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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULOSECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Governo do Estado de São PauloGovernador Geraldo Alckmin

Secretaria de Desenvolvimento Social - SedsSecretário Rogerio Hamam

Secretário-adjunto Henrique Alberto Almirates Júnior

Chefe de gabinete Carlos Alberto Fachini

Escola de Desenvolvimento Social - EDESPEquipe Técnica

André Luiz Machado de Lima

Rose Rita Aparecida Junquetti

Vera Teresa Alves

Fundação do Desenvolvimento Administrativo - FundapDiretor executivo Wanderley Messias Da Costa

Diretora técnica Lais Macedo de Oliveira

Coordenadora Fátima Justo Cortella

Equipe técnica Fundap Ana Sílvia Montrezol Antunes

Andréa Correa

Divane Alves da Silva

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Em uma época em que todos lutamos pela superação da extrema pobreza, o tema de nosso curso já mostra a importância desta segunda videocon-ferência organizada pela Escola de Desenvolvimento Social, a Edesp, em parceria com a Fundap.A partir do título “ONGs e o Combate à Extrema Pobreza”, o objetivo deste curso é capacitar e aprimorar o tra-balho das ONGs, profissionalizadas e parceiras do Estado, a atuarem de forma a fortificar a agenda relativa ao combate à extrema pobreza.Nesse contexto, este curso será um importante instrumento para o for-talecimento do Programa São Paulo Solidário, executado pelo governo do Estado desde 2011, e que tem a meta de promover a mobilidade social das pessoas que vivem com algum tipo de privação social.Todo o conteúdo será pautado a partir do papel das ONGs dentro da Política de Assistência Social, o que inclui apresentação de prá-ticas inovadoras e o envolvimento da Rede de Supervisão na política socioassistencial. Para que toda a programação seja cumprida de forma eficaz, a forma-tação se dará em três módulos, num total de 6 aulas, com uma carga horária de 4 horas cada. Isso significa um total de 24 horas/aula. Em todo o Estado, 2000 profissionais devem participar desta capacitação.

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oONGs e o Combate à

ExtremaPobreza

Além da transmissão da video-conferência, serão desenvolvidas atividades no Ambiente Virtual de Aprendizagem da EDESP. O acom-panhamento da videoconferência e a realização das atividades conferi-rão aos participantes certificado de participação.Espero que aproveitem. Um bom curso a todos.

Rogerio HamamSecretário de Estado de Desenvolvimento SocialOutubro 2013

SUMÁRIO

A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI ............................. 6

ENTIDADES SOCIAIS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS .............. 24

INOVAÇÕES E MELHORES PRÁTICAS .............. 40

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, RESULTADOS E ENVOLVIMENTO DA REDE: FORTALECENDO A GESTÃO DAS ENTIDADES ............................. 54

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É assistente social. Exerceu a Gestão Social Nacional, Estadual e Municipal. Atualmente é professor em cursos livres, de extensão e especialização, além de diretor executivo da Consultoria Agenda Social e Cidades. Desde 2009, trabalha e estuda de forma continuada estratégias para combater a pobreza. Escreve diariamente para o site<http://www.marcelogarcia.com.br>.

* Texto revisado em 2013.

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A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI*

Marcelo Garcia

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Escrevi a primeira versão deste texto para o primeiro curso da

Escola de Desenvolvimento Social de São Paulo (Edesp), que realizou ampla capacitação dos gestores públicos da assistência social de todo o Estado de São Paulo. Compartilhei naquele momento, e refaço a seguir, a minha leitura sobre a história da política de assistência social no Brasil.

Agrego um recorte sobre o papel das entidades sociais na trajetória da assistência social no país.

Mantive no texto os movimentos marcados que nos trouxeram até aqui e quais são os desafios para que uma agenda possível, realista e concreta consolide a assistência social como política pública, e não como estratégia utilizada para fazer a gestão diária da pobreza.

Uma questão fundamental nesse debate é entender o papel das enti-dades sociais ou das organizações não governamentais na estrutura-ção das redes de proteção social no Brasil. Não podemos deixar de compreender que até a Constituição de 1988 a assistência social não era uma política pública e muito menos dever do Estado. Navegava, assim, no campo da filantropia e da cari-dade, exercidas e organizadas de forma direta por entidades e organi-zações não governamentais.

O desenho histórico da assistência social no Brasil evidentemente tem o traço inequívoco das experiên-cias das entidades sociais e não governamentais.

Na organização de minhas leituras, vivências, percepções e estudos, resumo um pouco do debate que venho fazendo com um grupo de assistentes sociais desde 1991, quando ainda era estudante do curso de serviço social da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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As práticas de proteção social não são recentes no Brasil.

Mas essas ações, e mesmo os programas voltados para a prote-ção, foram realizadas sempre sob o manto da caridade, da solidarie-dade ou da filantropia, marcadas por uma “responsabilidade” de fundo ético ou religioso.

A Constituição de 1988 deu enorme guinada em direção à concepção da proteção social como direito. A par-tir daquele ano, a assistência social ganhou o status constitucional de política de seguridade social, pas-sando a ser um direito do cidadão, e não um “favor” do Estado ou de entidades filantrópicas.

Essa concepção, porém, só foi regulamentada na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em 1993, consolidou um novo modelo de proteção social para o Brasil. Cinco anos depois da promulgação da

Constituição, a LOAS traçou novos caminhos para viabilizar a estrutu-ração de um sistema de garantia de direitos. No entanto, o antigo demorou a dar lugar ao novo e ainda permaneceu, como protago-nista das ações na área, a antiga série histórica. A série histórica é constituída de um conjunto de ins-tituições que atuam de forma muito marcada por ações e metodologias que não reconhecem o Estado como a inteligência do processo de definição e condução das estra-tégias de proteção social.

Em 2013, a Constituição completa 25 anos, e a LOAS, 20 anos. Porém ainda falta muito para que possa-mos consolidar a política de assis-tência social como direito universal, e não um espaço pontual de ajuda, caridade ou filantropia.

Vamos rever a história desde 1989 até hoje.

Filantropia e caridade:

o direito como favor

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A Legião Brasileira de Assistência (LBA) ainda era uma estrutura muito sólida quando a Constituição de 1988 foi promulgada. As estrutu-ras estaduais e municipais estavam dependentes de “lógicas” e arran-jos políticos; dependiam dos recur-sos financeiros da Legião e de seus programas totalmente centraliza-dos, formulados nos gabinetes em Brasília. A LBA cresceu tanto que ficou mais complexo e difícil cuidar de sua estrutura do que da missão que a instituição precisava cumprir.

No entanto, é sempre oportuno lembrar que foi dentro da LBA que surgiram os primeiros e principais debates que levaram os constituin-tes a entender que a assistência social precisava ser compreendida e executada como um direito. A

1988A nova Constituição Federal define o grande marco regulatório da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). A assistência social é política pública de seguridade social, não contributiva e direito do cidadão.

LINHA DO TEMPOMarcos da assistência social

1993Promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamenta os artigos da Constituição que tratam da questão.

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LBA não foi apenas um espaço de clientelismo, politicagem e corrup-ção. Houve muita vida inteligente ali, pensando um novo caminho para a assistência social; existiram profissionais que formularam um caminho pelo qual a área deixaria de ser refém dos projetos políticos eleitorais. Conheci muitos técnicos de qualidade na LBA, que ajudaram a pensar e formular o texto da LOAS.

Entre 1988, então governo Sarney, e 1993, governo Itamar Franco, quando a LOAS foi promulgada, muita água rolou sob a ponte que erguia uma política de atendimento social. O governo Sarney propôs o “Tudo pelo Social”; o governo Collor entregou aos brasileiros o “Minha Gente”; e o governo Itamar criou os “Comitês de Cidadania”.

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Esses programas nacionais foram criados como “marcas” para cada governante, sem uma avaliação da diversidade social do país e sem um compromisso real com a diminuição da pobreza. Todos traziam implícito em sua divulgação e execução o viés da concessão, do favor ou da benesse. Essa característica pode ser atribuída às três esferas de governo, que sempre fizeram ques-tão de personalizar ações sociais, vinculando seu nome a programas anunciados mais como benesses do que como direito do cidadão. Além

1996Experimenta-se o processo de estadualização dos repasses dos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social como etapa de transição para sua municipalização. São implantados o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), já na lógica da descentralização e da articulação federada.

disso, havia o recorrente mau uso da máquina pública, que vinha à tona na forma de escândalos, como no período Collor, em que, sob a presidência da primeira--dama, a LBA se transformou em caso crônico de polícia.

Esse foi um tempo em que os pre-sidentes da LBA e os ministros da área social ocupavam os cargos não por mérito ou por trazerem um projeto para gestão social, mas por razões que eu diria que “a própria razão desconhece”.

1995É implantado o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), substituindo o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS). É realizada a I Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.

1997Início do processo de municipalização das ações e dos recursos da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Aprovação, no CNAS, da primeira Política Nacional de Assistência Social. Também é realizada a II Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.

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1998Aprovação, no CNAS, da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 1. Aprovação da segunda Política Nacional de Assistência Social pelo CNAS.

Erros e acertos:

a caminho da consolidação do direito à proteção social

Em 7 de dezembro de 1993, a LOAS foi promulgada pelo

presidente Itamar Franco. Não foi fácil chegar ao texto final dessa lei. Muitas concessões precisaram ser feitas para equacionar as estruturas históricas, consolidadas pela prática da caridade, com uma nova estra-tégia que propunha a construção de uma rede de proteção social sob a responsabilidade do Estado, de acordo com a Constituição de 1988.

A primeira proposta de texto da LOAS nem sequer seguiu para o plenário do Congresso Nacional, e, depois de uma longa negociação, foi produzido um “texto possível”. De lá para cá, os caminhos para a consolidação do direito à prote-ção social não têm sido simples, e muito menos fáceis de trilhar.

Em 1995, o então presidente Fernando Henrique Cardoso

1999Publicação da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 2, pelo CNAS; são instaladas as Comissões Intergestores Tripartite (nacional) e Bipartites (estaduais). Inicia-se a implantação dos núcleos de apoio à família, que, em 2004, serão definidos como Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).

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2001III Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. Início do processo do Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico).

2004É aprovada pelo CNAS a segunda Política Nacional de Assistência Social, instituindo o SUAS.

2003É aprovado, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

extinguiu a LBA por decreto, sem se preocupar em preencher o lugar vago. A LBA deveria acabar? Deveria mudar? Muitos responderiam que sim a essas perguntas. Mas essas questões nem sequer foram formu-ladas. Um decreto selou o destino de uma instituição histórica, extin-guindo-a da noite para o dia, sem nenhum planejamento para garantir o conhecimento acumulado durante décadas. Seus servidores foram redistribuídos, inclusive para ministé-rios de outras áreas, e muitas his-tórias e experiências, que deveriam ser registradas e consideradas, se perderam.

