Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

12
Camponeses, ribeirinhos, pescadores e trabalhadores urbanos realizaram atos em oito estados Em San Salvador, eleitores comemoram a eleição de Mauricio Funes para a presidência de El Salvador Desmatamento para criação de gado em Porto de Moz, no Pará Desestatizações de em- presas bem-sucedidas como a Vale do Rio Doce, a Telebrás e a Usiminas con- tinuam ainda sem investi- gação. Pág. 7 Após 15 anos, privatizadores seguem impunes Na última reporta- gem da série, a demo- cracia, as proibições e os desafios da econo- mia, como os ciclones (foto). Págs. 10 e 11 A Revolução Cubana e seus velhos combates São Paulo, de 19 a 25 de março de 2009 www.brasildefato.com.br Ano 7 • Número 316 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,50 ISSN 1978-5134 Incra e MDA entregam 67 milhões de hectares de terras na Amazônia Legal Funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) teriam “vendido” mais de 67 milhões de hectares em terras públicas para grileiros na Amazônia Legal. A denúncia é da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). De acordo com a entidade, a operação começou nas superintendências regionais do Incra, mas seu desfecho foi em Brasília, com a edição da Medida Provisória nº 458/2009, assinada pelo presidente Lula no dia 11 de fevereiro. Pág. 5 Os principais movimentos sociais e centrais sindicais do país participaram de um encontro na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), para deba- ter a atual crise econômica mundial e a sua assimilação pedagógica dentro do campo da esquerda. Milton Viário, da CUT, foi um dos partici- pantes e, em entrevista ao Brasil de Fato, analisa o debate e aponta os futuros desafios dos trabalhadores organizados do país. Pág. 8 Esquerda busca unidade diante da crise econômica A partir de 1º de junho, El Salvador estará livre da Arena, partido da oligarquia que controla o país há déca- das. Em seu lugar, assumirá a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), de Mauricio Fu- nes, o vitorioso das eleições presidenciais do dia 15 de março. A antiga guerrilha terá pela frente o desafio de eliminar o enorme deficit social do país da América Central, além de contagiar as massas populares. No entanto, para o analista Remberto Nolasco, a agen- da neoliberal deve ser man- tida, pois a FMLN não vai querer confrontações com as empresas privadas. No campo internacional, Funes sinaliza aproximação tanto com os EUA como com os países da Alba. Pág. 9 Após vitória, esquerda de El Salvador encara desafios Historicamente com uma economia depen- dente da exportação de matérias-primas como os minérios, a Bolívia de Evo Morales já sofre os efeitos da crise mun- dial, devido à queda dos preços desses produtos. Para o governo, a saída está no estreitamento dos laços com os países vizinhos. Pág. 12 Enfrentar a crise mundial será o próximo teste de Evo Para economistas que analisam a crise mundial, as medidas tomadas por Lula para resolver o problema de acesso ao crédito são ineficazes. Como exem- plo, apontam a diminui- ção dos depósitos com- pulsórios que os bancos devem manter no Banco Central, o que os levam a investir em títulos da dívida pública. Pág. 6 Bancos especulam com depósitos compulsórios Com manifestações em 27 países, populações atingidas por barragens se mobilizam, na semana do 14 de março, contra o modelo energético que vem causando graves consequências sociais, eco- nômicas, culturais e ambien- tais. No Brasil, camponeses, ribeirinhos, pescadores e garimpeiros realizaram pro- testos em oito estados. Até hoje, 80 milhões de pessoas de todo o mundo já foram afetadas por construções de represas. Pág. 3 Mobilizações alertam para os danos causados pelas barragens Tatiana Merlino Wilson Dias/ABr Olmo Calvo/CC Leonardo F. Freitas/CC Sean Hawkey Marcela Mattos

description

Uma visão popular do Brasil e do mundo São Paulo, de 19 a 25 de março de 2009 www.brasildefato.com.brAno7•Número316 Tatiana MerlinoWilsonDias/ABr Desestatizações de em- presas bem-sucedidas como a Vale do Rio Doce, a Telebrás e a Usiminas con- tinuam ainda sem investi- gação. Pág. 7 Na última reporta- gem da série, a demo- cracia, as proibições e os desafios da econo- mia, como os ciclones (foto). Págs. 10 e 11 Desmatamento para criação de gado em Porto de Moz, no Pará

Transcript of Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Page 1: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Camponeses, ribeirinhos, pescadores e trabalhadores urbanos realizaram atos em oito estados

Em San Salvador, eleitores comemoram a eleição de Mauricio Funes para a presidência de El Salvador

Desmatamento para criação de gado em Porto de Moz, no Pará

Desestatizações de em-presas bem-sucedidas como a Vale do Rio Doce, a Telebrás e a Usiminas con-tinuam ainda sem investi-gação. Pág. 7

Após 15 anos,privatizadoresseguem impunes

Na última reporta-gem da série, a demo-cracia, as proibições e os desafios da econo-mia, como os ciclones (foto). Págs. 10 e 11

A Revolução Cubana e seusvelhos combates

São Paulo, de 19 a 25 de março de 2009 www.brasildefato.com.brAno 7 • Número 316

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,50

ISSN 1978-5134

Incra e MDA entregam 67 milhões dehectares de terras na Amazônia Legal

Funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) teriam “vendido” mais de 67 milhões de hectares em terras públicas para grileiros na Amazônia Legal. A denúncia é da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). De acordo com a entidade, a operação começou nas superintendências regionais do Incra, mas seu desfecho foi em Brasília, com a edição da Medida Provisória nº 458/2009, assinada pelo presidente Lula no dia 11 de fevereiro. Pág. 5

Os principais movimentos sociais e centrais sindicais do país participaram de um encontro na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), para deba-ter a atual crise econômica mundial e a sua assimilação pedagógica dentro do campo da esquerda. Milton Viário, da CUT, foi um dos partici-pantes e, em entrevista ao Brasil de Fato, analisa o debate e aponta os futuros desafios dos trabalhadores organizados do país. Pág. 8

Esquerda busca unidade diante da criseeconômica

A partir de 1º de junho, El Salvador estará livre da Arena, partido da oligarquia que controla o país há déca-das. Em seu lugar, assumirá a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), de Mauricio Fu-nes, o vitorioso das eleições presidenciais do dia 15 de março. A antiga guerrilha terá pela frente o desafio de eliminar o enorme deficit social do país da América Central, além de contagiar as massas populares. No entanto, para o analista Remberto Nolasco, a agen-da neoliberal deve ser man-tida, pois a FMLN não vai querer confrontações com as empresas privadas. No campo internacional, Funes sinaliza aproximação tanto com os EUA como com os países da Alba. Pág. 9

Após vitória, esquerda deEl Salvadorencara desafi os

Historicamente com uma economia depen-dente da exportação de matérias-primas como os minérios, a Bolívia de Evo Morales já sofre os efeitos da crise mun-dial, devido à queda dos preços desses produtos. Para o governo, a saída está no estreitamento dos laços com os países vizinhos. Pág. 12

Enfrentar a crise mundial será o próximo teste de Evo

Para economistas que analisam a crise mundial, as medidas tomadas por Lula para resolver o problema de acesso ao crédito são ineficazes. Como exem-plo, apontam a diminui-ção dos depósitos com-pulsórios que os bancos devem manter no Banco Central, o que os levam a investir em títulos da dívida pública. Pág. 6

Bancos especulamcom depósitoscompulsórios

Com manifestações em 27 países, populações atingidas por barragens se mobilizam, na semana do 14 de março, contra o modelo energético que vem causando graves consequências sociais, eco-nômicas, culturais e ambien-tais. No Brasil, camponeses, ribeirinhos, pescadores e garimpeiros realizaram pro-testos em oito estados. Até hoje, 80 milhões de pessoas de todo o mundo já foram afetadas por construções de represas. Pág. 3

Mobilizaçõesalertam para osdanos causadospelas barragens

Tatiana MerlinoWilson Dias/ABr

Olmo Calvo/CC

Leonardo F. Freitas/CC

Sean Hawkey

Marcela Mattos

Page 2: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Que os ricos paguem a conta da crise

NA ÚLTIMA década, a China bus-cou seu desenvolvimento através da intensa expansão de sua indústria, comércio e serviços. Com isso, vem alterando de forma signifi cativa sua realidade socioeconômica e ambien-tal, sobretudo nas grandes cidades. Este quadro é retratado no documen-tário Manufactured Landscapes (Pai-sagens Transformadas), dirigido por Jennifer Baichwal. Entre as paisagens mutantes de maior impacto, está a barragem Três Gargantas, uma mons-truosa e inédita obra de engenharia, a maior central hidrelétrica do mundo, planejada para fornecer energia para o complexo industrial daquele país.

A barragem está em execução há vários anos e tem previsão de ser concluída em 2011. Para se ter ideia de sua magnitude, a quantidade de aço utilizado nela seria sufi ciente para construir 63 torres Eiffel. A hidrelé-trica deverá ter uma capacidade de geração de 22.500 MW e o acúmulo de água poderá aumentar os riscos de terremotos na região. Quase 1 milhão e meio de pessoas serão forçadas a deixarem seus locais de origem. As autoridades estimam que outros 4 milhões de pessoas sejam deslocadas até o ano de 2020. A construção da barragem implica a destruição de 13 cidades e mais de mil vilas.

O acelerado desenvolvimento econômico da China, com a supe-rexploração da mão-de-obra nas fá-bricas, mostra o aspecto perverso do capitalismo moderno. Diante disso, os trabalhadores reagem de várias formas na defesa dos seus direitos. Em 2004, por exemplo, houve 74 mil manifestações, greves e diversos incidentes maciços. O governo chinês abandonou a tentativa de construir o socialismo naquele país, privatizando empresas, retirando direitos traba-lhistas, direitos de habitação digna, de cuidados médicos, de educação etc., até então fornecidos gratuita-mente pelo Estado.

O referido documentário é um exemplo evidente da dinâmica de destruição do planeta; uma demons-tração cabal da insustentabilidade ecológica do sistema capitalista. A as-censão da China está revolucionando a economia mundial. Desde 1996, o país tornou-se o maior produtor mun-dial de aço. De acordo com o escritor Oded Shenkar, os chineses produzem 70% dos brinquedos do mundo, 60% das bicicletas, metade dos calçados, metade dos fornos de microondas, um terço dos televisores e aparelhos de ar-condicionado, um quarto das máquinas de lavar e um quinto dos refrigeradores. Hoje existe cerca de 30 mil exportadores de produtos têxteis naquele país.

Na Revolução de 1949, a China ti-nha 10% de população urbana e 90% rural. O objetivo das autoridades chinesas é inverter essa estatística. O documentário Paisagens Transfor-madas busca mostrar a parte oculta do capitalismo e ressalta a necessida-de da organização e da luta da classe

trabalhadora para combater os efeitos nocivos do sistema de mercado. Du-rante a era maoísta, tinha-se a com-preensão de que o desenvolvimento industrial devia estar a serviço das pessoas. Agora, a perspectiva é de que as pessoas estejam a serviço do desen-volvimento industrial e do consumo.

Paralelamente a este acelerado de-senvolvimento – que gera acúmulo de lucro e riqueza –, crescem os pro-blemas sociais, como a insegurança e a escassez alimentar para milhões de seres humanos na China e em diferen-tes partes do mundo. Essa situação é demonstrada por outro documen-tário, intitulado We Feed the World (Nós alimentamos o mundo), sob a direção de Erwin Wagenhofer. O mes-mo ressalta a violência nas relações mercantis atuais em uma sociedade global, bem como a violência no que diz respeito à apropriação da produ-ção e do excedente econômico. Evi-dencia também as consequências da concentração da renda, entre as quais o agravamento do ciclo da fome e da pobreza no mundo.

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 75 milhões de pessoas, em 2007, e mais 40 milhões, em 2008, vieram engrossar as fi leiras dos suba-limentados do planeta, devido prin-cipalmente ao aumento dos preços dos bens alimentares. Isso fez com que o número de pessoas com fome no mundo atingisse os 963 milhões

contra os 923 milhões em 2007 (FAO, setembro e dezembro de 2008).

Como se vê, as estatísticas são dra-máticas. Segundo o relatório, de ja-neiro de 2009, da Organização Inter-nacional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego no mundo poderá subir de 6% em 2008 para 7% em 2009. O relatório aponta ainda que o número de trabalhadores extremamente po-bres que ganham menos de 1,25 dóla-res por dia poderá também aumentar para perto de 200 milhões. Em 2007, 21% dos trabalhadores eram muito pobres, e essa cifra poderá alcançar os 27% em 2009.

O modelo neoliberal é a mola pro-pulsora da crise fi nanceira, econô-mica e socioambiental atual, tendo como consequência o aumento do desemprego, da pobreza, da fome, da exclusão social e do aquecimento global, especialmente nas três últi-mas décadas. Com esse modelo, tudo o que é considerado um obstáculo à livre concorrência dos mercados (de trabalho, de produtos, de dinheiro, de títulos) tem que ser eliminado. Em outras palavras, a globalização hege-mônica não tolera outro modelo de desenvolvimento e nem a regulação do mercado. O que fazer quando os “negócios da China” causam fome?

Antonio Alves de Almeida e Dirceu Benincá são doutorandos pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

debate Antonio Alves de Almeida e Dirceu Benincá

Negócios da China e a fomecrônica Marcelo Barros

IMPORTANTES SETORES da es-querda brasileira se reuniram, nos dias 14 e 15, em Guararema (SP) pa-ra debater a crise sob o enfoque da defesa dos interesses dos trabalha-dores. Representantes de 35 organi-zações sociais, dentre as quais CUT, Assembleia Popular, Via Campesina, Intersindical, Conlutas, CTB, PCB, PCdoB, CMP, Psol e PT, avançaram nos consensos sobre o colapso eco-nômico, sua natureza e, sobretudo, na construção de uma agenda de lutas e trabalho com o povo.

Isso qualifi ca o enfrentamento dos efeitos da crise, reforçando sua es-sência capitalista. Logo, fortalece a compreensão de que são os ricos que devem pagar por ela. De seu lado, a burguesia brasileira não tem um projeto próprio e, ao longo da crise, se limitará a executar o projeto da elite internacional e do imperialis-mo. E isso é um elemento decisivo.

As classes dominantesPara a classe dominante, comba-

ter a crise signifi ca privatizar o lucro e socializar o prejuízo. Assim, ela naturaliza seus fundamentos como se ela ocorresse por uma fatalidade, a qual deve ser enfrentada por to-dos. Ao mesmo tempo, começam a impor suas saídas tradicionais. São elas: a destruição de parte do capital

acumulado (fi nanceiro); destruição de capital humano e bens de produ-ção através da promoção de guerras; aumento da exploração do trabalho; transferência maior de recursos da periferia para o centro do capital; e utilização do Estado para concentrar a poupança popular e destiná-la aos capitalistas. Além dessas saídas típicas, em seu desespero, o capi-tal aumentará a ofensiva sobre os recursos naturais. Destaque para o petróleo, o minério, a produção agrícola, a biodiversidade, as águas e as fl orestas – vide a MP 458/2009, editada pelo governo em fevereiro e que regulariza, sem licitação, terras griladas de até 2.500 hectares na Amazônia Legal.

