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    Dos intelectuais na poltica poltica dos intelectuaisPensadores, escritores e militantes

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    Flavio M. HeinzOrganizador

    Dos intelectuais na poltica poltica dos intelectuaisPensadores, escritores e militantes

    no dilogo com o poder

    2015

    OI OSE D I T O R A

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    Dos autores [email protected]

    Editorao: Oikos

    Reviso: Lus M. Sander

    Capa: Juliana Nascimento

    Arte-final: Jair de Oliveira Carlos

    Impresso: Rotermund S. A.

    Conselho Editorial (Editora Oikos):

    Antonio Sidekum (Ed. Nova Harmonia)Arthur Blasio Rambo (IHSL)Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL)Danilo Streck (UNISINOS)Elcio Cecchetti (UFSC e UNOCHAPEC)Ivoni R. Reimer (PUC Gois)Lus H. Dreher (UFJF)Marluza Harres (UNISINOS)Martin N. Dreher (IHSL MHVSL)Oneide Bobsin (Faculdades EST)Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha)Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE)

    Editora Oikos Ltda.Rua Paran, 240 B. ScharlauCaixa Postal 108193121-970 So Leopoldo/RSTel.: (51) [email protected]

    Dos intelectuais na poltica poltica dos intelectuais: pensadores,escritores e militantes no dilogo com o poder / OrganizadorFlavio M. Heinz. So Leopoldo: Oikos, 2015.

    170 p.; 16 x 23cm.

    ISBN 978-85-7843-459-5

    1. Intelectualismo. 2. Poltica Poder. I. Heinz, Flavio M.

    CDU 165.63

    I61

    Catalogao na Publicao: Bibliotecria Eliete Mari Doncato Brasil CRB 10/1184

    Esta publicao apresenta resultados parciais de pesquisas desenvolvidas no mbitodo projeto PROCAD-NF/CAPES Composio e recomposio de grupos dirigentesno Nordeste e no Sul do Brasil: uma abordagem comparativa e interdisciplinar, reu-nindo equipes do PPGH-PUCRS, PPGS-UFS e PPGCP-UFPR.

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    Sumrio

    Sobre autoras e autores ......................................................................... 7

    Apresentao ....................................................................................... 9

    Auguste Comte................................................................................... 17Mary Pickering

    A converso de olhares:os intelectuais comunistas frente ao desafio .... 39Eduard Esteban Moreno Trujillo

    Os intelectuais comunistas no Brasil: uma breve reflexo ..................... 67

    Marisngela Martins

    As usinas do anticomunismo castrense. Os intelectuais donacionalismo de direita na Argentina, 1955-1966 ................................ 89

    Juan Manuel Padrn

    Escritos de propaganda republicana: estratgias de publicaoe insero sociopoltica a partir da atuao deJoaquim Francisco de Assis Brasil e Joo Capistrano de Abreu(dcada de 1880) .............................................................................. 111

    Tassiana Maria Parcianello Saccol

    Dom Chimango e a torre de marfim: a literatura de Homero Pratese a poltica oligrquica da Primeira Repblica (1890-1927) ................ 133

    Cssia Daiane Macedo da Silveira

    Intelectuais em luta: a polmicaHistria da Grande Revoluo ................153Jefferson Teles Martins

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    Dos intelectuais na poltica poltica dos intelectuais

    Sobre autoras e autores

    Cssia Silveira graduada e Mestre em Histria pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul e Doutora em Histria Social pela UniversidadeEstadual de Campinas. Atualmente docente no curso de Licenciaturaem Histria na Universidade Federal do Pampa. Atua na rea de Histriado BrasilRepublicano, com especial interesse em histria da imprensa,

    histria da literatura e as relaes entre os intelectuais e a poltica.Eduard Esteban Moreno graduado em Cincias Sociais pela Universidad

    Pedaggica Nacional(Colmbia, 2009) e Mestre em Histria pela Univer-sidad de los Andes(Colmbia, 2011). Foi pesquisador do Centro de Investi-gacin y Estudios Sociales, CIES (Colmbia, 2010-2012), em temas de His-tria Intelectual, Histria Poltica e Movimentos Sociais. Na atualidadecursa o Doutorado em Histria na Pontifcia Universidade Catlica doRio Grande do Sul e desenvolve pesquisas sobre a histria das ideias deesquerda na Amrica Latina desde uma perspectiva comparada.

    Flavio M. Heinz Doutor em Histria e Sociologia do Mundo Contempo-rneo pela Universit de Paris-Ouest, Nanterre. Atualmente, professor visi-tante do Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universida-de Federal do Paran e coordena o Laboratrio de Histria Comparadado Cone Sul. autor de Les fazendeiros lheure syndicale: reprsentation

    professionnelle, intrts agraires et politique au Brsil, 1945-1967 (Septentrion/ANRT, 1998) e organizador, entre outros, de Por outra histria das elites(Editora FGV, 2006) eExperincias nacionais, temas transversais: subsdios parauma histria comparada da Amrica Latina (Editora Oikos, 2009), Histria

    social de elites (2011) e Poder, instituies e elites: 7 ensaios de comparao ehistria(2012).

    Jefferson Teles Martins Licenciado e Bacharel em Histria pela Uni-versidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre e doutorando emHistria pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul(PUCRS), pesquisa temas relacionados histria social dos intelectuais.Em 2013, participou de estgio doutoral noLateinamerika InstitutdaFreieUniversitt Berlin (FUB).

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    Sobre autoras e autores

    Juan Manuel Padrn Doutor pela Universid del Centro de la Provincia deBuenos Aires(UNICEN), de Tandil, Argentina. Atualmente docente epesquisador na Faculdade de Arte UNICEN, e membro do Centro Inter-disciplinario de Estudios Polticos, Sociales y Jurdicos (CIEP FCH/FD UNICEN) e do Centro de Estudios de Teatro y Consumos Culturales(TECC Faculdade de Arte UNICEN). um dos coordenadores deEnsayossobre vanguardias, censuras y representaciones artsticas en la Argentina recien-te(UNICEN, 2010).

    Marisngela Martins Doutora em Histria pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul (UFRGS), instituio e rea nas quais concluiuMestrado no ano de 2007 e formou-se no curso de Licenciatura Plenaem 2004. Atualmente, Tcnica em Assuntos Educacionais no Institutode Filosofia e Cincias Humanas da UFRGS. Dedica-se ao estudo dosintelectuais, especialmente os intelectuais comunistas, e das possveisarticulaes entre poltica e literatura. coautora do Dicionrio Ilus-trado da Esquerda Gacha (Evangraf, 2008) e autora de esquerdade seu tempo: escritores e Partido Comunista do Brasil (Porto Alegre/1927-1957) (tese, UFRGS, 2012).

    Mary Pickering professora da San Jos State University, Califrnia, ondeleciona metodologia, historiografia e histria intelectual e cultural da Eu-ropa moderna. titular de um DEA pelo Instituto de Estudos Polticos deParis (Sciences Po) e doutora pela Universidade de Harvard. Bigrafa deAuguste Comte, Pickering autora da obra monumental AugusteComte:an intellectual biography(3 volumes, Cambridge University Press, 1993-2009).

    Tassiana Maria Parcianello Saccol Licenciada e Bacharel em Histriapela Universidade Federal de Santa Maria (2010) e Mestre em Histriapela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (2013).Dedica-se pesquisa da histria poltica no Brasil da segunda metade

    do sculo XIX at a Primeira Repblica, com nfase nas instituiespoltico-partidrias e na trajetria de seus lderes. Tambm se interessapela histria dos intelectuais e histria da imprensa. Atualmente dou-toranda em Histria pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Gran-de do Sul, onde desenvolve o seguinte projeto:De lderes histricos a oposi-tores:a atuao dos dissidentes do Partido Republicano Rio-grandensena Primeira Repblica (1889-1923).

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    Apresentao

    O presente volume rene artigos dedicados anlise das relaesdos intelectuais, nas mais diversas e generosas acepes do termo, com omundo da poltica. Seria excessivo aqui retomar toda a literatura dedica-

    da ao tema intelectuais & poltica. Muito se discorreu sobre a dupla expe-rincia, de seduo e vertigem, que caracterizou o engajamento polticode escritores, artistas, jornalistas e profissionais universitrios, e grandesautores produziram snteses relevantes sobre o tema. Na perspectiva dahistria social, que a que anima o grupo de pesquisadores origem des-te volume, um nome incontornvel seria o de Christophe Charle, em umaobra definitiva,Naissance des intellectuels, 1800-1900, ou, para citar auto-res brasileiros, os trabalhos igualmente incontornveis de Sergio Miceli eAngela Alonso. Mas reconhecemos que qualquer tentativa de fechar otema a partir de uma ou outra reivindicao de autoridade acadmica

    seria, neste caso, intil. Com efeito, os intelectuais foram, desde muitocedo, apaixonados pela poltica e pela possibilidade de discutir essa pai-xo com o pblico. Assim, muita tinta foi e segue sendo derramada, pelosatores e por seus bigrafos e historiadores, na tentativa de se explicitar anatureza ntima dessa relao.

    Nossa pretenso mais modesta. Buscamos recuperar exemplos depesquisa que restituam a complexidade da relao, suas zonas de sombra,suas contradies, no explic-la cabal e definitivamente. Para faz-lo, oaporte da histria, a anlise emprica fina dos atores e de suas negociaescotidianas com o poder e com outros atores, tendo a perspectiva do poder

    e o Estado como panos de fundo , revela-se fundamental. E na perspectivahistrica, duas dimenses devem ser observadas: primeiro, as condiessociais de emergncia dos intelectuais como grupo, suas caratersticas ge-rais e diferenciao em relao a outros grupos preexistentes ou emergen-tes; segundo, os momentos de inflexo notadamente as crises polticas ,em relao aos quais tomadas de posio serviram para mapear posies,

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    Apresentao

    para identificar proximidades e afastamentos, para reunir/separar/rearranjarseus membros.

