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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAJLIO DE MESQUITA FILHO Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara - SP

CAROLINA MARCHIORI BEZERRA

INOVAES TECNOLGICAS E A COMPLEXIDADE DO SISTEMA ECONMICO

ARARAQUARA SP 2009

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CAROLINA MARCHIORI BEZERRA

INOVAES TECNOLGICAS E A COMPLEXIDADE DO SISTEMA ECONMICO

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps Graduao em Economia da Faculdade de Cincias e Letras Unesp/Araraquara, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Economia. Linha de pesquisa: Teoria Econmica, Economia da Complexidade, Economia Evolucionista, Economia Neoschumpeteriana. Orientador: Prof. Dr. Eleutrio Fernando da Silva Prado Bolsa: CNPQ

ARARAQUARA SP2009

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CAROLINA MARCHIORI BEZERRA

INOVAES TECNOLGICAS E A COMPLEXIDADE DO SISTEMA ECONMICODissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps em Economia da Faculdade de Cincias e Letras UNESP/Araraquara, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Economia. Linha de pesquisa: Teoria Econmica, Economia da Complexidade, Economia Evolucionista, Economia Neoschumpeteriana. Orientador: Prof. Dr. Eleutrio Fernando da Silva Prado Bolsa: CNPQ Data da defesa: 27/11/2009 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Prof. Dr. Eleutrio Fernando da Silva Prado UNESP FCLAr

Membro Titular: Prof. Dr. Eduardo Strachman UNESP FCLAr

Membro Titular: Profa. Dra. Dimria Silva e Meirelles Universidade Presbiteriana Mackenzie UPM Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Cincias e Letras UNESP Campus de Araraquara

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Dedico esse trabalho a todos que me ajudaram.

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AGRADECIMENTOS

Ao lvaro Alves de Moura Jr., amigo e companheiro em todas as horas. Aos meus pais Francisco Bezerra e Marilda Marchiori. Aos meus irmos, Michel Marchiori e Jssica Marchiori. quele e quela que me fazem sorrir: Joo Victor Antunes e Beatriz Marchiori. A toda a minha famlia av, tias, tio, primos, primas, cunhadas, etc. minha sogra Mariza Moura e famlia. Ao meu amigo nessa luta, Fbio Pereira de Andrade e seus adorveis pais, Natalcia Andrade e Arlindo Andrade pelo apoio. Ao Professor orientador Dr. Eleutrio Prado. Aos Professores da UNESP, com agradecimentos mais que especiais e merecidos aos professores Jos Ricardo Fucidji e Eduardo Strachman. Agradeo toda a pacincia, dedicao e apoio tanto no que se refere s orientaes bastante enriquecedoras e valiosas quanto ao tcnico e emocional. Ao professor Mrio Bertella. Ao professor Gustavo Freitas. A professora Dimria por ter aceitado o convite de fazer parte dessa banca examinadora e pelas suas valiosas contribuies. A Cristina Dametto, secretria da ps-graduao e grande amiga nos tempos de Araraquara. s amigas Daniele Maggion e Gorete Rodrigues. E ao amigo Gunther Ogo. Ao colega de mestrado Rogrio Mauro. Ao amigo Sillas Souza, Mariana Ribeiro e Erich Ferreira. A todos que me ajudaram e eu por j estar bastante cansada esqueci-me de inserir nesses agradecimentos. O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPQ, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Brasil.

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ResumoO objetivo deste trabalho analisar como o processo de inovaes tecnolgicas tratado pela Teoria dos Sistemas Complexos. A abordagem neoclssica tradicional, ao partir de pressupostos bastante restritivos sobre os agentes e os mercados, no capaz de fornecer explicaes plausveis aos vrios problemas econmicos da vida real. Ao desconsiderar a dinmica dos fenmenos econmicos, essa abordagem foi incapaz de incorporar os aspectos do processo de inovao e mudana tecnolgica. A abordagem evolucionria, nesse sentido, ao considerar a racionalidade limitada, incerteza e heterogeneidade presente em ambientes que exibem inovao, foi capaz de fornecer um tratamento mais prximo da realidade. A inovao , ento, entendida como uma mudana descontnua que altera as condies estruturais gerando desenvolvimento, progresso e evoluo no sistema. J abordagem dos sistemas complexos, ao apresentar um arcabouo no reducionista e que se fundamenta sobre uma perspectiva evolucionria e sistmica, concebe a economia como um sistema composto por agentes heterogneos que interagem entre si. Apesar do ambiente de incerteza nas decises tomadas, os agentes procuram se adaptar s informaes recebidas do meio e se auto-organizarem gerando com isso novos padres de autoordenamento e estruturas emergentes. A modelagem, nesse sentido, tem por principal objetivo descobrir as propriedades emergentes resultantes da interao entre os agentes no sistema. Por fim chega-se a concluso de que as inovaes tecnolgicas apresentaram resultados mais satisfatrios e mais condizentes quando analisadas dentro dessa perspectiva agent-based. Palavras-chave: Inovao Tecnolgica. Path Dependence. Rotina. Economia Evolucionria. Economia da Complexidade. Heterogeneidade.

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AbstractThe purpose of this dissertation is to discuss how processes of technological innovation are analyzed by Complex Systems Theory. Traditional neoclassical approach is unable to provide plausible explanations of a number of real world economic issues, as it starts from very restrictive assumptions on agents and markets. By neglecting economic phenomena dynamics, it has been unable of comprehend some aspects of innovation and technical change processes under its purview. Evolutionary economics, by taking issues such as bounded rationality, uncertainty and heterogeneity in environments with innovation, has been better positioned to afford a closer-toreality treatment. In this approach, innovation is seen as a disruptive change that alters the systems structural conditions, generating development, progress, and evolution. Accordingly, the complex systems approach, by furnishing a non-reductionist framework and in being supported on an evolutionary and systemic perspective, conceives the economy as a system composed by interactions among heterogeneous agents. Nevertheless uncertainty in the decision-making process, yet the agents endeavors to adapt to information coming from the environment and to self-organize. In doing so, they generate new patterns of self-ordained emerging structures. Modeling techniques, in this sense, aim primarily to uncover emerging properties resulting from agents interaction in the system. The main conclusion is that technological innovations are more successfully and more cogently described when analyzed from this agent-based perspective. Keywords: Technological Innovation. Path Dependence. Routine. Evolutionary Economics. Complexity Economics. Heterogeneity.

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SUMRIO

Introduo ........................................................................................................................................ 9 1 A Abordagem Evolucionria como uma Alternativa ao Reducionismo da Microeconomia Tradicional ..................................................................................................................................... 12 1.1 A Teoria Neoclssica e sua Abordagem Reducionista ............................................................ 12 1.1.1 O Tratamento Neoclssico das Inovaes Tecnolgicas ...................................................... 18 1.2 A Teoria Evolucionria e sua Abordagem Sistmica .............................................................. 24 1.2.2 O Tratamento Evolucionrio das Inovaes Tecnolgicas .................................................. 29 1.2.3 Os Paradigmas Tecnolgicos ............................................................................................... 34 2 Os Sistemas Complexos ............................................................................................................. 41 2.1 Origens .................................................................................................................................... 41 2.2 Principais Caractersticas ......................................................................................................... 48 2.3 Instrumentos Tericos ............................................................................................................. 55 2.4 Economia Computacional........................................................................................................ 59 3 O Processo de Inovao Tecnolgica de uma Perspectiva agent-based .................................... 62 3.1 Propriedades do Processo de Inovao .................................................................................... 64 3.2 A Emergncia dos Fatos Estilizados ....................................................................................... 71 3.3 O Modelo de Concorrncia Schumpeteriana ........................................................................... 74 3.4 O Modelo Evolucionrio de Nelson e Winter e o Mtodo ABM ............................................ 81 Concluses ..................................................................................................................................... 88 Referncias .................................................................................................................................... 93

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Introduo

O interesse pelo tema proposto caminha no sentido de buscar entender o processo de inovao tecnolgica dentro de um sistema econmico que entendido como complexo. A opo por essa perspectiva tem como objetivo compreender o processo inovativo a partir de uma matriz terica distinta daquela desenvolvida pela microeconomia tradicional, que em virtude do seu carter de construo esttica, no capaz de incorporar propriedades da inovao tecnolgica e mudanas estruturais. Ao avaliar as principais premissas da teoria microeconmica tradicional, verifica-se que esta contm atributos os quais, de certa forma, comprometem o poder explicativo dos seus modelos, sobretudo aqueles que se remetem noo de equilbrio geral. De uma forma geral, esses modelos apresentam tanto um distanciamento da realidade por incorporarem caractersticas imaginrias dos atores sociais e dos mercados enquanto instituies, quanto um modo mecnico de apreender as interaes sociais. Em particular, no so capazes de levar em considerao a dinmica de fenmenos econmicos e a complexidade das interaes e relaes que se travam nessa esfera entre os agentes entre si e entre eles e o ambiente. em funo desses aspectos que alguns crticos classificam a teoria neoclssica como reducionista e sob essa perspectiva, o todo consiste na mera composio das suas partes constituintes, e este um ponto importante a ser aclarado mais a frente. Uma das principais conseqncias desse reducionismo a limitao da abordagem neoclssica tradicional em lidar com o processo de inovaes tecnolgicas1, fato que abriu espao para o desenvolvimento de modelos de inspirao schumpeteriana. Na obra de Schumpeter, a inovao passa a ser enxergada como a principal responsvel pela criao de diversidade e variedade no sistema, afastando o sistema das posies de equilbrio. A inovao ainda enxergada como sendo a principal responsvel pelo desenvolvimento econmico. Dando prosseguimento ao desenvolvimento dessas idias, a partir da atualizao e incorporao de novos elementos concepo de Schumpeter, a abordagem neo-schumpeteriana, tambm conhecida como evolucionria, apresenta-se como uma alternativa s deficincias imputadas abordagem neoclssica tradicional, uma vez que permite compreender a inovao,1

Segundo essa abordagem, as inovaes seriam incapazes de produzir grandes alteraes no sistema.