É bom lembrar que o modelo neoliberal sofreu um revés impor-tante, mas não está derrotado. Fu-sões de grandes bancos e empresas continuam acontecendo, e a mídia corporativa brada em uníssono: menos direitos trabalhistas e im-postos. Querem passar a fatura para a classe trabalhadora e, para isso, intensifi cam a repressão policial e a criminalização dos movimentos no

Judiciário. No plano político, saídas podem caminhar com a ascensão de governos fascistas. As consequências já são sentidas, sobretudo, pelos tra-balhadores, as mulheres e as popu-lações com menor proteção social.

As forças popularesPara os setores populares, há

consenso de que a crise é estrutural, profunda, prolongada, sistêmica. Ela atinge a produção, as fi nanças, o comércio, o meio ambiente, o consu-mismo e encerra um período histó-rico de ofensiva do capital, abrindo a possibilidade de um reascenso da luta de massas.

No entanto, a esquerda brasileira enfrenta essa conjuntura adversa com problemas de caráter ideoló-gico e organizativo. E que, por se-rem difíceis e complexos, exigem a construção de alternativas de médio e longo prazos, sendo que a tarefa central é a construção da unidade entre as diferentes formas do povo brasileiro se articular. O caminho para essa construção é nas agendas comuns de lutas, as quais fomentam a construção de confi ança mútua.

Para isso, é necessário reafi rmar que são com esses setores, e a partir delas, que se podem desencadear mobilizações que resultem no cres-cimento da atuação das massas e, assim, alterar a correlação de forças.

A construção dessa unidade não se resume no trabalho de articulação, mas reclama fi rmeza para impedir o fracionamento das lutas e disputas.

A unidadeA crise inaugura um novo período

histórico, marcado pela insatisfação social e pela retomada da capacida-de de luta de massas. Diante disso, as forças populares avançaram na construção de bandeiras unitárias, tais como: nenhum desemprego nem direitos a menos; elevação do salário mínimo; diminuição da jornada de trabalho, sem reduzir vencimentos; decréscimo das tarifas de energia e água e dos impostos para os pobres; queda no preço dos alimentos; menor taxa Selic e para o consumidor; investir superavit pri-mário em educação e saúde; apoiar a CPI da dívida pública; impedir que a reforma tributária tire recursos da

seguridade social; reestatização de empresas estratégicas (Embraer, Va-le, Petrobras etc.); reforma agrária massiva e mudança do modelo do agronegócio; estatização do sistema fi nanceiro; garantia de um progra-ma de educação pública e gratuita para todos; e construção de progra-mas de integração popular entre os países da América Latina.

Nas lutas, o plano é jogar energias para construir uma jornada nacional de protestos contra a crise, unitária e massiva, nos dias 30 e 31 de mar-ço e 1º de abril – datas defi nidas durante a Assembleia Mundial dos movimentos sociais no FSM. Na primeira semana de junho, intensi-fi car as mobilizações e, em outubro, nova jornada mundial contra a crise, entre os dias 12 e 16. O dia 12 será de defesa da natureza e o 16, de luta pela soberania alimentar.

E, paralelamente, apoiar as mobi-lizações e atos de resistência contra os efeitos da crise. Em especial a greve dos petroleiros, no dia 23, a mobilização dos estudantes secun-daristas e universitários, no dia 28 (em memória à morte do estudante Edson Luis, pela ditadura militar), as jornadas dos movimentos da Via Campesina, do movimento sindical, da juventude, de moradia e de todos que forem a luta!

de 19 a 25 de março de 20092

editorial

Gama

Excomunhão e diálogoNeste mês de março, as comunidades cristãs populares

celebram a preciosa memória do martírio de dom Oscar Ro-mero, arcebispo de El Salvador, assassinado por militares ligados ao governo do país. O seu crime era ter consagrado sua vida à defesa intransigente dos mais pobres e persegui-dos pelo regime. Dom Oscar Romero e Dom Hélder Câmara foram os bispos latino-americanos mais dedicados a aplicar a renovação da Igreja, proposta pelo Concílio Vaticano II (1965) e que estes mesmos atualizaram para a América Lati-na na famosa conferência dos bispos de Medellín (1968).

Desta época para cá muita coisa mudou na Igreja e no mundo. Em sua comovente carta circular de 2009, dom Pedro Casaldáliga começa citando o cardeal Martini, ex-ar-cebispo de Milão que, em uma entrevista publicada em livro, declarou não ter mais os mesmos sonhos a respeito da reno-vação da Igreja. Dom Pedro contextualiza o que ele quis di-zer e explica: “Ele e milhões de pessoas na Igreja sonhamos com a ‘outra Igreja possível’”, ao serviço do “outro Mundo possível”. E o cardeal Martini é uma boa testemunha e um bom guia nesse caminho alternativo; o tem demonstrado.

De fato, graças a Deus, no Brasil, continuamos sempre a ter exemplo de bispos católicos, tanto mais velhos, quanto mais novos, simples, despojados, abertos ao diálogo com o povo, sensíveis aos pobres e que, mesmo em meio a uma conjuntura desfavorável e às vezes contrária, procuram seguir as orienta-ções do Concílio Vaticano II, como dom Romero fez e propu-nha.

Na contramão deste espírito, o povo brasileiro é surpre-endido por duas notícias diferentes: dom José Cardoso, arcebispo de Olinda e Recife, excomungou publicamente médicos/as, enfermeiros/as e até a mãe da criança que, grávida aos nove anos de idade e de gêmeos, foi submetida a um aborto cirúrgico de urgência. Segundo o médico, mor-reriam ela e as crianças se não fi zessem a operação. Como o arcebispo condenou os médicos e não deu uma palavra sobre o padrasto que a estuprou, os jornalistas perguntaram. Ele respondeu: “O estupro é menos grave do que o crime do aborto”.

Nos mesmos dias, em João Pessoa, o arcebispo dom Aldo Pagotto suspendeu da ordem sacerdotal o padre Luiz Couto, deputado federal dos mais votados no Estado, porque este declarou em uma entrevista a uma revista ser favorável à ca-misinha e ser à liberdade de os padres casarem (celibato li-vre e facultativo). Acontece que neste momento o padre está ameaçado pelos esquadrões da morte da fronteira do Estado e, na semana passada, este grupo assassinou o vice-presiden-te do PT em Pernambuco.

Os meios de opinião pública têm comentado esses casos, em geral, falando da Igreja que passa a um “período de tre-vas” (Alberto Dines) ou que volta ao regime da inquisição e assim por diante. Não é justo.

Esses dois bispos não representam o modo de ser e de agir da maioria dos bispos brasileiros. Muitos são conservadores, mas não cruzados de uma ideologia absolutista e confundida com o Evangelho.

No tempo de dom Oscar Romero, a proposta da Igreja foi passar desta cultura de excomungar pessoas por isso ou por aquilo para o diálogo. O papa Paulo VI dizia que o diálogo foi iniciado por Deus e que tudo se deveria tentar resolver, em primeiro lugar, pelo diálogo. Fez sucesso no mundo todo um livro chamado Do Anátema ao Diálogo.

Na sua carta às comunidades, na altura dos seus mais de 80 anos, dom Pedro Casaldáliga reafi rma: “Como Igreja que-remos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comu-nidade ecumênica. O Deus em quem acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamenta-lismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. Chega de fazermos do nosso Deus o único Deus verdadeiro. ‘Meu Deus, me deixa ver a Deus?’. (...) A Igreja será uma rede de comunidades, uma Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade. Seguiremos fazendo que se viva na prática eclesial a advertência de Jesus: ‘Não será assim entre vocês’ (Mt 21,26). Seja a autoridade serviço.”

Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 26 livros, dos quais o mais recente é O Espírito vem pelas Águas, Ed. Rede-Loyola, 2003.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino, Tatiana Merlino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper,

João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Antonio David, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] Para anunciar: (11) 2131-0800

Page 3: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Marcha percorreu trecho entre Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR)

Camponeses, ribeirinhos, pescadores e trabalhadores urbanos realizaram protestos em oito estados

de 19 a 25 de março de 2009 3

brasil

Alexania Rossatode São Paulo (SP)

NA SEMANA do 14 de mar-ço – Dia Internacional de Lu-ta contra as Barragens – po-pulações atingidas por barra-gens do mundo inteiro denun-ciam o modelo energético que, historicamente, tem causado graves consequências sociais, econômicas, culturais e am-bientais. Segundo o relatório da Comissão Mundial de Bar-ragens (órgão ligado à ONU), no mundo, cerca de 80 mi-lhões de pessoas foram atin-gidas direta ou indiretamente pela construção de usinas hi-drelétricas. Neste ano, houve manifestações em 27 países.

No Brasil, centenas de cam-poneses, ribeirinhos, pescado-res, garimpeiros e trabalhado-res urbanos realizaram atos e protestos em oito estados. De acordo com Océlio Mu-niz, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de dialogar com a sociedade, as manifestações foram para pedir solução para a enorme dívida social e ambiental dei-xada pelas usinas já construí-das e para fortalecer a luta por um outro modelo energéti-co. “Essa luta não é apenas da população atingida pelos la-gos, pois todo o povo brasilei-ro é atingido pelas altas tari-fas da energia, pela privatiza-ção da água e da energia, pelo dinheiro público investido em obras privadas”, afi rma.

CríticasUma das críticas do MAB

recai sobre o alto investimen-to público na construção das barragens. Mesmo com a for-te crise do sistema capitalis-ta e com a demissão em mas-sa dos trabalhadores, recente-mente o BNDES anunciou a liberação R$ 7,2 bilhões so-mente para a Usina Hidrelé-trica de Jirau, em Rondônia. “A crise nas atividades econô-micas e a consequente queda no consumo da energia abre a possibilidade de discutir uma reestruturação profunda do modelo energético, que par-ta da necessidade de supera-

Atingidos, em luta contra as barragensMOBILIZAÇÃO Após a jornada de lutas das mulheres, atingidos por barragens se manifestam e demarcam o Dia Internacional de Luta contra as Barragens

ção das contradições do atu-al modelo e que carregue os princípios da soberania ener-gética, a partir de um proje-to popular. No entanto, o BN-DES continua fi nanciando as empresas transnacionais, que exigem aumento na remessa de lucros para seus países de origem, já que lá estão na ban-carrota”, argumenta Muniz.

InjustiçasPor outro lado, no Brasil

não há uma legislação que as-segure e estabeleça quais são os direitos dos atingidos por barragens, nem há um órgão público encarregado de reali-zar as indenizações e reassen-tamentos. Há inúmeros casos de indenizações injustas e de desrespeito aos direitos hu-manos no processo de inser-ção de uma barragem, e o caso de Acauã, na Paraíba, é consi-derado um dos piores do pa-ís. Segundo o MAB, depois do fechamento do lago, em 2002, as 4,5 mil pessoas deslocadas foram transferidas para con-juntos habitacionais isolados e desprovidos de quaisquer condições de vida, onde fal-tam serviços públicos e, prin-cipalmente, meios de os mo-radores retomarem suas ativi-dades produtivas.

Ação civil pública“Até o Ministério Público

Federal entrou com uma ação civil pública contra o Estado e a União por não terem dis-ponibilizado os meios de vi-da que possuíamos antes da barragem”, afi rmam as lide-ranças locais que se manifes-taram em João Pessoa (PB), na semana passada. “A situ-ação de milhares de pesso-as lançadas ao desamparo de conjuntos habitacionais situa-dos no meio do nada, impos-sibilitando a seus habitantes o exercício de qualquer ativida-de produtiva, reclama, urgen-temente, a adoção de medidas que venham a suprir as carên-cias mais elementares da po-pulação deslocada, até que se cumpra a obrigação governa-mental de lhes conferir uma convivência sustentável em seus novos lares”, argumenta o Ministério Público.

de São Paulo (SP)

Mais do que denunciar o desrespeito aos direitos dos atingidos, em Rondônia os ribeirinhos mostraram que megaempreendimentos co-mo as barragens de Santo Antônio e Jirau não benefi -ciam a população, que perde o emprego e as condições de vida. Por outro lado, durante os 30 anos de concessão que os dois consórcios têm para a geração de energia, lucrarão R$ 93 bilhões de reais, ou se-ja, R$ 365 mil reais por hora, exceto a transmissão e a dis-tribuição dessa energia.

“Denunciamos a forma truculenta com que as em-presas estão expulsando os ribeirinhos e o caos social e ambiental que se instalou nas margens do rio e na ci-dade de Porto Velho e entor-no”, afi rma Océlio Muniz, do

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

TruculênciaA truculência não parte ape-

nas das empresas. Duran-te uma manifestação de rua dos atingidos, a Polícia Fede-ral prendeu e deportou para a Bolívia seis militantes de mo-vimentos sociais e indígenas que participavam do acampa-mento, mesmo com permis-são para fi carem no Brasil por quinze dias.

Há meses, movimentos e or-ganizações sociais daquela re-gião denunciaram que a cons-trução das duas barragens no Rio Madeira atingirá terras bolivianas e a população da-quele país sequer foi consul-tada pelas empresas donas das obras. As organizações de campesinos e indígenas da Bolívia são parceiras do MAB nas propostas conjun-tas de ação e tratamento aos

ribeirinhos e já participaram de várias atividades no Bra-sil. “Contra a efetiva integra-ção dos povos, o Estado bra-sileiro responde com a repres-são, articulado com o capital”, declarou Muniz.

OmissãoA prisão dos camponeses e

indígenas bolivianos aconte-ceu no dia seguinte à liberta-ção de sete militantes da Via Campesina que foram presos durante uma mobilização em Erechim, região norte do Rio Grande do Sul. Os agriculto-res chamavam a atenção so-bre a situação de abandono dos agricultores que, entre ou-tros problemas, sofrem com a estiagem. Além disso, pressio-navam os governos federal e estadual para que apontassem avanços nas reivindicações apresentadas desde que per-deram quase toda a produção pela forte seca que assolou a

região. “Pela omissão dos go-vernos, os camponeses saem às ruas para lutar por garan-tias de vida, trabalho, educa-ção, entre outros. Queremos continuar sendo agricultores e produzindo alimento sadio para a população, no entanto o Estado não nos dá condições e nos reprime quando nos ma-nifestamos”, afi rmam as lide-ranças.

Em nota, o MAB repudia toda a ação do aparato esta-tal que nos últimos meses tem reprimido as ações dos movi-mentos sociais, criminaliza-do suas lideranças. Sobre a truculência da polícia no Rio Grande do Sul, a coordenação do Movimento afi rma: “Com estas ações o MAB teme que o atual governo do Estado avan-ce nas ações ilegais de crimi-nalização, tais como aconte-ciam no período da ditadura, e alerta a sociedade em geral para isso”. (AR)

Rio Madeira: repressão sem fronteiras frente à luta sem fronteirasPara ribeirinhos, as barragens de Santo Antônio e Jirau não benefi ciam a população

Arquivo MAB

Pedro Carranoenviado especial a

Ribeira do Iguape (SP)

Ribeirinhos, caiçaras, qui-lombolas e pescadores mar-chavam ao lado de estudan-tes, ambientalistas e campo-neses ameaçados de perder a terra onde produzem. No Va-le do Ribeira, fronteira entre São Paulo e Paraná, cerca de 400 pessoas marchavam pa-ra reforçar os 20 anos de re-sistência à construção da usi-na hidrelétrica de Tijuco Al-to, projetada pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), empresa do grupo Votoran-tim, junto a outras três barra-gens, ao longo do rio Ribeira de Iguape.