    Em relao s condies sociais de emergncia dos intelectuais, oportuno lembrar a perfeita sntese de Christophe Prochasson: O gruposocial formado pelos intelectuais cuja designao e conceituao moder-nas aparecem progressivamente nos anos 90 do sculo XIX se constituinas ltimas dcadas do sculo XIX, ao mesmo tempo como produo social(resultado de um reforo de categorias mdias, de um lado, e dos efeitos da

    massificao da cultura, de outro) e como produo poltica ligada apari-o de um sistema republicano-democrtico no qual o saber est associado poltica (as classes dirigentes devem ser classes instrudas, sendo o Estadoaquele que promove o ensino das massas e que ergue o Panteo dos gran-des homens que por vezes se confunde com o Panteo real no qualescritores, pensadores e cientistas so maioria). Identificando no casoDreyfus o momento de entrada do termo intelectual no vocabulrio polti-co e social francs, Prochasson sustenta que, naquela ocasio, as minoriascultas se definiram como um contrapoder frente ao Estado, do qual passa-ram a denunciar as derivas, a infidelidade aos prprios princpios que ele

    mesmo institura e o chamaram ordem, por diferentes meios, sendo omais importante deles a imprensa.1

    Desde a conjuntura que marcou o aparecimento da figura do inte-lectual na sua mais duradoura representao contempornea, aquela as-sociada ao mile Zola de Jaccuse, o termo intelectual tem se prestado atoda espcie de trfico de sentidos e de desejos. Homem de ideias e convic-es, fustigador da injustia perpetrada pelo poder, espcie de conscinciada sociedade e da nao, crtico social, o intelectual responde, verdade, acerto senso comum sobre as caractersticas que o termo recobre. Contudo,como bem mostrou Christophe Charle, na sua anlise das disputas entre

    dreyfusardse anti-dreyfusards, o engajamento poltico de homens de letras,publicistas, profissionais ligados ao mundo da cultura, em geral, obedecia

    1 PROCHASSON, Christophe. Sobre el concepto de intelectual.Historia contempornea, v. II, n.27, p. 803, 2003.

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    primordialmente a uma lgica de disputa (e reproduo) de posies, e re-afirmao de solidariedades, presentes no campo artstico e literrio, e nasuniversidades. O acirramento de posies frontalmente opostas no casoDreyfus levaria consolidao de um sentido novo para o termo, comoprofissionais do intelecto que, em nome de sua especificidade social, rei-vindicam um poder de tipo especial2.

    O propsito desse volume ir alm do senso comum mencionado nopargrafo acima. E quando reafirmamos a necessidade de irmos alm dos

    clichs usuais, no o fazemos como uma ressalva apenas possvel percep-o equivocada do grande pblico, mas tambm aos usos que os prpriosintelectuais fazem desses clichs. Com efeito, os usos sociais da posio deintelectual no podem ser percebidos, apenas, desde uma perspectiva exter-nalista, sociologicamente ingnua, que ignora a instrumentalizao perpe-trada e os ganhos simblicos e polticos auferidos pelos atores em questo.Trata-se aqui, e fizemos questo diz-lo no ttulo deste volume dos inte-lectuais na poltica poltica dos intelectuais , de nos interessarmos peladimenso da atuao dos intelectuais no espao poltico, certo, mas, igual-mente, de reconhecer suas estratgias de posicionamento, as percepes

    que so as suas, no apenas sobre os temas em debate, mas sobre o lugarque ocupam no espao dos intelectuais, sobre como preferem ser represen-tados e percebidos pelo pblico. Constituiria um trusmo sociolgico asse-verar que o intelectual uma personagem ambgua ou multifacetada. Umavez que todos os indivduos recobrem uma gama imensa de caractersticasno redutveis to somente sua imagem exterior, de se imaginar que aboa pesquisa revele no o novo, mas aquilo que j se poderia imaginar lestar, aquilo que se mantinha coberto pelo manto espesso da representaoconsagrada do intelectual dreyfusard.

    2 CHARLE, Christophe. Nascimentos dos intelectuais contemporneos (1860-1898).Histria daEducao, Pelotas, n. 14, p. 141-156, set. 2003, p. 15.

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    Apresentao

    Os textos

    O primeiro dos textos aqui reunidos traz luz o itinerrio de Augus-to Comte, filsofo, cientista, reformador, um autor que dificilmente se en-caixaria, primeira vista, no modelo bem-sucedido e popularizado de inte-lectual dos ltimos anos do sculo XIX. No obstante, pareceu-nos interes-sante trazer aos leitores este depoimento da bigrafa de Augusto Comte,Mary Pickering, apresentado no formato de uma conferncia ministradana Maison de Auguste Comte, em Paris, em janeiro de 2010. Nele, Picke-

    ring refaz, de forma necessariamente sinttica, o longo percurso de sua in-vestigao sobre o autor do Sistema de Filosofia Positiva, apontando carac-tersticas pessoais do biografado que no apenas influenciariam sua obraescrita, mas que, igualmente, contribuiriam para a atrao de novos disc-pulos e chegariam a afetar seriamente a continuidade de seu crculo prxi-mo de relaes.

    O texto de Pickering especialmente interessante por cotejar, de for-ma clara e objetiva, a produo da obra com o conjunto de questes e cir-cunstncias histricas s quais o autor estivera exposto ao longo de sualonga atividade intelectual. A autora demonstra (em verdade, um trabalho

    intensivo de demonstrao se encontra nos 3 volumes de sua magistral bio-grafia do fundador do Positivismo) que adeses, filiaes e solidariedadesno so produto apenas do enorme fascnio intelectual exercido por Comtee sua obra, mas so tambm a resultante de esforos de aproximao ehierarquizao nas relaes que o prprio Comte mantinha com seus se-guidores.

    O segundo texto, de Eduard Moreno, a Converso de olhares: os intelec-tuais comunistas frente ao desafio, trata das circunstncias especficas enfren-tadas por intelectuais comunistas colombianos na conjuntura de retrao

    global de ideais comunistas ou socialistas, particularmente o impacto doprocesso de liberalizao associado chegada ao poder, na Unio Soviti-ca, de Mikhail Gorbachev, e consolidao da Perestroika, aps 1985. Oautor analisa estratgias e possibilidades de atuao/reconverso dos inte-lectuais comunistas na Colmbia marcados, preciso frisar, no apenaspelo impacto global da crise do modelo sovitico, mas igualmente pela con-

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    turbada experincia do ativismo comunista no pas , na formulao deuma categoria, a de intelectual-funcionrio. Para Moreno, a distino entre ascategorias de intelectual e intelectual-funcionrio se impunha, visto que oprocesso corresponde[ria] s contradies encontradas entre as teorias quetentam explicar o intelectual e as prticas dos intelectuais vivos, existentes,aquelas pessoas que encarnam as ideias e so movidas por paixes, utopias,sonhos e mentiras. Da que a categoria de intelectual sozinha no correspon-dia histria que se pretendia contar. (MORENO TRUJILLO, p. 61-62)

    Poderia se advogar que prprio das categorias consagradas de an-lise do mundo social, e em particular desses atores de insero no espaopblico que so os intelectuais, que seu contedo descritivo no abarquetoda a complexidade das relaes ali supostamente contidas. De fato, osprocessos de nomeao e classificao dos grupos sociais, tema caro, porexemplo, histria social dos grupos profissionais, encontra nos intelec-tuais militantes de esquerda um desafio particular. Esse desafio tambm enfrentado por Marisngela Martins em Os intelectuais comunistas no Brasil:uma breve reflexo.Para a autora, a expresso intelectual comunista evocauma determinada imagem de contornos mais ou menos imprecisos. Mar-

    tins prope um panorama historiogrfico muito instigante sobre o lugardos intelectuais comunistas no mbito do partido e no espao dos intelec-tuais, mostrando, a todo momento, a tenso em se combinar o problema dadesconfiana face origem de classe, no operria, dos intelectuais e suadedicao ao partido. Embora com recorte temporal distinto (aqui se tratade privilegiar as primeiras dcadas de atuao do Partido Comunista, at oincio da dcada de 1950), o texto serve de contraponto interessante quelede Moreno e mostra dificuldades e angstias de indivduos envolvidos emdiferentes reas de produo da cultura (mas tambm de outros profissio-nais de nvel universitrio absorvidos circunstancialmente sob a designa-

    o de intelectuais) em corresponder s expectativas das instncias autori-zadas do partido acerca da legitimidade de seu engajamento.

    O texto seguinte,As usinas do anticomunismo castrense. Os intelectuais donacionalismo de direita na Argentina, 1955-1966, de Juan Manuel Padrn, tam-bm explora o tema do engajamento poltico dos intelectuais, mas agora noextremo oposto do espectro poltico: os intelectuais anticomunistas e sua

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    Apresentao

    recepo nos meios militares, atravs da anlise de dois casos exemplaresde intelectuais nacionalistas de direita argentinos, Jordn Bruno Genta eJulio Meinvielle. Para Padrn, a fragilidade do encaminhamento da ques-to do peronismo no perodo ps-Pern, o ambiente da Guerra Fria e aautonomia de movimento das Foras Armadas garantiram as circunstnci-as favorveis recepo da retrica anticomunista no meio. Ainda que, notocante s duas ltimas circunstncias, no haja exclusividade do caso ar-gentino, e que se possa encontrar outros exemplos notadamente sul-ame-ricanos, mas no apenas de aproximao entre intelectuais anticomunis-

    tas e meio castrense, o autor sugere certa originalidade na ao dos doisintelectuais argentinos analisados: o ideal anticomunista articulado a umconjunto de conceitos que visavam centralmente desprestigiar a demo-cracia e reclamar para as Foras Armadas um papel central em sua des-truio; a cobrana crtica de maior zelo antidemocrtico ou anticomu-nista na ao dos militares; e, finalmente, no longo prazo, a evidncia desua contribuio nada desprezvel no reforo de um pensamento autori-trio, intolerante e violento dentro d[as] [...] Foras Armadas. (PADRN,p. 107-108)

    Os prximos trs textos apresentam uma anlise em reduo de escala,passando-se do quadro nacional de atuao dos intelectuais a um quadroregional. Com efeito, os trs trabalhos discorrem sobre situaes s quaisestiveram confrontados homens de letras do Rio Grande do Sul, da ltimadcada do perodo monrquico s dcadas que seguem revoluo de1930. EmEscritos de propaganda republicana: estratgias de publicao e inser-o sociopoltica a partir da atuao de Joaquim Francisco de Assis Brasil e JooCapistrano de Abreu (dcada de 1880), Tassiana Saccol mostra a relao deAssis Brasil, ento jovem liderana republicana do Rio Grande do Sul, eCapistrano de Abreu e sua decisiva influncia na publicao de dois livros

    do primeiro,A Repblica Federal, com grande repercusso poca, eHistriada Repblica Rio-grandense.A autora mostra como Assis Brasil soube utilizar-se da amizade com Capistrano de Abreu para ter acesso a espaos de notabi-lidade literria e poltica e, assim, obter certo reconhecimento nacional comouma das lideranas intelectuais do movimento republicano, um resultadoque se poderia supor improvvel fossem outras as condies de produo e

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    circulao de suas obras. A presena de Capistrano na Corte, sua posiona Biblioteca Nacional e, sobretudo, a abertura de seu crculo de relaes aAssis Brasil foram funcionais sua ascenso no plano nacional.

