ou o exame em grau recursal imediato), sob pena de causar um mal maior ao processo e às partes, haja vista que, pela lógica recursal atualmente posta na legislação processual brasileira, deveriam aguardar o recurso cabível, no caso, recurso de apelação, conforme referido.

São situações que, se não forem desde logo analisadas e resolvidas, acabarão ferindo princípios constitucionais da celeridade processual e efetividade, a par do princípio da segurança jurídica, aqueles os quais são há muito defendidos e buscados pelo Ordenamento Pátrio.

Disso, ou seja, da não violação do artigo 1.015 do CPC e a concordância de que expressa um rol legal taxativo, resulta o ressurgimento do Mandado de Segurança como sucedâneo recursal, na forma prevista no artigo 1º da Lei 12.016/2009135. Aliás, é o que também podemos deduzir com a aplicação do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, que prevê expressamente:

135 – “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte da autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.

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Art. 5º. (...)LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

No entanto, importa frisar que não são todas as hipóteses que possibilitarão o cabimento do Mandado de Segurança como espécie de sucedâneo recursal, mas tão somente daquelas decisões judiciais em que, cumulativamente, não couber recurso com efeito suspensivo, a decisão atacada apresentar-se teratológica, ilegal ou abusiva e, ainda, apta a causar dano imediato, irreparável ou de difícil reparação à parte. Exemplificativamente, cito a hipótese da decisão que declina de ofício à competência relativa e contra a qual não cabe a interposição do recurso de Agravo de Instrumento, tendo em vista que o rol de cabimento trazido no art. 1.015 do CPC o apresenta de forma taxativa e não contempla tal hipótese.

Penso que esta seria uma proposição admissível do Mandado de Segurança, pois não pode a parte ficar sem o direito ao efetivo e imediato exercício do duplo grau de jurisdição, sob pena de sofrer dano que não poderá mais ser reparado. Está pacificado na lei, doutrina e jurisprudência que o juiz não pode agir de ofício nessa questão, resultando ser adequada a interposição do mandado de Segurança, exatamente pelo que prescreve o art. 1º da Lei nº 12.016/2009136 e, ainda, porque não é caso das hipóteses de proibição da impetração do Mandado de Segurança, estampados no art. 5º 137 da referida lei. Não se olvida que esta situação está longe de consenso, seja nos Tribunais de Justiça ou Cortes Superiores, assim como na doutrina.

Neste diapasão, a corrente majoritária do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende inadmissível a mitigação do rol e também a interposição

136 – Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. 137 – Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado.

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O Rol do Art. 1.015 do CPC e o Mandado de Segurança

do Mandado de Segurança como sucedâneo recursal. No entanto, há diversos entendimentos em sentido contrário, ou seja, admitindo a taxatividade do rol do art. 1.015 do CPC, por consequência, a interposição do mandamus como sucedâneo recursal, em condições específicas, conforme se percebe das ementas a seguir colacionadas:

MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM JUDICIAL. DECLINAÇÃO DE OFÍCIO DE COMPETÊNCIA AO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. - Adequação do presente mandado de segurança, considerando a disposição do art. 1º da Lei nº 12.016/2009 e a impossibilidade da interposição do agravo de instrumento, tendo em vista a taxatividade do rol especificado no art. 1.015 do CPC/15. - A escolha de demandar no Juizado Especial Cível ou no juízo comum estadual é opção do jurisdicionado, nos termos do art. 3º, §3º, da Lei 9.099/95 e do art. 1º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 10.675/96. - A decisão que, de ofício ou não, declina da competência do juizado comum estadual para o juizado especial cível, em causas que, em tese, seriam de competência de ambos, mas que teve a escolha pelo titular da ação de litigar na justiça comum, é teratológica, ilegal e abusiva e apta a causar dano irreparável ao impetrante, e, não estando no rol taxativo do art. 1015 do CPC, é atacável por Mandado de Segurança. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Nº 70070700984, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 30/03/2017)

MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO MONOCRÁTICA. ATO JUDICIAL. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. HIPÓTESE ESTRANHA AO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO CPC/15. DESCABIMENTO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. NÃO CONFIGURADA DECISÃO TERATOLÓGICA. O mandado de segurança é remédio constitucional de exceção, de interpretação restritiva e apto a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, e contra decisão teratológica, ilegal ou abusiva, apta a causar dano irreparável ou de difícil reparação, e da qual não caiba interposição de recurso. Decisão judicial que declina competência para o Juizado Especial Cível que não pode ser considerada

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teratológica, considerado que a discussão não resta preclusa e pode ser alvo de insurgência em momento processual posterior. Inviável a impetração do mandamus para suprir hipótese não subsumida no rol taxativo do art. 1.015 do NCPC. Precedentes. Indeferimento da inicial com base no artigo 10 da Lei 12.016/2009 e artigos 169, XL e 259, ambos do Regimento Interno deste TJRS. INDEFERIDA A INICIAL DO MANDADO DE SEGURANÇA. (Mandado de Segurança Nº 70075977850, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 23/11/2017)

MANDADO DE SEGURANÇA. SEGUROS. PLANO E SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. DECLINAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO CABÍVEL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Descabe a impetração do mandado de segurança contra decisão judicial que, de ofício, declina da competência territorial. O fato de inexistir previsão legal para a interposição de agravo de instrumento, ante o rol taxativo do art. 1015 do CPC, não basta para o manejo do remédio constitucional, que deve ser destinado à proteção de direito líquido e certo. Viabilidade do conflito de competência. Arts. 951 e 953, II, do CPC. Precedentes. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Mandado de Segurança Nº 70075632331, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 29/10/2017)

MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA. JUIZADOS ESPECIAIS. O Código de Processo Civil de 2015 restringiu a aplicabilidade do agravo de instrumento a hipóteses taxativamente previstas em lei. A decisão agravada, que declinou a competência para o Juizado Especial Cível, não está inserida no rol de decisões agraváveis, razão pela qual a impetração do mandado de segurança é cabível. Esta Câmara possui entendimento de que a competência dos juizados especiais cíveis não é absoluta, ou seja, a parte-autora possui liberdade de escolha quanto ao ingresso com a ação no JEC ou na justiça comum, sendo vedado ao juízo declinar de ofício. CONCEDIDA A ORDEM. UNÂNIME.

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O Rol do Art. 1.015 do CPC e o Mandado de Segurança

(Mandado de Segurança Nº 70073612780, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em 23/08/2017)

AGRAVO INTERNO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA PARA O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DECISÃO MANTIDA. A decisão hostilizada não se encontra elencada no rol taxativo do artigo 1.015 do CPC/15 - agravo de instrumento. No entanto, em que pese a ausência de previsão legal, tal situação, por si só, não autoriza a impetração de mandado de segurança, em razão de que a decisão não se mostra ilegal ou abusiva, tampouco trará prejuízo a parte. Ausência de elementos novos a autorizar a modificação da decisão anteriormente proferida. Decisão mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70070927157, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 17/11/2016)

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão monocrática de 01 de dezembro de 2017, do Ministro OG Fernandes, proferida no Recurso em Mandado de Segurança nº 53.400/RS foi nessa mesma toada, isto é, do cabimento do Mandado de Segurança em situação especial e específica, nas hipóteses de evidente prejuízo decorrente de decisão teratológica, mesmo que na condição de sucedâneo recursal, mantendo, desta feita, a taxatividade do rol de cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, in verbis:

Vistos, etc.Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (e-STJ, fl. 266): AGRAVO INTERNO. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA DECLINADA DE OFÍCIO PARA O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. Decisão judicial que declina competência para o Juizado Especial Cível que não pode ser considerada teratológica, considerado que a discussão não resta preclusa e pode ser alvo de insurgência em momento processual posterior. O mandado de segurança não se mostra remédio adequado para

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atacar ato jurisdicional suscetível de impugnação por recurso, deve ser indeferida sua inicial. Agravo interno desprovido. Unânime. O recorrente defende a ilegalidade da decisão proferida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Santa Rosa/RS, que declinou de ofício da competência para o processamento de ação declaratória de inexigibilidade de cobrança cumulada com repetição de indébito, danos morais e responsabilidade civil. Sustenta a necessidade de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de que seja superada a irrecorribilidade prevista no art. 1.015 do CPC/2015.Decido. Em caso análogo ao dos autos, esta Corte Superior concluiu pelo cabimento do mandado de segurança, não obstante inexistir previsão expressa no art. 1.015 do CPC/2015. Isso porque não é razoável que a parte prejudicada aguarde todo o processamento do feito perante o Juizado Especial para, em preliminar do recurso inominado, buscar o reconhecimento da incompetência daquele órgão julgador, o que ensejará a desconstituição dos atos decisórios e a retorno do feito para que seja novamente processado sob o rito ordinário. Além disso, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não se admite o reconhecimento de ofício da incompetência da Justiça Comum Estadual, com a remessa dos autos para o Juizado Especial Cível, por se tratar de opção conferida ao autor. Logo, em tais casos, deve-se excepcionar os rigores da Súmula 267/STF para se permitir o controle de competência pelo respectivo Tribunal de Justiça. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. CONTROLE DE COMPETÊNCIA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. ART. 3º, § 3º, DA LEI 9.099/1995 E ART. 1º DA LEI ESTADUAL 10.675/1996. OPÇÃO DO AUTOR. 1. Hipótese em que o Tribunal local consignou: “esta Corte Estadual já vem afastando a possibilidade de manejo do ‘mandamus’ com a finalidade de suprir hipótese não prevista no rol taxativo do art. 1.015 do Novo Código de Processo Civil” (fl. 194, e-STJ). 2. “A jurisprudência do STJ admite a impetração de mandado de segurança para que o Tribunal de Justiça exerça o controle da competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, vedada a análise do mérito do processo subjacente” (RMS 33.155/MA, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 29.8.2011). 3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento

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de que “o processamento da ação perante o Juizado Especial é opção do autor, que pode, se preferir, ajuizar sua demanda perante a Justiça Comum” (REsp. 173.205/SP, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 14.6.1999). A propósito: REsp 331.891/DF, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, 21.3.2002; REsp 146.189/RJ, Rel. Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ 29.6.1998. 4. O art. 3º, § 3º, da Lei 9.099/1995 e o art. 1º da Lei Estadual 10.675/1996 permitem que a demanda seja ajuizada no Juizado Especial ou na Justiça Comum, sendo essa uma decisão da parte.5. Recurso Ordinário provido. (RMS 53.227/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017)Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para cassar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que, afastado o óbice referente ao cabimento, julgue o mandado de segurança como entender de direito. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 29 de novembro de 2017. Ministro Og Fernandes. Relator (Ministro OG FERNANDES, 01/12/2017)

Inclusive, a este respeito, Daniel Amorim Assumpçao Neves138 leciona:

(...) Da decisão interlocutória que acolhe ou rejeita a alegação de incompetência do réu - tanto a absoluta como a relativa - não cabe agravo de instrumento, por não estar tal decisão prevista no rol do art. 1.015 do Novo CPC e tampouco existir uma previsão específica de cabimento de tal espécie recursal. A recorribilidade deverá ser feita por alegação em apelação ou contrarrazões de apelação, nos termos do art. 1.009, § 1°, do Novo CPC, mas nesse caso não é preciso muito esforço para se notar a inutilidade da via recursal prevista em lei. Como os atos praticados pelo juízo incompetente, inclusive no caso de incompetência absoluta, não são nulos, mesmo que o tribunal

138 – NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 585.

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de segundo grau reconheça a incompetência no julgamento da apelação, poderá, nos termos do art. 64, § 4° do Novo CPC, deixar de anular os atos praticados em primeiro grau pelo juízo incompetente. Diante de tal situação, entendo ser cabível o mandado de segurança contra tal decisão (...).

Mas, surpreendentemente, e ainda em decisão isolada, em julgamento proferido no Recurso Especial nº 1.679.909, em 14 de novembro de 2017, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, o Superior Tribunal de Justiça encontrou outra solução para a hipótese envolvendo decisão que declina competência. Veja o arresto da decisão:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS PROCESSUAIS. TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO CABÍVEL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 1 DO STJ. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA COM FUNDAMENTO NO CPC/1973. DECISÃO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO PELA CORTE DE ORIGEM. DIREITO PROCESSUAL ADQUIRIDO. RECURSO CABÍVEL. NORMA PROCESSUAL DE REGÊNCIA. MARCO DE DEFINIÇÃO. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA OU EXTENSIVA DO INCISO III DO ART. 1.015 DO CPC/2015.1. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que as normas de caráter processual têm aplicação imediata aos processos em curso, não podendo ser aplicadas retroativamente (tempus regit actum), tendo o princípio sido positivado no art. 14 do novo CPC, devendo-se respeitar, não obstante, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.2. No que toca ao recurso cabível e à forma de sua interposição, o STJ consolidou o entendimento de que, em regra, a lei regente é aquela vigente à data da publicação da decisão impugnada, ocasião em que o sucumbente tem a ciência da exata compreensão dos fundamentos do provimento jurisdicional que pretende combater. Enunciado Administrativo n. 1 do STJ.3. No presente caso, os recorrentes opuseram exceção de incompetência com fundamento no Código revogado, tendo o

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incidente sido resolvido, de forma contrária à pretensão dos autores, já sob a égide do novo Código de Processo Civil, em seguida interposto agravo de instrumento não conhecido pelo Tribunal a quo.4. A publicação da decisão interlocutória que dirimir a exceptio será o marco de definição da norma processual de regência do recurso a ser interposto, evitando-se, assim, qualquer tipo de tumulto processual.5. Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda.6. Recurso Especial provido.(REsp 1679909/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018)

Verifico, portanto, que o STJ entendeu que é possível realizar interpretação analógica ou extensiva, do art. 1.015 do CPC, inciso III (rejeição da alegação de convenção de arbitragem), no caso, portanto e pelo menos, quando envolve definição de competência, tornando cabível a interposição do agravo de instrumento.

Transcrevo trechos da decisão:

(...) Evitam-se, por essa perspectiva: a) as inarredáveis consequências de um processo que tramite perante um juízo incompetente (passível até de rescisória - art. 966, II, CPC); b) o risco da invalidação ou substituição das decisões (art. 64, § 4°, primeira parte); c) o malferimento do princípio da celeridade, ao se exigir que a parte aguarde todo o trâmite em primeira instância para ver sua irresignação decidida tão somente quando do julgamento da apelação; d) tornar inócua a discussão sobre a (in)competência, já que os efeitos da decisão proferida poderão ser conservados pelo outro juízo, inclusive deixando de anular os atos praticados pelo juízo incompetente, havendo, por via transversa, indevida “perpetuação” da competência; e) a angústia da parte em ver seu processo dirimido por juízo que, talvez, não é o natural da causa.

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Trata-se de interpretação extensiva ou analógica do inciso III do art. 1.015 - “rejeição da alegação de convenção de arbitragem” -, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda. (...)

A situação é nova e isolada, conforme referido. Entretanto, busca uma solução para questões práticas que ficaram obscuras diante da entrada em vigor do novo diploma processual civil.

Nestes termos, é possível notar um ideal de flexibilização, mitigação ou interpretação analógica do entendimento do rol ser taxativo para recurso de Agravo de Instrumento contemplado no Código de Processo Civil, feito pelo Superior Tribunal de Justiça em ambos os julgamentos, quando se está diante de situações jurídicas excepcionais que ferem princípios constitucionais, especialmente o da celeridade e eficiência.

Penso que a interpretação envolvendo o rol do art. 1.015 do CPC acabará gerando mais incertezas e inseguranças do que propriamente soluções pois, no mínimo, criou-se uma questão não resolvida pela interpretação que, em última análise, “mitigou” a taxação do rol do art. 1.015 do CPC. Refiro-me à questão da preclusão ou não de decisões não recorridas pela limitação do rol do art. 1.015 do CPC.

Neste enfoque, importa registrar a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça, no dia 20-02-2018 afetou aos repetitivos à admissão de agravo de instrumento nas hipóteses não previstas no Código de Processo Civil, nos REsp nº 1.704.520 e REsp nº 1.696.396. O tema foi cadastrado com a seguinte redação:

“Definir a natureza do rol do artigo 1.015 do CPC/2015 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos do referido dispositivo do novo CPC.”

Portanto, o Superior Tribunal de Justiça, em breve, manifestará acerca da questão uma vez que, no momento, ainda é majoritário o entendimento (o qual é bastante salutar) de que o rol do art. 1.015 do CPC é taxativo, sendo cabível, em hipóteses excepcionais e devidamente justificadas, a realização de interpretação

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extensível ou mesmo o cabimento do Mandado de Segurança, consoante acima exposto.

Recordo que a disposição do Novo Diploma Processual visa dar mais valor às decisões dos Juízes de 1ª Instância, além de buscar a segurança jurídica e a celeridade processual, o que é basilar para o sistema judiciário brasileiro atual. No entanto, em determinadas, especiais e extraordinárias situações, por certo que o extremo formalismo levará a maior morosidade e distanciamento à justiça efetiva aos cidadãos, busca máxima do Poder Judiciário através de seus Magistrados.

Afora isto, seja sopesando a interposição de Mandado de Segurança frente a decisões judiciais teratológicas (não obstante o teor da Súmula 267 do Superior Tribunal de Justiça, seja flexibilizando a interpretação do art. 1.015, inciso III, do CPC), deve-se considerar o suposto abuso e ilegalidade de eventuais decisões tomadas, com vistas ao puro legalismo formal, frente aos Princípios Constitucionais de maiores voga, como da Celeridade e da Efetividade Processual.