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isto , a introduo de novidades, como uma mudana descontnua que altera as condies estruturais e afasta a economia das posies de equilbrio. Cabe ressaltar que a abordagem neoschumpeteriana est mais interessada em explicar as diferentes propriedades do processo inovativo e como as diferentes combinaes dessas propriedades geram assimetrias entre os agentes. nesse contexto que a teoria dos sistemas complexos, ao apresentar um arcabouo no reducionista da anlise que se fundamenta sobre uma perspectiva evolucionria e sistmica, concebe a economia como um sistema adaptativo, complexo e que capaz de auto-organizao. Tornou-se, por isso, uma alternativa no campo da cincia econmica. Uma vez feitas essas consideraes iniciais, o presente trabalho pretende discutir em que se constituem esses sistemas complexos, e como as inovaes tecnolgicas so entendidas nesse arcabouo e ainda, como essa anlise pode contribuir para o avano da Economia. Para atingir o objetivo acima, o trabalho foi dividido em trs captulos alm dessa introduo e da parte conclusiva. No primeiro captulo so feitas algumas consideraes crticas s peculiaridades da microeconomia tradicional. Essa avaliao inicial visa identificar suas limitaes com o objetivo de verificar sob quais condies se d a introduo de uma nova perspectiva de anlise cujas principais caractersticas podem ser creditadas abordagem evolucionria. Diante disso, torna-se importante realizar um estudo do que se considera a origem dessas idias. Com isso pretende-se contrapor essas duas vises a partir do tratamento de ambas no plano dos indivduos e no plano agregado e tambm o tratamento de ambas acerca das inovaes tecnolgicas diante desse contexto. O segundo captulo tem por objetivo identificar as principais caractersticas dos sistemas complexos. Mais especificamente, pretende-se discutir as origens e os instrumentos tericos dessa abordagem para, finalmente, no terceiro captulo, tratar o processo de inovao tecnolgica dentro desse contexto a partir da avaliao e descrio de alguns modelos realizados nessa rea, os quais so em grande parte baseados no modelo de concorrncia schumpeteriana desenvolvido por Nelson e Winter ([1982]/2005). O pensamento e obra desses autores passaram a ser vistos como referncia para a abordagem evolucionria, oferecendo importantes contribuies, especialmente na esfera da mudana tecnolgica. O captulo discute ainda, de maneira mais detalhada, as hipteses do modelo de concorrncia schumpeteriana de Nelson e Winter ([1982]/2005), bem como os argumentos e

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observaes desenvolvidos por essa literatura podem ser aproximados do mtodo de modelagem baseada no agente dos sistemas complexos. A quarta e ltima seo ser composta pelas consideraes finais do trabalho.

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1 A Abordagem Evolucionria como uma Alternativa ao Reducionismo da Microeconomia Tradicional

1.1 A Teoria Neoclssica e sua Abordagem Reducionista

Esse captulo tem por objetivo realizar uma breve anlise crtica das principais peculiaridades da microeconomia tradicional, tambm conhecida como reducionista para, em seguida, verificar sob quais condies se d a introduo de uma nova perspectiva de anlise. Para Arnsperger e Varoufakis (2006), a economia neoclssica identificada a partir de trs axiomas principais, os quais so descritos como meta-axiomas: i) individualismo metodolgico, situao em que as explicaes scio-econmicas so procuradas no nvel dos indivduos constituintes e das relaes entre eles; ii) instrumentalismo metodolgico, que entendido como um meio de maximizao da preferncia que so dadas, correntes e completamente determinadas; e iii) equilbrio metodolgico. O domnio da abordagem neoclssica no mainstream econmico pode ser atribudo principalmente ao uso de suposies bastante restritivas, as quais conferiram a essa teoria uma relativa atratividade no trato dos problemas econmicos, uma vez que tais suposies ao exigirem simplificaes e abstraes, permitem a utilizao de modelos formalizados matematicamente. A microeconomia neoclssica ou reducionista baseia-se na teoria do equilbrio geral. Proposta originalmente por Leon Walras ([1874]/1996) e elaborada com maior rigor e sofisticao formal por Gerard Debreu (1959), Kenneth Arrow e Frank Hahn (1971) , ela est calcada nos pressupostos de mercados concorrenciais e de moeda neutra. Os agentes, ofertantes e demandantes de bens e servios so tomadores de preos (estabelecidos em um processo de tatonnement2) que maximizam suas utilidades, considerando os preos de todas as alternativas possveis. Esses preos, por sua vez, se ajustam em funo da demanda (determinada no ponto2

Esse processo consiste em um mecanismo de contratos virtuais sucessivos que determinam os preos de mercado. Se tais preos satisfizerem a condio de market clearing, isto , de que no exista excesso de demanda nos diversos mercados interdependentes, eles sero considerados preos de equilbrio e os contratos sero fechados. Se, por outro lado, houver excesso de demanda em algum mercado, haver a recontratao, isto , o mercado emite novos sinais de preos, aos quais os agentes se reajustam, calculando suas novas ofertas e demandas, at que o equilbrio seja atingido. Para ilustrar como o mercado emite novos sinais de preo, Walras usou a metfora de um leiloeiro.

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em que a relao utilidade marginal/preo equivalente para todas as mercadorias). A oferta e procura, vista como mera agregao, respectivamente, dos ofertantes e demandantes individuais, se igualam em todos os mercados. Segundo Prado (2006), possvel enxergar a microeconomia reducionista ou neoclssica atuando em dois nveis de anlise: uma no plano dos indivduos e outra no plano agregado. Partindo-se da anlise no plano dos indivduos, como visto anteriormente, a microeconomia reducionista adere ao individualismo metodolgico, situao em que as explicaes dos fatos econmicos ou sociais so construdas com base em suposies relativas ao indivduo, isto , so explicados em termos dos indivduos constituintes, ou ainda, so reduzidas ao plano dos indivduos. Nessa construo terica entendida como reducionista, a sociedade no exerce qualquer influncia sobre os indivduos, que so independentes entre si e definidos exclusivamente a partir das suas propriedades intrnsecas. Na procura de estabelecer conexes entre os indivduos e o todo, a abordagem reducionista considera que as propriedades globais so o resultado da mera agregao dos componentes individuais, isto , elas so extradas das aes dos indivduos, o que significa dizer que a estrutura, ou o todo, so sempre explicados em termos de suas partes constituintes, e so entendidos como [...] resultados gerados por meio de interaes que se somam, ou seja, como agregaes. (PRADO, 2006, p. 305). Nessa estrutura, qualquer propriedade econmica ou social aparece sempre como algo resultante das propriedades desses indivduos, que so atmicos3 e agem com racionalidade substantiva4. De acordo com o segundo axioma da teoria neoclssica o instrumentalismo metodolgico as decises tomadas nesse ambiente composto por agentes autodeterminados que possuem racionalidade perfeita e que agem na busca de obter o melhor resultado privado possvel, so maximizadoras. No existem problemas de informao crnica. Todas as deficincias de informao que a aparecem podem ser superadas a partir do uso do conceito de risco probabilstico, segundo o qual os resultados so conhecidos, tanto atravs do clculo a priori, como atravs das estatsticas da experincia passada. Assim sendo, o risco denota uma condio na qual os resultados e as suas

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Aqui, os indivduos que so pequenos em relao ao todo no so capazes de modificar as decises dos demais agentes. 4 Sob a noo de racionalidade substantiva de Simon: o conhecimento pleno, as expectativas so corretas e o resultado da ao certo (Prado, 2006).

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respectivas probabilidades de ocorrncia so sempre estabelecidos com antecedncia. Os agentes aqui so capazes de avaliar qualquer tipo de incerteza probabilisticamente, ou seja, so capazes de prever todos os resultados futuros e incertos, uma vez que seus objetivos e restries so conhecidos e dados. Para atingir esse objetivo, os agentes utilizam toda a informao disponvel no seu processo de decises, uma vez que so capazes de classific-las e comput-las. Isto lhes confere uma condio de no cometerem erros sistemticos na realizao das suas escolhas, dado que possuem um entendimento correto das suas conseqncias, o que significa dizer que conhecem todas as alternativas, de tal modo que, tomam a melhor deciso e no tm nenhum incentivo para mudar. Nesse ambiente, os agentes econmicos apenas se adaptam s pequenas mudanas que ocorrem no meio, as quais so consideradas contnuas e friccionais, o que garante a premissa de que no existe a possibilidade de produzir grandes alteraes no sistema econmico. No plano agregado, a teoria neoclssica procura entender as propriedades inerentes aos mercados. Esses, por sua vez, so capazes de promover estabilidade, de modo que as imperfeies e as falhas de mercado passam a ser consideradas apenas desvios que podem ser eliminados com medidas corretivas. Assim, quando os mercados esto em desequilbrio5, as prprias foras de mercado corrigiro automaticamente essa condio, utilizando-se, para tanto, do ajuste nos preos via processo de tatonnement. Nesse processo, o leiloeiro walrasiano tem uma funo significativa dado que o seu papel consiste em anunciar os preos do mercado aos agentes econmicos, de tal modo que essas informaes possam ser processadas e utilizadas para os seus planos de consumo e de produo. A economia assim tateia para uma posio de equilbrio em todos os mercados, e o leiloeiro age at que um vetor de preos de equilbrio seja atingido (KREPS, 1990). Em sntese, possvel dizer que os fenmenos agregados so explicados como equilbrios; e esses, por seu turno, so derivados dos axiomas que descrevem o que supostamente ocorre na mente dos indivduos substantivamente racionais, ou seja, otimizadores. Cabe realar que essa teoria sugere que, qualquer pequena perturbao que ocorra nesses mercados incapaz de tirar a economia do equilbrio. Ingrao e Israel (1990) apontam que a teoria do equilbrio geral, ao longo do sculo 20, ancorada no individualismo metodolgico e no mtodo axiomtico, manteve o ncleo5

Caracterizada por excesso de demanda e/ou oferta em um determinado mercado

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paradigmtico constante, e empreendeu um significativo esforo de formalizao matemtica, com o objetivo de corroborar os seguintes resultados: i) a existncia de equilbrio; ii) a unicidade desse equilbrio; e, iii) a estabilidade global do equilbrio. Esta construo terica tem sido objeto de diversas crticas, isso porque, apesar de alguns autores considerarem ter identificado algumas solues satisfatrias para os problemas relacionados existncia de equilbrio, a unicidade e a estabilidade ainda carecem de uma resposta mais consistente. Ingrao e Israel (1990) ressaltam que os trabalhos de Arrow e Debreu, baseados nas hipteses walrasianas, foram capazes de demonstrar a existncia de equilbrio geral, mas no que tange questo da unicidade do equilbrio, os autores consideram as solues existentes bastante divergentes, sendo algumas delas sem qualquer sentido econmico. Vale destacar que a unicidade do equilbrio s poderia ser demonstrada pela adoo de restries ad hoc, como a suposio de que a sociedade se comporta como se fosse um nico indivduo. Quanto questo relativa estabilidade global, os resultados alcanados tambm so bastante insatisfatrios e esto relacionados com a amplitude dos afastamentos do equilbrio, e com a ocorrncia ou no de processos cumulativos que promovam a divergncia ou a convergncia ao equilbrio. Disso segue que os equilbrios podem ser indeterminados e tambm instveis. Outra importante considerao a ser feita se refere s crticas dirigidas ao mercado de reivindicao contingente de Arrow-Debreu. Este considera que todas as escolhas de mercado so feitas de uma nica vez, colapsando o futuro no presente. Aqui, o problema de escolha dinmica reduzido a um problema esttico, e isso devido hiptese de racionalidade dos agentes, dado que segundo essa abordagem os agentes so capazes de prever os preos futuros (KREPS, 1990). Hahn (1981) aponta para algumas deficincias com relao a essa anlise, dentre elas: i) a no existncia de mercados futuros para todos os mercados; ii) a assimetria de informaes; iii) a possibilidade de trocas custosas. O autor considera ainda que a teoria do equilbrio geral, formulada com base em pressupostos bastante restritivos6 e fortes simplificaes e abstraes, s poderia ser aplicada em