    Segue-se o trabalho de Cssia Silveira,Dom Chimango e a torre de mar-fim: a literatura de Homero Prates e a poltica oligrquica da Primeira Repblica(1890-1927), destacando a atuao literria de Homero Prates, autor queoscilaria entre distintas formas de expresso artstica segundo o pblico einsero desejados e que usaria a temtica regionalista para posicionar-se

    politicamente no contexto local. Como bem resume a autora, o escritortransitava por suas redes e jogava com as variadas posies e identidadesque ocupava no espao social. [...] Quando pretendia apresentar-se comoartista, recorria escrita que considerava mais universal e, portanto, su-perior enquanto arte; quando, ao contrrio, pretendia manifestar uma opi-nio ou tornar um dado ponto de vista oficial, comunicando-se com umpblico mais amplo e transmitindo a ele uma ideia de forma mais objetiva,recorria a outro modo de escrita, inferior na sua escala da arte, mas compossibilidades mais pragmticas de interlocuo. (SILVEIRA, p. 149-150)

    Last but not least, encerra este volume o texto de Jefferson Teles Mar-

    tins,Intelectuais em luta: a polmica Histria da Grande Revoluo, incurso doautor em uma das mais longevas polmicas que mobilizaram os intelectu-ais ligados ao Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul, destavez em torno da interpretao da Guerra Farroupilha, no incio dos anos1930. Essa polmica colocou em posies antagnicas Alfredo Varella, au-tor da obra citada no ttulo, e Souza Docca e terminaria por atrair a adesode outros homens de letras e historiadores do estado, como Walter Spal-ding. O que Martins nos mostra com detalhes a riqueza dos embates querecobriam a polmica, como aquele, central no perodo, entre lusitanistas,apoiadores de uma viso da preponderncia da influncia lusitana na for-

    mao histrica do Rio Grande do Sul, e platinistas (de Varella), que des-tacavam os fortes vnculos da histria do Rio Grande do Sul com o Prata,de vis separatista ou autonomista. Mas no apenas a matriz historiogr-fica e a legitimidade desta ou daquela interpretao histrica que esto emjogo, mas tambm, como bem mostra o autor, h uma dimenso polticacontempornea na questo. Com efeito, a polmica recobre tambm a opo-

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    sio entre defensores de um autonomismo regional (grupos e lideranaspolticas regionais ligadas ao antigo sistema poltico da Primeira Repbli-ca, gravemente feridos no processo iniciado pela Revoluo de 30) e alinha-dos, no texto, interpetao varelliana, e o grande campo de vitoriosos ereconvertidos (locais ou nacionais) centralizao poltica brasileira dapoca, solidrios crtica de Souza Docca.

    Por fim, uma palavra sobre o livro em perspectiva ampla. Este , comefeito, o terceiro e ltimo de uma srie que, ao longo dos ltimos anos,

    buscou situar ao pblico acadmico a ambio que orienta os trabalhos doLaboratrio de Histria Comparada do Cone Sul, a saber, a de produziruma histria social de elites, intelectuais e grupos profissionais que sejametodologicamente clara e cujos resultados sejam escrutinveis, amplian-do a possibilidade de comparao dos casos em estudo com aqueles deoutros grupos de pesquisa, nacionais e internacionais, e assegurando a aber-tura para a rotinizao do dilogo e de prticas interdisciplinares concretas,notadamente com a Sociologia e a Cincia Poltica. Para faz-lo, publica-mos, em 2011, a obra coletiva Histria Social de Elites, reunindo bonsexemplos da opo metodolgica fundadora de nosso coletivo de pesquisa,

    a prosopografia; em 2012, foi a vez da coletnea Poder, Instituies e Eli-tes 7 ensaios de comparao e histria, que retomou a importncia dadimenso comparativa em nosso trabalho. Superado esse momento de ins-crio do perfil metodolgico do nosso grupo no meio profissional, esteltimo livro vem trazer apreciao da rea um tema de pesquisa caro aosnossos pesquisadores e colaboradores eventuais: a relao dos intelectuais nas suas mais variadas formas e modos de apreenso com a poltica e opoder. Com este livro, conclumos, portanto, a presente srie. A agenda depesquisa do LabConeSul permanece nas suas linhas de fora a prosopo-grafia, a comparao, o estudo das elites e das profisses , mas avana em

    direo ao estabelecimento de novos vnculos e parcerias institucionais, almde uma ampliao na sua rede nacional e internacional de pesquisadores.

    Flavio M. Heinz

    Apresentao

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    Dos intelectuais na poltica poltica dos intelectuais

    Auguste Comte1

    Mary Pickering

    Comecei a escrever a biografia de Auguste Comte h 30 anos, quan-do aluna de doutorado na Universidade Harvard. Meu orientador era espe-cialista em histria da cincia e me incitou vivamente a escrever a primeirabiografia daquele que havia sido seu fundador. Enquanto historiadora daFrana do sculo XIX, aceitei o desafio. Depois de ler, ao longo de vriosanos, as obras de Comte que haviam sido publicadas, fui a Paris para pes-quisar, pois Harvard havia organizado tudo de modo a que eu pudesse meinscrever no DEA2da Sciences Po.3Pouco depois de minha chegada, em1983, fui visitar Henri Gouhier, que, nos anos 1930, havia escrito trs volu-mes sobre a juventude de Comte. Com um brilho no olhar, esse adorvelintelectual desejou-me boa sorte em meu projeto, que consistia em escreverum estudo sobre toda a vida de Comte. Imagino que soubesse que esse

    trabalho levaria dcadas para ser concludo.Passei trs magnficos anos na Maison dAuguste Comte, onde fui

    calorosamente recebida por Isabel Pratas-Frescata, Gilda Anderson, Traja-no Carneiro e, mais recentemente, Aurlia Giusti e Bruno Gentil. Aurlia eo Sr. Gentil, que hoje dirigem o museu e a Association Internationale Au-guste Comte, foram muito simpticos e me deram todo o seu apoio. Soumuito grata a eles. Aprendi muito com o grande nmero de especialistasque realizaram estudos extraordinrios sobre Comte. Tambm devo muitoa eles.

    Durante os anos em que frequentei a Maison dAuguste Comte, estu-

    dei principalmente as cartas de Comte e a correspondncia entre os positi-vistas, e explorei documentos no indexados. Certo dia, descobri dentro de

    1 Esse texto a verso escrita de uma apresentao oral da autora na Maison dAuguste Comte,em Paris, em 14/01/2010. Traduo de Julia da Rosa Simes. (N.T.)

    2 DEA (Diplme dtudes approfondies): diploma francs de estudos superiores avanados. (N.T.)3Institut dtudes Politiques de Paris. (N.T.)

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    uma caixa que pertencera a positivistas do sculo XX trs tradues dasobras de Kant, Herder e Hegel. Elas haviam sido enviadas a Comte por umamigo, Gustave dEichthal, nos anos 1820, e eram consideradas perdidasdesde sua morte. Utilizei esses manuscritos para demonstrar, pela primeiravez, a possibilidade de uma influncia da filosofia alem sobre o positivis-mo. Tambm descobri que discpulos de Comte haviam destrudo certosmateriais, como algumas cartas da esposa que poderiam faz-lo parecermenos perfeito. Eu estava decidida a procurar em toda parte documentossobre ele e seu movimento. Explorei outros arquivos em Paris e em Lyon.

    Percorri de ponta a ponta bibliotecas da Inglaterra e dos Estados Unidos.Por outro lado, li textos de inmeras fontes secundrias. Ao longodos ltimos 30 anos, assistimos ao desenvolvimento da histria do proleta-riado, da histria das mulheres, da teoria das raas, da histria cultural, dops-colonialismo, da biografia ps-moderna e, mais recentemente, da his-tria das religies. Esses domnios da histria influenciaram a maneira comque abordei a vida e as ideias desse homem fascinante.

    Minha biografia de Comte refaz as interconexes entre sua evoluopessoal e sua trajetria intelectual, enfatizando seu desenvolvimento en-quanto pensador e a continuidade de sua filosofia. Ao mesmo tempo, pro-curo situar seu desenvolvimento pessoal e intelectual no contexto do pero-do ps-revolucionrio. O ponto mais importante no ps-Revoluo Fran-cesa dizia respeito ao problema dos fundamentos e dos fins do poder. Asquestes de legitimidade levariam s controvrsias ideolgicas que forma-ram o pensamento de Comte. Essas controvrsias eram constantes, vistoque ao longo de toda a sua vida, de 1798 a 1857, os franceses no consegui-ram estabelecer um governo estvel. A meu ver, as ideias de Comte emergi-ram da interao entre as crises do mundo exterior sua volta e as queexistiam em seu prprio mundo interior. No fundo, o positivismo foi tantouma resposta Revoluo Francesa quanto prpria luta de Comte contraa doena mental. Ele buscava a integrao, a harmonia e a unidade, carac-

    tersticas que faltavam tanto sociedade em geral quanto em sua prpriavida. Nascido em Montpellier, numa regio devastada pela guerra civil,uma guerra civil que era reproduzida em sua famlia, cujas crenas monar-quistas e catlicas ele detestava, Comte procurou criar um novo sistemasocial que daria Frana a paz e a estabilidade que esta desejava. Ele pas-sou a vida tentando concluir o trabalho da Revoluo.

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    Derivado de minha tese de doutorado, o primeiro volume de minhabiografia de Comte foi publicado em 1993. Esse volume abrange o perodoque vai do nascimento de Comte, em 1798, ao ano de 1842, quando termi-nou o Curso de filosofia positiva. No Curso, Comte afirmava que a teoria sem-pre precede a prtica e que a reconstruo do mundo ps-revolucionrio spoderia ser concretizada depois que o mtodo cientfico ou positivo fosseestendido ao estudo da polticae da sociedade, ltimo baluarte dos telo-gos e dos filsofos metafsicos. Adotar o mtodo cientfico significava ligaras leis cientficas observao dos fenmenos concretos, particularmente

    evitando as especulaes que eram invariavelmente teolgicas ou metafsi-cas. Ele cunhou o termo sociologia em 1839 para se referir sua novacincia da sociedade. O termo filosofia positiva ou positivismo, quetalvez venha de Saint-Simon e dos saint-simonianos, referia-se ao conjuntodo sistema de conhecimentos, baseado no mtodo cientfico. O segundo e oterceiro volumes de minha biografia sobre Comte foram publicados em se-tembro de 2009. O segundo volume cobre os anos de 1842 a 1852. Abordaa resposta de Comte Revoluo de 1848 e sua estreita relao com Clotil-de de Vaux. O terceiro volume cobre os cinco ltimos anos de sua vida, de1852 a 1857, e se concentra em sua segunda obra-prima, o Sistema de poltica

    positiva, e outros livros importantes como Sntese subjetiva.Os dois ltimos volumes de minha biografia de Comte cobrem o pe-

    rodo de 15 anos que compreende os mais controvertidos de seu desenvol-vimento, sua chamada segunda fase. Em 1847, Comte conseguiu transfor-mar em religio, a Religio da Humanidade, seu sistema filosfico baseadonas cincias. Ele continuou sendo um ardente defensor da sociologia, novocampo de estudos, mas acrescentou uma stima cincia, a moral, hierar-quia positivista das cincias. Cultivando o altrusmo, palavra que cunhouem 1850, a moral se focaria no indivduo. Em 1847, Comte alterou seusistema cientfico para que este se tornasse uma religio, demonstrandoque todas as cincias, assim como todas as nossas atividades e todos os

    nossos sentimentos, deveriam futuramente ser dirigidos sociedade, o su-jeito da sociologia. A religio positivista englobava tanto um sistema co-mum de crenas quanto os processos ritualsticos e socializantes que esti-mulavam as emoes do povo, unindo-o em torno da venerao da socie-dade, isto , da Humanidade, e que honravam as personalidades que contri-buam para a melhoria do bem-estar do homem. Assim, durante a Revolu-

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    o de 1848, quando os clubes conheceram grande proliferao, Comtefundou o movimento positivista, ou melhor, a Sociedade Positivista, paraacelerar a transio era positivista da histria, quando esta religio flores-ceria.

