Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

6
Dois apontamentos sobre o presente em movimento 1. A crise social e política na China A china tornou-se uma potência comercial no capitalismo mundializado. Alguns explicam, simplesmente, a sua força pela não-conversão da sua moeda e pelo seu regime repressivo. No entanto, as lutas operárias desenvolvem-se, ou pelo menos, ouvimos falar mais delas. Na ausência de sindicalismo independente, tratar-se-á sempre de greves selvagens ou a situação será mais complexa ? Tratar-se-á sempre de lutas limitadas a uma única empresa ou haverá formas de coordenação, ou simplesmente de expansão para outros ramos ou cidades? Breve ponto da situação… Pode haver sindicalismo independente e greves selvagens. Uma greve é selvagem relativamente à estratégia da burocracia sindical, mesmo sendo independente dos partidos. E, um sindicato independente, que funciona segundo o princípio da negociação e da co-gestão, é oposto a qualquer acção autónoma dos assalariados podendo incomodar a sua natureza «responsável» e «realista». A greve selvagem é uma acção que revela que os interesses dos trabalhadores não coincidem necessariamente com os objectivos do sindicato, instituição negociadora do preço da força de trabalho. Inversamente, houve na história do movimento sindical, nos Estados Unidos e na África do Sul por exemplo, greves selvagens com objectivos reaccionários, e por vezes até racistas. Na China, é claro que a situação é complexa. O sindicato único (ACFTU, All China Federation of Trade Unions) está ligado ao partido comunista e desempenhou totalmente o seu papel de polícia da classe operária durante e depois do maoísmo. Desde a «abertura» (ao capitalismo privado) tornou-se numa gigantesca máquina de gestão da força de trabalho ao serviço das empresas, inclusive das empresas privadas estrangeiras em Zonas Económicas Especiais. Encontra-se totalmente descredibilizado junto dos trabalhadores. É percebido simultaneamente como polícia e como um apêndice da direcção das empresas. Há alguns anos, a burocracia do Partido Comunista esforçou-se para devolver ao sindicato único um semblante de credibilidade. Assim, por exemplo, campanhas demagógicas foram lançadas para «organizar» os mingong, isto é, para introduzir um certo controlo do partido nessas comunidades operárias marginalizadas, imigrantes do interior sem papéis, dentro do próprio país. Tudo isto ficou sem efeito, nem consequências e a imagem da ACFTU junto dos trabalhadores não mudou. Por vezes, o poder central pressiona para que as instâncias da ACFTU se posicionem contra tal ou tal outra direcção de empresa com capitais estrangeiros. Depois, nas lutas recentes, vimos novamente os paus mandados do sindicato atacar os grevistas e os piquetes defendendo essas mesmas empresas. Isto prova que esta organização permanece, por natureza, fundamentalmente reaccionária e do lado do poder, de todos os poderes. Curiosamente, algumas organizações de espírito sindicalista independente, tal como o China Labour Bulletin (1) continuam contra a corrente, indo ao encontro do que eles próprios analisam, a falar de uma possível transformação do sindicato único num «verdadeiro sindicato» de tipo ocidental. Apoiam-se na atitude de alguns burocratas locais e regionais (principalmente no sul, no Tradução: Ana da Palma 1

description

Tradução de um texto de Charles Reeve

Transcript of Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

Page 1: Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

Dois apontamentos sobre o presente em movimento 1. A crise social e política na China • A china tornou-se uma potência comercial no capitalismo mundializado.

Alguns explicam, simplesmente, a sua força pela não-conversão da sua moeda e pelo seu regime repressivo. No entanto, as lutas operárias desenvolvem-se, ou pelo menos, ouvimos falar mais delas. Na ausência de sindicalismo independente, tratar-se-á sempre de greves selvagens ou a situação será mais complexa ? Tratar-se-á sempre de lutas limitadas a uma única empresa ou haverá formas de coordenação, ou simplesmente de expansão para outros ramos ou cidades?

