É o fim do desperdício?

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52 53 Horizonte Geográfico Horizonte Geográfico A caminho do Várias iniciativas tentam impedir a distribuição gratuita de sacolas plásticas com o objetivo de incentivar o consumo consciente. Resta saber se proibir é, de fato, o melhor caminho E ra domingo à noite, chovia em Belo Horizonte (MG). A caminho da casa de amigos, duas mulheres param em um supermercado para comprar alguns pe- tiscos. Com as compras já pagas, uma de- las vasculha o caixa em busca de sacolas plásticas. A outra pega alguns itens, separa outros para sua colega e sai caminhando. “É pouca coisa, dá para levar nas mãos”, foi tudo que disse enquanto já se dirigia à saída. A diferença entre as duas consumidoras é que a primeira mora em São Paulo (SP) e a segunda vive em Belo Horizonte (MG). Na capital mineira, uma lei que proibiu a distri- buição gratuita de sacolas no comércio en- trou em vigor em abril de 2011 e, seis meses depois, a jovem mineira parecia plenamente acostumada com a situação. Sua amiga, que já não vivia na cidade há alguns anos, não. Mas, em breve, ela e os outros 10 milhões de moradores de São Paulo deverão, gostando ou não, adaptar-se também, já que uma lei similar, regulamentando e restringindo a circulação de sacolas plásticas, deve entrar em vigor na metrópole em 2012. As iniciativas que visam reduzir drastica- mente o uso de sacolas plásticas não são ex- clusividade das duas capitais. Várias outras cidades – como Jundiaí (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE) – têm discutido leis seme- lhantes. Cada norma traz suas peculiari- dades, mas, de forma geral, tentam proibir a distribuição gratuita de sacolas plásticas e propõem como alternativas as chamadas sacolas ecológicas, que têm vida útil mais longa, ou as sacolas biodegradáveis. Em muitos casos, inclusive na capital paulista, a discussão virou caso de Justiça, pois a lei, depois de promulgada, foi questionada por entidades como o Sindiplast (Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo). “Quem deve legislar sobre ques- tões ambientais é o Congresso Nacional, não os municípios. Por isso estamos dis- cutindo a constitucionalidade dessas leis”, argumenta Paulo Teixeira, superintendente do Sindiplast. Assim, muitas das normas estão com sua aplicação suspensa graças a liminares judiciais. No momento, Belo Horizonte é a única grande cidade do país na qual a lei já vigora e os estabelecimentos encontrados descum- prindo a norma são multados. Por enquanto, a medida tem sido efetiva. “O único lugar em que sei que ainda se entregam produtos em sacolas plásticas é no Shopping Oi. Mas aí não vale, porque, se eles já vendem produ- tos de contrabando, não vão se preocupar com sacolas, né?”, brinca a mineira Juliana Galvão, referindo-se ao Shopping Oiapoque, estabelecimento popular que reúne bancas de camelô no centro de Belo Horizonte. De acordo com Marco Innecco, vice-presidente de comunicação da Câmara de Diretores Lojistas de Belo Horizonte, no início houve alguns conflitos entre consumidores, que exigiam as sacolas para levar suas compras, e lojistas, que não podiam atender aos pe- didos. “Mas hoje já não temos problemas, a prática foi incorporada”, diz. As justificativas para a implementação dessas leis são semelhantes e, de forma ge- ral, versam sobre o problema do lixo. Tradu- zindo em miúdos, as sacolas de polietileno, especialmente as mais finas, não deveriam ser distribuídas gratuitamente no comér- cio para depois não irem parar nas ruas, entupir sistemas de canalizações urbanos ou poluir os mares. Mas, de acordo com o diretor-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, Carlos Silva Filho, o tiro pode sair pela culatra. “Tirar as sacolas de circulação não significa resolver o problema do lixo urbano e pode até piorá-lo”, diz. Entenda por que nas próximas páginas. fim do desperdício Texto | Natália Martino ISTOCKPHOTO 52 Horizonte Geográfico 53 Horizonte Geográfico