    Com frequncia essa fase de religio na vida de Comte vista comouma contradio ao chamado perodo cientfico anterior. Um dos princi-pais argumentos de minha biografia que no houve uma ruptura sbitana trajetria de Comte depois que ele concluiu o Curso e depois de suarelao no consumada com Clotilde de Vaux, ao contrrio do que em ge-

    ral dizem os especialistas. Tratava-se apenas de uma nova fase do positi-vismo, como ele mesmo havia observado em 1847.4

    As razes dessa Religio da Humanidade eram claramente percept-veis em seus escritos de juventude que preconizavam um novo poder espiri-tual para substituir o poder temporal, bem como um novo sistema moral eintelectual. Em 1826, Comte escreveu um artigo intitulado Consideraessobre o poder espiritual, no qual declarava: O dogmatismo o estadonormal da inteligncia humana, aquele ao qual ela se inclina, por sua natu-reza, de maneira contnua e em todos os gneros, mesmo quando mais pa-rece afastar-se dele. Tanto os cticos quanto os revolucionrios do umaforma dogmtica a suas ideias crticas.5Desde o incio, Comte procu-rou fornecer a seus contemporneos um sistema de crenas que satisfizesseseus desejos ardentes de certeza e que os unisse como os adeptos de umcredo. Esse sistema obteria certa legitimidade se fundamentado em princ-pios que pudessem ser demonstrados. Ele seria mais influente se tivesseuma base institucional num novo poder espiritual. No Curso, Comte se refe-re especificamente necessidade de criar uma Igreja positiva.6Em suaobra, ele tambm frisava ter compreendido desde o incio a importnciados sentimentos associados religio. Desde a juventude, considerava as

    4 Carta de Comte a Henri de Tholouze, 18 de dezembro de 1847. In:Auguste Comte: Cor respon-dance gnrale et confessions.Org. de Paulo E. de Berrdo Carneiro, Pierre Arnaud, Paul Arbous-se-Bastide e Angle Kremer-Marietti. Paris: Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales,1973-90, 8 v. v. 4, p. 130.

    5 COMTE, Auguste. Considrations sur le pouvoir spirituel. In: Systme de politique positive ou Traitde sociologie instituant la religion de lHumanit.(Paris, 1851-1854. 5. ed., idntica 1 edio.Paris: Au Sige de la Socit Positiviste, 1929, 4 v. v. 4, Appendice, p. 202-203.

    6 COMTE, Auguste.Physique sociale: Cours de philosophie posi tive, leons 46 60. Org. de Jean-PaulEnthoven. Paris: Hermann, 1975, p. 696.

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    emoes como o motor da existncia. Elas estimulavam o intelecto e da-vam-lhe uma direo moral. Ele escreveu, no Curso, que o amor universal[...] certamente mais importante que a prpria inteligncia, na economiausual de nossa existncia, individual ou social, porque o amor utiliza demaneira espontnea, para proveito de cada um, at as menores faculdadesmentais; ao passo que o egosmo desnatura ou paralisa as mais eminentesdisposies a partir de ento muito mais perturbadoras que eficazes real felicidade, seja privada ou pblica.7O Sistemanada mais fazia quecolocar em obra o programa que Comte havia formulado no incio dos

    anos 1820.Alm disso, Comte no traiu seu primeiro programa, pois desde oincio de sua carreira afirmava que nunca havia confiado no modelo depensamento moral e neutro, positivista ou cientfico, que hoje est li-gado a seu nome. Ele rejeitava as estatsticas e o empirismo e suas coleesinteis e simplistas de fatos e nmeros. Para ele, o poder da razo era limi-tado. Escreveu que o esprito humano [...] [estava] muito mais apto a ima-ginar do que a raciocinar.8Para observar um fato qualquer, o esprito pre-cisava imaginar uma hiptese provisria. Em sua opinio, o esprito erafraco e nunca poderia compreender a realidade e a verdade absoluta. Eraparticularmente impossvel ter uma compreenso total e objetiva da reali-dade social, que era extremamente complexa e prxima de ns.

    Insistindo na necessidade de fazer juzos de valor, continuou atribuin-do a seu sistema filosfico uma misso prtica e poltica, a de concluir aRevoluo Francesa e criar um novo sistema social baseado na justia paratodos. Desde o incio foi motivado pelas reformas sociais e pelo ativismopoltico. Nunca glorificou as cincias em si, mas considerava-as uma ferra-menta capaz de melhorar o bem-estar social. Recorreu a elas para criar anova atitude mental requerida pela sociedade industrial moderna em viasde emergir. O positivismo desencadearia uma revoluo intelectual que le-varia a uma ordem moral marcada pelo acordo geral dos indivduos por

    meio da simpatia e, a seguir, a uma transformao poltica que daria incioa uma nova era positivista de acordo geral e de harmonia social. Apesar de

    7Ibid., p. 362.8 COMTE, Auguste.Philosophie premire: Cours de philosophie positive, leons 1 45 .Ed. de Mi-

    chel Serres, Franois Dagognet, Allal Sinaceur. Paris: Hermann, 1975, p. 99.

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    os crticos terem zombado dos positivistas, criticando sua preocupao ex-clusiva com fatos insignificantes e a manuteno dostatus quo, Comte era afavor das grandes teorias capazes de lanar uma revoluo intelectual e moralde grande alcance.

    Embora seja comum pensar que aqueles que controlariam a socieda-de positiva de Comte seriam os cientistas, demonstrei que Comte no con-fiava neles. A especializao os deixava com mentes estreitas e indiferentesaos problemas da sociedade em geral. Reagindo contra os cientistas, eleafirmava que os filsofos positivos, homens que haviam sido formados em

    todas as cincias e, consequentemente, com um conhecimento mais geral,possuam os pontos de vista mais diferentes possveis e as afinidades maisdiversas. Eles deveriam substituir o clero tradicional e guiar a nova socieda-de positivista, conduzindo sua energia rumo a um objetivo comum, o aper-feioamento da humanidade. No entanto, Comte avisou para nunca dar-mos a eles o poder em si, pois tentariam exercer um controle total. Comteera a favor de um sistema de separao dos poderes. Os filsofos positivos,que formariam o poder espiritual, seriam fiscalizados pelos industriais, queconstituiriam o poder temporal. Mas Comte criticava muito os industriais,pois a especializao deles exigida, como a dos cientistas, levava ao orgu-lho e ao egosmo. Eles tampouco conseguiam focar sua ateno no bem-estar do povo. Como Marx, Comte afirmava que a assustadora luta de clas-ses no era causada pelos operrios, mas pela incapacidade poltica, pelaincria social e, principalmente, pelo egosmo cego dos empreendedo-res.9Ele esperava, portanto, que os operrios constitussem o poder tem-poral at que os industriais fossem reabilitados. Estava a dois dedos de pre-conizar a famosa ditadura do proletariado de Marx.

    Comte se encontrava numa situao paradoxal, da qual tinha cons-cincia. Ele recomendava uma filosofia social baseada nas cincias, masalimentava uma profunda desconfiana da capacidade do esprito puramentecientfico de regenerar o mundo poltico e social. Alm disso, a legitimida-

    de de suas ideias antielitistas que davam prioridade s necessidades do con-junto da comunidade s poderia ser obtida se ele fizesse parte do grupoelitista dos cientistas. Apesar de tudo, sua filosofia generalista, que destaca-

    9COMTE,Physique sociale, p. 620.

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    va a importncia do mtodo cientfico, no satisfazia os padres da especia-lizao que os novos profissionais do sculo XIX exigiam. Conforme reve-lado pelos documentos dos arquivos da cole Polytechnique, os cientistasno o prezavam nem profissional nem pessoalmente. A decepo de Comte perceptvel na frase que conclui o Curso, que condenava o cego ou mal-intencionado impulso dos preconceitos e das paixes prprios de nosso de-plorvel regime cientfico.10O Curso de filosofia positiva, aparentemente umaobra cientfica, tinha como objetivo limitar o esprito cientfico da idademoderna, cuja especializao, egosmo e indiferena social causavam um

    prejuzo moral incomensurvel.A meu ver, Comte adotou uma terminologia religiosa tradicional emparte por razes pragmticas. Aps o declnio das prticas religiosas resul-tante da Revoluo, as ideias religiosas tinham se tornado aceitveis e cor-rentes no incio dos anos 1840. Os romnticos enfatizavam a importnciado espiritual. Novas ordens religiosas e escolas privadas proliferaram graas Lei Falloux, de 1850, que permitiu a liberdade de educao. Na sequnciade uma apario da Virgem Maria em 1846,11a noo de Imaculada Con-ceio tornou-se dogma em 1854. Impacientes para ajudar a classe oper-ria e as mulheres, muitos socialistas tentaram restabelecer o cristianismo deuma nova forma, mais igualitria. No se sentindo vontade com o agnos-ticismo, o atesmo e o ceticismo, Comte queria fazer parte dessa escaladado fervor religioso, com a audcia que lhe era caracterstica. Ele insistia nofato de no ser necessrio que a razo e a cincia fossem antitticas reli-gio. No segundo volume do Sistema, chegou a dizer que Nossa natureza,individual ou coletiva, torna-se, ento, mais e mais religiosa.12Como jus-tificou esse comentrio notvel? Atravs do lamarckismo. Comte afirmavaque o aspecto fundamental do desenvolvimento humano era o fato de que,por meio do exerccio, as caractersticas nicas da espcie humana a inte-ligncia e a sociabilidade se tornavam dominantes, tanto no indivduoquanto na sociedade. Assim, as pessoas se tornavam no apenas mais racio-

    nais, como mais altrustas, mais ligadas aos outros, em suma, mais religiosas.Ele acreditava que a essncia da religio residia na capacidade de estabele-

    10Ibid., p. 791.11 Apario da Nossa Senhora de La Salette (nos Alpes franceses) a duas crianas. (N.T.)12Systme, v. 2, p. 19.

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    cer laos entre os indivduos. Criticado por ter dado o nome de religio aseu sistema moral, Comte explicou em 1849 que havia ousado unir [...] onome [religio] coisa [positivismo] a fim de logo instituir uma concorrn-cia declarada com todos os outros sistemas.13Ele queria uma batalha doutri-nal bem definida contra o catolicismo e as verses esquerdistas do cristianis-mo, uma batalha que aceleraria o triunfo do positivismo e o incio de umanova ordem. Preocupado com o crescente ceticismo do perodo ps-revo-lucionrio, decidiu formular uma sntese para fornecer a seus contempo-rneos ideias e crenas novas e homogneas, isto , uma nova f que pudes-

    se aproxim-los. Somente se fosse ao mesmo tempo emocional e racional que essa sntese unificadora poderia levar concordncia geral no domniosocial, necessria para destruir o materialismo e o egosmo da sociedadeindustrial moderna. Ela precisava ser atraente tanto para a esquerda quan-to para a direita, a fim de elevar-se acima dos problemas deixados pelaRevoluo Francesa e criar a harmonia.