Aguardemos as próximas conclusões da Corte Superior sobre a taxatividade ou exemplificatividade do rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil e suas consequências futuras ao processo.

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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A (NÃO) BANALIZAÇÃO DO INSTITUTO

Fernanda Raquel Tomasi Chaves

I – INTRODUÇÃO

Um dos assuntos de grande debate no judiciário, em razão das reiteradas demandas que envolvem sociedades de pessoas que não honram suas dívidas, diz respeito a desconsideração da personalidade jurídica nas relações de direito privado civil.

Num primeiro momento, indagamos acerca da utilidade de escrever mais um artigo sobre o tema, considerando que a matéria tem sido objeto de intensos debates. Porém, pensamos que o assunto merece, sim, mais atenção, uma vez que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica está sendo banalizado, quando deveria ser utilizado para questões excepcionais, perdendo-se do norte pelo qual o instituto foi criado, ainda mais com o advento da regulação procedimental pelo Novo Código de Processo Civil.

II – CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Inicialmente salientamos que a aplicação do instituto em análise somente é possível quando a personalidade jurídica da sociedade é distinta da personalidade de seus membros, situação que se restringe a dois tipos societários: sociedades anônimas e sociedades limitadas.

A responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais, comumente, é subsidiária e nesse aspecto o artigo 1024 do Código Civil139 preceitua que os bens dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade senão depois de executados os bens sociais.

139 – Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

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Contudo, essa proteção patrimonial não é absoluta, na medida em que em determinadas situações é permitido o avanço no patrimônio pessoal dos sócios por dívida da sociedade.

A desconsideração da personalidade jurídica também conhecida internacionalmente como “Disregard of legal entity” ou “disregard doctrine” foi, inicialmente, uma teoria construída com a finalidade de coibir abusos nas hipóteses em que os atos da sociedade desviavam-se de suas finalidades. A partir de então, relativizou-se a autonomia absoluta entre o patrimônio de uma pessoa jurídica e o patrimônio dos respectivos sócios.

Com o advento do Código Civil de 2002 a desconsideração da personalidade jurídica foi tipificada no art. 50140, o qual dispõe que em caso de abuso à personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial pode o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A maioria dos doutrinadores considera o desvio da função critério básico para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e tal ocorre quando as partes buscam alcançar determinado fim atípico ao negócio jurídico141.

Acerca do instituto da desconsideração da personalidade jurídica convém trazer os ensinamentos de Fredie Didier Jr.:142

“A pessoa jurídica é, portanto, um instrumento técnico-jurídico desenvolvido para facilitar a organização da atividade econômica. Se assim é, o caráter de instrumentalidade implica o condicionamento do instituto ao pressuposto do atingimento do fim jurídico a que se destina.A pessoa jurídica é técnica criada para o exercício da atividade econômica e, portanto, para o exercício do direito de propriedade. A chamada função social da pessoa jurídica (função social da empresa)

140 – Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica141 – SILVA. Alexandre, Couto. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro – 2ª Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 76. 142 – Fredie Didier Jr., Regras Processuais no Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 5/6.

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A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a (Não) Banalização do Instituto

é corolário da função social da propriedade, já tão estudada e expressamente prevista na Constituição Federal.O estudo da desconsideração da personalidade jurídica, portanto, deve iniciar-se dessa premissa: é indispensável a análise funcional do instituto da pessoa jurídica, a partir da análise também funcional do direito de propriedade, para que se possa compreender corretamente a desconsideração, que, em teoria geral do direito, é sanção aplicada ao ato ilícito (no caso, a utilização abusiva da personalidade jurídica).Eis, portanto, a premissa constitucional da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.(...)A teoria da desconsideração não tem por finalidade extinguir a pessoa jurídica - trata-se de uma técnica de suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, de modo a buscar, no patrimônio dos sócios, bens que respondam pela dívida contraída.Cumpre alertar, ainda, que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pretende destruir o histórico princípio da separação dos patrimônios da sociedade e de seus sócios, mas, contrariamente, servir como mola propulsora da funcionalização da pessoa jurídica, garantindo as suas atividades e coibindo a prática de fraudes e abusos através dela. ‘Assim, de um lado, permanece intacta a personalidade jurídica, valendo a desconsideração para aquele caso específico. Nesse sentido, a desconsideração é um eficaz antídoto contra as situações falimentares, já que permite a proteção do patrimônio social. (...) De outro lado, a desconsideração não influi sobre a validade do ato ou atos praticados, o que permite preservar direitos e interesses de terceiros de boa-fé’.É importante frisar, curiosamente, que a aplicação da teoria da desconsideração pressupõe a prática de atos aparentemente lícitos (ao menos aparentemente). Aplica-se a teoria da desconsideração, apenas, se a personalidade jurídica autônoma da sociedade empresária colocar-se como obstáculo à justa composição dos interesses; se a autonomia patrimonial da sociedade não impede a imputação de responsabilidade ao sócio ou administrador, não existe desconsideração. Uma regra geral que atribua responsabilidade ao sócio, em certos ou em todos os casos, não é regra de desconsideração

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da personalidade jurídica. Como visto, o método da desconsideração caracteriza-se por ser ela casuística/episódica.”

Cumpre observar que o Código Civil de 2002 adotou a denominada “Teoria Maior”143 sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Maior, porque são exigidos requisitos específicos e expressos na lei para a sua viabilização, permitindo a penetração no patrimônio das pessoas físicas que compõe a pessoa jurídica para o adimplemento de obrigações desta.

O Superior Tribunal de Justiça, embora entenda que a “Teoria Maior” seja a regra para a desconsideração da personalidade jurídica, não impede a utilização de outros requisitos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em outros ramos do direito. Aliás, na questão tributária, que não é objeto deste artigo, as regras são outras.

Oportuno salientar, que legislações como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e Sanções Ambientais) ampliaram as hipóteses para a desconsideração da personalidade jurídica e, portanto, adotaram a “Teoria Menor”.

É o que dispõe o art. 28 do CDC:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.§5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

E, ainda, o art. 4º da Lei 9.605:

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

143 – Após a codificação da desconsideração da personalidade jurídica pelo Código Civil em vigor a utilização da expressão “teoria”, ainda que utilizada para trabalhos doutrinários amparados pela jurisprudência, parece-nos desnecessária, porque a matéria já encontra-se tipificada.

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A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a (Não) Banalização do Instituto

Utiliza-se a denominação “Teoria Menor”, porque são exigidos menos requisitos para sua aplicação, ou, como já dito, as hipóteses de incidência são mais amplas, na medida em que, como vimos nos dispositivos consumeristas e ambientais antes referidos, basta a demonstração de que a personalidade jurídica da sociedade configura um obstáculo para a reparação de prejuízos ao consumidor ou ao meio ambiente para que o patrimônio pessoal dos sócios responda pelas obrigações contraídas pela sociedade ou a elas imputadas.

Recentemente, a Lei 12.846/2013, denominada Lei Anti-Corrupção, criou uma nova modalidade de desconsideração administrativa, sem a necessidade de intervenção judicial, já que artigo que disciplina a questão está inserido no capítulo que trata do processo administrativo de responsabilização.

Dispõe o art. 14: A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.”

Entretanto, regra geral, no direito privado civil brasileiro, adota-se a “Teoria Maior” da desconsideração da personalidade jurídica, de forma que a impossibilidade de a empresa cumprir as suas obrigações ou ter encerrado irregularmente suas atividades e com dívidas, não são suficientes, por si sós, para ensejar a responsabilização do patrimônio dos sócios.

Neste viés, a desconsideração da personalidade jurídica deve configurar-se em medida extrema devendo ser utilizada com cautela, conforme pontua Flávio Tartuce144:

“Em resumo, não se pode esquecer que, para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, devem ser utilizados os parâmetros constantes do art. 187 do CC, que conceitua o abuso de direito como ato ilícito. Esses parâmetros são o fim social ou econômico da empresa, a boa-fé objetiva e os bons costumes, que constituem cláusulas gerais que devem ser preenchidas pelo aplicador caso a caso. Desse modo, a desconsideração da personalidade jurídica não pode ocorrer de forma excessiva, como

144 – Op. Cit. p. 160.

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é comum em decisões da Justiça do Trabalho, em que muitas vezes um sócio que nunca administrou a empresa é responsabilidade por dívidas trabalhistas.”

Não por outra razão, o artigo 50 do Código Civil tipifica a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica em uma única hipótese: - Em caso de abuso da personalidade jurídica. E, mais específico, só reconhece esse abuso para o fim da desconsideração quando ficar caracterizado o desvio de finalidade da sociedade ou pela confusão patrimonial dela com a dos sócios.

É evidente que dependendo da conotação que dermos aos conceitos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, teremos uma maior ou menor abrangência ou incidência da desconsideração, razão de tratarmos a seguir de duas hipóteses que mais acontecem no mundo jurídico e exigem o enfrentamento no judiciário.

III – APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NAS HIPÓTESES DE NÃO LOCALIZAÇÃO DE BENS DA SOCIEDADE E NA DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE

Pontos relevantes e objeto de muitas discussões judiciais dizem respeito aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de não localização de bens e na dissolução irregular da sociedade que, na maioria das vezes andam juntas.

É comum o encerramento das atividades empresariais sem a regular liquidação dos débitos, em razão de incompetência empresarial, questões burocráticas ou mesmo por insolvência. Mas são circunstâncias que, por si sós, não levam automaticamente a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Neste aspecto, cumpre mencionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCABIMENTO. ART. 50 DO CCB.1. A desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária com base no art. 50 do Código Civil exige, na esteira da

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jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de abuso da personalidade jurídica.2. O encerramento irregular da atividade não é suficiente, por si só, para o redirecionamento da execução contra os sócios.3. Limitação da Súmula 435/STJ ao âmbito da execução fiscal.4. Precedentes específicos do STJ.5. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.(STJ - AgRg no REsp: 1386576 SC 2013/0177463-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 19/05/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2015).

Na mesma esteira é o posicionamento majoritário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCABIMENTO. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. O Código Civil Brasileiro, em seu art. 50, adotou a chamada Teoria Maior da Desconsideração, exigindo, para que se possa desconsiderar a personalidade jurídica, não só a insolvência da pessoa jurídica, como, também, a prova de requisitos legais específicos. Dessa forma, tem-se que o fato de a pessoa jurídica não ter sido encontrada no endereço designado nos autos não se apresenta, de per si, como causa suficiente para que se possa desconsiderar a personalidade jurídica. Necessário, ainda, que se comprove que a insolvência e que este estado econômico tenha decorrido de desvio de finalidade (desrespeito ao objetivo social da empresa) ou confusão patrimonial, requisitos específicos esses não demonstrados na hipótese. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO POR DECISÃO DO RELATOR.(Agravo de Instrumento Nº 70049478217, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 15/06/2012)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Uma vez não demonstrada a existência de desvio de finalidade ou

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confusão patrimonial entre os bens da empresa demandada e de seus sócios, não há falar em desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, prevista no art. 50 do CC/02, como forma de estender a responsabilidade solidária pelo pagamento de débitos da empresa demandada. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento Nº 70039573100, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 16/12/2010)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. PEDIDO DO CREDOR PARA DESCONSIDERAR A PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA DEVEDORA. INDEFERIMENTO. I. A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional e extrema, somente aplicável quando o devedor tenha praticado algum ato ilícito configurado por abuso de direito ou excesso de poder, a teor do que preceitua o art. 50 do Código Civil de 2002. II. No caso sub judice, como assinalado pela julgadora de primeiro grau, a simples inexistência de bens ou de demonstração de encerramento irregular com prática de fraude e abuso de direito não são suficientes para o redirecionamento da execução aos sócios em dívidas entre particulares, fatos que não são, por si, indícios de fraude, confusão patrimonial ou abuso de poder. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento Nº 70068255108, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 30/06/2016)

Há doutrinadores que entendem que o encerramento irregular configura exemplo típico de abuso de personalidade jurídica, particularmente de desvio de finalidade da empresa145.

Para o Superior Tribunal de Justiça146, a mera insolvência ou dissolução irregular da sociedade sem a devida baixa na junta comercial e sem a liquidação dos ativos não levam à desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que tal circunstância não faz presumir o abuso da personalidade jurídica147.

145 – Nesse sentido Flávio Tartuce, op. cit. p. 162.146 – Recurso Especial 1.526.287/SP.147 – Nesse contexto foi publicado o Enunciado n. 282 do CJF/STJ, o qual aduz que o encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade.

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A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a (Não) Banalização do Instituto

O entendimento de que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicado restritivamente tem sido reafirmado, conforme se pode verificar do julgamento pelo STJ no Agravo Interno nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 960.926 – SP, julgado em 09 de agosto de 2017, da relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti:

AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR E AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. INSUFICIÊNCIA. CONCLUSÃO EM CONFORMIDADE COM PRECEDENTE ESPECÍFICO DA SEGUNDA SEÇÃO.1. Esta Corte Superior firmou seu posicionamento no sentido de que a irregularidade no encerramento das atividades ou dissolução da sociedade não é causa suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do artigo 50 do Código Civil, devendo ser demonstrada a ocorrência de caso extremo, como a utilização da pessoa jurídica para fins fraudulentos (desvio de finalidade institucional ou confusão patrimonial).2. Conclusão do acórdão embargado em conformidade com a orientação firmada pela Segunda Seção no julgamento do EREsp 1.306.553/SC.3. Agravo interno a que se nega provimento.(AgInt nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 960.926 - SP (2016/0202585-0). Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI. Julgado em 09 de agosto de 2017).

Como dito alhures, há lguns doutrinadores e parte da jurisprudência que se posicionam no sentido de que o encerramento irregular é suficiente para a responsabilização dos sócios, contudo, mesmo nessa hipótese entendem por afastar a responsabilidade do sócio que não desempenhou a função de gerência da sociedade. Nesse sentido cita-se o precedente do TJRS e que é representativo da controvérsia:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO EM FACE DE ACIONISTA DA EMPRESA DEVEDORA. Hipótese em que o excipiente, acionista/investidor, é sócio minoritário, não possuindo poderes de gerência. Inexistindo

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provas de que a sua atuação tenha contribuído para a dissolução irregular que ensejou a desconsideração da personalidade jurídica ou de que tenha ele participado da celebração do negócio, não responde com seu patrimônio particular por dívidas da sociedade empresarial. Precedentes jurisprudenciais. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70064005275, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 30/03/2016).

Outro debate que surge regularmente nos Tribunais, diz respeito se o encerramento irregular da empresa atingiria o sócio quotista quando a matéria é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse viés, trago à consideração o entendimento de Oksandro Gonçalves148:

“A lei consumerista enumera hipóteses em que é possível desconsiderar a personalidade jurídica: 1) quando houver abuso do direito; 2) em caso de excesso de poder; 3) infração de lei, fato ou ato ilícito; 4) violação dos estatutos ou contrato social; 5) falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...)No item 5 verifica-se a presença de um conceito vago – má administração – que conduz à responsabilização do sócio-gerente ou administrador. Não há como alcançar diretamente os sócios, acionistas ou controlador, pois se trata de responsabilidade própria do administrador, gerente ou liquidante que não agiu conforme regras administrativas próprias para o caso.”

Com efeito, mesmo quando a questão objeto de discussão seja regida por normas do Código de Defesa do Consumidor, não parece razoável que a responsabilidade por dívidas ou obrigações geradas pela empresa recaiam sobre bens do sócio quotista que não possui poderes de gerência e administração e que não exerceu de fato tais atribuições, pelo seu encerramento irregular.

Ademais, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a não localização da empresa no domicilio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular,

148 – Gonçalves Oksandro. Desconsideração da Personalidade Jurídica, 1ª edição, 2ª tiragem, Curitiba: Juruá,2005, p. 90-91:

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mas ainda assim é possível ao sócio-gerente provar não ter agido com dolo, culpa ou excesso de poder, nos termos do decidido no Recurso Especial nº 1344414/SC:

“RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO FISCAL - REDIRECIONAMENTO - DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE CERTIFICADA POR OFICIAL DE JUSTIÇA - CABIMENTO. 1. A certidão do oficial de justiça que atesta o encerramento das atividades da empresa no endereço fiscal é indício de dissolução irregular apto a ensejar o redirecionamento da execução fiscal. Precedentes. 2. A não localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular. Possível, assim, a responsabilização do sócio-gerente, a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. 3. Recurso especial não provido.”(REsp 1344414/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 20/08/2013) (grifei)

Podemos concluir, então, que o encerramento irregular da sociedade e a não localização de bens, não configuram por si sós motivos suficientes para o redire-cionamento da responsabilização aos sócios em dívidas ou obrigações entre particula-res, pois tal fato não pode ser classificado como abuso da personalidade jurídica.

IV – DO PROCEDIMENTO ADOTADO PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM VIGOR PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Até a vigência do atual codex processual, havia muita discussão acerca do procedimento para a descaracterização da personalidade jurídica, até que o Superior Tribunal de Justiça149 pacificou o entendimento no sentido de que a aplicação da teoria da disregard doctrine dispensava a propositura de ação autônoma.