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As condies necessrias para que se atinja so: 1) os mercados devem ser completos; 2) os agentes devem possuir informao perfeita; 3) os ofertantes e demandantes no podem afetar individualmente os preos; 4) os agentes tm que atuar racionalmente; 5) as preferncias devem ser contnuas; 6) as preferncias devem ser convexas; 7) os preos devem ser no negativos; 8) o conjunto das possibilidades de produo tem que ser contnuo; 9) o mesmo conjunto

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economias atomizadas, ou seja, em uma sociedade cujos agentes (demandantes e ofertantes) so to numerosos e pequenos em relao ao mercado, que no teriam nenhum poder sobre ele. Qualquer situao distinta dessa implicaria numa teoria inconsistente e incompleta7. Somado a isso, a hiptese de individualismo metodolgico e as explicaes dos fenmenos econmicos a partir dos indivduos resultam em grande simplificao e abstraes, uma vez que as partes devem ser consideradas como dadas. Para Hodgson (1999), apesar do recurso da reduo ser, algumas vezes, inevitvel, necessrio e desejvel, o completo reducionismo impossvel, uma vez que as partes se constituem e se condicionam. No mesmo sentido, Possas (1996) aponta que as suposies de preos flexveis, market clearing e a considerao de que as imperfeies ou falhas de mercados so consideradas apenas desvios de mercado, so suposies pouco realistas, uma vez que tais falhas so bastante freqentes no sistema econmico, motivo pelo qual deveriam ser reconhecidas. Verifica-se, para a abordagem neoclssica, que o problema econmico consiste apenas em selecionar os melhores nveis de produo e distribuio possveis, uma vez que os conjuntos de escolhas e tcnicas disponveis so conhecidos e dados. Ademais, o lucro decorrente desses nveis de produo, atua como um critrio de escolha entre essas alternativas8. Portanto, as firmas so vistas como operando de acordo com um conjunto de tcnicas e regras de deciso que refletem o seu comportamento maximizador. Entretanto, vale notar que esse carter esttico do modelo no capaz de incorporar uma funo para a inovao, bem como para mudanas estruturais. Disso segue que, diante de um quadro de inovaes, a hiptese de comportamento maximizador e equilbrio torna-se invivel, dando lugar aos pressupostos de desenvolvimento, progresso e evoluo. Ademais, de acordo com Nelson e Winter (1977), a metfora da maximizao dos modelos tradicionais sugerindo definio objetiva das alternativas e o conhecimento pleno de suas propriedades no capaz de tratar da gerao de inovao, uma vez

tem que ser convexo; 10) os rendimentos tm que ser decrescentes; 11) no podem haver economias de escala; 12) no podem haver externalidades na produo ou no consumo; e 13) todos bens tm que ser substitutos entre si (STRACHMAN, 2000). 7 Neste ponto vale a pena destacar que a descrio rigorosa da operao de uma economia estacionria por Schumpeter interpretada como um exerccio mental til para mostrar como seria uma economia de mercado capitalista se as mudanas revolucionrias dinmicas do desenvolvimento econmico estivessem ausentes. A prpria austeridade do modelo de fluxo circular justificada por Schumpeter com base no sugestivo corolrio de que os processos pulsantes da vida econmica no mundo real so melhor explicados por uma perspectiva explicitamente dinmica e evolucionria (Elliot, 1985, pp. 9-10). 8 De maneira geral, de acordo com essa abordagem, inventar ou fazer P&D so atividades cujos resultados podem ser previstos antecipadamente, de tal forma que no existe incerteza quanto s decises tomadas.

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que estabelece um grau fantasioso de inevitabilidade e preciso nas escolhas feitas (NELSON e WINTER, 1977). Diante de tais limitaes, essa questo da inovao tratada apenas de maneira secundria pela teoria ortodoxa, uma vez que a teoria reducionista no leva em considerao a incerteza em seus modelos, o carter irregular do avano tcnico e a diversidade das estratgias concorrenciais das firmas. Neste sentido, Arnsperger e Varoufakis (2006) consideram que a abordagem neoclssica vem sofrendo importantes e considerveis modificaes naqueles que foram considerados os seus meta-axiomas. Tais modificaes foram empreendidas com o objetivo de lidar com hipteses mais realistas, e cobrir certas lacunas oriundas de suas hipteses, que como j fora dito anteriormente, so consideradas simplificadoras, reducionistas e distantes da realidade. Assim, enquanto para os axiomas do individualismo e do instrumentalismo metodolgico foram verificadas modificaes importantes, a hiptese de equilbrio metodolgico permaneceu intacta. Alguns modelos neoclssicos mais atuais passaram a lidar com a existncia de diversidade entre os indivduos, abrindo mo da hiptese de indivduos quase idnticos suposto pela abordagem neoclssica tradicional. Alm disso, nesses novos modelos, a estrutura, ou o todo, passaram a ser entendidos dentro do seu contexto social, de tal forma que consideram que o indivduo atua sobre a sociedade, mas a sociedade tambm gera influncias sobre o indivduo. Em funo disso e em concordncia com Arnsperger e Varoufakis (2006), possvel afirmar que no mais correto identificar a economia neoclssica, a partir da hiptese de existncia de agentes perfeitamente racionais, uma vez que se verifica o surgimento de diversos modelos neoclssicos que passaram a lidar com as hipteses de informao imperfeita e racionalidade limitada, que por sua vez, se baseiam na premissa de que os indivduos no so capazes de captar e processar toda a informao disponvel. Entretanto, vale notar que apesar desses avanos verificados, os quais buscaram cobrir diversas lacunas oriundas de suas hipteses simplificadoras e reducionistas, os autores observam que esta teoria ainda continua sustentada e com fortes razes no individualismo metodolgico. Em alguns casos, a hiptese de maximizao de utilidade tambm sofreu afrouxamento, tendo em vista o fato de que a suposio de que os indivduos maximizam alguma funo de utilidade o tempo todo bastante restritiva. Conseqentemente, os indivduos passaram a ser

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modelados como se (as if)9 maximizassem suas utilidades. Arnsperger e Varoufakis (2006) apontam, ainda, para o distanciamento das hipteses de preferncias fixas e exgenas at ento consideradas e a aproximao, por parte de alguns economistas neoclssicos, de uma literatura das preferncias endgenas. Por fim, vale realar o papel que a Teoria dos Jogos passou a desempenhar na Teoria Econmica, dado que tais recursos permitiram algum avano em relao abordagem neoclssica tradicional. Isso porque, de maneira diferente da abordagem neoclssica tradicional em que as preferncias so separadas da estrutura de interao na qual os agentes esto envolvidos e esto ligadas apenas aos resultados, para a Teoria dos Jogos, os agentes formam convices sobre as expectativas dos outros, e estas dependem da estrutura social e histrica na qual est embutida (ARNSPERGER e VAROUFAKIS, 2006). Uma vez feita essa breve apresentao dos principais pontos crticos da Teoria Neoclssica, busca-se, na prxima seo, dar continuidade a esse trabalho, mais especificamente no que tange ao tratamento oferecido por essa teoria acerca do processo inovativo.

1.1.1 O Tratamento Neoclssico das Inovaes Tecnolgicas

A mudana tcnica foi inicialmente tratada pelos modelos neoclssicos tradicionais10 como uma varivel exgena, apresentando-se como o resultado no intencional das escolhas tomadas11. Tais modelos trabalham com as hipteses de retornos constantes de escala e concorrncia perfeita. A concorrncia perfeita est relacionada a um estado de equilbrio e no a um processo que leva mudana. Sob essa hiptese, os recursos so alocados de maneira9

Esse argumento as if foi proposto na literatura por Milton Friedman. A partir desse argumento o autor procura expor uma justificativa metodolgica para a utilizao dos pressupostos referentes ao comportamento dos agentes econmicos. utilizado como uma estratgia para a defesa da concepo neoclssica do comportamento racional. Nessa verso assume-se que as pessoas se comportam como se (as if) elas estivessem maximizando uma funo de utilidade. O autor argumenta que um certo dispositivo evolucionrio, isto , um certo mecanismo de seleo natural, age sobre os agentes, de modo a favorecer queles cujo comportamento seja similar ao proposto pela teoria neoclssica, isto , de modo a favorecer aqueles que agem como se dominassem os clculos necessrios. 10 O modelo de crescimento econmico desenvolvido por Solow (1956) apresenta-se como uma das principais representaes desse pensamento. 11 Como por exemplo: o aperfeioamento de habilidade dos consumidores, a realizao de P&D das empresas, entre outros (HIGACHI, 2006)

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eficiente e as firmas, que so idnticas, no so capazes de gerar mudanas nos produtos ou nos mtodos de produo. O progresso tcnico representado por um parmetro constante na funo de produo e, de acordo com essa abordagem, sua alterao reflete em deslocamento positivo da fronteira de possibilidade de produo. Considerando que a funo de produo descreve as possveis combinaes de insumos e como esses so transformados em produto, diante de um quadro de progresso tecnolgico, as diferentes tecnologias de produo iro gerar diferentes combinaes de insumos e, portanto, diferentes produtos e quantidades superiores quelas obtidas antes da implementao da inovao. Contudo, de acordo com essa abordagem, o progresso tcnico no representa uma varivel de deciso dos agentes econmicos, dado que tratado como uma varivel exgena que surge na economia automaticamente e que cresce a uma taxa exgena e constante. Alm do mais, a tecnologia tratada como um bem pblico puro, que se caracteriza por ser um bem no rival (o que significa que o seu consumo por um agente no impede o seu consumo por outro agente) e no-excludente (no h maneira de impedir o consumo do bem por parte de determinado agente). Diante de tais caractersticas, as firmas no possuem poder de mercado e no auferem lucros de monoplio como resultado de suas descobertas (ROMER, 1994). Aqui, as diferentes possibilidades tecnolgicas esto disponveis na economia para que as firmas possam escolher e orientar sua produo. Nesse ambiente, no existe incerteza e nem diferenas de opinio entre as firmas, uma vez que o conhecimento tcnico conhecido e est disponvel para todos, de tal forma que os seus resultados podem ser previstos antecipadamente. As inovaes, que representam as possibilidades de mudana nas condies de produo, so tratadas dentro de um contexto que considera que a racionalidade dos agentes perfeita e que as decises tomadas se do num contexto de conhecimento tambm perfeito de todas as possibilidades. Nesse sentido, o objetivo do produtor consiste apenas em identificar essas diferentes tecnologias de produo e escolher aquela que lhe permite maximizar o lucro. Para Nelson e Winter (1977, [1982]/2005), a abordagem neoclssica no adequada para tratar da questo da inovao, uma vez que o seu arcabouo terico, que parte de uma funo de produo bem comportada, que apenas descreve como os insumos so combinados para gerarem o produto, e que considera como dado o estoque de conhecimento, bastante limitado. Ademais, tal abordagem anula a existncia da incerteza inerente ao processo inovativo ao considerar que os