    No Sistema de poltica positiva, Comte imaginou uma cultura religiosatotalmente nova, que permitiria unir a sociedade. Ele admitia que, nos no-vos tempos, a ao poltica utilizasse a religio, a educao e as artes paraformar sentimentos, crenas e representaes. Tendo vivido sob os reina-dos de Napoleo I e de Napoleo III, que fizeram uso da iconografia parapopularizar seus regimes, ele compreendia a importncia da cultura visualpara reforar as mensagens sociais e polticas. Nesse sentido, mandou pin-tar seu retrato e encomendou um busto de Antoine Etex para imortalizarsua imagem, concebeu bandeiras positivistas nas quais uma jovem me re-presentava a Humanidade, desenhou plantas dos Templos da Humanida-de, imprimiu seu prprio esquema do esprito humano e adotou o verdecomo cor do positivismo. As pessoas se aproximariam umas das outras porcrenas comuns, mas os laos emocionais, cultivados por imagens especfi-cas e referncias visuais, tambm contavam muito.

    Ao apresentar uma viso de conjunto da Religio da Humanidade,

    Comte almejava sobretudo reviver o concreto, a intensa espontaneidadeemocional e as predisposies poticas do primeirssimo estgio da vidareligiosa, o fetichismo. Apesar de ser conhecido como um apstolo do pro-

    13 COMTE, Quatrime confession annuelle, 31 de maio de 1849. In: Correspondance gnrale,v. 5,p. 22.

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    gresso, Comte paradoxalmente temia os efeitos da cincia e do pensamentoabstrato, que tornavam as pessoas orgulhosas e egostas, e estava convenci-do de que o Ocidente precisava de uma injeo de religio primitiva paracontinuar seu avano. Ele foi um dos primeiros pensadores a celebrar ofetichismo, que associava raa negra. Para ele, os humildes pensadoresda frica central eram mais racionais sobre a natureza humana e a socie-dade do que os magnficos doutores germnicos e suas verborragiaspomposas. Comte dizia que A tocante lgica do mais simples dos negros [...] mais sbia que nossa aridez acadmica que, sob o pretexto emprico

    de uma imparcialidade sempre impossvel, consagra diariamente a descon-fiana e o receio.14Ao contrrio dos homens modernos, os adoradores defetiches cultivavam seus afetos mais valiosos por meio da venerao, daconfiana e da adorao de todos os seres. Eles admiravam o que era con-creto e til e respeitavam o mundo natural. Comte tentou reproduzir essetipo de venerao incentivando o povo a se devotar Humanidade, o Gran-de Ser, e a respeitar a Terra, o Grande Fetiche. Em vez de celebrar asmaravilhas da indstria, enfatizou a importncia da humildade e da mo-dstia demonstrando que todos os povos estavam ligados uns aos outros e Terra. Quando modificavam a Terra, as pessoas deveriam aprender os be-nefcios morais da cooperao social. Se elas se conformassem com maisinteligncia s leis da Terra, tornar-se-iam menos egostas e mais felizes.Em suma, o positivismo incorporaria o fetichismo. Paradoxalmente, o es-tgio mais avanado da civilizao representaria um retorno s origens.Comte foi de fato um dos primeiros adeptos da ecologia.

    Condenando o racismo, a escravido e o imperialismo, julgando queestes dividiam a humanidade em vez de uni-la, Comte lanaria um desafioaos esteretipos raciais ao afirmar que um dia algum pensador negropoderia estudar suas obras e dar-lhe seu apoio.15Apesar de ter adotado umaposio essencialista segundo a qual os brancos eram inteligentes, os ne-gros eram emotivos e os amarelos eram ativos e pragmticos, ele no

    pensava que as diferenas raciais fossem imutveis ou totalmente determi-nantes. Uma pessoa negra podia ser emotiva acima de tudo, mas igualmen-te inteligente e ativa. Comte afirmava que as diferentes raas se pareceriam

    14Systme, v. 3, p. 99, 121, 155.15Ibid., p. 156.

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    cada vez mais medida que desenvolvessem partes diferentes de seu cre-bro, graas s mudanas no meio ambiente. Na era positivista, elas seriamobrigadas a utilizar e, consequentemente, desenvolver todas as suas capaci-dades. Ele foi um dos poucos pensadores a louvar os casais de etnias dife-rentes, afirmando que os casamentos mistos envolviam a partilha das ca-ractersticas associadas a cada raa.

    Na esperana de acabar com o militarismo e as guerras, Comte dese-java disseminar o sentimento de nossa humanidade comum, ou sociabili-dade, pelo mundo inteiro. Foi um dos poucos pensadores do sculo XIX a

    promover o cosmopolitismo e a cultura da sociabilidade aos quais os filso-fos do sculo XVIII davam grande valor. Oposto ao nacionalismo extremode seus semelhantes europeus, condenou o envolvimento da Inglaterra naGuerra do pio contra a China, sua recusa de ceder Gibraltar e seu trata-mento ndia. Em sua opinio, essas iniciativas imperialistas estavam liga-das a interesses industriais. Tambm condenava a invaso francesa da Ar-glia, que, como insistiu repetidamente, devia ser devolvida aos rabes.Criticava a criao de um imprio por Napoleo I e Napoleo III. Para ele,a opresso interna sempre iria de par com a opresso externa. Alguns deseus discpulos, que acreditavam na misso dos franceses no plano da civi-lizao, ressentiram-se de seu anti-imperialismo. Para opor-se ao naciona-lismo e s ambies imperialistas, e principalmente para reduzir a ameaade guerra, Comte preconizava que todas as naes fossem divididas empequenas repblicas, onde a sociabilidade seria mais fcil de cultivar e ondea lealdade das pessoas seria espontnea e voluntria. A Frana seria dividi-da em 17 dessas pequenas repblicas.

    A capital desse sistema republicano universal seria Constantinopla, acidade que, para Comte, melhor uniria o Leste e o Oeste. Como seus con-temporneos franceses, ele era fascinado pelo Oriente. Dentro de seu obje-tivo de mostrar o profundo respeito do positivismo pela histria como umtodo e uma generosa avaliao das outras religies, ele frequentemente lou-

    vava Maom e o Isl. Acreditava que os muulmanos estavam madurospara uma converso positivista, pois sua f era tolerante e simples. Eles sepreocupavam com as necessidades da comunidade e tinham sido preserva-dos das influncias anarquistas dos especialistas em metafsica e dos legis-ladores. Comte chegou inclusive a expressar a esperana de que os argeli-nos convertessem os franceses ao Isl, em vez de os franceses os transfor-marem em catlicos.

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    Na era positivista por vir, as 500 repblicas do mundo inteiro seriamcaracterizadas internamente pela harmonia entre os principais grupos: osindustriais regenerados, que constituiriam o poder temporal, e os filsofos,as mulheres e os operrios positivistas, que representariam as componentesdo poder espiritual. Os filsofos positivistas, que encarnariam a razo,seriam ajudados sobretudo pelas mulheres, que personificavam os senti-mentos, e os operrios, que representavam a atividade. Ao contrrio daburguesia masculina no poder, as mulheres e os operrios escapariam cultura artificial e materialista da poca. Comte recorria cada vez mais ao

    apoio deles, pois havia sido repelido pelos cientistas de seu tempo.A partir de 1851, Comte passou a convocar ainda mais as mulheres,aps ter percebido que seria impossvel tirar os operrios do socialismo.Alguns intelectuais acusam Comte de ser um falocrata.16No entanto,tendo lido Uma defesa dos direitos da mulher, de Mary Wollstonecraft, tendose tornado amigo da intelectual inglesa Sarah Austin, tendo ouvido JohnStuart Mill e conhecido o notvel trabalho de sua tradutora, Harriet Marti-neau, Comte deu s mulheres uma identidade positiva. Ele afirmava que,na qualidade de peritas em matria de emoes, elas seriam os agentes moraisque poderiam unificar uma sociedade cada vez mais fragmentada. Aps aRevoluo de 1848, ele expressou seu temor de que o problema da anarquiano seria resolvido enquanto a revoluo no tiver se tornado feminina.17

    Tinha medo de que, sem o suporte feminino, seu prprio movimento refor-mista se visse desacreditado. Alis, uma razo pela qual ele enfatizava aReligio da Humanidade o fato de querer agradar s mulheres, que asso-ciava religio. Seu Catecismo positivista, que consistia num dilogo entreuma mulher e um sacerdote positivista, dirigia-se especialmente ao pblicofeminino. Alm disso, ele incentivava as mulheres a formar a opinio pbli-ca retomando os sales e a escapar dominao dos homens exercendo umcontrole sobre o prprio corpo e tendo filhos sem qualquer participaomasculina. E como elas eram dotadas da melhor caracterstica humana, a

    sociabilidade, ele insistia para que as mulheres representassem a prpriaHumanidade. Nos templos positivistas, a Humanidade seria sempre repre-

    16 KOFMAN, Sarah. Aberrations: Le Devenir-Femme dAuguste Comte. Paris: Aubier Flammarion,1978, p. 233.

    17Carta de Comte a Georges Audiffrent, 7 de junho de 1851. In: CG, v. 6, p. 108.

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    sentada por uma mulher acompanhada do filho. Essa audaciosa substitui-o do Deus Pai no sistema positivista reflete a convico de Comte de queas mulheres ocupariam a primeira posio da sociedade normal do futu-ro.18O papel delas ilustra o objetivo de Comte, que era colocar os sentimen-tos empticos no centro da vida pblica a fim de criar uma sociedade maiscompassiva e mais harmoniosa.

    A viso de Comte quanto a uma sociedade futura caracterizada pelaharmonia no era apenas uma reao ao caos de seu tempo, mas tambmuma resposta ao caos que existia dentro dele. Ao longo de toda a vida, Comte

    precisou lutar contra a psicose manaco-depressiva. Ele sofria crises de exci-tao que se alternavam com ondas de profunda depresso. As piores crisesocorreram em 1826, 1838 e entre 1845 e 1846. Demonstrei o quanto essadoena o tornou rebelde, paranoico e delirante. Ele lutava todos os dias parater boa sade. Comia refeies simples, dormia entre sete e oito horas pornoite, eliminava o caf e demais estimulantes, e dava longas caminhadas to-dos os dias, para se cansar fisicamente. Intelectualmente, a fim de evitar oestresse, retirou-se cada vez mais em seu mundo pessoal, recusando-se, em1838, a ler o que quer que fosse, exceto poesia. Ele afirmava que esse regimede higiene cerebral seria a nica maneira de manter sua pureza enquantognio e reformador moral. Na verdade, a loucura era uma doena comumnos homens criativos do sculo XIX. At mesmo John Stuart Mill teve umadepresso nervosa. Mas sustento que Comte se retirou do mundo contempo-rneo literrio e intelectual para preservar seu frgil ego dos ataques dos cr-ticos. Qualquer tipo de controvrsia, ou mesmo um esforo intelectual inten-so e emoes violentas, constituam uma ameaa a seu bem-estar mental, eele organizou sua vida de modo a evitar esses perigos. Mesmo assim, o quemais caracterizou suas relaes com os outros foi o conflito, que em geralresultava em rompimento. Seu temperamento apresentava outro grande pa-radoxo que considero fascinante: o fundador da sociologia a cincia que seespecializou no estudo das relaes sociais era um homem que no se sen-

    tia vontade nas associaes humanas mais elementares. Ele tinha a impres-so de ser um estrangeiro na sociedade que era o objeto de seu estudo. Vriosexemplos explicativospermitiro elucidar a psique de Comte.

