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    Joo Carlos Correia

    Gil Baptista Ferreira

    Paula do Esprito Santo

    (Orgs.)

    Conceitos de ComunicaoPoltica

    LabCom Books 2010

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    Livros LabComwww.livroslabcom.ubi.ptSrie: Estudos em ComunicaoDireco: Antnio FidalgoDesign da Capa: Marco OliveiraPaginao: Marco OliveiraCovilh 2010

    ISBN: 978-989-654-039-5

    http://www.livroslabcom.ubi.pt/http://www.livroslabcom.ubi.pt/
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    ndice

    Apresentao 1

    Ideologia, Crtica e Deliberaopor Joo Carlos Correira 9

    Opinio Pblicapor Joo Pissarra Esteves 21

    Esfera PblicaporMaria Joo Silveirinha 33

    CidadaniaporIsabel Salema Morgado 43

    Democracia deliberativaporGil Baptista Ferreira 55

    As polticas de identidade e os mediapor Jos Ricardo Carvalheiro 67

    Comunicao eleitoralpor Paula do Esprito Santo, Rita Figueiras 77

    Spin doctoringe profissionalizao da comunicao polticaporEstrela Serrano 91

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    Interrogao e resposta na retrica de M. MeyerporTito Cardoso e Cunha 99

    PropagandaporNeusa Demartini Gomes 107

    Marketing poltico e comunicao (poltica)porJoana Lobo Fernandes 117

    Inquritos e sondagens de opinio pblicaporPaula do Esprito Santo 127

    AgendamentoporSusana Borges 137

    Priming: hiptese terica que relaciona estudos de recepo com jul-gamentos sobre governantesporEmerson Urizzi Cervi 145

    A espiral do silncio: uma teoria da opinio pblica e dos media

    porAntnio Rosas 155

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    Apresentao

    A Comunicao Poltica uma rea vasta em expanso quer sob o ponto devista da reflexo terica praticada nas Academias quer sob o ponto de vista dasua prtica em numerosos domnios da vida cvica.

    Por um lado, verifica-se uma inflexo crescente da instituio universitriano sentido de um srio aumento da investigao no mbito da ComunicaoPoltica. Vislumbra-se um claro aprofundamento dos estudos nesta rea vi-svel na imprensa universitria e especializada, na formao de Grupos deTrabalho nas Sociedades Cientficas nacionais e internacionais, na realizaode Congressos e de Reunies, no nmero de Teses de Doutoramento e disser-

    taes de Mestrado, na publicao de trabalhos de fundo, de livros e de mo-nografias que elegem a comunicao poltica como tema de trabalho. No casoportugus, os estudos em causa conhecem um surto editorial e uma ambiode pesquisa bastante evidente ao nvel da produo cientfica, em reas comoa comunicao eleitoral, polticas de identidade, utilizao dos novos meiosao servio da poltica, marketing poltico, participao cvica e deliberao oua anlise das interfaces entre jornalismo e poltica.

    Por outro lado, intensifica-se, ao nvel da vida poltica, uma adequaocrescente dos discursos tradicionais acerca dos assuntos pblicos s necessi-dades organizacionais e s convenes narrativas dosmass media. A questoda legitimidade , cada vez mais, uma questo comunicacional que se joga

    num espao pblico altamente massmediatizado. Nunca as questes relativass interfaces entremediae sistema poltico despertaram tanto interesse nemforam to decisivas, bastando para tal pensar nas polmicas desenvolvidas emtorno da Guerra do Golfo ou da cobertura do terrorismo.

    A poltica, tal como se pratica nos nossos dias, implica uma zona de in-terface com a comunicao. Para caracterizar esta interface, apareceram in-

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    2 Conceitos de Comunicao Poltica

    clusive neologismos ou expresses especficas como sejam poltica espect-culo, vdeo-poltica, poltica meditica, etc. Historicamente, o interessepor estas matrias foi suscitado pela extenso gradual dos direitos de voto epela crescente percepo da relevncia dos meios de comunicao na socie-dade em geral e, em particular, no processo poltico. Estas mudanas, maisrecentemente, esto a dar lugar emergncia de novos fenmenos que levamalguns autores a falarem de democracia meditica, um conceito que incluiuma poderosa referncia ao pblico dosmedia, s estratgias de comunicao

    desenvolvidas pelos actores polticos e interferncia de um corpo de profis-sionais especializados em comunicao, entre os quais ganha especial relevoa figura emergente dosspin doctors. A comunicao mediatizada tornou-seassim parte da cultura poltica. A cultura poltica, para o bem e para o mal, orientada de forma crescente pelos ritmos e exigncias estticas dosmass me-dia. Fala-se a propsito de campanha permanente para aludir a uma situaoem que a influncia dosmediae o peso das sondagens transformam a mensa-gem poltica numaperformancecontinua sujeita a uma avaliao permanente.

    Esta situao est associada a uma reconfigurao da prtica poltica nassociedades ocidentais com consequncias evidentes. Algumas alteraes soparticularmente verificveis na relativizao do poder dos grandes actores da

    poltica, como os parlamentos e os partidos; na acelerao dos horizontes tem-porais dos ciclos polticos; na personalizao e dramatizao do poder; namudana das caractersticas das mensagens polticas no sentido do seu ali-geiramento e da sujeio esttica televisiva; na seleco de estratgias deresoluo de problemas e nas escolhas de polticas que suscitam a adeso po-pular, ou, pelo menos, a no rejeio ou a aceitao passiva.

    Simultaneamente, h uma tendncia (paralela e, nalguns casos, contradi-tria, com a primeira) da sociedade e das instituies no sentido de reconfi-gurarem as dinmicas institucionais em funo de uma maior abertura par-ticipao pblica, dinamizando a participao dos cidados, a adopo cres-cente de estratgias de legitimao das instituies e das organizaes que

    enfatizam a necessidade de cidados activos, intervenientes no processo detomada de deciso. No mbito desta confluncia de preocupaes que con-vocam a participao cidad, possvel detectar uma preocupao crescentecom a qualidade da esfera pblica, com o papel da opinio pblica e com aimplantao de tcnicas, prticas e metodologias deliberativas (sondagens de-liberativas,consensus conference,citizens jury e outras) que conferem uma

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    inflexo especfica a este fenmeno, que ultrapassa, expande e ajuda a repen-sar as observaes formuladas ao nvel da filosofia poltica. Assim, um poucopor todo o lado, tambm na Europa, tem-se vindo a verificar um conjunto deexperincias que reflectem pressupostos deliberativos e de apelo participa-o dos cidados. Este movimento de interesse crescente generalizou-se naUnio Europeia e tem tido o seu reflexo tambm em Portugal e Espanha.

    Vrios factores contribuem para esta tendncia que se configura ao nvelprtico e da pesquisa:

    A conscincia crescente da necessidade de participao dos cidados ea preocupao que se faz sentir, nomeadamente na Europa, em torno dochamado dfice democrtico;

    A necessidade de afirmao da legitimidade institucional a partir da ges-to e da dinamizao comunicativa contnua de consensos;

    O desenvolvimento e a expanso de novos mtodos e prticas de deli-berao e um interesse cada vez maior pela aplicao desses mtodos eprticas no mundo da comunicao pblica;

    O aparecimento de novas experincias relacionadas com o papel da co-municao mediada;

    As oportunidades abertas pelosmediadigitais para o desenvolvimentode mtodos e prticas deliberativas;

    O interesse crescente dos nveis institucionais de deciso pela democra-cia deliberativa e seus mtodos.

    Com efeito, a comunicao um elemento chave para a manuteno deuma cultura poltica, na qual os debates polticos produzidos nas instnciasinformais de deliberao originam consequncias na aco das instituies

    polticas. Quando se insiste em temas como a responsabilidade, a diminuioda distncia entre governantes e governados, a prestao de contas perante oscidados, a obteno de uma maior proximidade do pblico, a necessidade deo sistema poltico adquirir receptividade para pretenses sociais conflituais,deparamos com realidades que s so compreensveis tendo em conta a inter-veno da comunicao, nomeadamente, da comunicao meditica. Assim,

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    4 Conceitos de Comunicao Poltica

    a existncia de media um elemento fundamental para a formao da pu-blicidade como requisito fundamental da deliberao, seja num sentido fracoquanto visibilidade, exposio social de fenmenos, intenes e planosque se oferecem ao conhecimento de todos, seja mesmo num sentido fortecriando condies ou contribuindo mesmo para a realizao do dilogo e paraa formao do juzo pblico.

    Portugal chegou a este estdio de relacionamento entre a poltica e a co-municao com relativo atraso por razes estruturais de natureza poltica e

    econmica. O nosso Pas conheceu at aos anos 80 um ambiente comuni-cacional caracterizado pela presena monopolista de um nico canal pblicode televiso, cujas caractersticas reproduziam ainda um certo cinzentismoherdado da ditadura de Oliveira Salazar, ele prprio um personagem muito fe-chado modernidade e desconfiado por natureza da Televiso, cuja aparioem Portugal perfilhou, embora sem entusiasmo. Por outro lado, a Comuni-cao Poltica em Portugal conheceu um momento incipiente tendo-se desen-volvido sob o ponto de vista de uma actividade desempenhada sistemtica eprofissionalmente apenas a partir do fim da dcada de 90.

    Em menos de trinta anos, todavia, Portugal passou de uma sociedade for-temente rgida do ponto de vista comunicacional caracterizada por um mo-noplio pblico de televiso exercido em condies de um frreo e monolticocontrolo governamental e de uma imprensa relativamente incipiente no querespeita sua profissionalizao coarctada de condies polticas e econmi-cas que permitissem o exerccio de uma actividade concorrencial para ummodelo empresarial de livre concorrncia plena e agressiva a que se adicionamas constantes novidades resultantes do fenmeno geralmente designado porSociedade da Informao. Esta transformao realizou-se em larga coin-cidncia com a modernizao capitalista do pas verificada com a adeso Unio Europeia.