O fim da LBA poderia ter sido um ótimo momento para que Estados e municípios criassem suas estrutu-ras para as ações da área social, e isso seria possível com os servido-res da LBA e da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem).

Porém, naquele distante 1995, o governo federal dava sinais de que não acreditava no modelo de pro-teção social definido pela LOAS, e não houve um plano para orga-nizar e implantar estruturas que viabilizassem uma gestão de fato descentralizada.

Com o fim da LBA, a assistência social se vinculou ao recém- criado Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). Nesse ministério, a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) assu-miu as atribuições e a missão da LBA e do também extinto Ministério do Bem-Estar Social. A secretaria do MPAS acabou tendo dificuldade de encontrar um caminho inovador em relação à atuação da LBA e, durante o ano de 1995, tateou em busca de seus rumos. Além disso, a secretaria convivia de perto com um programa que se desenvolvia

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paralelamente às ações governa-mentais na área social ― o pro-grama Comunidade Solidária, sob o comando da primeira-dama Ruth Cardoso.

O Comunidade Solidária era defi-nido como inovador e revolucionário no fazer social, pois propunha a participação de toda a sociedade na construção de um projeto de desenvolvimento local e atuava efetivamente no município, fomen-tando a mobilização social.

No entanto, a SNAS e o Comunidade Solidária operaram separados por um abismo imenso, divorciados em suas práticas e concepções, sem dialogar. Sobretudo, não refletiam o que a LOAS nos indicava.

O programa Comunidade Solidária não identificava nas entidades sociais, conhecidas como “rede

histórica”, o caminho para a reor-ganização da proteção social no Brasil e fomentou diretamente a organização de uma ampla frente de parceiros que começaram a surgir a partir de 1995.

Nesse período, temos movimentos distintos em relação às entida-des sociais ― identificadas como arcaicas e representativas do modelo caritativo ― e às novas ONGs ― identificadas como um modelo inovador de participação e organização social.

Hoje não tenho nenhuma dúvida de que esse debate mostrou--se um equívoco, pois em um país com inúmeras contradições sociais era plenamente possível que se constituísse uma ampla rede parceira do Estado no enfrentamento da pobreza e na organização das proteções.

2005A Norma Operacional Básica é pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e aprovada no CNAS, após consulta pública e ampla discussão por todo o país. O CNAS organiza amplo debate nacional sobre o artigo 3º da LOAS, buscando a definição real para as entidades de assistência social. As Comissões Intergestores Bipartites (CIB) habilitam os municípios aos novos modelos de gestão (inicial, básica e plena); são aprovados o Plano Decenal – SUAS e os critérios e metas nacionais para o Pacto de Aprimoramento da Gestão Estadual. Ocorre a V Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. Nessa conferência é definida a fotografia da assistência social e é aprovado o Plano Decenal da Assistência Social no Brasil.

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2006São aprovados a Norma Operacional de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social, NOB-RH, e os critérios e as metas nacionais para o Pacto de Aprimoramento da Gestão Estadual.

2007Os Estados assinam com o governo federal os Pactos de Aprimoramento da Gestão Estadual da Assistência Social. Ocorre a VI Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.

Esse encontro de agendas a cada dia está sendo mais possível, sobretudo após aprovação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e da nova lei do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).

Ainda em 1995, quando da extinção da LBA, aconteceu em Brasília a I Conferência Nacional de Assistência Social, prevista na LOAS. A conferência havia sido convocada pela Presidência da República e, em todo o Brasil, foi iniciado amplo debate, com a efetiva participação da sociedade, sobre a agenda necessária para consolidar a LOAS e a política de assistência social, que ganhava seus primeiros contornos como direito, e não como favor.

No ano seguinte, 1996, começou o processo de estadualização da assistência social, ainda totalmente contaminado pelos procedimentos

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antigos e pela série histórica da LBA. Os convênios que garantiam o financiamento das entidades, antes feitos pela LBA, passaram a ser rea-lizados pelos Estados, mas os atores continuaram praticamente os mes-mos. A confusão não foi pequena.

Apesar disso, 1996 foi um ano importante para a assistência social, pois demarcou, mesmo com dificuldades e contradições, o abandono do modelo da antiga, histórica e “imexível” rede de Serviços de Ação Continuada, a rede SAC ― formatada para o atendimento em creches, asilos, abrigos e centros de reabilitação para pessoas com deficiência ―, em direção à busca de novas ideias e estratégias de proteção social.

Nesse ano, foi implantado o Benefício da Prestação Continuada (BPC), para idosos e portadores de deficiência, e foi criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A gestão

de Lúcia Wânia na SNAS, hoje sena-dora por Goiás, teve o mérito funda-mental de estruturar o processo de descentralização, que começou pela estadualização e, por fim, municipali-zação das ações. Sua gestão também conduziu, no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a aprovação da Norma Operacional Básica (NOB).

É muito importante destacar tam-bém que tanto o BPC como o PETI nasceram com liberdade em relação à rede SAC.

Em 1997, foi realizada a II Conferência Nacional de Assistência, mas em caráter extra-ordinário e com mais dificuldades de mobilização social do que a primeira.

Em 1999, a SNAS transformou--se em Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS), com

2008O PL-Cebas e o PL-SUAS são encaminhados ao Congresso Nacional. Até aqui o SUAS ainda não é lei.

2009É publicada a Resolução nº 109 (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais) após amplo debate e pactuação na CIT e aprovação no CNAS. É realizada a VII Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais.

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status de ministério. A gestão da secretária de Estado Wanda Engel foi então marcada pela ampliação do processo de municipalização; pelo aumento em larga escala do PETI; pela diminuição da idade mínima para ter direito de acesso ao BPC, que caiu de 70 para 67 anos; pela criação dos núcleos de apoio à família, hoje Centros de Referência de Assistência Social; e pela cria-ção do Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano. O volume de ações, programas e projetos criados até 2002 demons-trou claramente que o Estado não estava organizado e preparado para a execução das ações, e sem dúvida alguma quem agregou experiências, trabalhadores e até mesmo espaços físicos para implantação foram as entidades e as organizações não governamentais.

Entre 2000 e 2002, a SEAS coorde-nou também o Projeto Alvorada, um

pacto nacional contra a pobreza, que envolveu diferentes ministérios. Esse esforço de trabalho desenvol-vido nas cidades mais pobres do Brasil contou com a participação direta de entidades e organizações.

A gestão da SEAS entre 1999 e 2002 avançou bastante e alicer-çou muitas das bases da atual Política Nacional de Assistência Social (PNAS). No entanto, no primeiro ano da secretaria, em 1999, a III Conferência Nacional de Assistência Social não foi con-vocada, gerando grande desgaste entre o governo federal e os movi-mentos que defendiam o forta-lecimento da assistência social. Apenas dois anos depois, em 2001, aconteceria essa conferência, na qual ficou evidente que a antiga luta entre as práticas de caridade, voluntariado e solidariedade e as novas concepções da proteção estatal como direito continuava

2010O PL-Cebas é aprovado pelo Congresso.

2011O PL-SUAS é aprovado pelo Congresso.

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viva. Nesse momento, os dois lados entraram em sua maior rota de colisão desde a promulgação da LOAS. A III Conferência deixou mar-cas profundas e disputas acirradas que só foram resolvidas (se é que o foram) no movimento pelo projeto de lei do SUAS, a partir de 2008.

A gestão da SEAS entre 1999 e 2002, apesar dos avanços, come-teu alguns equívocos, e o principal deles talvez tenha sido a municipa-lização aprisionada por programas sociais federais. Sempre defendi uma municipalização mais ampla, mas o governo acreditava na des-centralização do financiamento, e não na liberdade federativa, para que os municípios pudessem definir suas ações.

Foi nesse período que o governo federal estabeleceu a unificação das transferências de renda num cartão único, com base no Cadastro Único dos Programas Sociais, o CadÚnico. A partir daí, os municípios foram transformados em meros cadas-tradores do governo federal. A uni-ficação era muito importante, mas foi entendida de forma errada tanto pelos gestores federais como pelos gestores municipais.

Em 2003, com o novo governo eleito, foi criado o Ministério da Assistência e Promoção Social. Foi um ano de profundos retro-cessos na política de assistência.

Boas ações e processos ade-quados, já consolidados, foram desarticulados apenas porque eram do governo anterior. O grupo que estava no comando do ministério não era o grupo histórico na área, comprometido com o debate da Constituição, da LOAS e com o SUAS, que estava nascendo. Durante essa gestão, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) quase não se reuniu, os pagamentos atrasavam e o CNAS manifestava sérias preocupações com o andamento da política de assistência social.

A gestão foi tão marcada pela ineficiência, que levou o governo a interferir para mudar rumos e estratégias. Além de tudo isso, o Programa Bolsa Família, que seria a marca do governo no combate à pobreza, ia sendo construído fora do Ministério da Assistência e Promoção Social.

Nesse ano de 2003, bastante com-plexo para a área, foi realizada, em dezembro, a IV Conferência Nacional de Assistência Social. Foi aí que o SUAS nasceu com força, aprovado por uma mobilização ampla e coesa na conferência.

Estávamos vivendo um sonho: tínhamos nosso Ministério da Assistência, mas o sonho durou pouco e, em janeiro de 2004, ele foi extinto.

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Com a aprovação do SUAS, a criação do Bolsa Família, o

fracasso do Fome Zero e a urgência de uma política social unificada e forte, foi criado, logo a seguir, ainda no início de 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que passou a ser comandado pelo ex-prefeito de Belo Horizonte e deputado federal Patrus Ananias.

Nesse mesmo ano, chegam à ges-tão nacional os maiores responsá-veis pelo debate que garantiu que a assistência social fosse inserida no conjunto do sistema de seguridade social, na Constituição de 1988. Foi esse grupo também que estruturou o texto da LOAS, em 1993.

E o MDS foi rápido. Unificou os programas sociais que estavam dispersos em vários ministérios e montou uma equipe integrada por profissionais que historicamente

defendiam a assistência social. Foram aprovadas pelo CNAS a Nova Política Nacional de Assistência Social e também uma nova Norma Operacional Básica, a NOB/SUAS.

A NOB/SUAS é responsável por avanços significativos, como a implantação dos pisos de proteção no financiamento da assistência social e o respeito à diversidade nacional, mas é preciso apontar que, nos últimos três anos, até hoje, a agenda federal ainda per-manece como prioridade na política de assistência social.

No entanto, também não posso deixar de declarar que o MDS tem sido fundamental para os municípios. Costumo dizer que o financiamento do MDS não pode ser o ponto de che-gada, e sim o ponto de partida para as ações locais da assistência, mas o que ocorre de fato é que o MDS é o grande financiador da área em todo o Brasil.

Apressando o passo:

Sistema Único de Assistência Social

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Em 2005, a V Conferência Nacional de Assistência Social aprovou o plano decenal da assistência social e apontou a urgência da NOB de Recursos Humanos. A NOB-RH aca-bou sendo pactuada na CIT e apro-vada pelo CNAS no final de 2006.