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agentes possuem conhecimento perfeito de todas as possibilidades e que, diante disso, tomaro decises racionais que no levam em considerao a diversidade de comportamento e, tampouco, a complexidade dos sistemas que envolvem o processo de inovao tecnolgica. Segundo Romer (1994), a anlise que enxerga a mudana tcnica como uma varivel exgena, se mostrou incapaz de explicar o crescimento verificado na produtividade dos trabalhadores e na renda per capita desde a Revoluo Industrial. Com isso, identificou-se a necessidade de se incorporar a mudana tcnica na funo de produo, o que faz com que esta passe a ser vista no mais como conseqncias de foras externas, mas como endgena ao sistema, o que significa dizer que as mudanas vm de dentro do sistema. O desenvolvimento dos modelos neoclssicos de crescimento endgeno pode ser entendido como um progressivo abandono das hipteses bsicas dos modelos neoclssicos tradicionais. Outra critica aos modelos em questo diz respeito suposio de convergncia de longo prazo nas taxas de crescimento entre pases pobres e ricos. A abordagem neoclssica padro, ao considerar a hiptese de rendimentos marginais decrescentes do capital, afirma que no longo prazo haveria uma convergncia entre a renda per capita dos pases, os quais tenderiam a um equilbrio estacionrio, j que segundo essa hiptese, os pases pobres cresceriam mais rpido, enquanto os pases ricos desacelerariam. Os modelos de crescimento endgeno abandonam a hiptese de rendimentos marginais decrescentes e passam a trabalhar com rendimentos marginais constantes ou crescentes. Diante disso, diversos estudos indicaram para evidncias empricas que refutam as assertivas anteriores de convergncia, dado que, entre outros fatores, diferentes pases possuem diferentes oportunidades tecnolgicas, que devem ser levadas em considerao. O desenvolvimento dos modelos neoclssicos de crescimento endgeno pode ser dividido em duas fases. A primeira se d a partir dos trabalhos de Romer (1986) e Lucas (1988), os quais passaram a desconsiderar tanto a hiptese de mudana tcnica como exgena ao sistema quanto a hiptese de rendimentos marginais decrescentes. Nesse sentido, h uma reconsiderao das tratativas acerca das avaliaes feita para diferentes pases, de modo que a proposio de convergncia entre os pases descartada (ROMER, 1994). Nessa primeira fase de modelos,[...] a tecnologia endogenamente proporcionada como um efeito no intencional de decises de investimento privado. Do ponto de vista dos usurios de tecnologia, ainda tratada como um bem pblico puro, assim como no

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modelo neoclssico. Como resultado, as firmas podem ser tratadas como price takers, podendo existir um equilbrio com muitas firmas (ROMER, 94, p. 14).

Esses modelos tambm partem do pressuposto de que a tecnologia est disponvel na economia e pode ser usada por todos os agentes, os quais tambm tm perfeita racionalidade, mas diferente dos primeiros, esses modelos colocam nfase no crescimento econmico como resultado endgeno do sistema econmico e no mais como resultado de foras exteriores ou exgenas. Para trabalhar com a hiptese de equilbrio competitivo em modelos que no exibem rendimentos decrescentes, Romer (1986) introduz a idia de externalidades do nvel de capital sobre a funo de produo. Isto , considera-se que os agentes, ao tomarem as suas decises, no sejam capazes de controlar as externalidades geradas no sistema. Desse modo, as outras firmas sero beneficiadas pelas melhoras implementadas pelas primeiras, evitando, dessa forma, que as firmas cresam infinitamente e garantindo assim, a manuteno da hiptese de equilbrio do sistema (FERREIRA e ELLERY, 1996, p. 94). Os modelos desenvolvidos na segunda fase12 viram a necessidade de rever a viso de carter pblico do progresso tcnico. Verificaram que diante de tal caracterstica, os inovadores seriam desestimulados de gerarem novas pesquisas e de proporem mudanas tecnolgicas. Destarte, necessrio considerar que a busca por novas tecnologias por parte dos agentes e firmas deve estar relacionada busca por vantagens financeiras, caso contrrio, esses no teriam incentivos para investir caso no pudessem recuperar os custos incorridos com a pesquisa e/ou caso no pudessem se apropriar dos seus ganhos. Diante da considerao de que preciso permitir que os agentes se apropriem de seus lucros a fim de terem incentivos para inovar, esses modelos viram a necessidade de abandonar a hiptese de concorrncia perfeita que pressupe a ocorrncia de lucro normal e passaram a trabalhar com modelos de equilbrio geral com monoplio puro, de tal forma que os lucros extraordinrios passam a existir e so auferidos pelos inovadores. Segundo Ferreira e Ellery (1996), tais posturas aproximam-se das idias de Schumpeter, que via no lucro de monoplio ocasionado pelo poder de mercado a verdadeira fora motivadora do processo inovativo. Consideram que:12

Esses modelos tm origem a partir dos trabalhos de Romer (1990), Grossman e Helpman (1991) e Aghion e Howitt (1992)

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[...] alguma forma de monoplio deve ser garantida aos inovadores para que eles tenham incentivo para investir em pesquisa, ou qualquer inovao seria imediatamente copiada e o lucro do inovador seria zero (FERREIRA e ELLERY,1996, p. 88).

Nessa segunda fase, os tericos desses modelos, deparam-se ento, com a necessidade de rever certos conceitos, bem como relaxar certas suposies. Diante disso, a tecnologia passa a ser vista como parcialmente excludente, situao em que os inovadores ao mesmo tempo se apropriam de parte desses resultados econmicos e tambm evitam que outras firmas ou agentes a consumam13, o que expressa uma verdadeira condio de incentivo para a realizao da atividade inovativa. Por outro lado, no se pode deixar de considerar que a gerao de novas tecnologias tambm suscita externalidades, dado que as firmas concorrentes so capazes de reconhecer as tcnicas lucrativas e aplic-las em seus processos atravs do processo de difuso tecnolgica. Esse tratamento da mudana tcnica como sendo uma varivel endgena ao sistema, e como determinante do crescimento econmico foi considerado, como visto anteriormente, tanto pelas novas abordagens neoclssicas14 como pela literatura evolucionista15, a qual destaca, sobretudo, a criatividade e o papel do empresrio no processo evolucionrio. Para Higachi et. al. (1999), os modelos neoclssicos e evolucionrios que colocam nfase na mudana tcnica endgena possuem alguns pontos em comum, mas tm outros diametralmente opostos. Segundo os autores, eles se aproximam quanto ao:[...] esforo de colocar o conhecimento, a inovao e os retornos crescentes como aspectos fundamentais de seus modelos [...], mas afastam-se [...] nas suposies sobre como os agentes se comportam, como o aprendizado toma lugar e como os mercados funcionam (p. 55).

Especificamente sob a noo de concorrncia schumpeteriana, os empresrios introduzem inovaes no sistema econmico gerando diversidade de produtos e processos com o objetivo de

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Um exemplo seria o sistema de patentes Dentre os principais autores, destacam-se: Romer, 1990; Grossman e Helpman, 1991 15 Higachi et al (1999) apontam trs classes de modelos evolucionistas que tratam a mudana tcnica endgena como determinante do crescimento econmico: os inspirados no modelo desenvolvido por Nelson e Winter (1982); os modelos de inspirao kaldorina e uma linha que resulta das duas anteriores e de uma extenso da dinmica no linear de Goodwin (1967).

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estabelecer vantagens sobre os seus concorrentes. E so essas diferenas de percepo dos empresrios quanto s diferentes tecnologias de produo disponveis que estabelecero as distines entre as firmas quanto s suas: tecnologias utilizadas; produtividade; e, lucratividade. Os autores neo-schumpeteriamos, inspirados na abordagem de Schumpeter acerca da dinmica capitalista, do prosseguimento a essa linha de pesquisa na qual a mudana tecnolgica tratada como endgena ao sistema e como a principal responsvel pelo crescimento econmico. Diante disso, o arcabouo terico desenvolvido pelos neo-schumpeterianos representa uma alternativa abordagem tradicional bastante importante para a construo de uma microeconomia alternativa. Nesses modelos, a inovao e a criatividade so apresentadas como as principais fontes de variedade dos sistemas. Disso segue que a abordagem evolucionria, ao partir de pressupostos no reducionistas, capaz de fornecer um tratamento mais prximo da realidade acerca da inovao tecnolgica e da mudana tcnica do que o apresentado pela teoria neoclssica do crescimento, de tal forma que se torna importante a sua anlise16. Segundo Possas (1989b, p. 159), os autores neo-schumpeterianos podem ser situados em dois grupos no rivais: os baseados nos trabalhos de Nelson e Winter ([1982]/2005), e que desenvolvem uma abordagem evolucionria; e uma segunda linha que originria da Universidade de Sussex, e que tem dentre seus expoentes Christopher Freeman, Carlota Perez, Keith Pavitt, Luc Soete e Giovanni Dosi. Os dois grupos de autores ou linhas de pensamento esto voltados, sobretudo para:[...] a anlise dos processos de gerao e difuso de novas tecnologias em sua natureza e impactos, destacando sua inter-relao com a dinmica industrial e a estrutura de mercados, neste ltimo caso inclusive lanando mo de modelos de simulao. O critrio metodolgico , aqui, o desequilbrio e a incerteza; o princpio terico, a concorrncia; o autor de referncia , evidentemente, Schumpeter (POSSAS, 1989b, p. 158).

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Entretanto, Hodgson (1999) aponta alguns problemas com a nfase exclusiva da inovao como sendo endgena ao sistema defendida por Schumpeter e tambm pelos diversos autores da abordagem evolucionria, na qual so enfatizadas as fontes de mudana de dentro e na qual so os empresrios que introduzem as inovaes no sistema econmico. Para o autor, tal considerao problemtica uma vez que a evoluo envolve tanto mudanas endgenas ao sistema como exgenas a ele e isto porque as inovaes no podem ser atribudas apenas s aes internas dos indivduos, mas tambm esto relacionadas s fontes de mudanas externas, pois [...] doenas e desastres naturais tambm podem afetar a evoluo econmica. Tambm so importantes os choques das instituies e sistemas, mais dramaticamente no caso de guerras e invases (p.144). Segundo o autor, seria mais relevante caracterizar tais sistemas como abertos ao invs de endgenos.