    O livro Conceitos Fundamentais de Comunicao Poltica surge neste

    contexto deveras interessante em que a Comunicao Poltica ganha uma cen-tralidade nos estudos seja de comunicao seja de poltica, carecendo quer demodelos descritivos quer de reflexes normativas que apreendam a complexi-dade das modernas sociedades pluralistas.

    No imediato, este livro obedece a quatro inquietaes fundamentais quemotivaram os seus organizadores:

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    a) Dar uma viso do estado da arte no que respeita reflexo sobre aComunicao Poltica no mbito da comunidade acadmica, especial-mente aquela que se encontra prxima ou completamente inserida nosCursos de Cincias da Comunicao. No pretende pois, dar expressoda totalidade da comunidade acadmica que aqui se no reflecte.

    b) Dar uma viso do trabalho levado a efeito pelo Grupo de Trabalho daSociedade Portuguesa de Comunicao; o qual a expresso institucio-

    nal dos laos que unem a comunidade de investigadores referidos em a).Nesse sentido, assinalamos que, apesar da fluidez das relaes e do em-penhamento voluntarista que reside por detrs deste grupo de pesquisa,este grupo j organizou cinco jornadas e deu origem a trs volumes deinvestigao, para alm de ter promovido, coordenado e dinamizado asdiscusses que se produzem no seio do campo em torno dos Congressosda Sociedade Portuguesa de Comunicao.

    c) Servir de dinamizador para que mais estudos apaream. Fazer cincia fazer escola e essa escola traduz-se e mensurada, cada vez mais, empublicaes, eventos e organizaes.

    d) Dar um instrumento de conhecimento sistemtico, arrumando de formasimples, no exaustiva, alguns conceitos fundamentais. A vastido docampo e a sua interdisciplinaridade no autorizam tentativas imperialis-tas de sistematizao total. Por isso, um livro uma espcie de balanode um percurso e no a expresso final de um saber definitivo. Este livropretende chegar cabeceira, s estantes, s pastas e s sacolas de todos,sejam estudantes ou professores que, pelas mais variadas razes, sin-tam qualquer forma de curiosidade em relao ao campo. No pretendeser a resposta para todas as dvidas mas ficar sem dvida satisfeito seconseguir dissipar algumas e produzir vontade de prosseguir no escla-recimento de outras.

    A brevidade dos textos e a preocupao de incluir uma Bibliografia es-sencial responde, pois, ao desejo de responder a uma certa vocao didctica,o que no significa perda de esprito ensastico nem minimizao da compo-nente reflexiva. Tentou-se que os autores doseassem ambos tendo uma visoto clara quanto possvel dos pblicos alvo da obra e dos objectivos referidos.

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    6 Conceitos de Comunicao Poltica

    Um dos elementos interessantes deste trabalho consistiu na forma comoa sua organizao agudizou a conscincia da profunda interdisciplinaridadeque persegue, enriquecendo, certas reas de fronteira como sejam as Cinciasda Comunicao e a Cincia Poltica. Nesse sentido, um dos elementos quecaracteriza este livro a sua diversidade epistemolgica. Assim, encontram-se textos claramente inspirados pela Teoria Poltica e pela Filosofia Poltica;pela Sociologia mais terica, reflexiva e crtica e pela sociologia mais emp-rica, de pendor mais positivista e baseada na pura observao dos dados;

    h, obviamente, presenas da Cincia Poltica propriamente dita e existemtambm olhares que assumem as caractersticas epistemolgicas das Cinciasda Comunicao, elas prprias abertas interveno de muitos olhares; h,ainda, contributos da Psicologia, do Marketing, da Estatstica e da Anlise deDiscurso.

    Tambm h alguma diversidade de estilos: h textos mais vincadamenteempricos; outros mais descritivos ou expositivos; e, finalmente, outros queexercem um labor conceptual mais reflexivo. A diversidade de objectos ex-plica tambm a diversidade de estilos.

    Apesar disso, ser possvel organizar os textos a partir de duas catego-rias, correndo embora o risco de algum reducionismo: os que se direccionampara um esforo prioritrio de reflexo e de clarificao conceptual, os tex-tos sobre Opinio Pblica, Espao Pblico, Deliberao, Ideologia,Cidadania, eventualmente Poltica de Identidades e outros, mais vira-dos para a operacionalizao de conceitos e descrio de prticas com impli-caes acentuadamente metodolgicas: Priming, Agendamento, Propa-ganda, Espiral do Silncio, Marketing poltico, Comunicao Eleitorale Spinning. Entre esses dois grandes grupos no se pode falar em divisesestanques. Pelo contrrio, da sua leitura surge a evidncia cientfica da exi-gncia de cruzamentos de saberes.

    No difcil assinalar a existncia de lacunas. Porm, dificilmente se faria

    um livro desta natureza onde se no registassem algumas. Preenchidas umas,outras surgiriam. Mas tambm h a interveno, de qualidade, em reas geral-mente arredadas deste tipo de abordagens como sejam, por exemplo Polticade Identidades e Retrica.

    Resta-nos esperar que este modesto contributo seja um bom pretexto parao enriquecimento do campo gerando propostas de continuidade ou de ampli-

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    ao do esforo efectuado e, sobretudo, produzindo impactos no despertar devocaes e no lanamento de novos estudos.

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    Ideologia, Crtica e Deliberao

    Joo Carlos CorreiraCoordenador do Grupo de Trabalho de Comunicao e Poltica da Sopcom

    E-mail: [email protected]

    Ofim da Guerra-fria e o incio do momento conhecido como globaliza-

    o deslocaram o conceito norteador das discusses da aco socialdo campo da ideologia para o da cultura. Construiu-se, correspondendo a umprocesso civilizatrio de mbito global, apoiado na transnacionalizao do ca-pital financeiro; da indstria cultural e dos media, um modelo de compreensoda sociedade que obliterou a ideologia como categoria hermenutica decisivana anlise das relaes entre a cultura e a sociedade. Regressadas as perple-xidades sobre o nosso devir, o conceito de ideologia persiste no universodos estudos sobre comunicao e sobre poltica com uma intensidade que de-safia as mltiplas interpelaes que lhe so colocadas e os mltiplos annciosrelativos alegada extino da sua pertinncia hermenutica. Vale a pena,hoje, enfrentar a ideologia com os instrumentos de um pensamento delibe-

    rativo ps-convencional, ultrapassando os limites de uma herana avolumadapor pressupostos funcionalistas e ortodoxos.

    O emprego mais antigo e positivo da palavra ideologia veio da filosofiafrancesa oitocentista, atravs de uma escola que se definia a si prpria e aosseus membros comoidologues, no sentido completamente diverso daqueleque hoje lhe atribumos. Osidologuespartilhavam em especial da convicode Destutt du Tracy, segundo a qual se fosse possvel analisar sistematica-mente ideias e sensaes, obteramos uma base segura para um conhecimentoslido (Hekman, 1990: 40). Logo, a ideologia seria a cincia das ideias queserviria de fundamento para todas as cincias morais e polticas, preservando-as do erro e do preconceito. Todavia, o conceito sofreu posteriormente uma

    inverso semntica: em lugar de designar o estudo das ideias passou a desig-nar os conjuntos de ideias, crenas e representaes que deveriam ser objectode estudo.

    Numa definio mais genrica e descritiva, a ideologia pode ser encaradacomo um conjunto de ideias, crenas, doutrinas, e modos de pensar caracte-rsticos de um grupo, seja nao, classe, casta, profisso ou ocupao, seita

    Conceitos de Comunicao Poltica,9-19 Abril de 2010

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    religiosa, partido poltico, etc. (cfr. Fairchild, apud Nunes 1961). Numadefinio que reala de modo mais directo as componentes estratgicas as-sociadas aos interesses de um determinado grupo, ser ideologia qualquersistema de ideias que, nas lutas travadas na sociedade, sirva de facto comojustificao ideal dos interesses, das posies e das aces empreendidas poralgum grupo (cfr. Nunes, 1961).

    1. As Funes da IdeologiaUma abordagem produtiva do conceito de ideologia encara-a como corpo decrenas que assegura a relao de um grupo com o mundo social. Este corpode crenas pode desempenhar diversas funes diagnosticadas por Paul Rico-eur (1991):

    a) Uma funo de distoro em que a ideologia surge como um corpo decrenas que oculta a dominao implcita correlao de foras vigente(Ricoeur, 1991: 168);

    b) Uma funo de legitimao em que a ideologia preenche o hiato entre

    a pretenso de legitimidade apresentada pela autoridade governante e acrena na legitimidade da ordem por parte dos sbditos;

    c) Uma funo de integrao e de preservao da identidade social dogrupo (Taylor, 30-31).

    A funo de distoro exercida pela ideologia encontra a sua anlise maisinfluente no pensamento marxista. Na obra de Marx o conceito de ideologiadesigna todas as formas de conscincia nas quais e pelas quais os indivduosmantm uma relao imaginria com o real (cfr. Santos, 2000: 55). Pelo con-trrio, a crtica da ideologia o restabelecimento da primazia do finito, do

    concreto, do real (Ricoeur, 1991: 103). A crtica da ideologia emerge comouma inverso das relaes entre as ideias e tais processos materiais: No a conscincia que determina a vida; a vida que determina a conscincia(Marx e Engels, 1992: 1057). Na distoro ideolgica, esquecemos que osnossos pensamentos esto directamente relacionados com a existncia mate-rial. Em formulaes mais tardias empreendidas em O Capital, o conceito

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    de ideologia descrito como anttese de tudo aquilo que no cientfico ou pr-cientfico. Marx s pode tornar-se Marx fundando uma teoria da hist-ria e uma filosofia da distino histrica entre ideologia e cincia (Althusser,1979: 15). O desvio incorporado no conceito de ideologia tem de ser medidode acordo com critrios de cientificidade inscritos no materialismo histrico.

