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EDITORIAL Assim como outras organizações não-governamentais que dependem cada vez mais de recursos públicos nacionais para manter seu funcionamento e realizar suas atividades, em função da progressiva diminuição da presença das agências de cooperação internacional na região Sul do Brasil, o Deser vem passando também por mudanças internas que criam dificuldades para continuar atendendo com qualidade à diversidade das demandas colocadas para nossa entidade. Tendo em vista essa situação, estamos comunicando a todos(as) assinantes do Boletim do Deser que, a partir desse número, nossa publicação será distribuída apenas por meio eletrônico, eliminando-se, assim, os elevados custos financeiros mensais que tínhamos com o pagamento de impressão gráfica e correio. Todas as entidades associadas ao Deser já foram avisadas com antecedência a respeito dessa alteração e esperamos contar com a compreensão para a necessidade urgente desse enxugamento nas despesas orçamentárias. Temos certeza que essa novidade proporcionará mais agilidade na circulação de informações e análises produzidas por nossa equipe técnica. Pois nesse novo formato podemos repassar imediatamente as matérias consideradas urgentes e que devem chegar com rapidez ao conhecimento das direções das entidades. Reconhecemos também que isso exigirá, como contra-partida, uma mudança de hábito por parte dos companheiros e companheiras que estavam acostumados a ler as notícias impressas na publicação. Novos tempos, novas atitudes, novas práticas. Por fim, gostaríamos de nos colocar à disposição para resolver qualquer situação de quem, por acaso, se sentir lesado por essa decisão. Obrigado pela compreensão. A DIREÇÃO

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EDITORIAL

Assim como outras organizações não-governamentais que dependem cada vez mais de recursos públicos nacionais para manter seu funcionamento e realizar suas atividades, em função da progressiva diminuição da presença das agências de cooperação internacional na região Sul do Brasil, o Deser vem passando também por mudanças internas que criam dificuldades para continuar atendendo com qualidade à diversidade das demandas colocadas para nossa entidade.

Tendo em vista essa situação, estamos comunicando a todos(as) assinantes do Boletim do Deser que, a partir desse número, nossa publicação será distribuída apenas por meio eletrônico, eliminando-se, assim, os elevados custos financeiros mensais que tínhamos com o pagamento de impressão gráfica e correio.

Todas as entidades associadas ao Deser já foram avisadas com antecedência a respeito dessa alteração e esperamos contar com a compreensão para a necessidade urgente desse enxugamento nas despesas orçamentárias.

Temos certeza que essa novidade proporcionará mais agilidade na circulação de informações e análises produzidas por nossa equipe técnica. Pois nesse novo formato podemos repassar imediatamente as matérias consideradas urgentes e que devem chegar com rapidez ao conhecimento das direções das entidades.

Reconhecemos também que isso exigirá, como contra-partida, uma mudança de hábito por parte dos companheiros e companheiras que estavam acostumados a ler as notícias impressas na publicação.

Novos tempos, novas atitudes, novas práticas.

Por fim, gostaríamos de nos colocar à disposição para resolver qualquer situação de quem, por acaso, se sentir lesado por essa decisão.

Obrigado pela compreensão. A DIREÇÃO

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O Dia Internacional da Mulher e as Agricultoras Familiares

O Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, é sempre uma oportunidade para refletir sobre o papel das mulheres em nossa sociedade e, principalmente, para dar visibilidade às demandas e lutas que vêm sendo realizadas tanto no plano mais local quanto no plano mais global. Trata-se de uma data histórica, um dia especial que coloca em primeiro plano a necessidade de se construir uma democracia baseada na equidade social entre homens e mulheres. Nesse dia, as mulheres costumam levantar suas bandeiras e sair às ruas e praças, demonstrando em grandes manifestações que estão dispostas a conquistar com dignidade e respeito sua cidadania política. O lugar que hoje ocupam na sociedade permanece marcado por diferentes formas de preconceito social, pela discriminação salarial, pela dupla (ou tripla) jornada de trabalho, pela violência doméstica e sexual, dentre outras. No caso da realidade rural, o trabalho realizado pelas mulheres continua sendo visto como “ajuda”, numa tentativa de desqualificação de suas atividades, e por isso elas acabam não sendo reconhecidas, de fato, como trabalhadoras com direitos que precisam ser garantidos. Consequentemente, como fruto dessa desvalorização, um dos problemas centrais enfrentados pelas mulheres agricultoras está relacionado ao restrito acesso às políticas públicas, particularmente nas áreas do crédito, do acompanhamento técnico e extensão rural, da pesquisa tecnológica, da comercialização agrícola, uma vez que, em geral, cabe aos homens o papel de fazer a ligação do mundo familiar com as instâncias do mercado e da esfera pública. Esse aspecto contribui também para explicar a ausência ou pequena participação das agricultoras familiares nos espaços de discussão e de decisão das organizações sociais rurais, tais como os sindicatos, as associações e as cooperativas. No entanto, como toda conquista social, o reconhecimento da legitimidade de suas reivindicações e a implementação dos direitos já assegurados pela legislação vigente só serão alcançados por meio de uma ampla participação e mobilização das mulheres. Assim, para se avançar nessa direção, as mulheres agricultoras precisam continuar lutando pela derrubada das barreiras sociais, culturais e políticas necessárias à construção de uma sociedade baseada em relações democráticas e igualitárias. Os sindicatos da agricultura familiar, as cooperativas de crédito solidário, as associações e cooperativas de produção e comercialização, bem como as cooperativas de habitação constituem-se em espaços organizativos importantes para promover a participação de mulheres e homens nas ações voltadas para o desenvolvimento das áreas rurais. Nesse momento, tanto os sindicatos quanto as cooperativas de crédito estão passando por processos internos de mobilização de suas forças, tendo em vista a realização do II Congresso da Fetraf-Sul e das assembléias do Sistema Cresol. A presença massiva das agricultoras familiares nesses espaços de discussão é decisiva para a ampliação das conquistas e dos direitos das mulheres que trabalham no meio rural.

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Portanto, nesse Dia Internacional da Mulher de 2007, é fundamental que as mulheres agricultoras da região Sul mobilizem-se para participar das atividades comemorativas dessa data, acumulando forças para as lutas a serem travadas no decorrer desse ano. DESAFIOS ESTRATÉGICOS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL Subsídios para a elaboração da Tese do II Congresso da Fetraf-Sul/CUT

Este texto pretende apresentar uma contribuição para os debates preparatórios ao II Congresso da Fetraf-Sul/CUT, em particular para o tema relacionado aos desafios estratégicos que a agricultura familiar precisa enfrentar e responder no médio prazo (10 anos), de modo que oriente o caminho para a construção de um projeto democrático e sustentável de desenvolvimento nacional. Num primeiro momento, serão levantados alguns pontos referentes à situação da agricultura tanto no plano internacional quanto no plano nacional, abordando, inclusive, as tendências do processo de desenvolvimento rural. Em seguida, esse documento expõe um conjunto de referências, construídas coletivamente ao longo das últimas décadas, que podem vir a fundamentar um papel estratégico da agricultura familiar no contexto de um novo projeto de sociedade e de desenvolvimento. Por fim, este texto aponta os desafios estratégicos que conduzam a um novo posicionamento sócio-político e econômico da agricultura familiar na formação social brasileira.

I. SITUAÇÃO DA AGRICULTURA NO PLANO INTERNACIONAL

1. A situação da agricultura, no plano internacional, tende, no próximo período, a enfrentar grandes transformações, em função basicamente das mudanças que vêem se verificando na base tecnológica da produção, particularmente, de um lado, com a expansão da biotecnologia e, em breve, da nanotecnologia e, de outro, com a tendência de se acelerar os passos para a transição da matriz energética no mundo. Do ponto de vista do capital, esse processo tende a promover, dentre outras dinâmicas:

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• o crescimento do setor industrial voltado para a produção agrícola, desde a produção de máquinas, equipamentos e insumos, passando pela agroindustrialização e comercialização desses produtos em escala mundial;

• o aprofundamento da concentração das grandes empresas transnacionais, detentoras das patentes tecnológicas, agravando o ciclo de dependência, reduzindo ainda mais a capacidade de autonomia dos agricultores e submetendo-os a uma acentuada elevação dos custos de produção;

• a ampliação da participação de empresas estrangeiras nas exportações dos países que possuem um Produto Interno Bruto dependente do setor agrícola;

• o aumento da competitividade entre os países produtores e exportadores de produtos agropecuários;

• a elevação das escalas de produção e da produtividade, com a conseqüente redução estrutural dos preços recebidos pelos produtores;

• a valorização econômica de produtos destinados à monocultura e à exportação;

• o aumento da importância dos produtos agrícolas na pauta de exportação dos países dependentes.

2. No entanto, essas transformações econômicas (que já estão em curso) no padrão de desenvolvimento rural e agrícola, em escala mundial – com seus ritmos e processos diferenciados em cada país –, tendem a agravar cada vez mais as desigualdades sociais, lançando uma parcela significativa dos agricultores na miséria e na fome e comprometendo, assim, o direito básico à vida. De outro lado, tais mudanças tendem a acelerar também os processos de destruição dos ecossistemas e da biodiversidade neles presentes, podendo ainda gerar graves conseqüências para a saúde humana e as diferentes formas de vida no planeta, caso suspeitas levantadas por diversos pesquisadores venham a se confirmar.

3. De acordo com a perspectiva hegemônica do desenvolvimento capitalista globalizado, no cenário futuro da economia internacional, as atividades agrícolas continuarão cumprindo um papel secundário nos processos econômicos de composição do PIB. A agricultura, por mais “avançada” que seja o seu modelo tecnológico, tende a permanecer

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como (i) fonte geradora de divisas capazes de dar sustentação ao endividamento externo, sendo responsável por uma parcela expressiva do superávit na balança comercial; (ii) fornecedora de commodities e alimentos baratos para abastecer o crescimento demográfico; (iii) fornecedora de mão-de-obra desqualificada para atender às necessidades de expansão do setor urbano-industrial; (iv) consumidora da produção industrial de máquinas, equipamentos e insumos agrícolas.

4. Ainda no que se refere ao plano mundial, é preciso considerar que existe uma série de acordos internacionais, seja em fase de negociação ou em fase de implementação pelos diferentes países do planeta (Objetivos do III Milênio, Protocolo de Kioto e Rodada de Doha). Esses espaços de discussão e de decisão política entre os Estados nacionais têm abordado temas fundamentais para a sustentabilidade da vida no planeta, tais como a redução do número de pessoas que passam fome, o acesso universal ao ensino fundamental, a redução da emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global, a adoção de estratégias efetivas de conservação ambiental, o fim dos subsídios agrícolas por parte dos países capitalistas hegemônicos, em especial os Estados Unidos e países europeus, como a França, a Alemanha, a Suíça, a Inglaterra e a Holanda.

II. SITUAÇÃO DA AGRICULTURA NO CONTEXTO NACIONAL

5. Como o Brasil se constitui num país historicamente marcado pela importância da atividade agrícola nas exportações, as transformações e as perspectivas acima destacadas incidem diretamente sobre a base produtiva da agricultura e sobre as relações sociais que se estabelecem a partir dela. Mesmo com a intensificação do processo de industrialização e, mais recentemente, de financeirização da economia nacional, os produtos de origem agropecuária continuam ocupando um lugar de destaque nas receitas econômicas do País.