O Movimento dos Ameaça-dos por Barragens (Moab) é a sigla que aglutina as lutas des-sa região. O ato era mais um momento do Dia Internacio-nal de Luta Contra as Barra-gens. O trecho entre as cida-des de Ribeira (SP) e Adrianó-polis (PR) foi atravessado pe-la marcha, em um trabalho de conscientização da população. Uma faixa do comércio local apoiava Tijuco Alto, mas os manifestantes gritaram alto: “Terra sim, barragens não”. O lema do movimento é o direi-to à terra pelos seus morado-res, algo que está em contra-

dição com o projeto que be-nefi cia a CBA – pertencente ao empresário Antônio Ermí-rio de Moraes. A fi nalidade de Tijuco Alto é alimentar uma planta de produção de alumí-nio em cidade há 250 quilô-metros dali.

Ernani Coutinho, ribeirinho e quilombola, coleta peixes e moluscos no encontro do rio Iguape com o mar, em Cana-néia (SP), no complexo estua-rino mais conhecido como La-gamar. Tomou parte no início do movimento, há vinte anos. Hoje, está ao lado de trabalha-dores de outras 20 cidades. “Somos todos pobres, temos que nos organizar”, reivindi-ca. Onde Coutinho vive, mais de 3 mil pessoas dependem da pesca da manjuba – uma es-pécie de peixe que pode ser afetada pela mudança na sa-linidade da água, resultado da barragem.

Riqueza apropriadaO Vale do Ribeira mantém

21% da Mata Atlântica res-tante no país. Assim mesmo, os morros e a natureza que contornam a cidade do Ribei-ra enganam: atravessar as es-tradas do Vale é deparar com o projeto de plantação de pi-nus, cujos proprietários de-sertifi cam o solo e não respei-tam acordos mínimos: a re-gião de topo de morro, o en-

torno dos rios. Na paisagem, é comum um longo trecho de pinus, para logo vermos áreas desérticas. Na lógica do lucro e da exploração, a região do Vale amarga o pior índice de desenvolvimento humano do Estado de São Paulo.

O grupo Votorantim é co-nhecido por cooptação e des-pejo de trabalhadores rurais nas áreas onde realiza seus projetos. Uma favela inteira de Curitiba (PR), a Vila Es-perança, recebeu agriculto-res expulsos das terras pela corporação brasileira. O atu-al projeto de Tijuco Alto ala-gará uma região equivalente a 11 mil campos de futebol, de

acordo com informações do deputado estadual Raul Mar-celo (Psol-SP). Dados apon-tam que municípios onde bar-ragens foram instaladas se-guem entre os piores se o as-sunto for o desenvolvimento humano.

A luta dos atingidos por barragens se confronta com o projeto decenal do gover-no Lula para o setor. Presen-te apoio ao ato, Hélio Mecca, da direção nacional do Movi-mento dos Atingidos por Bar-ragens (MAB), critica a cons-trução de 1.443 barragens projetada pelo atual governo. “Mais barragens não são ne-cessárias, uma vez que o esto-

Marcha por direito de muitos contra direito de um empresário

que de águas atual é sufi cien-te para vinte anos. Ademais, a produção de energia hoje, no Brasil, atende ao projeto de exportação das eletrointensi-vas, produtoras de alumínio e bauxita, com baixo empre-go de força de trabalho”, ex-plica Mecca.

Dois projetos em colisãoNo Vale do Ribeira, o ato te-

ve caráter de procissão, mis-turando cantos afro-católicos, músicas da militância e a ba-tucada do maracatu. O Moab recebe o apoio do bispo da ci-dade de Registro (SP), para quem a luta do não se volta contra a tecnologia e os pro-jetos por si mesmos, mas con-tra a falta de controle popular sobre eles. “O governo nun-ca consulta a sociedade, tu-do vem de cima para baixo. Quando o povo participa te-mos boas propostas. O lema desta luta “Terra sim, barra-gens não!” é porque a terra produz alimento, mas as bar-ragens não”, declama o bispo José Luiz Bertanha.

Hélio Mecca, do MAB, res-saltou o caráter de disputa de projetos, presente na atu-al jornada nacional de lutas. “Não basta confrontar com o existente, é preciso que a gen-te mostre alternativas; assim como o MST apresenta o pro-jeto de reforma agrária para o

VALE DO RIBEIRA 400 pessoas marcharam para reforçar os 20 anos de resistência à construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto

campo, temos a obrigação de apresentar um projeto ener-gético, popular e alternativo”, defende.

Risco iminente O deputado Raul Marce-

lo (Psol-SP), que atua na lu-ta contra Tijuco Alto, infor-mou que o processo de licen-ciamento da barragem (a pri-meira do total de quatro) está em curso no Ibama. Falta ape-nas o relatório fi nal.

Em novembro do ano pas-sado, o Vale do Ribeira so-freu um duro golpe do go-verno federal, que, por decre-to, autorizou a destruição decavernas no Brasil. Nessa re-gião existe uma série de gru-tas e cavernas que, assegura-das pelas leis ambientais, atéentão impediam a construçãodas barragens.

Na semana passada, o pro-curador-geral da Repúbli-ca, Antônio Fernando Souza, ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta da Inconstitucionalidade contra o decreto assinado pelo presi-dente Lula. Segundo ele, o de-creto “toma para si o papel de traçar o regime de exploração desses espaços, adotando cri-térios não-determinados pe-la comunidade científi ca pa-ra, pretensamente, eleger os sítios que devam, ou não, ser preservados”.

Marcela Mattos

Page 4: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Jovens de várias etnias exibem seus diplomas

Pankararus realizam a dança do Toré para celebrar a formatura de jovens indígenas

de 19 a 25 de março de 20094

brasil

Vanessa Ramos e Beatriz Maestride São Paulo (SP)

NO DIA 4 ocorreu a formatu-ra de 12 jovens indígenas de diversas etnias na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Entre os formandos está Rejane Aparecida Silva, que se graduou no curso de Di-reito. Ela é da região do Brejo dos Padres, que fi ca entre as cidades de Tacaratu e Jatobá, no sertão de Pernambuco, on-de se localiza a reserva indíge-na dos Pankararu.

Na sua aldeia, homens, mu-lheres e crianças indígenas sofrem principalmente com os prolongados períodos de seca. Muitos acabam migran-do para outros estados, fugin-do da seca e de confl itos com posseiros invasores de su-as terras, e em busca de em-prego e melhores condições de vida.

Rejane faz parte desse con-tingente indígena que dei-xou sua terra para se aven-turar em São Paulo. No en-tanto, na periferia da metró-pole, sobrevivem em meio a contradições e graves desi-gualdades sociais. Além dis-so, sofrem com a dispersão do grupo, pois, apesar de perten-cerem à mesma etnia e terem vindo todos de Pernambuco, os Pankararu estão espalha-dos por vários bairros da ca-pital e grande São Paulo.

Em uma realidade muito diferente da aldeia, a começar pela organização, os primei-ros Pankararu da Comunida-de do Real Parque, zona sul de São Paulo, chegaram à ca-pital paulista há aproximada-mente 50 anos. No decorrer das décadas, instalaram-se nesse bairro e recebem, ain-da hoje, os parentes da aldeia que também vêm em busca de uma vida melhor. Atualmente residem, nessa comunidade, cerca de 600 indígenas, em condições precárias de mora-dia, desemprego, saúde, e fal-ta de terra e de uma educação diferenciada.

Para falar sobre a realidade de seu povo vivendo em pe-riferias da grande São Pau-lo, especialmente da comuni-dade Real Parque, onde atua e onde vive a grande maioria do povo Pankararu, o Bra-sil de Fato entrevistou Re-jane Aparecida. A jovem re-cém-formada em Direito fa-la, entre outras questões, so-bre as condições de vida dos Pankararu na Real Parque, a relação dos indígenas com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o que pensa sobre educação. Enfatiza, ainda, as difi culdades no reconhe-cimento de sua identidade indígena: “E nós, indígenas que perdemos nossa língua, não temos mais as caracte-rísticas físicas que as pesso-as esperam ver, que não es-tamos na aldeia? Pois é, te-mos que provar todos os dias quem somos, que temos co-nhecimento da nossa cultura e que mesmo assim moramos na cidade grande”.

Brasil de Fato – Como é sua comunidade no Real Parque?Rejane Aparecida Silva – Não há uma organização co-mo existe nas aldeias. Na co-munidade do Real Parque moram indígenas Pankararu, que há aproximadamente 50

anos vieram para São Paulo em busca de melhores con-dições de vida, de emprego e, no decorrer das décadas, fo-ram se instalando nesse bair-ro e recebendo outros paren-tes da aldeia que vinham em busca do mesmo sonho. Ho-je, podemos dizer que a co-munidade do Real Parque se-ria uma segunda casa para os Pankararu.

Quais são as principais lutas defendidas pelos Pankararu na cidade de São Paulo?

Podemos dizer que uma das maiores preocupações da co-munidade Pankararu, atual-mente, é a questão da mora-dia, pois a comunidade está instalada dentro de uma fave-la, onde existem famílias mo-rando em prédios do Cinga-pura e outras que ainda mo-ram em barracos e que po-dem ser desapropriadas a qualquer instante. Além dis-so, a questão da saúde, co-mo na maioria das comunida-des indígenas espalhadas pe-lo país, fi ca muito a desejar. Mas também há uma cres-cente preocupação com o en-sino. Muitos jovens estão ter-minando o ensino médio sem perspectiva de cursar uma fa-culdade. O único programa que garante realmente bolsas para os estudantes indígenas, com o apoio de alguns coor-denadores, é o Projeto Pindo-rama da PUC-SP, mas que in-felizmente só pode receber 12 alunos indígenas por ano.

Como está a questão da educação nas aldeias

indígenas? Você tem percebido a implantação de políticas públicas para a educação indígena no Estado de São Paulo?

Acho que a educação nas aldeias está mais encaminha-da do que a educação ofereci-da fora delas, pois dentro da aldeia são ensinados, além das disciplinas normais [do currículo], os costumes da al-deia. Em São Paulo, as polí-ticas públicas para educação indígena que conheço são aplicadas nas aldeias Guara-ni (Parelheiros e Pico do Ja-raguá). Há também a tentati-va de aplicação da Lei Fede-ral n° 11.645/08, que obriga o ensino da História dos po-vos indígenas nas escolas.

Qual tem sido a atuação da Funai junto às populações indígenas que vivem em São Paulo? Ela se preocupa de fato com essas populações e contribui para o seu desenvolvimento educacional?

A Funai existe ainda por-que ainda existem indígenas no país, mas o funcionamen-to do órgão deixa muito a de-sejar. A maioria dos funcio-nários desconhece as pecu-liaridades de cada povo e, em muitos casos, não sabem lidar com os problemas que sur-gem dentro e fora das aldeias. As verbas repassadas pelo go-verno federal para a Funai muitas vezes não chegam ao seu destino, e não são raras as aldeias em que os indíge-nas passam fome. A meu ver, isso tem um nome: má admi-nistração. Quanto ao desen-volvimento educacional, a di-visão de verbas é muito injus-ta. Há indígenas que, pelo fa-

to de morar em aldeias, rece-bem em torno de R$ 400,00 de bolsa-auxílio, enquanto os estudantes indígenas da ci-dade de São Paulo recebem R$ 75,00 mensais. Acho que a Funai deveria ter maior res-peito [pelos indígenas que moram em áreas urbanas], afi nal de contas somos indí-genas mesmo não morando na aldeia, mas pagamos con-dução, compramos livros, en-fi m, temos gastos.

Como você observa a atuação das universidades públicas e privadas no apoio das conquistas e reconhecimentos da luta dos povos indígenas?

Das universidades públi-cas, as únicas que tenho co-nhecimento que garantem bolsas para indígenas são a UFSCAR [Universidade Fe-deral de São Carlos] e a UNB [Universidade Federal de Brasília], através de cotas. Acho que as universidades públicas deveriam abrir mais espaço para o ingresso de es-tudantes indígenas, pois já foi demonstrado que temos ca-pacidade. Das universidades particulares, pelo que sei, a única que tem um programa específi co para os estudan-tes indígenas é a PUC-SP. In-clusive, vale salientar que na PUC-SP temos o apoio de um grupo de pessoas juntamen-te com um coordenador (do Projeto Pindorama).

Durante esse tempo em que você frequentou a universidade, quais os aspectos negativos e positivos que você destacaria?

O ponto falho é a nossa fal-

Da aldeia à periferia de São PauloENTREVISTA Jovem indígena Pankararu, recém- formada em Direito pela PUC-SP, fala sobre a realidade de seu povo, que vive em periferias da grande São Paulo

ta de preparo ao ingressar na faculdade, pois a maioria de nós cursou escola pública, o que inclusive levou alguns co-legas a desistirem de seus cur-sos por não se verem tão pre-parados. Positivo foi saber que, no decorrer do curso, se podia contar com o apoio dos coordenadores do projeto, ver o Programa Pindorama se ex-pandindo, sendo conhecido em outros estados, ver cole-gas se formando em diversas áreas e alguns trabalhando para suas aldeias.

Houve apoio da sua comunidade para que você estudasse ou há resistência quando surgem oportunidades como essa?

Com certeza tive o apoio da comunidade, pois somos ca-rentes de profi ssionais que entendam nosso modo de vi-ver, nossa luta e nossos costu-mes. Cada vez mais a comuni-dade se abre para essas opor-tunidades, justamente por en-tender que só o indígena para compreender as peculiarida-des de outros indígenas.

Após ter se formado em Direito, como pensa em contribuir junto a sua comunidade e à causa indígena no Brasil?

Já contribuo há algum tem-po, pois presto serviço a uma Ong [Ação Cultural Indígena Pankararu] criada e forma-da por indígenas Pankararu, da comunidade do Real Par-que, e minha intenção é ex-pandir meus conhecimentos trabalhando pela causa indí-gena em outros locais. Sem-pre participo de eventos que tratam dos direitos dos povos indígenas.

O que pensa sobre o movimento indígena no Brasil? Há perspectivas animadoras?

O movimento indígena es-tá se aperfeiçoando. Cada vez mais encontramos indígenas atuando em suas comunida-des, no terceiro setor e no se-tor público. O melhor é que são profi ssionais que atuam em diversas áreas: pedago-gos, assistentes sociais, an-tropólogos, advogados, en-fi m, estão se preparando ca-da vez melhor.

Como se dá a relação entre as lutas pelos

direitos humanos e a causa indígena no Brasil?

Acho que os direitos huma-nos não alcançam as reivindi-cações das populações indíge-nas. Cada povo tem sua es-pecifi cidade, seu jeito. A cau-sa indígena é muito mais an-tiga, nossa resistência é ante-rior às leis. Lutamos há mais de 500 anos pela nossa sobre-vivência.