    18 Carta de Comte a Harriet Martineau, 29 de dezembro de 1853. In: Correspondance gnrale, v. 7,p. 160.

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    Apesar de Comte reivindicar o respeito da famlia por se distanciarda filosofia do amor livre dos saint-simonianos, ele estava em constantedesacordo com os membros de sua prpria famlia. Comte acusava a irmde conspirar para deserd-lo. Seus pais no gostavam de seus ataques con-tra a religio, de seu republicanismo e de sua escolha profissional. Em 1838,Comte disse ao pai que desejava romper toda comunicao com a famlia.Seu pai ficou completamente aturdido. Quase dez anos se passaram antesque eles retomassem a troca de correspondncia. Esta manteve-se fria.

    Comte conheceu uma pessoa capaz de preencher temporariamente o

    papel de pai: Henri de Saint-Simon. Ao contrrio de Henri Gouhier, queminimizava a importncia de sua influncia, penso que Saint-Simon deu reflexo de Comte um certo direcionamento filosfico. Ao longo do Imp-rio napolenico, Saint-Simon havia sustentado que a criao de um novosistema unificado de conhecimentos cientficos, centrado no estudo da so-ciedade, daria incio a uma nova era em que os industriais substituiriam oslderes militares no poder temporal ou secular, e os cientistas tomariam olugar do clero no poder espiritual. Quando Comte comeou a trabalharpara Saint-Simon, esse filsofo que comeava a envelhecer se voltava para aorganizao prtica e industrial da sociedade. Mas Comte retomou a mis-so inicial de Saint-Simon, a fundao do sistema cientfico, isto , a filoso-fia positiva, bem como a cincia da sociedade. Fiel ao conceito de Saint-Simon que preconizava que a teoria deveria preceder a prtica, Comte de-senvolveu as ideias espalhadas ao acaso no conjunto dos escritos irregula-res de seu mestre. Contudo, depois de trabalhar em estreita colaboraocom Saint-Simon no jornalismo ao longo de sete anos, com frequncia ex-pressando sua afeio por ele, um dia Comte decidiu que no queria maisrelacionar-se com ele. Acreditava que Saint-Simon estivesse roubando suasideias. Em suas ltimas obras, portanto, chamou Saint-Simon de charla-to superficial e depravado.19

    Outro mestre foi o clebre cientista Blainville, que Saint-Simon lhe

    havia apresentado. Comte jantava uma vez por ms na casa de Blainville.Em 1850, porm, quando Blainville no pde mais ajud-lo financeiramente

    19 Carta de Comte a George Frederick Holmes, 18 de setembro de 1852. In: Correspondance gn-rale, v. 6, p. 378.

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    e passou a manifestar suas tendncias religiosas em obras cientficas, Comtese virou contra ele. Falou duramente de Blainville no discurso durante asexquias deste, declarando que sua morte por ataque cardaco, sozinho den-tro de um trem, havia sido adequada, pois ele era egosta. Muitos foram osque pensaram que Comte havia sido cruel ao tratar dessa maneira um ami-go ntimo.

    Vrios outros amigos prximos romperiam relaes com Comte.Fisher e mile Tabari, amigos de infncia, foram rejeitados depois de su-postamente terem criticado a esposa de Comte. O melhor amigo de Comte,

    Pierre Valat, sugeriu-lhe que tentasse escrever com mais clareza e concen-trar-se na epistemologia. Comte respondeu-lhe, furioso, dizendo que j ha-via passado da idade da discusso.20A amizade de 30 anos chegou aofim. Gustave dEichthal, amigo e primeiro discpulo, tambm recomendoua Comte ser menos abstrato. Sentiu-se distante de Comte com a respostaque recebeu e desistiu da relao. Conhecidos importantes como FranoisGuizot e os intelectuais ingleses George Grote, Sarah Austin e HarrietMartineau se afastaram. Jules Michelet levou uma patada quando visitouComte pela primeira vez. Colegas de trabalho, dentre os quais alguns ve-lhos amigos, como Duhamel, acabaram dispensando-o da cole Polytech-nique. Todos estavam cansados do egosmo, da paranoia e da beligernciade Comte.

    Problemas similares prejudicaram sua importante relao com JohnStuart Mill, que lhe escreveu em novembro de 1841 para dizer o quantosuas ideias haviam tido um impacto profundo em seu prprio desenvolvi-mento intelectual. Mill se uniu a Comte naquilo que ambos consideraramcomo o incio de uma aliana dos intelectuais mais avanados da poca.Dois anos depois, no entanto, Mill comeou a mudar de opinio a respeitodo positivismo quando ouviu falar de um ponto de vista de Comte, quedeclarava que a vida conjugal estava baseada nas desigualdades sexuais eque as mulheres no eram to inteligentes quanto os homens, conforme

    demonstrado pelo tamanho do crebro. Mill afirmava que a maioria dasdefasagens entre homens e mulheres poderia ser minimizada se as mulhe-res recebessem uma educao melhor. A amante de Mill, que mais tarde se

    20Carta de Comte a Pierre Valat, 17 de setembro. In: Correspondance gnrale, v. 2, p. 86.

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    tornaria sua mulher, a feminista Harriet Taylor, acusou-o de agir covarde-mente para com Comte. Ela escreveu: A raiz seca que esse homem norepresenta um adversrio de valor.21Mill sentiu vergonha. A amizade aca-bou em 1847, depois de Comte ter insultado Mill e seus amigos, atacando-os por no lhe darem mais suporte financeiro. Mill concluiu: [Comte] um homem que s podemos servir dizendo sempre o mesmo que ele.22

    Algum concordava com Mill: a mulher de Comte, Caroline Massin.Tentei reabilit-la em sua relao com o marido e estudei sua correspon-dncia, revista e publicada em 2006 pelo Sr. Gentil. Ex-diretorade bibliote-

    ca, Caroline Massin era uma mulher inteligente e cheia de esprito que aju-dou Comte a se recuperar da crise de loucura de 1826. Ela lhe deu todos ostipos de conselhos para sua sade, seu trabalho e sua maneira pouco diplo-mtica de tratar as pessoas, especialmente os colegas. Quando Comte serecusou a ouvi-la, agindo como se ela no existisse, ela o abandonou, em1842, acusando-o de ser um tirano. Anos depois, escreveu a Comte umacarta pungente que resumia suas dificuldades: Sempre fui-lhe muito devo-tada, mas no era submissa. Com menos devotamento verdadeiro e maissubmisso, as coisas teriam ido melhor entre ns. Quantas vezes voc no

    fundoteve razo, mas me pedia para ceder em nome de sua autoridade, e eume erguia sua frente enquanto deveria me submeter. Submissa mesmo as-

    sim, eis o que eu no soube ser. Mas mesmo assimo amei, veja bem.23

    Furioso por ter sido deixado, Comte puniu-a numa de suas ltimasobras, chamando-a de prostituta. A alegao foi perpetuada pelos discpu-los de Comte, que a detestavam porque ela desejava contestar seu testamen-to. Mas a acusao muito discutvel. Era uma atitude tpica da poca: asmulheres eram vistas ou como anjos do lar ou como tentadoras fatais. Comoo esprito independente de Caroline Massin no combinava com o primei-ro tipo, Comte colocou-a sob o segundo.

    21 Harriet Taylor, nota a John Stuart Mill, sem data, Mill-Taylor, GB 0097, v. 2, item 327, flio723, 723v, 724, 724v, British Library of Political and Economic Science, London School ofEconomics. Ver tambm HAYEK, F. A. John Stuart Mill and Harriet Taylor: Their Corresponden-ce and Subsequent Marriage. London: Routledge and Kegan Paul, 1951, p. 114-115.

    22Carta de J. S. Mill a Mrs. Sarah Austin, 18 de janeiro de 1845. In: ROSS, Janet. Three Generationsof Englishwomen: Memoirs and Correspondence of Mrs. John Taylor, Mrs. Sarah Austin, andLady Duff Gordon. London: John Murray, 1888, 2 v., v. 1, p. 200.

    23 Carta de Caroline Massin a Auguste Comte, 17 de janeiro de 1850. COMTE, Auguste; MASSIN,Caroline. Correspondance indite: lhistoire de Caroline Massin, pouse dAuguste Comte tra-vers leur correspondance. Org. de Pascaline Gentil. Paris: LHarmattan, 2006, p. 250.

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    A pessoa que correspondia ao primeiro tipo, para Comte, era Clotil-de de Vaux. Como Caroline Massin, era muito mais forte, inteligente eindependente do que os bigrafos de Comte a descrevem. Quando conhe-ceu Clotilde de Vaux, em 1845, essa mulher de 30 anos vivia na misria,totalmente responsvel pela famlia depois de ter sido abandonada pelomarido. O que a tornava fascinante era o fato de ser uma jornalista e ro-mancista promissora que, como muitas mulheres do sculo XIX, tentavaganhar a vida e se realizar atravs de seus escritos. Paralisada pelo amor deseus pais, bem como pelo amor exigente e possessivo dos homens, ela tinha

    sede de liberdade: H momentos em que sinto vontade de morrer semlaos, tanto sofri por causa deles.24Ela almejava sobretudo ter a liberdadede se entregar a quem quisesse, quandoesequisesse.

    Comte cortejou-a deliberadamente para desenvolver sentimentos que,segundo ele, estavam diminudos devido s ms relaes que mantinha comsua famlia e sua mulher. Ele estava a ponto de escrever o Sistemaque trata-va do lado emocional da existncia humana, e pensava precisar de maisprofundidade nesse aspecto.