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Assim sendo, busca-se, na seo seguinte, levantar os principais pontos da discusso neoschumpeteriana da perspectiva dos modelos evolucionrios, cujas proposituras sustentam importantes fundamentos dos sistemas complexos, na qual a presente dissertao se basear para rediscutir a questo da inovao tecnolgica.

1.2 A Teoria Evolucionria e sua Abordagem Sistmica

Como j fora afirmado anteriormente, a teoria evolucionria da mudana econmica leva em considerao diversos aspectos da obra de Schumpeter. Dentre os elementos mais importantes da abordagem schumpeteriana ([1943]/1984) identificados como existentes nas abordagens evolucionistas esto: a sua nfase em aspectos de desequilbrio, dado que a inovao considerada um desvio do comportamento rotineiro e o outro aspecto diz respeito; definio de desenvolvimento econmico como a realizao de novas combinaes17, ou inovaes18 pelos empresrios, o que torna a mudana qualitativa e a gerao de variedade econmica fundamental para as alteraes na configurao do sistema econmico, o que condiz com a destruio criativa19. Tais inovaes geram efeitos cumulativos em todo o sistema, conduzindo toda a sociedade para um estgio mais avanado de desenvolvimento e isso porque as inovaes empreendidas por um grupo de empresrios influenciam as decises dos demais que, por sua vez, empenham-se em imitar os primeiros. Entretanto, essa possibilidade de imitao pelos demais concorrentes tambm far com que os lucros dos inovadores, decorrentes da implementao de inovaes sejam menores, uma vez que passar a ser dividido entre os concorrentes. A ocorrncia desse fato reduziria o incentivo que as empresas tm para inovar, o que tenderia a tornar o sistema automatizado e rotinizado. Desse modo, condies de apropriabilidade deveriam ser garantidas para que os agentes continuassem tendo incentivos para inovar.

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As inovaes constituem, em grande medida, na recombinao de materiais conceituais e fsicos que j existiam previamente. 18 Essas inovaes podem ser de novos produtos, novos processos de produo, novas fontes de matria-prima e novas formas de organizao industrial (Saviotti e Metcalfe, 1991). 19 Sob a noo de destruio criadora schumpeteriana, o novo supera o velho, isto , a estrutura econmica anterior destruda em favor da criao de uma nova estrutura que melhor do que a anterior.

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Nessa teoria, o crescimento econmico enxergado como um processo evolucionrio impulsionado pela mudana tecnolgica. So, portanto, os avanos tecnolgicos, considerados endgenos e idiossincrticos, que guiam o crescimento econmico. Nesta seo, antes de abordar a discusso mais diretamente relacionada mudana tecnolgica, so apresentadas algumas questes acerca do programa de pesquisa evolucionrio, tambm conhecido e denominado por alguns autores como no reducionista e sistmico. Note-se que as propriedades globais deixam de ser concebidas apenas como o resultado da agregao individual, passando a ser definidas tambm a partir das suas propriedades relacionais, sendo, portanto, entendidas como sistemas. Para Dosi e Winter (2003), dentre as caractersticas utilizadas para descrever as teorias evolucionistas da mudana econmica, a dinmica apresentada como um imperativo metodolgico compartilhado por todos os modelos. A teoria evolucionria, a partir da sua anlise dinmica, busca fornecer a explicao para importantes fenmenos ao longo do tempo. Tais fenmenos caracterizam-se pela manuteno e preservao de determinadas caractersticas do passado, o que significa dizer que as decises feitas no passado influenciam, em grande medida, as decises de hoje; mas tambm envolvem elementos puramente aleatrios, e que no so conhecidos pelos agentes, os quais, por sua vez, so responsveis pela gerao de variedade no sistema. Dentre as demais caractersticas que definem o programa de pesquisa evolucionrio, esto: 1) a considerao de que as teorias devem ser microfundamentadas no sentido de que devem estar baseadas em relatos realistas sobre os agentes; 2) a necessidade de incorporar aspectos especficos da realidade, uma vez que teorias que lidam com abstraes e omisses geram interpretaes erradas da realidade; 3) a hiptese de que os agentes possuem racionalidade limitada e, diante disso, interpretam de maneira imperfeita as informaes do ambiente; 4) a existncia de heterogeneidade entre os agentes, o qual decorrente desse entendimento imperfeito do ambiente, e que se apresenta como dependente da trajetria; 5) a capacidade dos agentes se adaptarem e descobrirem novas tecnologias e novas organizaes e, tambm, de adotar novos padres de comportamento, caracterizando um sistema que exibe novidade permanente; 6) as interaes coletivas dentro e fora dos mercados operam como mecanismos de seleo; 7) o resultado dessas interaes fora do equilbrio e do aprendizado heterogneo so fenmenos agregados caracterizados como propriedades emergentes; 8) as instituies e as formas

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organizacionais tambm apresentam propriedades emergentes, dado que tambm expressam um resultado no intencional das interaes coletivas fora do equilbrio e do aprendizado heterogneo; 9) as instituies, regras e formas organizacionais apresentam certas regularidades que diante disso, restringem e do forma ao processo evolucionrio (DOSI e WINTER, 2003, p. 387-388)20. Quanto ao ambiente evolucionrio, esse envolve um processo de aprendizado e descoberta imperfeita, o que conduz a uma adaptao sub-tima do meio. De maneira geral, o ambiente visto como um sistema complexo que passa por mutaes e carrega incerteza, mas que capaz de se adaptar e se auto-organizar. Contudo, o conjunto de escolhas no so conhecidos e dados como na abordagem reducionista21, de tal modo que as conseqncias das decises dos agentes tornamse desconhecidas. A capacidade computacional e cognitiva dos agentes, ao contrrio do que se pressupe na teoria neoclssica, que parte da hiptese de racionalidade perfeita, limitada e, portanto, as decises tomadas no podem ser consideradas maximizadoras, mas apenas satisfatrias. Portanto, a informao existe parcialmente, mas o agente, que possui informao imperfeita e est em um constante processo de mudana, no capaz de capt-la e process-la integralmente. Esses agentes, por outro lado, procuram quando possvel se adaptar s informaes recebidas do meio e a partir disso agem no sentido de buscar solues para os seus problemas. Mas cabe realar que essas solues no so perfeitas ou maximizadoras como no sentido neoclssico. Como aponta Prado (2006):[...] Nesse modo alternativo de pensamento microeconmico, as aes so pensadas como intencionais, mas elas tm sempre conseqncias no intencionais. Os agentes tm metas e procuram alcan-las, mas no so senhores auto-centrados no contexto da interao (p. 309).

Em decorrncia da incerteza do meio, os indivduos nessa abordagem so caracterizados como heterogneos, parcialmente cegos e dotados de racionalidade limitada. So ainda considerados como sendo seres mutveis e adaptativos que aprendem e alteram suas expectativas quando necessrio. Ademais, esses agentes, numa relao de reciprocidade com a sociedade20

Ou autores consideram, entretanto, que nem todos os modelos evolucionrios compartilham todos esses blocos de construo terica, mas limitam-se a considerao de apenas algumas delas. 21 O problema na abordagem reducionista consiste apenas em selecionar as melhores produo e distribuio possveis dentro do conjunto de alternativas.

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passam a ser, tambm, definidos por suas propriedades relacionais, alm daquelas intrnsecas a eles (PRADO, 2006). Diante disso, as propriedades globais para a teoria sistmica no podem ser obtidas por mera agregao das propriedades individuais, isto , elas no podem ser meramente reduzidas s propriedades das partes, dado que os agentes no so independentes uns dos outros, mas, por outro lado, encontram-se organizados pelas estruturas sociais e, diante disso, formam composies que tm propriedades emergentes, o que significa dizer que elas formam propriedades que emergem como resultado das aes e interaes desses indivduos e, portanto, apresentam resultados que so imprevisveis e no-aditivos. Os todos econmicos so conseqentemente [...] compreendidos como sistemas ou como composies globais, j que as interaes que os constituem, constituem em processo tambm os prprios agentes enquanto tais. (Prado, 2006, p. 305). Disso segue que o sistema, entendido como complexo, determinado pelo indivduo, mas esse sistema tambm determina em parte o comportamento desses indivduos, uma vez que as aes e decises que formam o todo geram conseqncias que retroagem sobre os indivduos. De acordo com Prado (2006), essa microeconomia denominada de sistmica e evolucionria mostrou-se incompatvel com o individualismo metodolgico e com as hipteses de maximizao da microeconomia reducionista, uma vez que a primeira:[...] exige que a explanao das propriedades macrossociais nesse campo do conhecimento seja remetida sempre sntese entre propriedades individuais e relacionais, j que exatamente isso que est implicado no conceito de sistema. Assim, o prprio comportamento individual explicado em funo de caractersticas psicolgicas, posicionais, interativas, etc do indivduo em sociedade, visto que nessa perspectiva, o indivduo sem a sociedade uma m abstrao (Prado, 2006, p. 310)

Para Hodgson, as [...] partes e todos, indivduos e instituies, mutuamente constituem e condicionam um ao outro, rejeitando teorias de nvel nico em que as explicaes de todos os fenmenos so empreendidas em termos de um tipo de unidade (1999, p.138). De maneira geral, possvel verificar, seguindo as proposies de Saviotti e Metcalfe (1991), que enquanto a teoria evolucionria est interessada no desenvolvimento de longo prazo e nas mudanas e descontinuidades geradas na estrutura econmica, a teoria ortodoxa est interessada nos estados de equilbrio e em movimentos de curto prazo, os quais representam

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deslocamentos temporrios em relao a posies estveis e, portanto, no enfatizam, ou enfatizam pouco, a discusso sobre mudana estrutural e descontinuidades. Segundo Hodgson (1999), a aproximao da economia com a biologia e as importantes contribuies da tradio de pesquisa biolgica oriundas do pensamento de Darwin e Lamarck foi capaz de afastar a abordagem evolucionria do paradigma mecanicista que domina o mainstream. Nos trabalhos desenvolvidos por Darwin e Lamarck, vale destacar a importncia dos conceitos de gentipo e fentipo. Enquanto o primeiro diz respeito configurao gentica incorporada na estrutura do DNA, o fentipo trata da configurao externa do organismo. Darwin considera que os organismos transferem suas configuraes genticas para as geraes futuras, entretanto, no transferem aquelas caractersticas adquiridas no ambiente, ou seja, seu fentipo. Pondera ainda que a mudana evolutiva ocorre devido a um processo de seleo natural no qual os indivduos mais bem adaptados (ou as firmas mais lucrativas) so selecionados e transmitem sua estrutura gentica aos descendentes, enquanto os menos adaptados tendem a ser eliminados. A abordagem de Lamarck, assim como a de Darwin, considera que os organismos so afetados pelo meio ambiente em que esto inseridos, e que a partir de alteraes desse meio, eles desenvolvem variaes para se adaptarem s novas condies. Mas, de maneira diferente das proposies darwinianas, considera que tais caractersticas, isto , tais adaptaes desenvolvidas a partir das mudanas no meio, podem ser transmitidas aos descendentes. Na abordagem evolucionria, os fenmenos econmicos, vistos como processos de mudana, no qual as capacidade e regras se modificam para se adequarem a novos eventos ou superar problemas so semelhantes ao processo de seleo natural da biologia. Em tal abordagem, as rotinas e as regras de deciso, por sua vez, desempenham uma funo similar aos genes e correspondem configurao gentica das firmas. E as mudanas econmicas realizadas por meio de buscas de novos processos e novos produtos por parte das firmas so semelhantes mutao gentica na biologia. Para essa abordagem, tanto a configurao gentica como as caractersticas adquiridas podem ser transmitidas (NELSON e WINTER [1982]/2005). Nas prximas sees, procura-se discutir o processo de mudana tcnica dentro dessa perspectiva evolucionria.