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Várias iniciativas

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52 53Horizonte Geográfico Horizonte Geográfico

A caminho do

Várias iniciativas tentam impedir a distribuição gratuita de sacolas plásticas com o objetivo de incentivar o consumo consciente. Resta saber se proibir é, de fato, o melhor caminho

Era domingo à noite, chovia em Belo

Horizonte (MG). A caminho da casa

de amigos, duas mulheres param em

um supermercado para comprar alguns pe-

tiscos. Com as compras já pagas, uma de-

las vasculha o caixa em busca de sacolas

plásticas. A outra pega alguns itens, separa

outros para sua colega e sai caminhando.

“É pouca coisa, dá para levar nas mãos”, foi

tudo que disse enquanto já se dirigia à saída.

A diferença entre as duas consumidoras é

que a primeira mora em São Paulo (SP) e a

segunda vive em Belo Horizonte (MG). Na

capital mineira, uma lei que proibiu a distri-

buição gratuita de sacolas no comércio en-

trou em vigor em abril de 2011 e, seis meses

depois, a jovem mineira parecia plenamente

acostumada com a situação. Sua amiga, que

já não vivia na cidade há alguns anos, não.

Mas, em breve, ela e os outros 10 milhões de

moradores de São Paulo deverão, gostando

ou não, adaptar-se também, já que uma lei

similar, regulamentando e restringindo a

circulação de sacolas plásticas, deve entrar

em vigor na metrópole em 2012.

As iniciativas que visam reduzir drastica-

mente o uso de sacolas plásticas não são ex-

clusividade das duas capitais. Várias outras

cidades – como Jundiaí (SP), Rio de Janeiro

(RJ) e Recife (PE) – têm discutido leis seme-

lhantes. Cada norma traz suas peculiari-

dades, mas, de forma geral, tentam proibir

a distribuição gratuita de sacolas plásticas

e propõem como alternativas as chamadas

sacolas ecológicas, que têm vida útil mais

longa, ou as sacolas biodegradáveis. Em

muitos casos, inclusive na capital paulista,

a discussão virou caso de Justiça, pois a lei,

depois de promulgada, foi questionada por

entidades como o Sindiplast (Sindicato da

Indústria de Material Plástico do Estado de

São Paulo). “Quem deve legislar sobre ques-

tões ambientais é o Congresso Nacional,

não os municípios. Por isso estamos dis-

cutindo a constitucionalidade dessas leis”,

argumenta Paulo Teixeira, superintendente

do Sindiplast. Assim, muitas das normas

estão com sua aplicação suspensa graças

a liminares judiciais.

No momento, Belo Horizonte é a única

grande cidade do país na qual a lei já vigora

e os estabelecimentos encontrados descum-

prindo a norma são multados. Por enquanto,

a medida tem sido efetiva. “O único lugar em

que sei que ainda se entregam produtos em

sacolas plásticas é no Shopping Oi. Mas aí

não vale, porque, se eles já vendem produ-

tos de contrabando, não vão se preocupar

com sacolas, né?”, brinca a mineira Juliana

Galvão, referindo-se ao Shopping Oiapoque,

estabelecimento popular que reúne bancas

de camelô no centro de Belo Horizonte. De

acordo com Marco Innecco, vice-presidente

de comunicação da Câmara de Diretores

Lojistas de Belo Horizonte, no início houve

alguns conflitos entre consumidores, que

exigiam as sacolas para levar suas compras,

e lojistas, que não podiam atender aos pe-

didos. “Mas hoje já não temos problemas, a

prática foi incorporada”, diz.