Nessa gestão do MDS, a concen-tração da transferência de renda foi mantida, mas o Conselho Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas), em parceria com a Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (Senarc), con-duziu a negociação que resultou na criação, em 2006, do Índice de Gestão Descentralizada (IGD), que mede a qualidade da gestão descentralizada do Bolsa Família e permite o repasse de um recurso mensal para que os municípios aprimorem seus serviços no cadastro das famílias.

A VI Conferência Nacional de Assistência Social aconteceu em 2007. O grande destaque da confe-rência foi a participação da secretária nacional de Assistência Social Ana Lígia Gomes, que fez uma palestra exemplar e foi aplaudida de pé pela plateia por vários minutos. Ana deu o tom da VI Conferência: convocou todos para um momento de serie-dade, responsabilidade e mudança. A VI Conferência proporcionou aos participantes um encontro profundo com a responsabilidade do Estado no desenho e na condução da prote-ção social.

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O ano 2008 representou uma espécie de reta final para várias administra-ções municipais. O MDS comemorou quatro anos. Ao mesmo tempo, o CNAS vivia seu momento de maior crise. Foi justamente essa crise que acelerou dois importantes avanços: o Projeto de Lei de Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (PL-Cebas) e o Projeto de Lei do Sistema Único de Assistência Social (PL-SUAS).

Em 2009, a VII Conferência Nacional de Assistência Social foi amplamente aberta à participação de usuários ― um momento espe-cial na história das conferências.

Em 2011, assume o MDS a ministra Teresa Campelo, com a responsabili-dade de conduzir o Programa Brasil Sem Miséria. É importante destacar, aqui, que o Brasil Sem Miséria nasce fora da assistência social.

Entre 2008 e 2011 debates impor-tantes sobre o PL-SUAS e o PL-Cebas avançam e garantem a segurança jurídica neces-sária para a consolidação de uma política de assistência social de caráter público.

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A partir de 2005 o CNAS realizou uma série de debates sobre o

artigo 3º da LOAS. O maior objetivo, sem dúvida, era a definição correta do que seria uma entidade de assis-tência social. Esse debate foi funda-mental para que pudéssemos avançar em direção a um novo marco para que entidades sociais e organizações não governamentais pudessem trabalhar com uma centralidade na proteção social. Vale destacar que a NOB-RH, de 2006, a Tipificação da Assistência Social, de 2009, e o PL-Cebas, de 2010, integram as entidades sociais no fazer social do SUAS.

A política de assistência social no Brasil saiu de um espaço de nega-ção do papel das entidades no dia a dia para outro movimento, que considero fundamental, e que aqui prefiro identificar como integração do ideal com a realidade – e ela só é possível com o reconhecimento do trabalho realizado pelas entidades e pelas organizações assistenciais.

Um Estado universalizante na prote-ção social sem a participação da rede

de entidades e organizações de fato se conforma em uma ideia e não em uma prática possível. Sem dúvida alguma, as entidades e as organizações não gover-namentais precisaram, precisam e vão continuar precisando de uma reorgani-zação continuada para que suas ações vinculem-se ao SUAS e não ao ideário da filantropia. Aqui é fundamental um distanciamento do processo histórico daquela antiga assistência social cari-dosa para uma aproximação diária com uma política pública que deve ser reafirmada como dever do Estado e direito do cidadão.

O Estado consegue identificar de forma clara que as entidades e as organi-zações sociais podem e devem ser parceiras desse movimento de organi-zação do direito e da negação do favor. Estamos nesse processo de integração, mas observo a cada dia que existe enorme esforço de ambos os lados para que se avance nessa direção, sempre reconhecendo, no entanto, que a inteligência desse processo é de total responsabilidade do Estado.

E o momento das entidades e das organizações?

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Encarando alguns problemas e propondo estratégias

Chegamos até aqui com bas-tante esforço e muita luta.

Faltaram estratégias e uma negociação mais ampla com a sociedade em vários momentos de nossa trajetória. Não está nada fácil fazer gestão social, e acho bem importante destacar alguns motivos para isso, para que possa-mos refletir, agir e mudar:

• temos trabalhadores e técni-cos com pouca referência teórica sobre as contradições do Brasil;

• temos trabalhadores e técnicos imaturos politicamente, sem uma compreensão adequada do papel do Estado na garantia da proteção social;

• baixos salários para trabalhado-res e técnicos;

• as universidades estão divorciadas da realidade social do país, for-mando trabalhadores sem leitura do fazer social;

• a sociedade está descolada do dia a dia da gestão social;

• existe uma preocupação em garantir inclusão em projetos e programas, mas não com uma inclusão social sustentável;

• ainda vivemos a ausência de monitoramento e de cobrança por resultados.

Poderia citar inúmeras outras questões que me preocupam, mas deixo aqui apenas essas, que já são bastante graves.

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Temos um sério problema com os trabalhadores. Com formação precária, eles têm poucos recursos para lidar com os desafios da rea-lidade social do Brasil. Não sabem compreender, por exemplo, nossos principais problemas e muito menos conseguem organizar estratégias de solução. Nesse ponto, a ges-tão passa a ser fundamental, pois somente ela pode desmontar o “jeitinho” de resolver os problemas dos pobres.

Sem trabalhadores articulados, capacitados e com processo de supervisão técnica não existe gestão social.

Sem avaliação, monitoramento e busca de resultados, a gestão social é nula. Tenho insistido que temos feito, na verdade, gestão da pobreza. Fazer gestão da pobreza é mais ou menos seguir o modelo “deixa como está para ver como é que fica”. A sociedade não cobra e também já não espera resultados na área social. Ela olha com distanciamento para o que está sendo feito. E isso é péssimo!

Mas eu não estou desanimado! E você não pode desanimar! Nós não podemos desanimar! Ao contrário, a hora é de atuar.

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BIBLIOGRAFIA

BRANDÃO, A. Proteção social e institucionalização da assistência. Serviço Social e Sociedade, n. 41. São Paulo: Cortez, 1993.

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ENTIDADES SOCIAIS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS

Maria do Carmo Brant de Carvalho

É doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorada em Ciência Política Aplicada pela École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris (França). Iniciou sua trajetória profi ssional na Secretaria Municipal de Assistência Social. Atuou como professora titular na graduação e na pós-graduação em Serviço Social da PUC-SP, na disciplina de gestão social pública. Realiza consultoria para órgãos públicos e organizações da sociedade civil em projetos nas áreas de educação, habitação e assistência social.

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A presença atuante das organiza-ções da sociedade civil no trato

da questão social não é um fenô-meno novo. A história das socieda-des registra a produção incansável de formas associativas para atuar na esfera pública em nome da reci-procidade, da filantropia, da solida-riedade, da cidadania e da caridade para com os pobres.

Esses motes (compaixão, solida-riedade, cidadania, entre outros) alteram-se a seu modo e a seu tempo, mas, o que é mais impor-tante, funcionam como princípios de regulação civil quando se refe-rem à questão social.

Esses princípios embasam uma infinidade de associações civis hete-rogêneas, multifacetadas e sem fins lucrativos. Elas atuam em diversos problemas e necessidades específi-cas; elegem clientelas locais, nacio-nais, mundiais; assumem propostas conservadoras ou progressistas.

Algumas delas mantêm vínculos com as pastorais de igrejas, outras com o empresariado, outras ainda são braço solidário da própria comunidade e as mais recentes se reconhecem como defesa de minorias ou de causas de toda a humanidade.

Por iniciativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), foi feito um estudo para dimensionar o tama-nho desse universo de associações no país. Intitulada “Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos/Brasil (Fasfil)”, a pesquisa constatou um crescimento de 157% no número de instituições, passando de 107 mil em 1995 para 276 mil em 2002. Dessas 276 mil, 171 mil (62%) foram criadas a par-tir de 19901. A Fasfil 2002 revelou que aproximadamente 77% das instituições não contam com nenhum trabalhador remunerado, enquanto cerca de 2,5 mil entidades (1% do total) absorvem quase 1 milhão de trabalhadores. Em 2010, a Fasfil constatou a existência de 290.692 associações sem fins lucra-tivos. Destas, 30.414 (10%) atuam na área de assistência social, 36.921 (13%), na área de cultura e recreação e 42.463 (15%), no desenvolvimento e na defesa de direitos2.

1Esta pesquisa identificou a existência de mais de 500 mil organizações sem fins lucrativos registradas no Ca-dastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE. Foram descartadas as organizações a serviço de interes-ses corporativos, a exemplo de sindicatos, condomínios, partidos políticos, cartórios, clubes, entre outros.2Veja também o mapeamento das fundações privadas e associações sem fins lucrativos/Fasfil-2010, em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000011164912102012492305590017.pdf.

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O universo de associações inclui desde as associações comuni-

tárias e microlocais de entreajuda até organizações articuladas em redes globais que atuam no plano dos direitos humanos, na defesa do meio ambiente, na cooperação para o desenvolvimento, entre outros3.

• Associações comunitárias — pos-suem uma relação de pertencimento com os habitantes de seu micro-território; por esse motivo, as ações desenvolvidas tomam quase sempre a característica de uma proteção/desen-volvimento mutualista. Regem-se pelo princípio da reciprocidade.

Elas possuem pouca visibilidade, já que seu âmbito de ação é restrito ao microlocal. As motivações são múltiplas e específicas, porém sua

Refl etindo sobre essa diversidade

característica básica é prestar ser-viços de proximidade conduzidos por grupos voluntários e sustentados com poucos recursos financeiros.

São elas por excelência que movi-mentam os espaços comunicativos primários e as redes espontâneas de sociabilidade4. Essas organi-zações têm muita importância na proteção social dos indivíduos e na inclusão deles em redes de socia-bilidade primária. Cumprem papel importante no fortalecimento de vínculos relacionais e de perten-cimento ― problemas resultantes do crescente isolamento social na densa urbanização e da transforma-ção produtiva, que reduziu as pos-sibilidades de inserção no mercado do trabalho, meio privilegiado de agregação social.

3A legislação nacional tipifica de forma genérica as organizações do terceiro setor: organizações sociais (OS), entidades bene-ficentes de assistência social, organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), fundações ou institutos empresariais com caráter público, sem fins lucrativos etc. Na literatura das ciências sociais encontramos uma tipificação bem mais exten-siva: ONGs, associações de bairro, associações comunitárias, entidades assistenciais, entidades articuladoras, entre outras. 4Podemos dizer que este agrupamento de associações se guia pela identidade territorial e, nesse sentido, trabalha em uma co-munidade e para ela; age no campo da moradia, na conquista de creches e postos de saúde, na ampliação e aprimoramento do transporte público, bem como em um leque de reivindicações de infraestrutura urbana básica.

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• Organizações sociais de prestação de serviços socioassistenciais para os segmentos mais vulneráveis da população (idosos, pessoas porta-doras de deficiência, famílias em extrema pobreza) ou ainda presta-ção de serviços de educação, saúde, cultura. É importante assinalar que este agrupamento de organizações guarda, no seu conjunto, hetero-geneidades quanto ao fazer social. Assumem posições conservadoras e ou progressistas. Uma parte sig-nificativa delas se constitui como verdadeiras empresas sociais muito próximas da produção de serviços via mercado. No geral são finan-ciadas pelos governos ou ainda por fundações empresariais5.