    A funo da ideologia como legitimao resulta da leitura que Paul Rico-eur faz de Weber. Como nenhum sistema de chefia, nem o mais repressivo,governa apenas pelo exerccio da coero, tem de existir a crena na sua legiti-

    midade (cfr. Ricoeur, 1991: 83; 326-327). A ideologia decorre da necessidadede superar o hiato entre a pretenso de legitimidade do corpo governante e acrena na legitimidade desse corpo governante por parte dos prprios gover-nados (cfr. Ricoeur, 1991: 338; 340-342). Esta superao um processo di-nmico: h sempre um maior ou menor dfice de legitimidade acompanhadopor um constante, ininterrupto, frgil e persistente empenho na sua obteno.

    Finalmente, a funo de integrao social comentada por Ricoeur surgeda leitura de Clifford Geertz. Para este, a ideologia possui uma dimensoconstitutiva, relacionada com a identidade cultural de um grupo, enraizada nocarcter simblico incontornvel da prpria sociabilidade. Toda a actividadesocial povoada de crenas, de convenes esmbolos.

    As ideologias so, assim, mapas de uma realidade social problemtica ematrizes para a criao de uma conscincia colectiva (Geertz, 1978: 192.)Estes corpos de crenas e de ideais desempenham a funo outrora confe-rida s narrativas mticas e teolgicas. Quando se procede a um certo graude diferenciao social que permita a constituio de uma comunidade pol-tica autnoma surge a necessidade de um modelo separado, coerente e dis-tinto de aco poltica. No momento em que um sistema poltico comeaa livrar-se das tradies herdadas e recebidas, da orientao directa e deta-lhada dos cnones religiosos e filosficos, as ideologias surgem e assumema liderana simblica, tornando-se cruciais como fontes de significado e deatitudes scio-polticas (cfr. Geertz, 1978: 191).

    2. A influncia de Gramsci

    Alguns desenvolvimentos mais sofisticados da herana marxista articularama dimenso integradora com a dimenso de legitimidade e com a dimenso

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    estratgica da distoro. Para Gramsci, a ideologia ganha uma dimenso maisplural, podendo representar esforos simblicos de resistncia por parte degrupos sociais blocos ou grupos de classes. neste contexto que emerge oconceito de hegemonia, entendida como um privilgio na produo simblicae de sentido, obtido no decurso de uma luta entre os elementos intelectuaisactivos na sociedade civil.

    Neste contexto, o Estado no um puro instrumento de fora a servioda classe dominante, mas, antes, um instrumento de coero que simultane-

    amente busca a obteno da referida hegemonia. Por isso, tero de se dis-tinguir duas esferas no interior das superstruturas polticas e culturais. Uma a sociedade polticaenquanto conjunto de mecanismos de coero (gruposburocrticos ligados s foras armadas e policiais e aplicao das leis) liga-dos ao poder da classe dominante. A outra a sociedade civil, que designao conjunto de dispositivos e aparelhos privados de hegemonia responsveispela elaborao e/ou difuso de valores simblicos e de ideologias, compre-endendo o sistema escolar, os partidos polticos, as corporaes profissionais,os sindicatos, os meios de comunicao, as instituies de carcter cientficoe cultural, etc. Tais aparelhos, gerados pelas lutas colectivas, esto empenha-dos em obter o consenso como condio indispensvel dominao (Gramsci,

    1977: 2010).Os estudos culturais, nas suas verses britnicos e norte-americana, uti-

    lizam com frequncia o par de conceitos ideologia/hegemonia para alm dasua origem para se referirem a fenmenos relativos a diversos referentes deidentidade como sejam o gnero, a raa e a etnia (cfr. Hartley, 2004: 130).Verifica-se uma clara diferenciao em relao ideia de ideologia comoideias da classe dominante para, em seu lugar, se conceptualizar como oconjunto de quadros mentais linguagens, conceitos, categorias, imagin-rios e sistemas de representao a que as diferentes classes e grupos sociaisrecorrem para tornarem inteligvel a forma como a sociedade funciona (cfr.Hall, 2006: 26). A crtica da ideologia passa a discernir um espectro de for-

    mas de conflituosidade entre diferentes grupos diferenciados entre si por ra-as, etnias, desigualdades econmicas e questes de gnero, identificando osmodos como os recursos ideolgicos e culturais so utilizados para disputar aalterao do consenso social, cultural, moral e poltico dominante.

    Diagnostica-se a existncia de uma infinidade de lutas entre vrios secto-res sociais, rejeitando uma concepo unilateral e determinista que relacione

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    necessariamente a ideologia apenas com a dominao e a distoro omitindoa resistncia e a contestao. Os intelectuais activos na sociedade civil (nospartidos, nos movimentos sociais, nos sistemas de produo e transmissocultural e simblica como osmedia)do expresso a vontades conflituais queos perpassam sem que, necessariamente, eles se dem conta dos interessesestratgicos que motivam ou impelem, pelo menos directamente, a produosimblica.

    3. Ideologia, cognio e discurso

    Um elemento crucial da anlise da ideologia respeita anlise das suas rela-es com o discurso, efectuadas por uma aproximao qual se associa umadimenso cognitiva e que implica um conjunto de premissas essenciais:

    a) As ideologias so olhadas como crenas sociais partilhadas e no opi-nies individuais. Existem crenas episdicas e crenas sociais. Ascrenas episdicas so individuais e pouco duradouras enquanto que ascrenas sociais so partilhadas com outros, enquanto membros de umgrupo, organizao ou cultura. As ideologias pertencem tipicamente ssegundas, ou seja s crenas culturais e sociais.

    b) As ideologias tm uma natureza grupal. Caracterizam-se sobretudo pelasua funo de garantir a coeso, cooperao do prprio grupo e dos seusrespectivos membros.

    c) As ideologias, em relao ao grupo, desempenham uma funo axi-omtica. So um sistema de crenas sociais, gerais e abstractas queorganizam o conhecimento mais especfico e as atitudes e opinies dogrupo (van Dijk, 1997: 49; Cfr. van Dijk, 1997: 69).

    d) As ideologias no se limitam a reproduzir a dominao social. Tambmcriam solidariedade, organizam lutas pelo reconhecimento e desenca-deiam movimentos de oposio (Cfr. van Dijk, 2000: 138; van Dijk,2003: p. 16).

    e) As ideologias tm uma componente agonstica: geram diferenas deopinies, conflitos e lutas, pois implicam sempre assuno de uma di-

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    ferena e de um confronto. As ideologias comportam sempre uma dia-lctica entre Ns e Eles.

    Na reproduo discursiva da ideologia, osmedia ganham uma posiofundamental pela sua relao com a problemtica da influncia, isto no quediz respeito dimenso cognitiva do controlo da mente exercida de forma in-directa e persuasiva pelo discurso dos grupos mais poderosos. As condiesevocadas para as condies de exerccio do controlo dos grupos menos po-

    derosos pelos grupos mais poderosos dizem respeito a circunstncias comosejam:

    a) A posio de especial credibilidade em que se encontram os grupos quepromovem as crenas e as opinies dominantes: acadmicos, peritos,profissionais, mediade referncia. O acesso a estes produtores privi-legiados do discurso credvel estratificado. A teoria dos definidoresprimrios (Hall, 1993) confirma esta hiptese e demonstra como osme-dia, devido sua necessidade de fontes credveis, ficam dependentesda ideologia veiculada pelas instituies mais poderosas, olhadas comopossuidoras de maior credibilidade;

    b) Os grupos mais desfavorecidos encontram-se muitas vezes em condi-es nas quais lhes impossvel furtarem-se exposio ao discursoveiculado pelos grupos mais poderosos;

    c) Verifica-se a ausncia de discursos oumediaa partir dos quais derivemverses alternativas quelas veiculadas pelo discurso produzido pelosgrupos mais poderosos;

    d) Constata-se a desigualdade na distribuio de conhecimentos que per-mitam refutar os elementos conceptuais constantes do discurso hege-mnico (cfr. van Dijk, 2005: 26).

    O discurso encarado como uma prtica social relacionado com a buscade influncia por parte de grupos sociais mais poderosos. Essa influncia um fenmeno que tem uma dimenso cognitiva pois se relaciona com a possi-bilidade de controlo dos processos mentais, designadamente a transmisso deconhecimento e a formao de modelos.

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    Ideologia, Crtica e Deliberao 15

    4. Ideologia e deliberao

    O tema da deliberao pblica postula-se como referncia fundamental porparte dos pesquisadores que se interrogam acerca do modo como uma esferapblica de discusso ampliada pode contribuir para a construo de um mo-delo de sistema democrtico marcado por uma maior aproximao entre asinstncias formais de deciso protagonizadas pelo sistema poltico e os siste-mas informais de discusso e de formao da opinio. Neste sentido torna-se

    um elemento fundamental para uma reflexo sobre os fundamentos tericosda comunicao poltica, na medida em que define marcos epistemolgicose programticos que permitem avaliar e repensar as condies efectivas deexerccio dessa forma de comunicao. O modelo discursivo pensado poralgumas das mais importantes teorias de deliberao implica uma viso din-mica do conflito entre culturas e vises do mundo. Assim, todos os elementosque esto presentes nas condies fticas de exerccio do poder ideolgico di-agnosticados pelos lingustas crticos e pelos partidrios dos estudos culturaisso contrariados normativamente na proposta deliberativa de organizao dodebate democrtico: a) o argumento da autoridade, subjacente dependnciada hierarquia da credibilidade, substitudo pela autoridade do argumento; b)

    A ausncia de discursos alternativos confronta-se com a acessibilidade uni-versal dos protagonistas do debate e pela diversidade dos temas em debate;c) a ausncia de conhecimentos que permitam refutar o discurso hegemnicoconfronta-se com a exigncia de submeter os temas a uma pluralidade de pers-pectivas e com a possibilidade de recorrer a formas diversas de conhecimento.