Nesse processo de conquista dos direitos, resistência e luta dos povos indígenas, há atuações de lideranças que marcam, como por exemplo, da advogada indígena Joênia Wapichana. Joênia passa a ser uma inspiração para você?

Acho que minha inspiração real vem de todos esses sécu-los de “recusa” dos povos in-dígenas, das discriminações sofridas, o total desconheci-mento de nossa cultura e do nosso modo de viver, da ne-gação dos nossos direitos. Claro que a Joênia é uma ins-piração também, mas ela ain-da tem uma vantagem, mo-ra na aldeia, tem fenótipo de uma indígena, aquela que to-dos estão acostumados a ver em livros, e deve falar a lín-gua do seu povo. Mas, e nós, indígenas que perdemos nos-sa língua, não temos mais as características físicas que as pessoas esperam ver, que não estamos na aldeia? Pois é, te-mos que provar todos os dias quem somos, que temos co-nhecimento da nossa cultura e que mesmo assim moramos na cidade grande.

Após a conclusão do curso de Direito, quais suas perspectivas? Em sua comunidade, como pensa em atuar daqui para frente, levando em conta sua área de formação?

Ficaria muito feliz em tra-balhar com a questão indíge-na na área que escolhi, que é o Direito. Quanto a minha atuação na comunidade, vou continuar com meu trabalho na Ong e tentar alguma par-ceria que possibilite prestar serviço voluntário de consul-toria jurídica para as pessoas da comunidade. (Beatriz Ma-estri é do Conselho Indigenis-ta Missionário – Cimi)

Vanessa Ramos

O movimento indígena está se aperfeiçoando. Cada vez mais encontramos indígenas atuando em comunidades, no terceiro setor e no setor público. O melhor é que são profi ssionais e estão se preparando sempre melhor

Jaime Patias

Page 5: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Módulo fi scal – Terreno sufi ciente para a sobrevivência de uma família. A área varia de município para município, podendo atingir, no máximo, 100 hectares. A Lei nº 8.629 estabelece que são minifúndios as posses com até 1 módulo fi scal; pequenas propriedades possuem de 1 a 4 módulos; as médias, entre 4 e 15; e as gran-des, mais de 15.

Para entender

de 19 a 25 de março de 2009 5

brasil

Luís Brasilinoda Reportagem

UMA “BANDA podre”, que incluiria funcionários do Instituto Nacional de Co-lonização e Reforma Agrá-ria (Incra) e do Ministério do Desenvolvimento Agrá-rio (MDA), teria “vendido” mais de 67 milhões de hec-tares em terras públicas para grileiros na Amazônia Legal. Uma área superior a do terri-tório da França.

A denúncia foi feita pela Associação Brasileira de Re-forma Agrária (Abra) no dia 13, em debate realizado no Instituto de Estudos Avança-dos da Universidade de São Paulo (IEA-USP). De acor-do com manifesto da enti-dade, a operação começou nas superintendências re-gionais (SRs) do Incra, mas seu desfecho foi em Brasília: a edição da Medida Provisó-ria 458/2009, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 11 de feverei-ro. “É um enorme empreen-dimento imobiliário a favor de grileiros contraventores que se apropriaram do pa-trimônio público”, declara o texto da Abra.

Ariovaldo Umbelino, pro-fessor de Geografi a da USP e responsável por apresentar o projeto no debate, não tem dúvida de que o objetivo da medida é regularizar o grilo na Amazônia Legal. Ele ga-rante que uma banda podre do Incra foi entregando pau-latinamente terras da região para os grileiros. Depois, es-tes protocolavam pedidos de regularização fundiária nas superintendências regionais. Para Ariovaldo, o passo se-guinte do Incra e do MDA foi pressionar no sentido de mu-dar a legislação, aumentando a extensão das áreas passí-veis de regularização.

Conteúdo da MPNesse ponto, entraria a MP

458. Ela regulariza, sem lici-tação, áreas da Amazônia Le-gal que possuem até 15 mó-dulos fi scais – ou seja, no má-ximo, 1.500 hectares – e cujas posses sejam anteriores a de-zembro de 2004. A titulação dos minifúndios (1 módu-lo fi scal) será gratuita; as pe-quenas (de 1 a 4) serão repas-sadas por um valor abaixo do mercado; e as médias (de 4 a 15), pelo preço de mercado.

Além disso, desde que não ultrapassem 2.500 hectares

Incra e MDA “vendem” terras na Amazônia LegalMEIO AMBIENTE Medida Provisória 458/2009 legaliza áreas griladas de até 2.500 hectares

(limite constitucional para a venda de terras públicas sem a necessidade de aprovação no Congresso), áreas com mais de 15 módulos fi scais (grandes propriedades) po-dem ser adquiridas por meio de licitação, “sendo a ele [o ocupante] garantido o direi-to de preferência”, conforme o inciso II, parágrafo 1º, do artigo 13 da medida. “Licita-ção com direito de preferên-cia para o grileiro?”, questio-na Ariovaldo. Por fi m, a MP estabelece que as posses po-dem ser pagas em até 20 anos, com carência de três, ou à vista, com 20% de des-conto.

O professor da USP en-tende, ainda, que a medi-da iguala posseiros e grilei-ros, ao admitir a ocupação indireta (“exercida somente por interposta pessoa”, arti-go 2, inciso II) e a explora-ção indireta (“atividade eco-nômica exercida em imóvel rural, por meio de preposto ou assalariado”, artigo 2, in-ciso IV).

Conluio IncraAgora, o ciclo se comple-

ta. Segundo o manifesto da Abra apresentado no deba-te, “todas as terras públicas da Amazônia Legal já esta-riam divididas em lotes infe-riores a 2.500 hectares, nor-malmente 2.499 hectares”, ou seja, cujas compras não precisam passar pelo Con-gresso. Ariovaldo acrescen-ta que os pedidos de aqui-sição de áreas da Amazônia Legal já estão protocolados, desde o fi nal de 2004, nas SRs de Marabá (PA), Belém (PA), Cuiabá (MT), Porto Ve-lho (RO), Manaus (AM) e Rio Branco (AC). De acordo com ele, só na superintendência da capital paraense existem 16.860 pedidos. O professor

explica que é assim que a MP premia a grilagem. E conclui com um alerta: “o crime co-metido contra o patrimônio público é imprescritível”.

Plinio Arruda Sampaio, presidente da Abra e promo-tor do debate na USP, acre-dita que a medida também serve para lavar títulos de propriedade que, no futuro, poderão ser comprados pe-lo agronegócio. Segundo a Medida Provisória, as pro-priedades poderão ser ven-didas dez anos depois de le-galizadas.

Forma incorretaO senador Eduardo Suplicy

(PT/SP) também esteve no debate no IEA/USP. Falan-do em seu nome e no da cole-ga Marina Silva (PT/AC), ele criticou o fato das regulariza-ções estarem sendo feitas via MP. “Deveria ser um proje-to de lei, dada a complexida-de”, afi rmou, lembrando que o território atingido é supe-rior ao da França.

O parlamentar também condenou a precariedade dos critérios para defi nir a posse, especialmente o aspecto au-todeclaratório. “[A regulari-zação] deveria estar dentro de um programa de ordena-mento territorial, para sepa-rar a posse mansa e pacífi ca da grilagem”, apontou.

da Reportagem

O governo federal susten-ta que a Medida Provisória 458 possibilitará a regulari-zação fundiária, em três anos, de 296,8 mil terrenos em 436 municípios da região, por meio do Programa Terra Le-gal. De modo a acelerar o pro-cesso, que levaria 40 anos pa-ra normalizar os 67,4 milhões de hectares em terras públi-cas não discriminadas (devo-lutas) existentes na região, o rito de titulação estaria sen-do simplifi cado com a MP 458, em tramitação na Câma-ra dos Deputados.

Desse modo, o Incra e o MDA, responsável pela con-dução do processo através da sua Diretoria Extraordinária de Regularização Fundiária

Para governo, MP favorece pequenos e preserva fl orestaMedida vai regularizar mais de 200 mil minifúndios, e benefi ciados precisarão manter 80% da mata em pé

na Amazônia Legal, esperam benefi ciar pequenos possei-ros (211.327 minifúndios de até um módulo fi scal seriam atendidos) e conter o desma-tamento da fl oresta. Eles lem-bram que os benefi ciários te-riam que cumprir a legisla-ção ambiental, que determina a preservação de 80% da ma-ta nativa.

Uma negaçãoPorém, no debate promovi-

do pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Ariovaldo Umbelino, profes-sor de Geografi a da USP, re-bateu as alegações do gover-no, explicando que tais obje-tivos não serão atingidos. Ele lembra que a fl oresta tem sido destruída independentemen-te da regularização ou não da propriedade. “No Mato Gros-

so, por exemplo, nenhuma fa-zenda respeita o código [fl o-restal]”, completa.

Com relação aos benefi ci-ários da titulação, Arioval-do apresentou números co-letados durante a elaboração do II Plano Nacional de Re-forma Agrária, em 2003, so-bre a concentração fundiária das terras atualmente ocupa-das por posseiros ou grilei-ros na Amazônia Legal. Ao to-do, são 42,2 milhões de hecta-res. Os minifúndios e peque-nas propriedades, apesar de estarem em 282.176 imóveis (93% do total), fi cam em uma área que não chega a 40,6% do total. Já as médias somam 13.435 terrenos e ocupam 17,3% do total. Por fi m, exis-tem 6.846 grandes proprie-dades, que abarcam 42,1% das terras. (LB)

da Reportagem

O avanço das medidas de legalização da grilagem na Amazônia é refl exo da op-ção do governo federal pelo agronegócio, em detrimento da reforma agrária e da agri-cultura familiar. Para com-provar tal análise, Arioval-do Umbelino, professor de Geografi a da USP, fez, em debate sobre a Medida Pro-visória 458/09, um breve resgate da política agrária e ambiental da atual gestão.

De acordo com ele, a es-colha do governo pode ser observada, por um lado, na evolução dos números de assentamentos de refor-ma agrária. Em 2003, ele se comprometeu a dar terra para 400 mil famílias até o fi m do mandato. Ano a ano, porém, as organizações so-ciais foram fi cando insa-tisfeitas com o andamen-to da reforma agrária. Até que, em 2006, o Movimen-to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) emitiu no-ta criticando os números – que seriam “infl ados” – do governo.

O Incra respondeu. Disse que havia assentado sem-terra de outros movimentos e prometeu publicar os no-mes dos benefi ciados. Ario-valdo conta que a relação foi disponibilizada no site do órgão durante um dia. Tem-po sufi ciente para ele copiar a lista. “Li os nomes e des-cobri que, por exemplo, em Barra do Corda [MA] apa-reciam 900 famílias que ti-nham sido assentadas pe-lo Getúlio Vargas em 1942”,

relata. A inclusão de ações de outros governos se repe-tiu diversas vezes. Outro ex-pediente amplamente uti-lizado foi a classifi cação de projetos de reassentamento e reorganização e regulari-zação fundiárias como sen-do reforma agrária.

Depois de tirada do ar, a relação voltou, mas a da-ta dos assentamentos havia desaparecido. “Já havia uma determinação de só fazer re-forma agrária com pressão”, comenta Ariovaldo.

De outro lado, em 2003, o preço da soja disparou no mercado internacional. “Foi o período que o país obteve seus maiores superavits co-merciais”, conta o professor. O resultado, então, tornou-se importante dentro da po-lítica econômica do governo. Esse processo culminou em 2007, com o plano nacional de produção de etanol.

MadeireirasJosé Vaz Parente, da di-

reção nacional da Confede-ração Nacional das Asso-ciações dos Servidores do Incra (Cnasi), afi rma que a Amazônia não é diferen-te do quadro nacional. Para ele, o que está em questão é a manutenção de um mode-lo concentrador e excluden-te e a sua expansão.

Na região amazônica, a atividade econômica inau-gural em terras de mata na-tiva é a extração de madeira. Esta é seguida pela pecuá-ria e, depois, pelo cultivo de grãos, no processo conheci-do como expansão da fron-teira agrícola. Quando as-sumiu o Ministério do Meio Ambiente em 2003, a então titular da pasta, Marina Sil-va, montou um esquema pa-ra coibir a derrubada da fl o-resta. Incomodados com a situação, em 2005, madei-reiros trancaram rodovias e rios no Pará para pressionar por uma maior fl exibiliza-ção em relação às retiradas das toras.

O governo federal criou então, em novembro de 2005, a superintendência regional 30 (SR-30), do Incra em Santarém (PA). O órgão começou a tocar um projeto de “desenvol-vimento sustentável” que baseava-se na criação de assentamentos coletivos com planos de manejo fl o-

restal. Segundo Ariovaldo,os madeireiros negociavamcom os supostos assenta-dos e faziam a exploraçãoda área.

O Ministério Público Fe-deral descobriu o proje-to e entrou com processode improbidade adminis-trativa contra os funcioná-rios do Incra. No dia 17 deoutubro de 2006, o juiz fe-deral Antonio Carlos de Al-meida Campelo afastou osuperintendente da SR-30,Pedro Aquino de Santana,junto com outros quatroservidores. A Justiça proi-biu o prosseguimento doesquema.

Grilos legaisDesde então, a tática do

governo vem sendo regu-larizar extensões cada vezmaiores de terras griladasna Amazônia. Esse proces-so já tinha começado em2005 com a “MP do Bem”– hoje, artigo 118 da Leinº 11.196. Com a medida,o tamanho das terras pú-blicas passíveis de titula-ção passaram de 100 para500 hectares.

Em 2008, o governo foi além. Com a MP 422/08, possibilitou a regulariza-ção, sem licitação, de pro-priedades de até 1.500 hec-tares. Por fi m, veio a MP 458/09, que eleva esse li-mite até 2.500 hectares, o máximo permitido pela Constituição.

Ariovaldo acrescenta que, recentemente, os madeirei-ros desenvolveram uma no-va forma de driblar a fi sca-lização do governo em suas áreas. “Agora, fazem o des-matamento durante a época de chuvas; assim, o satélite é incapaz de detectar a derru-bada”, coloca. (LB)

Plinio Arruda Sampaio acredita que a medida também serve para lavar títulos de propriedade que, no futuro, poderão ser comprados pelo agronegócio

Prêmio à grilagem é estímulo ao agronegócioOpção pela produção destinada à exportação em grandes propriedades explica legalização de terras de até 2.500 ha

Para José Vaz Parente, da associação de servidores do Incra, o que está em questão é a manutenção de um modelo concentrador e excludente e a sua expansão

“Agora, fazem o desmatamento durante a época de chuvas; assim, o satélite é incapaz de detectar a derrubada”

Terras públicas federais do Incra – As áreas arreca-

dadas, que aparecem no mapa em amarelo, serão as atingidas pela MP

458, ou seja, os 67,4 mi de hectares não discriminados. Aquelas que fi cam numa

faixa de até 150 km da fronteira não serão afetadas. Os terrenos em laranja são aqueles

que o Incra arrecadou e já regularizou

Page 6: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Boneco de Henrique Meirelles em protesto diante do Banco Central

R$ 99,8 bilhões é a quantidade de dinheiro que os bancos deixaram de depositar no Banco Central de outubro de 2008 a fevereiro deste ano.