• Organizações sociais voltadas à defesa das minorias e ao fortaleci-mento da cidadania. São elas que, strictu sensu, recebem o nome de organizações não governamentais (ONGs), marcando diferenças com as demais entidades sem fins lucrativos.

Caracterizam-se por ações de multiple advocacy e de empowerment destima-das às minorias (étnicas, de gênero ou faixa etária). Incluem-se aqui as ações voltadas à defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, um campo de ação fortemente articulado em redes locais, regionais, nacio-nais e supranacionais. Influenciam

significativamente a agenda pública das nações em articulação com enti-dades das Organizações das Nações Unidas (ONU).

• Entidades denominadas articuladoras.

Na pesquisa “Os Bastidores da Sociedade Civil ― Protagonismos, Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”, realizada pelo Cebrap (2006), fala-se de outro agrupamento importante: as enti-dades articuladoras que, segundo o estudo, podem ser consideradas “organizações civis de terceira ordem”. É o caso, por exemplo, da Abong, que congrega e articula outras entidades. De acordo com a pesquisa, o surgimento dessas entidades articuladoras é sinal do adensamento e da diferenciação do universo das organizações civis.

A pesquisa cita igualmente os fóruns, por se inserirem na mesma lógica de coordenação da ação e agregação de interesses das articu-ladoras, trabalhando diretamente com organizações da sociedade civil grupadas por afinidades temáticas. No entanto, diferenciam-se delas por serem espaços de encontro e coordenação periódica.

5As fundações empresariais que atuam como financiadoras de organizações sociais ou como promotoras diretas de serviços aos grupos vulnerabilizados pela pobreza e pela exclusão buscam, nos ideários filantrópicos ou da cidadania, marcar sua responsabilidade social.

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De acordo com Joaquim Falcão (2005), há ao menos três fato-

res que são responsáveis pelo crescimento do terceiro setor no mundo ocidental:

• a redefinição da natureza e das funções do Estado moderno;

• a progressiva implementação da democracia participativa;

• a expansão do setor de serviços, onde a maioria das ONGs, fundações e associações comunitárias atuam.

Além disso, no caso brasileiro, contribui decisivamente para o crescimento do terceiro setor o for-talecimento da sociedade civil, do ponto de vista político e econômico.

As organizações sociais possuem enorme relevância no novo arranjo e gestão da política social, um arranjo ancorado na parceria Estado,

À guisa de síntese

sociedade civil e iniciativa privada.

As parcerias público/privado, valo-rizadas no receituário neoliberal, ganham hoje, para governos de esquerda ou de direita, imprescindi-bilidade para viabilizar governabili-dade social e implementar projetos e serviços sociais decorrentes de políticas públicas. Mesmo assim, a presença do terceiro setor na oferta de serviços públicos não tem adesão unânime. Ao contrário, em torno dele concentram-se resistên-cias tão fortes quanto adesões.

Porém, não há como esquecer a forte expressão política das organizações da sociedade civil articuladas em redes sociais e movimentos, a partir dos avanços na democracia e das demandas de participação, e sobretudo a partir das conexões virtuais possibilitadas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

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Embora a Constituição Federal determine desde 1988 que a

assistência social é um direito do cidadão à seguridade social (prote-ção social), portanto, uma política de Estado, só muito recentemente avançamos e consolidamos uma nova e robusta regulação.

É conhecido fato de que, até quase o final do século XX, a assistência social em nosso país não era reco-nhecida como missão do Estado; este atuava subsidiariamente junto ao que se pode chamar de sociedade providência que a assumia seguindo os padrões da benemerência, seletividade, tutela, filantropia.

Em 2004 e 2005, respectiva-mente, foram aprovados a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que introduzem tanto uma nova

A presença das entidades sociais na política de assistência social

organização da atenção pública, redefinindo e especificando os serviços socioassistenciais de modo hierarquizado em proteção básica e especial, como uma nova ordenação da gestão das ações socioassistenciais baseadas em regulação e obediência ao pacto federativo.

É nesse novo contexto que ocorre uma ruptura com a prática ante-rior, marcada pela ausência de uma política de Estado fundada no reconhecimento dos direitos de cidadania à proteção social.

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Se num passado não tão distante, a prática da assistência social era conduzida pela ideia de missão de uma sociedade providência subsidiada pelo Estado, uma práxis do favor, hoje ela é um direito. Atualmente um campo de ação do Estado. Nele, as entidades e as ONGs continuam a prestar serviços socioassistenciais, desde que reguladas e vinculadas ao SUAS.

Ainda no Brasil é necessário reforçar:

1. Não é possível mais manter uma relação viciada entre organizações assistenciais civis que operam os serviços socioassistenciais vinculados ao sistema SUAS. A ruptura já ocorreu (consultar as resoluções quanto à tipificação dos serviços socioassistenciais, a inscrição no Cebas – Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social, Lei nº. 12.101/2009, as alterações na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 12.435 de 2011).

2. As relações de parceria na ação pública se regem pela lógica do bem público e não pela lógica do privado ou do mercado. A lógica do bem público não é a lógica da benemerência, da compaixão ou mesmo da filantropia; é, sim, a lógica da cidadania.

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“A política de assistência social é realizada por meio de um con-junto integrado de ações e de iniciativas públicas e da sociedade. Esta atua por meio de organizações e entidades de assistência social, que não possuem fins lucrativos, desenvolvem, de forma permanente, continuada e planejada, atividades de atendimento e assessoramento e atuam na defesa e na garantia de direitos.

As entidades de assistência social fazem parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como prestadoras complementares de serviços socioassistenciais e como cogestoras, participando dos conselhos de assistência social.

As entidades de atendimento prestam serviços, executam pro-gramas ou projetos e concedem benefícios de prestação social básica ou especial dirigidos a famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal, conforme Resolução CNAS nº 109/2005, Resolução CNAS nº 33/2011 e Resolução CNAS nº 34/2011.

As entidades de assessoramento prestam serviços e executam programas ou projetos dirigidos ao público da política de assistên-cia social, prioritariamente para o fortalecimento dos movimentos sociais e das organizações de usuários e a formação e capacitação de lideranças, conforme Resolução CNAS nº 27/2011.

As entidades de defesa e garantia de direitos prestam serviços e executam programas e projetos dirigidos ao público da política de assistência social, prioritariamente para a defesa e efetivação dos direitos socioassistenciais, a construção de novos direitos, a pro-moção da cidadania, o enfrentamento das desigualdades sociais e a articulação com órgãos públicos de defesa de direitos, conforme Resolução CNAS nº 27/2011.”

Texto do site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (www.mds.gov.br/assistenciasocial/entidades-de-assistencia-social). Acesso em: 12/set./2013.

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Os serviços socioassistenciais e sua prestação por entidades vinculadas ao SUAS

No sistema SUAS, os “carros--chefe” na condução dos servi-

ços socioassistenciais ― o CRAS e o CREAS ― são responsáveis, res-pectivamente, pela proteção social básica e especial. São unidades/serviços estatais que operam não apenas na atenção direta às famí-lias, mas igualmente no arranjo/constituição da malha de serviços socioassistenciais, sob sua coorde-nação, monitoramento e avaliação.

Em 2009, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), na Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais por níveis de com-plexidade do SUAS: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade.

Essa mesma resolução contempla as normas técnicas e os padrões, critérios referenciados pelo SUAS.

Com base nessa tipificação, os serviços socioassistenciais são desenvolvidos em parceria com organizações/entidades assisten-ciais sem fins lucrativos, vinculadas ao SUAS. Esses serviços são imple-mentados nos territórios próximos ao cotidiano de vida da população.

Os serviços socioassistenciais ― e não os benefícios ― são a parte mais substantiva da atenção assistencial. Caracterizam-se como serviços de proximidade nos territórios. Envolvem a produção de ações con-tinuadas e por tempo indeterminado para resolver situações de vulnera-bilidade social identificadas e moni-toradas nos territórios em que se encontra a população demandante.

É indispensável conhecer a tipifica-ção para definir e implementar os projetos previstos e necessários. São serviços de proteção social, vigilância e defesa social, sempre

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na perspectiva territorializada e foco familiar. A integração desses serviços desenvolve um novo modelo assistencial coerente como SUAS; sem ela, não há uma ação de prote-ção social efetiva capaz de produzir redução de vulnerabilidades e inclu-são social de parcela significativa da população brasileira.

Como todos sabemos, os serviços são variados e comportam grande flexibilidade para adequar-se a necessidades e demandas do público-alvo no território.

Como afirma Muniz (2005, p. 102), produzir um serviço é buscar uma mudança duradoura na situação de vida do cidadão em situação de vulnerabilidade social e privações as mais diversas. Exige, portanto, qualificação profissional.

Não reproduziremos aqui a tipifica-ção dos serviços socioassistenciais, amplamente divulgada, mas apenas destacaremos as possibilidades de parcerias com entidades assisten-ciais sem fins lucrativos.

1. Na proteção social básica

O CRAS é a unidade de ação consi-derada a porta de entrada do SUAS: integra o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), outros ser-viços de proteção básica, a oferta de

benefícios como o Programa Bolsa Família (PBF), prestação continuada (BPC), benefícios eventuais e outros da alçada de Estados e municípios.

Família e território marcam a ação do CRAS: por isso, matricia-lidade familiar e territorialização constituem os eixos estruturantes de sua ação6.

A proteção social básica tem cará-ter preventivo e processador de inclusão social. Destina-se a seg-mentos da população que vivem em condição de vulnerabilidade social: vulnerabilidades decorrentes da pobreza, da privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos etc.) e/ou da fragilização de vínculos afetivos ― relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étni-cas, de gênero ou por deficiências).

Quaisquer dos serviços socioas-sistenciais vinculados ao CRAS envolvem:

• assegurar acolhida a famílias e indivíduos em situação de vulnera-bilidade social;

• prestar atendimento socioassis-tencial com o objetivo de desenvol-ver potencialidades, aquisições e fortalecimento de vínculos familia-res e comunitários;

6Constitui ação central do CRAS, o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família.

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• integrar-se no território com os demais serviços setoriais e organi-zações sociais que funcionam como artérias protetivas no território.

Os serviços socioassistenciais de convivência e fortalecimento de vínculos podem e devem ser desen-volvidos em parceria com organiza-ções da sociedade civil, pois possuem maior flexibilidade para pensar ino-vações e introduzir uma variedade de insumos e oportunidades, bem como expandir a rede de tais serviços.

Os serviços socioassistenciais vol-tados à convivência e ao fortaleci-mento de vínculos realizam-se por meio de oficinas socioeducativas e culturais com grupos de famílias e também com adolescentes, jovens e idosos. Exigem programáticas diversas e estratégias que assegu-rem adesão, fortalecimento de vín-culos, ampliação de capital cultural, assim como o desenvolvimento de novas habilidades e competências.