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1.2.2 O Tratamento Evolucionrio das Inovaes Tecnolgicas

Grande parte da dificuldade da abordagem neoclssica em lidar com os processos de mudana tecnolgica pode ser creditada, principalmente, ao carter esttico dessa teoria e, por conseguinte, considerao de situaes hipotticas de equilbrio. Outro fator limitante diz respeito hiptese do comportamento maximizador e de racionalidade perfeita, j que a incerteza que permeia as inovaes tecnolgicas, o carter irregular dessas mudanas e a diversidade de estratgias das firmas a torna irredutvel pura racionalidade (NELSON e WINTER, [1982]/2005). Como visto anteriormente, tais limitaes conferiram um tratamento apenas secundrio questo da inovao por parte dos tericos neoclssicos, e abriram espao para o desenvolvimento de modelos de inspirao schumpeteriana, tambm conhecidos como neoschumpeterianos ou evolucionrios, os quais se mostraram bastante apropriados para estudar contextos que envolvem novidade permanente. Os modelos neo-schumpeterianos ou evolucionrios, diferente dos primeiros, substituem a anlise esttica e a hiptese de equilbrio por uma anlise dinmica do processo e pela considerao de hipteses de desequilbrio em que as estruturas se desenvolvem ao longo do tempo. Substituem, ainda, a hiptese de comportamento racional e maximizador pela noo de incerteza. Alm do mais, o progresso tcnico passa a ser enxergado como um instrumento de competio e como a principal fonte de crescimento e mudana estrutural numa economia, pois, de acordo com os evolucionrios, as tecnologias e as estruturas industriais no esto delineadas como proposto pela abordagem neoclssica tradicional, segundo a qual a partir da existncia de um estoque de conhecimento tecnolgico, as firmas facilmente avaliam, utilizam e reproduzem uma determinada tecnologia. De maneira diferente, essa abordagem considera que a tecnologia e as estruturas industriais esto sempre se desenvolvendo, e tal dinmica o resultado do comportamento diferenciado das firmas, as quais podem apresentar caractersticas bastante especificas e particulares22.

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Esse carter especfico e particular relativo ao conhecimento lhe atribudo tanto em funo dos seus aspectos tcitos com tambm em funo do uso de mecanismos de proteo de segredos e dispositivos legais como as patentes.

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As firmas, nesse sentido, tomam como base um conhecimento que est disponvel; e que de carter pblico23; e, que compartilhado por todos os agentes envolvidos. Mas, tambm procuram, a partir de novas buscas24, melhorar e diferenciar seus procedimentos e estratgias, apresentando com isso diferentes formas de utilizao dessas tecnologias no seu interior, fator que as distinguem dos seus concorrentes e gera variaes e evoluo no sistema. Alm disso, parte-se do pressuposto de que a inovao, para a perspectiva evolucionria, caracteriza-se por envolver variedade, complexidade institucional, incerteza e diversidade de opinio dos indivduos e organizaes, que tendero a formar opinies diferentes com relao s polticas de P&D. Ambientes que exibem inovao apresentam-se, portanto, em um contnuo estado de desequilbrio, pois o processo de busca realizado pela firma a fim de introduzir inovaes de processo e produto pode gerar diferentes reaes no mercado. E essas diferentes reaes podem ser tanto no que diz respeito atuao dos seus concorrentes, uma vez que as conseqncias da criatividade humana e da mudana estrutural no predeterminada podero ou no se limitar ao seu mercado, quanto no que se refere s respostas da sua demanda, dado que os consumidores podem apresentar diferentes avaliaes sobre as caractersticas tecnolgicas, afastando o sistema das posies de equilbrio. Mas, mesmo atuando fora do equilbrio, as firmas so vistas como sendo capazes de se adaptar s mudanas e esto numa constante busca por novas estratgias, a fim de auferirem lucros maiores. Ao considerar que a introduo de inovaes envolve a soluo de problemas tecnoeconmicos, no qual as conseqncias das aes presentes no podem ser plenamente antecipadas, pois dependem de acontecimentos e decises que esto fora do seu alcance, a abordagem evolucionria abandona a hiptese de racionalidade perfeita. Nessa abordagem, as decises empresariais so, de maneira diferente, tomadas em um ambiente de incerteza para os agentes envolvidos, bem como para aqueles que so afetados pelo comportamento dos primeiros e, portanto, no podem ser baseadas em critrios de maximizao de um objetivo bem definido sob condies plenamente delineadas, uma vez que as firmas no tm acesso livre e imediato a um nmero irrestrito de atividades produtivas e tampouco todos os

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So exemplos as publicaes cientficas e tcnicas. De acordo com Nelson e Winter ([1982]/2005, p. 359), dentre as caractersticas que distinguem o processo de busca, esto: i) a irreversibilidade; ii) seu carter contingente e dependncia do que est para ser encontrado e; iii) sua incerteza fundamental.

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processos esto sob o seu controle, passando a depender tambm das aes e decises tomadas pelos outros agentes. Nelson e Winter (1977) partem do princpio de que as firmas procuram se comportar racionalmente, mas esse comportamento no deve ser traduzido em comportamento racional e maximizador da teoria microeconmica tradicional. Essa racionalidade, por outro lado, est relacionada ao conceito de meio de seleo, o qual determina como o uso relativo de diferentes tecnologias se modifica ao longo do tempo. O comportamento dos agentes, nesse sentido, determinado por um processo de seleo, que, por sua vez, determina a direo da dinmica, sendo representado de maneira procedimental e no por um clculo de otimizao. Desta feita, as escolhas passam ento a ser expressas por meio de rotinas, que guiam e direcionam o comportamento da empresa na tomada de decises, desempenhando um importante papel como memria organizacional. Desse modo, esperado que as firmas se comportem no futuro de acordo com as rotinas que empregaram no passado. O termo rotina25 foi usado por Nelson e Winter ([1982]/2005) para se referirem aos padres comportamentais, em certa medida, regulares e previsveis. Diferente da abordagem ortodoxa que trata as tcnicas produtivas disponveis como conhecidas e dadas pelo mercado e, tambm, como sendo as melhores tcnicas que maximizam o lucro da empresa, para a teoria evolucionria as tcnicas produtivas refletem as rotinas, as quais direcionam as aes de uma empresa na tomada de decises e as simplificam. Elas ainda reduzem o nmero de variveis envolvidas e o custo no processamento, simplificando o clculo envolvido e o processo de gerenciamento das decises. Nelson e Winter ([1982]/2005) distinguem trs classes de rotinas: i) as rotinas que governam o comportamento do curto prazo e que no podem ser rapidamente alteradas, que so conhecidas como caractersticas organizacionais; ii) as rotinas relacionadas aos fatores de produo fixos no curto prazo, isto , o estoque de capital da firma, e que determinam o comportamento de investimento, e; iii) as rotinas que modificam as caractersticas operacionais, que por sua vez, determinam como e quanto a firma produz sob vrias circunstncias. A conjuno desses fatores faz com que a prtica, a repetio e os melhoramentos incrementais das25

Segundo Nelson e Winter ([1982]/2005), as rotinas incluem caractersticas das firmas que variam de rotinas tcnicas bem especificadas para a produo de coisas, procedimentos para contrataes e demisses, encomendas de novos estoques, ou aumentar a produo de itens de alta demanda, at as polticas relativas ao investimento, pesquisa e desenvolvimento (P&D) ou publicidade e estratgias empresariais relativas diversificao da produo e ao investimento no exterior (p. 32-33).

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rotinas tornem as firmas mais efetivas na explorao das oportunidades tecnolgicas, o que acentua sua habilidade e seus conhecimentos especficos e eleva a sua eficincia organizacional. Nesse ambiente de conhecimento imperfeito, as diversas firmas heterogneas se empenham em aprimorar e diversificar a base tecnolgica existente e, portanto, modificar as rotinas prevalecentes atravs da busca26 por novos processos, novos produtos e novas formas organizacionais, com o objetivo de aperfeioar essas tcnicas e, a partir disso, extrair benefcios econmicos dessas inovaes27. As firmas que operam em diversos segmentos econmicos esto expostas a diferentes ambientes tecnolgicos, segundo os quais algumas propriedades determinam o processo de busca inovativa. So elas: i) oportunidades tecnolgicas, ii) apropriabilidade tecnolgica, iii) cumulatividade do conhecimento tecnolgico; e, iv) natureza do conhecimento base (DOSI, 1988b). As diferentes especificidades e magnitudes dessas propriedades so, em parte, responsveis pelas diferenas inter e intra-setoriais. Quanto ao comprometimento de recursos com o processo de busca inovativa, este , em parte, feito a partir da percepo por parte dos agentes da existncia de diferentes oportunidades tecnolgicas, as quais exibem caractersticas irreversveis, especficas, cumulativas e dependentes da trajetria. feito, ainda, a partir da percepo dos diferentes incentivos para a inovao em termos de retornos econmicos esperados e, tambm, em funo da percepo das diferentes oportunidades econmicas (DOSI, 1988b). As diferentes condies de oportunidades tecnolgicas esto diretamente relacionadas com o desempenho das firmas, pois quanto maiores forem essas oportunidades, melhores sero as possibilidades de aprendizado tecnolgico e maiores sero as presses sobre as firmas atrasadas. Este o processo de seleo que se estabelece e tende a gerar estruturas industriais bastante concentradas. Mas como assinala Dosi (1988b, 1160),A oportunidade apenas uma condio necessria, mas no suficiente, para a explorao tecnolgica concreta. [...] E [...] sua explorao efetiva pelas empresas privadas depender de fatores como as condies de apropriabilidade e tambm das variveis de mercado, tais como o tamanho do mercado, a elasticidade da demanda em relao ao preo e s mudanas na qualidade, e o grau de concentrao industrial.26 27

No modelo de Nelson e Winter ([1982]/2005) as buscas foram tratadas como P&D. As inovaes consistem, em grande parte, em novas combinaes de rotinas j existentes.