149 – DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA. DEBÊNTURES.PRAZO PRESCRICIONAL. NÃO É ADMITIDA ANALOGIA EM MATÉRIA DE PRESCRIÇÃO.DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CURSO DO PROCESSO FALIMENTAR E EXTENSÃO DOS EFEITOS AOS CONTROLADORES DA FALIDA.POSSIBILIDADE.1. O Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.

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O novel Código de Processo Civil tratou do assunto ao estabelecer em seu art. 133 e seguintes150 o Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica,

2. No curso do processo de falência, o agravo de instrumento faz as vezes da apelação, e, sendo assim, os embargos infringentes opostos são cabíveis. Ademais, depreende-se dos autos que os embargos foram interpostos em face de decisão que deu parcial provimento a agravo de instrumento, decidindo-se acerca do mérito da demanda. Na verdade, é o conteúdo da matéria decidida que define o cabimento dos embargos infringentes, e não o nome atribuído ao recurso pela lei.Precedentes.3. "Constituem as debêntures um direito de crédito do seu titular diante da sociedade emissora, em razão de um contrato de empréstimo por ela concertado. As debêntures têm a natureza de título de renda, com juros fixos ou variáveis gozando de garantias determinadas nos termos da escritura da emissão. [...] Não assiste à debênture, portanto, no âmbito da teoria geral dos títulos de crédito, autonomia e literalidade, sendo que entre nós está também descaracterizada a cartularidade, por força da obrigatoriedade da forma nominativa e do uso uniforme dos títulos nominativos escriturais.(CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 671) " 4. O artigo 70 da Lei Uniforme de Genebra (LUG), referente às notas promissórias e letras de câmbio, não se aplica às debêntures.Aplicam-se a estas o artigo 206, parágrafo 5.º, inciso I, do Código Civil, que estabelece prescreverem em 5 (cinco) anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.5. As debêntures não perdem sua liquidez por dependerem de atualização monetária e cálculos aritméticos, a serem apurados quando da habilitação da falência. Precedentes.6. Uma vez apurada a fraude e a confusão patrimonial entre a empresa falida e seus controladores pelas instâncias ordinárias, em regra pode ser desconsiderada a personalidade jurídica como medida incidental no curso do processo falimentar, bem como determinada a extensão de seus efeitos aos controladores da falida, independentemente de ação autônoma. Precedentes.7. Recurso especial não provido.(REsp 1316256/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 12/08/2013) (grifei)150 – Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para descon-sideração da personalidade jurídica.Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

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prevendo inclusive a desconsideração inversa da personalidade jurídica, ou seja, o patrimônio da pessoa jurídica poderá servir para cumprir obrigação originária do sócio devedor. Ainda que tal hipótese já fosse admitida pela jurisprudência, agora encontra-se regulamentada.

Como legitimados para postular a desconsideração da personalidade jurídica tem-se as partes do processo e o Ministério Público, mas este somente quando lhe couber intervir no processo. Importante destacar que o incidente, em demandas de natureza civil, não pode ser instaurado de ofício pelo juiz.

O incidente de desconsideração poderá ser proposto em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial e, assim que instaurado, há a suspensão do processo.

Acerca da questão ensina Flavio Tartuce151: “Para findar a abordagem do art. 134 do Novo CPC, o seu §4º preconiza que o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para sua incidência. Em suma, o pedido deve ser bem fundamentado, com exposição da incidência das teorias maior ou menor (...).

Na hipótese em que a desconsideração da personalidade jurídica for requerida logo na petição inicial será dispensável a instauração do incidente. Nesse caso cumpre ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar a desconsideração e, evidentemente, os demais pontos do processo.

Assunto que nos põe a refletir é o disposto no §3º do art. 134152, que determina a suspensão do processo para o debate apenas da desconsideração da personalidade jurídica. Levando-se em consideração o princípio constitucional da razoável duração do processo, assim como também um dos princípios fundamentais do Código Civil de 2002, o princípio da operabilidade, pensamos que a suspensão do feito deveria ficar a critério do julgador. Por exemplo, enquanto tramita o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma

151 – TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito Civil. – 2.ed.re.,atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.152 – Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

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ação de execução não poderia continuar tramitando em busca de outros bens do devedor? Parece-nos que o prosseguimento do feito em casos como estes não traria prejuízo, pelo contrário, estaria a conferir maior efetividade ao processo.

Neste ponto é oportuno trazer os ensinamentos do Dr. Ruy Zoch Rodrigues153 acerca do referido dispositivo legal:

“A suspensão do processo prevista no art. 134, §3º, faz sentido para a generalidade dos casos, que ocorrem ao tempo da penhora na execução/cumprimento de sentença para cobrança de valor pecuniário, quando se revela a falta de patrimônio penhorável. A decisão do tema incidental torna, aí, condição para o ato seguinte do processo – a penhora - , com o que não há como prosseguir a execução, que fatalmente ficará suspensa.Entretanto, a desconsideração não se limita àquelas hipóteses. Por isso, e porque a lógica do NCPC prestigia a celeridade com menos destaque à formalidade parece que a exegese do §1º do art. 134 deva ser a de que o processo em que tem curso a questão principal só se suspende em vista do incidente se o tema incidental constituir condição para o prosseguimento. Fora disso, não. E tudo remete à possibilidade de autuação apartada, a fim de garantir celeridade e melhor organização procedimental.”

Nesse compasso citamos precedente jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que manifesta-se pela suspensão apenas dos atos executivos relacionados às pessoas que eventualmente poderão ser alcançadas pela desconsideração, sob o fundamento de que entendimento melhor se coaduna com o espírito da lei, com o princípio da efetividade do processo e da instrumentalidade das formas, relevantes na satisfação do crédito excutido:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REGRA DO ART. 134, § 3º, CPC. SUSPENSÃO IMPRÓPRIA. POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIR ATOS EXECUTÓRIOS NÃO RELACIONADOS À PARTE

153 –  in Novo Código de Processo Civil Anotado da Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul, 2015, p. 145.

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CITADA PARA INTEGRAR A LIDE. MENS LEGIS QUE EVIDENCIA A NECESSIDADE DE OBSERVAR PRÉVIO CONTRADITÓRIO À DESCONSIDERAÇÃO, DIRETA OU INVERSA, DA PERSONALIDADE JURÍDICA, DAÍ A SUSPENSÃO DOS ATOS EXECUTIVOS RELACONADOS UNICAMENTE À PARTE CITADA, ATÉ QUE SEJA DECIDIDO O INCIDENTE. 1. É verdade que o art. 134, § 3º, do CPC, é expresso ao determinar suspensão do processo na hipótese de instauração do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica. Ocorre que, como ponderado pela doutrina, trata-se de suspensão imprópria, pois “o processo deve ser suspenso apenas naquilo que dependa da solução da controvérsia criada com a instauração do incidente”. 2. Trata-se de exegese consentânea com a mens legis, a exigir prévio contraditório à desconsideração da personalidade jurídica, não se justificando a paralisação de todo o processo de execução de modo a compreender questões estranhas à parte chamada a compor a lide. 3. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2228438-62.2016.8.26.0000; Relator (a): Artur Marques; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro de Osasco - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/01/2017; Data de Registro: 12/01/2017)

Após a instauração do incidente haverá a citação do sócio para, no prazo de 15 dias úteis, manifestar-se e requerer as provas cabíveis. Na hipótese de desconsideração inversa, a pessoa jurídica será citada no prazo referido.

Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória atacável por Agravo de Instrumento, já que tal hipótese encontra-se prevista no rol do art. 1.015 do CPC, no inciso IV.154

Se o incidente for instaurado perante o Tribunal, a teor do disposto no art. 932, VI, do CPC155, caberá agravado interno (art. 1.021 do CPC156) dirigido ao

154 – Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;155 – Art. 932. Incumbe ao relator:VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;156 – Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.

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Relator, que intimará o agravado para se manifestar em 15 dias e, não havendo retratação, levará o recurso a julgamento pelo órgão colegiado.

Caso haja constrição judicial de bens, por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte o sócio, será possível a oposição de Embargos de Terceiro, nos termos do art. 674, § 2º, III, CPC157.

Por fim, acolhido o pedido de desconsideração passarão a estar sujeitos à execução os bens do reconhecido responsável, nos termos do art.790, CPC158, não estando limitado a quota social.

V – CONCLUSÃO

Reconhecemos a importância do incidente da desconsideração da personalidade jurídica como mecanismo de defesa do interesse público, coletivo e privado, já que tem por escopo evitar que a pessoa jurídica seja manipulada para a prática de atos lesivos à sociedade em geral e aos particulares em especial.

Contudo, entendemos que a utilização desvirtuada da consideração da personalidade jurídica, como a sua aplicação tão somente se a empresa não é localizada ou bens dela não existirem ou não forem localizados, o que efetivamente tem ocorrido em diversas decisões judiciais, gera insegurança à sociedade e desestímulo ao empreendedorismo.

O papel que exerce uma sociedade empresarial é de relevante função social, pois gera empregos, arrecadação de tributos e estimula serviços que lhe

157 – Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;158 – Art. 790. São sujeitos à execução os bens:I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória;II - do sócio, nos termos da lei;III - do devedor, ainda que em poder de terceiros;IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida;V - alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução;VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma, de fraude contra credores;VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

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são correlatos. Portanto, o indivíduo deve sentir-se encorajado a empreender sem ter receio de que seu patrimônio pessoal seja afetado por dívidas da sociedade, evidentemente nas hipóteses em que tenha operado de boa-fé e sem o desvio da finalidade desta sociedade, pois o simples insucesso empresarial não pode ter mais consequências do que as já graves consequências expressamente previstas para tal hipótese.

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EXIGÊNCIAS PARA QUE A IMISSÃO DE POSSE SEJA OBSTADA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Jovair Locatelli

CONCEITO.

A alienação fiduciária em garantia consiste na transferência feita pelo devedor ao credor, da propriedade resolúvel de um bem, como garantia do seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o pagamento da dívida garantida. É um contrato instrumental, marcado pela confiança159 (trust160) e se constitui mediante negócio jurídico de disposição condicional. Subordina-se a uma condição resolutiva porque a propriedade fiduciária cessa em favor do alienante, uma vez verificado o implemento da condição resolutiva. Com tal implemento não exige nova declaração de vontade do adquirente ou do alienante. Nem mesmo requer a realização de qualquer novo ato. O alienante, que transferiu fiduciariamente a propriedade, a readquirirá, tão somente, através do pagamento da dívida161.

Cabe limitar desde logo, que o objetivo do presente artigo é a alienação fiduciária imobiliária regida pela Lei nº 9.514/97 e não sobre bens móveis, regulada pela Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69.

Não se olvide que já tínhamos legislação própria para a hipótese de garantia hipo tecária imobiliária, através do Decreto-Lei 70/66, assim como normas gerais no Código Civil. Mas, um dos principais motivos pelo qual foi instituída a alienação fiduciá-ria de bens imóveis em Lei própria, com certeza, foi em razão do moroso e oneroso processo de execução hipotecária, no caso de inadimplemento da obrigação principal.

159 – Na concepção Romana, a presença da boa-fé era elemento essencial do pacto fiduciário (Pag. 11; CHALHUB, Melhim Namem; Alienação fiduciária: negócio fiduciário; 5. Ed – Rio de Janeiro, Forense, 2017)160 – Atualmente a configuração do trust encontra-se consolidada no contexto da jurisprudência como negocio pelo qual uma pessoa destaca de seu patrimônio certos bens e transmite a outra pessoa sua propriedade formal (legal tittle), obrigando-se esta última (trustee) a administrá-la em favor de uma terceira pessoa (cestui que trust ou beneficiário), que terá a propriedade de fruição, ou econômica, sobre o bem objeto do trust. (Pag. 11; CHALHUB, Melhim Namem; Alienação fiduciária: negócio fiduciário; 5. Ed – Rio de Janeiro, Forense, 2017)161 – Pág. 657; Gonçalves, Carlos Roberto; Direito civil esquematizado – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016;

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Jovair Locatelli

Buscava-se, para o mercado imobiliário, uma garantia que permitisse a recuperação rápida do capital investido, em caso de inadimplemento dos adquirentes do imóvel. É uma das garantias mais fortes do sistema brasileiro em razão da sua rápida execução extrajudicial com baixo custo.

De certa forma, pode-se considerar que a Lei nº 9.514/97 protege e privilegia os credores, em especial as instituições financeiras, construtoras e vendedores de imóveis em geral, em prejuízo do adquirente o qual, quando inadimplente, fica sujeito a mecanismos mais drásticos de resgate do valor mutuado do que o oferecido pelas garantias tradicionais162.

REGRAMENTO

Como dito, o Código Civil trata de forma genérica, da propriedade fiduciária em seus artigos 1.361 a 1.368-B163, assim como há leis específicas que regem a

162 – https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9826/Alienacao-fiduciaria-de-bens-imoveis; Alienação fiduciária de bens imóveis; acessado em 27 de novembro de 2017163 – CAPÍTULO IX Da Propriedade Fiduciária Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.§ 2º Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.§ 3º A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.Art. 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:I - o total da dívida, ou sua estimativa; II - o prazo, ou a época do pagamento; III - a taxa de juros, se houver; IV - a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.Art. 1.363. Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:I - a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza;II - a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento.Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.Art. 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.

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fidúcia164 de acordo com o tipo de bem (móveis ou imóveis165).

Art. 1.366. Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante.Art. 1.367. A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231.Art. 1.368. O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária.Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor.Parágrafo único. O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.164 – "A fidúcia é traço comum a todas as operações, em todo o circuito dos créditos – serve como garantia na comercialização de imóveis, na qual o tomador de um empréstimo transfere ao emprestador a propriedade fiduciária do imóvel, mediante contrato de alienação fiduciária; serve como garantia do financiador da produção de imóveis, hipótese em que o incorporador, dispondo de créditos decorrentes da comercialização de imóveis, transfere-os ao financiador, mediante contrato de cessão fiduciária; serve para segurança do mercado do investidor, ao permitir que os créditos que lastreiam a emissão de títulos sejam submetidos a um regime fiduciário, pelo qual esses créditos ficam vinculados à satisfação dos títulos adquiridos pelos investidores (regime fiduciário de créditos 'securitizados'); [...]" (Pag. 319; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações: 11ª ed. Ver. Atual. e ampli. segundo a legislação vigente. Rio de Janeiro, Forense, 2014);165 – Código Civil; Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; II - o direito à sucessão aberta.Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.

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Cabe fazer a seguinte advertência: nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do Código Civil aplicam-se, mas tão somente de forma subsidiária, conforme o artigo 1.368-A do CC.

Assim, como visto a alienação fiduciária em caso de bens imóveis é regida pela Lei nº 9.514/97, sendo este o objeto deste artigo, repita-se.

Aspectos Procedimentais da Alienação Fiduciária de Bens ImóveisAdentrando o universo prático da alienação fiduciária de bem imóvel, entendo

por bem reiterar a dinâmica estabelecida pela Lei nº 9.514/97, na qual o devedor fiduciante, sendo proprietário de um imóvel, aliena-o ao credor fiduciário a título de garantia, constituindo a propriedade resolúvel, condicionada ao pagamento da dívida. Então, ocorrendo o pagamento da dívida, automaticamente opera-se a revogação da fidúcia e a consolidação da propriedade plena em nome do fiduciante (devedor). Caso contrário, ocorrendo o inadimplemento contratual pelo devedor fiduciário, restará um procedimento complexo que, em suma, pode terminar com a consolidação da propriedade em favor do credor, propriedade ainda limitada e dependente dos atos posteriores previstos na Lei, como a arrematação do bem por terceiro (por intermédio de leilão) ou, inexistindo interessados, pela averbação do termo de quitação, que extingue a dívida e consolida plenamente a propriedade imobiliária ao credor fiduciário (hipótese residual, que ocorre apenas se ambos os leilões não obtiverem êxito). Em suma166:

Então, havendo a inadimplência, surge uma horda de debates na doutrina e na jurisprudência, porquanto o procedimento é complexo e possui uma imensidão de detalhes deveras importantes.

166 – Figura extraída do sítio: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI263624,51045-Lei+1346517+Parte+II+Os+dez+novos+mandamentos+da+alienacao+fiduciaria acessado em 14/03/2018;

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Gize-se que este artigo se aterá a dois desses debates: (a) procedimentos para a intimação do devedor inadimplente para constituição em mora; (b) consequências jurídicas da falta da purga da mora.

Procedimentos para a Intimação do Devedor para sua Constituição em Mora

O primeiro passo com a inadimplência é a intimação do devedor para lhe ser oportunizado o pagamento ou ficar ciente de que estará em mora. Essa diligência é feita pelo Registro de Imóveis, por delegação do Registrador e algumas questões surgem acerca da prática do ato:

a) Quais os horários e dias para a diligência?b) Como proceder quando não localizado o devedor e nenhuma outra pessoa no endereço diligenciado, sem suspeita de que o devedor esteja se escondendo ou que esteja em local incerto e não sabido?c) Como proceder quando não localizado o devedor e nenhuma outra pessoa no endereço diligenciado, mas com suspeita de que o devedor esteja se escondendo ou que esteja em local incerto e não sabido?

- Dos Horários e Dias para a Diligência.Considerando que o CPC possui regras aplicáveis ao procedimento, é

inegável a subsidiariedade dos dispositivos que tratam das diligências dos Oficiais de Justiça nas citações e intimações, para as hipóteses de intimação dos devedores, na alienação fiduciária, objetivando a constituição em mora.