Esses serviços são desafiadores, pois devem responder a demandas de seus grupos-alvo. Para conse-guir a adesão dos grupos, é neces-sário escutá-los para oferecer um programa contextualizado, coerente e consistente.

Da mesma forma, o Serviço de Proteção Social Básica no domicí-lio para pessoas com deficiência e idosos pode ser desenvolvido em

parceria preferencialmente com organizações comunitárias de alta proximidade no território.

Esses serviços requerem formação e supervisão contínuas de respon-sabilidade do CRAS.

2. Na proteção social especial de média ou alta complexidade

O Creas é a unidade responsável no sistema SUAS pelos serviços socioas-sistenciais de proteção especial.

A proteção social especial é moda-lidade de atenção assistencial des-tinada a indivíduos e famílias que se encontram em situação de alta vulnerabilidade pessoal e social. São vulnerabilidades decorrentes de abandono, privação, perda de vínculos, exploração, violência, entre outras.

A proteção especial inclui serviços de abrigamento de longa ou curta duração e serviços de acolhimento e atenção psicossocial especializada, destinada a assegurar vínculos de pertencimento e reinserção social.

O abrigamento é oferecido em várias modalidades ― casa-abrigo, casa--lar, república, casa de passagem, albergues, entre outras ― com obje-tivo de atender diferentes grupos etá-rios e situações/demandas distintas.

São serviços que envolvem acompanhamento individual

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e maior flexibilidade nas soluções protetivas. São ações de natureza reabilitadora de possibilidades psicossociais com vista à reinserção social. Por isso mesmo, exigem atenção personalizada e processos protetivos de longa duração.

Os serviços de proteção espe-cial têm estreita interface com o

sistema de justiça e serviços das demais políticas, sobretudo os de saúde, exigindo muitas vezes uma gestão complexa e compartilhada com o poder judiciário e outras ações do executivo.

Os serviços socioassistenciais de proteção especial exigem especialização, competência e profissionalismo.

SERVIÇOS DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA COMPLEXIDADE

a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi);

b) Serviço Especializado em Abordagem Social;

c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC);

d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosos e suas Famílias;

e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.

SERVIÇOS DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA COMPLEXIDADE

a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades:

• abrigo institucional;

• casa-lar;

• casa de passagem;

• residência inclusiva.

b) Serviço de Acolhimento em República;

c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;

d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.

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A LOAS deixa explícito o lócus privilegiado das ações

assistenciais: o município.

Os benefícios temporários, a maioria dos serviços assistenciais e de programas/projetos de enfrentamento da pobreza devem ser geridos pela esfera de governo municipal.

As atribuições e competên-cias das esferas de governo estadual e federal são pre-dominantemente normativas, coordenadoras e implemen-tadoras de uma política de assistência social. Confere-se à esfera de governo estadual os serviços assistenciais de maior complexidade ou ainda aque-les muito específicos, para os quais é mais recomendável sua execução em nível microrregio-nal. No entanto, essa clássica divisão não é consensual.

A rede de assistência social nos municípios

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A expansão dos serviços socioassistenciais depende

do consórcio de entidades assistenciais, mas há critérios e exigências mútuas.

Um primeiro critério e exigência: CRAS, Creas e entidades preparados para acordarem parcerias na prestação de serviços socioassistenciais7.

• Qual o perfil da entidade social para postular a prestação de um serviço socioassistencial?

• Quais experiências prévias devem atestar para candidata-rem-se à prestação de serviços? Quais conhecimentos devem possuir para agirem em parce-ria no SUAS?

Mãos à obra!

• Quais modelos de parceria devem ser implementados? Podemos pensar em editais públicos para escolha? Os recursos de cofinanciamento postulados são suficientes para assegurar padrões de qualidade?

• Quais medidas de formação, supervisão, monitoramento e avaliação devem ser garantidas pelos órgãos gestores?

As respostas e as propostas precisam ser construídas em conjunto por agentes da política pública e entidades assistenciais.

7Algumas pesquisas realizadas (Cenpec/ prêmio Itaú Unicef) sinalizam para as fragilidades mais frequentes no desempe-nho das organizações sociais: a ausência de focos de ação claros, quadros de pessoal compostos de voluntários ou quase voluntários pouco preparados, fragilidade de gerenciamento, voluntarismo na decisão de projetos, mais que decisões pau-tadas em conhecimento do contexto e da ação a realizar, falta de preparo para negociação, projetos pensados ano a ano.

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Pensando o monitoramento e a avaliação na prestação de serviços socioassistenciais

1. O monitoramento e a avaliação são fundamentais, entre outras razões, para assegurar a contínua atualização de propósitos, avanços de processos, metodologias e pro-gramáticas com vista à maior efeti-vidade das ações socioassistenciais.

2. Ainda são relativamente pouco usuais o monitoramento e a ava-liação de organizações sociais no âmbito de serviços, programas e projetos apoiados com investimento público ou privado; a ausência de controle social tem sido o nó da pouca efetividade do gasto social.

3. Inclusão de indicadores para aferir impactos dos serviços/pro-jetos no que se refere à eman-cipação dos grupos em situação de pobreza e precário acesso a bens e serviços; avaliar sua efi-cácia quanto ao desenvolvimento

de capacidades substantivas dos pobres (Amartya Sen, 2000); fortalecimento do tecido social.

4. Há clara tendência em trans-formar as organizações civis em operadoras de projetos sociais governamentais, isto é, em orga-nizações que operam como braços da política pública e, portanto, com competência e profissiona-lismo para que realizem ações públicas.

5. As organizações sociais expres-sam um capital social próprio de suas sociedades civis cuja impor-tância principal é significarem um campo de ressonância de deman-das e laboratório de inovações. Como mapeá-las nos territórios de intervenção? E escutá-las, reco-nhecendo demandas, saberes e inovações que portam?

ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 39ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 39

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INOVAÇÕES E MELHORES PRÁTICAS

Maria Luiza Mestriner

Possui graduação em Serviço Social pela Unaerp-Ribeirão Preto, e mestrado e doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Tem especialização em Gestão Social e Administração de Organizações do Terceiro Setor pela Fundação Getulio Vargas-SP. É pesquisadora do Centro de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais (Cedepe), da PUC-SP, e sócia-diretora da Ativa – Consultoria em Gestão Social.

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A assistência social vem sofrendo mudanças profundas desde a

última década do século passado, com a aprovação da Constituição Federal de 1988 e mais precisamente com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), — Lei nº 8.742/93. Galgada ao patamar de política de proteção social, compondo com a saúde e a previdên-cia o Sistema de Seguridade Social, ela assume novos reordenamentos, rompendo com o seu histórico con-servadorismo ligado à filantropia e à benemerência e entrando no campo da política e do direito.

Assim, ao ser considerada política de natureza pública e, portanto, laica, a questão mais complexa a ser enfrentada é superar a tradicio-nal “cultura do assistencial” — que estabeleceu com os cidadãos rela-ções de favor, clientelismo e tutela, numa prática circunstancial, secun-dária e imediatista, operando com frágil institucionalidade, de forma descontínua e em situações pon-tuais, que no fim mais reproduziu a pobreza e a desigualdade social,

tornando os indivíduos ainda mais vulneráveis e subalternos.

A nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS/04) e a Norma Operacional Básica (NOB-SUAS/05) deram maiori-dade, identidade e novas perspec-tivas à assistência social, definindo concretamente o papel do Estado no exercício da coordenação da política, que, de forma democrática e participativa, integra as entidades de natureza privada, sejam de pres-tação direta de serviços socioassis-tenciais, sejam de assessoramento, sejam de defesa de direitos, esta-belecendo diretrizes conceituais e políticas para sua qualificação.

A Resolução do CNAS 191/05, que originou o Decreto Presidencial nº 6308/07 e a Lei nº 12.101/09, vai definir e regular (aperfeiçoando o artigo terceiro da LOAS) essa qualifi-cação, colocando entidades e organi-zações sociais em consonância com a nova política, considerando não apenas a contribuição, mas também a participação efetiva no controle social e na construção de um novo modelo de proteção social.

Conceituando e definindo regras e procedimentos, a resolução estabe-lece um sistema de relações público--privadas com capacidade crítica e propositiva e condições para enfren-tar com grande força a resistência e os fatores históricos impostos.

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Nesse contexto e sob a égide da NOB-SUAS/05 para o direciona-

mento de inovações, novas práticas e a integração harmoniosa ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), será fundamental que os serviços socioassistenciais que pretendem se integrar à rede socioassistencial construam uma cultura institucional e relacional com base sólida nos seguintes reconhecimentos:

• da assistência social como polí-tica pública, descentralizada e participativa, com direção universal, não contributiva e direito de cida-dania, capaz de alargar os direitos sociais de todos os brasileiros, de acordo com suas necessidades, independentemente de sua renda, apenas pela sua inerente condição de sujeito de direitos;

• da primazia do dever do Estado no enfrentamento das expressões da “questão social”, colaborando para

Sobre a nova cultura institucional

a recuperação da sua capacidade de direção política e de recons-trução das bases de legitimidade social diante da sociedade e dos usuários dos seus serviços, progra-mas e benefícios;

• do caráter público das organiza-ções sem fins lucrativos, que reali-zam de forma continuada serviços, programas e projetos de proteção social, de assessoramento e defesa de direitos socioassistenciais, não em substituição ao Estado, mas como parceiras e parte integrante da rede socioassistencial da política de assistência social;

• do caráter público de correspon-sabilidade e complementaridade entre as ações governamentais e não governamentais de assistência social, para uma atenção integral e efetiva, evitando fragmentação, paralelismo, superposição e disper-são de recursos;

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• do conceito democrático de fim público, que exige dos serviços socioassistenciais prestação de contas de suas ações, transparên-cia e controle social, concretizados em mecanismos internos de ges-tão: direção colegiada, conselho de gestão, publicização de dados e informações, sistema de planeja-mento e avaliação, com destaque para o desafio da participação ativa do público beneficiário;

• da gestão compartilhada entre os entes federados e entre o público e o privado, respeitando proposições de conselhos, fundos e planos municipais, e ainda de conferências oficiais e de fóruns da sociedade civil municipais, estaduais e nacional;

• da hierarquização da rede pela complexidade dos serviços, na direção da proteção básica e espe-cial, superando a fragmentação nas atenções, pelas diretrizes da matriz sociofamiliar e da territo-rialização, reafirmando um modo de gestão compartilhada, com cofinanciamento, referência uni-tária de nomenclatura, conteúdo, padrão de funcionamento e unifor-mização de conceitos na direção da classificação dos serviços específi-cos e sua colocação em rede;

• da concepção de proteção social que rompe com as noções de doa-ção e benemerência, passando a ter

um novo paradigma — o da proteção social e defesa do caráter público — e garantia de direitos aos usuários, o que significa a superação do padrão minimalista de serviços, atenções e benefícios, que deverão ganhar padrão de qualidade, contando com orçamento, equipamentos adequa-dos e profissionais especializados e atualizados;

• da concepção de proteção social que faz da assistência social uma política de benefícios e serviços, uma dupla dimensão que ultra-passa a questão dos benefícios sociais. Como diz Aldaíza Sposati (2012), a assistência social está relacionada ao atendimento de “necessidades” por meio de ações efetivas. Significa o acesso aos ser-viços sociais como direitos, ultra-passando a fronteira dos benefícios;

• de que a concepção de proteção social exige que a assistência social transite do campo individual

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de passar a consumir, também de acordo com Sposati;

• do caráter contínuo e siste-mático, planejado e integrado de serviços, programas, projetos e benefícios, como garantia de aten-ção integralizada e efetiva, evitando projetos esporádicos, descontínuos e ações paliativas;

• da territorialização de rede socioassistencial sob os critérios de oferta de atenções baseada na lógica de localização dos serviços em proximidade ao espaço de vivência dos cidadãos e garantia da dimensão preventiva aos territórios de maior incidência de população em riscos e vulnerabilidades;

• da porta de entrada unificada dos serviços para a rede socioassisten-cial de proteção básica pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e para a rede de proteção especial por centrais de acolhimento e controle de vagas.