    Rejeitando as aspirao jornalsticas de Clotilde de Vaux, sentia difi-culdade em respeitar seu desejo, que consistia em limitar suas discusses aquestes intelectuais interessantes. Ele exasperou-a ao insistir que sabia oque seria melhor para seus interesses e ao afirmar que a achava moralmentesuperior. Ela respondeu: Ainda no encontrei a perfeio, nem nos outrosnem em mim. H grandes lceras no fundo de cada ventre humano. Restasaber como escond-las.25De fato, Clotilde de Vaux recusava a Comtevener-la. Tal adorao lhe parecia no apenas artificial, como restritiva.Mesmo que os positivistas celebrassem seu amor por ele, na verdade Clotil-de de Vaux no era tocada pelos estratagemas de Comte. Ela resistia a seusavanos sexuais e o mantinha distncia, vendo nele apenas um amigo. Noentanto, foi cada vez mais obrigada a contar com sua boa vontade e seusrecursos financeiros quando comeou a perder a batalha que travavacontra

    a tuberculose. Em abril de 1846, morreu em seu quarto. Comte estava a seulado e no permitiu que os pais dela entrassem. Queria ser o nico a reco-

    24 Clotilde de Vaux Comte, 5 de dezembro e 12 de dezembro de 1845. In: Correspondance gnra-le, v. 3, p. 221, p. 235.

    25 Carta de Clotilde de Vaux a Comte, 25 de maio de 1845. In: Correspondance gnrale, v. 3, p. 24.

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    lher seu ltimo suspiro. Incapaz de domin-la completamente quando elaestava viva, passou a exercer seu poder sobre ela transformando-a na mu-lher perfeita, submissa e pura, tudo o que sua esposa, pretensamente detes-tvel, no era. Refletindo a lgica binria intrnseca da identidade sexualda poca, ele transformou Clotilde de Vaux num anjo que inspirava suaprpria bondade, enquanto sua esposa, Caroline Massin, era um demnioque ameaava seu trabalho. A venerao de Comte por Clotilde de Vauxchegou a fazer parte de sua Religio da Humanidade. Silenciada pela mor-te, ela no podia mais objetar prpria canonizao. De fato, representa-

    es de mulheres mortas abundam nas artes e na literatura de meados dosculo XIX, pois elas permitiam aos homens se sentirem triunfantes sobreos aspectos ameaadores da feminilidade.

    No partilho da opinio de John Stuart Mill, nem da de RaymondAron, que afirmavam que Clotilde de Vaux foi a causa do declnio intelec-tual de Comte e que ela mudou a direo de suas ideias. Clotilde de Vauxreforou a importncia crescente que ele atribua aos sentimentos e fez re-nascer o interesse de Comte pela questo da mulher, silenciado pela acri-moniosa relao com Caroline Massin. A aliana entre as mulheres e osfilsofos positivistas, que ele j havia promovido no ltimo volume do Cur-

    so, tornou-se o centro de sua doutrina.Esses episdios da vida pessoal de Comte demonstram as dificulda-

    des que ele teve para de fato estabelecer relaes pessoais normais. Ele in-sistia tanto na necessidade de uma harmonia total que, para alcan-la,sacrificou a famlia, em primeiro lugar, depois a mulher e, a seguir, umamigo depois do outro. como se tivesse aplicado sua higiene cerebral aseu crculo social. Sentindo uma necessidade absoluta de harmonia perfei-ta na prpria vida, prescreveu a mesma coisa para a sociedade. O tipo desociedade que imaginava no seria formada por grupos de faces confli-tantes ou concorrentes, mas por um regime supervisionado por um poderespiritual encarregado de exercer o controle, que educaria as pessoas e as

    inspiraria a entrar em acordo sobre o conjunto de opinies.Indiferente s necessidades dos outros, Comte encontrou certa grati-

    ficao num amor abstrato pela Humanidade, que lhe permitia evitar asdificuldades inerentes s relaes pessoais. Ele se vangloriava de ser a nicapessoa capaz de compreender as ideias gerais e, ao mesmo tempo, dar pro-vas de altrusmo. Ao fim da vida, reivindicou ser mais completo que qual-

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    quer um dos personagens que, at o momento, ocuparam a cena revolucio-nria. Afirmando ser um modelo de virtude, dizia ser o fundador legtimode uma sociedade e de uma religio, igualmente novas.

    Graas autoconfiana e inteligncia superior de Comte, tantoquanto doutrina aprofundada que dava prioridade ao bem-estar da comu-nidade e previa um futuro harmonioso, ele granjeou um pequeno nmerode adeptos da esquerda e tambm da direita, na Frana, na Inglaterra, nosEstados Unidos e na Amrica Latina. Alguns admiravam suas ideias es-querdistas. Quando a Revoluo de 1848 se desencadeou, Comte tentou

    incitar os operrios a se afastarem do socialismo e fundou a Sociedade Po-sitivista para lanar um movimento positivista. Seu manifesto, o Discursosobre o conjunto do positivismo, condenava o extremismo poltico, especial-mente o de direita, preconizava a incorporao dos proletrios sociedadeatravs da melhoria de suas perspectivas de emprego e educao, e apresen-tava uma viso geral da ideia de um triunvirato positivista dirigente, sadoinicialmente da classe operria. Ele dizia que apesar do positivismo noprocurar abolir a propriedade privada, ele absorvia e reforava os princpiosbsicos do comunismo, no sentido de que aceitava o fato de que a comuni-dade deveria intervir para subordinar [a propriedade] s necessidades so-ciais.26Comte tambm apoiava os operrios que reivindicavam o direitode trabalhar, uma melhor educao e uma repblica em que detivessemmais poder. Invocou esquerdistas renomados como Proudhon, Blanqui eBarbs, pedindo seu apoio.

    Contudo, temendo que os revolucionrios se tornassem violentosdemais e anarquistas, por um breve perodo de tempo apoiou o regime deditadura de Lus Napoleo, que esperava converter ao positivismo, o queseria a primeira etapa para obter os favores do pas inteiro. Em dado mo-mento, chegou inclusive a sugerir-lhe que designasse como sucessor, pre-tendente legtimo, o conde de Chambord. Em 1855, Comte escreveu um

    Apelo aos conservadores, para convenc-los a unir-se aos positivistas contra a

    esquerda. Comte queria uma aliana com os jesutas e dirigiu-se aos aristo-cratas ingleses, ao czar da Rssia e aos dirigentes turcos.

    O crescente conservadorismo de Comte lhe custou o apoio dos es-querdistas. Seus discpulos ficaram horrorizados ao descobrir que ele havia

    26Systme, v. 1, p. 155.

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    perdido no apenas Mill, como tambm seu adepto francs mais importan-te, mile Littr. Ambos haviam dado certa legitimidade ao movimento gra-as ao renome de que gozavam. Charles Robin e George Henry Lewes eramoutros adeptos que tambm desertariam.

    Mas Comte ainda tinha cerca de 50 discpulos fiis na Sociedade Po-sitivista. Havia uns 15 operrios, mas a maioria era formada por homensjovens de classe mdia que vinham de Paris e da provncia. Eram escritores,estudantes e mdicos.

    As pessoas se filiavam ao movimento por um nmero variado de

    motivos, pois liam de maneiras diferentes sua doutrina rica e complexa. Apoltica era uma razo pela qual muitos aderiram a seu movimento. Algunso consideravam um humanista ou um republicano que se interessava peloshomens do povo. Outros estavam convencidos de que o positivismo era umbaluarte contra a Revoluo.

    Muitos ficavam fascinados pelo sistema cientfico de Comte enquan-to sntese do saber erudito. Esse sistema parecia explicar as cincias, numapoca sedenta por categorizao, e explicava a orientao da histria, queadquiria ento estatuto cientfico. A nova cincia da sociologia parecia for-necer uma maneira racional de absorver os problemas aparentemente inso-lveis do modernismo.

    Alguns adeptos no se interessavam pelos aspectos cientficos do po-sitivismo, mas manifestavam muito entusiasmo pela Religio da Humani-dade elaborada por Comte. Esta oferecia ritos e dogmas suficientes parasubstituir o cristianismo junto a pessoas que haviam abandonado sua ftradicional com grande dificuldade, ou sque nunca tinham adotado umareligio. A eliminao de Deus por Comte e o slido sistema moral basea-do nos fatos e na transparncia pareciam estar livres da hipocrisia e agrada-vam aos cticos religiosos que agora podiam se orgulhar de si mesmos e desua sinceridade. Muitos agnsticos e ateus sentiam a necessidade de acredi-tar em alguma coisa coerente, abstrata e abrangente. Graas ao estrito siste-

    ma moral de Comte, tambm podiam trabalhar para seu prprio aperfei-oamento e receber honrarias, como os crentes. Graas a seu elaborado siste-ma de rememorao, eles podiam alcanar a imortalidade. Tambm podiamutilizar sua doutrina para atacar as igrejas tradicionais.

    Algumas pessoas se sentiam atradas pelo positivismo devido per-sonalidade de Comte. Ele permitia que membros da Sociedade Positivista

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    se aproximassem uns dos outros e ficassem orgulhosos de pertencer a ummovimento exclusivo que construa uma nova era. Eles admiravam noapenas sua viso audaciosa, mas tambm seu dogmatismo e, acima de tudo,seu notvel senso de certeza. Comte lhes dizia no que deveriam acreditar.

    Um professor de Lyon, jornalista republicano, Charles Maynard, foium exemplo tpico. Apreciava o positivismo porque este eliminava suas ilu-ses, trazia uma certa clareza sua viso de mundo e o impedia de tentarencontrar uma soluo a questes que no podiam ser respondidas. O posi-tivismo oferecia uma soluo racional ao problema social. Ele escreveu a

    Comte em 1853:Meus olhos, como os de So Paulo, se livraram de suas vendas, a luz se fezem meu esprito, e agora sei onde est a verdade. Graas ao senhor gozodessa tranquilidade perfeita que sempre acompanha uma convico sincera,e tenho minha frente um objetivo magnfico que preciso alcanar. Obri-gado, mil vezes obrigado, por ter-me devolvido essa vida do corao sem aqual a outra no nada. Permita contar-me entre os que o admiram e amam.27

    Muitos discpulos amavam Comte. Mesmo os que no eram discpu-los se viam tocados por sua filosofia. Harriet Martineau sempre choravaquando traduzia o Curso, pois este parecia eliminar todas as dvidas e refle-tia a profunda simpatia humana de Comte.28

    Fica claro que a solicitude de Comte em ouvir os problemas dos soli-trios e isolados o ajudou a convert-los. Esses discpulos contavam a Comtecoisas pessoais espantosas. Muitos buscavam os conselhos de Comte paraencontrar uma mulher. Outros tinham relaes e perguntavam se deviamcasar com suas amantes. Outros confessavam que frequentavam prostitutase que recorriam masturbao para aliviar seus desejos sexuais. HenryEdger, de Nova York, contou a Comte suas aventuras sexuais, que o desmo-ralizavam e davam-lhe uma dor surda e profunda [...] nos testculos.29

    Em resposta, Comte disse-lhe com a maior honestidade que havia sofridoproblemas idnticos e que os havia resolvido apenas evitando qualquer es-

    timulante. A aceitao de Comte do papel de sacerdote que recebia confis-

    27 Carta de Charles Maynard a Comte, 3 de junho de 1853. Archives de la Maison dAugusteComte.

    28 MARTINEAU, Harriet.Autobiography. Org. de Marian Weston Chapman. Boston: James R. Os-good, 1877, 2 v., v. 2, p. 71-82, 90.