Breve ponto da situação… Pode haver sindicalismo independente e greves selvagens. Uma greve é selvagem relativamente à estratégia da burocracia sindical, mesmo sendo independente dos partidos. E, um sindicato independente, que funciona segundo o princípio da negociação e da co-gestão, é oposto a qualquer acção autónoma dos assalariados podendo incomodar a sua natureza «responsável» e «realista». A greve selvagem é uma acção que revela que os interesses dos trabalhadores não coincidem necessariamente com os objectivos do sindicato, instituição negociadora do preço da força de trabalho. Inversamente, houve na história do movimento sindical, nos Estados Unidos e na África do Sul por exemplo, greves selvagens com objectivos reaccionários, e por vezes até racistas. Na China, é claro que a situação é complexa. O sindicato único (ACFTU, All China Federation of Trade Unions) está ligado ao partido comunista e desempenhou totalmente o seu papel de polícia da classe operária durante e depois do maoísmo. Desde a «abertura» (ao capitalismo privado) tornou-se numa gigantesca máquina de gestão da força de trabalho ao serviço das empresas, inclusive das empresas privadas estrangeiras em Zonas Económicas Especiais. Encontra-se totalmente descredibilizado junto dos trabalhadores. É percebido simultaneamente como polícia e como um apêndice da direcção das empresas. Há alguns anos, a burocracia do Partido Comunista esforçou-se para devolver ao sindicato único um semblante de credibilidade. Assim, por exemplo, campanhas demagógicas foram lançadas para «organizar» os mingong, isto é, para introduzir um certo controlo do partido nessas comunidades operárias marginalizadas, imigrantes do interior sem papéis, dentro do próprio país. Tudo isto ficou sem efeito, nem consequências e a imagem da ACFTU junto dos trabalhadores não mudou. Por vezes, o poder central pressiona para que as instâncias da ACFTU se posicionem contra tal ou tal outra direcção de empresa com capitais estrangeiros. Depois, nas lutas recentes, vimos novamente os paus mandados do sindicato atacar os grevistas e os piquetes defendendo essas mesmas empresas. Isto prova que esta organização permanece, por natureza, fundamentalmente reaccionária e do lado do poder, de todos os poderes. Curiosamente, algumas organizações de espírito sindicalista independente, tal como o China Labour Bulletin (1) continuam contra a corrente, indo ao encontro do que eles próprios analisam, a falar de uma possível transformação do sindicato único num «verdadeiro sindicato» de tipo ocidental. Apoiam-se na atitude de alguns burocratas locais e regionais (principalmente no sul, no

Tradução: Ana da Palma 1

Page 2: Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

Guangdong) que tentam desempenhar um papel negociador para aliviar a situação explosiva existente. Os militantes dessas organizações independentes (tal como o China Labour Bulletin) estão impregnados da visão tradicional do movimento operário. Para eles, a organização «natural» dos trabalhadores é o sindicato e apenas o sindicato pode exprimir a consciência operária que, sem a ajuda dos «políticos», não pode ultrapassar a consciência corporativista. Conhecemos a lengalenga. Ficaram pelos valores e princípios do velho movimento operário que se retrai à ideia social-democrata de outrora. Na China, não há sindicalismo independente e não haverá enquanto a forma política do partido-estado durará. Dada a força do movimento grevista desde há vários anos, a ausência de organizações criadas a partir da base testemunha do grau de repressão do poder. E, todas as greves são, por definição, selvagens, posto que devem realizar-se fora da autorização e do controlo da ACFTU. Porém, qualquer movimento, qualquer luta, implicam uma organização, um princípio de luta operária. Na China, deparamo-nos com organizações efémeras, comités de greve informais, animados pelos (as) trabalhadores (as) mais militantes. Estas organizações desaparecem sempre após a luta. Frequentemente, estes trabalhadores mais activos e corajosos pagam com o corpo, são detidos, desaparecem no universo prisional. Parece que, há um certo tempo, o poder é mais tolerante, menos feroz na repressão. Estas organizações informais não são reconhecidas, mas são menos reprimidas. Esta mudança de atitude é devida à profunda e complexa crise da classe política chinesa e das suas divisões internas. Uma das facetas desta crise é a fractura existente entre os poderes locais e o poder central, este último chegando a apoiar por vezes os grevistas para melhor enfraquecer os potentados locais. Por sua vez, os grevistas tentam aproveitar-se destas divisões e antagonismos para obter satisfação. E, o sindicato único, atravessado pelas divisões das fracções do poder político, encontra-se ainda mais paralisado. A última tentativa de criação de uma estrutura operária permanente, de espírito sindicalista e independente do partido comunista, data de 1989, durante a primavera de Pequim, com a constituição da União Autónoma dos Operários. O massacre de Tiananmen, a 4 de Junho, atingiu particularmente os seus militantes (2). Hoje em dia, existe uma rede de ONG, frequentemente criadas em Hong Kong, que preenchem o vazio e desempenham um papel sindical, evitando com precaução qualquer confronto político com o poder (3). Até muito recentemente, as lutas operárias permaneciam restringidas a empresas ou regiões. Contudo devemos relativizar este isolamento e reconhecer que a situação está a mudar. Isolamento não significa separação. Existe uma unificação que se concretiza através de reivindicações comuns, pela consciência de partilhar o enorme descontentamento social, por pertencer à sociedade dos explorados, por se opor à máfia do poder e dos capitalistas vermelhos. O papel das novas tecnologias, da blogosfera em particular, é primordial (4). Teríamos a tentação de dizer que, hoje em dia, as informações circulam mais depressa na China do que nas sociedades de «livre informação» como as nossas, onde em virtude de tudo poder dizer e tudo poder saber, não dizemos nada e nada sabemos. Onde a informação é submetida ao consenso daquilo que «importa», aquilo que é considerado como «informação». Na China, pelas redes das novas tecnologias, uma importante luta, um motim popular, umas manifestações contra uma fábrica poluente são rapidamente partilhados por milhares de