6. O cenário social do Brasil rural é, atualmente, hegemonizado pela ideologia do agronegócio, que se afirma no imaginário coletivo como “o Brasil que dá certo”, em contraposição a outros setores considerados “ineficientes” da economia brasileira. Os compromissos históricos assumidos pelo capital financeiro-industrial com o latifúndio e as grandes empresas agroindustriais, e sedimentados por meio de políticas governamentais e

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de incentivos internacionais que favoreceram esses interesses sociais, estabelecem as condições para a hegemonia do atual modelo de desenvolvimento rural no Brasil.

7. Dentre as características mais marcantes desse modelo, pode-se ressaltar a padronização e uniformização dos sistemas produtivos; a verticalização e centralização das cadeias agroindustriais; a monocultura voltada para a exportação; a especialização das atividades produtivas de bens primários; a eliminação da mão-de-obra não-qualificada; a intensificação do processo de dependência aos setores industriais produtores de insumos e máquinas; a destruição das relações comunitárias; a desarticulação dos espaços organizativos; a adoção de um padrão tecnológico que provoca (i) uma violenta artificialização e desnaturalização do espaço rural, (ii) uma acelerada degradação dos recursos naturais renováveis, (iii) uma seletividade cada vez mais acentuada dos produtores rurais e (iv) um aumento da dependência nacional em função da vulnerabilidade do mercado internacional, centrado em commodities; e a padronização de um modo de vida individualista e consumista.

8. Entretanto, o espaço rural brasileiro não é homogêneo nem uniforme. Pelo contrário, ele é heterogêneo, plural e diverso, tanto em termos dos agroecossistemas, da diversidade sócio-cultural, dos processos de organização política, das formas de organização econômica e dos sistemas de produção, das relações com o mercado, do acesso às políticas públicas etc. Por outro lado, essas realidades não devem ser percebidas como separadas e independentes. Em determinadas circunstâncias, elas se interpenetram e produzem, inclusive, relações interdependentes, exigindo uma leitura mais complexa dessas situações. O movimento ambivalente do capital envolve diretamente o setor capitalizado da agricultura familiar no processo de expansão das atividades agrícolas ligadas ao chamado “agronegócio”, tais como na produção de grãos –soja, milho e trigo–, algodão, café, aves, suínos, cana-de-açúcar, leite, fumo, pinus, eucalipto etc. Mas isso não significa que setores menos capitalizados não estejam envolvidos nesse processo, particularmente por intermédio das relações com o mercado de bens de capital (máquinas e implementos), com o mercado de produtos agrícolas ou mesmo com o mercado de trabalho (urbano ou rural, formal ou informal).

9. Portanto, o Brasil rural não é só o “agronegócio”, que aparece na grande mídia com suas grandes máquinas colheitadeiras de grãos, à imagem e semelhança de cenários

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americanos, e valorizado efusivamente pelos planejadores governamentais que só enxergam as cifras da balança de pagamentos, sem computar os custos sociais e ambientais embutidos nessa via de crescimento econômico. Nem é apenas o dos “latifúndios improdutivos”, contrários às iniciativas de democratização da propriedade fundiária, às políticas de conservação ambiental e de combate ao trabalho escravo.

10. Ainda que essas facetas determinem o projeto hegemônico implementado no País, essas dimensões do Brasil rural não expressam a totalidade e a complexidade desse espaço social. Representam, sem dúvida, uma parcela que possui uma grande responsabilidade no que diz respeito às exportações de produtos primários (grãos e carnes, por exemplo), mas também em relação à extração ilegal de madeira e de minérios preciosos, à devastação de grandes extensões de terras, por meio das queimadas, à degradação da biodiversidade, à eliminação da diversidade sociocultural existente nesses ambientes etc.

11. Porém, é preciso reconhecer que o Brasil rural é também o da agricultura familiar, dos assentados da Reforma Agrária, dos reassentados por obras públicas de infra-estrutura, dos artesãos, das populações tradicionais, enfim, de uma infinidade de identidades coletivas que se (re)criam e buscam afirmar sua especificidade cultural e histórica. Esses segmentos sociais – responsáveis pela maioria absoluta dos estabelecimentos rurais do País, por sua contribuição significativa para a dinamização das economias locais e também para a garantia de grande parte da produção agrícola nacional – encontram-se sufocados pelas ações desencadeadas pelas elites protagonizadoras do modelo hegemônico.

12. Existem, portanto, dois projetos objetivamente em disputa, em que um deles é amplamente hegemônico e o outro vem se constituindo com uma alternativa real, diante da insustentabilidade do modelo vigente. Os caminhos futuros a serem trilhados pelo rural brasileiro, e que definirão o papel da agricultura nesse processo, dependem da confrontação entre esses projetos e das lutas políticas travadas junto à sociedade, na medida em que esses caminhos não estão definidos a priori, podendo, ser modificados, de acordo com a correlação de forças que resulte desses enfrentamentos.

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III. PAPEL DA AGRICULTURA FAMILIAR NO DESENVOLVIMENTO DEMOCRÁTICO E SUSTENTÁVEL

13. O espaço rural brasileiro é constituído por uma heterogeneidade de contextos geográficos, sócio-ambientais, econômicos e culturais, cada qual apresentando possibilidades e limites específicos para a realização de atividades agrícolas, pecuárias, extrativistas e também para um conjunto diversificado de ocupações rurais não-agrícolas (turismo ecológico e cultural, artesanato, agroindústria etc.). Essa concepção enfoca o rural levando em consideração a sua multidimensionalidade, isto é, valorizando de forma integrada não só os aspectos agrícolas ou econômicos, mas também todas as suas demais dimensões inerentes ao meio rural, geralmente não ressaltadas na maioria das análises e estudos acerca desse tema.

14. O Brasil rural, nessa perspectiva, não se limita à produção agropecuária nem mesmo às áreas reconhecidas pelo senso comum como “campo”. De acordo com essa abordagem, o Brasil rural abarca cerca de 80% dos municípios nacionais que dependem fortemente do desempenho das atividades agrícolas desenvolvidas em seu interior. Desse mesmo espaço emergem um patrimônio cultural e uma rica biodiversidade que contribuem para moldar identidades coletivas, saberes e conhecimentos tradicionais, formas particulares de manifestação cultural e artística, modelos de manejo dos recursos naturais, espaços de conservação ambiental. Emergem também formas de organização sócio-política associadas à trajetória histórica de ocupação territorial. O espaço rural revela-se, assim, numa pluralidade de caminhos e oportunidades que superam a visão tradicional de locus para a produção de alimentos.

15. Como todo campo político de disputa de forças sociais, esses caminhos envolvem uma série de tensionamentos e contradições, fruto de um antagonismo de sujeitos sociais portadores de visões de mundo e de projetos de sociedade que se diferenciam em relação às perspectivas de desenvolvimento e de construção de sociedade que lhes são implícitas. Nesse sentido, o Brasil rural da atualidade convive com duas fortes tendências que expressam perspectivas contrárias de desenvolvimento, diante das quais não há possibilidades de complementaridade ou de integração das estratégias. De um lado, verifica-se a tendência hegemônica dos capitais financeiro, agrário, industrial e comercial, expressa no chamado “agronegócio”, e, de outro, a tendência que busca construir um

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movimento de contra-hegemonia social, fundada nas formas familiares e comunitárias de reprodução da vida nas áreas rurais. Além delas, é importante ressaltar que outras tendências co-existem nesse campo de forças, tais como a dos grandes latifúndios ou mesmo as incipientes formas coletivizadas de produção agrícola.

16. Entretanto, esses dois modelos mais abrangentes não devem ser vistos de forma estática e linear, na medida em que há interposições que tornam a realidade ainda mais complexa: de um lado, podem ser encontrados agricultores familiares que degradam recursos naturais ou que desenvolvem atividades especializadas voltadas para a exportação e, de outro, agricultores empresariais que desenvolvem técnicas de produção orgânica a partir de práticas conservacionistas dos recursos naturais. Ambas as situações servem para revelar que a realidade não se apresenta de forma “pura”.

17. O agronegócio traduz-se hoje na tendência hegemônica, pois consegue articular formas “tradicionais” (como o latifúndio) e “modernas” (as grandes empresas agroindustriais nacionais e transnacionais – Cargill, Monsanto, BAT, Sadia etc. – e o sistema financeiro), estabelecendo novos elos de interesse comum para a reprodução do capital. Trata-se de uma atualização do modelo de desenvolvimento capitalista diante do contexto da globalização e da “abertura” do comércio internacional. Para viabilizar a consolidação desse modelo, o agronegócio tem contado ainda com o papel predominante do Estado e das políticas públicas, por meio principalmente do crédito, da pesquisa agropecuária, dos instrumentos de regulação dos preços e dos mercados, das estruturas de armazenamento etc.

18. De um modo geral, as ações do agronegócio se pautam pela especialização produtiva, pela monocultura voltada para a exportação, pela adoção de tecnologias de ponta e de produção em larga escala, pela dependência das tecnologias “modernas” (transgênicos, nanotecnologia) e numa visão predatória de “exploração” dos ecossistemas e dos recursos naturais. O projeto do agronegócio, enquanto expressão da articulação e integração dos capitais financeiro, agroindustrial, comercial e agrário, tem por objetivo central ampliar o processo de concentração de riquezas no meio rural, gerando divisas para elevar o superávit da balança comercial. O imperativo do lucro imediato e das vantagens comparativas de competitividade no mercado internacional estabelece uma lógica perversa que provoca uma série de impactos negativos (degradação ambiental, expulsão

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das famílias de agricultores de seus territórios tradicionais, artificialização da produção agrícola, instabilidades na soberania alimentar etc.). A perversidade desse processo é tão acentuada que segmentos sociais ligados à agricultura familiar participam desse processo, na medida em que se integram economicamente às cadeias produtivas mais importantes do agronegócio (grãos –soja, milho, trigo etc.–, carnes –aves e suínos, em especial–, leite, fumo, algodão, madeiras –pinus, eucalipto e bracatinga– e, mais recentemente, as propostas de integração voltadas à produção de bioenergia).

19. Numa outra perspectiva de construção do desenvolvimento situam-se os segmentos sociais ligados à produção familiar rural, expressando uma forma de organização social que na história da formação agrária nacional tem ocupado um lugar secundário e subordinado. Diferentemente do agronegócio, a agricultura familiar pode ser considerada mais do que um espaço de produção agrícola e de dinamização das economias locais, mas fundamentalmente um espaço social de reprodução da vida rural, de revitalização das relações comunitárias e dos conhecimentos tradicionais, de preservação do patrimônio cultural, de conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, bem como de diversificação das estruturas sócio-organizativas de base.

20. O projeto que vem sendo construído, ao longo das últimas décadas, pela agricultura familiar e suas organizações é responsável, dentre outros aspectos: (a) por grande parte da produção de alimentos para viabilizar a segurança alimentar e nutricional do País; (b) pelo maior número de estabelecimentos rurais e por uma quantidade de área inferior à ocupada pelo agronegócio e o latifúndio; (c) por uma diversidade de sistemas de produção e pela integração das atividades agrícolas com atividades não-agrícolas (rurais ou urbanas); (d) pela implementação de experiências voltadas para a construção de uma nova matriz de desenvolvimento tecnológico, passando pela geração de tecnologias adequadas, pela agroecologia, pelo agroextrativismo e por diversas formas de manejo sustentável dos recursos naturais; (e) pela valorização dos territórios rurais, incluindo a preservação das culturas e dos saberes tradicionais e a criação de arranjos institucionais capazes de integrar os diferentes setores econômicos (indústria, comércio, serviços e agricultura); (f) pela consolidação de redes sociais de cooperação e pelo fortalecimento das diversas formas de organização social; (g) pela busca de integração dos processos de produção, agroindustrialização e comercialização; (h) pela elaboração de uma nova educação do

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campo que responda aos atuais desafios colocados pela realidade rural; (i) pela promoção da inclusão social e pela geração de novas ocupações rurais.