    29 Carta de Henry Edger a Comte, 22 de junho de 1857. Archives de la Maison dAuguste Comte.

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    ses e dava a absolvio era um grande conforto para homens que se senti-am afastados da autoridade religiosa tradicional. Eles o consideravam osalvador, aquele que os havia tirado das profundezas do desespero, noapenas intelectual, como tambm psicolgico. Sua prpria candura, suasmanifestaes de vulnerabilidade e sua tendncia natural s emoes co-moviam muitos leitores que temiam que seu desenvolvimento emocionalfosse freado pela profisso, pela religio ou pelo papel que desempenhavamenquanto homens e mulheres. Se o suposto defensor da racionalidade po-dia se lamentar de suas perdas pessoais no prefcio de seus livros e em suas

    cartas, eles sentiam que tambm podiam expressar suas angstias.Dada a diversidade dos discpulos em toda a Europa e nas Amricas,no surpreende que tenha havido tenses entre eles e com Comte. Os disc-pulos se tornaram ciumentos uns dos outros, e a rivalidade para reter suaateno prejudicou o movimento, contrariando Comte profundamente. svezes, os discpulos tinham objees quanto aos aspectos da doutrina deComte, sua maneira de tratar as pessoas, como a esposa, e sua poltica.Comte raramente dava ouvidos e com frequncia respondia com insultos.Acusou Pierre Lafitte, por exemplo, que era um discpulo muito prximo,de ser preguioso e fraco. Comte era menos paciente com os discpulos queno lhe davam dinheiro para satisfazer suas necessidades ou que no acei-tavam totalmente sua religio. Eles eram, retomando suas prprias pala-vras, positivistas incompletos.30Comte era de fato o sumo pontfice.

    Em 1857, Comte comeou a sofrer de um inchao no estmago. Suador fsica era agravada por seus distrbios emocionais. Ficou furioso comum discpulo, Clestin de Blignires, que publicou um livro sobre o positi-vismo sem sua permisso. Queria constantemente ocupar uma posio decontrole. Sua arrogncia contribuiu para uma morte dolorosa: quando fi-cou doente, recusou a ajuda dos mdicos, mesmo dos que eram positivis-tas. Em setembro, morreu de cncer no estmago. Depois de sua morte, osdiscpulos se digladiaram com sua esposa por dcadas a respeito do testa-

    mento. Apesar de toda essa confuso que se assemelhava a um drama, opositivismo se tornou uma fora significativa no campo acadmico espe-cialmente na filosofia, na sociologia e na historiografia e no poltico, no

    30 Carta de Comte a Henry Dix Hutton, 27 de dezembro de 1853. In: Correspondance gnrale,v. 7,p. 156.

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    apenas na Frana como no mundo inteiro. Continuou tendo muitos senti-dos diferentes, como durante a vida de Comte. Conforme sugerido pelagrande especialista em Comte Annie Petit, houve e ainda h muitos positi-vismos.

    Meu trabalho demonstrou que tambm havia muitos Comte: o enge-nheiro, o reformador social, o amante frustrado, o poeta inspirado, o mora-lista rigoroso, o mdico, o papa e o devotado reformador religioso. Indiv-duo teatral, ele gostava de expor suas diferentes personalidades, comovrios de seus contemporneos romnticos. Ele amava o melodrama, que

    utilizou para analisar sua prpria vida. O segredo para escrever essa biogra-fia consistiu em no apenas permitir que essas mltiplas personalidades semostrassem, como tambm em assinalar o que havia de constante nos bas-tidores.

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    A converso de olhares:

    os intelectuais comunistas frente ao desafio

    Eduard Esteban Moreno Trujillo

    O inventamos, o perecemos compaero!(Jaime Caycedo1, 2011).

    O intelectual filho de seu tempo e s pode ser entendido como pro-duto das foras sociais, econmicas, culturais e polticas sob as quais age.Nesta perspectiva, o seguinte texto tem como propsito expor o processode configurao do intelectual comunista da Colmbia e seu papel comofuncionrio-intelectual, no marco da crise que originou a queda do socialis-mo real e doreexame da teoria marxista-leninista das dcadas de oitenta enoventa do sculo XX, alm de salientar as caractersticas que condiciona-ram seu agir no seio do partido e da sociedade.

    Para a realizao de tal propsito, sugiro a categoria de intelectual-funcionrio. Isto tem como objetivo ir alm dos clssicos olhares sobre ointelectual comunista como mero reprodutor acrtico do catecismo socia-lista2. Pelo contrrio, o que se pretende distinguir a imbricada contradioinserida no sujeito intelectual como uma constante em seu longo processode formao3, e que eu chamo de converso deolhares. Esta contradiotem seu fundamento na distino entre o intelectual como sujeito crtico eobjetivo, que utiliza as ideias para denunciar desapaixonadamente o poder,

    1Intelectual e secretrio-geral do PCC.2 Para o caso colombiano ver os trabalhos de Snchez (1995); Pizarro (1991); Meschkat (2009);

    Medina (2007); Delgado (2007, 2009). Na mesma linha, para o caso da Amrica Latina, otexto do mexicano Jorge Castaeda (1994).

    3 Ao falar do processo, no fao referncia a um processo que tenha um caminho demarcado eum fim ltimo. S pretendo enfatizar a constante reconstruo e reelaborao da figura dointelectual e tambm observar uma virada nas formas de leitura de mundo por parte dos inte-lectuais, mudana que corresponde rotura de seu campo.

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    e aquele sujeito membro do partido poltico fechado, que segue incondicio-nalmente as ordens do aparelho.

    Dessa maneira, distinguem-se dois momentos que moldaram a figu-ra do intelectual comunista na Colmbia durante as dcadas propostas ainda que se possa falar de diferentes caractersticas num mesmo perodode tempo: um primeiro perodo de contradio guiado pelo seguidismosilencioso, que se pode localizar entre 1985 e 1990, e um segundo momen-to, que tenho chamado de ressignificaoe que tem seu ponto de partida naassimilao do debate sobre a crise no seio do marxismo-leninismo e se

    estende at o final do sculo.

    1. O intelectual-funcionrio

    No marco de uma histria intelectual, assumir o intelectual comoprotagonista pode ser bvio e at parece absurdo formular uma dvida so-bre isso. No entanto, quando o historiador sai do mundo das representa-es e enfrenta as fontes (sejam quais so), as categorias saltam ao rosto ese tornam mais complexas do que se imaginava. Neste ponto, a categoriade intelectual (como qualquer outra) fica carregada de ambiguidade, e fa-zer uma histria sobre o intelectual torna-se problemtico.

    Neste contexto, pretendo propor uma leitura do intelectual confron-tado com os fatos, contrastar aquela objetividade que comumente se atri-bui ao intelectual com seu agir subjetivo na histria. Alm disso, com o fimde enriquecer a leitura sobre o intelectual, um ser que a priori extrema-mente ambguo4, este colocado num campo altamente politizado (o co-munismo) e num perodo de plena ruptura para tal campo (a perestroika).Por outro lado, o intelectual imerso nas lgicas da doutrina comunista, almde ser um sujeito construdo socioculturalmente (ZERMEO, 2003, p. 781-782) e estar dotado de uma representao de tipo poltico, adere a um ima-ginrio que preestabelece suas percepes sobre o mundo, afastando-o de

    4 importante advertir, seguindo Michael Lwy, que um intelectual um ser singular e difcil, jque el intelectual puede ser reclutado en todas las clases y capas de la sociedad; puede seraristcrata (Tolstoi), industrial (Owen), profesor (Hegel) o artesano (Proudhon). En otros tr-minos: los intelectuales no son una clase sino una categora social; igual que los burcratas ylos militares se definen por relacin con lo poltico, as los intelectuales se sitan por su relacincon la superestructura ideolgica (LWY, 1978, p. 17).

    MORENO TRUJILLO, E. E. A converso de olhares: os intelectuais comunistas frente ao desafio

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    Dos intelectuais na poltica poltica dos intelectuais

    uma capacidade de crtica total5. Mas ser que este posicionamento frente aum imaginrio que permitiu ao intelectual comunista agir, tanto dentro domundo das ideias como no mundo da ao, distancia-o do ser intelectualcomo sujeito crtico? Uma possvel resposta ser desenvolvida nas seguin-tes linhas.

    Para entender as formas de agir do intelectual comunista da Colm-bia nas dcadas de oitenta e noventa, ele deve ser assumido sob quatro pers-pectivas. Primeiro, como um sujeito mergulhado numa lgica global de umimaginrio; segundo, como um sujeito homogeneizador de ideias comre-

    lao sua organicidadefrente a um bloco

    histricoparticular; terceiro, comoum sujeito que responde a um conjunto de condies do espao social emque se encontra; e por ltimo, deve-se assumi-lo como um sujeito compro-metidocom uma cosmoviso de mundo particular.

    Segundo ohistoriador chileno Alfredo Riquelme (2009), ao falar dointelectual comunista inserido num imaginrio global, faz-se referncia aque o comunismo aparece para o intelectual como a revelao dos meiosnecessrios para alcanar um estado ideal de desenvolvimento humano.Nesse estado se sobrepe uma srie de crenas que consistem no caminhocorreto, nos meios necessriose em uma nica narrao correta, que levaro ahumanidade construo de um mundo ideal, um mundo sem classes. Noobstante, a aquisio dos meios para a mudana s se pode constituir se ointelectual assume uma funo determinada dentro da maquinaria do par-tido. Assim o diz Lnin e assim se enfatizou no seio do partido:

    [...] es necesario que los intelectuales repitan menos lo que ya nosotros sabe-mos y que nos den ms de lo que todava no sabemos por nuestra experien-cia fabril y econmica, o sea: conocimientos polticos. Estos conocimien-tos vosotros, los intelectuales, podis adquirirlos solos y tenis el deberdeproporcionrnoslo cien y mil veces ms [...] debis ofrecrnoslo no slo en

    5 Para este texto relaciono imaginriocom ideologia, j que aquele me permite compreender as

    formas como os intelectuais-funcionrios do PCC aderem s lgicas de um aparato doutrinalque em numerosas situaes os levou a justificar o injustificvel. Assim, concordo com o histo-riador chileno Alfredo Riquelme quando diz que [e]l uso de este concepto en la historiografase origina en el reconocimiento de que la vida de los individuos y los colectivos en la sociedadno se limita a las realidades materiales o tangibles, sino que comprende representaciones de smismos que desbordan el lmite puesto por la interaccin entre la experiencia y la argumenta-cin racional. El imaginario alude, de esta manera, a un vasto y complejo conjunto de repre-sentaciones que se constituyen en las esferas, no solo de las ideologas, sino tambin de lacultura y las mentalidades [] (RIQUELME, 2009, p. 42).

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    forma de razonamientos [...] sino indispensablemente en forma de denunciasvivas de todo cuanto nuestro gobierno y nuestras clases dominantes hacen[...] (LENIN, 1961, p. 103).

    Assim, o intelectual comunista colombiano entendido em sua posi-o como funcionrio, devido sua assimilao ao comunismo, apresenta-do na forma de verdades irrefutveis. Assim lembra o intelectual e funcio-nrio do Partido Comunista Colombiano (PCC) Carlos Lozano ao referir-se s lgicas de agir dos comunistas:

    [] estaba esa idea de que todo ya estaba dicho, de que todo estaba ya ago-tado, que