Assim, podemos afirmar que as diligências podem ser cumpridas não só no horário comercial mas também fora deste horário pois, se os notificandos trabalham durante o dia e se as diligências só puderem ser realizadas durante o horário comercial, elas podem nunca ocorrer e a consequência é a expedição de certidões que afirmam que o imóvel estava fechado e, só com isso, por ser expedido edital. E, de acordo com o artigo 212, § 2º, do CPC, as intimações podem se efetivar fora do horário estabelecido no caput daquele artigo (das 06hs às 20hs), independentemente de autorização judicial.

As diligências são feitas mediante o pagamento das custas e emolumentos descritos na tabela de custas, ou seja, trata-se da prestação de um serviço oneroso, não sendo admissível um cumprimento parcial ou com inobservância da lei.

É aceitável que se alegue que o valor da diligência seja diferenciado para os cumprimentos fora do horário de expediente do Cartório. Contudo, o que não se pode aceitar é a falta de diligências fora deste horário, caso contrário, o devedor acabará se beneficiando desta situação e nunca será notificado para a purgação da sua mora (que se consubstancia num direito).

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Dessa maneira, para que se possa certificar a ocorrência de uma diligência, feita em total respeito ao ordenamento jurídico, é imprescindível que o encarregado da diligência, ao se deparar com o imóvel fechado, retorne (também) fora do horário comercial, com base no artigo 26, § 3º, da Lei 9.514/97, combinado com os artigos 15 e 212, § 2º, ambos do CPC.

E mais, deve-se procurar pelo devedor no endereço indicado na intimação, perquirindo informações sobre o seu paradeiro aos moradores e vizinhos, caso o devedor fiduciante não seja encontrado. Se o encarregado da diligência não localiza o devedor, tampouco obtém informações sobre o seu paradeiro, tendo diligenciado inclusive fora do horário comercial, não pode tomar outra conduta a não ser certificar o ocorrido e o fato de que o devedor está em local incerto e não sabido.

A questão da notificação por edital pressupõe o fato de estar o devedor em local incerto e não sabido e, se não for encontrado no endereço do contrato e nem puder ser indicado onde poderá vir o inadimplente a ser encontrado, há conclusão lógica do pressuposto. Dessa forma não existem razões para que o Cartório de Registro de Imóveis não venha a certificar o fato de estar o devedor em local incerto e não sabido, ainda mais quando esgotadas as tentativas de sua localização, principalmente, no endereço contratual.

Se o devedor mudou de endereço, e não comunicou o fato ao credor a questão diz respeito à boa-fé contratual167 e 168 e, não fosse isso, a notificação por

167 – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – Alienação fiduciária de imóvel – Consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário – Pretensão dos autores de anulação – Desacolhimento - Garantia prestada pelos autores ao "contrato de promessa de concessão de empréstimos nº 07/07, bem como todas as cédulas de crédito bancário vinculadas a este contrato" – Existência de anterior ação de execução fundada em cédula de crédito bancário vinculada ao referido contrato – Alegação de duplicidade de execuções sobre a mesma dívida – Desacolhimento - Devedores não foram localizados para citação nos autos da execução e o Banco-réu optou pelo procedimento extrajudicial - Observação no sentido de que, não sendo possível usar duas medidas distintas para obter o mesmo crédito, e se a finalidade do credor foi atingida por meio do procedimento da Lei nº 9.514/1997, no bojo da ação de execução (proc. nº 071.01.2009.021901-5) caberá a discussão acerca da perda de seu objeto - Inconstitucionalidade no art. 26 da Lei nº 9.514/1997 – Inocorrência - Tentativas de notificação pessoal dos autores e da empresa devedora principal para purgar a mora restaram infrutíferas – Notificação por edital – Viabilidade – Autores não providenciaram a atualização dos dados cadastrais que mantinham com o credor fiduciário, tal fato permitiu a intimação por edital, nos termos do art. 26, § 4º, da Lei nº 9.514/97 - Esgotamento das diligências para a intimação pessoal dos autores – Desnecessidade – Autores tinham o dever de informar o credor fiduciário sobre a alteração de endereço, segundo o princípio da boa-fé contratual - Sentença confirmada pelos seus próprios fundamentos, inteiramente adotados como razão de decidir, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça - Ação declaratória de nulidade de execução extrajudicial de imóvel alienado fiduciariamente improcedente – Recurso desprovido, com observação.” (TJSP; Apelação 0023626-15.2012.8.26.0071; Relator (a): Álvaro Torres Júnior ; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Bauru - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2017; Data de Registro: 09/02/2017) (Grifei)168 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM IMÓVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO CUMULADA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INTERPOSIÇÃO DE

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edital só é feita por um descaso ou descuido do próprio fiduciante que se ausenta ou muda de endereço sem comunicar o seu atual paradeiro ao seu credor, ou, ainda, a hipótese de se esconder para não ser constituído em mora.

Assim, fica claro que devem ser empreendidos todos os esforços para realizar uma diligência de forma legal, sem qualquer receio de desagradar qualquer das partes, pois o Oficial de Registro de Imóveis não pode deixar de diligenciar, tampouco de certificar o resultado apurado, inclusive nos casos em que o devedor está em local incerto e não sabido, especificando os pormenores na certidão.

- Hipótese de não localização do devedor e nenhuma outra pessoa no endereço diligenciado, sem suspeita de que o devedor esteja se escondendo ou que esteja em local incerto e não sabido.

Essa hipótese é a que resulta na necessidade da realização de outra(s) diligência(s) em honorários e dias diferenciados e, somente após esgotar as possibilidades dessa forma razoável é que poderá se partir para a intimação por edital, como veremos.

- Hipótese de não localização do devedor e nenhuma outra pessoa no endereço diligenciado, mas com suspeita de que o devedor esteja se escondendo ou que esteja em local incerto e não sabido.

A primeira hipótese, de suspeita de ocultação, é concluída, após a realização de no mínimo três diligências em horários e dias diferentes, tentando conversar com familiares, residentes no imóvel e outros vizinhos. Deverá o encarregado da diligência certificar o ocorrido, dizendo fundamentadamente as razões de sua suspeita, e proceder, assim, à intimação com hora certa169.

DECISÃO QUE INDEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA. ALEGAÇÃO DO AGRAVANTE DE QUE NÃO FOI NOTIFICADO PESSOALMENTE PARA PURGAR A MORA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE IRREGULARIDADE. RECURSO IMPROVIDO. A documentação trazida aos autos pelo agravante não comprova, ainda que indiciariamente, o que se alega. No instrumento particular de cessão e transferência de direito e obrigações somente consta um endereço, no qual foi tentada sua notificação. Compete ao autor demonstrar o seu direito ou colocar em dúvida o procedimento adotado pela instituição financeira. Ao contrário, consta do despacho interlocutório de deferimento de intimação por edital que, com o intuito de proceder à notificação pessoal do fiduciante, foram efetuadas diligências no próprio imóvel transmitido em alienação fiduciária e no constante no registro aquisitivo. Sem sucesso, foi requerida a citação por edital e por cautela foi remetida cópia do despacho e do edital aos endereços onde tentada a notificação. Na procuração juntada aos autos consta endereço diferente daqueles em que se tentou realizar sua notificação pessoal. Todavia, não demonstrou que no ato da contratação forneceu esse endereço à instituição financeira ou que posteriormente comunicou sua mudança de endereço.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2177225-17.2016.8.26.0000; Relator (a): Adilson de Araujo; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos - 6ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 21/03/2017; Data de Registro: 21/03/2017);169 – a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil é o advento da Lei 13.465/17 que, dentre outras significativas alterações, acrescentou o § 3-A(9), no artigo 26, da Lei 9.514/97.

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É conhecida a dificuldade encontrada nas diligências realizadas em condo-mínios e outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, tanto que a Lei 13.465/17, acompanhando as recentes mudanças no Código de Processo Civil, acrescentou o § 3B(10)170, no artigo 26, da Lei 9.514/97. Assim, consideram-se válidas as notificações entregues ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, o que também deve ser observado e certificado detalhadamente pelos encarregados que realizam as diligências.

Portanto, no sentido de que se justifique que as diligências de intimação do devedor foram empreendidas, necessário se faz a tentativa de intimação pelo menos nos endereços do contrato (da qualificação do devedor) e do imóvel financiado (se de endereço distinto), podendo ser complementada a diligência com algum outro endereço, se o credor dispuser desta informação ou tal for obtido nas diligências feitas pelo encarregado da intimação.

Outra questão interessante remonta à possibilidade de constituição em mora do devedor a partir de intimação efetuada por intermédio dos Correios. A Lei 9.514/97 prevê em seu artigo 26, §3171, §3A172 e §3B173 que a intimação para purgar a mora mediante o pagamento das prestações em atraso far-se-á por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos OU pelo correio, mediante aviso de recebimento, sendo admitida a notificação por edital somente após o credor diligenciar no sentido de localizar o devedor para notificá-lo pessoalmente174.

170 – Lei 9.51497, art.26, § 3º-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3º-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)171 – § 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.172 – § 3º-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)173 – § 3º-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3º-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)174 – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO EXTRAJUDICIAL. LEGALIDADE. Verifica-se que a execução extrajudicial promovida pelo credor fiduciário segue procedimento previsto na

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Repita-se, no artigo 26 da Lei 9.514/97, especificamente nos §§ 3º e 4º, a intimação pessoal é considerada válida se realizada na pessoa do fiduciante, ou de seu procurador, ou, ainda, mediante efetiva entrega no domicílio, com aviso de recebimento. Nessas três hipóteses admitir-se-á a intimação por meio postal como único meio de intimação175. Em caso contrário, deverá ser operada a diligência com o fito de notificá-lo pessoalmente.

Agora, como o procedimento é extrajudicial, nem o Registro de Imóveis e tampouco o credor dispuserem de uma base de dados como a INFOJUD ou BACEN-JUD, que são exclusivas dos órgãos do Poder Judiciário, não se poderá exigir nada além daquilo que esteja ao alcance do credor.

Dessa forma, a notificação por edital é a ultima ratio, sendo medida excepcional e residual, já que a regra é a intimação pessoal do devedor e ocorrerá quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, sendo o fato certificado

Lei nº 9.514, de 20.11.1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel. A intimação para purgar a mora mediante o pagamento das prestações em atraso far-se-á por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos ou pelo correio, com aviso de recebimento, sendo admitida a notificação por edital somente após o credor diligenciar no sentido de localizar o devedor para notificá-lo pessoalmente (art. 26, § 3º, da Lei 9.514/97). O Cartório de Títulos e Documentos tentou notificar os mutuários, no endereço do imóvel objeto do contrato de financiamento, nas datas de 03.12.2010, 07.12.2010, 10.12.2010, 14.12.2010 e 17.12.2010, sem êxito, pois ninguém foi localizado no imóvel. Procedeu-se a intimação por edital dos devedores, nos exatos termos autorizados pelo § 4º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997. Tendo em vista que fluiu o prazo de quinze dias após a notificação da devedora para purgar a mora, a propriedade e a posse plena do bem se consolidou no patrimônio do credor, não havendo nenhuma ilegalidade no procedimento. Precedentes do STJ e desta Corte. NEGADO SEGUIMENTO AO APELO, NA FORMA DO "CAPUT" DO ART. 557 DO CPC. (Apelação Cível Nº 70053813085, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 09/04/2013)175 – AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. AUSÊNCIA DE TENTATIVA DE LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO PROPRIEDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Invalidade da notificação por edital realizada sem prévia tentativa de localização do devedor, no procedimento extrajudicial da Lei 9.514/97. Precedentes. 2. Hipótese em que o responsável pela notificação limitou-se a deixar "avisos" no imóvel, não tendo realizado nenhuma diligência para obter informações sobre o paradeiro do mutuário. 3. Exigência de aviso de recebimento, conforme previsto no art. 26, § 3º, da Lei 9.514/97, não bastando simples "avisos" informais, sem identificação do recebedor. 4. Inocorrência da consolidação da propriedade em mãos do credor fiduciário. 5. Improcedência do pedido de reintegração de posse. 6. Necessidade de se evitar julgamentos conflitantes, tendo em vista a conexão com o Recurso Especial n. 1.363.405/RS. 7. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STJ - AgInt no REsp: 1363414 RS 2013/0012137-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 02/08/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/08/2016)(Grifei).

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pelo encarregado da diligência e informado ao Oficial de Registro de Imóveis176 e 177 que, à vista da certidão, promoverá, se tanto lhe for pedido por escrito pelo credor178, a intimação por edital. Tal deve ser publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se na localidade não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital, conforme estabelece o § 4º, do artigo 26, da Lei 9.514/97.

176 – “A intimação pessoal do fiduciante é imprescindível para regular consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, a teor do disposto no art. 26 da lei 9.514/97. No entanto, demonstradas diversas tentativas sem sucesso, a intimação por edital é válida. (...)(Apelação Cível Nº 70073785388, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 29/06/2017);177 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ALIENAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DISCUSSÃO SOBRE A POSSE DO IMÓVEL. I - Documentos que demonstram a verossimilhança do direito alegado pela parte ora recorrente, sobretudo diante da tentativa de intimação pessoal da empresa agravada. Outrossim, a intimação do devedor para fins de praça pode ser realizada por meio de edital (art. 687, §5º, do CPC). Afastada a obrigatoriedade da intimação pessoal, quando inviabilizada esta. II - Decisão anteriormente proferida por esta Corte, nos autos da ação de imissão de posse apensa, reconhecendo, mesmo que em juízo provisório, a verossimilhança do direito da parte ora agravante, não cabendo ao juiz singular, mesmo que de forma transversa, reformar a decisão colegiada proferida pelo Tribunal. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70061799771, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 18/12/2014) 178 – APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ANULATÓRIA DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. PRELIMINAR. SENTENÇA CITRA PETITA. INOCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO POR PARTE DO AUTOR. INTIMAÇÃO POR EDITAL PARA A PURGA DA MORA. LEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. Preliminar. Limites da lide. É vedado ao magistrado proferir sentença acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra ou infra) dos pedidos formulados pelas partes. Não há que se falar em nulidade da sentença por ser citra petita, pois houve a análise da integralidade acerca dos pedidos formulados na inicial, considerando o resultado do julgamento. Mérito. Prestação jurisdicional esgotada, ante o estrito cumprimento dos arts. 141 e 492, ambos do CPC/15. Verifica-se que a execução extrajudicial promovida pelo credor seguiu o procedimento previsto na Lei nº 9.514, de 20.11.1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel. A intimação para purgar a mora mediante o pagamento das prestações em atraso far-se-á por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos ou pelo correio, com aviso de recebimento, sendo admitida a notificação por edital somente após o credor diligenciar no sentido de localizar o devedor para notificá-lo pessoalmente (art. 26, § 3º, da Lei 9.514/97). Caso concreto em que o Cartório de Títulos e Documentos tentou notificar o mutuário por diversas vezes, sem lograr êxito. Procedeu-se a intimação por edital do devedor, nos exatos termos autorizados pelo § 4º do art. 26 da Lei nº 9.514/1997. Tendo em vista que fluiu o prazo de quinze dias após a notificação do devedor para purgar a mora, a propriedade e a posse plena do bem se consolidaram no patrimônio do credor, não havendo nenhuma ilegalidade no procedimento. Precedentes do STJ e desta Corte. Sentença mantida. REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70075953810, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 07/03/2018)

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Do Instituto da Purga da MoraInadimplida a obrigação principal e, posteriormente, realizada a intimação para

purgar a mora, estará formalmente o devedor constituído em mora para todos os efeitos e consequências do que foi contratado. Desta feita, cabe tecer algumas considerações sobre a purga da mora, que é instituto por demais importante ao devedor fiduciário, pois é responsável pelo convalescimento do contrato em caso de inadimplemento, que nos dias atuais é uma realidade, em vista da crise financeira vivenciada.

A purgação da mora, em termos simples, pode ser conceituada como sendo uma faculdade atribuída ao devedor para que este, fazendo o uso deste instituto, permita a continuação (ou convalescimento) do contrato pactuado entre as partes179, em que pese o inadimplemento momentâneo. Este importante

179 – Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.§ 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.§ 3º-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)§ 3º-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3º-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)§ 4º Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído se encontrar em outro local, incerto e não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária.§ 4º Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital

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instituto está previsto no artigo 26 da Lei 9.514/97, com expressa referência no seu parágrafo quinto explicitando que, se purgada a mora, convalescerá o contrato de alienação fiduciária. Suprida a mora, o contrato prossegue firmemente.

Entende-se que tal convalescimento do contrato é, por assim dizer, uma expressão do princípio da conservação dos contratos e da própria função social do contrato180. Ora, no caso da alienação fiduciária a função do contrato deve sempre

publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.§ 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º, sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá, à vista da prova do pagamento, pelo fiduciário, do imposto de transmissão inter vivos, o registro, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário.§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá o registro, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento, pelo fiduciário, do imposto de transmissão inter-vivos e, se for o caso, do laudêmio (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.223, de 2001)§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)§ 8º O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se às normas especiais estabelecidas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)§ 1º A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário será averbada no registro de imóveis trinta dias após a expiração do prazo para purgação da mora de que trata o § 1º do art. 26 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)§ 2º Até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesas de que trata o inciso II do § 3º do art. 27, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação fiduciária. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)180 – “A cláusula geral da função social do contrato é decorrência lógica do princípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa. (...) As várias vertentes constitucionais estão interligadas, de modo que não se pode conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico, olvidando-se de sua função social.” (pag. 447; Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2007);

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ser sopesada, até mesmo porque traz em seu âmago uma das possibilidades de concretização do direito constitucional à moradia181.