Tradução: Ana da Palma 2

Page 3: Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

trabalhadores. As «formas de coordenação» são raras e, sobretudo, permanecem totalmente clandestinas. Contudo, hoje em dia, podemos constatar uma nova tendência nestas lutas: a sua expansão. Há algum tempo que as lutas saem rapidamente das empresas e atacam os sítios do poder local, câmaras, sede do partido, polícia, tribunais. Constatamos, também, uma expansão das lutas que se generalizam nas zonas industriais. A solidariedade de classe aumenta e os trabalhadores deslocam-se para apoiar os que lutam noutras partes. A presença dos mingong, comunidades de trabalhadores sem direitos, violentamente explorados, desempenham um papel importante nesta expansão. É um processo em curso vivido muito conscientemente e que é muito político no sentido em que ultrapassa rapidamente as reivindicações imediatas e enfrenta os órgãos de repressão e de decisão da classe dirigente. É político, também, no sentido em que estas lutas são portadoras de um desejo de uma sociedade diferente, de uma sociedade não igualitária, não repressiva, não controlada pela máfia do partido. Na verdade, o projecto democrático parlamentar de tipo ocidental, defendido por correntes dissidentes pode enraizar-se. É inevitável e é lógico. Também é possível que se possa impor, selando qualquer perspectiva de emancipação social. Em última instância, tudo depende da dimensão dos movimentos sociais e do seu radicalismo. (1) Hong-Kong, [www.clb.org.hk]. (2) Charles Reeve e Hsi Hsuan-wou, Bureaucratie, bagnes et business, Insomniaque, Paris, 1997. (3) Pun Ngai, Avis au consommateur, Insomniaque, Paris, 2011. (4) Charles Reeve e Hsi Hsuan-wou, Les mots qui font peur, Insomniaque, Paris,2012. 2. Novos movimentos, novas formas da luta de classes

• Na tua opinião, as actuais mobilizações contra as medidas de «austeridade» - sob diversas formas tal como o movimento «Occupy» nos Estados unidos ou os «indignados» noutros países constituem uma nova forma de luta de classes? De forma mais abrangente, como analisar as reacções dos trabalhadores diante das consequências da crise capitalista que, por toda a parte, as classes dirigentes nos infligem?

Podemos começar pelo fim. Em Espanha, em 2011, os bancos expulsaram das suas casas, evidentemente com a ajuda da polícia, entre 160 a 200 pessoas por mês. Estes números continuam a aumentar; ao mesmo tempo, o número de despejos impedidos pelas mobilizações colectivas foi da ordem de um por dia. Se a discrepância é enorme, existe, no entanto, um forte movimento de oposição às expulsões. Este articula-se doravante com o desenvolvimento de acções de trabalhadores na rua com a intenção de ocupar - «libertar», como dizem os que