21. Todas essas experiências e iniciativas desenvolvidas no âmbito da produção familiar nas diversas regiões do País vêm sendo realizadas com um apoio muito restrito e pontual das políticas públicas do Estado brasileiro e, ao mesmo tempo, sendo alvo de violentas pressões por parte das forças do mercado e do capital. Isso tem dificultado o processo de disseminação e amplificação dessas ações, de maneira que se rompam com a fragmentação e o isolamento que as caracterizam até o momento. Porém, mesmo assim, é possível afirmar que nos espaços da agricultura familiar, dos assentamentos de Reforma Agrária, dos reassentamentos em função da construção de obras públicas, em particular as usinas hidroelétricas, e dos povos e populações tradicionais existe um outro projeto de futuro com vitalidades e potencialidades para se tornar uma alternativa sustentável para o desenvolvimento do Brasil rural.

22. O tema da sustentabilidade, entendido aqui nas suas múltiplas dimensões (social, econômica, ambiental, espacial, política e cultural), no caso do desenvolvimento rural, tem sido pautado principalmente pelos movimentos e organizações sociais, bem como pelas instituições governamentais de apoio à agricultura familiar. O aprofundamento desse debate no seio da sociedade brasileira é de amplo interesse das organizações da agricultura familiar, visto que essa discussão, em última instância, coloca em xeque os princípios e as diretrizes da estratégia hegemônica do capital globalizado. Portanto, cabe à agricultura familiar e aos demais setores da sociedade civil interessados no enraizamento social e na politização democrática dessa discussão, demonstrar a farsa da elite brasileira que pretende apresentar o agronegócio como um segmento econômico “eficiente”, “moderno”, “racional” e “competitivo”, em contraste aos setores considerados “atrasados” e “ineficientes”. Nesse sentido, torna-se necessário e urgente evidenciar o papel estratégico que os segmentos ligados à produção familiar no País podem vir a desempenhar no âmbito de um processo de construção de um projeto de desenvolvimento democrático e sustentável.

23. Assim, para se avançar na direção da sustentabilidade do desenvolvimento rural, é preciso que as políticas macroeconômicas, industriais, financeiras, comerciais e agrícolas, incorporem princípios, objetivos e critérios que garantam essa direção, pois a viabilidade

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desse segmento familiar está diretamente vinculada à estratégia de desenvolvimento do Brasil rural. Uma agricultura familiar sustentável não se alcança por meio de ações fragmentadas, isoladas e setorizadas, vindas de um determinado ator social ou mesmo de um segmento do poder público, nem se viabiliza unicamente a partir de iniciativas que partam de si mesma, ou seja, de seu interior e sem nenhum grau de articulação com as demais forças sociais, por mais fortes e atuantes que sejam os sujeitos políticos que a impulsionam. A sustentabilidade desse setor também não se garante pelo viés das políticas sociais compensatórias, isto é, a partir de seu caráter meramente funcional para o desenvolvimento do capital. Deve ser percebida, então, como parte estrutural de um novo projeto de desenvolvimento nacional e, por isso mesmo, depende significativamente de uma mudança radical das estruturas institucionais voltadas para a dinamização do desenvolvimento.

24. Por fim, cabe ressaltar que a implementação de uma nova estratégia de inserção da agricultura familiar coloca importantes desafios para as organizações sociais, em particular para a Fetraf-Sul/CUT, que têm se dedicado a construir uma visão multidimensional do desenvolvimento rural. Sem pretender apresentar uma lista de enfrentamentos que esgote o conjunto dos problemas existentes, os desafios apresentados abaixo conformam, acima de tudo, uma visão multifacetada e indissociável da própria construção desse modelo sustentável de desenvolvimento para o meio rural brasileiro.

IV. DESAFIOS ESTRATÉGICOS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

25. Os desafios estratégicos para a agricultura familiar devem levar em conta a multidimensionalidade dos papéis por ela desempenhados em nossa sociedade, ou seja, considerando-se sua dimensão política, econômica, tecnológica, social, territorial, ambiental e cultural.

26. O primeiro grande desafio estratégico para a agricultura familiar, diante desse quadro das correlações de forças, é o de se afirmar socialmente como um sujeito político capaz de se fazer representar e de defender seus interesses coletivos no cenário das forças sociais que disputam os rumos do projeto de desenvolvimento e de sociedade para o País. Esse desafio pressupõe uma avaliação que o poder hegemônico do agronegócio tende a

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perdurar, pelo menos, no médio prazo, e que, nesse sentido, a agricultura familiar continuará “remando contra a corrente”. Por isso, aponta-se na perspectiva de que a agricultura familiar deva se constituir num sujeito político com capilaridade social, representatividade e legitimidade, de maneira que, em conjunto com outros segmentos da população brasileira, tenha capacidade para forjar as condições necessárias à adoção de uma nova estratégia de desenvolvimento, que responda às demandas colocadas pela redução das desigualdades sociais, da pobreza e da fome, pela conservação dos recursos naturais, pela garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais e pela participação democrática na vida política. Isso implica na formação e consolidação de um campo político de forças sociais qualificadas para intervir na disputa de projetos na sociedade, que seja capaz, de um lado, de promover mudanças profundas nas estruturas e na cultura institucionais e, de outro, viabilizar a incorporação de diretrizes, objetivos e critérios de sustentabilidade nas políticas estruturantes e nos programas estratégicos dos governos.

27. Do ponto de vista econômico, o desafio central que precisa ser enfrentado pela agricultura familiar brasileira é a constituição de arranjos produtivos que articulem de forma integrada os processos de produção, beneficiamento, agroindustrialização, armazenagem e comercialização de produtos, permitindo-lhe condições mais favoráveis de resistência e de luta contra o processo de globalização atualmente em curso nas áreas rurais. Para tanto, a diversificação das atividades econômicas e dos sistemas de produção, a ampliação da produção de alimentos voltada para a garantia da segurança alimentar e nutricional, o fortalecimento das interrelações e da sinergia entre a economia agrícola e a economia dos setores industrial e de serviços, em especial nos municípios que dependem de resultados positivos nas atividades agropecuárias, a distribuição mais eqüitativa da estrutura fundiária, o acesso a políticas públicas que viabilizem as condições de permanência das famílias de agricultores em seus territórios e, principalmente, a superação da fragmentação e do isolamento das iniciativas econômicas tornam-se ações imprescindíveis para a construção de um projeto de desenvolvimento democrático e sustentável.

28. A consolidação de uma nova matriz tecnológica capaz de responder às novas e crescentes demandas sociais e ambientais apresenta-se como uma outra dimensão básica para uma mudança de estratégia de desenvolvimento rural fundada na agricultura familiar.

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Portanto, faz-se necessário revisar as agendas das instituições governamentais de pesquisa agropecuária e intensificar o desenvolvimento de pesquisas tecnológicas que compatibilizem o aumento da produtividade dos sistemas de produção típicos do setor familiar à garantia de fornecimento de alimentos sadios e de qualidade, ao manejo sustentável dos recursos naturais, bem como sua adequação às características sociais e às condições específicas de cada agroecossitema.

29. As soluções e inovações na área tecnológica deverão estar sintonizadas diretamente com a perspectiva ambiental, visto que a intensificação e a massificação das estratégias de conservação ambiental colocam-se como necessidades urgentes para minimizar as transformações em curso e que, em muitos casos, são irreversíveis. Assim, cabe à agricultura familiar lutar pela redução das causas geradoras das instabilidades que ameaçam o equilíbrio dos agroecossistemas e a riqueza da biodiversidade, pela ampliação dos mecanismos promotores de estratégias de conservação ambiental e pela eliminação do processo de erosão do patrimônio genético acumulado pelas populações locais.

30. O desafio fundamental que condensa as ações na área social deve estar focado na eliminação das desigualdades sociais (relacionadas à renda, gênero, etnia, idade etc.), buscando-se estimular processos de inclusão social que promovam a redução da pobreza rural e do processo de migração para os centros urbanos, e também a constituição de novas relações sociais que eliminem as diversas concepções e práticas coletivas reprodutoras das desigualdades, da discriminação e do preconceito social. Para isso, torna-se fundamental ampliar o acesso da agricultura familiar a serviços públicos e infra-estrutura voltados para a melhoria da qualidade de vida (educação, saúde, habitação, energia, saneamento, comunicação, transporte, lazer etc.).

31. Romper com a visão setorial e avançar na implementação de diretrizes, políticas e ações que fortaleçam dinâmicas estruturais e integradoras de desenvolvimento devem ser considerados com um desafio central tanto para as organizações sociais da agricultura familiar quanto para as instituições governamentais responsáveis pela formulação e implementação de políticas públicas do País. Nesse sentido, a valorização da dimensão territorial ou espacial do desenvolvimento é indispensável para a viabilização de mecanismos e instrumentos que assegurem o direito de acesso da agricultura familiar e das populações tradicionais a seus territórios e aos recursos naturais que dele fazem parte,

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o surgimento de articulações territoriais que busquem estabelecer uma agenda local de desenvolvimento e integrar as políticas públicas favoráveis ao fortalecimento dos espaços rurais, bem como para contribuir com a redução das desigualdades territoriais advindas do próprio processo de desenvolvimento. Ademais, reconhecer a importância dessa dimensão significa, inclusive, buscar construir também uma visão positiva de valorização do rural no imaginário coletivo das populações rurais e urbanas.

32. Por fim, mas não menos importante que as dimensões acima abordadas, é fundamental que esse projeto de desenvolvimento seja construído a partir da diversidade cultural, artística e simbólica das diversas identidades coletivas forjadas historicamente. Portanto, essa dimensão cultural deve valorizar as diversas formas de manifestação e expressão das culturas tradicionais de cada território ou grupo social, resgatando suas identidades culturais e preservando, assim, a riqueza e a diversidade do patrimônio cultural.

33. Cabe ainda ressaltar um último desafio, relacionado à transversalidade das ações: a articulação de ações que integrem, ainda que parcialmente, essas dimensões coloca-se hoje como uma das grandes demandas das organizações sociais interessadas efetivamente na transformação das relações sociais predominantes no meio rural brasileiro e, particularmente, na definição de um novo papel para a agricultura familiar no âmbito de uma estratégia sustentável e democrática de desenvolvimento para o País.

O crédito rural do Pronaf e os recentes instrumentos de política agrícola para a agricultura familiar

Sidemar Presotto Nunes

No início dos anos 90, que precedeu a criação do Pronaf, a agricultura brasileira passou por um processo que incrementou a abertura comercial, colocando os produtos brasileiros sob a concorrência do mercado internacional. Ao mesmo tempo em que o crédito rural se tornou escasso, foi desativada a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) e a inflação apresentava uma curva crescente. Era um cenário diferente do período que foi até início dos anos 80, quando o Estado Nacional desenvolveu sua política de modernização agrícola, baseada em crédito abundante e em investimentos em pesquisa e assistência técnica. Os agricultores familiares tinham pouco acesso ao crédito em virtude de sua escassez. Alguns governos estaduais desenvolveram programas de

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financiamento com pagamento em equivalência-produto, mas, para a maioria dos que necessitavam de empréstimos para financiar a produção agrícola, restavam os financiamentos particulares em empresas cerealistas, cooperativas etc. A inflação e os juros altos que não estimulavam o aumento da produção por parte dos agricultores familiares e a intensificação do processo de abertura comercial (principalmente ao Mercosul) corroíam a renda agrícola.