E mais, o artigo 421 do Código Civil que impõe a aplicação da “função social do contrato”, tem caráter de princípio geral de direito e, assim sendo, aplicável o Enunciado nº 22, do Conselho da Justiça Federal que dispõe que “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.”

Esse alinhamento das disposições da lei civil aos princípios constitucionais acabou por trazer uma grande aproximação entre os princípios constantes do Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, conforme enunciado 167, do referido Conselho da Justiça Federal, que reza o seguinte: “Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação princípiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.”

Alfim, nítido resta que a purga da mora tem estreita ligação com o princípio da conservação dos contratos, da função social do contrato e da concretização do direito à moradia, estando acobertado, por assim dizer, pela legislação constitucional, civil e consumerista. E, nesse espírito, o Superior Tribunal de Justiça tem exarado decisões pelas quais foi reaberto (inclusive) o prazo para purgação da mora, mesmo depois de expirado o prazo legal e, até mesmo após de transferida a propriedade plena do imóvel para o antigo credor-fiduciário182.

181 – Constituição Federal: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 182 – RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI N. 9.514/1997. QUITAÇÃO DO DÉBITO APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI N. 70/1966. PROTEÇÃO DO DEVEDOR. ABUSO DE DIREITO. EXERCÍCIO EM MANIFESTO DESCOMPASSO COM A FINALIDADE. 1. É possível a quitação de débito decorrente de contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997), após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. Precedentes. 2. No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação. 3. A garantia do direito de quitação do débito antes da assinatura do auto de arrematação protege o devedor da onerosidade do meio executivo e garante ao credor a realização de sua legítima expectativa - recebimento do débito contratado. 4. Todavia, caracterizada a utilização abusiva do direito, diante da utilização da inadimplência contratual de forma consciente para ao final cumprir o contrato por forma diversa daquela contratada, frustrando intencionalmente as expectativas do agente financeiro contratante e do terceiro de boa-fé, que arrematou o imóvel, afasta-se

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Fundamentam-se essas decisões em que (i) a Lei nº 9.504/1997 não teria fixado data limite para purgação da mora e essa omissão justificaria a aplicação subsidiária do artigo 34 do Decreto-Lei 70/1966 que, ao regulamentar a execução extrajudicial de crédito hipotecário, permite a purgação da mora até a data da arrematação do imóvel hipotecado; (ii) o contrato de mútuo garantido por propriedade fiduciária não se extingue por força da consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário; e (iii) a consolidação da propriedade não importa em incorporação do imóvel no patrimônio do credor fiduciário, ao menos não antes dos leilões e da adjudicação se não comparecerem interessados nos dois leilões.

Assim, se frustrada a relação de confiança (fidúcia) pactuada entre as partes, consolidada restará a propriedade, em favor do credor fiduciário, mediante averbação realizada à matricula do imóvel, independentemente de intervencionismo judicial (dada a natureza resolúvel do negócio), o que não ocorrerá se o devedor engendrar esforços para utilizar-se da purgação da mora. A grande questão que surge de imediato é até quando poderá o devedor utilizar-se de tal instituto, ou seja, até que momento poderá o devedor purgar a mora.

Todavia, antes de responder à indagação, impende tecer algumas considerações acerca da compatibilidade jurídica entre o Decreto-Lei 70/66 e a Lei nº 9.514/97.

No âmbito da alienação fiduciária, constatado o atraso do devedor, consolida-se a propriedade em nome do credor. Porém, em que pese isso seja incontroverso, até este momento não há a transferência efetiva da propriedade ao credor. Em outras palavras, poder-se-á considerar esta consolidação (em um primeiro momento) como sendo relativa ou não plena pois, no momento em que for averbada a consolidação da propriedade em nome do credor este deve, por força de Lei, levar o bem a leilão em duas oportunidades.

Desses leilões advêm duas possíveis situações: um terceiro de boa-fé adquire o bem por meio de arrematação ou, em não sendo arrematado, o bem será “adjudicado” pelo credor e terá averbado em sua matrícula o termo de quitação,

a incidência dos dispositivos legais mencionados. 5. A propositura de ação de consignação, sem prévia recusa do recebimento, inviabilizou o oportuno conhecimento da pretensão de pagamento pelo credor, ensejando o prosseguimento da alienação do imóvel ao arrematante de boa-fé. 6. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1518085 RS 2015/0045085-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 12/05/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/05/2015)

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consolidando a propriedade em prol do credor definitivamente. Nessas hipóteses, a consolidação da propriedade, que num primeiro momento era relativa, passa a ser absoluta ou plena.

Por estes argumentos, pode-se entender que a consolidação da propriedade, antes da ocorrência do leilão ou da averbação do termo de quitação, por ser relativa ou não plena, autoriza o devedor purgar a mora até antes de ser expedido o auto de arrematação ou certidão de arrematação ou ainda, da adjudicação e averbação da quitação no Registro Imobiliário.

Nesse caminho o próprio STJ já entendeu que “no âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação”183, pois o artigo 40 da Lei 9.514/97 prevê que “aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca”184. E mais, em tal julgamento, o STJ também firmou entendimento de que “o devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966185). Aplicação subsidiária

183 – (REsp 1462210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014).184 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPRIEDADE E DIREITOS REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS. OBRIGAÇÕES. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM IMÓVEL. PURGA DA MORA. DEPÓSITO JUDICIAL DAS DESPESAS DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. - Em se tratando de alienação fiduciária, para que ocorra a purga da mora, em juízo, exige-se o depósito judicial da quantia referente às parcelas vencidas, sendo desnecessário o depósito, pela parte devedora, de eventuais despesas decorrentes de leilão extrajudicial, pois tal exigência não encontra previsão na norma de regência. - No âmbito da alienação fiduciária, evidenciada a compatibilidade entre a Lei nº 9.514/97 e o Decreto Lei 70/66, que trata da execução hipotecária, há que se considerar viável ao devedor purgar a mora até a data da assinatura da carta de arrematação, conforme previsão contida no art. 34 desse último diploma. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70074259623, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 26/09/2017);185 – Art 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acôrdo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos: I - se a purgação se efetuar conforme o parágrafo primeiro do artigo 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca, até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário; II - daí em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção monetária incidente até o momento da purgação.

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do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997”.

Resta, então, evidenciada a compatibilidade entre a Lei nº 9.514/97 e o Decreto Lei 70/66. Neste viés, há que se considerar viável ao devedor purgar a mora até a data da assinatura da carta de arrematação (em caso de aquisição via leilão por terceiro) ou até o momento em que será averbado o termo em cuja quitação da dívida será dada pelo credor (decorridos os dois leilões exigidos, o bem passa a ser efetivamente propriedade do credor mediante termo de quitação da dívida, que será averbado na matrícula do imóvel, nos termos do artigo 27, § 6º da Lei nº 9.514/97186)187,188 e 189.

186 – Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.§ 1º Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes. § 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.§ 2º-A. Para os fins do disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.§ 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2º deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.§ 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por: I - dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais; II - despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro.§ 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.

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Exigências para que a Imissão de Posse Seja Obstada Após a Consolidação da Propriedade na Alienação Fiduciária

187, 188 e 189.

§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.§ 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.§ 7º Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.§ 8º Responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse.§ 9º O disposto no § 2º-B deste artigo aplica-se à consolidação da propriedade fiduciária de imóveis do FAR, na forma prevista na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.187 – Isto somente ocorrerá após a realização dos leilões, momento em que (a) a coisa passará ao patrimônio de terceiro; ou (b) permanecerá definitivamente no domínio do credor-fiduciante, tendo por consequência a quitação da dívida (art. 27, §§ 5º e 6º, da Lei 9.514/1997). Somente esses dois acontecimentos esgotam os efeitos do negócio fiduciário, extinguindo-o por via diversa do pagamento espontâneo. (Purgação da mora em contratos de alienação fiduciária e o registro de imóveis; acessado em 27 de novembro de 2017; http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/80.08.PDF);188 – Uma vez purgada a mora neste ínterim, possível será o cancelamento do ato de consolidação, mediante simples averbação, retornando a propriedade ao devedor, no caso de quitação total da dívida, no caso de pagamento parcial da dívida, verificar-se-á a continuidade do contrato original, em que o imóvel continuará alienado fiduciariamente ao credor, em garantia do pagamento da dívida originária. (Purgação da mora em contratos de alienação fiduciária e o registro de imóveis; acessado em 27 de novembro de 2017; http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/80.08.PDF);189 – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº 70/1966. PRECEDENTE ESPECÍFICO DESTA TERCEIRA TURMA. 1. "O devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997." (REsp 1462210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014) 2. Alegada diversidade de argumentos que, todavia, não se faz presente. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp 1567195/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 30/06/2017) (Grifei);

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Não raro, o judiciário depara-se com situações em que o devedor fiduciário não consegue efetuar a purga da mora no prazo concedido quando da intimação da formalização da inadimplência e o credor não aceita o pagamento pretendido pelo devedor inadimplente, certamente e muito provavelmente, por desavenças numéricas no que diz respeito ao quantum a pagar. O tempo passa e a propriedade é consolidada em nome do credor fiduciário, que prontamente promove leilão público para a venda do imóvel. Nesse momento, como o devedor poderá purgar a mora, mesmo sem a concordância do credor ou do novo adquirente?

Objetivamente, instalado o litígio, caberá ao judiciário dar uma resposta. Mas quais seriam as exigências que a Justiça deve levar em consideração para que possa o devedor purgar a mora e evitar a imissão de posse após a consolidação da propriedade e mesmo após os leilões ou adjudicação?

Não se olvida que o artigo 27 da lei 9.504/1997 prevê que “após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2º deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos”.

Todavia, o Poder Judiciário tem mitigado esse rigor de pagar integralmente a dívida e encargos quando do ajuizamento da ação objetivando impedir a imissão na posse mediante a manifestação de interesse de purgar a mora, com alegação ou não de nulidades, a justificar a não ocorrência da correta intimação para a constituição em mora. Neste viés, no âmbito da alienação fiduciária (conforme dito anteriormente), evidenciada resta a compatibilidade entre a Lei nº 9.514/97 e o Decreto Lei 70/66.

Assim, há que se considerar correta a possibilidade do devedor purgar a mora até a data da assinatura da carta de arrematação por terceiro adquirente ou até a data da averbação do termo de quitação da dívida (quando não houver

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êxito nos leilões), conforme previsão contida no art. 34190 desse último diploma, por força do próprio CDC (que trata de matéria de ordem pública, portanto, cogente), pois devemos ter em mente o princípio da facilitação e o princípio da interpretação mais favorável ao hipossuficiente191. Desta feita, no âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, como o contrato que serve de base para a existência da garantia não se extingue por força da consolidação da propriedade192 mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, a partir da lavratura do auto de arrematação ou pela averbação do termo de quitação, é que se torna viável a purga da mora (até esse momento), mediante algumas condições ou condicionantes.

Sob esta égide, destaco julgado do STJ193 que bem explica acerca da necessidade de que se caucione valor referente às parcelas vencidas e vincendas, ou apenas parcelas vencidas, desde que o faça na forma e no tempo do artigo 34 do Decreto-Lei 70/66, in verbis:

(...) No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação (...) Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei

190 –  Decreto-Lei 70/66: Art. 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acôrdo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos: I - se a purgação se efetuar conforme o parágrafo primeiro do artigo 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca, até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário; II - daí em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção monetária incidente até o momento da purgação.191 – Dentre as disposições fundamentais do CDC está aquela que determina a interpretação mais favorável ao consumidor, prevista no art. 47. O intérprete, diante de um contrato de consumo, deverá atribuir às suas cláusulas conexões de sentido que atendam, de modo equilibrado e efetivo, aos interesses do consumidor, parte vulnerável da relação. Trata-se do mesmo princípio, visto por outro ângulo, que proclama a interpretação contra a parte mais forte, aquela que redigiu o conteúdo do pacto contratual, como ocorre nos contratos de adesão.192 – Afilio-me ao entendimento de RODRIGO PACHECO FERNANDES: “O ato de averbação da consolidação é meramente declaratório de uma situação já perfeita, ou seja, o esgotamento do prazo de 15 dias sem purga da mora perante o Oficial de Registro. Tal ocorrência resulta na imediata consolidação da propriedade em nome do credor- fiduciário”. (Purgação da mora em contratos de alienação fiduciária e o registro de imóveis; acessado em 27 de novembro de 2017;http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/80.08.PDF);193 – REsp 1462210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014

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nº 9.514/1997, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966.

Ora, com base nesse julgado, entendo que a finalidade principal da alienação fiduciária é, precipuamente, o adimplemento da dívida. A purgação da mora, nesse caso, não encontra nenhum óbice procedimental pois, à disposição do Juízo, estarão os valores inadimplidos, em forma de caução194.

Inclusive, não se pode perder de vista que o devedor transfere a propriedade do imóvel ao credor fiduciário até o pagamento da dívida, caracterizando uma relação marcada pela temporariedade e pela transitoriedade. Nesse ínterim, gize-se que o credor fiduciário adquire o imóvel não com o propósito de mantê-lo como sua propriedade, em definitivo mas, sim, tão somente com a finalidade de garantir a obrigação principal, mantendo-o sob seu domínio até que a dívida seja paga.

De fato, há de ser sopesado pelo magistrado que: a) o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio; b) que o contrato de mútuo não se extingue com a mera consolidação da propriedade em nome do fiduciário; c) que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida.

Em se tratando de alienação fiduciária, para a ocorrência da purga da mora, em juízo, como forma de evitar-se a perda da posse, além da questão temporal, exige-se no mínimo o depósito judicial da quantia referente às parcelas vencidas, com as multas, juros e correções monetárias, assim como de eventuais despesas decorrentes dos procedimentos junto ao Registro Imobiliário e do leilão extrajudicial.

Da (des)necessidade de intimação do devedor sobre as datas dos leilões quando não purgada a Mora – estado de inércia

Destaco que, referente a este tema há 03 diplomas legais que tratam do assunto:

194 – REsp 1.433.031/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 18/06/2014

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a) decreto-lei 70 de 1966 (Autoriza o funcionamento de associações de poupança e empréstimo, institui a cédula hipotecária e dá outras providências);b) Lei 4.591 de 1964 (Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias).c) Lei 9.514 de 1997 (Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências).

Com base na aplicabilidade desses três diplomas legais, havia o entendimento pacificado, perante o STF195 e STJ196, no sentido de que a execução instituída pela Lei n. 4.591/1964 previa a realização de leilão extrajudicial, de uma forma célere em relação às maneiras convencionais, devendo, no entanto, a opção por sua utilização constar sempre (de maneira prévia) do contrato estabelecido entre as partes envolvidas na incorporação. Nessa tangente, a ocorrência de prévia interpelação do devedor para que fosse constituído em mora (e para que pudesse purgá-la), dá a essa espécie de execução elementos satisfatórios de contraditório, uma vez que a interpelação será absolutamente capaz de informar o devedor da inauguração do procedimento, possibilitando, concomitantemente, sua reação (binômio da “ação -> reação”).

Por estes argumentos, nos termos da Lei n. 4.591/1964, não há a necessidade de realização de uma segunda notificação do devedor, com o objetivo de cientificá-lo da data e hora do leilão, após a interpelação que o constitui em mora, porquanto a dinâmica célere imposta pela Lei supra baseia-se (repito) na concretização do binômio informação-reação. A desnecessidade de intimação do devedor acerca das datas dos leilões torna-se garantida pela notificação do devedor, quando de sua constituição em mora.

195 – Inclusive, em 1976 o STF entendeu sobre “a desnecessidade de uma segunda notificação do devedor com o objetivo de cientificá-lo da data e hora do Ieilão previsto na Lei n. 4.591/1964, após a interpelação que o constitui em mora”. ((RE 83382, Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 20/08/1976, DJ 01-10-1976).196 – DIREITO CIVIL. DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR ACERCA DO LEILÃO PREVISTO NO ART. 63, § 1º, DA LEI DE INCORPORAÇÕES. Nas execuções disciplinadas pela lei que regula as incorporações imobiliárias (Lei n. 4.591/1964), não há necessidade de notificação da parte inadimplente da data e hora do leilão extrajudicial (art. 63, § 1º), quando existir autorização contratual para sua utilização e prévia interpelação do devedor com intuito de possibilitar a purgação da mora. REsp 1.399.024-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/11/2015, DJe 11/12/2015.

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Da Lei n. 4.591/1964, em seu art. 63, parágrafo primeiro197, entendeu-se pela dispensabilidade da intimação com as datas dos leilões, quando constituído em mora, o devedor permanecesse inerte.