As justificativas para a implementação

dessas leis são semelhantes e, de forma ge-

ral, versam sobre o problema do lixo. Tradu-

zindo em miúdos, as sacolas de polietileno,

especialmente as mais finas, não deveriam

ser distribuídas gratuitamente no comér-

cio para depois não irem parar nas ruas,

entupir sistemas de canalizações urbanos

ou poluir os mares. Mas, de acordo com o

diretor-executivo da Associação Brasileira

de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos

Especiais, Carlos Silva Filho, o tiro pode sair

pela culatra. “Tirar as sacolas de circulação

não significa resolver o problema do lixo

urbano e pode até piorá-lo”, diz. Entenda

por que nas próximas páginas.

fim do desperdício

Texto | Natália Martino

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...descartar meu lixo? Será necessário conseguir outras sacolas para acondicionar o lixo. É uma questão de saúde pública. “Existe um bairro de Berlim no qual as pessoas descartam o lixo direto no latão, sem sacola. Mas é outro tipo de coleta, da qual estamos muito longe. É preciso ter cuidado para não contaminar a via pública e não atrair animais e insetos indesejáveis. Por enquanto, precisamos das sacolas para acondicionar o nosso lixo”, admite Flávio Ribeiro, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dessa forma, espera-se que as pessoas comprem sacos de lixo para esse fim – de plástico.A solução encontrada pela bióloga belo-horizontina Cristina Telhado foi diferente. Ela guarda todo o tipo de embalagem plástica que chega às suas mãos, como as usadas pelos fabricantes para proteger um liquidificador na caixa, para depois descartar seu lixo. Essa boa solução, porém, não virou regra. De acordo com Carlos Silva Filho, da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, muitas pessoas que não querem pagar pelos sacos de lixo acabam jogando seus resíduos diretamente nas lixeiras ou os acondicionando em caixas de papelão, que não resistem às chuvas e ao peso. “Estamos recebendo várias reclamações de nossas associadas nas cidades nas quais as sacolas têm sido eliminadas”, afirma.

Mas, sem as sacolinhas plásticas, como eu vou...

...fazer compras? Quando chega a hora de comprar em um estabelecimento que não oferece sacolas plásticas, o consumidor tem, em geral, duas opções. A primeira é levar de casa sua própria sacola, em geral duráveis e produzida de materiais como PET reciclado e vinil. “Passei a andar sempre com uma na bolsa e a outra deixo em casa”, conta a publicitária Marina Moretszohn sobre sua mudança de hábito com a nova lei de Belo Horizonte. A segunda opção seriam as sacolas biodegradáveis, que passaram a ser vendidas, e não distribuídas gratuitamente. Em Belo Horizonte, elas custam R$ 0,16 nos supermercados.

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Como o mundo lida com as sacolas plásticas

Estados Unidos: Em 2007, São

Francisco tornou-se a primeira cidade

americana a restringir o uso de sacolas

plásticas. Outras cidades do país, como Oakland, seguiram o exemplo

posteriormente.

Botswana: Levar suas próprias sacolas ou pagar por versões biodegradáveis das antigas sacolas são as únicas opções de quem vai às compras no país desde 2006.

Argentina: Uma lei sancionada na

província de Buenos Aires, em 2008, obrigou

os supermercados a substituírem, em um

prazo de dois anos, as sacolas plásticas por

biodegradáveis.

China: Em 2008, o governo anunciou

a proibição de sacolas finas e o aumento de impostos das

demais, que passaram a ser vendidas e não distribuídas gratuitamente.

Taiwan: Em 2001, o governo proibiu a

distribuição gratuita de sacolas plásticas por agências do governo, escolas e organizações

militares. Posteriormente, supermercados e lojas

de departamentos foram incluídos na lei.

Irlanda: Em 2002, o país proibiu sua

distribuição gratuita e o comércio passou

a cobrar, na época, 15 centavos de dólar por sacola. Em menos de dois meses, o uso de sacolas plásticas foi reduzido em 94%.

África do Sul: Em 2003, o governo

estipulou uma espessura

mínima para a comercialização

das sacolas e obrigou o comércio a cobrar por elas.