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A apropriabilidade, nesse sentido, apresenta-se como uma propriedade do conhecimento tecnolgico que viabiliza as inovaes e as protege em graus variados das imitaes dos seus concorrentes, garantindo os benefcios econmicos acumulados. As condies de apropriabilidade podem variar significativamente entre as indstrias e entre as tecnologias. A apropriabilidade ser baixa em condies em que o conhecimento facilmente difundido e de fcil acesso. Nesses casos, as firmas imitadoras encontraro facilidade em descobrir e duplicar os empreendimentos de uma firma inovadora. Em condies como essas, isto , na falta de condies satisfatrias de apropriabilidade, as empresas teriam pouco incentivo para investir em inovao. Por outro lado, a apropriabilidade ser alta quanto maior for a dificuldade de imitao, isto , quanto maior for a capacidade da firma inovadora proteger a sua inovao. Nesses casos, apenas uma parte dos benefcios da inovao sero espalhados pelo sistema econmico. De maneira geral, possvel dizer que a existncia dessas condies de apropriabilidade acaba por motivar os agentes a explorarem novas oportunidades tecnolgicas. Os diferentes graus de proteo das inovaes tambm apresentam caractersticas bastante divergentes entre as indstrias e entre as tecnologias e, portanto, apresentam-se como um fator importante para explicar a varincia entre as mesmas. Outro fator que determina o processo de inovao a cumulatividade. Quanto maior a cumulatividade do progresso tcnico, maiores sero as possibilidades de avanos tecnolgicos. Verifica-se que o processo de busca composto tanto por elementos estocsticos ou aleatrios, como pelo conhecimento existente no ambiente em que a firma opera. E essa natureza do conhecimento cumulativo permite que as firmas utilizem a informao disponvel no mercado com o objetivo de anteciparem algumas mudanas que ocorrem no ambiente de seleo. Essas variedades criadas no ambiente podero ser transmitidas s geraes futuras e, diante disso, as organizaes e tecnologias tendero a mostrar continuidade no tempo28, de modo que as realizaes futuras estaro em grande parte relacionadas com o que fora feito no passado. As firmas, entendidas como agentes que acumulam capacidades organizacionais, herdam a habilidade de implementar transformaes produtivas, incorporadas em regras e rotinas. Nesse contexto, as rotinas que funcionam como ordenadores de informao e dispositivos para armazenamento de conhecimento so vistas como hereditrias e selecionveis. Elas so28

nesse sentido que se diz que o comportamento (ou conhecimento) irreversvel e dependente da trajetria.

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hereditrias porque o conhecimento presente nas rotinas no descartado a partir da busca de novos conhecimentos, mas , por outro lado, acumulado e estocado na memria da firma, formando uma base de conhecimento que determina as buscas futuras. As rotinas tambm so selecionveis, pois por meio do processo de seleo que as tecnologias e estratgias que se mostrarem melhores em termos de lucratividade e participao de mercado sero escolhidas ou ento mantidas, e influenciaro o processo de mudana tcnica, enquanto aquelas que se mostrarem inferiores sero descartadas ou alteradas. Cabe lembrar que a motivao pela obteno de lucros maiores e mais espao no mercado que faz com que as firmas sejam estimuladas a introduzir novas mudanas no sistema, isto , faz com que sejam estimuladas a empreender novos processos de busca. O processo de seleo, nesse contexto, representa, portanto, o mecanismo de validao e redirecionamento dos processos e resultados da busca. Vale notar que nesse ambiente a inovao submetida tanto a um processo de seleo interna, que realizado no interior da firma, mas tambm a um processo de seleo externa, que dado pelo ambiente de competio do mercado e, portanto, pela capacidade da firma se destacar frente aos seus demandantes e rivais. Em resumo, a atividade inovadora para a teoria evolucionria pode ser vista como um constante processo de busca, descoberta, experimentao, desenvolvimento, imitao dos resultados alcanados pelas outras firmas, e adoo de novos produtos, novos processos e nova organizao que visam melhorar as tcnicas existentes (DOSI, 1988d). Esses processos inovativos, por sua vez, ocorrem a partir de formas e procedimentos que transformam ou criam novas atividades, isto , novas rotinas. Em funo disso, as firmas inovadoras desenvolvem um conjunto de aes cujas tarefas passam a ser determinadas por procedimentos rotineiros os quais, por sua vez, so responsveis pela determinao dos paradigmas tecnolgicos.

1.2.3 Os Paradigmas Tecnolgicos

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Os paradigmas tecnolgicos29 constituem num padro de solues de diversos problemas tecnolgicos especficos, e que so compartilhados pelas firmas, contendo indicaes de quais direes as mudanas tecnolgicas devem tomar e quais evitar30. Os paradigmas guiam as buscas e definem, sobretudo, as necessidades que devem ser sanadas; o conhecimento cientfico a ser utilizado na tarefa e tambm o material tecnolgico a ser empregado. Portanto, os paradigmas tecnolgicos definem as oportunidades tecnolgicas31 para inovaes subseqentes, bem como os procedimentos necessrios para explor-las, conduzindo os esforos para certas direes em detrimento de outras (DOSI, 1988d). Esse padro de soluo de problemas est baseado em experincias passadas que so acumuladas ao longo do tempo, e tambm na base de conhecimento formal existente32. Esta oferece indicaes segundo as quais os inventores podem se basear e conduz ao uso mais eficiente dos recursos destinados s atividades inovativas. Eis que essas atividades se apresentam como atividades fortemente seletivas, finalizadas em direes precisas e geralmente cumulativa na aquisio de capacitaes para a soluo de problemas, o que a afasta do conceito de tecnologia como informao, a qual facilmente reproduzida e reutilizada e que est livremente disponvel (carter pblico). Mas vale notar, alm das experincias passadas, que os paradigmas tambm envolvem capacitaes que so especficas aos inventores, e que dependem de uma base de conhecimento privado e de caractersticas particulares, alm das competncias tcitas presentes no interior de cada firma e que no so facilmente copiadas (DOSI, 1988b). De acordo com a presente perspectiva, o progresso tcnico inerente a um paradigma tecnolgico, e a direo tomada pelo desenvolvimento tecnolgico segue uma trajetria

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O conceito de paradigmas tecnolgicos proposto pelos neo-schumpeterianos surge como uma tentativa de solucionar as limitaes das concepes tericas demand pull e technology push proposta pela teoria econmica convencional segundo os quais as inovaes so tratadas como um elemento exgeno ao sistema econmico. Enquanto para a noo demand pull a mudana tcnica determinada pelas foras do mercado, apresentando-se como um processo passivo e reativo, para a noo technology push a prpria trajetria da tecnologia, isto , so os avanos cientficos e as atividades de P&D industriais que conduzem ao progresso tcnico. Para os autores neoschumpeterianos, as duas teorias falham ao tentar explicar a mudana tcnica e a inovao, pois no consideram que a inovao se apresenta como um processo simplesmente reativo, uma vez que as firmas esto sempre buscando melhorar suas tecnologias, independente dos sinais de mercado. 30 O conceito de paradigma tecnolgico est prximo da definio de paradigma cientfico de Thomas Kunh, j que ambos dizem respeito a uma viso de definio de problemas ou a um padro de investigao. 31 Vale notar que os diferentes paradigmas tecnolgicos implicam em diferentes oportunidades para a inovao. 32 Este conhecimento pode assumir caracterstica privada, pblica, codificada, simples, no-padronizada, independente, especfico, complexo, dependente, tcito, etc.

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tecnolgica que, por sua vez, constitui-se no modo de formular e solucionar determinados problemas tecno-econmicos dentro do paradigma tecnolgico. Essas trajetrias tecnolgicas tendem a exibir continuidade ao longo do tempo (pathdependent), pois as firmas so condicionadas pelas escolhas feitas no passado. Nesse sentido, as firmas tendem a continuar em uma determinada direo de busca, acentuando suas habilidades e conhecimentos especficos naquela atividade e auferindo retornos crescentes. Entretanto, quando a explorao das oportunidades no paradigma existente se torna decrescente e seus custos tornam-se elevados, novos avanos na cincia e tecnologia determinaro o aparecimento de novos paradigmas. A comparao e a escolha entre diferentes paradigmas tecnolgicos no envolve apenas critrios objetivos, mas est, por outro lado, carregada de incerteza, uma vez que as consequncias das atividades inovativas no so conhecidas com antecedncia, e tambm porque as empresas no conhecem todas as alternativas disponveis. Essa seleo ou escolha, isto , o estabelecimento de um paradigma tecnolgico, depender, dentre outros fatores: das instituies que relacionam as pesquisas s aplicaes econmicas; de fatores estritamente institucionais; de mecanismos de tentativa e erro; e, ainda; dos mecanismos de seleo via mercado (DOSI, 1988b, p.1136-1137). Diante da emergncia de novos paradigmas, novos padres de oportunidades de progresso tcnico sero gerados nesse sistema, e tal efeito se espalhar para outras firmas e setores que se beneficiaro dos avanos conquistados pelos primeiros, uma vez que sero geradas externalidades33 tecnolgicas em todo o sistema econmico. Alm disso, segundo Dosi (1988b), a emergncia de novos paradigmas e a difuso de seus efeitos sobre a economia afasta as economias continuamente dos estados estacionrios e evita o estabelecimento de retornos decrescentes no processo de busca por inovaes. Apesar desse ambiente de incerteza nas decises tomadas, os autores evolucionrios consideram que alguns aspectos, especificamente o tamanho da empresa, ou a existncia dos paradigmas tecnolgicos, podem contribuir para aplainar tais problemas, ou seja, so capazes de reduzir o grau de incerteza dos inovadores.

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Tais externalidades so geradas via fluxo insumo/produto e via complementaridades tecnolgicas.