    Em Habermas (1997), a ideologia, na sua funo de distoro, diz respeitoa elementos pseudo comunicacionais que pela sua natureza meramente es-tratgica colocam obstculos realizao de um consenso racional, livre detoda a coero, elemento regulador que norteia assintoticamente a prtica so-cial e poltica. Enquanto a aco instrumental se identifica com uma razoorientada para o sucesso, do tipo instrumental ou estratgico, a aco comuni-

    cativa, fundada na linguagem, busca um ideal de comunicao entre os actoresque implica o reconhecimento mtuo (cfr. Habermas, 1987: 21; 31). A ideo-logia, no plano da distoro, define-se, neste caso, pelo conjunto de obstculosque se opem concretizao desse ideal normativo (cfr. Habermas citado porRorty, 1999: 254).

    A ideologia, como distoro, identifica-se com a uma estratgia de ma-

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    nipulao da opinio pblica que impede o seu desenvolvimento de acordocom as regras da argumentao racional e com os princpios de acessibili-dade universal ao debate das questes de interesse colectivo. Sob o ponto devista da comunicao poltica, identifica-se com o conjunto de procedimentosidentificados como publicidade manipulativa, centrada na medio de atitudesindividuais e na adopo de instrumentos operatrios destinados transmissopassiva de mensagens. Reflecte a considerao da opinio pblica com umainstncia receptiva em relao publicidade manipulativamente difundida de

    pessoas e instituies, bens de consumo e programas (Habermas, 1987 b :187). Traduz-se na ausncia de um debate onde se proceda ao exame crticode vrias opes contraditrias, como sucede na publicidade crtica. Esta con-cepo de ideologia traduz a presena da racionalidade estratgica no planoda comunicao pblica, expressa em dispositivos como sejam o spinning,lobbing, manipulao meditica.

    A abordagem deliberativa, porm, remete para uma apreciao da ideolo-gia que considera que esta no se confina aos limites da comunicao estra-tgica, admitindo ao invs, uma anlise permanente da dimenso da legitimi-dade como sendo uma sua funo central. J na anlise clssica da ideologia

    burguesa do sculo XVIII relativa aos direitos humanos e publicidade, Ha-bermas, apesar de revelar uma conscincia histrica dos elementos mistifica-dores que integravam a reflexo sobre a igualdade de status, a universalizaodos debates e o no fechamento da esfera pblica, no deixava de salientar asua fora transformada e eficcia (cfr. Habermas, 1982: 50-51). Concedia-seque o ideal de esfera pblica era efectivamente ideologia. Mas acrescentava-se que tal ideal continha no seu interior um conjunto de traos que indiciavamuma promessa emancipatria implcita na ideia de publicidade e do uso ar-gumentativo e dialgico da razo, que se manteve, embora com numerosascontradies, como um princpio organizacional de um ordenamento polticoque orienta a resoluo dos diferendos pela discusso racional (cfr. Haber-

    mas, 1982: 17). Neste sentido, a ideologia como distoro e mistificaoconfronta-se dialecticamente com traos de uma esfera pblica poltica quecoloca a legitimidade das decises do poder no cerne das suas preocupaes.Por isso, efectivamente, o espao da crtica ideolgica, numa abordagem deli-berativa, actua, ao nvel da relao entre esfera pblica e sistema poltico, emdispositivos alternativos que impeam o fechamento dos processos de deciso.

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    Opinio Pblica

    Joo Pissarra EstevesUniversidade Nova de Lisboa

    E-mail: [email protected]

    AOpinio Pblica assume hoje um alto grau de complexidade, de que a ex-traordinria diversidade de formas da sua apresentao um dos aspec-

    tos apenas a ter em ateno. Imaginar, assim, que ser possvel a construode um conceito perfeitamente transparente e estvel uma pura iluso; paraalm da opacidade que revestem uma srie de outras noes afins pblicos,publicidade, publicitao, espao pblico.

    No incio do passado sculo, um dos pioneiros do estudo destas questes,Walter Lippmann, manifestava a sua decepo com a escassez de materiaiscredveis relacionados com a Opinio Pblica, facto tanto mais surpreendentepor se supor que ela constitui a mola principal das democracias. O sc. XXdeixou-nos, entretanto, um naipe notvel de autores e de trabalhos de refe-rncia sobre esta matria, mas muitas das dificuldades referidas mantm-se,continuando, muitas vezes, a existncia da fora designada por Opinio P-blica a ser simplesmente dada como adquirida (Lippmann, 1922: 253). No apenas a nvel da vida poltica e social quotidiana que esta situao se faznotar em larga escala, mas tambm no prprio mbito do pensamento aca-dmico e cientfico; mesmo quando este manifesta uma posio cptica emrelao Opinio Pblica (considerando que esta no chega a determinar oque verdadeiro ou justo, o exerccio do domnio, ou sequer a formao deuma qualquer opinio), o conceito propriamente dito nunca posto em ques-to, nem a sua centralidade como mecanismo orientador do sistema poltico(Luhmann, 1970: 175).

    1. Pblicos e Opinies

    Uma possibilidade de melhor esclarecer o que a Opinio Pblica passa porexplorar uma srie de outros conceitos que lhe so muito prximos. Come-ando pelos Pblicos, no que estes mais directamente interferem com a Opi-

    Conceitos de Comunicao Poltica,21-32 Abril de 2010

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    nio Pblica, retemos algumas das suas caractersticas enquanto uma forma desociabilidade tipicamente moderna: redes de interdependncias sociais exten-sas que dispensam laos de presena fsica imediata, o seu carcter simblicoque resultado de uma coeso interna de ordem eminentemente espiritual euma robusta estrutura comunicacional (constituda por fluxos regulares de in-formaes, volta de temas e assuntos mobilizadores, que proporcionam aosindivduos uma regular expresso dos seus juzos e opinies) (Tarde, 1901:43-77).

    Falamos de espiritualidade dos pblicos, mas no num sentido mstico outranscendental. O seu carcter de ordem racional: resulta de trocas discursi-vas (processos de opinio) sobre matrias de interesse comum, estabelecidasnuma base de liberdade e autonomia dos indivduos, que tm em vista cons-tituir opinies vinculativas. A figura comunicacional que melhor as ilustra a de um consenso (que se pretende alcanar), mas basicamente enquantoideal normativo, e no como uma realidade emprica indiscutvel; neste planodeve ser admitida a possibilidade de outros tipos de acordo razoveis. O ca-rcter racional das opinies vinculativas dos pblicos antecipa um aspectofundamental da Opinio Pblica: os seus acordos racionalmente motivadosconstituem-se como alternativa poltica coero, sendo o seu nico pres-

    suposto que a fora do melhor argumento deve poder contribuir para a for-mao de um acordo final, seja qual for o tipo que este venha a assumir(McCarthy, 1992: 67).

    Os Pblicos respondem a uma necessidade crescente de sociabilidade,que requer que os membros da sociedade estabeleam comunicao regularentre si atravs de uma corrente contnua de informao e excitaes comuns(Tarde, 1901: 56). Desta comunicao os Pblicos retiram a fora que lhespermite, em condies excepcionais de excitabilidade intelectual, afirmarem-se tambm como verdadeiros agentes sociais (Esteves, 1988: 95-99); o seuraio de influncia alarga-se, assim, extraordinariamente: os Pblicos podemento dinamizar mudanas sociais de ordem mais global de que a Opinio

    Pblica, enquanto configurao da vontade colectiva (de uma dada comuni-dade ou sociedade), um exemplo extremamente relevante. A esta passagemdas opinies dos Pblicos para a Opinio Pblica est subjacente uma din-mica de crescente mundializao dos interesses (para alm de alguns outrosbem conhecidostopoido Iluminismo a Repblica Mundial e a Paz Perptua)(Kant, 1795/1796: 119-171).

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    Em estreita relao com os Pblicos, haver ainda a referir o importantepapel de inovao social que cabe Opinio Pblica. Esta questo foi equa-cionada por John Dewey no quadro da relao Pblicos/Instituies (umainteraco propriamente dita, mas altamente tensional em termos de inova-o/estabilidade): um pblico para se formar tem de quebrar as formas pol-ticas existentes, mas isto porm muito difcil de concretizar dado que essasformas so os meios habituais da mudana institucionalizada (1927: 319).No modelo polticamente mais evoludo de uma Opinio Pblica, a resposta

    a esta dificuldade cabe em grande medida aco dos publicistas e, hoje,de forma mais incisiva, aos diferentes movimentos sociais (relacionados es-treitamente com pblicos concretos); isto significa que estamos perante umainovao de carcter eminentemente auto-referencial: uma aco inovadora daOpinio Pblica que dirigida sociedade em geral (a partir do seu prprioquadro de relaes privilegiadas com determinas instituies sociais), mascuja origem est numa dinmica interna a inovao como um processo per-manente de auto-regenerao e formao de novos Pblicos.

    Este problema da inovao tange de perto a funo seminal, propriamentedita, dos Pblicos para o Espao Pblico: desencadear processos sociais deopinio de ordem cada vez mais geral, no seio dos quais as novidades so

    processadas a um primeiro nvel. Tais processos de opinio, por sua vez,constituem-se como uma complexa mediao Pblico/Privado: visam a for-mao de uma opinio (pblica) que se pretende distinta de qualquer opinioindividual (particular), mas que ao mesmo tempo depende destas de forma ir-refutvel estamos, pois, perante dois nveis de realidade distintos, mas quese pressupem e imbricam muito estreitamente entre si.

    So os prprios termos do conceito que prenunciam, j por si, esta com-plexa mediao: opinio implica unidade (a opinio), ao passo que a suacaracterizao especfica (pblica) denota uma diversidade de indivduos e assuas opinies; por outro lado, pblica aspira atingir o universal, o ob-jectivo e o racional, enquanto opinio marcada pela variabilidade, pelo

    subjectivo e o incerto (Splichal, 1999: 49).