Quanto

Depósito compulsório – Parte do controle monetário do país, o depósito é um dos instrumentos que o Banco Central (BC) usa para con-trolar a quantidade de dinheiro que circula na economia. Os bancos são obrigados por lei a manter parte dos recursos de seus clientes numa con-ta do BC, evitando a multiplicação excessiva da moeda.

Para entender

de 19 a 25 de março de 20096

brasil

Maranhão rebeldeAmeaçado de cassação pelo Tri-

bunal Superior Eleitoral, o gover-nador Jackson Lago, do Maranhão, enfrenta a mais poderosa oligarquia atuante no Brasil, a da família Sar-ney, que controla aquele Estado há 40 anos e mantém tentáculos nos poderes estaduais e federais. Os movimentos sociais apoiam o go-vernador e prometem resistir a mais essa violência do coronelismo políti-co. A situação tende a esquentar.

Barbárie gaúchaA violência desencadeada pelo

governo do Rio Grande do Sul con-tra os movimentos sociais parece não ter limites: no dia 10, o Bata-lhão de Operações Especiais (BOE), da Brigada Militar, cercou o acam-pamento das mulheres da Via Cam-pesina, na Fazenda Ana Paula, do Grupo Votorantim Celulose e Papel, em Candiota, destruiu barracos e prendeu mulheres e crianças. Uma barbaridade!

Justiça parcialDe acordo com o promotor

Roberto Livianu, presidente da entidade Ministério Público Demo-crático, as constantes declarações públicas do presidente do Supremo Tribunal Federal, o latifundiário Gilmar Mendes, comprometem a necessária imparcialidade do Poder Judiciário e “são nocivas ao interes-se público”. As opiniões pessoais e pré-julgamentos de Mendes aten-tam contra o decoro do cargo.

Proteção supremaCom esquema fi nanceiro seme-

lhante ao do banqueiro Daniel Dantas, o milionário estadunidense Bernard Madoff, de 70 anos, foi preso dia 12 sob as acusações de fraude, lavagem de dinheiro, roubo e falso testemunho. Vai fi car numa cela de seis metros quadrados, na cadeia de Nova York, até a audiên-cia, em junho, quando será senten-ciado. Aqui, os grandes estelionatá-rios são protegidos pelo STF.

Mais desemprego

Autorizado pelo Banco Central e demais órgãos do governo a com-prar o Banco Real, há menos de seis meses, o banco espanhol Santander já iniciou a degola dos funcionários do Real, primeiro com um “progra-ma de incentivo à aposentadoria”, que deve atingir 5 mil trabalhado-res, e, em seguida, com demissões nas agências que serão desativadas. Outros processos de fusão devem seguir o mesmo caminho.

Alimento danosoCriada para supostamente de-

fender os interesses nacionais e a saúde pública, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) está prestes a liberar o plantio do arroz transgênico da Bayer, que não é plantado comercialmente em nenhum lugar do mundo, mas se-gundo estudos independentes tem efeitos ruins para a saúde humana e o meio ambiente. A Bayer quer transformar o povo brasileiro em cobaia.

Modelo tucanoProtegido pela mídia e com forte

apoio no Judiciário e na Assembleia Legislativa, o governador de São Paulo, José Serra, tem conseguido esconder a real situação fi nanceira do Estado, em especial os R$ 20 bilhões de dívidas em precatórios empurradas com a barriga há vá-rios anos. O governo prefere gastar em obras eleitorais a pagar as dí-vidas trabalhistas com milhares de trabalhadores. Cada qual com a sua prioridade.

Confusão federal O geógrafo Ariovaldo Umbelino,

da USP, deixa claro porque é con-tra a Medida Provisória 458, que trata da “regularização fundiária” na Amazônia: “A MP tenta buscar a equivalência entre o posseiro e o grileiro, criando uma confusão jurí-dica. A grilagem é um ato crimino-so, enquanto a posse é a tentativa de encontrar um pedaço de chão para a sobrevivência da família. A posse é garantida pela Constituição, o grilo não.”

Colarinho brancoConvocado para novo depoimen-

to na CPI dos Grampos, no Con-gresso Nacional, o delegado Protó-genes Queiroz, da Polícia Federal, que investigou as maracutaias do Banco Opportunity, de Daniel Dan-tas, promete revelar os nomes das pessoas envolvidas nas remessas ilegais de recursos para o exterior, lavagem de dinheiro sujo e outros crimes. O Brasil espera isso desde o escândalo do Banestado.

fatos em focoHamilton Octavio de Souza

COOPERATIVA CENTRAL DE CRÉDITO RURAL DOS PEQUENOS AGRICULTORES E DA REFORMA AGRÁRIA – CREHNOR CENTRAL

CNPJ: 05.879.577/0001-39 / NIRE: 43400088547 DE 28/08/2003

ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA E ORDINÁRIA

EDITAL DE CONVOCAÇÃO

O Coordenador Geral da Cooperativa Central de Crédito Rural dos Pequenos Agricultores e da Reforma Agrária – CREHNOR CENTRAL, inscrita no CNPJ sob o nº 05.879.577/0001-39, estabelecida a Av. Duque de Caxias, 1597 – sala 101, município de SARANDI, Estado do Rio Grande do Sul, no uso de suas atribuições que lhe confere o Estatuto Social, C O N V O C A todos(as) os(as) associados(as) que nesta data somam 06 (seis) em condições de votar, para reu-nirem-se em ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA e ORDINÁRIA, a serem realizadas no dia 31 de março de 2009, nas dependências da Sede da cooperativa, situada na Av. Duque de Caxias, 1.597 – sala 101, no município de Sarandi, às 8h (oito horas ) em primeira convocação, com a presença mínima de 2/3 (dois terços) dos associados em condição de votar, às 9h (nove horas ) em segunda convocação, com a presença de metade mais um dos associados em condição de votar, e às 10h (dez horas) em terceira e última convocação, com a presença de qualquer número de associados em condição de votar, para deliberar sobre os seguintes assuntos:

Em regime de AGE:

1) Alteração do Estatuto Social, instituindo o “Conselho de Administração” através do Artigo 24 e incisos, renumerando os incisos subsequentes, e parágrafo II do mesmo Artigo, Artigo 35 e seus parágrafos I, II, IV, V, VI, com a inclusão de Artigos e incisos se assim a Assembleia decidir, renumerando os demais.

2) Alteração dos Artigos 30, inciso I e II, Artigo 37, 38 e incisos I, III e parágrafo II do inciso IV, Artigo 39 e incisos XXII, XXV, XXVI, Artigo 40, incisos I, III, IV, V, VI, Artigo 41, incisos VI, VII, X, Artigo 42, incisos VI e XI, Artigo 45, Artigo 49, incisos III, XI, XII, XIV parágrafo único, Artigo 59, Artigo 63, inciso I, artigo 64, Artigo 66, inciso IV, Artigo 67 do Estatuto Social;

3) Consolidação do Estatuto Social;

A instalação da AGO acontecerá 1 (uma) hora após o término da AGE, para deliberar sobre a seguinte Ordem do Dia:

Em regime de AGO:

1) Prestação de Contas do exercício de 2008, compreendendo:a) Relatório de Gestão;b) Demonstrativo de Resultados do Exercício Social;c) Apresentação do Parecer do Conselho Fiscal;d) Apresentação do Parecer de Auditoria;e) Destinação dos resultados apurados no exercício;

2) Eleição dos membros do Conselho de Administração;

3) Eleição dos membros do Conselho Fiscal conforme estabelece o Art.47 do Estatuto Social;

4) Fixação do valor dos honorários, das gratifi cações e da cédula de presença dos membros do Órgão de Administração e Conselho Fiscal;

5) Escolha dos Delegados para representação junto à CONFESOL;

6) Deliberação sobre o Orçamento para 2009;

7) Assuntos gerais de interesse da sociedadeSarandi (RS), 19 de março de 2009.

Valdemar Alves de OliveiraCoordenador Geral

Dafne Meloda Redação

‘’TEMOS UM problema no mun-do chamado acesso ao crédito’’, as-sim o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu a crise econômica mundial dia 16 de março, em No-va York. Entretanto, economistas apontam que as medidas do gover-no federal desde o início da crise têm sido totalmente inefi cazes pa-ra restabelecer a liquidez no país.

Uma dessas medidas, realizadas ainda no fi nal do ano passado, foi a diminuição dos depósitos compul-sórios que as instituições bancá-rias devem manter no Banco Cen-tral. O objetivo era justamente in-jetar mais dinheiro na economia, via empréstimos fi nanceiros ban-cários. Márcio Pochmann, presi-dente do Instituto de Políticas Eco-nômicas e Aplicadas (Ipea), apon-ta que não foi isso que aconteceu. “A redução dos compulsórios, sem que se reduzisse a taxa de juros, não surtiu o efeito anunciado. Com mais recursos, os bancos vão in-vestir naquilo que é mais rentável e, em vez de aumentar os créditos e alavancar o setor produtivo, vão investir em títulos da dívida públi-ca”, explica o economista.

ContrapartidasO presidente do Banco Central

(BC), Henrique Meirelles, declarou que, até 11 de fevereiro, os bancos deixaram de depositar R$ 99,8 bi-lhões no BC. Em tese, essa quantia estaria à disposição daqueles que quisessem obter créditos nos ban-cos. Entretanto, com os juros al-tos, poucos são os que se atrevem a captar recursos junto às institui-ções bancárias, embora a deman-da no país seja alta. Como exem-plo, afi rma que antes da crise es-tourar, 20% dos recursos obtidos aqui eram capturados no exte-rior. Com a falta de crédito em to-do mundo, essas fontes secaram e muitos bancos pequenos e empre-sas estão sem possibilidade de ob-ter recursos.

Os bancos, com dinheiro a mais em caixa e sem perspectivas de re-alizar empréstimos, investem no mercado fi nanceiro e mantêm su-as taxas de lucro altas, indepen-dentemente da crise. José Carlos

Bancos compram títulos com depósito compulsórioCRISE FINANCEIRA Com juros elevados, bancos não realizam empréstimos e investem dinheiro no mercado fi nanceiro

de Assis, professor de Economia da Universidade Federal da Para-íba (UFPB) concorda com a ava-liação de que as medidas do go-verno federal serão insufi cientes enquanto a taxa de juros continu-ar alta. “Com a maior taxa de juros do mundo, não é possível irrigar a nossa economia”, afi rma. O corre-to, continua, além de abaixar a ta-xa Selic, é exigir contrapartidas dos bancos para garantir que seu desti-no seja injetar capital na economia, ou seja, aumentar a liquidez.

JurosPressionado e cada vez com me-

nos justifi cativas para manter a ta-xa Selic tão elevada, o Conselho Político Monetário (Copom) a re-duziu em 1,5%, em reunião realiza-da dia 11; foi a maior redução per-centual desde novembro de 2003. Porém, para José Carlos de Assis, ela continua altíssima, e se o obje-tivo é reaquecer de fato a economia a médio prazo, ele deve abaixar ca-da vez mais, e rápido.

As centrais sindicais e organiza-ções comerciais e industriais tam-bém não festejaram muito a queda anunciada pelo Copom. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), em nota ofi cial, defendeu que as reuniões do Copom devem ser menos espaçadas e os cortes mais drásticos. Também afi rmam que o órgão do BC deve ter controle so-cial, com a inclusão de represen-tantes do setor produtivo nas de-cisões.

Para Assis, as justifi cativas re-correntes do BC para manter a Se-lic alta se mostram, no cenário da crise, cada vez menos consistentes. O medo da volta da infl ação, por exemplo, estaria totalmente des-cartado. “Em momentos de crise, o medo geral é por defl ação, por que-da de preços. Dizer que não abai-xa para controlar a infl ação é uma justifi cativa falsa”, afi rma Assis,

que atribui as decisões do governo a uma postura ortodoxa que não admite mudanças na atual políti-ca fi scal brasileira, não permitin-do aumento dos investimentos pa-ra acelerar a produção e gerar em-prego e renda.

GastosDe acordo com o economista

Reinaldo Gonçalves, da Universi-dade Federal Fluminense, o con-servadorismo do governo Lula diante da crise deixa para trás até mesmo os Estados Unidos. No últi-mo trimestre de 2008, o gasto pú-blico de George W. Bush, aumen-tou em 20%. No Brasil, o aumento foi de apenas 0,5%.

Algumas tentativas têm sido es-boçadas. Neste mês, o governo anunciou um novo pacote de fi -nanciamentos de casas popula-res. Assis acredita que, se condu-zido de forma diferente, esse pro-grama seria uma boa oportunida-de para unir as demandas sociais com o combate à crise. “Claro que é algo positivo, mas insufi cien-te. Com fi nanciamentos você não cria demandas novas, mas apenas

desloca orçamentos”. Ao seu ver, uma saída seria construir as mo-radias populares por meio de mu-tirões remunerados, formados pe-las próprias pessoas da comuni-dade que estejam desempregadas e residam em bairros de perife-ria das grandes metrópoles. “Um programa como esse gastaria cer-ca de 1,5% do PIB e seria um inves-timento novo na economia. Além disso, geraria emprego em regi-ões metropolitanas, onde a taxa de desemprego é a maior”, opina (com informações do Vermelho – www.vermelho.org.br).

Val

ter

Cam

pana

to/A

Br

Page 7: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

Máquinas trabalham em mina da Vale: privatização realizada de maneira obscura

Douglas Mansur/Novo Movimento

de 19 a 25 de março de 2009 7

brasil

Onde estão os homens do presidente?PRIVATARIA Passados 15 anos da eleição de FHC, operadores das privatizações permanecem impunes e bem-posicionados no mercado

Renato Godoy de Toledoda Redação

O PLEITO DE 1994 que con-duziu Fernando Henrique Cardoso ao Palácio do Planal-to completará 15 anos, em ou-tubro deste ano. À época, o tu-cano saiu do Ministério da Fa-zenda do então presidente Ita-mar Franco para tornar-se o candidato da situação, frus-trando a segunda tentativa de Luiz Inácio Lula da Silva de chegar à presidência da Re-pública.

Os anos de FHC no poder, que duraram até 2002, foram marcados pela implementa-ção da nova moeda, o Real, que também terá seu 15º ani-versário neste ano, e por um processo abrupto de deses-tatização, promovendo uma modernização conservadora e alijando o Estado de setores estratégicos da economia.

O processo de privatização foi levado a cabo a despei-to da forte oposição de parti-dos de esquerda e movimen-tos sociais. A contrariedade em relação ao processo não era advinda apenas de mo-tivações ideológicas ou por orientação econômica, mas também pela maneira obs-cura como foram vendidas as estatais brasileiras.

A desestatização de empre-sas bem-sucedidas como a en-tão Companhia Vale do Rio Doce, Telebrás e Usiminas são acontecimentos repletos de indícios de abuso de poder e favorecimento a grupos pri-vados. Durante os oito anos de FHC, nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito so-bre as privatizações foi im-plementada. Nenhum mem-bro do governo foi responsa-bilizado.