O reconhecimento dessas premis-sas, sem dúvida, faz emergir uma nova cultura institucional, dando a referência necessária para a atu-alização de missões e regimentos institucionais, bem como exige (principalmente de entidades e organizações sociais) uma capaci-dade gerencial inédita e a criação de novas metodologias e aborda-gens de ação — aspectos extrema-mente relacionados entre si.

para o social, dizendo respeito a todos — indivíduos, grupos e comu-nidades —, e volte-se às necessi-dades e não aos necessitados. Esse movimento exige a elaboração de um referencial sobre o que é “estar protegido”, ou contar com proteção social, levando em conta um con-junto de condições “de preserva-ção”, e não apenas a possibilidade

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Para fundamentar e aperfeiçoar continuamente o processo de

intervenção social, levando-o a ganhos significativos de qualidade com resultados e impactos, deve-se adotar um sistema de planejamento e gestão estratégicos, com moni-toramento e avaliação das ações por indicadores sociais e gerencia-mento, de preferência informatizado.

Para tanto, são necessários:

VIGILÂNCIA SOCIALA elaboração do planejamento deve ser fundamentada num pro-cesso de conhecimento amplo e sistemático do perfil dos usuários e dos seus territórios, garantindo a adequada intervenção na natureza e na dimensão de riscos e vulne-rabilidades, com legitimidade e reconhecimento pelos parceiros da instituição e pela própria popula-ção atendida.

Sobre a adoção de um sistema de planejamento e gestão estratégicos

Esse conhecimento, no entanto, não deve atingir só as situações de precarização, que trazem riscos e danos sociais, mas ser ampliado à rotina comportamental e às rela-ções sociais, com vista a detectar cultura local, costumes, religio-sidades, desejos e aspirações, identificando potencialidades e possibilidades individuais, familia-res, grupais e comunitárias.

ARTICULAÇÃOA articulação dos serviços — não só socioassistenciais, mas das várias políticas, ONGs e movimen-tos comunitários locais — ampliará esses conhecimentos com informa-ções e com uma visão mais abran-gente e abrirá caminhos para o exercício da intersetorialidade e da atuação em rede socioassistencial específica ou em conjunto — numa intervenção macro, que responda à complexidade das questões

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comumente trazidas por famílias e territórios.

ALIANÇAS ESTRATÉGICASEssa articulação fomentará pactos e alianças para constante troca de informações e experiências, que subsidiarão as ações que devem ser tomadas em cada fase da realização do planejamento ou do reordena-mento e que produzirão os efeitos desejados e esperados por todos.

Austin (2009) afirma que as alianças estratégicas são fundamentais para as instituições hoje, mas envolvem grandes desafios, e enumera sete aspectos propulsores, denomina-dos de 7Cs, a saber:

• clareza de propósito;

• compromisso com a parceria;

• conexão com o propósito e as pessoas;

• congruência de missão, de estra-tégia e de valores;

• criação de valor;

• comunicação;

• contínuo aprendizado.

ATUAÇÃO EM REDEA elaboração de diagnósticos sociais com abrangência comunitária, não só específicos, cria vínculos bastante

consistentes entre serviços para criação de redes territorializadas ou temáticas e subsidia intervenções conectadas entre si e efetivas.

A apropriação de dados secundá-rios ou de estudos realizados por institutos de pesquisa também complementa consistentemente as análises situacionais necessá-rias para o planejamento, embora nem sempre sejam encontra-dos de forma decodificada por microterritórios.

PROCESSO PARTICIPATIVOO processamento e a sistematiza-ção de informações e identificação de indicadores de diagnóstico dependem de profissionais espe-cializados, para que esses levan-tamentos não se reduzam a meros estudos estatísticos. Sua finalização deve passar por um processo de discussão ampla, também com a população, para que se contem-plem aspectos subjetivos e cultu-rais e se apreendam a sua visão e os seus reais interesses.

A mobilização democrática na discussão da realidade local, per se, já se caracteriza como um procedimento pedagógico de qualificação da visão não só de problemas e demandas prioritárias, mas de possibilidades e potenciais para que todos se envolvam nos problemas e na superação deles.

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A participação e o protagonismo dos segmentos locais e dos usuários, partilhando da análise dos problemas na sua visão macro, vão agregar e qualificar esses interesses e desejos de classe — questão fundamental a ser considerada num trabalho socioeducativo. Essa participação, além de envolver forças locais, vai adequar a proposta ao interesse coletivo e possibilitar uma qualifi-cação do conhecimento e uma ação local sobre as necessidades e interesses.

Dessa forma, o planejamento estra-tégico de cada instituição respon-derá não só a sua especificidade de ação, mas estará contextualizado no microterritório, com possibi-lidade de complementaridade e suplementaridade harmoniosa entre os serviços, bem como de intervenção no coletivo.

Com esse conhecimento, as insti-tuições terão condições de equacio-nar indicadores de monitoramento que apontarão as adequações necessárias e a correção constante do curso das ações, para aperfei-çoamento sistemático durante a realização. O uso da tecnologia, para um cadastramento que possa oferecer o máximo de cruzamentos sobre dados obtidos dos usuários, facilitará o acompanhamento dos movimentos de conquista e a evolu-ção das famílias, dos grupos e dos territórios, impedindo que se caia

numa atenção paliativa e emergen-cial ou fragmentada e pontual.

Se elaborado considerando os recursos financeiros, de equipa-mento e de pessoal capacitado e atualizado, o planejamento estra-tégico ganhará exequibilidade; e com o envolvimento de parceiros e usuários ganhará também legiti-midade e reconhecimento público dos usuários e das forças locais.

O caráter democrático adotado no processo de diagnóstico e plane-jamento facilitará ainda a com-posição de uma organização com estrutura de gestão participativa, prevendo a composição de conse-lhos de gestão, com representação de usuários e movimentos sociais, ou conselhos específicos de usuários em cada serviço, programa ou pro-jeto, ampliando consideravelmente o exercício da participação, bem como a possibilidade de controle, avaliação e replanejamento institucional.

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Com planejamento e gestão estratégicos, as instituições

ganham condições concretas para construir metodologias e formas de intervenção dinâmicas e atualizadas, que possibilitem atuar na proteção social básica ou especial, realizando a atenção e a prevenção contra as situações de vulnerabilidades e riscos sociais, na direção do desenvolvimento de potencialidades do público-alvo e de ganho de autonomia.

Conforme a NOB-SUAS/05, a pro-teção social deve possibilitar ao público-alvo “a conquista de con-dições de autonomia, resiliência, e sustentabilidade, protagonismo, acesso a oportunidades, capa-citações, serviços, condições de convívio e sociabilização, de acordo com sua capacidade, dignidade e projeto pessoal e social”.

Sobre a construção de novas metodologias

CONCEITUANDO METODOLOGIAComo escrevi na publicação Metodologia do trabalho social, de 2007, a metodologia é “o conjunto de processos, estratégias e pro-cedimentos técnicos interventivos, organizados a partir de uma inten-cionalidade clara e precisa, eleitos a partir de pressupostos funda-mentais, disponibilizados por ampla base teórico-metodológica e ético--política e processados numa ade-quação às diversidades regionais”.

MULTIDISCIPLINARIDADE EINTEGRAÇÃO DE ABORDAGENSOs processos educativo e de orienta-ção devem ser enfatizados e desen-volvidos de preferência por atuação multiprofissional — homogênea e simétrica —, fundamentada num complexo de ações socioeducativas inclusivas, num mix de abordagens individuais, grupais e comunitárias.

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É importante que essas abordagens sejam baseadas num conjunto de processos e técnicas planejadas e executadas pensando-se nas necessidades e potencialidades dos usuários e dos seus territórios e aperfeiçoadas continuamente por um sistema de acompanhamento e avaliação (com indicadores), com vista a resultados e impactos.

PRESSUPOSTOS DO TRABALHO PROTETIVO

O acolhimento

É fundamental que se constituam espaços de vocalização de situações--problema, de angústias e ansiedades, com escuta empática, acolhimento, apoio seguro e possibilidade de trocas, que conduzam a uma análise crítica da sua causalidade e a um projeto de superação refletido e deliberado — individual, grupal ou coletivo.

A reflexão-ação

Abre-se, dessa forma, a elucida-ção do processo de formatação de problemas e dificuldades; paralela-mente, há o reconhecimento e a valo-ração das potencialidades, para sua resolutividade, com inserção quer seja em benefícios, serviços, pro-gramas próprios, quer seja na rede socioassistencial ou intersetorial.

O importante é suscitar processos

de reflexão-ação — com iniciativas e protagonismos na construção do próprio projeto de inclusão social, respeitando sempre a concepção de matricialidade sociofamiliar e a ter-ritorialidade — que considerem que os indivíduos pertencem a grupos familiares, a segmentos com situa-ções similares ou a grupos diversos e territórios comuns.

Contribui-se, assim, para que famílias ampliem seu processo de reflexão, seu universo de conhecimentos e informações, e encontrem alternativas próprias às situações de vulnerabili-dades, de acordo com suas possibili-dades, passando a acessar recursos disponíveis na rede local ou externa.

A pedagogia

A metodologia e a pedagogia adota-das devem possibilitar que o apoio

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e a orientação desenvolvidos não se façam meramente para os aten-didos, mas num esforço conjunto, onde, sem perder suas especifici-dades, os profissionais, usuários ou segmentos locais, como parceiros, se encontrem numa experiência de conhecimento comum.