Com base nesse contexto, as organizações dos agricultores familiares (DNTR/CUT e Contag) reinvidicaram um programa de crédito específico, consolidando-se no Pronaf. O Fórum Sul dos Rurais da CUT realizou um seminário, em Chapecó, no ano de 1993, com o lema “Crédito de investimento – Uma luta que vale milhões de vidas”. O seminário indicou que o crédito seria a bandeira central do movimento sindical naquele momento, que poderia desencadear a conquista de outras políticas: assistência técnica, crédito fundiário, pesquisa, educação e formação profissional, infra-estrutura e habitação. De acordo com as resoluções do seminário, a proposta de crédito de investimento subsidiado para os agricultores tinha como objetivos: “recuperar e implementar a infra-estrutura necessária aos pequenos estabelecimentos rurais, redefinindo os seus sistemas de produção e capacitando-os para competirem com os produtores dos países do Mercosul; adequar o nível tecnológico utilizado, possibilitando a redução dos custos de produção e o aumento da qualidade e da produtividade agrícola; aumentar a produção de alimentos de forma a garantir a segurança alimentar do país; permitir o desenvolvimento de uma agricultura ecologicamente sustentável na conservação dos solos, águas e demais recursos naturais; e fixar os agricultores familiares no campo, evitando o êxodo rural”1.

Por parte do governo federal, que implementou o Pronaf, a justificativa estava muito próxima da colocada pelas organizações sociais, até porque foram as organizações sociais que forçaram e pautaram a agenda do governo, não somente a criação do programa, mas também parte das mudanças que ocorreram nos anos subseqüentes à implantação do Pronaf.

O Pronaf se propõe a fortalecer a agricultura familiar como categoria social, mediante apoio financeiro (financiamento para custeio e investimento de atividades agrícolas), capacitação e apoio à infra-estrutura social e econômica dos territórios rurais fortemente caracterizados pela agricultura familiar. Embora seja um programa de fortalecimento da agricultura familiar, a maior parte de seus esforços e resultados estiveram concentrados no 1 Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais – DESER. Cartilha do Pronaf. Curitiba, 2000.

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crédito desde a sua criação. Entretanto, cabe destacar que, nos três últimos anos, o governo federal passou a desenvolver novas ações, principalmente na área de comercialização (estoques, compras, garantia de preços mínimos), assistência técnica e extensão rural e seguro agrícola.

Atualmente, o público-alvo do programa são os agricultores familiares que possuem as seguintes características:

a) possuem parte da renda familiar proveniente da atividade agropecuária, variando de acordo com o grupo em que o beneficiário se classifica (30% no grupo B, 60% no grupo C, 70% no grupo D e 80% no grupo E);

b) detêm ou exploram estabelecimentos com área de até quatro módulos fiscais, ou até seis módulos quando se tratar de atividade pecuária;

c) exploram a terra na condição de proprietário, meeiro, parceiro ou arrendatário;

d) utilizam mão-de-obra predominantemente familiar;

e) residem no imóvel ou em aglomerado rural ou urbano próximo;

f) possuem renda bruta familiar de até R$ 60 mil por ano;

g) pescadores artesanais, pequenos extrativistas e pequenos aqüicultores se incluem no público-alvo do Pronaf.

Ao longo dos anos, foram criados novos grupos dentro do Pronaf, com o objetivo de melhor atender os diferentes contextos sociais e a heterogeneidade de público que pode ser apoiada pelo crédito do programa. Além disso, as rendas para enquadramento e os valores-limite de financiamento foram sendo atualizados. O Quadro 1 apresenta as condições de enquadramento ao crédito para custeio na atual safra agrícola (2006/07).

Quadro 1 – Limites de enquadramento e de financiamento para Custeio, de acordo com os grupos do Pronaf (Safra 2006/07) Grupo Renda enquadramento Limite financiamento

Custeio A/C Primeiro crédito de custeio para assentados do Programa

Nacional de Reforma Agrária e beneficiários do Programa de Crédito Fundiário

R$ 3.000,00

C R$ 16.000,00 R$ 4.000,00 D R$ 45.000,00 R$ 8.000,00

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E R$ 80.000,00 R$ 28.000,00 Fonte: MDA/SAF (2006). Elaboração: DESER.

Considerando-se os limites de renda bruta e do valor financiado por grupo ou do valor do financiamento do Pronaf em relação ao VBP da agricultura familiar, verifica-se que o crédito do Pronaf financia parcialmente a agricultura familiar. Por exemplo, no grupo D, os limites da renda bruta variam entre R$ 16 mil e R$ 45 mil e o limite de financiamento para esse grupo é de R$ 8 mil. Considerando que o beneficiário tomaria o valor limite (R$ 8 mil), os custos de produção deveriam ser de, no máximo, 50% no caso de menor renda bruta e 17,7% no de maior. Como normalmente os custos variáveis de produção tendem a ficar bem acima desses percentuais, os agricultores lançam mão do autofinanciamento ou entram em outras fontes de financiamento. Quadro 2 – Limites de enquadramento e de financiamento para Investimento, de acordo com os grupos do Pronaf (Safra 2006/07) Grupo Renda enquadramento Limite financiamento Investimento A Assentados do Programa Nacional de

Reforma Agrária e beneficiários do Programa de Crédito Fundiário

R$ 16.500,00 R$ 18.000,00 com ATER

B Até R$ 3.000,00 Até R$ 4.000,00, com bônus de adimplência de 25% em cada operação de até R$ 1.500,00

C R$ 16.000,00 R$ 1.500,00 a R$ 6.000,00 D R$ 45.000,00 R$ 18.000,00 E R$ 80.000,00 R$ 36.000,00 Fonte: MDA/SAF (2006). Elaboração: DESER.

O crédito para investimento foi uma das primeiras demandas das organizações sociais do campo, pois se pressupunha que os agricultores não possuíam infra-estrutura produtiva adequada. O crédito para investimento possui um nível de subsídio maior do que o de custeio, principalmente no grupo A, B e C.

Nos primeiros anos do Pronaf, o financiamento para investimento foi pouco utilizado. A ampliação do número de contratos aconteceu nesses últimos anos, principalmente com a incorporação e ampliação do Pronaf B como uma linha de crédito destinada a investimento. Em virtude de que muitos projetos eram colocados em execução sem um devido planejamento, as organizações sociais passaram a cobrar que o governo dispusesse de assistência técnica aos projetos. A solução encontrada pelo governo foi ampliar o limite de crédito, sem reembolso, com vistas a possibilitar que a iniciativa privada cobrisse essa lacuna. Entretanto, a assistência técnica continua sendo um problema não inteiramente resolvido, já que muitos projetos não são acompanhados.

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O Grupo E do Pronaf é o mais recente, tendo sido criado na safra 2003/04, no início do governo Lula. Já o grupo A constituía um programa específico, o Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (Procera), e foi incorporado ao Pronaf. Nos anos seguintes, os beneficiários dos programas de crédito fundiário também passaram a poder se utilizar dessa linha.

Tabela 1 - Valores aplicados e Anunciados no PRONAF (R$ mil) a partir da safra 1999/2000 Ano-Safra Valor

programado Valor Aplicado Aplicado/ programado (%)

Valor aplicado deflacionado IGP-DI*

1999/2000 3.460.000 2.149.434 62,1 4.025.588.612 2000/01 4.040.000 2.168.486 53,7 3.698.567.518 2001/02 4.196.000 2.189.275 52,2 3.382.361.863 2002/03 4.190.000 2.376.465 56,7 2.904.474.769 2003/04 5.400.000 4.490.478 83,2 5.097.087.664 2004/05 7.000.000 6.131.600 87,6 6.206.681.072 2005/06 9.000.000 7.579.669 84,2 7.579.669.303 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário – Secretaria da Agricultura Familiar. * IGP-DI calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Considerou-se o índice do último dia do ano-safra (31/12/1996, por exemplo). Elaboração: Deser

Após um período de ampliação do número de contratos e dos valores contratados, a partir da safra 1999/00, iniciou-se um processo de estagnação. Se forem deflacionados os valores aplicados, conclui-se que houve até uma redução. Isso aconteceu por dois motivos: a dificuldade do programa em ampliar para outras regiões, principalmente ao Nordeste do País e ao fato de que o financiamento da fumicultura passou a ser proibido, obrigando os fumicultores e as indústrias fumageiras a buscar outras fontes a juros mais elevados. A Tabela 1 apresenta a evolução dos valores programados e efetivamente aplicados através do Pronaf, a partir da safra 1999/2000.

Embora seja um programa nacional, nos primeiros anos a maior parte dos recursos do Pronaf foi aplicada no Sul do país, devido a um conjunto de motivos: os agricultores familiares eram mais integrados aos mercados e dependiam da aquisição de insumos agrícolas para garantir a produção; a estrutura de divulgação e operacionalização montada pela assistência técnica oficial e pelo movimento sindical; a pressão do movimento sindical junto ao governo e aos bancos; a existência de uma rede bancária bem mais distribuída pelos municípios em relação às demais regiões; a existência da assistência técnica pública na maioria dos municípios (Emater e Epagri); o surgimento do

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cooperativismo de crédito; a fonte de recursos (Tesouro Nacional) que garantia maior facilidade para operacionalizar os financiamentos e o fato das empresas integradoras de fumo (nos anos em que o Pronaf financiou essa atividade), avalizarem os financiamentos, facilitando as operações de crédito etc. Quadro 3 – Brasil: Contratos de crédito rural contratados através do Pronaf por estado e regiões brasileiras, classificados de acordo com o nível de participação no total contratado na safra 2005/06

Estado/ região 2000/01 2001/2002 2002/2003 2003/2004 2004/2005 2005/2006 RS 285.169 270.593 252.886 270.037 354.078 343.680MG 63.589 82.435 76.907 134.799 161.879 222.117PR 116.178 108.888 101.616 129.234 169.246 162.902BA 57.239 87.424 77.994 128.947 126.545 155.631SC 126.037 108.176 80.507 100.900 154.988 124.238MA 23.192 29.605 36.726 68.834 68.933 119.039PI 25.929 29.176 36.515 66.447 78.848 103.930CE 16.591 24.333 26.844 71.796 69.747 101.371PE 14.721 6.290 12.633 37.703 48.943 91.409RN 8.321 14.916 27.780 70.144 71.196 84.774PB 11.803 14.062 14.041 39.584 32.957 59.203SE 22.807 36.065 29.397 36.275 37.247 51.657AL 16.357 22.469 23.665 26.015 28.444 42.078PA 5.937 2.590 8.984 37.203 39.467 40.093GO 8.791 10.102 12.782 26.095 32.296 38.526ES 24.184 24.216 21.214 29.600 33.697 38.381SP 14.686 14.768 15.706 24.400 31.823 33.413RO 22.809 15.437 18.554 29.375 32.418 28.799MT 10.727 14.696 12.849 19.627 16.394 22.166TO 2.866 3.800 4.564 10.838 8.803 13.158RJ 4.214 4.060 4.531 5.841 9.170 10.029MS 9.117 6.220 4.342 11.893 8.787 6.479AC 1.162 1.372 2.315 7.101 8.360 6.423AM 169 715 540 5.232 7.172 5.773RR 10 165 102 923 2.099 1.865AP 128 177 86 1.057 1.272 871DF 308 177 131 266 227 272

Brasil 893.112 932.927 904.214 1.390.168 1.635.050 1.908.277Nordeste 196.960 264.340 285.595 545.745 562.860 809.092

Sul 527.384 487.657 435.009 500.171 678.312 630.820Sudeste 106.673 125.479 118.358 194.640 236.569 303.940Norte 33.081 24.256 35.145 91.729 99.591 96.982

Centro-Oeste 28.943 31.195 30.104 57.881 57.704 67.443Fonte: MDA/SAF (2006). Elaboração: DESER.