Neste viés, a execução extrajudicial, prevista na Lei dos Condomínios e Incorporações apresenta característica peculiar mas ao mesmo tempo, comum a outros procedimentos especiais de execução, tais como os previstos no Decreto-Lei n. 70/1966 e na Lei n. 9.514/1997, Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário e Lei da Cédula Hipotecária, respectivamente. A ciência do devedor sobre os leilões, conforme entendimento pacificado dar-se-ia, tão somente para os contratos imobiliários garantidos com hipoteca. Essa era a exceção.

Nesse meio tempo surgiu a Lei nº 13.465/17que trata de uma variedade de assuntos. Dentre eles, trata também da alienação fiduciária, alterando substancialmente a regra que trata da necessidade de intimação.

No RESP 1.674.963-RS198, destacou o Ministro que no Âmbito do decreto 70/66 o devedor deveria ser intimado acerca da data de realização do leilão, quando inexistente a referência à Lei n. 4.591/1964. Em outras palavras, há a necessidade de intimação pessoal do devedor sobre a data da realização do leilão

197 – Art. 63. É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento, por parte do adquirente ou contratante, de 3 prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicialmente, quer alteradas ou criadas posteriormente, quando fôr o caso, depois de prévia notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implique na rescisão do contrato, conforme nêle se fixar, ou que, na falta de pagamento, pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de terreno e à parte construída adicionada, na forma abaixo estabelecida, se outra forma não fixar o contrato. § 1º Se o débito não fôr liquidado no prazo de 10 dias, após solicitação da Comissão de Representantes, esta ficará, desde logo, de pleno direito, autorizada a efetuar, no prazo que fixar, em público leilão anunciado pela forma que o contrato previr, a venda, promessa de venda ou de cessão, ou a cessão da quota de terreno e correspondente parte construída e direitos, bem como a sub-rogação do contrato de construção.198 – APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO REPARATÓRIA. IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. NECESSIDADE. STJ RESP 1.674.963/RS. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. NULIDADE. DESCUMPRMENTO DA LEI Nº 9.514/97. - Na hipótese o E.STJ, através do RESP 1.674.963/RS, declarou a nulidade do leilão extrajudicial realizado sob a premissa de que há a necessidade de intimação pessoal do devedor sobre a data da realização do leilão extrajudicial também quanto aos contratos de alienação fiduciária de coisa imóvel, ainda que tenha sido efetuada a regular notificação do devedor para a purgação da mora, nos termos do disposto no art. 39 da Lei nº 9.514/1997, reformando, tanto o acórdão anteriormente prolatado, quanto a premissa basilar da sentença a quo. - Desconstituição da sentença para evitar a supressão de instância, sem falar na violação do princípio constitucional do devido processo legal, perdendo a oportunidade de ser reexaminado, podendo acarretar, inclusive, cerceamento do direito de defesa da parte ré. APELO PREJUDICADO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70071518021, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 29/03/2018)(grifei).

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extrajudicial também quanto aos contratos de alienação fiduciária de coisa imóvel, ainda que realizada a regular notificação do devedor para a purgação da mora, nos termos do disposto no art. 39 da Lei nº 9.514/1997.

Ou seja, antes da Lei 13.465, deveria haver a notificação do devedor, por incidência dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei 70. Afastou-se o entendimento da Lei n. 4.591/1964. Vide artigo 39 da Lei n. 9514/97, antes e depois da Lei nº 13.465/17:

Art. 39. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei: Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei: (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)I - não se aplicam as disposições da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, e as demais disposições legais referentes ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH;II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966. II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

Diz a Corte Superior que o artigo 39 da Lei n. 9.514/97, antes da Lei nº 13.465/17, determinava a aplicabilidade dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei 70/66 a todas as operações de credito imobiliário apontadas pela Lei. Ou seja, a Corte entende que antes da Lei nº 13.465/17 aplicar-se-iam os artigos 29 a 41 do decreto Lei 70 e, de tais, deveria ter havido a intimação do devedor sobre as datas do leilão (sempre). Repita-se, afastou-se o entendimento sedimentado na interpretação da Lei n. 4.591/64.

Daí, baseado no entendimento anterior à Lei nº 13.465/17, deveria ter havido a intimação sobre as datas dos leiloes, ainda que não manejada a purga da mora. Vale ressaltar que a lei nova não pode retroagir para convalidar irregularidades praticadas em procedimentos executivos praticados sob a égide da legislação revogada pelo legislador199.

199 – (...) lei nova não pode retroagir para convalidar irregularidades praticadas em procedimentos executivos praticados sob a égide da legislação revogada pelo legislador. (...) (RECURSO ESPECIAL Nº 1.674.963 - MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO).

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Após a Lei nº 13.465/17, restringiu-se a aplicabilidade dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei 70/66 exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca. Dessa forma, sob a égide da Lei nº 13.465/17, mesmo que não tenha havido a utilização do instituto da purga da mora, deve haver a intimação dos leilões, obrigatoriamente nos casos em que houver garantia por meio de hipoteca. Nos demais casos, não purgada a mora, desnecessária a intimação sobre as datas dos leilões200.

CONCLUSÃO

Alfim, conclui-se que não se pode deixar de atentar para o resguardo da consecução do direito social e constitucional à propriedade, em especial quando destinada à moradia. Neste viés, a interpretação que melhor reflete o espírito da norma é aquela que, sem impor prejuízo à satisfação do crédito, maximiza ou flexibiliza as chances de o imóvel permanecer com o mutuário.

Afora isso, para que seja a imissão de posse obstada, após a consolidação da propriedade, deve haver a purga da mora, com o depósito judicial da quantia referente às parcelas vencidas, com as multas, juros e correções monetárias, assim como de eventuais despesas decorrentes dos procedimentos junto ao Registro Imobiliário e do Leilão extrajudicial, incluindo as que se vencerem no tempo de duração do processo, com o depósito judicial da totalidade das parcelas vencidas e as que se vencerem no processo.

A ausência de depósito ou o manejo de ação de cunho revisional sem qualquer garantia não se prestam a obstar a imissão da posse, sob pena de se estar premiando, por assim dizer, o devedor desidioso, pois a ele não pode servir.

200 – APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO REPARATÓRIA. IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. NECESSIDADE. STJ RESP 1.674.963/RS. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. NULIDADE. DESCUMPRMENTO DA LEI Nº 9.514/97. - Na hipótese o E.STJ, através do RESP 1.674.963/RS, declarou a nulidade do leilão extrajudicial realizado sob a premissa de que há a necessidade de intimação pessoal do devedor sobre a data da realização do leilão extrajudicial também quanto aos contratos de alienação fiduciária de coisa imóvel, ainda que tenha sido efetuada a regular notificação do devedor para a purgação da mora, nos termos do disposto no art. 39 da Lei nº 9.514/1997, reformando, tanto o acórdão anteriormente prolatado, quanto a premissa basilar da sentença a quo. - Desconstituição da sentença para evitar a supressão de instância, sem falar na violação do princípio constitucional do devido processo legal, perdendo a oportunidade de ser reexaminado, podendo acarretar, inclusive, cerceamento do direito de defesa da parte ré. APELO PREJUDICADO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70071518021, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 29/03/2018)

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E por fim, chega-se à conclusão de que antes da Lei nº 13.465/17, por força da incidência do Decreto-Lei 70/66, deveria haver a notificação sempre, mesmo que não purgada a mora. Após a Lei nº 13.465/17, se inerte quanto à purga da mora, deve haver intimação somente nos casos em que o imóvel for garantido por hipoteca201, sem perder de vista que a lei nova não pode retroagir para convalidar irregularidades praticadas em procedimentos executivos praticados sob a égide da legislação revogada pelo legislador: antes da Lei nº 13.465/17, se não realizada a intimação sobre as datas dos leilões, conforme artigos 29 a 41 do Decreto-Lei 70/66, deverá ser declarada a nulidade dos Leilões.

201 – (...) Impende destacar, por oportuno, que, ao meu sentir, a alteração da redação original do art. 39, caput e inciso II, da Lei 9.514/1997, estabelecida pela Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017, que limitou a aplicação do disposto nos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei 70/1966 exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca não se aplica ao leilão extrajudicial em litígio, porquanto a lei nova não pode retroagir para convalidar irregularidades praticadas em procedimentos executivos praticados sob a égide da legislação revogada pelo legislador. Dessa maneira, depreende-se que a conclusão do Tribunal de origem em relação à desnecessidade de intimação pessoal do devedor de operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere o art. 39 Lei n. 9.514/1997, em sua redação original, contraria a jurisprudência deste Tribunal (...) (RECURSO ESPECIAL Nº 1.674.963 - MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO).

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DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS E RECURSAIS NA REGRA DO ARTIGO 85, §§ 2º, 8º E 11 DO CPC

Gelson Rolim Stocker

I – PARTE GERAL

Hodiernamente, a sistemática dos honorários advocatícios foi muito bem tratada pelo CPC/2015 que, inclusive, pacificou diversas celeumas doutrinárias e jurisprudenciais que existiam durante a vigência do CPC de 1973. Aliás, não se pode ter dúvidas que a verba honorária sucumbencial ou contratual deve remunerar dignamente o profissional, sobretudo ao considerar que a justa remuneração do advogado vem ao encontro da sua indispensabilidade à administração da justiça, conforme estabelece o art. 133 da Constituição Federal e, como tal há de ser considerada.

Em artigo publicado na obra “Novo Código de Processo Civil Anotado” (OAB/RS – 2015, página 109), Cláudio Lamachia bem traduz o resultado dos novos dispositivos do CPC em relação aos honorários do advogado dizendo:

“A valorização da advocacia é fundamental para o fortalecimento da sociedade. Essa valorização passa, certamente, por uma remuneração justa e equânime, que seja condizente com a relevância social dos serviços prestados.”

Ademais, “os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devidos ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar”202.

Destaco, ainda, por força do art. 11 c/c o § 1º do art. 489 ambos do CPC, que deve o magistrado fundamentar suas decisões, inclusive no que respeita à sucumbência, e têm as partes o direito de saber os motivos pelos quais os honorários

202 – STF, ministro Luís Roberto Barroso, Rcl 26.259.

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foram fixados neste ou naquele valor ou critério. Quanto aos honorários a serem fixados nas demandas judiciais do seu arbitramento, está atualmente disposta no art. 85 do CPC e seus parágrafos, in verbis:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:I - o grau de zelo do profissional;II - o lugar de prestação do serviço;III - a natureza e a importância da causa;IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

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Dos Honorários Advocatícios Sucumbenciais e Recursais na Regra do Artigo 85, §§ 2º, 8º e 11 do CPC

§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º:I - os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;II - não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;III - não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa;IV - será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação.§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.§ 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.§ 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas.§ 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários

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devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.§ 12. Os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77.§ 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.§ 15. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe caibam seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se à hipótese o disposto no § 14.§ 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão.§ 17. Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria.§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.

No entanto, apesar dessa evolução, muitas dúvidas persistem e resistências ocorrem, em especial nas demandas não integradas pela Fazenda Pública, razão de tratar desses pontos, ao menos de forma geral.

II – HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

Da leitura e interpretação do art. 85, § 2º, do CPC, a partir da vigência do atual codex processual, verifica-se que a regra geral é que os honorários serão obrigatoriamente fixados entre 10% e 20%, tendo sua base de cálculo o montante

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da condenação (sentença condenatória), o proveito econômico ou o valor da causa (sentença declaratória ou constitutiva), dependendo, então, da natureza da sentença para a definição da base sobre a qual incidirá o percentual a ser fixado.

Ensina WAMBIER203:

A natureza da sentença terá relevância para a definição sobre o que incidirá o percentual definido pelo juiz. As regras trazidas pelo CPC/2015 são, pois, as seguintes:a) se a sentença tiver natureza condenatória, o percentual (de 10 a 20%) incidirá sobre a condenação;b) se a sentença tiver natureza declaratória, o percentual (de 10 a 20%) incidirá sobre o valor do benefício econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa;c) se a sentença tiver natureza constitutiva, o percentual (de 10 a 20%) incidirá sobre o valor do benefício econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.Note-se que para as sentenças de natureza constitutiva ou declaratória, a base de cálculo é, ordinariamente, o valor do benefício econômico. Apenas se for impossível aferi-lo, deverá o juiz se utilizar do valor atualizado da causa como parâmetro.Ao proferir sentença, o juiz não pode fixar percentual menor de 10%, tampouco maior de 20%; também não pode fixar os honorários em valor certo (por exemplo, em R$ 10.000,00) (ressalva para o item “Honorários nas causas de valor inestimável ou irrisório”, discriminado linhas abaixo). Deve, sim, definir percentual (entre 10 e 20%) a incidir sobre uma das bases acima expostas (“o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”).Se o juiz, no caso concreto, incorrer em qualquer das condutas acima, negará vigência ao § 2.º do art. 85. Essa questão poderá ser objeto de recurso de apelação e, depois, se o tribunal de 2.º grau não corrigir o desacerto da sentença, poderá ainda ser submetida à apreciação do STJ, Corte que, acredita-se, cumprindo sua função de guardiã da integridade da lei federal, deverá, desde logo, retificar o erro

203 – WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários ao novo CPC – comentários ao art. 85.

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de julgamento substituindo o valor certo por percentual ou, se for necessário o reexame de fatos e provas para a definição do percentual, determinar a devolução dos autos ao 2.º grau. Note-se que aferir se o ato do tribunal local de manter a fixação de honorários em valor certo – e não em percentual como impõe o § 2.º do art. 85 – é questão de direito e, como tal, sujeita ao controle do STJ. Contudo, a definição do percentual em si, muitas vezes, pode demandar o reexame de fatos e provas, o que, portanto, exige, como dito acima, que o STJ determine o retorno dos autos à instância inferior para que esta o faça.A definição do percentual deve ser motivada. No sistema anterior, os honorários eram comumente tratados apenas na parte dispositiva da sentença. Não poderá ser assim no CPC/2015. A fixação dos honorários é tema que precisa ser enfrentado em capítulo próprio da fundamentação da sentença. Nele, deve o juiz expor as razões pelas quais decidiu fixar os honorários, por exemplo, em 10, 11, 12, 15, 17 ou 20%. A simples menção ao percentual na parte dispositiva da sentença não atende ao padrão de fundamentação das decisões judiciais exigido pelo art. 11 e, sobretudo, pelo § 1.º do art. 489 do CPC/2015. Não atende, pois, ao modelo de processo democrático que o CPC/2015 impõe. As partes têm direito de saber o motivo pelo qual os honorários foram fixados no percentual de piso, intermediário ou no teto. Para tanto, o juiz deve levar em consideração os fatores descritos nos incisos do § 2.º do art. 85.

Em resumo, assim também disserta Arruda Alvim204:

“O quantum dos honorários advocatícios variará entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, o proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado atribuído à causa (art. 85, §2º do CPC/2015, equivalente ao § 3.º do art. 20 do CPC/1973).

É evidente que deveremos observar o disposto nos incisos de I a IV do mencionado §2º do artigo 85 do CPC, mas, essa disposição legal só estipula os critérios pelos quais o julgador fixará os honorários entre o mínimo (10%) e

204 – ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 2017. Sujeitos do processo.

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o máximo (20%) previsto na lei. Aliás, é o que se verifica dos ensinamentos de Arruda Alvin na obra antes indicada, como podemos ver no seguinte trecho:

Para a fixação do percentual dos honorários devem ser observados: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar da prestação do serviço; c) a natureza e a importância da causa; d) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.

Certamente, as modificações legislativas na questão da verba honorária a ser fixada judicialmente, apesar de sua vigência desde março de 2016, causam ainda discussões e interpretação distintas sobre sua aplicação, extensão e eficácia, como, por exemplo, não mais poder–se aplicar o princípio da equidade para “reduzir” a verba honorária sucumbencial pois, assim decidindo, estar-se-á negando vigência ao § 2º do art. 85 do CPC e dando-se interpretação não prevista ao §8º do art. 85 do CPC. Com essa mesma orientação, Marinoni205, após dizer que os honorários deverão ser fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento, leciona que a lei não dá ao juiz discricionariedade, salvo as previstas nos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do CPC. Vejamos:

“Independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito” (parágrafo sexto) e lista quatro balizas que devem nortear a fixação: “I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa; IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço” (parágrafo segundo). Por isso, como resume Pontes de Miranda, a lei “limitou, quantitativamente, e encheu, qualitativamente, o âmbito de competência do juiz ou tribunal para a fixação dos honorários”. O que o juiz deve fazer, com efeito, é fundamentar a fixação à luz dos elementos e dos fatos concretos da causa, sem empregar para justificá-la platitudes e expressões vagas e imprecisas que de concreto nada tenham a ver com a demanda. Lembre-se, neste ponto, que o art. 489 define como não fundamentada exatamente a decisão que “se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,

205 – MARINONI, Luis Guilherme. Comentários ao Código de Processo Civil. volume II.

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sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida” (inc. I), “empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso”(inc. II) e “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão” (inc. III).