O processo educativo não deve se caracterizar pelo “diretismo” habitual aos programas para segmentos populares, que se dão quase sempre de forma ajusta-dora e enquadradora, mas devem se constituir em “alavancas sociais”, confrontando a pobreza, a deficiência cultural, as posições submissas, indefesas e ingênuas de pessoas, grupos e movimen-tos, investindo privilegiadamente em tornar as pessoas críticas e criadoras de uma nova cultura e responsáveis pela escolha e cons-trução de seus destinos.

A cidadania política

Nesse processo, é importante considerar que as necessidades da população atendida não se dão somente no âmbito das exigên-cias de reprodução social, ou seja, no plano econômico – financeiro (capacitação profissional e geração de renda), mas também nos planos político, cultural e social.

A conquista de liberdade demo-crática, de participação na res pública, depende não somente de atenção a direitos relacionados à sobrevivência, mas de acesso à informação e ao conhecimento, à organização e à participação nos níveis crítico-propositivos de mudança da realidade local.

As práticas de orientação e edu-cação devem abrir canais cada vez maiores de comunicação, inter--relacionamento e mobilização grupal, de modo a favorecer as formas de ação conjunta e coorde-nada, iniciativas e movimentos de organização popular e/ou de repre-sentação política, seja de ordem executiva, seja reivindicatória.

EIXOS METODOLÓGICOSVale, na construção de metodolo-gias, a consideração de dois eixos apontados pela (PNAS), que, numa dinâmica convergente, comple-mentar e interdependente, podem dar estrutura positiva às práticas

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inclusivas: a centralidade no grupa-mento familiar e a contextualização nos microterritórios.

Centralidade no grupamento familiar

Considera-se que a unidade fami-liar, sendo apoiada no acesso a con-dições básicas e sustentáveis, pode construir projetos de vida, com vista a assumir suas competências e possibilidades de sustento, guarda, educação de crianças e adolescen-tes e mesmo a proteção de seus jovens, idosos ou portadores de deficiências. Há que se fazer avan-çar o caráter preventivo da prote-ção, fortalecendo laços e vínculos de parentalidade e de pertenci-mento entre seus membros, para que suas capacidades e buscas atentem para a concretização dos seus direitos.

Colocar o foco na unidade familiar permite que se apoie a descons-trução e reconstrução de concei-tos sobre a família e suas formas de vida no território, facilitando o desenvolvimento dos seus membros nas várias dimensões previstas:

• fortalecendo as relações intrafa-miliares, os vínculos afetivos rela-cionais entre gêneros, faixas etárias e papéis, visando à educação e ao acolhimento, prevenindo e supe-rando contingências que levem à violação de direitos e à violência;

• fortalecendo a dimensão socio-cultural, clareando papéis, suas representações e relações, num processo de firmação e resgate de sua identidade, história, valores, normas e comunicação com sua comunidade;

• no investimento humano, com a atenção individual aos seus integrantes, possibilitando opor-tunidades de desenvolvimento de potencialidades — base para que a própria família consiga gerir seu processo de inclusão de forma autônoma;

• no processo de socialização e pertencimento, estabelecendo relações e conexões horizontais e grupais, favorecedoras de encami-nhamentos e soluções coletivas a problemas comuns, realização de projetos conjuntos e outros;

• favorecendo sua integração e participação na organização social do microterritório, no encami-nhamento de aspirações locais e na articulação de redes de apoio estimuladoras do processo de inserção social.

Estando o núcleo familiar, no entanto, em constante processo de mudança, a atenção a ele supõe uma relação ética, de respeito e reconhecimento, como referência afetiva e moral, seja em que for-matação a família se apresente.

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Contextualização nos microterritórios

Já a contextualização nos micro-territórios – chegar próximo à população, aos beneficiários e a sua realidade – significa introdu-zir novas oportunidades metodo-lógicas. Significa a possibilidade de atuação regionalizada, com

condições de conhecer melhor e se adequar à diversidade e às peculiaridades locais, e com novos padrões de gestão, ado-tando controle social próximo com ética e participação.

Além disso, num contexto mais circunscrito, a ação articulada da rede socioassistencial e intersetorial será potencializada, em virtude da pressão organi-zada pelas demandas, e porque a integração se faz menos buro-cratizada e pode se envolver em mecanismos e movimentos comunitários.

Nesse contexto ficam também mais favorecidos a identificação de prioridades, o estabeleci-mento de consensos represen-tativos e legítimos, a aglutinação de forças para a ação e a ade-rência a valores como a partici-pação e a solidariedade.

Os microterritórios, ainda como espaços contraditórios — de confinamento e exclusão, de um lado, e de possibilidades de inte-ração e pertencimento, de outro —, acabam constituindo palcos privilegiados para que conflitos possam ser expressos e consen-sos sejam pactuados visando à solução de problemas.

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BIBLIOGRAFIA

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MESTRINER, M. L. Metodologia do Trabalho Social. 2007

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SPOSATI, A. Desafios do sistema de proteção social. In: STUCHI Carolina G. et alii. Assistência social e filantropia: cenários contemporâ-neos. São Paulo: Veras Editora, 2012.

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PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, RESULTADOS E ENVOLVIMENTO DA REDE: FORTALECENDO A GESTÃO DAS ENTIDADES

1 Sociólogo, bacharel em Relações Internacionais e mestre em Administração Pública. Trabalha na Assessoria de Articulação, Parceria e Participação Social da Governadoria do Estado de Minas Gerais. Escreve regularmente para o sítio<www.antonioclaret.com>.

2 Bacharel e licenciado em Ciências Sociais, além de especialista em Elaboração, Gestão e Avaliação em Projetos Sociais pela UFMG. Mestre em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor e gestor de projetos sociais. Atua na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Governo de Minas.

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Antônio Claret de Souza Filho 1 Marcos Arcanjo de Assis 2

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O trabalho das entidades no desenvolvimento da política

socioassistencial contribui para efetivar um modelo inovador de proteção social. As entidades são importantes parceiras do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tanto na execução de projetos e serviços quanto no controle social e, por isso, precisam estar alinhadas aos recentes modelos organizacio-nais de planejamento e gestão de intervenções sociais.

Formular estratégias na área do desenvolvimento social e da supe-ração da pobreza é um desafio robusto quando consideramos a complexidade da sociedade atual-mente. São múltiplas as causas e os determinantes sociais das situações de desproteção social. Soma-se ao repto a insuficiência de tecnologias sociais consistentes, que garantam, com um mínimo de certeza, que uma intervenção resolverá o problema sobre o qual pretende agir. Nesse contexto, novas formas de planejar e

gerenciar intervenções sociais pas-sam a incorporar a prática de gover-nos e entidades do terceiro setor. Trata-se de um movimento de inova-ção quanto à maneira de promover o bem público, revendo-se os modelos adotados até então. O planejamento estratégico e a gestão com base em resultados são abordagens de geren-ciamento de projetos sociais que se alinham a esse fluxo de inovação. Compreender os seus princípios e elementos é tarefa indispensável para as entidades que desenvolvem serviços e projetos sociais, em busca de um trabalho efetivo e promotor de mudanças na realidade.

Neste texto, pretende-se apresentar sumariamente as características e os fundamentos do modelo de pla-nejamento estratégico voltado para resultados como forma de despertar gestores e técnicos das entidades vinculadas ao SUAS para a importân-cia de incorporar esses fundamen-tos em sua prática de trabalho. Na primeira parte, discorre-se acerca do conceito e dos elementos funda-mentais do planejamento estratégico. Em seguida, os princípios da gestão para resultados e os componentes necessários para o planejamento de intervenções sociais são descritos. Na terceira parte, propõe-se refletir sobre a necessidade de a rede de parceiros das entidades se envolver nos processos de monitoramento e avaliação do trabalho desenvolvido pelas entidades.

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A dinamicidade dos ambientes nos quais as organizações

atuam é um dos desafios que elas precisam enfrentar, inde-pendentemente de seu tamanho ou local e nicho de atuação. As sociedades passam por transfor-mações rápidas e significativas, que impactam o trabalho das organizações. No caso do Estado e das entidades do terceiro setor parceiras, as mudanças sociais devem ser consideradas no pro-cesso de planejamento e gestão, tendo em vista a importância de criar uma linha de ação capaz não apenas de adaptar seu modo de funcionamento para respon-der às mudanças no curto prazo, mas também, e principalmente, de estabelecer um caminho por meio do qual ela possa alcançar objetivos no longo prazo.

É nesse contexto que se inserem as ideias de estratégia e planejamento

Noções básicas de planejamento estratégico

estratégico e suas aplicações. Os conceitos e as ferramentas de estratégia possibilitam a constru-ção de um caminho que antevê a relação da organização com o ambiente, favorecendo-a no alcance de resultados, objetivos, metas e missão.

Há diferentes conceitos que podem ser utilizados para definir o que é estratégia. Entretanto, todos eles ressaltam a ideia de planeja-mento, de construção do futuro no ambiente e de alcance de objeti-vos, o que pode ser considerado, portanto, a essência da estratégia. Planejar, em linhas gerais, significa lançar um olhar à frente, visando estruturar tudo aquilo de que a organização dispõe (recursos finan-ceiros, recursos humanos, tempo etc.) para construir um caminho que alcance objetivos e metas. Pensar o planejamento em uma perspectiva estratégica, por sua

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vez, consiste em aplicar a ideia do planejamento em relação ao futuro desejado pela organização do ambiente no qual ela se insere. Para tanto, o planejamento estra-tégico oferece ao gestor uma série de ferramentas de construção, organização e detalhamento da informação, desenhando o “cami-nho a ser seguido”. Porto e Silveira (2010) afirmam que um plano estratégico é simples e simboliza o percurso que a instituição definiu para progredir de um contexto real e presente para outro desejado, sempre considerando as condições de incerteza.

No contexto do planejamento estra-tégico, três elementos devem ser considerados pela organização. A missão da organização é sua razão de ser, isto é, o objetivo último pelo qual ela existe; a definição da mis-são é extremamente importante para criar uma identidade organiza-cional que permita estabelecer um alinhamento do que a organização faz hoje com aquilo que ela pre-tende ser no futuro. Para determi-nar a missão de uma organização, deve-se levar em consideração o que ela faz, qual é o seu público e de que maneira desenvolve aquilo que lhe cabe.

A visão de uma organização con-siste no contexto futuro desejado. Trata-se, desse modo, de um prog-nóstico ideal a ser perseguido.

A visão possibilita a construção do planejamento estratégico: é preciso planejar uma rota a seguir para alcançar o ideal futuro. A visão é como um farol que indica o cami-nho a um navegador: se o farol está bem posicionado e lança sua luz na direção adequada, a viagem do navio tende a ser mais segura e a probabilidade de desvios diminui.

Por fim, os valores da organização dizem respeito às crenças por ela adotadas como pressupostos de sua atuação, ou seja, aos elemen-tos que fundamentam a sua prá-tica no dia a dia e no longo prazo (estratégia).