    2. Sobre a Funo da Opinio Pblica

    Os Pblicos respondem a mltiplas motivaes, mas o forte nfase poltico da

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    Opinio Pblica no pode ser ignorado. A sua funo, como voz do EspaoPblico, eminentemente poltica: cabe-lhe estabelecer os critrios gerais deorganizao e funcionamento das nossas sociedades, assumindo a sua formauma exigncia de legitimidade dirigida ao Estado e ao poder poltico em geral(o controlo dos actos de dominao segundo critrios de racionalidade). Umafuno poltica que reveste, ao mesmo tempo, um carcter tico-moral, dadoo tipo de mediao Pblico/Privado que lhe subjaz: a fonte ltima de legi-timidade radica nos prprios indivduos (nas suas opinies, pelas quais so

    veiculados valores, expectativas, ambies, vontades).Esta funo poltica (de ordem tico-moral) consubstancia a dimenso

    normativa da Opinio Pblica seu esteio fundamental, mas plena de am-biguidades, se atendermos ao seu modo de realizao objectiva ao longo dostempos. Desde muito cedo, a Opinio Pblica assumiu dois estatutos bemdistintos: uma instncia (da sociedade civil) externa ao poder e, ao mesmotempo, uma espcie de rgo de Estado ou da Administrao (na sequnciada sua prpria afirmao institucional e consagrao jurdico-constitucional).

    Para esta definio semntica do conceito, o contributo do Iluminismo foidecisivo, muito em especial por via do pensamento de Kant embora esteautor no dispusesse, ainda, do termo propriamente dito Opinio Pblica

    (fixado s mais tarde, pelos fisiocratas franceses, os iluministas escoceses, Ja-mes Mill e, sobretudo, Jeremy Bentham). Outras noes afins permitiram,porm, a Kant uma primeira aproximao j bastante sofisticada a esta novaentidade (e realidade) poltica, que ento comeava a ganhar forma: as no-es de Publicidade e Vontade Colectiva, nas quais se torna reconhecvel ogerme da ilustrao capaz de rasgar sobre o futuro uma viso consoladora(. . . ) das capacidades humanas que podem aspirar a uma plena realizaoaqui na Terra (Kant, 1784: 36 e 37). E mais importante, devemos a este au-tor tambm a anteviso de uma dinmica comunicacional do fenmeno (cujaexplicitao s se tornaria possvel com oLinguistic Turn): ela est presentena forma como pensada a Vontade Colectiva (em termos liberais), de modo

    racional, mas como algo que objecto de uma construo e passvel de umaperfeioamento permanente dada a sua abertura livre expresso de in-teresses divergentes (individuais). Neste aspecto, notvel o contraste comRousseau outro autor importante na edificao do conceito, mas numa linha(contratualismo republicano) que no reconhece comunicao qualquer re-levo especfico nesta matria; pelo contrrio, sendo a Vontade Geral sempre

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    Opinio Pblica 25

    constante, inaltervel e pura, ela deve situar-se margem dos debates e dis-cusses, os quais s anunciam uma supremacia dos interesses particulares(Rousseau, 1762: 146 e 147).

    Foi outro, porm, o sentido que a Opinio Pblica acabou de facto porassumir, estreitamente associada a um conjunto de prticas comunicacionais.Destas destacamos, em primeiro lugar, a Publicidade: a publicitao, o tornarpblico, dar a conhecer algo que s um certo exerccio de linguagem tornapossvel (e do qual a subjectividade e a razo so condies indissociveis).

    nestes termos que a publicidade adquire o seu sentido no quadro da nossacultura como fundamento moral da poltica: a forma desta ser tanto mais mo-ral (ordenada em funo de valores) quanto nela imperarem os princpios dapublicitao e as exigncias da publicidade (Kant, 1795/1796: 164 e 165). Asegunda prtica comunicacional a considerar a Crtica. A sua funo a nveldo discurso pblico consiste num certo controlo pragmtico da validade dosenunciados produzidos; proporciona, assim, uma qualificao de ordem supe-rior comunicao pblica produzida (e aos resultados em geral desta, sejaa sua forma o consenso ou entendimentos racionais de outros tipos). Por l-timo, o Debate: ela aproxima e entrelaa, a todo o momento, as outras prticascomunicacionais referidas (constituindo a comunicao como um todo e um

    contnuo). O debate forma a Opinio Pblica, mas esta tambm responsvelpela afirmao daquele como critrio central da poltica moderna: primeiro,ao generalizar os debates a nvel dos mais diversos tipos de associaes econtextos sociais (cafs, sales, clubes, etc.), depois a nvel da imprensa e,finalmente, acabando por impor os seus critrios ao prprio quadro de funcio-namento institucional da poltica (com a parlamentarizao, o fim da censurae das prticas sistemticas de segredo de Estado). Eis a ideia culminante destacomplexa teia comunicacional da Opinio Pblica: um discurso que o fio ea lanadeira que liga os diferentes crculos de debate, sendo este constitudona base da esperana de que a verdade e a justia surgiro, de alguma forma,como resultado da livre discusso (Mills, 1956: 351 e 352).

    Ainda sobre a comunicao e a Opinio Pblica, a presena da primeira nasegunda torna-se culminante com os princpios de liberdade e igualdade desta.Eles como que antecipam o prprio modelo da democracia moderna, sendo asua forma definida por um conjunto de critrios gerais (formais e ideais) dodiscurso pblico: liberdade de participao (abertura do Pblico), liberdade dediscusso (disponibilidade plena de assuntos, num quadro de crescente laici-

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    leco temtica, de extrema utilidade funcional para fins de deciso poltica(Luhmann, 1970: 85 e sg.s).

    Um ponto de vista cptico, como o referido, mostra-se atento profundaambiguidade de que a Opinio Pblica hoje em dia se reveste uma fic-o jurdica que se exprime numa fico estatstica, sendo ao mesmo tempocontrapartida de poder, legitimao da dominao poltica, instrumento deexerccio do poder e objecto de manipulao (Tremblay, 1991: 149). Masa percepo que as propostas anteriormente referidas tm deste problema no

    deixa de revelar graves limitaes. A Opinio Pblica concebida como umaestrutura poltica perfeitamente definida pode no resistir, de facto, provano a um pblico fantasma mas a outros cidados, por meios que so con-sistentes com a exigncia de igualdade, no-tirania e publicidade (Bohman,1996: 236).

    Deste ponto de vista, far sentido falar de uma mudana estrutural daOpinio Pblica moderna, mas no para marcar um antes e um depois deuma qualquer idade de ouro. Trata-se de assinalar apenas uma alteraode condies da ambivalncia que caracteriza as estruturas polticas das so-ciedades ocidentais: um novo quadro de equilbrios e tenses das dimensesfctica e normativa destas mesmas estruturas, nomeadamente, a nvel da Opi-

    nio Pblica actual. Falamos de uma mudana estrutural alicerada em fortesesteios sociais, entre os quais se considera a afirmao (e impetuoso desenvol-vimento) da economia capitalista (nvel econmico), as democracias de massae o Estado Social (nvel poltico), os media como dispositivos de experinciasimblica por excelncia e a massa como a nova grande forma de sociabili-dade emergente (nvel cultural). A este conjunto de elementos correspondem,porm, dinmicas profundamente paradoxais: todos eles criam condies, porum lado, para uma expanso e aprofundamento do Espao Pblico (e OpinioPblica), mas por outro, pem tambm em causa (ou tornam mais contin-gente) a sua afirmao autnoma e capacidade de representao da vontadecolectiva (da sociedade civil).

    Antevendo um ponto de convergncia de todos estes elementos, a pesquisasocial passou a dar como adquirida uma situao de crise da Opinio Pblica,cujos contornos apresentam, alis, um recorte eminentemente comunicacio-nal. A clebre tese dos tericos de Frankfurt sobre a indstria da culturacontinua a ser, ainda hoje, uma chave heurstica decisiva para a compreensodeste fenmeno. A crise corresponde ao declnio da discusso e argumentao

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    colectivas, dos prprios processos discursivos em geral (sem clivagens mar-cadas entre os diferentes interlocutores, com uma possibilidade de respostaamplamente distribuda e mais ou menos imediata); em seu lugar surge umanova comunicao (pseudo-pblica), ordenada sistemicamente, de acordocom processos e critrios formais rgidos, com carcter institucional e dentroda qual cada participante tende a ser acomodado como um simples recursode mercado (Mills, 1956: 356). A performatividade da comunicao pblica,nestas condies, cede lugar a uma instrumentalizao sistemtica da Opinio

    Pblica: a fora (ilocutria) deixa de vir da linguagem (razo dos discursosproduzidos), passando para o exterior desta, para o estatuto social que algunsinterlocutores privilegiados fazem valer (a fora perlocutria de signos de au-toridade, poder ou prestgio), passando assim a exercer um controlo sobre asredes e os fluxos de comunicao e informaes em geral.

    , claramente, um outro sentido de Opinio Pblica que ento ganha su-premacia: opiniopara o pblico mais do que do pblico, com pblicaa tomar o sentido de mera abertura, como uma voz ou um coro em uns-sono, que se torna audvel para todos aqueles capazes de a escutar no espaopblico (Hannay, 2005: 62).

    4. Media e Opinio Pblica

    Tal como a tese sobre a indstria da cultura j tornava evidente, o papel dosmedia em toda esta transformao absolutamente central, constituindo umtringulo institucional do qual os outros dois vrtices so as sondagens e o pr-prio processo poltico (parlamentos e sufrgio universal). Este alinhamento,porm, motiva uma sria inquietao: as tcnicas de pesquisa [sondagens],a poltica e os media interligam-se muito intimamente, mas uma interconexoto estreita destas instituies pode resultar na eroso do seu genuno signifi-cado democrtico (Splichal, 1999: 222).