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O Rio Grande do Sul foi o estado brasileiro que na safra 2005/06 mais concentrou contratos do Pronaf, 343 mil, só menos que duas regiões brasileiras: o Sul, a qual pertence, e ao Nordeste. Entretanto, não se trata de uma posição conquistada recentemente, pois desde o início do Pronaf esse estado sempre liderou, tanto em número de contratos quanto em valores aplicados. Logo em seguida, com mais de 100 mil contratos aplicados na safra 2005/06, aparecem Minas Gerais (222 mil), Paraná (162 mil), Bahia (155 mil), Santa Catarina (124 mil), Maranhão (119 mil), Piauí (103 mil) e Ceará (101 mil).

Quadro 4 – Brasil: volume de crédito rural contratados através do Pronaf por estado e regiões brasileiras, classificados de acordo com o nível de participação no total contratado na safra 2005/06.

Estado 2000/01 2001/2002 2002/2003 2003/2004 2004/2005 2005/2006 RS 547.624.808 600.963.627 650.599.889 949.608.195 1.350.093.570 1.399.822.482MG 183.513.909 214.761.028 224.077.042 470.370.791 629.321.795 956.711.778PR 313.792.156 302.544.956 304.924.922 546.672.189 797.309.169 827.328.561SC 283.296.649 274.526.985 250.177.460 428.887.442 739.687.929 701.464.944BA 128.534.491 111.469.133 125.629.086 251.333.065 328.870.569 435.893.647MA 46.040.078 41.677.989 51.090.746 121.525.797 175.744.049 369.117.719PA 26.468.998 15.781.684 76.462.391 228.226.113 276.414.929 347.992.456GO 42.903.920 56.422.729 57.224.605 142.963.131 214.528.097 281.573.443SP 64.116.663 71.106.951 73.292.042 155.304.356 212.607.061 260.265.166CE 50.735.782 28.551.671 28.293.653 102.557.846 134.461.685 223.194.326MT 66.508.931 117.327.634 103.878.733 118.933.066 108.508.472 206.780.129PE 54.564.650 13.719.333 22.958.582 64.662.770 98.626.982 205.048.436ES 73.099.559 70.656.509 69.144.005 124.040.076 156.932.045 201.615.572PI 36.016.466 29.045.259 37.948.990 99.654.282 138.939.174 192.865.974

RN 32.486.911 21.198.225 35.518.477 97.182.775 108.503.655 168.497.735RO 61.375.976 49.248.982 73.976.061 177.984.942 190.431.317 164.037.749PB 22.691.296 16.032.571 14.796.121 49.889.915 77.496.130 141.516.979SE 31.198.337 35.026.765 39.648.623 62.700.111 78.157.728 123.790.532TO 15.798.477 22.730.736 36.379.806 89.884.593 76.395.747 97.469.480AL 28.395.765 29.753.783 37.210.556 38.455.716 56.121.489 92.778.147RJ 20.085.246 18.906.496 23.386.544 33.497.820 53.048.335 57.990.887MS 34.851.514 34.765.724 24.923.074 82.038.543 57.218.322 42.594.522AC 1.506.812 5.078.414 7.315.051 21.958.507 30.347.510 29.532.259RR 54.271 1.325.632 978.549 4.550.129 10.070.810 22.624.005AM 504.677 4.515.506 5.102.392 22.576.908 24.562.589 20.107.906AP 990.858 1.424.234 866.908 4.014.444 5.938.432 5.134.739DF 1.183.775 712.524 637.363 987.404 1.008.854 1.388.962

Brasil 2.168.486.229 2.189.275.084 2.376.465.864 4.490.478.228 6.131.562.851 7.577.138.533Sul 1.144.713.613 1.178.035.568 1.205.702.271 1.925.167.826 2.887.090.668 2.928.615.987

Nordeste 430.663.776 326.474.730 393.094.834 887.962.277 1.196.921.460 1.952.703.494Sudeste 340.815.378 375.430.984 389.899.633 783.213.043 1.051.909.236 1.476.583.402

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Norte 106.700.069 100.105.190 201.081.157 549.195.635 614.161.335 686.898.593

Centro-Oeste 145.448.141 209.228.611 186.663.776 344.922.144 381.263.745 532.337.056Fonte: MDA/SAF (2006). Elaboração: DESER.

Se, de um lado, a região Sul do Brasil ainda concentra a maior parte dos recursos, de outro lado, em termos de número de contratos, com 42% do total, a região Nordeste atualmente é a mais importante, contra 33% do Sul. Isso porque o Pronaf B, cujos valores são menores, evoluiu bastante nessa região, foram realizados aproximadamente 300 mil contratos somente na última safra em relação à que precedeu. O Sudeste, com pouco mais de 15%, ocupa a terceira posição nesse quesito. A região Norte concentra 5,1% dos contratos e o Centro-Oeste, 3,5%.

A região Sul do Brasil ainda é a que recebe a maior quantidade de financiamento do Pronaf, 38,7% do total. No entanto, o Sul, que já respondeu por mais de 60% dos recursos do Pronaf nos primeiros anos do programa, tem perdido em importância relativa para outras regiões. A região Nordeste é a que mais tem crescido em importância, ocupando o segundo lugar em termos de valores contratados, com 25,7%. As demais regiões (Norte, Centro-Oeste e Sudeste) mantiveram-se praticamente estáveis no que se refere a esse quesito, mas a região Sudeste concentra bem mais recursos que as outras duas, 19,5% do total. A evolução dos valores contratados de cada estado brasileiro a partir da safra 2000/01 pode ser verificada no Quadro 4.

A concentração dos recursos do Pronaf pode ser encontrada também internamente às regiões. Atualmente, na safra 2005/06, o Rio Grande do Sul foi o estado brasileiro que mais recebeu, R$ 1,4 bilhão. Essa quantidade é praticamente igual ao que receberam as regiões Norte e Centro-Oeste, juntas. Logo em seguida, com R$ 935 milhões, aparecem Minas Gerais, Paraná (R$ 827 milhões), Santa Catarina (R$ 701 milhões), Bahia (R$ 435 milhões), Maranhão (R$ 369 milhões) e Pará (R$ 347 milhões).

Verifica-se que, após três anos de ampliação do número de contratos, principalmente aos agricultores mais pobres e das regiões Norte e Nordeste do Brasil, não há muito mais que se avançar nessa direção. Na safra 2005/06 foram aplicados R$ 1,95 bilhão em 809 mil contratos na região Nordeste do Brasil, contra R$ 393 milhões e 285 mil contratos há três anos atrás. Os valores médios dos contratos ficaram em R$ 1,37 mil e R$ 2,41 mil, respectivamente (valores nominais, sem deflacionar). As garantias do governo federal ao Pronaf B, que assumiu os riscos dos financiamentos, foram fundamentais para isso.

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De outro lado, na região Sul do Brasil, os valores contratados na safra 2005/06 foram praticamente semelhantes aos da safra anterior (R$ 2,88 bilhões e R$ 2,92 bilhões, respectivamente). Já no que se refere ao número de contratos, houve uma pequena redução, passando de 678 mil para 630 mil. Isso pode ter acontecido devido a alguns motivos: as subseqüentes estiagens, a queda do preço das commodities agrícolas e o fato de que uma grande parte dos agricultores já contraiu financiamento para investimento, o que pode impossibilitar a contratação de um novo empréstimo por um certo período.

Quadro 5 – Brasil: número de contratos e valores do Pronaf, segundo o grupo de enquadramento

Contratos Valor Ano Agrícola

Enquadramento Número % R$ % Exigibilidade Bancária (sem enquadramento) 51.226 29,4 101.620.899,49 24,4Grupo A 29.479 16,9 37.162.334,58 8,9Grupo C 13.522 7,8 17.693.225,47 4,2Grupo D 80.059 45,9 259.892.094,29 62,4

1998/1999 TOTAL 174.286 100,0 416.368.554 100,0

Exigibilidade Bancária (sem enquadramento) 11.848 1,3 39.204.820,64 1,6Grupo A 46.823 5,2 461.863.398,45 19,4Grupo A/C 10.670 1,2 19.598.184,72 0,8Grupo B 139.760 15,5 69.838.802,76 2,9Grupo C 421.272 46,6 690.376.242,18 29,1Grupo D 273.841 30,3 1.095.584.415,32 46,1

2002/2003 TOTAL 904.214 100,0 2.376.465.864 100,0

Exigibilidade Bancária (sem enquadramento) 98.039 6,0 508.444.730 8,3Grupo A 35.661 2,2 455.470.231 7,4Grupo A/C 17.384 1,1 44.819.837 0,7Agroindústria Familiar 4 0,0 50.050 0,0Grupo B 358.456 21,9 358.593.958 5,8Grupo C 621.961 38,0 1.453.795.050 23,7Grupo D 366.025 22,4 2.285.273.233 37,3Grupo E 51.878 3,2 697.164.053 11,4Mini-produtores 85.643 5,2 327.989.790 5,3

2004/2005 TOTAL 1.635.051 100,0 6.131.600.933 100,0

Exigibilidade Bancária (sem enquadramento) 194.509 10,2 931.802.134,33 12,3Grupo A 35.849 1,9 560.973.949,08 7,4Grupo A/ C 16.388 0,9 42.345.035,31 0,6Agroindústria Familiar 76 0,0 849.364,90 0,0Grupo B 557.862 29,2 559.628.575,80 7,4

2005/2006

Grupo C 633.481 33,2 1.726.354.939,98 22,8

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Grupo D 399.692 20,9 2.733.834.641,72 36,1Grupo E 70.520 3,7 1.019.002.583,32 13,4Identificado/ Não Registrado 51 0,0 4.878.078,47 0,1TOTAL 1.908.428 100,0 7.579.669.302,91 100,0

Fonte: MDA/SAF (2006). Elaboração: DESER.