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Ferramentas de planejamento e princípios da gestão por resultados

Uma organização que planeja estrategicamente o seu tra-

balho deve se orientar por resul-tados factíveis e que reflitam a missão e a visão definidas. O resultado, neste caso, consiste na produção de mudanças na realidade a partir da entrega de um produto ou serviço pela organização, isto é, dos efeitos de uma intervenção no curto ou médio prazo (MUNIZ et al. 2010).

A gestão por resultados deve, segundo Porto e Silveira (2010), orientar-se por alguns princípios. Primeiramente, é preciso mobi-lizar diferentes tipos de recursos e parcerias para desenvolver um trabalho em rede que possa maxi-mizar o alcance dos resultados. O público-alvo deve participar diretamente do processo, dei-xando claro para a organização as demandas que devem ser consideradas para a definição dos resultados a serem perseguidos.

Outro princípio importante se refere à estruturação de um portfólio, isto é, ações e estraté-gias de intervenção que devem ser desenvolvidas para que os resultados sejam alcançados. Cada ação precisa ser planejada de modo a contribuir com uma parte do objetivo planejado. As pessoas envolvidas na gestão por resultados têm de adotar uma atitude empreendedora. Uma vez valorizados pela organização, o que muitas vezes ocorre por meio de estímulos e planos de incentivo ao bom desempenho no trabalho, os profissionais tornam-se mais criativos, comprometidos e res-ponsabilizados com os resultados. Outro princípio diz respeito à gestão intensiva e em tempo real, ou seja, o acompanhamento sistemático da execução do portfólio, necessário para a tomada de decisão por parte dos gestores a fim de corrigir rumos, superar obstáculos e potencializar a consecução dos resultados.

Quando orientado para resultados, o planejamento de ações e projetos de intervenção também conta com outras ferramentas importantes. Objetivos factíveis e mensuráveis, seja no nível mais amplo de pro-pósitos de desenvolvimento, seja no nível mais específico do projeto ou ação, devem ser definidos como orientação estratégica do desenvol-vimento da ação.

Os resultados, entendidos como mudanças necessárias para chegar ao cenário futuro, ou seja, aos obje-tivos previstos, são traduzidos no nível prático pelo estabelecimento de metas. As metas se definem em termos de quantidade, qualidade e tempo e são mensuradas por meio dos indicadores. Para exemplificar, pensemos no seguinte resultado de um projeto desenvolvido por uma entidade: melhorar as condições de empregabilidade dos jovens de determinada comunidade. Para isso, estabelece-se como meta: no mínimo 50% (quantidade) dos jovens concluindo os cursos profis-sionalizantes (qualidade) em até um ano após o início do projeto (tempo). Os indicadores são instrumentos de medição que escolhem aspectos da realidade capazes de dizer como e para onde ela se move.

Além dos resultados, devem ser definidos os insumos que serão empregados para o desenvolvi-mento da estratégia e o alcance dos resultados. Nesse caso, recursos físicos, financeiros, humanos, materiais, dentre outros, precisam ser criteriosamente planejados. No nível mais específico do plane-jamento dos projetos, encontram--se as atividades que consistem nas ações e medidas que devem ser realizadas para a consecução dos resultados. Cada atividade ou conjunto delas deve estar associado a um resultado previsto.

Por fim, salienta-se ainda a impor-tância de o planejamento estra-tégico estar atento aos fatores do ambiente interno ou externo ao projeto que podem afetar o alcance dos resultados: são os chamados pressupostos. Esses fatores fogem do controle da gestão do projeto, portanto, devem ser identificados previamente no planejamento e monitorados na execução.

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As redes de monitoramento e avaliação do trabalho das entidades

D iscorreu-se anteriormente sobre diferentes elementos

que precisam ser considerados para o planejamento de inter-venções sociais orientadas por resultados. Vale ressalvar que um planejamento consistente não implica necessariamente execu-ção exitosa de uma intervenção. Isso porque existe uma distância entre a fase de planejamento e a de implementação, caracterizada

pelas diferenças entre tempo e contextos em que ocorrem e entre os atores que formulam e os que executam. Por isso, como se buscou evidenciar, o planejamento estratégico pre-tende encurtar essa distância, na medida em que estabelece cená-rios a serem conquistados no médio e curto prazo e resultados que orientam esse caminho.

O planejamento é, então, somente uma das etapas do ciclo de vida das intervenções sociais. Antes dele, tem-se a concepção dedicada a analisar o contexto socioeconômico e político em que a intervenção será realizada, isto é, a diagnosticar os proble-mas e desafios sociais que serão enfrentados. O produto final dessa fase é uma lista de objetivos esta-belecidos para a ação ou projeto. Após o planejamento, vem a fase de execução, na qual o que foi plane-jado é implementado e se monitora

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o desenvolvimento do plano de intervenção. Por fim, há a fase de avaliação: nela pretende-se checar em que medida as metas foram cumpridas e os resulta-dos foram alcançados. As fases desse ciclo não são estanques, separadas formalmente umas das outras. Pelo contrário, sempre que necessário, deve-se retornar às fases anteriores a fim de corrigir entraves ou problemas e redese-nhar atividades, com o intuito de avançar na busca dos resultados pretendidos. Trata-se, enfim, de um ciclo retroalimentado.

Um dos princípios da gestão para resultados discutidos nos pará-grafos anteriores é a mobilização de parcerias para a maximização dos resultados planejados. Nesse contexto, a ideia de identificar e organizar uma rede de parceiros que possa auxiliar no trabalho das entidades é fundamental.

A noção de rede nos remete de imediato à imagem de um ema-ranhado de fios, de uma malha ou mesmo de uma teia de aranha. Esse conceito é utilizado para caracterizar estruturas e pro-cessos nas mais diversas áreas do conhecimento humano: rede de computadores, rede neural, rede telefônica, rede de trans-portes, rede socioassistencial. O termo rede, portanto, é utilizado para designar a interligação, ou

entrelaçamento, de pontos/nós diversos. O objetivo do estabele-cimento dessas conexões entre pontos é o de garantir que trocas sejam possíveis. Assim como as ligações, os elementos trocados podem ser concretos ou abstratos.

A teoria social, quando trata de redes, ocupa-se das relações que têm certa perenidade e que são estabelecidas entre pessoas e/ou instituições.

A sociedade só existe a partir das redes que os indivíduos esta-belecem. São precisamente os laços que as pessoas constroem entre si que fornecem significado para a ação social, uma vez que o papel que cada elemento da rede desempenha só pode ser com-preendido por sua interação com o outro. Se não há interação, não existe troca e não existe recipro-cidade, assim não existe também ação social, nem rede. (CLARET FILHO, 2012).

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O objetivo de organizar institui-ções e pessoas em estruturas que tenham o formato de rede é garantir o compartilhamento de recursos, informações, esforços e experiências para alcançar resultados comuns. Além disso, a rede se envolve no monitoramento (supervisão) das atividades das entidades, que devem contar com o apoio da rede para o acompa-nhamento e a avaliação de proje-tos e intervenções que realizam. Nos dois casos, a rede é funda-mental para o efetivo controle social das organizações sociais que atuam no âmbito do SUAS.

Nesse sentido, no trabalho a ser desempenhado pelas entidades vinculadas ao SUAS, é preciso incorporar cada vez mais a prática do monitoramento e da avalia-ção. Essas fases vêm assumindo grande importância na gestão social com experiências de pro-jetos anteriores, mostrando o que deu certo ou não, a fim de buscar uma atuação mais efetiva no campo em que atuam. Uma reflexão sobre essas duas etapas do ciclo de vida das intervenções sociais faz-se, por ora, necessária.

O monitoramento e a avaliação caminham juntos no momento da execução de um projeto e não podem ser tomados como ativi-dades isoladas. O monitoramento é essencial para que os gestores possam perceber o desempenho de suas ações na execução de um projeto. Funciona como um acompanhamento dos objetivos, informando os executores sobre a eficácia do projeto, entendida como o cumprimento das metas ou o grau em que resultados poderão ser alcançados. No moni-toramento, constrói-se um sis-tema de indicadores do processo de implementação de um projeto e com base nele é possível rede-senhar atividades, tomar outros caminhos, alocar recursos de maneira mais eficiente e garantir que o projeto alcance êxito. Por exemplo, num projeto na área de

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weducação, o monitoramento pode ser útil para controlar o número de alunos beneficiários matricula-dos, acompanhar a evasão e des-cobrir os seus porquês, buscando medidas que a evitem, pode-se medir se o currículo proposto está sendo desempenhado no tempo previsto ou ainda se o rendimento dos alunos nos testes aplicados é satisfatório etc.

Na contemporaneidade, há certa tendência em aumentar a racio-nalidade dos projetos sociais, desafio imposto à burocracia, à tecnocracia e aos empresários, munidos da responsabilidade de executar estratégias fundamenta-das na superação dos erros pas-sados e na continuidade do que foi exitoso. Políticas mais racionais são desenhadas com base em modelos metodológicos adequa-dos de elaboração, monitoramento e avaliação, pois já não se podem perder os escassos tempo e recur-sos disponíveis para o desenvolvi-mento social de uma população.

Avaliar é um processo intrínseco ao comportamento social. Os indivíduos, regularmente, exami-nam suas ações, com o intuito de ajustá-las no futuro. Não se deve persistir no erro nem “mexer em time que está ganhando”, diz a sabedoria popular. Por meio de modelos avaliativos, o julgamento do que deve seguir adiante ou ser

interrompido é mais racional e consistente. Em outras palavras, a avaliação é uma maneira de distinção do que tem valor ou não. No caso dos projetos sociais, a avaliação é também uma atividade processual cujo objetivo é criar, coletar e compor dados sobre o desempenho das ações.

Sob esse prisma, a atividade ava-liativa não é autossuficiente ou isolada, mas sim uma dimensão intensamente ligada ao ciclo de vida das iniciativas da área social, servindo para mensurar: sua efi-ciência, com a finalidade de mini-mizar os recursos aplicados por uma ação política, maximizando os produtos que ela pode gerar; e sua efetividade, entendida como o impacto provocado por tais inicia-tivas na transformação da situação de vulnerabilidade social em que vive a população a que se destinam.

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Notas finais

Estabelecer a estratégia e apli-car as ferramentas de plane-

jamento estratégico são práticas cada vez mais presentes no foco das organizações, dada sua impor-tância crescente na resolução dos desafios organizacionais contem-porâneos. Na área pública essa importância é mais significativa, levando em consideração que a atuação do Estado e de entidades do terceiro setor deve impactar diretamente as condições de bem--estar da sociedade. Nesse sentido, os conceitos e fundamentos aqui descritos devem ser incorpora-dos sistematicamente às práticas de trabalho de gestores e equipe técnica dessas organizações e

embasar as intervenções dese-nhadas para alcançar os objetivos, especialmente os estratégicos.

No ambiente em que atuam as entidades vinculadas ao SUAS, existe uma rede de parceiros que deve se envolver com o trabalho desempenhado por elas. Um papel fundamental da rede é monitorar e avaliar a atuação dessas organi-zações como forma de viabilizar o controle social e acompanhar os resultados promovidos.

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