Equipe hábilPara implantar de vez o ne-

oliberalismo no país, ainda incipiente em 1995, Fernan-do Henrique Cardoso sele-cionou quadros com diferen-tes formações políticas e pro-fi ssionais. De um lado, carde-ais tucanos com familiaridade com a burocracia estatal, co-mo Sérgio Motta e José Ser-ra; de outro lado, o presiden-te foi o padrinho de uma nova geração de fi nancistas de ori-gem acadêmica, oriundos, so-bretudo, da Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Ja-

neiro (PUC-RJ). Assim, for-mou uma equipe com compe-tência técnico-política e ampla habilidade para transitar entre o público e o privado. À época, convencionou-se denominar esses dois grupos no governo como desenvolvimentistas e monetaristas, respectivamen-te. Tal qual no governo atual, a principal queixa dos primeiros era relacionada à opção pelas altas taxas de juros e a falta de investimento público.

Monetaristas e vitoriososOs monetaristas eram lide-

rados pelo ministro da Fazen-da, Pedro Malan, e pelos pre-sidentes que passaram pe-lo Banco Central (BC), como Armínio Fraga, Francisco Lo-pes e Gustavo Franco. Eco-nomistas de formação, ho-je todos ocupam altos postos no mercado fi nanceiro – se-tor que foi, disparado, o que mais se benefi ciou da política econômica dos anos FHC. Pe-dro Malan atualmente é presi-dente do Conselho Adminis-trativo do Unibanco, institui-ção que recentemente foi ad-quirida pelo Itaú.

Ele retornou ao setor pri-vado após uma vistosa traje-tória nas altas esferas da Re-pública. Já no governo Collor, foi indicado pelo ministro e banqueiro Marcílio Dias Mo-reira para representar o país no Banco Mundial, em Wa-shington (EUA). No governo Itamar Franco, voltou ao pa-ís e assumiu o Banco Central, realizando uma “dobradinha” com seu parceiro Fernando Henrique Cardoso, que assu-mira o Ministério da Fazenda e despontara como candida-to “natural” à sucessão presi-dencial. Malan fi cou no Ban-co Central até o fi m do gover-no Itamar. Assumiu a pasta da Fazenda já no início do go-verno FHC. Malan foi o úni-co ministro a permanecer no mesmo cargo durante os oito anos de governo tucano. Nes-se período, passou por atritos com grandes quadros do PS-DB, como Sérgio Motta, Luiz Carlos Mendonça de Barros e José Serra. Em todas as oca-siões, saiu ileso e logrou vitó-ria, chegando a ser cogitado como o candidato do tucana-to à sucessão.

Armínio Fraga, que veio a comandar o Banco Cen-tral após se desligar do So-ros Fund, de Wall Street, pertencente ao megainvesti-dor George Soros, hoje con-trola a Gávea Investimen-tos, grupo que compra e ven-de ações de empresas como o McDonald’s.

Outro expoente monetaris-ta do governo foi André Lara Resende, que teve uma breve passagem pelo Banco Nacio-nal do Desenvolvimento Eco-nômico e Social em 1998. Fi-lho do escritor Otto Lara Re-sende, o economista se viu obrigado a renunciar após a divulgação dos célebres “grampos do BNDES”, que envolve boa parte dos expoen-tes monetaristas do governo.

Ligações perigosasÀ época, telefonemas entre

Resende e o então ministro das Comunicações, Luiz Car-

los Mendonça de Barros, fo-ram interceptados, de forma ilegal, e revelaram que ambos articulavam um favorecimen-to ao amigo e ex-sócio Pér-sio Arida, acionista do banco Opportunity. A operação dos membros do governo busca-va fazer com que a Previ (cai-xa de previdência dos funcio-nários do Banco do Brasil) en-trasse no leilão de forma a be-nefi ciar o grupo Opportunity, controlado majoritariamente pelo banqueiro Daniel Dan-tas, preso em 2008 durante a operação Satiagraha.

O caso repercutiu fortemen-te na imprensa, ganhou tons de escândalo e custou as cabe-ças de André Lara e Mendon-ça de Barros. Apenas isso. Não foram instauradas maiores in-vestigações, e as ações dos agentes governamentais obti-veram sucesso. Daniel Dantas conseguiu arrematar parte do sistema Telebrás, edifi cando a Brasil Telecom, que teve uma das maiores disputas acioná-rias da história empresarial do país. Apesar de as ações se-rem em sua maioria de fundos de pensão como a Previ, Dan-tas sempre foi o chairman da empresa; até o ano passado, quando saiu após acertar a fu-são com a Oi e benefi ciar-se com uma anistia judicial que perdoava as ações de outros sócios contra o banqueiro.

Casal das privatizaçõesEnvolvido no caso do BN-

DES, Pérsio Arida tem uma trajetória que simboliza a es-

treita relação de fi nancistas com o setor público e o pri-vado, bem como a constan-te migração de quadros de uma esfera para outra. Tam-bém oriundo da PUC-RJ, o ex-professor da universidade foi um expoente da geração de economistas neoliberais que chegou ao poder com o PSDB. Como teórico, te-ve respaldo internacional em encontros para discu-tir a desregulamentação da economia, ainda na era Re-agan-Tatcher, nos anos de 1980. No governo FHC, ocu-pou os cargos de presiden-te do Banco Central por seis meses, em 1995, e do Ban-co Nacional do Desenvolvi-mento Econômico e Social (BNDES), de 1993, ainda no governo Itamar, até 1995. O economista participou do se-minário organizado em Wa-shington, em 1989, de onde saíram diretrizes que edifi ca-

ram a agenda neoliberal no mundo. O evento, e a doutri-na nele deliberada, fi cou co-nhecido como Consenso de Washington. Daniel Dantas também esteve no encontro.

Em 1995, então na presi-dência do BC, Arida passou o carnaval na casa de seu ami-go banqueiro Fernão Bra-cher, do BBA, em plena crise fi nanceira estourada no Mé-xico. A maneira como o Ban-co Central conduziu a políti-ca cambial favoreceu a insti-tuição de seu amigo, o que le-vantou suspeitas de informa-ção privilegiada para a com-pra de dólares. O episódio desgastou Arida, que renun-ciou ao cargo.

No entanto, ele e sua então esposa Elena Landau, ex-di-retora de Desestatização do BNDES, foram para a ini-ciativa privada, justamente no Opportunity de Dantas. No banco, ambos foram sus-

peitos de conceder informa-ções privilegiadas e de faze-rem uso do prestígio que ti-nham junto a membros dogoverno. Arida foi represen-tante do grupo no conselhode administração da Compa-nhia Vale do Rio Doce, quan-do da sua privatização.

Daniel Dantas, aliás, foium grande operador que cir-cundou o governo FHC pordiversos momentos, sendobastante privilegiado pelasprivatizações.

Dos agentes citados acima,apenas Dantas fi gura comoréu no processo desencadea-do pela operação Satiagraha,da Polícia Federal, e acabousendo preso por poucos diasem 2008. Arida e Landau fo-ram citados pelo relatório daoperação como agentes doOpportunity Fund, que seriaum órgão do grupo de Dan-tas destinado à lavagem dedinheiro.

da Redação

Desde 2003, professores e ex-alunos da Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) restaura-ram uma mansão no bairro da Gávea e criaram o Insti-tuto de Estudos de Política Econômica.

A Casa das Garças, como fi cou conhecido o instituto, reúne teóricos do neolibera-lismo e banqueiros que tive-ram participação importan-te no governo de Fernando Henrique Cardoso e formu-laram a política de desesta-tização do país.

O projeto conta com par-cerias com universidades dos EUA e até organismos multilaterais, como o Banco

Mundial. No entanto, as ati-vidades do grupo são pouco divulgadas, por determina-ção dos próprios participan-tes, e as reuniões são sem-pre fechadas.

Além de afi nidade com o discurso dos membros do grupo, deve se ter uma boa quantia de dinheiro para frequentar a Casa das Gar-ças. No primeiro ano, a anuidade dos participantes chega a R$ 30 mil. Quantia que não deve ter feito fal-ta a pessoas como Armínio Fraga, Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Resen-de, Pedro Moreira Salles e Edmar Bacha, todos em al-tos cargos no sistema fi nan-ceiro, quando não donos de poderosas instituições.

Para o jornalista Luiz

Marcos Gomes, esse gru-po de economistas formu-la políticas para serem im-plementadas num eventual próximo governo do PSDB. “O Instituto Casa das Garças se propõe a fazer estudos pa-ra serem aplicados no Brasil, como se fosse uma daque-las instituições dos EUA de grandes cabeças. Pouco se fala sobre eles. O [governa-dor de Minas Gerais] Aécio Neves encontrou esse pes-soal recentemente para pe-dir conselhos. Isso mostra que eles ainda mantêm boas relações com o poder. Para usar um termo do Antônio Gramsci, eles são intelec-tuais orgânicos da direita”, afi rma Gomes, autor do li-vro Os homens do presiden-te, sobre a era FHC. (RGT)

Financistas da era FHC se rearticulam no RioMalan, Fraga, Arida, entre outros, se reúnem discretamente e formulam políticas para governos tucanos

Para implantar de vez o neoliberalismo no país, ainda incipiente em 1995, Fernando Henrique Cardoso selecionou quadros com diferentes formações políticas e profi ssionais

A desestatização de empresas bem-sucedidas como a então Companhia Vale do Rio Doce, Telebrás e Usiminas são acontecimentos repletos de indícios de abuso de poder e favorecimento a grupos privados

Wils

on D

ias/

AB

r

Page 8: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Petroleiros em greve na Replan, em Paulínia (SP)

de 19 a 25 de março de 20098

brasil

Desafi o da esquerda: se unir para reinarCRISE Seminário articulado pela Assembleia Popular reuniu representantes de organizações sociais e sindicais de todo o país

Eduardo Sales de Limada Redação

A CRISE econômica mundial traz um importante desafi o para as forças progressistas: evitar o aprofundamento de uma outra crise, a da própria esquerda, que impede que as necessárias mobilizações dos trabalhadores sejam mais sin-cronizadas.

Representantes de 35 orga-nizações sindicais e sociais de todo o país, como MST, CUT, Conlutas, UNE e Consulta Po-pular, entre outras, puseram o dedo na ferida durante semi-nário da Assembleia Popular, realizado entre os dias 14 e 15 na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Gua-rarema (SP).

À procura da palavra de or-dem comum diante da crise, os dirigentes discutiram co-mo características ideológi-cas e organizativas servem co-mo empecilhos determinantes para se forjar a união nas lu-tas. A busca por tal união, se-gundo os líderes sociais, acon-tece, sobretudo, no transcor-rer de experiências e diálo-gos construídos junto às bases e entre elas, e não apenas em reuniões entre as cúpulas das organizações.

Mas, em termos gerais, Milton Viário, da direção executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que participou do encon-tro, se diz tomado por “mui-to otimismo”, pois “[o semi-nário] deu o primeiro esboço do que nós somos capazes de construir, que é a unidade da classe trabalhadora para lu-tar em defesa de um Brasil melhor”, ressalta.

Repercutindo a assembleia, Viário reforça ainda a neces-sidade de uma reaproxima-ção da esquerda sindical com a defesa dos recursos naturais brasileiros, apontando para

a intensifi cação das denún-cias contra a Vale, que “ra-pina”, segundo ele, a riqueza do país.

Brasil de Fato – A crise tem natureza sistêmica. Os representantes de movimentos sociais e sindicais e a esquerda não-partidária conseguem apontar caminhos sistêmicos para que o povo utilize a crise como uma oportunidade para enfrentar o capitalismo? Milton Viário – Com res-peito a apontar caminhos, nós ainda estamos trabalhando com algumas reivindicações, mas ainda num cenário defen-sivo, de defesa do emprego. Me parece que o que a gen-te precisa construir nessa es-teira, num próximo período, é uma estratégia de luta da clas-se trabalhadora brasileira pa-ra enfrentar toda a crise.

A avaliação dos movimentos sociais e sindicais com relação à crise convergiram muito, mas ainda acho que não con-

seguiram sistematizar ou en-xergar o que está vindo pela frente. Além dos movimentos, as centrais sindicais precisam notar a importância do que é central, e não secundário. O que eu quero dizer com isso: há um nível de divergências entre as centrais sindicais, mas me parece que é naquilo que é secundário. Temos uma crise e, ao mesmo tempo, uma difi culdade enorme de nossa classe de reagir a ela. As cen-trais precisam se debruçar em cima disso e ver como a gente reúne forças para poder reagir diante da crise. Isso é a cen-tralidade.

Uma ação imediatamente necessária, então, seria tentar atenuar divergências táticas para construção de uma pauta unitária?

Isso. Para todos juntos po-dermos atingir esse objetivo de unidade, porque foi o pon-to comum entre todos no se-minário.

Os movimentos sociais atestaram que a atual crise econômica é sistêmica e tem caráter prolongado. Mesmo assim, a demora de uma reação mais contundente da sociedade civil organizada não pode facilitar a execução de políticas sempre capitalistas por parte dos estados, até o término da crise?

A correlação de forças vai determinar isso. Pessoalmen-te, acho que há um risco gran-de de que isso aconteça. Se achamos que a crise é sistê-mica, nós temos que botar o

dedo na nossa ferida. O mo-vimento sindical, hoje, com a sua forma de organização e luta, não está respondendo. Nós ainda não conseguimos responder e enfrentar a cri-se. Portanto, cada central sin-dical e cada organização sozi-nha não consegue enfrentar esse desafi o. A Conlutas preci-sa da CUT, e vice-versa. A In-tersindical necessita da CTB, e vice-versa.

O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, falou na necessidade da democratização do Fundo Monetário Internacional (FMI) como mais uma resposta à crise econômica. Na sua opinião, isso poderá de fato acontecer ou será mantida a politica

Trabalhadores da Petrobras prometem greve nacionalMOBILIZAÇÃO Com início previsto para o dia 23 de março, paralisação contra abusos pode durar até mais de cinco dias

da Redação

Os petroleiros vão parar. Pelo menos isso é que apon-tam as reuniões dos sindi-calistas ligados à Federação Única dos Petroleiros (FUP) e à Frente Nacional dos Petro-leiros (FNP) – principais enti-dades do setor no país –, além das assembleias locais de cada unidade da Petrobras.

A greve geral unifi cada es-tá marcada para ter início em 23 de março e busca enfrentar a redução de direitos dos tra-balhadores e o corte de pesso-al. Para as organizações sin-dicais, a empresa de capital misto utiliza a crise econômi-ca mundial como argumen-to para atacar os direitos tra-balhistas.

Concretamente, os princi-pais eixos da pauta dos traba-lhadores são o pagamento da Participação de Lucros e Re-sultados (PLR) de 2008, com negociação imediata do regra-mento da PLR futura; o resta-belecimento do pagamento do extraturno para todos os tra-balhadores, mesmo os admiti-dos após 1999; a garantia dos postos de trabalho em todo o sistema da empresa; e condi-ções seguras de trabalho.

Para se ter uma ideia, a pri-meira parcela da PLR do ano passado deveria ter sido paga em janeiro. “Sempre se pagou; agora, com a crise, eles vêm com essa desculpa”, indigna-se João Antônio de Moraes, da FUP. A proposta inicial da Petrobras era começar a nego-ciação ofi cial da PLR somente após a assembleia dos acionis-

tas, marcada para o dia 8 de abril. Atualmente, os sindica-listas estudam propostas re-centes da empresa, o que po-derá enfraquecer a greve na-cional unifi cada.