Podemos então concluir que: a) Existindo sentença condenatória: os honorários terão um mínimo de 10% a um máximo de 20% e incidirão sobre o valor da condenação; b) Existido sentença declaratória ou constitutiva: o mesmo percentual mínimo a máximo incidirá, ou sobre o benefício econômico ou, caso não seja possível aferi-lo, sobre o valor atualizado da causa; c) A equidade só será aplicada se inestimável ou irrisório o benefício econômico ou, ainda, se o valor da causa for muito baixo, servindo então somente para majorar honorários. d) É evidente que no julgamento do recurso pelo Tribunal, poderá ocorrer a redução dos honorários fixados na sentença, mas somente dentro dos dispositivos legais que devem os mesmos ser fixados, isto é: i) se fixados, e corretamente fixados com fundamento no § 2º do art. 85, do CPC, poderá ser revisto o percentual, pelos critérios dos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do CPC, mas não poderá ser menor de 10% e nem maior de 20%; ii) se fixados, e corretamente fixados com fundamento no § 8º do art. 85, do CPC, poderá ser revisto o valor, para mais ou para menos se, pelos critérios dos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do CPC, não tenham sido corretamente arbitrados na sentença mas, repita-se, a equidade não poderá ser usada tão somente para não se aplicar a regra do §2º, do art. 85 do CPC quando essa dever ser aplicada.

III – APLICAÇÃO REGRA DA EQUIDADE (DO §8º DO ARTIGO 85 DO CPC)

O § 8º do art. 85 do CPC, a famosa regra da equidade, é uma exceção à regra geral do § 2º do art. 85 do CPC e só se aplica nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico/condenação ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, ou seja, não se aplica em causa de valor ou proveito econômico “alto” ou de “valor estimável”. Voltando aos ensinamentos de WAMBIER206, agora sobre essa temática da equidade e levando em conta que a lei estabeleceu critério de fixação mínimo e máximo como o justo, nos é esclarecido:

206 – WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários ao novo CPC – comentários ao art. 85.

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“Nas causas de proveito econômico inestimável, assim compreendidas aquelas onde não é possível vislumbrar benefício econômico imediato (por exemplo, ações de estado), os honorários serão fixados por equidade, ou seja, pelo senso de justo do juiz. O mesmo critério deve ser utilizado para as causas com proveito econômico ou valor da causa muito baixo. O texto tem o propósito de evitar a fixação de honorários ínfimos, já que sendo muito baixo o valor da causa, se observados os percentuais definidos nos §§ 2.º e 3.º do art. 85 (por exemplo, 10%), baixíssimos seriam os honorários. Significa, então, que a lei implicitamente impõe um padrão mínimo de honorários, tendo presente a importância e a dignidade da profissão de advogado (CF/1988, art. 133). A fixação de honorários justos é forma de concretizar a previsão constitucional que não pode ser – e não é – apenas retórica. Não é demais lembrar que os honorários são a fonte de subsistência de qualquer advogado. Sua vida se move a partir dos honorários que recebe, logo, coerente que seja fixada contraprestação justa pelo exercício de seu ofício.

Assim são igualmente os ensinamentos de Guilherme R. Amaral207:

“O § 8.º do art. 85 não modifica substancialmente o que se previa no § 4.º do art. 20 do CPC revogado, de forma que os honorários, nas causas de valor inestimável ou irrisório, deverão ser fixados equitativamente, observando o disposto nos incisos do § 2.º”.

E, retornando aos ensinamentos de Arruda Alvim208, ao continuar sua explanação doutrinária após tratar da incidência dos percentuais mínimo e máximo conforme previstos no art. 85, § 2º, do CPC, o mesmo complementa:

“Tais percentuais limitativos, no entanto, poderão legitimamente não ser observados, tratando-se de causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, hipóteses em que o juiz deverá fixar o valor dos honorários por apreciação equitativa (art. 85, § 8º do CPC/2015)”.

207 – AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC.208 – ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 2017. Sujeitos do processo.

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Também é o entendimento de ARAKEN DE ASSIS209:

“Da análise dos elementos de incidência do art. 85, §8º, verifica-se o cabimento do juízo de equidade em duas situações:(a) inestimável ou irrisório o proveito econômico ou (b) muito baixo o valor da causa. Fora daí, portanto, aplicar-se-á o art. 85, §2º, ou, no caso da Fazenda Pública, as regras particulares (art. 85, §3º)”.“Esses elementos de incidência revelam, ademais, o propósito latente da regra. Não se presta o juízo de equidade para reduzir os honorários, como acontece no caso da desapropriação (infra, 733), mas para aumentá-los, toda vez que a base de cálculo implique em verba pequena e incompatível com o exercício da profissão.” (grifei)

Não podemos desconhecer os Enunciados produzidos na Jornada de Direito Processual Civil realizada em agosto de 2017, cuja COMISSÃO CIENTÍFICA210 bem demonstra a qualificação de suas conclusões que, dentre elas assim se pronunciou:

PGE09 A fixação dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa só é cabível nas hipóteses previstas no § 8º do art. 85 do CPC.

PGE10 O art. 85, § 8º, do CPC não autoriza reduzir os honorários advocatícios fixados com base nos §§ 2º e 3º, sob o fundamento de serem exorbitantes.

Ademais, o CPC tem previsão de que, para aplicação da equidade, há necessidade de previsão legal expressa, in verbis:

Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

Ou seja, a hipótese de apreciação equitativa prevista no §8º do art. 85, do CPC é taxativa e, por isso, somente será aplicada: i) nas causas em que for

209 – ASSIS, Araken de. Processo Civil brasileiro. Parte geral: institutos fundamentais. fl. 433 volume II – Tomo I.210 – Coordenador Geral: Ministro Mauro Campbell Marques, Corregedor-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça FederalCoordenador Científico Geral: Ministro Raul Araújo, Superior Tribunal de Justiça

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inestimável; ii) irrisório o proveito econômico; iii) quando o valor da causa for baixo.

Nesses termos, fixar honorários com base na apreciação equitativa havendo condenação não irrisória; valor do proveito econômico estimável ou valor da causa razoáveis, ou como forma de minorar honorários que deveriam ser fixados de acordo com a previsão da regra geral prevista no art. 85, § 2º do CPC, constitui verdadeira violação à lei.

Portanto, em conclusão, podemos afirmar que os honorários sucumbenciais, em demandas não integradas pela Fazenda Pública, deverão ser fixados por força do § 2º do CPC, com os critérios dos seus incisos I a IV, entre o mínimo de 10% e o máximo de 20%, aplicável o percentual sobre a condenação se a sentença for condenatória, sobre o proveito econômico se a sentença for declaratória ou constitutiva ou, não podendo o seu valor ser estimado sobre o valor dado à causa ou, ainda, se o resultado econômico dos honorários encontrado com a aplicação desses critérios for considerado irrisório, poder-se-á aplicar a equidade na forma prevista no §8º, do art. 85, do CPC mas somente nessas restritas hipóteses.

Reiterando e explicitando, é lógica a conclusão também que se deve fazer que no julgamento do apelo possa haver minoração dos honorários se pelos critérios dos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do CPC foram fixados acima do razoável. Também se repita, nunca para aplicar valor menor que o percentual mínimo previsto no art. 85, § 2º, do CPC, quando esse for o fundamento legal da fixação de tal verba.

IV – HONORÁRIOS RECURSAIS

Outra novidade são os honorários recursais211, também de suma importância.

Ensina Alexandre Freitas Câmara212:

“Fixados os honorários na sentença, pode haver um aumento da verba em grau de recurso. É o instituto dos honorários de sucumbência

211 – Art. 85 § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.212 – CAMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro.

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recursal, de que trata o § 11 do art. 85. Incumbe ao Tribunal, ao julgar o recurso, majorar os honorários advocatícios fixados no grau inferior, levando em conta o trabalho adicional realizado pelo advogado em grau de recurso. O aumento ocorrerá tanto nos casos em que o recurso seja julgado pelo Relator, monocraticamente, como nas hipóteses de julgamento colegiado.”

No que tange aos honorários recursais, certamente não só da novidade em si, temos que enfrentar algumas polêmicas, cujas respostas parecem simples, mas não são.

IV.1 – Critérios de cabimento e/ou de fixação dos honorários recursais

IV.1-a) Simetria na fixaçãoA primeira polêmica do que previsto no §11 do art. 85 do CPC é que ele

somente remete como critérios da fixação dos honorários recursais aos §§2º ao 6º do artigo 85 do CPC, pelo que o §8º desse mesmo dispositivo, que autoriza a apreciação equitativa, não seria alternativa legal aplicável pelo julgador para a fixação dos honorários recursais.

Já decidiu o STJ no julgamento do EDcl no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.573.573:

(...) II - A título exemplificativo, podem ser utilizados pelo julgador como critérios de cálculo dos honorários recursais: (...)b) observância do padrão de arbitramento utilizado na origem, ou seja, se os honorários foram fixados na instância a quo em valor monetário, por meio de apreciação equitativa (§ 8º), é interessante que sua majoração observe o mesmo método; se, por outro lado, a verba honorária foi arbitrada na origem com base em percentual sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa, na forma do § 2º, é interessante que o tribunal mantenha a coerência na majoração utilizando o mesmo parâmetro.

Quanto a esse aspecto, me filio ao entendimento de que, se o critério utilizado para a fixação dos honorários sucumbenciais foram os previstos no § 2º do art. 85 do CPC, este também deverá nortear a fixação dos honorários recursais; se os honorários sucumbenciais forem fixados pela equidade, desde que aplicável a regra

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prevista no § 8º do art. 85 do CPC, também esse mesmo critério deverá nortear a fixação dos honorários recursais. É o que podemos chamar de regra de simetria.

IV.1-b) Sentença desconstituída com retorno do feito à origemA segunda discussão que não se pode olvidar diz respeito à hipótese de

desconstituição da sentença, com retorno dos autos à origem e prosseguimento do seu andamento no primeiro grau de jurisdição. Quando a sentença for desconstituída, com retorno do feito à origem, penso que não há espaço para a fixação desde logo de honorários, sejam eles sucumbenciais ou recursais, pois quando da nova sentença, esse trabalho até então realizado deverá ser observado na nova decisão para a fixação dos honorários sucumbenciais e, havendo novo recurso será analisada a aplicação ou não de honorários recursais, diante da regra do § 11, do art. 85, do CPC.

IV.1-c) Sentença desconstituída com pronto julgamento no TribunalUma terceira discussão diz respeito à hipótese de desconstituição da

sentença, mas com julgamento de imediato pelo próprio Tribunal pelo princípio da causa madura, nos termos previsto no art. 1013, § 3º do CPC.

No julgamento do AgInt nos EREsp 1.539.725/DF, o MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, em seu voto, tratou do assunto nos seguintes termos:

E, ademais, é também preciso que a decisão recorrida não seja anulada no julgamento do recurso: se houver essa anulação, seja para retorno ao primeiro grau, seja para aplicação da teoria da causa madura no próprio Tribunal, quando possível à luz do art. 1.013, § 3.º, do Novo Código, haverá fixação nova, originária, dos honorários, e não majoração de algo que não subsiste mais.

É caso, então, de fixação de honorários sucumbenciais no julgamento pelo Tribunal, levando em conta o trabalho desenvolvido no processo, incluindo o trabalho adicional do recurso na valoração dos honorários sucumbenciais.

IV.1-d) Ausência de manifestação contrarrecursalUma quarta polêmica que podemos destacar é a hipótese de ser ou não

majorados os honorários no exame do recurso com juízo de improvimento ou não conhecimento, pela ausência de manifestação da parte recorrida.

É incontroverso que o artigo 85 do Código de Processo Civil de regência prima pela correta remuneração do causídico. Tanto é assim que o plenário do

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STF 213 em interessante debate com uma composição de nove Ministros, entendeu por maioria de 6 de seus 11 Membros, ou seja, maioria absoluta, que “é cabível a fixação de honorários recursais, prevista no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil (CPC), mesmo quando não apresentadas contrarrazões ou contraminuta pelo advogado.”

A propósito nesse mesmo sentido foi a conclusão da Jornada de Direito Processual Civil antes mencionada e que resultou também no seguinte Enunciado:

PGE12 A ausência de resposta ao recurso pela parte contrária, por si só, não tem o condão de afastar a aplicação do disposto no art. 85, § 11 do CPC.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça tem enfrentado de forma muita detalhada as questões envolvendo a fixação dos honorários, em especial os recursais pois matéria que já chegou ao Superior Tribunal, como podemos ver em dois julgamentos, um na Terceira Turma e outro na SEGUNDA SEÇÃO.

Destaco o primeiro, da Terceira Turma:

PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO CONFIGURADA. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS PARA SANAR O VÍCIO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. REQUISITOS.I - Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”;2. O não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente;

213 – Ag. Reg. na Ação Originária nº 2063 AgR/CE, Redator para o acórdão Ministro Luiz Fux, Plenário, Maioria 6 x 3, Data de julgamento: 18/5/2017.

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3. A verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;4. Não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido;5. Não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo;6. Não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba.II - A título exemplificativo, podem ser utilizados pelo julgador como critérios de cálculo dos honorários recursais:a) respeito aos limites percentuais estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC de 2015;b) observância do padrão de arbitramento utilizado na origem, ou seja, se os honorários foram fixados na instância a quo em valor monetário, por meio de apreciação equitativa (§ 8º), é interessante que sua majoração observe o mesmo método; se, por outro lado, a verba honorária foi arbitrada na origem com base em percentual sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa, na forma do § 2º, é interessante que o tribunal mantenha a coerência na majoração utilizando o mesmo parâmetro;c) aferição do valor ou do percentual a ser fixado, em conformidade com os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85;d) deve ser observado se o recurso é parcial, ou seja, se impugna apenas um ou alguns capítulos da sentença, pois em relação aos demais haverá trânsito em julgado, nos termos do art. 1.002 do CPC de 2015, de modo que os honorários devem ser arbitrados tendo em vista o proveito econômico que a parte pretendia alcançar com a interposição do recurso parcial;e) o efetivo trabalho do advogado do recorrido.III - No caso dos autos, além de o recurso especial ter sido interposto quando ainda estava em vigor o CPC de 1973 e não haver sido fixada verba honorária na origem, por se tratar de decisão interlocutória, a parte ora embargante pretende o arbitramento dos honorários

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recursais previstos no § 11 do art. 85 do Novo CPC no âmbito do agravo interno, o que, como visto, não é cabível.IV - Embargos de declaração acolhidos para, sem atribuição de efeitos infringentes, sanar a omissão no acórdão embargado.(EDcl no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.573.573 - RJ (2015/0302387-9), Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Julgado em 4/4/2017).

No mesmo sentido, foi reafirmado esse julgamento pela SEGUNDA SESSÃO do Superior Tribunal de Justiça no Agravo Interno nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.539.725 – DF que, pelo intenso debate que em tal julgado se travou, transcrevo sua ementa nos pontos tratados sobre honorários:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EMBARGADO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. FALTA DE SIMILITUDE FÁTICA. PRESCRIÇÃO. REPARAÇÃO. DIREITOS AUTORAIS. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. ACÓRDÃO EMBARGADO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. NÃO CABIMENTO. DECISÃO MANTIDA.(...).5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.6. Não haverá honorários recursais no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração apresentados pela parte que, na decisão que não conheceu integralmente de seu recurso ou negou-lhe provimento, teve imposta contra si a majoração prevista no § 11 do art. 85 do CPC/2015.7. Com a interposição de embargos de divergência em recurso especial tem início novo grau recursal, sujeitando-se o embargante, ao questionar decisão publicada na vigência do CPC/2015, à

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majoração dos honorários sucumbenciais, na forma do § 11 do art. 85, quando indeferidos liminarmente pelo relator ou se o colegiado deles não conhecer ou negar-lhes provimento.8. Quando devida a verba honorária recursal, mas, por omissão, o Relator deixar de aplicá-la em decisão monocrática, poderá o colegiado, ao não conhecer ou desprover o respectivo agravo interno, arbitrá-la ex officio, por se tratar de matéria de ordem pública, que independe de provocação da parte, não se verificando reformatio in pejus.9. Da majoração dos honorários sucumbenciais promovida com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015 não poderá resultar extrapolação dos limites previstos nos §§ 2º e 3º do referido artigo.10. É dispensada a configuração do trabalho adicional do advogado para a majoração dos honorários na instância recursal, que será considerado, no entanto, para quantificação de tal verba.11. Agravo interno a que se nega provimento. Honorários recursais arbitrados ex officio, sanada omissão na decisão ora agravada.(AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017) – grifei.

Aliás, o STJ instado a se manifestar sobre a mens legis do art. 85, § 11 do CPC, decidiu que: “O § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade, devendo atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir recursos provenientes de decisões condenatórias antecedentes.”.214

IV.1-e) Ausente fixação da verba honorária sucumbencial anteriorOutra situação polêmica é se na decisão recorrida não houver fixação

de honorários advocatícios sucumbenciais e se tal situação impossibilitará a majoração a titulo de honorários recursais em julgamento no Tribunal.