Tradução: Ana da Palma 3

Page 4: Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

ocupam os espaços – imóveis vazios pertencendo a bancos e a sociedades imobiliárias. Grandes propriedades agrícolas (pertencendo à agro-indústria ou a instituições estatais) também começam a ser ocupadas pelos assalariados agrícolas e por desempregados, sobretudo na Andaluzia e na província de Córdoba. Acções de expropriação de bens alimentares são levadas a cabo em grandes supermercados por colectivos de desempregados. Estas acções directas exemplificam as novas formas de acção levadas a cabo por trabalhadores que sofrem directamente dos efeitos das políticas de austeridade. Na Europa, o caso espanhol é, sem dúvida, aquele onde as lutas se radicalizam mais. E, esta radicalização, a popularidade destas acções, não podem estar separadas do impacto dos movimentos dos Indignados, em Espanha o movimento 15M. Nos Estados Unidos, onde o movimento Occupy foi esmagado por uma forte repressão do Estado federal e das autoridades locais, os grupos locais que continuam a reivindicar-se do movimento Occupy, envolvem-se igualmente na luta contra as expulsões nos bairros populares. Estas lutas caracterizam-se pelo fato de que saem do quadro puramente quantitativo da reivindicação imediata. Vão ao encontro do legalismo e colocam a questão da necessária re-apropriação das condições de vida por aqueles e aquelas que fazem funcionar a sociedade. Os movimentos dos Indignados fizeram o seu caminho, com diferenças e contradições, segundo as condições específicas de cada sociedade. Estão repletos de contradições e ambiguidades, mas são diferentes daqueles que vivemos anteriormente. Nos sítios onde a sua dinâmica foi mais forte, onde o movimento conseguiu ocupar duravelmente o espaço público, em Espanha e nos Estados Unidos, as divergências acabaram por tomar uma forma organizada, entre reformistas e radicais. Progressivamente, esta última tendência, oposta ao eleitoralismo e à negociação, investiu a sua energia e a sua criatividade em acções directas, como o apoio a greves e ocupações de habitações vazias, acções contra as expulsões, contra os bancos. Destacam-se das formas de acção precedentes, integram os impasses e as derrotas do passado mais recente, discutem os princípios do compromisso e das tácticas negociadoras. Muito críticos da classe política e da corrupção que lhe é associada, questionam – de forma mais ou menos extrema – os próprios fundamentos da democracia representativa e até da sua existência. Procuram novos caminhos, interrogam-se acerca da prioridade do afrontamento físico com os mercenários do Estado e são particularmente sensíveis à necessidade de alargar o movimento. Duvidam dos projectos de ordenamento do presente, rejeitam a lógica do produtivismo capitalista actual e colocam em cima da mesa a necessidade de uma sociedade diferente (1). Estas preocupações são claramente antinómicas com a actividade consensual e normativa das instituições partidárias e sindicalistas tradicionais. A energia criadora libertada por estes movimentos permitiu a sua abrangência social, por vezes mais além do que se podia prever. Um exemplo recente: o grande movimento estudantil que acaba de abanar a sociedade do Quebeque, quando tinha começado com simples reivindicações corporativistas (2). Entre as ideias apoiadas por estes movimentos, a da ocupação parece ter encontrado eco. Assim como a proposta de que os interessados devem agir directamente, por eles próprios, para eles próprios, para resolver os seus problemas. A insistência na organização de base foi um elemento motor destes movimentos, pela constituição de colectivos não hierárquicos, desconfiados das