    Na posio deste autor, para alm da crtica aos media, est expressa tam-bm uma insatisfao quanto s sondagens como forma de objectivao daOpinio Pblica. Os ecos desta insatisfao j h muito se fazem ouvir (Al-big, 1939; Blumer, 1948; Rogers, 1949), mas s mais recentemente assumi-ram um tom mais radical, com a ideia do fim da Opinio Pblica quando estaacaba por se confundir com os prprios pressupostos das sondagens (todo o

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    Opinio Pblica 29

    indivduo tem, sempre, opinio sobre tudo; todas as opinies se equivalem; possvel, a qualquer momento, formular de modo incontroverso os termos e asquestes da Opinio Pblica) (Bourdieu, 1973: 222-235). Mas no podemosesquecer a justificao mais rigorosa deste enunciado, tal como o seu prprioautor faz questo: o que est em questo um certo tipo de Opinio Pblica,a das sondagens. Assim permanece em aberto a possibilidade de uma outra(s)afirmao do conceito, nomeadamente de uma Opinio Pblica em contra cor-rente a este tipo de acomodao oficial, que pretende afirmar-se numa lgica

    contra-institucional: uma imensa rede de comunicaes, que hoje em dia setorna cada vez mais facilmente disponvel, e qual o Pblico pode recorrerpara contrariar aquelas estratgias que pretendem a sua prpria clausura (Ha-bermas, 1992: 462) e para aprofundar a prpria Opinio Pblica (a expansopraticamente ilimitada dos pblicos, a toda a humanidade, e a apropriao denovos temas e assuntos mobilizadores de carcter pblico) (Ferry, 1989: 21 e22).

    Sem fazer tbua rasa da crtica anterior, cabe reconhecer o papel activoque os media podem assumir nesta dinmica, enquanto potenciais meios decirculao de resistncia social em funo da natureza do bem especficoque os constitui, a palavra pblica (base de formao de processos de comu-

    nicao entre sujeitos sociais activos). Na verdade, por muito poderosos queos media se tenham tornado, eles tm de manter alguma base de reminiscn-cia de dilogo com o pblico, o que significa que, apesar de tudo, neles existesempre algum grau de abertura, uma dupla dimenso no processo de comu-nicao quando um pblico activo desafia os limites do discurso poltico[normalizado], os media no podem ignor-lo, sob pena de porem em perigoa sua prpria legitimidade (Hallin, 1985: 143).

    Este um outro sentido dos media, que Adorno e Horkheimer no alcan-aram. Sentido constitudo a partir da ligao dos media a uma sociedadecivil activa, mobilizada na procura de novos contedos de modernidade paraas actuais condies de desenvolvimento (Cohen e Arato, 1994: 29 e 30). Fa-

    lamos da Opinio Pblica num sentido ainda eminentemente moderno, masa modernidade entendida como um projecto interminvel (mais do que umprojecto inacabado): dado que se encontra intimamente associada a umaideia universalista de liberdade, ela no pode assim nunca concretizar-se emdefinitivo ou num sentido perfeito (Wellmer, 1990: 250).

    Este registo de liberdade a nvel da comunicao pblica deve ser pensado

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    como um contributo essencial que os media podem trazer Opinio Pblica:contra o seu prprio esteretipo institucional, os media pem em marcha (ousimplesmente podem apoiar) um dilogo entre os sub-pblicos na esfera p-blica cvica (Bohman, 1996: 136), criando assim as pontes hermenuticascapazes de ligar mltiplos pequenos textos (nascidos da ruptura e fragmenta-o do grande texto institucional) e que permitem uma circulao entre essestextos e uma certa continuidade de escrita da Opinio Pblica.

    No horizonte de tal possibilidade, que corresponde reafirmao da Opi-

    nio Pblica como conceito poderoso de renovao social, est a formaoda opinio e vontade do pblico a partir da sua prpria perspectiva, em vez dainfluncia do pblico para fins de manuteno do poder poltico, que apenaspretende extorquir do pblico a lealdade de uma populao reduzida a massa(Habermas, 1992: 460).

    Como era inevitvel, no foi possvel aqui explorar todas as linhas de dis-cusso do conceito. A prpria dinmica social se encarrega de trazer a todoo momento novos dados para a discusso do problema da Opinio Pblica.Atendendo situao to peculiar do nosso tempo, foi volta da dimensoeminentemente comunicacional do conceito que nos pareceu mais oportunorealizar esta breve explorao; mas tambm num sentido prudencial deste

    mesmo conceito (em termos polticos): a Opinio Pblica como um processode comunicao ao servio da sociedade, para dar corpo vontade colectivae que tem em vista influenciar (apenas) a deciso poltica. Um sentido mo-desto, questionaro alguns tal a dimenso dos desafios que um mundo cadavez mais administrado coloca (e ao qual corresponde uma Opinio Pblicainforme e funcionalmente instrumentalizada). Mas talvez no assim to mo-desto, se pensarmos na Opinio Pblica perspectivada como meio de umaradicalizao democrtica da nossa vida poltica, ao servio da expanso daliberdade e igualdade sociais, da reestruturao e democratizao do Estado(Keane, 1988: 114) bem pelo contrrio, ser mesmo um sentido do conceitoextremamente audaz, pelas possibilidades que abre de uma profunda alterao

    das condies de governabilidade das nossas sociedades.

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    Esfera Pblica

    Maria Joo SilveirinhaFaculdade de Letras, Universidade de Coimbra

    E-mail: [email protected]

    1. Introduo

    AQUELAque possivelmente a melhor explicao do significado da ex-presso esfera pblica vem do autor que construiu o ncleo concep-tual do termo, Jrgen Habermas. Nas suas palavras, a esfera pblica , antesde mais, um domnio da nossa vida social onde algo como a opinio pblicase pode formar. O acesso. . . , em princpio, aberto a todos os cidados. Os ci-dados agem como pblico quando tratam de matrias do interesse geral semser sujeitos coero. . . para exprimir e dar publicidade s suas perspectivas.Falamos de uma esfera pblica poltica...quando as discusses pblicas sorelativas prtica do Estado (Habermas, 1997: 105).

    Nesta explicao, encontramos diferentes elementos que fazem da esferapblica um conceito de que as anlises polticas das sociedades de hoje nodispensam: a possibilidade de formao de uma opinio pblica e a abertura possibilidade de exprimir necessidades, fazendo delas uma matria de inte-resse colectivo que envolve o Estado. O conceito traduz, alm disso, a aberturaradicalmente democrtica no discurso pblico, implcita na sua abertura, in-clusividade, igualdade, e liberdade: aqui, os sujeitos participam como iguaisnuma discusso racional, capazes de confrontar o Estado com exigncias deverdade que, remetendo para a autonomia privada, so, na verdade, relativasao bem comum.

    As democracias modernas no podem prescindir de uma arena de partici-

    pao poltica, onde as ideias, as alternativas, as opinies e outras formas dediscurso traduzam a actividade dos movimentos sociais e da sociedade civilcomo uma aco colectiva, trazendo discusso questes que tenham sido atesse momento excludas, ou pelo menos marginalizadas. O espao ocupadopor essas interaces localizado entre o Estado e a sociedade no umainstituio poltica nem uma instituio social, mas uma instncia onde estas

    Conceitos de Comunicao Poltica,33-42 Abril de 2010

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    instituies so vigiadas e a sua legitimidade comunicada de uma forma raci-onal e crtica, mantendo sempre uma ligao ao que a sociedade civil assinalacomo importante.

    Como espao de aco colectiva, a esfera pblica abrange, assim, essen-cialmente dois elementos: o discursivo/narrativo, incluindo os diferentes dis-cursos que se fazem ouvir publicamente, como o jornalismo e as diferentesformas de participao pblica pelos media, bem como as mltiplas formasde expresso cultural; e as aces performativas que produzem discursos e

    exigncias em torno de matrias polticas, incluindo todas as formas de mani-festao pacficas ou de protesto.

    Estas duas componentes de interaco discursiva e de aco sofreramtransformaes histricas, mas mantm como objectivo dois elementos con-catenados centrais nas democracias: o processo de legitimao da aco doEstado que pode ser discutida e submetida ao debate racional, e o reconheci-mento das necessidades e interesses de modo a formar um conceito do bemcomum que possa ser traduzido em Lei.

    So ento a dimenso histrica, a dimenso lingustica, a dimenso nor-mativa e poltica que do corpo ao conceito de esfera pblica e que podemosbasicamente encontrar no verdadeiramente enciclopdico trabalho de Haber-

    mas, ao longo do ltimo meio sculo. Faamos, assim, ainda que de modomuito breve, esse trajecto pelo trabalho de Habermas que nos permite com-preender as diversas dimenses em causa.

    2. Habermas: meio sculo de pensamento sobre o con-ceito de esfera pblica

    A teoria da esfera pblica dever ser entendida num contexto maior da teoriasistemtica da modernidade de Habermas, uma reconstruo dos fundamentosda cincia social e uma compreenso da vida democrtica.