França: Sacolas não biodegradáveis são

proibidas desde 2010. Campanhas de educação

sobre o tema eram desenvolvidas desde 2003

e o governo ofereceu incentivos financeiros à indústria do plástico para que sua produção

fosse reorientada.

Bangladesh: As sacolas foram proibidas na capital,

Dhaka, por terem sido consideradas culpadas

pelos bloqueios nos sistemas de drenagem que, em 1988 e 1998, levaram a cheias que submergiram o país.

Itália: Foi um dos primeiros países do mundo a

considerar as sacolas plásticas um problema ambiental. Em

1989, criou um imposto sobre o produto que o tornou mais

caro do que as alternativas – o imposto chegou a ser cinco

vezes mais alto do que o custo de produção das sacolas.

Dinamarca: Criou um imposto para o produto, que é pago pelos comerciantes. O objetivo era que o

comércio estimulasse o uso de alternativas mais

ecológicas. Em dez anos, o uso de sacolas plásticas foi reduzido em mais de 60%.

Índia: Himachal Pradesh foi o primeiro

estado indiano a colocar em prática uma lei

federal que prescreve multa ou prisão para qualquer um que for encontrado com uma sacola de polietileno.

Brasil: Várias cidades do país têm tentado

implementar leis para proibir a distribuição das sacolinhas, mas a maioria tem sido

barrada judicialmente. Belo Horizonte foi a primeira cidade a

colocar a lei em vigor.

55Horizonte Geográfico

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56 Horizonte Geográfico

De onde vêm as sacolas?

Petróleo. Essa é a matéria-prima bási-

ca para a produção de sacolas de po-

lietileno, as tradicionais sacolinhas

plásticas. E esse é também um dos argumen-

tos de quem defende o fim da distribuição

gratuita desse produto nos estabelecimentos

comerciais. “O petróleo não é um recurso re-

novável e tem importância estratégica funda-

mental para a nossa sociedade. Então, temos

de usá-lo só quando não houver alternativa”,

explica Flávio de Miranda Ribeiro, assessor

técnico da Secretaria do Meio Ambiente do

Estado de São Paulo, que esteve à frente das

negocia ções com a Apas (Associação Paulista

de Supermercados) para assinar um Protoco-

lo de Intenções que visa substituir as sacolas

de plástico por opções reutilizáveis nos super-

mercados de todo o estado. Nem todo mundo,

porém, concorda. “Apenas 4% do petróleo do

mundo é utilizado para ser transformado em

plástico, que vai virar uma série de produtos

essenciais, não apenas sacolas”, diz Miguel

Bahiense, presidente da Plastivida (Instituto

Socioambiental do Plástico).

Para Bahiense, o que precisa ser atacado

é a forma como o recurso é utilizado, e não

a sua utilização em si. “Hoje você vai ao

supermercado e compra, digamos, um saco

de arroz. O que você faz? Usa duas ou três

sacolas de uma vez porque sabe que uma

só não suportará o peso”, diz. Ele explica

que isso só acontece porque é comum en-

contrarmos sacolas produzidas em discor-

dância com as normas da ABNT (Associação

Brasileira de Normas Técnicas), segundo as

quais elas deveriam suportar até 6 quilos.

Para tentar reverter esse uso indiscrimi-

nado das sacolas, a Plastivida iniciou, em

2007, um programa de educação ambiental

que buscou conscientizar a indústria, para

produzir sacolas dentro das normas, e o

comércio, para só comprar essas sacolas

mais resistentes. O próximo passo foi trei-

nar os vendedores para explicar aos clientes

que ali não eram necessárias várias sacolas

para um único produto. O resultado foram

cinco milhões de sacolas a menos circulan-

do no país entre 2008 e 2010.