Tradução: Ana da Palma 4

Page 5: Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

manipulações políticas e insubmissos aos carismas dos chefes. Hoje em dia, quando a mais consensual imprensa se interessa de forma paternalista nos Indignados, é para lastimar que se tenham afastado da vida política tradicional e que tenham recusado de nomearem chefes, carências que, evidentemente, são apontadas como sendo a principal causa do seu fracasso. Nos Estados Unidos o impacto do movimento Occupy e das suas ideias foi enorme e ainda é demasiado cedo para analisar as suas dimensões e repercussões (3). Se, ao inicio, tocou principalmente jovens trabalhadores-estudantes precários, que constituem doravante uma fracção crescente da «classe operária» em termos sociológicos, o movimento atraiu rapidamente - tal como em Espanha – a grande massa dos estropiados do capitalismo contemporâneo, excluídos, sem-abrigo e outros itinerantes da vida. Em várias grandes cidades, constituíam, já para o fim, uma parte importante dos acampamentos de rua. Mas Occupy também cativou os sectores mais combativos do movimento operário e interpelou os sindicalistas de base. Isto é muito significativo quanto ao estado de confusão em que se encontram os trabalhadores conscientes do impasse do sindicalismo diante da crise e da violência do ataque capitalista. O lema « We are the 99% », além do seu sentido simplista e redutor, atacou a expressão ideológica de «classe média», categoria em que se integra qualquer assalariado, trabalhador, com um nível de consumo (a crédito claro) médio. Também desvendou a tendência actual do capitalismo, a concentração da riqueza e do poder numa ínfima parte da sociedade. Assim, depois de Occupy, os conceitos de exploração, de classe, de sociedade de classe voltaram à superfície no discurso público. Num vasto território-continente, como no caso dos Estados Unidos, onde os conflitos, as greves, as mobilizações eram cada vez mais separados uns dos outros, a palavra Occupy constitui doravante uma referência unificadora em qualquer luta local, sectorial. A ocupação da rua não é a ocupação do local de trabalho. Mas, nos Estados Unidos e em Espanha, o espírito de Occupy e do 15M contaminou claramente o «mundo assalariado». Encontra eco em todos os trabalhadores conscientes pelo facto de que a luta sindical do passado já não tem por onde pegar o derrubamento, ou até o abrandamento, do movimento do capitalismo e as decisões agressivas dos capitalistas. O único objectivo que faz sentido, no quadro do desabamento actual dos sectores industriais, é de criar uma relação de força através da luta, de obter o máximo de dinheiro da classe capitalista, de fazer pagar bem caro a sua pele. A luta dos operários de Continental (em França, em 2011) foi exemplar. Obstinar-se em tornar fiável esta ou aqueloutra empresa, tal ou tal outro sector, apenas adormece as vítimas. A ideia da «autogestão» de uma empresa isolada parece ainda mais irrisória diante da actual mundialização do capitalismo. Veremos qual será a forma e o conteúdo da luta ainda por vir na indústria automóvel em França, onde despedimentos massivos são esperados (na Peugeot em particular). Veremos se poderá unificar outras lutas, outros sectores onde a classe capitalista vai atacar. Num primeiro momento, governo e sindicatos limitam-se a um discurso de «reestruturação», enquanto o sector automóvel está submetido a uma concorrência mundializada em mercados saturados. Os militantes da esquerda sindical (a última tarefa

Tradução: Ana da Palma 5

Page 6: Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve

histórica dos trotskistas !) fazem o que sabem fazer e que sempre fizeram: criar um comité de luta, aceder às contas da empresa e reivindicar a proibição dos despedimentos. Além disto, não têm nada a dizer – ou proíbem-se de o dizer por questões de táctica – acerca do sentido social, humano e ecológico da produção automóvel e acerca do como e do porquê salvar semelhante lógica, uma produção que esgota os homens e as sociedades. Claro que podemos criticar os movimentos dos Indignados, sublinhar as suas contradições e ambiguidades. Mas como comparar estes movimentos, que em alguns meses abalaram as sociedades modernas, com o estado áfono das lutas operárias ? De onde, actualmente, não emana a mínima proposta alternativa, a mínima ideia de um mundo diferente, sem ser as resistência e o desejo de um regresso ao passado próximo, o mesmo que deu luz ao actual desastre. Serão os movimentos dos Indignados «uma nova forma de luta de classe» ? Constituem seguramente uma forma de luta relacionada com o período actual de luta de classes. Despertam a sociedade e os explorados mais conscientes para os perigos do movimento do capitalismo, para a necessidade de ultrapassar a clássica litania da reivindicação imediata para se colocar perguntas sobre o futuro da sociedade. O movimento operário está velho e não pode ofertar nem oposição, nem alternativa aos ataques capitalistas em curso. Está moribundo e não vale a pena tentar reanimá-lo. Um novo movimento deve se construir a partir das lutas de aquelas e aqueles que se distanciam dos velhos princípios e formas de acção. Terá o seu tempo. Os movimentos Occupy e 15M, entre outros, traçaram o caminho, mostraram formas de fazer. Falta fazer o trabalho da toupeira. Trata-se apenas de um «até logo» e as formas e os conteúdos destes movimentos reaparecerão transformados, noutro sítio e mais tarde, noutros movimentos com novas dinâmicas. (1) Grupo Etcétera, « A propos du caminar indignado », Barcelone, mars 2012. (2) Panelas em ebulição « La grève étudiante québécoise générale et illimitée : quelques limites en perspective », [http://dndf.org/?p=11532]. (3) Charles Reeve, « Occupy, cette agaçante interruption du « business as usual », [http://www.article11.info/?Occupy-cette-agacante-interruption#a_titre]. Charles Reeve, 15 de Agosto de 2012 [19 700 ca]

Tradução: Ana da Palma 6