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Em linhas gerais possvel afirmar que a introduo de um paradigma tecnolgico permite reduzir a incerteza fundamental34 que envolve o processo de busca pela inovao, dado que possibilita grandes incrementos nas capacidades de aprendizado das organizaes empresariais na medida em que focaliza as direes das buscas e tambm auxilia na predio das atividades inovadoras. Nesse sentido, possvel afirmar que os paradigmas tecnolgicos guardam uma estreita relao com as instituies, uma vez que estes so reproduzidos ao longo do tempo por meio do desenvolvimento dessas (DOSI, 1988b). Entretanto, a base de conhecimento pr-existente e a capacidade de prever eventos35 no so consideradas perfeitas, mas se caracterizam por ser incompletas, dado que so limitadas em sua cobertura, e tambm porque as buscas realizadas pelas firmas esto sempre se alterando, o que afeta a avaliao das demais firmas e gera assimetrias entre elas (SAVIOTTI e METCALFE, 1991). Nesse sentido, os paradigmas e as trajetrias tecnolgicas tambm podero apresentar diferentes nveis de generalidade e caractersticas bastante distintas entre as diversas firmas e setores industriais, e isso porque a base de conhecimento existente possui um carter pblico e universal, mas tambm possui um carter privado, parcialmente tcito e especfico, o que significa que parte do conhecimento cientfico desenvolvido internamente e que, portanto, no pode ser inteiramente difundido36. Portanto, so os diferentes incentivos especficos a cada firma ou setor, isto , as diferentes condies de oportunidade e apropriabilidade, juntamente com as caractersticas especficas do conhecimento tecnolgico, de natureza local e cumulativa e com os diferentes procedimentos de busca37 que explicam as direes do avano tecnolgico e, portanto, a variedade ou os diferentes padres de tecnologia observados nas diversas firmas e setores (DOSI, 1988b).

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Segundo Dequech (1998), incerteza fundamental caracterizada pela possibilidade de criatividade e mudana estrutural no pr-determinada. 35 Vale notar que esses mecanismos de aprendizado podem, no entanto, limitar as buscas das firmas, o que a conduz a uma inrcia e resulta na adaptao imperfeita da firma. 36 Isso no significa, entretanto, que essas formas de conhecimento sejam inteiramente imveis e que no possam ser difundidas. Apesar da sua natureza local, cumulativa e especfica, a atividade inovativa ou a informao pode se difundir. Entretanto, como assinala Dosi (1988b), a habilidade de replicar os resultados inovativos bem mais rgida. 37 Segundo Dosi (1988b) enquanto para algumas tecnologias, a inovao envolve pesquisas em laboratrio de P&D e diversos testes, para outras ela mais informal e envolve melhoras incrementais nos projetos, sendo que nem sempre percebida como resultado de investimento em P&D.

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Alm disso, as assimetrias geradas como o resultado do sucesso de inovaes bem sucedidas permitiro que as firmas se tornem mais competitivas do que as suas concorrentes, pois quanto maiores forem essas assimetrias entre as firmas, maiores sero as oportunidades dos lderes tecnolgicos modificarem a estrutura industrial em seu favor e melhorarem o seu desempenho setorial (DOSI, 1988b). Segundo Dosi, cada paradigma tecnolgico (1988b, p. 1131):[...] incorpora uma combinao especfica de determinantes exgenos da inovao (e.g. os avanos universitrios na cincia pura) e determinantes que so endgenos ao processo de concorrncia e de acumulao tecnolgica de firmas e indstrias particulares. Mais do que isso, cada paradigma envolve modos de busca, bases de conhecimento e combinaes entre as formas de conhecimento tecnolgico pblicas e privadas, que so muito especficos.

E so esses diferentes processos de busca, comportamento e estratgia entre as firmas as explicaes para as diferenas de desempenho entre elas, assim como a sua capacidade de crescimento, ilustradas por sua parcela de mercado (market share), sua lucratividade e sua probabilidade de sobrevivncia. Diante disso, as firmas que utilizam as estratgias mais bem adaptadas iro crescer e aumentar a sua participao na economia, enquanto as empresas defasadas se empenharo em imitar as primeiras. Vale lembrar que os processos de inovao so determinados pela prpria trajetria natural da tecnologia, atravs da busca de novas oportunidades e pelas condies de apropriabilidade. So influenciados tambm pelos mecanismos de mercado, isto , pelo julgamento do ambiente de mercado, ou, demanda de mercado, expresso na expectativa das empresas sobre o comportamento das vendas e da rentabilidade. Esses mecanismos indutores determinados pelo mercado respondem pelos diferentes graus de comprometimentos das empresas privadas com a gerao de inovao, e so bastante relevantes na definio da busca por novos produtos e novas tcnicas de produo. E diante de mudanas nas condies de mercado, as empresas so normalmente estimuladas a buscar novos produtos e novas formas de fazer as coisas. Segundo Dosi (1988b), esses fatores, isto , as diferentes condies de oportunidade e apropriabilidade,

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[...] juntamente com as condies que comandam a concorrncia de mercado (e.g. os vrios outros tipos de barreiras entrada, escala mnima necessria, as dificuldades para fracionar ou ampliar mercados tanto domsticos quanto externos, na elasticidade preo ou qualidade da demanda) determinam a evoluo tanto do desempenho quanto das estruturas industriais (p.1161).

Com isso, alm do interesse na natureza e nos impactos de uma inovao sobre a produtividade da indstria, essa abordagem tambm est interessada na relao dessas inovaes com a dinmica industrial e com a estrutura de mercado, isto porque, alm de gerar efeitos sobre a produtividade, o processo de inovao tambm gera efeitos sobre a maneira como o mercado e a indstria se desenvolvem ao longo do tempo (DOSI, 1988b; POSSAS, 1989a). E exatamente essa interao entre os mecanismos de mercado, por um lado, com as combinaes entre as oportunidades, apropriabilidades e a natureza do conhecimento, de outro lado, que determinam os diferentes padres setoriais38 de mudana tcnica observados. Por fim cabe ressaltar que apesar da existncia e da grande importncia dos elementos considerados previsveis utilizados para antecipar as mudanas que ocorrem no ambiente de seleo, nem todas as decises empresariais sero rotineiras, devido existncia dos elementos especficos e dos elementos estocsticos39. A existncia de caractersticas especficas s firmas responsvel pelos diferentes graus de investimento em P&D interfirmas e intrasetorial. Segundo Dosi (1988b), essas diferenas intersetoriais e intrasetoriais esto ligadas s caractersticas dos diferentes paradigmas tecnolgicos e s formas pelas quais as capacitaes inovativas se desenvolvem e podem ser competitivamente explorada pelas firmas individuais. Nesse sentido, enquanto para algumas firmas e tecnologias o comprometimento de recursos com inovao envolve predominantemente uma atividade de busca formal, normalmente realizada em laboratrios de P&D, para outras, a atividade inovativa mais informal e se origina de melhoras incrementais nos projetos, sendo que

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Nessa linha, Pavitt (1984) desenvolve um estudo que tem como objetivo identificar diferentes grupos de indstrias conforme o seu padro setorial de inovao. No estudo, o autor considera as possibilidades de oportunidades tecnolgicas, gerao de conhecimento e cumulatividade do conhecimento tecnolgico, apropriabilidade tecnolgica e tacitividade do conhecimento. E verifica que a presena diferenciada destas propriedades nos grupos analisados proporciona distintas capacidades inovativas setoriais. O estudo procura mostrar que existem dinmicas industriais diferenciadas em critrios de busca e seleo de inovao, formas de aprendizado, vnculo com a cincia, capacidade de proteo da inovao, relao de cooperao e interao entre firmas, etc., que resultam na impossibilidade de ocorrer um nico padro de inovao. 39 Como ser visto mais adiante, Nelson e Winter ([1982]/2005) reconheceram a possibilidades desses elementos estocsticos e imprevisveis, ou seja, reconheceram a possibilidade de novidade genuna, entretanto, se depararam com a dificuldade de modelagem de situaes como essa.

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nem sempre percebida como resultado de investimento em P&D, pois esto internalizadas nas organizaes, sendo muitas vezes difcil auferir seus custos. Dentre essas formas de aperfeioamentos incrementais nas tecnologias esto as formas de aprendizado baseadas no learning by doing40 (aprender fazendo) e learning by using41 (aprender usando). Verifica-se ainda que, enquanto em alguns setores as inovaes so geradas por grandes firmas, em outros tambm podem ser realizadas por firmas relativamente pequenas em relao ao mercado no qual operam (DOSI, 1988b). E, por fim, verifica-se que, algumas firmas que no investem em P&D inovativa podem, por outro lado, estar empenhadas em imitar o que outras firmas esto fazendo a partir da adoo das inovaes desenvolvidas por outras indstrias, isto , elas esto realizando P&D imitativo. De uma forma geral, possvel concluir que os paradigmas tecnolgicos ajudam a reduzir a incerteza fundamental da busca inovativa ao longo do tempo, porm essa incerteza nunca ser completamente eliminada ex ante. As empresas que se defrontam com ambientes complexos e imprevisveis tendem a adotar polticas estveis e a partir disso reduzir a incerteza inerente busca inovativa sem, contudo, elimin-la. Feitas essas consideraes gerais acerca do programa de pesquisa evolucionrio, em que se buscou destacar os principais pontos dessa abordagem, procurando diferenci-la da abordagem neoclssica padro, o captulo que segue tem por objetivo identificar as principais caractersticas dos sistemas complexos, uma vez que essa abordagem apresenta algumas questes bastante similares e que esto bastante prximas da perspectiva evolucionria.

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Esse tipo de aprendizado ocorre no interior da firma. Trata-se de um processo decorrente da prpria atividade produtiva, pois quanto maior a produo, maior ser a experincia adquirida e melhor ser o desempenho tecnolgico da firma. 41 A acumulao de capacidades aqui decorre da utilizao do produto, o qual por sua vez, favorece o conhecimento dos problemas e qualidades desses, permitindo seu aperfeioamento.

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2 Os Sistemas Complexos

2.1 Origens

A abordagem neoclssica padro alcanou significativo espao nas discusses de teoria econmica graas s suposies restritivas assumidas por esta, o que possibilitou a sua crescente formalizao. Mas, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma importante ferramenta de anlise, tanto para modelos de competio perfeita, quanto imperfeita, tal abordagem falha ao exigir simplificaes e abstraes para a sua formulao, gerando como resultado, modelos distantes da realidade emprica. Seu interesse consiste em identificar os pontos de equilbrio agregado resultantes das escolhas racionais individuais, e buscar trajetrias de equilbrio resultantes, identificando aquelas mais eficientes ao longo do tempo. Contudo, no capaz de descrever como esse mecanismo se altera ao longo do tempo e nem leva em considerao a emergncia de novas variveis, padres e estruturas que possam emergir como resultado da interao entre os agentes no sistema (ARTHUR, DURLAUF e LANE, 1997). Colander (2000) argumenta que outras correntes de pensamento no conseguiram ganhar significativo espao devido incapacidade de promover essa formalizao. Contudo, o domnio dessa abordagem se deu custa de perdas no desenvolvimento do conhecimento