No que se refere aos grupos de enquadramento no Pronaf, a maior parte dos contratos realizados na safra 2005/06 pertence ao grupo C (33,2%), seguido do grupo B (29,2%). Verifica-se que o Pronaf C sempre foi o mais importante em termos de números de contratos, mas tem perdido em importância para o grupo B, na medida em que esse foi sendo ampliado. Já no que se refere aos valores aplicados, o grupo D do Pronaf, que inclui os agricultores que possuem maiores níveis de renda, é o que ainda concentra a maior parte dos recursos do Pronaf (36,1%). Em seguida, aparecem o grupo C (22,8%), o grupo E (13,4%) e a exigibilidade bancária (sem enquadramento (12,3%). O grupo B, apesar da importância no número de contratos, responde por apenas 7,4% dos recursos aplicados, mesmo percentual do grupo A. Quadro 6 – Brasil: evolução do número de contratos e valores do Pronaf, segundo a modalidade (custeio e investimento)

CUSTEIO INVESTIMENTO Ano Contratos Valor Contratos Valor

Número Var. % R$

Var. % Número

Var. % R$

Var. %

1999/2000 734.267 - 1.357.617.395,93 - 192.155 - 791.817.070,21 -2000/2001 745.011 1,5 1.451.547.952,70 6,9 148.101 -22,9 716.938.275,81 -9,52001/2002 688.792 -7,5 1.332.601.858,03 -8,2 244.135 64,8 856.673.225,61 19,52002/2003 656.489 -4,7 1.393.572.429,56 4,6 247.725 1,5 982.893.434,52 14,72003/2004 914.970 39,4 2.566.026.696,46 84,1 475.198 91,8 1.924.451.531,79 95,82004/2005 1.083.129 18,4 3.799.068.576,15 48,05 551.922 16 2.332.532.357,25 21,22005/2006 1.076.861 0 4.087.016.880,36 7,5 831.562 50,8 3.492.565.006,92 49,7Fonte: MDA/SAF (2006). Elaboração: DESER.

No que se refere à modalidade do crédito, verifica-se que na última safra houve uma ampliação bastante grande dos contratos de investimento, como o que ocorreu na safra 2003/04. Isso ocorreu devido às diferentes formas de estímulo ao crédito de investimento, como a assistência técnica, mas principalmente devido à ampliação do Pronaf B, que é considerado um crédito de investimento.

Considerações finais

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Alguns avanços foram conquistados pelo Pronaf desde sua criação: a) o aumento do volume de recursos repassados aos agricultores familiares, que passou de R$ 89 milhões2 em 1995 para R$ 7,5 bilhões em 2005/06; b) o número de contratos que no mesmo período passou de 33.227 para mais de 1,9 milhão, c) a diminuição progressiva dos encargos e elevação dos níveis de subsídios, inclusive sobre o capital (os juros passaram de 16% ao ano para 4%, rebate nos grupos de baixa renda – A, B e C); d) a criação do grupo B, que visa financiar o investimento a agricultores de baixa renda e a criação de mecanismos para efetivamente atendê-los; e) a nacionalização do Pronaf, ampliando a atuação ao Nordeste e Norte; f) a criação do seguro agrícola (Garantia-Safra e Proagro Mais); g) a criação do seguro de preços da agricultura familiar. Outros importantes avanços do programa podem ser considerados: a articulação do crédito a outras políticas (garantias de compra, aquisição da agricultura familiar, Programa Fome Zero, etc.); a estruturação de uma política de assistência técnica e extensão rural; a criação de linhas específicas de financiamento (jovens, mulheres, agroecologia, etc.), apesar das dificuldades de operacionalização; a identificação da estrutura das cadeias produtivas da agricultura familiar em nível nacional, no sentido de desenvolver ações específicas para apoiá-las na inserção no mercado.

O Plano de Safra 2006/07 manteve, em linhas gerais, as condições de anos anteriores. Exceto para a comercialização, foram mantidas as taxas de juros aplicadas em anos anteriores. As novidades são a ampliação dos tetos de financiamento para os grupos C e D e dos limites de enquadramento nos diversos grupos. Isso permitirá que os agricultores possam financiar uma maior parte de seus cultivos com recursos públicos sem a necessidade de mudar de grupo de enquadramento, além de incorporar ao Pronaf mais um certo número de agricultores através do grupo E, que teve o limite de enquadramento ampliado para R$ 80 mil.

2 Referente ao ano fiscal.

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Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF) é regulamentado e valor do bônus começa a ser divulgado a partir de março de 2007.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentou, em 21 de dezembro de 2006, através da Resolução nº 3.436, o Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF). O programa, que foi divulgado pelo governo federal em outubro de 2006, sob o nome provisório de Seguro de Preços da Agricultura Familiar, contribuirá para garantir uma maior estabilidade à atividade agrícola. Trata-se de um instrumento de política agrícola que há muito tempo vem sendo reivindicado pelas organizações da agricultura familiar. A resolução do CMN permitirá que os agentes financeiros possam conceder bônus de desconto às operações de crédito de custeio do Pronaf contratados a partir da safra agrícola 2006/07, sempre que o preço de comercialização dos produtos agrícolas estiver abaixo do preço de garantia anual estabelecido no PGPAF. O bônus será calculado com base na diferença entre um preço de referência (custo variável de produção, definido nas regiões de produção da agricultura familiar, mais ou menos 10%, dependendo do objetivo governamental de estimular ou desestimular a produção de um referido produto agrícola) e o preço de mercado (o anexo 2 demonstra como o cálculo dos custos será feito). Na atual safra agrícola, os agricultores poderão receber bônus sobre o valor financiado nos seguintes produtos agrícolas: arroz, feijão, milho, mandioca, soja e leite. O Ministério do Desenvolvimento Agrário informou que outros produtos agrícolas poderão ser incluídos no programa na próxima safra agrícola e que não haverá nenhuma mudança nos procedimentos para obtenção dos créditos do Pronaf no sistema bancário. Com relação ao período de solicitação do PGPAF, a resolução do CMN afirma, em seu artigo IX, que “até a safra 2007/2008 estão admitidas antecipações na liquidação das operações de Pronaf Custeio, com direito ao bônus de desconto, independentemente da data de vencimento dos contratos, desde que a liquidação ocorra após o início do período de colheita da atividade financiada na respectiva unidade da Federação, sendo que, a partir da safra 2008/2009, para ter direito ao bônus de garantia de preços, a antecipação da quitação dos contratos não poderá ser superior a trinta dias”. O governo federal divulgará mensalmente, a partir de março de 2007, através do Diário Oficial da União, o valor do bônus que poderá ser concedido pelos agentes financeiros de acordo com o produto agrícola financiado e a região (que varia de acordo com cada produto). Outras informações acerca do programa constam na Resolução 3.436, que se encontra no anexo 1. A partir da safra 2006/07, portanto, os agricultores poderão utilizar dois instrumentos de política agrícola contra perdas provocadas pelo clima e pelo mercado. Se as perdas forem provocadas pelas condições climáticas, os agricultores poderão solicitar o amparo do Proagro e Proagro Mais. Se as perdas forem devido às condições de mercado, os

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agricultores poderão utilizar o PGPAF, cujo bônus é limitado à R$ 3.500 por beneficiário. Caso as perdas sejam devido à condições climáticas e de mercado, os agricultores deverão encaminhar primeiro a solicitação de pedido de Proagro e aguardar o resultado da solicitação. Caso a indenização seja total, não haverá mais condições de recorrer ao PGPAF, mas se ela for parcial, os agricultores poderão solicitar bônus sobre o valor restante do financiamento através do PGPAF. Apresentam-se, a seguir, três simulações sobre situações em que os agricultores podem recorrer ao PGPAF, ao Proagro ou aos dois programas simultaneamente. Cabe ressaltar que, caso o preço de mercado de um determinado produto agrícola esteja acima do preço do PGPAF, o agricultor efetuará o valor integral do financiamento, não incorrendo em nenhum procedimento adicional. Caso esteja sujeito ao bônus, a agência bancária estará informada e efetuará o desconto no valor do financiamento a ser pago. A resolução do CMN não faz referência sobre a possibilidade ou não de incluir os encargos financeiros (juros) no cálculo do Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar. Situação 1: O agricultor toma R$ 5.300,00 de empréstimo do Pronaf para o cultivo de feijão e, no ato do pagamento, o preço de mercado está abaixo do preço do PGPAF. Valor do empréstimo do Pronaf R$ 5.300 Preço do feijão no PGPAF R$ 53,00 Conversão (simbólica) do financiamento em sacas de feijão 100 Diferença entre preço PGPAF e preço no mercado R$ 20,00/ saca Valor do rebate 100 sacas x R$ 20,00/ saca =

R$ 2.000,00 Valor a ser pago R$ 3.300,00 Situação 2: O agricultor toma R$ 5.300,00 de empréstimo do Pronaf para o cultivo de feijão. Problemas climáticos afetam a produção e o preço de mercado se encontra abaixo do preço do PGPAF. O agricultor recorre ao Proagro e recebe indenização total. Valor do empréstimo do Pronaf R$ 5.300 Indenização Proagro R$ 5.300 Direito ao PGPAF? Não OBS: além da indenização do valor financiado, os agricultores podem receber o benefício do Proagro Mais, equivalente à 65% da renda líquida prevista e limitado à R$ 1.800 por beneficiário.

Situação 3: O agricultor toma R$ 5.300,00 de empréstimo do Pronaf para o cultivo de feijão. Problemas climáticos afetam a produção e o preço de mercado se encontra abaixo do

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preço do PGPAF. O agricultor recorre ao Proagro, recebe indenização parcial e, em seguida, acessa o PGPAF. Valor do empréstimo do Pronaf R$ 5.300 Valor da indenização Proagro R$ 3.300 Valor da dívida Pronaf R$ 2.000 Preço do feijão no PGPAF R$ 53,00 Conversão (simbólica) da dívida restante em sacas de feijão 37,73 Diferença entre preço PGPAF e preço no mercado R$ 20,00/ saca Valor do rebate 37,73 sacas x R$ 20,00/ saca =

R$ 754,60 Valor a ser pago R$ 1.245,40

.

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ANEXO 1

RESOLUCAO 3.436 ---------------

Dispõe sobre a garantia de preços nos financiamentos de custeio de arroz, feijão, milho, mandioca, soja e leite, concedidos no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar (Pronaf).

O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do art. 9º da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada em 21 de dezembro de 2006, tendo em vista as disposições dos arts. 4º, inciso VI, da referida lei, 4º e 14 da Lei 4.829, de 5 de novembro de 1965, 18 da Lei 11.322, de 13 de julho de 2006, com as alterações dadas pela Lei 11.420, de 20 de dezembro de 2006, e 5º do Decreto 5.996, de 20 de

dezembro de 2006,

R E S O L V E U :

Art. 1º Os agentes financeiros podem conceder bônus de desconto aos mutuários de operações de crédito de custeio, contratados a partir da safra 2006/2007, no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), para as culturas de arroz, feijão, milho, mandioca, soja e leite, sempre que o preço de comercialização dos produtos estiver abaixo do preço de garantia definido anualmente, de que trata o Programa de Garantia de Preços para Agricultura Familiar (PGPAF), conforme disposto no art. 13 da Lei 11.322, de 13 de julho de 2006, com a redação dada pela Lei 11.420, de 20 de dezembro de 2006, e no Decreto 5.996, de 20 de

dezembro de 2006, observadas as seguintes condições:

I - para a safra 2006/2007, o bônus de desconto para:

a) os produtores de leite, será o mesmo estabelecido para o milho;

b) o feijão macaçar, será estabelecido pela variação entre os preços de garantia e de mercado utilizados para o feijão anão em

cada unidade da Federação;

c) o arroz longo, será estabelecido pela variação entre os preços de garantia e de mercado adotados para o arroz longo fino em

cada unidade da Federação;

II - quando se tratar de lavouras consorciadas, relativas às culturas contempladas pelo PGPAF, o bônus de garantia de preços deve ser calculado por cultura, de acordo com a sua proporção no

financiamento;