Gota d’água A paralisação poderá se es-

tender por tempo indetermi-nado, segundo a FNP, ou du-rar até cinco dias, de acor-do com a FUP. Essa entida-de informou que aproximada-mente 80% das bases, que in-cluem funcionários de refi na-rias, plataformas petrolíferas, plantas de produção de petró-leo na fl oresta, entre outras, já realizaram suas assembleias, e que até o dia 18 toda a ca-tegoria já teria se posicionado sobre a proposta de greve.

Até o fechamento desta edi-ção, no dia 17, das 44 platafor-mas da Bacia de Campos, no Estado do Rio de Janeiro (RJ), 33 já haviam concluído as as-sembleias, sendo que 29 delas aprovaram a paralisação.

A execução de uma greve unifi cada, em nível nacional, é vista também como resposta a um acúmulo de medidas pos-tas em prática pela Petrobras. A suspensão do pagamen-to das horas-extras nos feria-dos (extraturno) aos trabalha-dores da Refi naria do Planal-to Paulista (Replan) admiti-dos a partir de 1999 signifi cou “a gota d’água de uma série de ataques feitos pela Petrobras aos direitos dos trabalhado-res”, de acordo com nota da FUP. Os trabalhadores da re-fi naria, a maior da Petrobras, cruzaram os braços por uma semana.

Mesmo com a greve, a em-presa optou pela produção, em detrimento da segurança, obrigando funcionários de al-guns setores, como o Centro de Controle Integrado, a tra-balhar por até 30 horas inin-terruptamente. O Ministério Público do Trabalho foi cha-mado ao local.

Somada à FUP, a FNP tam-bém reiterou seu apoio aos pe-troleiros da região de Campi-nas, onde se localiza a Replan, mais precisamente na cida-de de Paulínia . “Os bravos companheiros(as) da Replan dão o exemplo: é na luta que nossos direitos são conquista-dos e mantidos!”, exalta nota da entidade.

TerceirizadasOutro abuso apontado pe-

las organizações do setor pe-troleiro diz respeito aos vá-rios contratos fi rmados entre a Petrobras e empresas ter-ceirizadas que, por sua vez, estão reduzindo postos de

trabalho. Segundo o sindica-lista João Antônio de Mora-es, o caso dos terceirizados é mais grave que o dos empre-gados diretos do sistema Pe-trobras, porque são mais vul-neráveis em relação aos seus direitos trabalhistas por não estarem cobertos pela Con-venção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O artigo prevê o impe-dimento de demissão imoti-vada ou sem justifi cativa por parte do empregador.

“Os funcionários diretos da Petrobras estão protegidos por ela”, atesta Moraes. Em razão disso, a FUP compreende que a greve contará com forte ade-são dos petroleiros terceiriza-dos, que, no primeiro dia da mobilização, paralisarão suas atividades por 24 horas.

“Essas empresas dizem que estão se adequando à crise mundial ao despedir funcio-nários”, lembra Moraes. Os

petroleiros da Schlumberger e Halliburton, que prestam serviço para a Petrobras, es-tão, desde maio de 2008, sem reajuste salarial, porque as empresas se negam a avançar na negociação com as repre-sentações sindicais. A Halli-burton chegou, inclusive, a demitir mais de 20 trabalha-dores na Bacia de Campos.

Acionistas garantidosA segurança no trabalho é

outro dos eixos das reivin-dicações da greve unifi cada do dia 23 de março. O tema ecoa com mais força entre os prestadores de serviço. Desde 2000, já ocorreram na empre-sa 165 óbitos de petroleiros, dos quais 134 eram terceiriza-dos e 31, trabalhadores diretos da Petrobras.

As negociações entre a em-presa e os trabalhadores ocor-rem com pé no freio. A empre-sa alega que não tem dinhei-

ro. Apesar disso, segundo no-ta da FNP, no relatório do 4º trimestre, publicado na pági-na eletrônica da Petrobras, ela obteve em 2008 um lucro lí-quido recorde 66% maior do que em 2007. Dessa soma, a empresa prevê um aumento de 51% de lucro para os acio-nistas, em comparação com o ano passado.

Para os trabalhadores, ou-tra conta. A FNP mostra quea razão da Participação nosLucros e Resultados (PLR)em relação ao lucro líquido(PLR/LL) caiu 19%. Enquan-to em 2007 os petroleiros re-ceberam apenas 12,8% doque foi distribuído aos acio-nistas, em 2008, essa por-centagem foi de 11,5%. Ago-ra, os trabalhadores terãoque esperar pela decisão dos“donos” da empresa, que,justamente, disputam os lu-cros da Petrobras com osfuncionários. (ESL)

de transferência dos recursos dos países pobres e emergentes aos países ricos?

Estamos vivendo a ditadura dos grandes capitais, a ditadu-ra do mercado. Democratizar o FMI seria a possibilidade de colocar os interesses da popu-lação dentro desse jogo de re-organização do mercado in-ternacional. Agora, se conti-nuar a ditadura do mercado, somente com os interesses do lucro, qualquer reforma nes-se sentido vai ser como atirar pedra n’água: não causa efei-to nenhum. Mas eu acho que tem espaço aí, principalmen-te para os países emergentes, sempre na perspectiva de le-var em conta os interesses das populações, como por exem-plo a questão alimentar, do emprego e da distribuição de renda.

O seminário destacou também a escalada da ofensiva sobre os recursos naturais brasileiros. Como você vê os movimentos sociais se organizando para barrar essa investida?

De duas maneiras. A pri-meira coisa é que os movi-mentos sociais precisam con-tinuar e intensifi car suas ma-nifestações com relação à Va-le. Ela era uma empresa esta-tal que pertencia ao povo eaos interesses da nação. Ho-je, ela está rapinando o mi-nério de dentro de nosso paíspara atender os interesses dogrande capital externo. Es-tá a serviço da geração de lu-cro. Devemos fazer a luta di-reta contra esses grupos eco-nômicos, reforçando essa de-núncia, e barrar esse proces-so. Em segundo lugar, pre-cisamos construir um movi-mento popular, social, fazercom que a sociedade reaja enão aceite essa rapinagem.

A execução de uma greve unifi cada, em nível nacional, é vista também como resposta a um acúmulo de medidas postas em prática pela Petrobras

Se achamos que a crise é sistêmica, nós temos que botar o dedo na nossa ferida. O movimento sindical, hoje, com a sua forma de organização e luta, não está respondendo

Gama

João Zinclar

Page 9: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

Funes comemora: possibilidade de distribuir a crise socialmente

Partidários de Mauricio Funes celebram a vitória do candidato da FMLN nas ruas de San Salvador

de 19 a 25 de março de 2009 9

américa latina

Vitória da esquerda em El Salvador, esperança de mobilizações popularesELEIÇÕES Partido Arena, representante da direita, reconhece derrota histórica para Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). Porém, clima no país é de divisão e ataque midiático intenso contra o partido vencedor

Venâncio de Oliveirade San Salvador

(El Salvador), especial para o Brasil de Fato e

Pedro Carranode São Paulo (SP)

O SILÊNCIO massacrante co-bria a noite de sábado (14), véspera das eleições decisivas em El Salvador. Estavam em jogo a candidatura do comu-nicador Mauricio Funes, pe-la Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), contra o partido no poder há 21 anos, a Arena, encabeçada por Rodrigo Ávila, antigo pa-trocinador dos esquadrões da morte nos anos de 1980. Nes-sa noite, chamada também de “a mais longa da história” do país, nenhuma das duas le-gendas podia fazer propagan-da. Mas a tensão defi nitiva-mente estava instalada no ar.

O período de guerra entre esses dois campos, duran-te os anos de 1980 e 1992, tem apelo no imaginário de todos. O medo foi o princi-pal recurso usado na cam-panha da Arena. Este clima era traduzido nas ruas: o jo-vem Sam passou a juventu-de numa escola dos EUA. Estudante de negócios, te-me a vitória de Funes. “Po-de ser que ele seja bom. Mas por trás dele estão os guerri-lheiros. Meus pais viveram a guerra. Não podíamos sair. Tínhamos medo do tiroteio. Não esquecemos isso tão fá-cil”, relata.

Uma outra versão é narrada por quem viveu a história do lado do povo. “Era fácil cami-nhar nas calçadas e ver mor-tos na lata de lixo. Este candi-dato da direita (Ávila) foi che-fe dos esquadrões da morte. Temos de tirar eles. São fas-cistas”, comenta Denz, que acordou às quatro horas da manhã de domingo para ser fi scal eleitoral pelo FMLN.

No dia 15, em um país on-de o povo não tem aces-so a serviços básicos, a ten-são e a histeria anticomu-nista não barraram a vitória de Mauricio Funes, que ob-teve 51,2% dos votos, de um total de 2.630.137 eleitores.

Ávila atingiu 48,73%. É o fi m do primeiro round de uma campanha marcada pelo as-sistencialismo televisionado, doação de casas e comida – algo permitido pela legisla-ção eleitoral. Na semana do pleito, a Arena transportou indocumentados de países vizinhos para votar em sua legenda. Ávila reconheceu a derrota. Seus correligioná-rios, porém, respondiam ao seu discurso: “Pátria sim, co-munismo, não”.

Desafi osO presidente eleito Mau-

ricio Funes assume a presi-dência do país no dia 1º de ju-nho de 2009 e vai enfrentar difi culdades. Na capital, San Salvador, assume o opositor Norman Quijano, da Arena, que venceu o pleito de janei-ro com a palavra de ordem: “Paz, limpeza, segurança”.

Em seu primeiro discur-so após a vitória, Funes re-cordou os mártires na guer-ra, mas fez também uma fala conciliatória. “Não podemos ser vingativos. Eu perdoo a Arena por sua campanha su-ja. Vamos governar para to-dos. Quero agradecer aos apoios dos velhos democra-tas cristãos, dos outros par-tidos”, disse, referindo-se à fração de partidos aliada ao FMLN na polarização fi nal da campanha.

EsperançaVeronica, mãe solteira que

trabalha no mínimo 12 horas por dia como garçonete, para ganhar 300 dólares mensais, tem esperanças em mudan-ças. A jovem de 21 anos nas-ceu um ano antes do levante de 1989, momento crucial da guerra. “Meu sonho é que Fu-nes cumpra sua promessa de

de San Salvador (El Salvador), especial para o

Brasil de Fato, e de São Paulo (SP)

É preciso conhecer o derro-tado nestas eleições: o parti-do Arena, após a assinatura dos Acordos de Paz, em 1992, venceu três eleições presi-denciais seguidas. Porém, di-zer que a Arena está no po-der há 21 anos é relativo. Na realidade, a oligarquia salva-dorenha, exportadora de ca-fé, foi a protagonista do mas-sacre de índios, campone-ses e pobres, conhecido co-mo “ La Matanza ”, na década de 1930. Combateu as forças guerrilheiras e o povo na dé-cada de 1970 e 1980. Assassi-nou o arcebispo Oscar Rome-ro. Até a assinatura dos Acor-dos de Paz, o processo elei-toral sempre foi militariza-do em El Salvador. Nos anos de 1990, a Arena consolida o discurso neoliberal de aber-tura à produção das fábricas maquiladoras e o consequen-te abandono da produção camponesa. Torna-se impor-tadora e assiste passivamente à migração massiva de mão-de-obra para o exterior.

O FMLN também passou por mudanças ao longo dos anos, enfrentando o refl uxo das lutas nos anos de 1990.

Crise econômica converte Alba em campo alternativo para América Central

A infl uência do campo da Alternativa Bolivariana das Américas (Alba) disputa espaço no continente. Ao longo da história do século 20, a América Central foi um cavalo de batalha do imperialismo estadunidense, interessado nos recursos hídricos, como o lago de Nicará-gua, e no Canal do Panamá. Durante o período de Ronald Reagan, duas eram as preocu-pações: que a revolução sandinista não se alastrasse (1979) e a implementação de políticas que acabassem com o mercado interno na América Central e no Caribe.

Dependentes de petróleo, a proximidade com a Venezuela impõe-se em um contexto de crise econômica. O governo sandinista de Daniel Ortega (FSLN), eleito em 2006, foi o pri-meiro a aderir. Honduras é governada por Mel Zelaya, do Partido Liberal, o que não o im-pediu de aderir à Alba. Com isso, o discurso de Zelaya foi tensionado à esquerda, chegan-do a implementar projetos sociais, programa de previdência social e manifestação de apoio político a Chávez. Funes pode seguir o mesmo caminho da Alba, ao mesmo tempo que bus-ca posicionar-se como próximo ao governo Lula, em projetos como o da produção de eta-nol, em meio aos ataques da mídia e acusações de alinhamento com Chávez. (VO e PC)

3% de crescimento anual do PIB;

17%, valor representado pelo envio de remessas de trabalhadores migrantes, sen-

do que 80% das remessas partem dos Estados Unidos;

2,5 milhões, número de imigrantes salvadorenhos;

4,900 mil dólares, renda per capita no país;

10. Número previsto de projetos de construção de barragens;

600 mil. Número de pessoas que passam fome em El Salvador, 10% de sua

população, segundo dados da FAO de 2005. Em 1980, o setor agrícola representava

38% da população, e passou a representar 10% no ano 2000. (VO e PC)

Economia sobre o período Arena

ajudar as mulheres, crescer a economia e dar emprego pa-ra os jovens”. Veronica é uma entre várias mães solteiras de um país que paga um salá-rio de R$ 162,76 para a tra-balhadora de fábrica, ao pas-so que a cesta básica está fi -xada em R$ 170. Sem contar os serviços de educação, saú-de e transporte. O programa de Funes prevê a criação de um hospital para atendimen-to especial das mulheres.

Dois discursos El Salvador está dividido ao

meio. Funes busca amarrar o apoio estadunidense e sinali-zar uma aproximação com a América Central e com o Sul. Já nas ruas, são dois discur-sos em questão, algo refor-çado pelo resultado numéri-co das urnas. “Estou feliz por termos tirados os fascistas. Mas tenho medo. As pessoas

vão querer soluções concre-tas imediatas. Vai ser difícil para Funes conseguir satisfa-zê-las. Vai necessitar de uma conjuntura internacional pa-ra ter êxito, senão não conse-gue. A direita vai se apoiar no descontentamento da popu-lação”, comenta o militante Erick Barrera, da Fundação Promotora de Cooperativas.

Promessa O período eleitoral causou

motivação entre a militân-cia do FMLN. Resta saber se a militância da Frente sabe-rá contagiar as massas popu-lares após este período. “Foi uma batalha difícil, as em-presas queriam obrigar seus funcionários a votar em Ávi-la. Acho que agora podemos romper com a corrupção. Não vai ser a revolução, mas podemos cobrar mais impos-tos dos ricos. Não é o mes-

mo contexto do Brasil. Te-nho a esperança que Funes vai radicalizar”, analisa a educadora suíça Ana Bickel, que foi militante das For-ças Populares de Libertação (FPL), uma das correntes político-militares que for-maram a Frente.