Quando ausente a fixação anterior da verba honorária, o STJ tem entendimentos no sentido de que a inexistência de condenação215 ao pagamento

214 – STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 370.579/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 23/06/2016. 215 – (EDcl no REsp 1.651.532/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 13/09/2017) - (AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017)

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de honorários advocatícios sucumbenciais desde a origem impede sua majoração para os efeitos de fixação dos honorários recursais, como podemos ver no julgamento do AgInt nos EREsp 1.539.725/DF, SEGUNDA SEÇÃO, já citado. Aliás, nesse mesmo julgamento o MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE reproduziu seu voto proferido no julgamento do EDcl no AgInt no REsp Nº 1.573.573, reafirmando que somente se admite a aplicação de honorários recursais em caso que é cabível a fixação de tal verba desde a origem:

Com efeito, não é admissível a aplicação do § 11 do art. 85 do CPC de 2015, quando o recurso é interposto no bojo de processo em que não foi fixada, desde a origem, tal verba sucumbencial, em razão de sua natureza, como, por exemplo, o mandado de segurança ou a ação civil pública ou, ainda, não se tratar de decisão final, sendo o ato judicial recorrido proveniente de incidente processual para o qual não era cabível o arbitramento de honorários. Há casos também em que a decisão recorrida é apenas de anulação de ato judicial, sem prévia fixação de honorários. Assim, sua confirmação no âmbito recursal também não pode gerar majoração de verba honorária inexistente. De fato, não faria sentido permitir a majoração de honorários advocatícios que não foram em nenhum momento arbitrados pela instância a quo.Nesse sentido podem ser mencionados os seguintes julgados deste Tribunal, sendo certo que, no ponto, não encontrei posicionamento que pudesse indicar divergência entre os órgãos julgadores: Segunda Turma: RMS 51.721/ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 06/10/2016, DJe de 14/10/2016; Terceira Turma: AgInt no AREsp 961.369/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/09/2016, DJe de 30/9/2016; AgInt no AREsp 160.769/SC, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 16/08/2016, DJe 23/08/2016; AgInt no REsp 1.507.973/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 19/5/2016; DJe de 24/5/2016; EDcl no AgInt no REsp 1456140/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 04/10/2016, DJe de 14/10/2016; e Quarta Turma: EDcl no AgRg no AREsp 303.406/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 28/06/2016, DJe de 01/08/2016. Cito, ainda, julgados do Supremo Tribunal Federal: Primeira Turma: ARE 773.686 AgR,

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Dos Honorários Advocatícios Sucumbenciais e Recursais na Regra do Artigo 85, §§ 2º, 8º e 11 do CPC

Relator Min. Luiz Fux, julgado em 30/09/2016, DJe de 27/10/2016; ARE 904.672 AgR, Relator Min. LuizFux, julgado em 14/10/2016, DJe de 03/11/2016; RE 860938 AgR-ED, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 23/09/2016, DJe de 28/10/2016; ARE 943190 ED-AgR, Relator Min. Marco Aurélio, julgado em 13/09/2016, DJe de 03/11/2016; e Segunda Turma: ARE 960.316 AgR, Relator Min. Teori Zavascki, julgado em 14/10/2016, DJe de 28-10-2016; ARE974.859 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, julgado em 30/09/2016, DJe de 25/10/2016.É importante deixar registrado que existem decisões interlocutórias que dão azo à fixação de honorários advocatícios sucumbenciais, como, por exemplo, aquelas em que há exclusão de litisconsorte. Assim, interposto recurso contra decisão dessa natureza, por certo, será cabível a aplicação do § 11 do art. 85 do CPC de 2015. O que viabiliza o arbitramento de honorários recursais é o cabimento da fixação de tal verba na origem.Expressando essa mesma intelecção, colho na doutrina:É fundamental, nesse ponto, atentar para a expressão “majorará os honorários fixados anteriormente”, que consta do dispositivo. Ao falar em majorar, pressupõe a lei, logicamente, que a decisão atacada no recurso tenha fixado honorários; sem isso, não haveria majoração pelo Tribunal, mas sim fixação ex novo. Desta forma, como regra, pode-se dizer que o §11 incidirá quando recorrida for a sentença, como categoria definida de pronunciamento judicial (art. 203, § 1.º), porque, como decorre do caput do art. 85, cabe à sentença condenar o vencido a pagar honorários ao vencedor.

Em que pese ter inicialmente me posicionado com a possibilidade de tal majoração nas hipóteses em que deveria ter havido a fixação dos honorários sucumbenciais, mas não houve, de forma que no julgamento do recurso poderia haver a fixação dos sucumbenciais e dos recursais. No entanto, pelo princípio da segurança jurídica e da efetividade da prestação jurisdicional adiro ao entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça da necessidade de existir a fixação de honorários sucumbenciais desde a origem para, só assim, poder haver a majoração e, adianto, nas hipóteses de não conhecimento ou improvimento do recurso.

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IV.1-f) Os honorários advocatícios recursais são aplicáveis somente nas hipóteses de não conhecimento integral ou de improvimento do recurso

Temos também uma sexta situação polêmica, qual seja, se os honorários recursais podem ser atribuídos em favor da parte recorrente e integralmente sucumbente no primeiro grau, em caso de provimento integral ou parcial do recurso.

A hipótese de fixação dos honorários recursais, na dicção do §11, do art. 85 do CPC, é de que serão majorados os sucumbenciais fixados na origem, indicando que a sentença está sendo mantida pois, se modificada, o órgão recursal fixará novos honorários sucumbenciais. Aliás, é o que ficou assentado nos julgamentos dos AgInt nos EREsp 1.539.725/DF e EDcl no AgInt no REsp Nº 1.573.573, in verbis:

Os honorários advocatícios recursais aplicam-se aos casos de não conhecimento e de improvimento, já que na hipótese de provimento é devolvido ao julgador o integral redimensionamento da sucumbência.No momento desta nova redistribuição dos ônus sucumbenciais, que comporta inclusive eventual inversão, é salutar que o julgador, por questão de coerência com o sistema processual atualmente em vigor, realize a nova fixação dos honorários advocatícios também levando em consideração o trabalho adicional exercido pelo advogado da parte vitoriosa no grau recursal.O próprio texto legal (§ 11 do art. 85) induz à compreensão de que os honorários recursais serão devidos ao advogado da parte que está vencendo a demanda na origem, quando faz as seguintes afirmações:“majorará os honorários fixados anteriormente” e que são os “honorários devidos ao advogado do vencedor”. Portanto, aquele que já vinha obtendo êxito na demanda e se depara com a insistência da parte contrária na interposição de recurso, é que, em caso de não acolhimento do pleito recursal, deve ser beneficiado pela majoração dos honorários advocatícios fixados em seu favor no Juízo de origem.Na doutrina, há defensores da tese de que somente cabe a fixação de honorários advocatícios recursais nas hipóteses de inadmissão ou rejeição do recurso, com a manutenção da decisão recorrida.Nesse sentido, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes afirma: O art. 85, § 11, traz verdadeira novidade exclusivamente para os casos em que

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é negado provimento ao recurso, pois é somente nessa hipótese que o tribunal “majorará os honorários fixados anteriormente. Quando o recurso é provido, não haverá majoração dos honorários fixados anteriormente, pois a condenação em honorários imposta na decisão recorrida beneficiava o advogado do recorrido e será cassada. Uma condenação em honorários totalmente nova deverá ser imposta pelo tribunal, agora em benefício do advogado do recorrente, devendo ser considerado no arbitramento da verba o trabalho realizado pelo advogado no decorrer de todo o processo, inclusive na fase recursal. Aqui não há novidade alguma, pois, de forma incoerente com o não arbitramento de honorários complementares para remunerar o trabalho do advogado do recorrido quando o recurso não é provido, não se questiona na aplicação do CPC de 1973 que no novo arbitramento de honorários decorrente do provimento de recurso o julgador deve considerar todo o trabalho realizado pelo advogado até o julgamento do tribunal, não apenas a atuação em primeira instância. (Os honorários recursais no Novo Código de Processo Civil. In: Revista do Advogado, Ano XXXV, Nº 126, Maio de 2015, p. 28).Na mesma linha de entendimento, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, in verbis: O valor dos honorários recursais soma-se aos honorários anteriormente fixados.Assim, vencida numa demanda, a parte deve sujeitar-se ao pagamento de honorários sucumbenciais para o advogado da parte contrária. Nessa hipótese, caso recorra e seu recurso não seja, ao final, acolhido, deverá, então, haver uma majoração específica no valor dos honorários de sucumbência. A inadmissibilidade ou a rejeição do recurso implica, objetivamente, uma consequência específica, correspondente ao aumento do percentual dos honorários de sucumbência. A sucumbência recursal, com majoração dos honorários já fixados, ocorre tanto no julgamento por decisão isolada do relator como por decisão proferida pelo colegiado. [...]A sucumbência recursal, com a majoração dos honorários já fixados, somente ocorre quando o recurso for inadmitido ou rejeitado, mantida a decisão recorrida. Se, porém, o recurso for conhecido e provido para reformar a decisão, o que há é a inversão da sucumbência: a condenação inverte-se, não havendo honorários recursais. (Curso

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de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal, Vol. 3, 13ª ed. reform. Salvador: Jus Podivm, 2016, pp.155-159).No mesmo sentido é a lição de Luiz Dellore (In: Comentários ao art. 85 do CPC. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015 - Parte Geral. São Paulo: Método, 2015, p. 299).Em sentido diverso, há doutrinadores que sustentam a incidência dos honorários advocatícios recursais em todo julgamento de recurso, seja nos casos de improvimento, seja nos de provimento ou provimento parcial. Nesse sentido, por exemplo, Luiz Henrique Volpe Camargo (Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 321-322).Quanto ao tópico, cabe esclarecer que a doutrina já vem apresentando outros tipos de divergência. Há quem defenda que a sucumbência recursal é separada da sucumbência da causa, merecendo ser remunerado o trabalho adicional do advogado no recurso ainda que outro seja o vencedor da causa (FAZIO, César Cipriano de. Honorários advocatícios e sucumbência recursal. In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe (coord.). Honorários advocatícios Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 2. Coleção Grandes Temas do Novo CPC; JORGE, Flávio Cheim. Os honorários advocatícios e o recurso de apelação: um enfoque especial nos honorários recursais. In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe (coord.). Honorários advocatícios. Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 2. Coleção Grandes Temas do Novo CPC).Há, por outro lado, quem defenda que deve existir coincidência entre o vencido na causa e o vencido no recurso, tanto que o dispositivo legal utiliza as expressões “fixados anteriormente” e “cômputo geral da fixação de honorários recursais devidos ao advogado do vencedor” (LOPES, Bruno Carrilho. Os honorários recursais no Novo Código de Processo Civil. In: COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe (coord.). Honorários advocatícios Salvador: JusPodivm, 2015. vol. 2. Coleção Grandes Temas do Novo CPC).

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A despeito da existência de diversas correntes doutrinárias acerca do tema, entendo que deve prevalecer a compreensão majoritária de que os honorários advocatícios recursais aplicam-se aos casos de não conhecimento integral ou de não provimento do recurso, na linha da fundamentação acima desenvolvida.

Então, se mantida a sentença pelo não conhecimento do recurso ou seu improvimento, a parte que já teve ganho de causa e fixado honorários sucumbenciais receberá a majoração deles tanto pelo adicional trabalho que foi submetida, como pela “punição” pelo recurso incabível. Agora, se o recurso for provido, não haverá majoração, mas nova fixação de honorários sucumbenciais, que deverá levar em conta o adicional e exitoso trabalho recursal para a fixação de tal verba.

IV.2 – Outras hipóteses em que é possível a fixação de honorários sucumbenciais e sua majoração em grau recursal

Tal possibilidade existe e a resposta decorre na leitura dos arts. 338, § único; 354, § único, 356; 485 e 487 c/c 1015, II, VII e § único, todos do CPC.

Mais uma vez valho-me dos fundamentos do voto do MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (AgInt nos EREsp 1.539.725/DF Segunda Seção e EDcl no AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.573.573 na Terceira Turma:

Todavia, é possível, no sistema do NCPC, que essa “fixação anterior”, enxergada pelos olhos do Tribunal ao julgar um recurso, ocorra não só em sentenças, mas também em decisõesinterlocutórias específicas, igualmente capazes de ensejar, em certos casos, verba de sucumbência. É a hipótese, por exemplo,da decisão mencionada no art. 338, parágrafo único, no instituto que felizmente virá a suceder a fracassada nomeação à autoria, ou, de forma mais geral, da decisão interlocutória que exclua um dos litisconsortes (art. 354, parágrafo único), ou que julgue parcialmente o mérito de forma antecipada (art. 356). Nesses casos, se recorrido o ato judicial pela via do agravo de instrumento à luz do art. 1.015, II e VII, poderá haver a majoração dos honorários anteriormente fixados. A regra, em suma, é que esse § 11 só incidirá quando já houver fixação de honorários na decisão recorrida, seja esta sentença ou decisão interlocutória. (...)

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Sob este ângulo, seria desde logo um erro acreditar que apenas no recurso da apelação é que o § 11 pode incidir. Na apelação, por certo, ele incidirá de forma nítida. Mas a majoração é também possível, em primeiro lugar, no agravo de instrumento, nas hipóteses, já mencionadas, de interlocutórias que ensejem sucumbência.(...)Ademais, leciona Luiz Henrique Volpe Camargo: 22. A condição para o cabimento dos honorários de sucumbência recursal. Os honorários de sucumbência recursal serão cabíveis em certos recursos, a depender do conteúdo do pronunciamento judicial impugnado no recurso. Com efeito, só serão cabíveis honorários recursais nos casos em que, em 1.º grau, for admissível a fixação dos honorários pela atuação em tal grau de jurisdição. Para ser mais específico, somente serão cabíveis honorários recursais quando o recurso impugnar sentença que aborde integralmente todos os pedidos do autor ou em decisão interlocutória que tenha conteúdo de uma das hipóteses do art. 485 ou do art. 487 (por exemplo, no caso do art. 356), denominada por alguns de sentença parcial e, por outros, de decisão interlocutória de mérito. Assim, os honorários são cabíveis em qualquer recurso que impugnar pronunciamento judicial fundado em uma das hipóteses do art. 485 ou do art. 487, inclusive no agravo de instrumento nos casos em que a decisão interlocutória impugnada versar sobre o mérito da causa (art. 1.015, II); no caso de exclusão de litisconsorte (art.1.015, VII); na liquidação de sentença (art. 1.015, parágrafo único) (STJ, EREsp 179.355/SP, Corte Especial, reI. Min. Barros Monteiro,j. 17.10.2001, V.u.; EDcl no REsp 1374735/RS, 4ª T., reI. Min. Luis Felipe Salomão,j. 16.09.2004, v.u.), pois, nestes casos, desde o primeiro grau, o juiz já deverá fixar honorários a favor do advogado do vencedor.Em todas as demais hipóteses de cabimento do agravo de instrumento (art. 1.015) não são cabíveis honorários recursais porque, pela natureza do pronunciamento judicial, já em 1.º grau, eles não são admissíveis.Nesta linha não cabem honorários recursais no julgamento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que versar sobre: I-tutelas provisórias; II-rejeição da alegação de convenção de arbitragem; III-incidente de desconsideração da personalidade

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Dos Honorários Advocatícios Sucumbenciais e Recursais na Regra do Artigo 85, §§ 2º, 8º e 11 do CPC

jurídica; IV-rejeição do pedido de gratuidade da Justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; V–exibição ou posse de documento ou coisa; VI-rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; VII-admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; VIII-concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução. (Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 321-322).

Então, sendo hipótese de fixação de honorários na origem e, fixados estes, e em recurso que não seja necessariamente de apelação, haverá a possibilidade de aplicação do § 11 do CPC. Seria a aplicação do entendimento do STJ de que é cabível o arbitramento da verba honorária recursal em relação ao recurso que dá causa à abertura de outra instância recursal. O MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, nos seus votos antes mencionados, cita:

Além disso, a verdade é que o § 11 não fica restrito apenas ao primeiro recurso julgado: pode ele incidir de forma sucessiva, primeiro na apelação julgada pelo Tribunal, com a majoração inicial, depois outra vez no julgamento do recurso especial, pelo STJ, e, ainda, no julgamento do recurso extraordinário no STF, de parte a também válida hipótese dos embargos de divergência ou de agravos em recurso especial e extraordinário. (Sokal, Guilherme Jales. A sucumbência recursal no novo CPC: razão, limites e algumas perplexidades. Revista de Processo. vol. 256. ano 41. p. 179-205. São Paulo: Ed. RT, jun. 2016, pp. 187-188).

Na verdade, tal possibilidade é consequência da previsão da parte final do § 1º do art. 85 do CPC, que reza:

“§ 1º. São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.” (grifei).

Então, se na decisão recorrida tem honorários de sucumbência, certamente haverá espaço para a aplicação dos honorários recursais previstos no §1º do art.

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Gelson Rolim Stocker

85 do CPC, quando interposto recurso para um novo grau recursal, exatamente pelo previsto no §11, do art. 85 do CPC que diz: “trabalho adicional realizado em grau recursal”.

IV.3 – Conclusões sobre os honorários recursaisConclusão, então, é que o art. 85, §11 do CPC só tem aplicação nas

hipóteses de inauguração de uma nova fase recursal e com o improvimento ou não conhecimento do recurso e desde que fixados os honorários sucumbenciais desde a origem. Ela tem dois objetivos principais: i) remunerar o trabalho adicional e exitoso do advogado da parte recorrida; ii) desestimular a interposição de recursos que venham a ser desprovidos ou não conhecidos, razão de ser fixada tal verba mesmo se ausente contrarrazões ou contraminuta, que será considerada tão somente para a quantificação de tal verba.

E, além disso, deve haver simetria entre os critérios de sua fixação com os critérios de fixação dos honorários sucumbenciais, mas não incide quando for desconstituída a sentença com ou sem julgamento imediato pelo Tribunal.

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