III - o preço de garantia dos produtos abrangidos pela PGPAF para cada ano agrícola, que não pode ser inferior ao preço mínimo fixado para o respectivo produto, será apurado com base no

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custo variável de produção médio regional, conforme metodologia definida pelo Comitê Gestor do PGPAF, acrescido ou decrescido de até dez pontos percentuais, com vistas a estimular ou a desestimular a produção de determinado produto em função dos estoques reguladores e

das condições socioeconômicas dos agricultores familiares;

IV - será definido preço de garantia para cada produto e para cada uma das regiões do PGPAF, as quais são coincidentes com as regiões definidas pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM);

V - com relação à metodologia vinculada ao PGPAF e à

divulgação de preços e bônus:

a) o custo de produção de cada produto contemplado pelo programa será levantado com base nos custos médios regionais, considerando a utilização de tecnologias comuns empregadas pelos agricultores familiares, conforme metodologia definida pelo Comitê

Gestor do PGPAF;

b) o levantamento dos preços de mercado dos produtos contemplado pelo PGPAF será realizado mensalmente em cada uma das unidades da Federação onde existam financiamentos do Pronaf para o produto em referência, estabelecendo-se que o preço de mercado estadual será definido pela média dos preços recebidos pelos agricultores no estado, ponderado de acordo com a participação das principais praças de comercialização do produto na respectiva unidade

da federação;

c) cabe à entidade incumbida dos levantamentos previstos nas alíneas "a" e "b" informar a Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA), até o terceiro dia útil de cada mês, os preços médios mensais de mercado para cada um dos produtos da PGPAF, bem como os percentuais de desconto a serem concedidos por produto e por unidade da Federação para o referido

mês; e

d) os percentuais do bônus de desconto no financiamento por produto e por unidade da Federação serão informados pela SAF/MDA aos agentes financeiros e à Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, até o quarto dia útil de cada mês, devendo ser publicados

pela SAF/MDA no Diário Oficial da União;

VI - o percentual de desconto (bônus de garantia de preços) nos financiamentos terá validade entre o dia dez de cada mês e o dia nove do mês subseqüente, e será calculado com base na diferença entre os preços de garantia regionais definidos para o ano e os preços

médios recebidos em cada unidade da Federação no mês anterior;

VII - os bônus de garantia de preços da safra 2006/2007 serão divulgados a partir de março de 2007, com base nos preços de mercado praticados em fevereiro do mesmo ano, estabelecendo-se que os bônus de garantia de preços serão divulgados somente após o período

de colheita de cada produto em cada unidade da Federação;

VIII - o bônus de desconto (garantia de preço), representativo da diferença entre os preços de garantia definidos

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anualmente e os preços de comercialização praticados no período considerado, será expresso em percentual e aplicado sob forma de desconto sobre o saldo devedor dos financiamentos relativos a cada um dos empreendimentos contemplados pelo PGPAF que forem amortizados ou liquidados até o vencimento originalmente pactuado, observando-se

que:

a) no caso de empreendimento com cobertura parcial ou total às expensas do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) ou do "Proagro Mais", o bônus incidirá sobre o saldo

devedor após a dedução do valor da respectiva indenização;

b) o bônus não será concedido sobre o saldo devedor inadimplido ou prorrogado;

IX - até a safra 2007/2008 estão admitidas antecipações na liquidação das operações de Pronaf Custeio, com direito ao bônus de desconto, independentemente da data de vencimento dos contratos, desde que a liquidação ocorra após o início do período de colheita da atividade financiada na respectiva unidade da Federação, sendo que, a partir da safra 2008/2009, para ter direito ao bônus de garantia de preços, a antecipação da quitação dos contratos não poderá ser

superior a trinta dias;

X - não terá direito ao bônus de garantia de preço, o empreendimento objeto de recurso à Comissão Especial de Recursos

(CER) do Proagro;

XI - nas operações formalizadas com mutuários enquadrados nos Grupos "A/C" e "C" do Pronaf, as instituições financeiras podem conceder o desconto relativo ao bônus de garantia de preço sobre o total do saldo devedor da operação amortizada ou liquidada até a data do vencimento, sem prejuízo da concessão do bônus de adimplência na

forma regulamentar (MCR 10-4-6); e

XII - o valor do bônus de garantia de preços, em todo o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), fica limitado a R$3.500,00 (três mil e quinhentos reais), por agricultor familiar, em cada ano agrícola, compreendido de 1º de julho a 30 de junho do ano

subseqüente.

Art. 2º Os preços de garantia para cada produto e região do PGPAF para o ano agrícola 2006/2007, são:

--------------------------------------------------------------------- |pro- |Regiões| Regiões|Preços de | Estados integrantes da região | |dutos | para | do |Garantia do| para o Programa de Garantia | | | o | PGPM |PGPAF para | de Preços para a Agricultura | | | PGPAF | |a safra | Familiar (PGPAF) | | | | |2006/07 | | |------|-------|--------|-----------|-------------------------------| |Arroz | | | |PR, SC, RS, MA, PI, CE, RN,| |(Sc 50| R1 | R1 | R$ 22,00 |PB, PE, AL, SE, BA, MG, ES,| | Kg) | | | |RJ, SP, MS, GO, DF | | |-------|--------|-----------|-------------------------------| | | R2 | R2 | R$ 20,70 |RO, AC, AM, RR, PA, AP, TO, MT |

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|------|-------|--------|-----------|-------------------------------| |Mandi-| R1 | R1 | R$ 70,00 |MG, ES, RJ, SP, PR, SC, RS,| | oca | | | |MS, MT, GO, DF | |(tone-|-------|--------|-----------|-------------------------------| |lada) | R2 | R2 | R$ 70,00 |RO, AC, AM, RR, PA, AP, TO, | | | | | |MA, PI, CE, RN, PB, PE, AL, | | | | | |SE, BA | |------|-------|--------|-----------|-------------------------------| |feijão| R1 | R1 | R$ 53,00 |MG, ES, RJ, SP, PR, SC, RS, | |(Sc 60| | | |MS, MT, GO, DF, "BA Sul" | |Kg) |-------|--------|-----------|-------------------------------| | | R2 | R2 | R$ 53,00 |RO, AC, AM, RR, PA, AP, TO, | | | | | |MA, PI, CE, RN, PB, PE, AL, | | | | | |SE, BA | |------|-------|--------|-----------|-------------------------------| | | | R1 | |MG, ES, RJ, SP, PR, "BA Sul", | | | | | |"MA Sul", "PI Sul" | | |R1,R2, |--------| R$ 14,40 |-------------------------------| |Milho |R3 | R2 | |SC, RS | |(Sc 60| |--------| |-------------------------------| |Kg) | | R3 | |MS, GO, DF | | |-------|--------|-----------|-------------------------------| | | R4 | R4 | R$ 11,00 |MT, AC, RO | | |-------|--------|-----------|-------------------------------| | | | R5 | R$ 16,00 |AM, RR, PA, AP, CE, RN, PB, PE| | | | | |AL, SE, BA, PI e MA | | |R5, R6 |--------|-----------|-------------------------------| | | | R6 | R$ 16,00 |TO | |------|-------|--------|-----------|-------------------------------| |Soja | | R1 | |MG, ES, RJ, SP, PR, SC, RS| |(Sc 60| | | |MS, MT, GO, DF, RO | |Kg) |R1, R2 |--------| R$ 22,00 |-------------------------------| | | | R2 | |AC, AM, RR, PA, AP, TO, MA,| | | | | |PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE e BA| ---------------------------------------------------------------------

OBS: Os municípios que compõem a região da "BA Sul", do "PI Sul" e do "MA Sul" são as mesmas definidas pela PGPM, conforme Decreto 5.869,

de 3 de agosto de 2006.

Art. 3º A Secretaria do Tesouro Nacional reembolsará os custos do bônus de garantia de preço relativos às operações de custeio no Pronaf formalizadas com recursos equalizados pelo Tesouro Nacional, do Orçamento Geral da União ou das exigibilidades bancárias

do crédito rural, devendo cada instituição financeira:

I - formalizar contrato ou convênio com a União; e

II - apresentar por meio eletrônico a relação nominal de todos os beneficiários (nome e CPF) do PGPAF, incluindo o produto, o valor financiado, o município e a unidade da Federação onde foi concedido o empréstimo, e o valor do bônus concedido por operação

para cada mutuário.

Art. 4º As despesas decorrentes do bônus de garantia de preços concedidos nas operações realizadas com recursos dos Fundos

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Constitucionais de Financiamento serão suportadas pelos próprios

fundos.

Parágrafo único. Para as operações de que trata este artigo, as instituições financeiras devem repassar ao Ministério da

Integração Nacional as mesmas informações citadas no art. 3º.

Art. 5º As operações de custeio do Pronaf da safra 2006/2007, destinadas ao financiamento de milho, soja, feijão, mandioca, leite e arroz, com vencimento entre 2 de janeiro e 9 de março de 2007, podem ter seu vencimento prorrogado automaticamente para o dia 10 de março de 2007, sendo consideradas em situação de normalidade até aquela data, permitindo que os agricultores possam fazer jus ao bônus de garantia de preços de que trata esta resolução.

Art. 6º Está mantida a exigência da observação do Zoneamento Agrícola, definido pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa), para a concessão dos financiamentos de custeio do Pronaf abrangidos por esta resolução, ressalvado o caso da

atividade leiteira.

Art. 7º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 29 de dezembro de 2006.

Alexandre Antonio Tombini Presidente, substituto

ANEXO 2 - Definição do Custo de Produção (conforme Nota Técnica do MDA)

a) Serão calculados os custos de produção variável (médio) para cada produto, sendo um para cada região definida para a PGPM;

b) Os custos de produção serão calculados com base na utilização de tecnologias comuns na produção destes produtos pelos agricultores familiares, bem como na produtividade média obtida com o uso destas tecnologias;

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c) A tecnologia utilizada no custo de produção e a produtividade média serão

levantadas pela CONAB nas microrregiões dos estados onde há concentração da produção e de financiamentos do Pronaf para aquele produto;

d) No cálculo do custo de produção deverá estar incluída a remuneração da mão-de-obra do produtor e sua família e o pagamento pela gestão e administração da atividade produtiva, quando relacionadas com a referida produção;

e) A evolução dos custos de produção durante o ano será acompanhada pela CONAB, mas os preços de garantia serão definidos com base no custo de produção variável efetivo em maio de cada ano para o Centro Sul e dezembro para o Norte/Nordeste;

f) Em cada um dos estados pesquisados será levantado um ou mais custos de produção para cada produto, devendo a (s) microrregião (ões) representar (em) mais de 20% dos financiamentos do Pronaf para aquela cultura no respectivo Estado, salvo exceções justificáveis que serão permitidas no primeiro ano de implantação do Programa.

g) O custo de produção de cada estado será obtido pela média dos custos variáveis das microrregiões pesquisadas, ponderado de acordo com a importância da microrregião no número de financiamentos do Pronaf para cada produto no Estado;

h) Para a região Centro Sul, os preços serão definidos inicialmente com base em custos de produção dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina:

i) O custo de produção regional será obtido pela média dos custos nos diversos estados, ponderado de acordo com a importância do estado no número de financiamentos do Pronaf para cada produto na região.