    Na sua primeira obraTransformao Estrutural da Esfera Pblica (Ha-bermas, 1989), est em causa o fenmeno historicamente especfico da esferapblica burguesa criada a partir das relaes entre o capitalismo e o Estado nossculo XVII e XVIII, onde a categoria de esfera pblica teve um significadoparticular na sociedade burguesa, tendo depois sido transformada nos sculosque se seguiram. Segundo Habermas, foi possvel no sculo XVIII cristalizar

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    uma noo normativa da opinio pblica nas arenas frgeis, mas protegidas,do discurso pblico. Na sociedade burguesa entende-se que os indivduos soformados principalmente no domnio privado, sendo este tambm entendidocomo um espao de liberdade que tem de ser defendida contra a dominao doEstado. Sales e cafs foram os lugares de produo deste novo fenmeno daautonomia privada onde a sociedade civil podia ser entendida como neutralrelativamente ao poder e dominao (Calhoun, 2002: 16). A literatura eos jornais foram factores responsveis pelo nascimento da esfera pblica. Os

    meios de comunicao, em particular, alargaram as economias de mercado ecom isso se desenvolveu o comrcio de notcias. A anlise de Habermas des-taca o que ele considera ser a corroso da esfera pblica por processos de co-mercializao da imprensa e por um entrelaamento progressivo dos domniospblicos e privados. A penetrao crescente das esferas do Estado e econ-micas em cada vez mais reas da vida, incluindo as arenas da vida social queesto sobretudo preocupadas com a integrao social e com o significado davida identitria, significa que a separao entre instituies sociais est cadavez mais reduzida. Com a emergncia do Estado de bem-estar, por exemplo,as instituies governamentais passaram a estar em crescentes aspectos danossa vida. Ao mesmo tempo, o sector econmico expandiu-se para o mundo

    da vida e aqui as relaes afectivas, de integrao social, de construo dossignificados da vida passaram tambm crescentemente a ser pelos clculos decusto-benefcio da esfera econmica. Na vida pblica, os espaos pblicos dedebate que tm como centro os meios de comunicao sofrem uma corrosoda capacidade de reflexo crtica. A esfera poltica torna-se, assim, gover-nada por relaesde poderdirigidas pela formao de burocracias e Estado,tal como a esfera econmica governada pela troca de mercadorias por meiodo dinheiro. As consequncias so visveis: a crescente comercializao dacultura; as intervenes de sistemas peritos na vida diria; a cultura degradadae apoltica no Estado de bem-estar; e, de modo importante, a colonizao dasinstituies da esfera pblica por interesses financeiros e estratgicos. Haber-

    mas defende que para superar a crise de legitimidade resultante necessriorepolitizar a esfera pblica, distorcida e desintegrada sob a influncia das re-laes sociais capitalistas, criando oportunidades para os cidados tomaremparte no que ele denomina interaco comunicativa.

    Em muitos aspectos, este primeiro estudo pode ser considerado como umaelaborao de algumas questes centrais da primeira gerao de tericos cr-

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    ticos, de cujo tratamento da racionalidade Habermas, no entanto, se tornariacada vez mais crtico. Nos dois volumes de Teoria do Agir Comunicacional(Habermas, 1984) Habermas defende que a primeira gerao de tericos cr-ticos teve demasiada tendncia para tratar as questes das condies da razoe do conhecimento como se elas fossem sobre a situao do sujeito indivi-dual, no prestando, por isso, suficiente ateno s condies intersubjectivasda racionalidade e formao do indivduo no decorrer da interaco comos outros. As caractersticas negativas que eles atriburam racionalizao

    devem antes ser vistas como consequncias das condies sociais nas quaisa racionalizao se desenvolveu. Habermas prope, assim, uma explicaointersubjectiva da racionalidade, fazendo uso do interaccionismo simblico,da sociologia e da fenomenologia. O seu foco menos a situao do sujeitoindividual do que o carcter do mundo da vida que os indivduos partilhamuns com outros e, por essa razo, a lngua e o seu lugar nas relaes intersub-jectivas so centrais ao seu argumento.

    Habermas argumenta, alm disso, que para compreender processos de de-senvolvimento e reproduo social na modernidade, devemos entender a so-ciedade a dois nveis: ao nvel do mundo da vida e ao nvel dos sistemas.Ao nvel do mundo da vida aspiramos a dar sentido aos processos sociais

    como resultado das intenes e orientaes de valor dos actores sociais. Aomesmo tempo, as consequncias da aco social normalmente esto para almdestas intenes: ao nvel do sistema aspiramos a compreender a formacomo as aces sociais se integram para alm da vontade e da conscincia dosactores sociais.

    A racionalizao da modernidade tem, no entanto, um lado obscuro: oda colonizao do mundo da vida por intruso sistmica. Esta tese explicatambm porque so os potenciais da auto-formao livre inerentes moder-nidade sistematicamente negados e suprimidos sob condies do desenvol-vimento capitalista, sendo, no entanto, possvel resgat-los. A formao ea estrutura do sistema social moderno e as instituies correspondentes do

    mundo da vida so mediadas pelo desenvolvimento histrico do capitalismo,no sendo, no entanto, inteiramente determinadas por ele. Quer isto dizer quea crtica de Habermas tem de ser entendida num quadro de pensamento queadmite a necessidade funcional de um mercado livre e uma complexidade so-cial diferenciada. Para Habermas, as crises do Estado capitalismo tardio noindicam contradies fundamentais ou problemas com o Estado em si, mas a

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    forma como as contradies capitalistas so deslocadas para o Estado. Isto causado pelo facto de os meios no-lingusticos, racionalizados, do sistema(dinheiro e poder) invadirem esta instituio do mundo da vida, substituindoa linguagem como meio de coordenao da aco. Mas isto no significaque Habermas no admita a necessidade funcional de um mercado livre, talcomo admite a existncia de uma complexidade social diferenciada. A ta-refa principal seria demonstrar uma distino inequvoca entre totalizao,capitalismo patolgico e o ideal-tipo preferencial de uma sociedade moderna,

    diferenciada, ps-liberal que, no entanto, contm produo capitalista e mer-cados (Morris, 2001: 79). O reformismo radical de Habermas exige umcapitalismo racional ao lado de um mundo da vida emancipado da dominaosistmica (Idem).

    Habermas concluiu aTeoria do Agir Comunicacional colocando o pro-blema de um divrcio entre moral e Direito na medida em que a moral as-sume caractersticas sistmicas de juridificao. O Direito, a lei, tem assimnas sociedades modernas um determinado significado na colonizao da tesemundo da vida. Os media no-discursivos do dinheiro e do poder administra-tivo podem ser, em ltima anlise, institucionalizados sob a forma de lei quepassa a constituir-se como meio mas, no entanto, precisa no s de justifica-

    o moral como prtica. As suas obras seguintes, em especial o seu trabalhosobre o Direito (Habermas, 1996, 1996b), tomam este problema como pontode partida. Nas sociedades modernas complexas, a lei nunca pode ser apenassinnima de moral porque as polticas e os discursos legais no envolvem ape-nas questes morais mas tambm implicam aspectos empricos, pragmticose ticos, bem como as questes relativas ao justo equilbrio de interesses aber-tos a compromisso. Da que a formao da opinio e da vontade da legislaturademocrtica dependa de uma complicada rede de discursos e de negociao e no simplesmente de discursos morais (Habermas, 1996b: 139). Ora, sea dimenso prtica sobretudo encontrada no domnio da autonomia privada,no deveremos perder de vista a dimenso moral colectiva, pblica. Por isso,

    deveremos abordar o problema de uma forma dialctica, que inclua autonomiaprivada e autonomia pblica, antemas dos modelos polticos do republica-nismo cvico e do liberalismo que Habermas procura reconciliar (Habermas,1996c). Nem a autonomia pblica (privilegiada no pensamento do republica-nismo cvico) nem a autonomia privada (privilegiada no pensamento liberal)devem ter primazia: elas constituem-se reciprocamente. nesta mtua consti-

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    tuio da autonomia privada e autonomia pblica pelo discurso que residea chave conceptual para entender a relao interna entre o imprio da lei e ademocracia. Assim, por exemplo, deixa de haver discrepncia entre os di-reitos humanos que fazem parte das liberdades clssicas e a sua forma de leipositiva, que os limita a um Estado-nao (Habermas, 1996b: 143).

    Aqui, a aco comunicativa mais claramente concebida dentro de umafuno produtiva e processual: deliberativa. O discurso traz novas possi-bilidades de auto-compreenso, reflexo e ajuste. no discurso pblico e

    na formao de uma opinio pblica que todas as nossas diferenas e discor-dncias podem ocupar-nos polticamente, para encontrar o caminho colectivo,mantendo simultaneamente a autonomia privada que essencial ao sentido dens mesmas/os. Um sistema poltico funciona bem quando as instituies queproduzem leis so sensveis influncia da sociedade civil e quando existemos canais certos que vm de baixo (a sociedade civil e a opinio pblica)que permitem exercer esta influncia sobre as instituies de cima (as queproduzem polticas e as leis).

    Sob a influncia de Nancy Fraser (1990), Habermas examina, ento, agoraa esfera pblica como um lugar da circulao do poder poltico entre pblicos

    "dbeis" e "fortes". Os pblicos fortes so as instituies polticas, como ospartidos polticos e o Parlamento, que tm o poder da tomada de deciso e deproduo das leis. Os pblicos dbeis localizam-se na periferia da estruturadestas instituies representativas, sendo antes canais informais, responsveispela formao da vontade, que se assemelham a um sistema de aviso comsensores que, embora no especializados, so sensveis em todas as partes dasociedade (Habermas, 1996, 358-9). Nas suas palavras,a formao da opi-nio pblica informal gera influncia; a influncia transformada em podercomunicativo pelos canais de eleies polticas; e o poder comunicativo no-vamente transformado em poder administrativo pela legislao (Habermas,1996c: 28). Esta influncia, transportada pelo poder comunicativo, d lei a

    sua legitimidade e, desse modo, o poder poltico do Estado adquire a sua foravinculativa.

    As organizaes da sociedade civil so parte destes pblicos dbeis, talcomo os media. Estes ltimos tm o papel de disseminar a racionalidadecomunicativa e o processo de deliberao informal nesta rea da vida pblica,fazendo emergir outros pblicos dbeis.

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    De forma ideal, o poder comea nestes pblicos dbeis e faz o seu cami-nho at aos pblicos fortes do sistema institucionalizado sendo esta a melhormedida da legitimidade de qualquer lei. Contudo, a vida pblica nem sempresegue este caminho (Habermas, 1996: 379-380). Uma questo tambm podeser gerada pelo sistema formal, pelos partidos polticos, excluindo assim ospblicos dbeis. Alternativamente, uma questo pode ser gerada no sistemaformal, mas os proponentes desta questo procuram o suporte na esfera p-blica informal porque precisam que as suas opinies sejam formalizadas, para

    implementar o programa proposto (Habermas, 1996: 380).