Linha de produção da fábrica de sacolas plásticas Extrusa-Pack, na qual são feitas de amido, em Cumbica, Guarulhos

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57Horizonte Geográfico

O custo ambiental da produção de sacolas

Sacolas ecológicas: Segundo pesquisa da Agência Ambiental Britânica, realizada entre 2005 e 2007, para que a utilização das sacolas ecológicas seja ambientalmente vantajosa em relação às sacolas plásticas, elas precisam ser reutilizadas mais de 170 vezes. De acordo com a mesma pesquisa, os britânicos a reutilizam apenas 51 vezes. o estudo leva em consideração, principalmente, a emissão de gás carbônico, um dos principais gases de efeito estufa, durante toda a vida útil de vários tipos de sacolas.

Sacolas biodegradáveis: Existem várias matérias-primas que podem ser usadas na sua produção. o amido de milho, por exemplo, tem sido uma opção muito utilizada. Trata-se de um recurso renovável, que, por isso, deveria ser melhor que o petróleo. Mas, quando se discute questões ambientais, nada é totalmente isento de impactos. “Se substituirmos todas as sacolas plásticas do mundo por embalagens produzidas a partir de amido de milho, logo as pessoas começarão a questionar o uso de enormes campos para plantações de milho para sacolas e não para cultivo de produtos alimentícios”, argumenta Miguel Bahiense, da Plastivida.

Na medida para o lixo

Sacos de lixo: Comumente são produzidos a partir de material já reciclado várias vezes, o que diminui seu impacto na fase de produção. “isso sem contar que é feito para descartar o lixo – tem as medidas e as características certas para isso”, diz Flávio Ribeiro, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

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58 Horizonte Geográfico

No cerne de toda a discussão sobre as

sacolas plásticas está o seu destino

final. Imagens de belas tartarugas

com sacolas na boca ou de enormes ilhas de

plástico no meio do oceano estão disponíveis

à demasia na internet e costumam chocar.

Mesmo os que não acessam tais imagens po-

dem ver facilmente sacolas plásticas voando

pelas ruas das grandes cidades. Na África

do Sul, elas chegaram a ser chamadas de

“flor nacional” por serem frequentemente

encontradas balançando em cercas ou ar-

bustos até que, em 2003, o governo começou

a forçar a diminuição do seu uso (veja quadro

na página 20). Para piorar, o tempo de decom-

posição dos plásticos é estimado em mais

de 100 anos – alguns estudiosos falam em

300, até 400 anos, mas como esse material

ainda não completou nem um século de

vida em nossa sociedade, nenhum plástico

se decompôs no ambiente ainda para que o

número exato pudesse ser definido.

Por isso, deixar de distribuir sacolas

plásticas implicaria, para os que defendem

a retirada do artigo de circulação, em uma

diminuição do lixo que acaba contaminando

animais selvagens ou entupindo os sistemas

de canalização urbana. “Mas essas sacolas

não deveriam chegar às ruas ou aos ma-

res. Se chegaram, é por destinação errada

de resíduos sólidos e aí qualquer produto

pode virar um problema ambiental”, rebate

Miguel Bahiense, da Plastivida. Em sua argu-

mentação, ele repete várias vezes os termos

“reutilizável” e “reciclável” como característi-

cas do plástico que, segundo ele, tornariam

as sacolinhas produtos essencialmente sus-

tentáveis. “Sacolas plásticas são reutilizadas

o tempo todo, seja para levar um sapato em

uma viagem ou para descartar o lixo. E se

não for reutilizada, pode ser reciclada”, diz.

O que acontece, porém, é que muitas

vezes as sacolas que não são reutilizadas

também não chegam até a reciclagem. A

falha está em uma quase inexistente coleta

seletiva. De acordo pesquisa realizada pelo

Cempre (Compromisso Empresarial para Re-

ciclagem) em 2010, apenas 443 municípios

brasileiros, 8% do total, operam programas

de coleta seletiva. E, na maioria deles, esses

programas não alcançam nem 10% da popu-

lação. No caso de outros produtos, como vi-

dro, alumínio e até papelão, essa deficiência

nos sistemas municipais de gerenciamento

de lixo acaba sendo em parte suprido pelo

seu valor agregado. Indústrias de reciclagem

compram a sucata dos catadores por peso

e, temos de admitir, acumular 1 quilo de sa-

cola plástica é muito mais desgastante do

Para aonde vão as sacolas?