“É possível fortalecer as organizações populares no governo Funes. Porém, vai continuar a mesma agenda neoliberal. Não vão querer se confrontar com as em-presas privadas. Mas vai ter um espaço novo, no nível da subjetividade das pessoas. Elas vão sentir mais liber-dade depois da saída de um partido fascista. As pesso-as hoje têm esperança”, co-menta Remberto Nolasco, educador e pesquisador do Centro de Investigação so-bre Investimento e Comér-cio (Ceicom).

As forças políticas salvadorenhasManteve-se como um parti-do massivo, mas sem a mes-ma capacidade de enfrenta-mento. Dagoberto Gutiérrez, militante histórico do par-tido comunista e ex-parla-mentar, que deixou a Frente para formar a organiza-ção Tendência Revolucioná-ria (TR), analisa que a der-rota da Arena é o fator fun-damental neste momento histórico. Nessa conjuntura de crise econômica, é o mo-mento de verifi car as possi-bilidades da Frente. “A vitó-ria do FMLN é a possibilida-de de que a crise seja distri-buída socialmente e que os mais fracos e vulneráveis se-jam protegidos e não sejam

arrastados totalmente”, des-creve. Gutiérrez defende que o momento é de unifi cação do campo popular pautado em lutas.

Boa parte da composição da classe trabalhadora salva-dorenha está em outros solos: 2,5 milhões de salvadorenhos são trabalhadores migran-tes, em um total de 6,9 mi-lhões de pessoas. As remes-sas são fundamentais para o país, responsável por 17% do PIB, atrás apenas do setor de serviços (60%), que cresceu a partir das políticas de impor-tação de produtos e que en-volve cerca de 500 mil traba-lhadores apenas na capital do país. (VO e PC)

Sean Hawkey

Div

ulga

ção

Page 10: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009
Page 11: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009
Page 12: Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

O vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera

Minerador: empregos em risco

Trabalhador empurra carrinho de minério tendo ao fundo a cidade de Potosí

de 19 a 25 de março de 200912

américa latina

Fernanda Chavescorrespondente em

La Paz (Bolívia)

A CRISE DO capitalismo vai afetar a Bolívia. Na verdade, já está afetando. Esta é a con-clusão dos economistas ouvi-dos pela reportagem. A eco-nomia, essencialmente pri-mária e exportadora de ma-térias-primas, já sofre com os efeitos da queda do pre-ço dos minérios, sobretudo o zinco, que perdeu metade do valor no último ano. Na pon-ta, sofrerão os trabalhadores que perderão seus empregos – postos que o governo luta para salvar.

Na avaliação do economis-ta Carlos Arze, pesquisador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (Cedla), trata-se de uma crise provocada pela apli-cação intensiva do receituário neoliberal. “Primeiro, temos que entender que essa crise é expressão de uma crise ainda mais profunda, típica do ca-pitalismo, cíclica. Mas agra-vada porque vem combina-da com outras crises: alimen-tícia, ambiental etc. Ela acu-mula o efeito de muitos anos de um capitalismo parasitário, especulativo, que vigora desde a década de 1980, de geração

de capital fi ctício, que não tem correlação com a produção re-al”, analisa.

Arze acredita que os efeitos dessa crise sobre o povo boli-viano serão intensos, pois tra-ta-se de um país integrado à economia global. “No caso da Bolívia, que depende basica-mente da exportação de ma-térias primas, o impacto será bem sentido. Somos, como a maioria dos países da América do Sul, bem abertos. Estamos ‘globalizados’. O investimento estrangeiro direto vem caindo há vários anos. E com a crise será ainda menor, porque as empresas estão quebrando ou com restrições, avalia.

ImpactosOutro aspecto ressaltado

por Arze é a queda nas remes-sas de dinheiro feitas por boli-vianos que vivem no exterior. Segundo o pesquisador, esses imigrantes injetam na econo-mia boliviana cerca de 1,3 bi-lhão de dólares, cerca de 10% do PIB. “Eles trabalham, so-bretudo, no setor de constru-ção, na Espanha. Mas se a cri-se está sendo sentida na Euro-pa, sobretudo no setor imobi-liário, eles podem perder seu emprego e retornar”, engros-sando assim o desemprego no país.

Por outro lado, ele afi r-ma que a reduzida presença do sistema fi nanceiro no país pode atenuar os impactos. “A Bolívia não tem um setor fi -nanceiro-econômico ligado às fi nanças mundiais como, no caso, o Brasil. Aqui, esse seg-mento é muito pequeno e não tem serviços nem atividades junto ao mercado internacio-nal. A presença do capital fi -nanceiro especulativo, de car-teira, é reduzidíssimo. Isso faz com que o impacto não se sin-ta por esse aspecto”, explica o pesquisador.

AlternativaPor fi m, o economista afi r-

ma que é um erro investir tan-to em exportações e que uma boa saída para a crise seria investir no mercado interno. Neste ponto, a avaliação de Arze coincide com a opinião do vice-ministro de Planifi -cação e Desenvolvimento. O também economista Abrahan Pérez acredita que o aprofun-damento das relações econô-micas da Bolívia com as eco-nomias emergentes pode fun-cionar como uma espécie de salvaguarda durante o perío-do de crise.

Durante entrevista ao Bra-sil de Fato, ele citou sobretu-do Brasil e Argentina, além da China e outros países asiáticos como compradores das ma-térias primas bolivianas. De modo que o governo aposta na decisão destas economias em privilegiar a aquisição des-ses produtos primários expor-

A crise do capitalismo chegou à BolíviaECONOMIA Dependentes da exportação de matérias-primas, cujo valor está em queda no mercado mundial, os bolivianos sofrem os efeitos da crise e apostam na integração regional para contorná-la

Júlio Delmanto e Juliana Sada

de La Paz (Bolívia)

Como ato inaugural de uma série de debates sobre as mo-difi cações que a Bolívia sofre-rá após a aprovação da nova Constituição Política do Esta-do, Álvaro García Linera, vice-presidente do Estado plurina-cional boliviano, discursou dia 10 sobre os rumos institucio-nais do país e o “desenho do novo Estado”.

Sob olhar atento dos cerca de 300 militantes e simpati-zantes do Movimento ao So-cialismo – Instrumento Polí-tico Para Soberania dos Povos (MAS-IPSP, partido no poder desde a posse de Evo Mora-les, em 2006), o intelectual e ex-guerrilheiro falou por duas horas acerca de suas concep-ções teóricas de organização estatal e das movimentações políticas e econômicas que al-çaram outro “bloco histórico” ao posto de detentor da “he-gemonia política, intelectual e moral” do país.

Linera dividiu sua exposição em duas partes: uma mais te-órica – com a defi nição de Es-tado e seu papel – e outra cal-cada na atual conjuntura boli-viana, marcada pela ascensão de novos atores políticos ao poder, depois de quase duas décadas de neoliberalismo so-cialmente devastador, respon-sável pelo desmanche do Es-tado pensado pelos naciona-listas da Revolução de 1952.

Segundo ele, cada Estado apresenta três “eixos trans-versais” que o defi nem: a ins-

titucionalidade (conjunto de normas, procedimentos, acor-dos e burocracias), arcabou-ço teórico e, principalmente, a correlação de forças que ge-ra e sustenta esses outros dois eixos. No caso boliviano, essa correlação estaria mudando de alguns anos para cá, em fa-vor do movimento popular.

Desafi oAlém de detentor do “mo-

nopólio da coerção legítima”, o Estado possui o monopólio da capacidade “de represen-tar a vontade geral da socieda-de”, explica Linera. Mas como se daria esse processo em uma sociedade dividida em clas-ses? “Esse é o grande desafi o do Estado, converter a divi-são em unidade, em biocoleti-vo”, o que só acontece quando uma classe ou bloco possui a capacidade de “incorporar de-mandas e interesses do resto da sociedade”, constituindo o que Antônio Gramsci defi niu como hegemonia.

Depois de cerca de 30 anos de “hegemonia pequeno-bur-guesa”, representada pelo nacionalismo revolucionário triunfante em 1952, e de ou-tros 20, nos quais a burguesia agroindustrial nacional, alia-da ao capital estrangeiro, con-trolou o cenário político sob o ideário neoliberal, confi gu-ra-se agora outra hegemonia na Bolívia, “articulada por um núcleo nacional popular”, se-gundo seu vice-presidente.

Ela começou a se formar em torno de sindicatos agrá-rios, que depois incorporam juntas urbanas de vizinhos e movimento operário; a par-

tir daí, agrega-se a esse “blo-co histórico” um setor intelec-tual urbano de classe média, formando o grupo hegemôni-co da Bolívia de hoje. Ao as-sumir o poder, esse bloco pas-sa a articular-se também com “outros setores médios urba-nos” e “setores empresariais”, deixando de fora setores liga-dos ao investimento estran-geiro. Para Linera, “o núcleo desse bloco é campesino e vi-cinal urbano, é de natureza de classe distinta” ao que tradi-cionalmente dirigia o país. Pa-ra ele, é essa mudança no blo-co dirigente da Bolívia que ex-plica as mudanças pelas quais o país tem passado nos últi-mos anos, especialmente após a chegada do MAS ao governo federal, com 54% dos votos. “Revolução não é invenção de movimento social ou partido político, é resultado dos des-dobramentos de forças acu-muladas por décadas na so-ciedade”, afi rma.

HeterogeneidadeNa época de hegemonia mi-

litar-nacionalista, “não ha-via índios, somente bolivia-nos”; já no período neolibe-ral, os indígenas tinham seu papel apenas no lado folcló-rico, turístico, diferentemen-te do presente momento, no qual “são a força motriz do novo Estado”. E com um de-talhe muito importante: for-ça motriz não homogênea. Se nacionalistas revolucionários e neoliberais constituíam-se enquanto núcleos minima-mente homogêneos entre si, o mesmo não se passa no atu-al bloco hegemônico, confor-

mado por diferentes grupos políticos e étnicos, com suas respectivas tradições, cultu-ras e visões de mundo.

É essa heterogeneidade que explica a nova Consti-tuição boliviana, segundo o vice-presidente. O texto an-terior reconhecia idiomas e culturas distintos, mas “re-conhecia a sociedade como plurinacional, não o Esta-do”, o que seria fundamen-tal para “superar a coloni-zação”, na opinião de Line-ra. Como exemplo, compara sua própria história de vida – intelectual, branco, prove-niente da classe média – com a de Evo Morales, para mos-trar como há diferentes tradi-ções e concepções, pessoais e coletivas conformando o blo-co dirigente. Dessa maneira, a confi guração plurinacional do novo Estado “não é imper-tinência teórica ou capricho intelectual, é demanda his-tórica. Como sentar-se juntos sem que um se sinta supe-rior? Plurinacionalidade!”.

IgualdadeDe acordo com o vice-pre-

sidente boliviano, esse novo bloco traz em si uma diversi-dade de práticas políticas, que o coloca como representan-te de uma “civilização distin-ta”, a “comunitária associati-va”, apresentada em oposição à “mercantil moderna”. Des-sa maneira, é essa diversida-de política que gera a neces-sidade de novas alternativas institucionais, que prevejam, para além da democracia re-presentativa, mecanismos de democracia participativa e co-

munitária. Linera aponta no-vas práticas educacionais co-mo exemplo de tradução prá-tica dos conceitos de um Esta-do plurinacional; assim, o fato de o poder público propiciar educação primária e superior em línguas indígenas, além de abarcar tradições, mitos e he-róis desses povos, representa-ria um passo importante na consolidação de uma igualda-de substantiva entre os dife-rentes povos bolivianos.

Quanto ao argumento re-correntemente utilizado pe-la direita boliviana, de que o MAS e o discurso de afi rma-ção indígena estariam divi-dindo a Bolívia, Álvaro Gar-cía Linera responde que não é a plurinacionalidade que irá dividir o país: “Toda socieda-de do mundo está dividida,

a pergunta é como construir unidade. Uma opção é a colo-nial, valorando um só em de-trimento da diversidade. Mas é uma unidade imposta, fal-sa”; por outro lado, há a op-ção que ele acredita ter sido tomada atualmente no país, a opção pela “diversidade em igualdade de condições e em enriquecimento mútuo”.

Segundo o vice-presiden-te, é a coexistência de diferen-tes instituições que difere a constituição boliviana de ou-tras que já reconhecem idio-mas distintos e/ou originá-rios como a canadense, belga ou indiana. Para ele, a Bolívia está na vanguarda porque re-conhece também a diversida-de quanto a matrizes organi-zativas: “É uma constituição do século 21”, resume.

tados pela Bolívia. “Há que ver com muito interesse o de-senvolvimento da economia emergente latino-americano. Nós estamos bastante atentos a esse assunto. Portanto, se aumenta a demanda de mine-rais, que são matérias primas, há uma recuperação de preço dos minerais que nos permi-tiria ter o excedente para uti-lizar e transformar no nos-so próprio padrão de acumu-lação, nosso estilo de desen-volvimento, (e empreender) um modelo distinto do que foi aplicado durante 20 anos, no neoliberalismo”, afi rma.

Minério e gás Abrahan Pérez concorda

que, no campo da mineração, a Bolívia vai sofrer com a crise do capitalismo. Para tanto, ci-ta a brusca queda no preço do zinco no mercado mundial. A tonelada do mineral, o mais exportado pela Bolívia, che-

gou a valer US$ 1,4 em 2005 e US$ 3,3 em 2006, mas ago-ra começa a recuar aos valores anteriores ao “boom” (ocorri-do entre 2004 e 2008). Em 2003, por exemplo, a tonela-da estava cotada a 74 centavos de dólar. Por outro lado, ele ressalta que recentemente foi descoberto que 60% das re-servas mundiais de lítio estão na Bolívia, cujo valor da tone-lada está em 3 mil dólares.

No campo dos hidrocarbu-ros, o vice-ministro discorda da avaliação de Carlos Arze, pesquisador do Cedla, quem acredita que o Brasil vai com-prar menos gás natural da Bo-lívia devido ao longo período de chuvas que encheram os reservatórios das hidrelétri-cas brasileiras. Apesar disso, o vice-ministro Abrahan Pé-rez aposta na continuidade da demanda pelo gás boliviano: “Alguns ministros do Brasil, de escalão mais baixo, têm di-

to que vão comprar menos gás da Bolívia, mas esses anún-cios são comuns antes do pe-ríodo de negociação para ten-tar baixar o preço. Eu acredi-to que o Brasil vai adotar a es-tratégia de considerar que seu mercado interno não está so-mente dentro de suas frontei-ras mas em toda região. Nes-se sentido, qualquer desenvol-vimento necessita de energia”, afi rma.

Como a Bolívia vai atraves-sar a crise do capitalismo só o tempo dirá. Mas se depen-der da aplicação de medidas socialistas, como preconiza o campo popular (ver box), é bem provável que o país le-ve vantagem com as naciona-lizações e com a maior pre-sença do Estado na economia, conforme determina a Nova Constituição Política de Esta-do recentemente aprovada e vem sendo posta em prática pelo governo Evo Morales.

Diversidade em igualdade de condições: uma Constituição do século 21Vice-presidente do Estado plurinacional boliviano fala sobre a nova Carta Magna do país e a correlação de forças gerada por ela

Igor

Oje

da Olmo Calvo/CC

José Lirauze/ABI