    O sistema meditico pode dar origem, se certas condies forem cum-pridas como a independncia de um sistema de media auto-regulado e aexistncia de comunicao com a sociedade civil a uma opinio pblicainformada que, por sua vez, a base de um sistema legtimo de normas obri-gatrias e de leis. De facto, embora os media sejam polticamente parte de umpblico dbil, eles mantm o elevado poder poltico de agenda-setting e de

    formar a opinio pblica, pelo que determinam decisivamente a agenda dospblicos fortes que deliberam na tomada de deciso formal. Contudo, osmedia preferem, em vez da sua auto-compreenso normativa, alimentar-sedo material de produtores de informao poderosos, organizados e enquantoeles preferirem estratgias que baixem em vez de aumentarem o nvel discur-sivo da comunicao pblica, as questes tendero a comear e ser dirigidas apartir do centro, em vez de seguir um curso espontneo que originaria na pe-riferia (Habermas, 1996: 380). A consequncia disto clara: as dinmicasda comunicao de massa so dirigidas pelo poder dos media de seleccionar,e formar a apresentao das mensagens e pelo uso estratgico do poder po-ltico e social de influenciar as agendas, bem como despoletar e enquadrar

    as questes pblicas (Habermas, 2006: 415). Neste contexto, embora a es-fera pblica tenha outros actores, como lobistas, defensores, peritos, agentesmorais e intelectuais, a comunicao mediada tende a ser o produto de umdiscurso de elite produzido por profissionais como jornalistas e produtoresde mensagens que, em conjunto, se tornam uma elite que ocupa o centro doprocesso de comunicao.

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    3. Resumindo

    A esfera pblica refere-se a processos de formao de um consenso racionalcuja normatividade est ligada a uma interpretao democrtica da aspiraoa uma vida autnoma, como um projecto partilhado, numa era igualitria epluralista. Nas palavras de Pauline Johnson (2006: 1): Condicionada peloaparecimento histrico de exigncias de direitos polticos de indivduos iguaise atomizados numa sociedade de massa, uma forma de interaco guiada por

    uma convico aprendida de que os indivduos, em princpio iguais, mas defacto relativamente fracos, podem dar uma forma concreta esperana de umprojecto autnomo de uma vida auto-determinada.

    Implicando a centralidade da opinio pblica e o processo da sua formaona legitimidade das formas democrticas de governo, o conceito continua a sermuito influente nos debates de interseco da comunicao moderna, forma-o de opinio, e democracia. Esses debates percorrem uma srie de tpicosque incluem exploraes tericas do conceito da sociedade civil e argumentosacerca do valor e da praticabilidade das formas deliberativas da democracia.Outros campos de interrogao centram-se mais na indissociabilidade da es-fera pblica dos meios de comunicao (Thompson, 1993), e dos novos media

    (Cavanagh, 2007). Outras indagaes ainda exploram o seu significado paraas questes de gnero e a sua transformao em contextos de transnacionali-zao (Fraser, 1990, 2007). Existem tambm mltiplas aplicaes do conceitos diferentes formas culturais (McKee, 2005).

    Vrios/as autores/as, por outro lado, questionam a ideia da esfera pblicaquer como ideal normativo, quer como parte da anlise emprica de siste-mas polticos, interrogando-se se essas anlises no esto simplesmente perse-guindo um fantasma (Robbins, 1993). Embora os fundamentos intelectuaisdestas crticas variem, nomeadamente no seu entendimento da modernidade(uns so baseados em Foucault, Derrida, Lyotard, e Deleuze, enquanto outrosrecorrem, por exemplo, a Arendt), partilham, no entanto, a ideia de que a te-

    oria de Habermas apresenta uma fraca teorizao na explicao da diferenae uma crena excessivamente idealizada nas capacidades de chegar a um con-senso. Ainda que haja quem defenda que possvel corrigir estes problemasdentro da estrutura de Habermas, h tambm quem tome uma abordagem maiscrtica e radical (ver Goode, 2005). Mais recentemente, esta questo faz partede um debate vivo e alargado dentro da teoria democrtica entre tericos da

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    democracia deliberativa, representados por Habermas e pelas teorias agonis-tas.

    Estas diferentes aplicaes do conceito de esfera pblica exploram umatenso entre a sua descrio sociolgica e a sua prescrio normativa. Temsido esta tenso produtiva que mede o diferencial entre o real e o potencial que tem tornado o conceito to frutfero e til, pelo menos para aqueles queacreditam na possibilidade iluminista de gerar um discurso pblico comum.

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    Cidadania

    Isabel Salema MorgadoInstituto Superior de Cincias Sociais e Polticas

    E-mail: [email protected]

    PORCidadania entende-se comummente o direito de um indivduo, na qua-

    lidade de cidado, de participar na vida poltica do Estado de que mem-bro.

    O uso intensivo da palavra Cidadania nos discursos dos polticos ociden-tais na ltima dcada no ilude a percepo comum sobre um problema cor-rente das sociedades democrticas ocidentais: o dfice de participao doscidados na vida poltica.

    Porm, fica por pensar o que aconteceria s instituies que conhecemosse estas estivessem continuadamente sobre a presso de uma participao em-penhada por parte de todos os cidados. A forma como o Estado est organi-zado no teria que sofrer alteraes substanciais na forma e no contedo pararesponder a uma participao empenhada dos indivduos nas questes polti-

    cas? O dfice cvico, de que tanto se fala, no ser uma garantia deste tipo deordem social, tal como a vivemos?

    O termo Cidadania tem vindo a designar uma realidade sociopoltica quese encontra em transformao, por circunstncias que se prendem com a his-tria das instituies polticas, jurdicas, sociais, econmicas e culturais, dasorganizaes nacionais e internacionais de governo, mas tambm com os in-teresses prprios das lideranas e a sua vontade de permanncia no poder.

    Ao mesmo tempo que se institucionalizou globalmente um discurso apo-logtico da forma de governo democrtico, e que se amplia pelo globo o fe-nmeno de atraco colectiva por esta forma de governo, h tambm sinaisfrequentes de insatisfao e de crtica dos cidados dos governos democrti-

    cos, relativamente aos seus representantes e s polticas adoptadas, como nosindicam os nmeros de absteno eleitoral, os inquritos de opinio ou osconflitos sociais que resultam em confrontos violentos entre a polcia e mani-festantes.

    A necessidade, reclamada por todo um conjunto de actores polticos, derevitalizar a democracia (prego publicitado por moda discursiva, estratgia

    Conceitos de Comunicao Poltica,43-53 Abril de 2010

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    44 Isabel Salema Morgado

    poltica ou preocupao real), passa em muito pelo recurso frequente ao termoCidadania, como seper sia evocao do termo propiciasse a transformao dodesejo proclamado em realidade. Esse desejo, simulado ou autntico, tem sidoum projecto com que polticos, mas tambm juristas, socilogos, economistase filsofos se tm debatido no campo da teoria e da prtica poltica. A pro-cura de solues que possibilitem de facto que o cidado de um grande Estadoterritorial exera o poder de intervir directamente no governo da sua comuni-dade, como acontecera em algumas das cidades-estado gregas na antiguidade

    clssica, neste momento uma ambio entendida como polticamente con-sensual.

    Todavia, permanece em aberto a questo que ops a doutrina de JohnLocke de Jean-Jacques Rosseau no sculo XVIII, a saber: a Cidadania um direito do indivduo adulto que s pode realizar-se absolutamente atravsda delegao em outrem mais preparado para o representar e aos seus conci-dados? Ou dever ser um poder exercido por cada cidado como participantedirecto da autoridade?

    Nas sociedades democrticas contemporneas, a condio para que o in-divduo possa efectivamente exercer o direito de Cidadania, implica no sque ele tenha conhecimento acerca do conjunto de direitos civis, polticos,

    sociais e econmicos, que lhe so adstritos, mas tambm dos deveres que dadecorrem para com a sua sociedade (impostos, servio militar, e respeito pelasleis). Direitos (o indivduo precede a sociedade e -lhe superior) e deveres (oindivduo uma parte do colectivo), consequentes do reconhecimento jurdicode pertena, e ligao, entre o cidado e o seu Estado de direito.

    Se de um Estado democrtico se tratar, o direito de Cidadania constituci-onal. O que significa que o Estado democrtico tem que o garantir e protegercomo tarefa sua. Tal implica a assumpo que um modelo de governo assentena soberania popular aceita o controlo e a limitao do seu poder por partedos seus cidados.

    A democracia tem como um dos seus princpios a defesa e a promoo

    do exerccio de Cidadania, porque este critrio de identificao de um sis-tema de governo democrtico contemporneo, logo os Estados democrticostm que condescender e integrar esse direito pessoal como forma de legiti-mao do seu prprio poder. Mas ser que esse direito se compraz com otipo de participao que a grande maioria dos cidados tem nos Estados con-temporneos? Ser que os Estados, nomeadamente o portugus, tudo fazem

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    ao seu alcance para alargar efectivamente a base de participao de todos oscidados na resoluo real dos problemas nacionais, ou contentam-se com amanuteno de formas representativas multipartidrias que promovem a par-ticipao dos cidados de forma peridica mas pontual, concentrada no actode consulta eleitoral? E ser que o sistema de poder dominante na sociedadecomo um todo de facto, nesta sociedade globalizada, o sistema poltico? Oua mera hiptese de isso no ser de facto assim, hipoteca o acto de controlodo poder real por parte dos cidados como prev o sistema democrtico? Por

    exemplo, far sentido numa sociedade democrtica, com uma economia demercado, perguntar se o poder econmico est devidamente a ser controladopelo cidado? Ou cada vez mais a sociedade regida pelas foras do mer-cado? Mas se de facto este quem est a dominar o sistema poltico, muitopara alm da capacidade de interveno do cidado, ento como se passar alegitimar o poder poltico democrtico? A Cidadania ficaria ento adstrita aque direitos polticos e civis?

    Com a perda de influncia das teorias defensoras da economia planifi-cada, e por via do facto de esta no se ter apresentado como um mecanismoeficiente na produo e distribuio de riqueza, h quem continue a procurarsolues de terceira via, que defendam como necessria a participao dos

    cidados em todas as dec