Fardos de sacolas plásticas para reciclagem

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59Horizonte Geográfico

Sacos de lixo: Se forêm descartados de forma equivocada, os sacos de lixo têm exatamente o mesmo impacto ambiental que as sacolas plásticas. A diferença é que, ao contrário das sacolinhas, os sacos de lixo não são distribuídos gratuitamente; são comprados, o que pode reduzir o desperdício. “o impacto menor será por causa do uso mais racional desse produto”, acredita João Sanzovo, diretor de Sustentabilidade da Apas.

Sacolas biodegradáveis: Sua grande vantagem é, teoricamente, a rápida decomposição. Mas são necessárias determinadas condições de luz e calor para que a degradação da embalagem biodegradável aconteça sem riscos ao ambiente. Essas condições são criadas apenas nas usinas de compostagem. ou seja, assim como seria necessário enviar as sacolinhas plásticas para a reciclagem, será essencial enviar as biodegradáveis para a compostagem. Se descartadas em vias públicas, como acontece com as sacolas plásticas, seu impacto ambiental continua grande. E há ainda um agravante: o Brasil conta com pouquíssimas usinas de compostagem em escala industrial. Só para se ter uma ideia, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada em 2008 pelo iBgE, apenas 0,62% do lixo compostável produzido no país é processado. De acordo com João Sanzovo, da Apas, porém, isso não é um problema porque a tendência é que as pessoas usem as sacolas biodegradáveis em quantidade muito menor do que usavam as sacolas plásticas. “o exemplo de Jundiaí mostra que apenas uma pequena parcela dos consumidores opta por adquirir sacolas biodegradáveis no caixa. Mais de 90% da população passou a usar sacolas reutilizáveis, caixas de papelão ou plástico e carrinhos de feira”, afirma.

que alcançar o mesmo peso com vidro, por

exemplo. Quem vive em grandes cidades

com certeza já presenciou pessoas reco-

lhendo latas de alumínio nas ruas, mas di-

ficilmente verá alguém em busca de sacolas

plásticas perdidas. E, se ninguém pega, elas

permanecem lá, nas ruas.

Quem defende a retirada das sacolas dos

estabelecimentos comerciais, porém, vê a

iniciativa como uma importante medida

educativa. “Independentemente da discus-

são matemática sobre o impacto de cada

material, o que queremos é combater a cul-

tura do desperdício”, explica Flávio Ribeiro,

da Secretaria do Meio Ambiente do Estado

de São Paulo. Para ele, iniciativas como a

campanha Vamos Tirar o Planeta do Sufoco, que

resultou do protocolo de intenções assinado

entre o órgão e a Apas (Associação Paulista

de Supermercado) para retirar as sacolas

plásticas de circulação, são vetores de cons-

cientização ambiental. “Muito mais do que

eliminar os prejuízos ambientais causados

pelas sacolas, queremos levar a população a

refletir sobre seus hábitos de consumo num

panorama mais amplo, que abarca todos

os outros produtos. A sacola é apenas um

objeto de uma ação de conscientização, es-

colhido por estar presente na vida cotidiana

de todo mundo e por ter atraído a atenção

da mídia graças às novas leis municipais”,

diz. Para a funcionária pública Maria José

Costa, que vive em Belo Horizonte, isso pode

funcionar, já que “as pessoas podem até con-

tinuar a jogar plásticos na rua, mas todos já

começaram a discutir esse problema”. Ape-

sar de concordar com a lei que eliminou as

sacolas dos estabelecimentos comerciais da

cidade, porém, ela pondera: “Leis não mu-

dam os homens, educação sim”.

O plástico na hora do descarte

As leis não mudam os homens, educação sim