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A Previdência Social Em 2006

Amadeu A. Bonato Neste início de ano, notícias e declarações divulgadas pela imprensa anunciaram que a Previdência Social fechou o ano de 2006 com o enorme déficit de R$ 42 bilhões. Algumas declarações foram mais longe ainda, identificando que o principal culpado por esse rombo é o setor rural. Até onde vai a verdade dessas informações e quais os interesses embutidos nessas “acusações”? No entanto, antes da análise sobre o déficit previdenciário, é fundamental avaliar a importância que a Previdência desempenha e os impactos que ela provoca na realidade econômica e social das pessoas, das famílias e das coletividades. 1. OS IMPACTOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1.1. A previdência social é uma das políticas públicas de maior abrangência no país,

superada apenas pela saúde e educação, e com um forte impacto econômico e social no setor rural.

Quadro 1 – Quantidade e valor dos benefícios previdenciários, por região e estado – 2006.

Benefícios (dez/2006) Valor Total dos Benefícios 2006 (em milhões) UF/REGIÃO Total Urbanos Rurais % rurais Total Urbanos Rurais % rurais

BRASIL 24.593.390 17.088.587 7.504.803 30,5 158.408 127.442 30.966 19,5 NORTE 1.148.675 566.090 582.585 50,7 5.598 3.309 2.290 40,9 Rondônia 142.245 54.274 87.971 61,8 630 282 348 55,3 Acre 58.049 30.323 27.726 47,8 292 182 109 37,5 Amazonas 203.529 125.388 78.141 38,4 1.071 761 310 29,0 Roraima 23.283 10.578 12.705 54,6 104 56 48 46,5 Pará 567.381 280.150 287.231 50,6 2.813 1.697 1.116 39,7 Amapá 32.835 20.809 12.026 36,6 155 108 47 30,3 Tocantins 121.353 44.568 76.785 63,3 534 224 310 58,1 NORDESTE 6.625.579 3.075.350 3.550.229 53,6 32.803 18.397 14.406 43,9 Maranhão 681.916 218.698 463.218 67,9 2.983 1.148 1.835 61,5 Piauí 428.189 138.569 289.620 67,6 1.914 740 1.174 61,4 Ceará 1.058.790 451.586 607.204 57,3 5.090 2.626 2.465 48,4 Rio Grande do Norte 429.128 203.296 225.832 52,6 2.093 1.176 917 43,8 Paraíba 554.520 239.251 315.269 56,9 2.618 1.313 1.305 49,8 Pernambuco 1.147.758 650.578 497.180 43,3 6.038 4.019 2.019 33,4 Alagoas 340.072 205.069 135.003 39,7 1.655 1.113 543 32,8 Sergipe 219.905 119.694 100.211 45,6 1.151 746 404 35,1 Bahia 1.765.301 848.609 916.692 51,9 9.260 5.516 3.744 40,4 SUDESTE 11.265.968 9.701.973 1.563.995 13,9 85.183 78.496 6.688 7,9

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Minas Gerais 2.831.836 1.980.215 851.621 30,1 17.015 13.424 3.591 21,1 Espírito Santo 429.432 283.415 146.017 34,0 2.652 2.042 610 23,0 Rio de Janeiro 2.341.742 2.260.514 81.228 3,5 18.658 18.309 349 1,9 São Paulo 5.662.958 5.177.829 485.129 8,6 46.859 44.721 2.138 4,6 SUL 4.309.801 2.889.702 1.420.099 33,0 27.740 21.753 5.986 21,6 Paraná 1.406.532 845.991 560.541 39,9 8.488 6.120 2.368 27,9 Santa Catarina 942.659 657.998 284.661 30,2 6.275 5.080 1.195 19,0 Rio Grande do Sul 1.960.610 1.385.713 574.897 29,3 12.976 10.553 2.423 18,7 CENTRO-OESTE 1.243.367 855.472 387.895 31,2 7.084 5.487 1.596 22,5 Mato Grosso do Sul 241.446 159.767 81.679 33,8 1.281 943 338 26,4 Mato Grosso 246.206 146.916 99.290 40,3 1.229 824 405 32,9 Goiás 490.314 332.436 157.878 32,2 2.637 1.988 649 24,6 Distrito Federal 265.401 216.353 49.048 18,5 1.936 1.731 205 10,6 Fonte: SINTESE Em dezembro de 2006, o INSS pagou 24,6 milhões de benefícios, sendo 17,1 milhões urbanos e 7.504.803 benefícios rurais. Nestes totais estão incluídos os benefícios tipicamente previdenciários (20,9 milhões), os benefícios acidentários (733 mil) e os benefícios assistenciais (2,9 milhões). É importante destacar que os benefícios assistenciais concedidos pela LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social são todos considerados estatisticamente urbanos, significando que os benefícios que chegam ao público rural supera os 8 milhões. Dos benefícios rurais, 4.792.939 são aposentadorias por idade, 1.883.300 são pensões por morte, 437.568 aposentadorias por invalidez e mais 199.483 rendas mensais vitalícias (assistenciais), totalizando 7,3 milhões de benefícios de prestação continuada. Os outros 200 mil benefícios são temporários, como o auxílio doença e o salário maternidade. 1.2. A previdência social é o principal instrumento de distribuição de renda do país. Quadro 2 – Arrecadação própria da Previdência Social, por região e estado - 2006

Arrecadação 2006 (R$ mil)

% Agric

Arrec Urb X Benef

Urb

Arrec Agri X Benef rurais

UF/REGIÃO Total Arrec Urbana Agricultura BRASIL 130.448.584 128.604.758 1.843.963 1,4 93,8 6,0 NORTE 3.835.488 4.567.216 66.168 1,7 128,4 2,9 Rondônia 395.628 474.936 10.271 2,6 156,7 3,0 Acre 185.631 208.414 4.695 2,5 106,4 4,3 Amazonas 1.195.085 1.443.966 6.698 0,6 176,5 2,2 Roraima 149.496 164.729 1.043 0,7 275,0 2,2 Pará 1.456.059 1.721.587 31.734 2,2 94,4 2,8 Amapá 126.582 164.887 1.646 1,3 142,1 3,5 Tocantins 327.007 388.054 10.082 3,1 161,5 3,2 NORDESTE 10.901.753 13.173.933 213.360 2,0 66,6 1,5 Maranhão 628.245 842.811 21.530 3,4 68,3 1,2

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Piauí 429.910 498.403 5.688 1,3 62,7 0,5 Ceará 1.805.126 2.074.093 17.102 0,9 73,5 0,7 Rio Grande do Norte 798.738 996.911 20.751 2,6 78,8 2,3 Paraíba 638.457 826.302 13.073 2,0 58,5 1,0 Pernambuco 2.112.956 2.420.687 23.148 1,1 56,0 1,1 Alagoas 559.687 667.667 8.160 1,5 55,8 1,5 Sergipe 584.722 715.241 4.202 0,7 89,1 1,0 Bahia 3.343.914 4.131.818 99.706 3,0 69,7 2,7 SUDESTE 76.776.719 74.008.844 920.698 1,2 87,7 13,8 Minas Gerais 9.636.311 10.471.401 236.029 2,4 72,5 6,6 Espírito Santo 1.935.866 2.270.597 38.876 2,0 103,4 6,4 Rio de Janeiro 14.049.899 13.281.434 54.306 0,4 67,5 15,6 São Paulo 51.154.643 47.985.412 591.487 1,2 99,8 27,7 SUL 18.676.286 19.875.749 308.730 1,7 85,0 5,2 Paraná 6.386.854 6.912.945 125.648 2,0 105,1 5,3 Santa Catarina 4.716.904 5.007.627 70.012 1,5 91,7 5,9 Rio Grande do Sul 7.572.527 7.955.178 113.071 1,5 70,1 4,7 CENTRO-OESTE 9.330.667 733.155 254.335 2,7 136,1 15,9 Mato Grosso do Sul 839.851 1.018.238 69.742 8,3 100,4 20,6 Mato Grosso 1.041.747 1.301.840 96.052 9,2 146,9 23,7 Goiás 2.163.285 2.526.381 76.642 3,5 118,2 11,8 Distrito Federal 5.285.784 3.183.921 11.899 0,2 171,0 5,8 Fonte: SINTESE. Elaboração: Deser. Além da utilização de recursos de outras contribuições (CPMF, COFINS), arrecadados do conjunto da sociedade, como será visto na questão do déficit previdenciário, também a arrecadação própria da previdência (sobre a folha de salários, sobre a produção agropecuária) é desigual entre os estados e as regiões e entre os setores da economia. A principal transferência de renda se dá entre o setor urbano e o setor rural. O setor rural, em todo país, arrecada apenas 1,4% da receita própria total, mas custa para a previdência 19,5% do valor total dos benefícios. O que o setor da agricultura gera de receita direta para a Previdência Social equivale a apenas 6% do que o setor gera de despesa. Desta forma, a previdência promove uma intensa distribuição de renda, onde os setores que produzem maior renda (indústria, comércio e serviços) transferem recursos para a agricultura, onde, para a grande maioria, a capacidade de geração de renda e de capacidade contributiva para a previdência é menor. O mesmo processo se dá entre regiões. O Nordeste, por exemplo, mesmo nos setores econômicos urbanos, a capacidade contributiva é bem menor que em outras regiões, como o Sudeste e o Sul, como pode ser visto no quadro 2, na relação entre a arrecadação urbana e o valor dos benefícios urbanos. Mas nem por isso a previdência social deixa de pagar todos os benefícios. Outro aspecto interessante ocorre com as regiões de industrialização mais recente, como o Norte e o Centro Oeste. Pelas características do sistema previdenciário brasileiro (que é um sistema de repartição simples, onde os que trabalham hoje contribuem para custear os que, por já ter trabalho e contribuído, têm o

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direito a usufruir dos benefícios, diferente do sistema de capitalização ou das previdências privadas), nessas regiões de industrialização mais recente a proporção entre contribuintes e beneficiários é maior que nas regiões de industrialização mais antiga. Desta forma arrecadam mais que gastam e transferem recursos para as regiões mais pobres e mais antigas. Nesse sentido, a região Norte arrecada 28% a mais que gasta e a região Centro Oeste 36% a mais. Internamente, no setor rural, é também diferenciada a relação entre a arrecadação e o custo dos benefícios. Enquanto que, na média nacional, esta arrecadação cobre 6% do valor dos benefícios, a grande maioria dos estados, especialmente no Norte e Nordeste, apresenta uma proporção bem inferior. Em apenas 9 estados o percentual da arrecadação em relação ao valor dos benefícios supera a média nacional, destacando-se os estados de São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com percentuais superiores a 20%. Evidentemente, trata-se de uma arrecadação que vem do agronegócio. Mais adiante voltaremos a esse debate. 2. O PROBLEMA DO DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO. Se o custo total dos benefícios emitidos (previdenciários, acidentários e assistenciais), em 2006, foi de R$ 158 bilhões, como demonstrado no primeiro quadro, o custo real do pagamento dos benefícios, incluídas as ações judiciais, os pagamentos de atrasados, segundo os dados do fluxo de caixa da Previdência, foi de R$ 178 bilhões, 14,1% a mais que no ano de 2005. Os benefícios especificamente previdenciários custaram R$ 165,6 bilhões, enquanto que os não previdenciários custaram R$ 12,3 bilhões. Além dos pagamentos dos benefícios, a Previdência Social gasta R$ 5,9 bilhões com pessoal (29,3% a mais que em 2005) e outros R$ 7,2 bilhões com despesas de custeio (93,8% a mais que em 2005), entre elas o pagamento pelos serviços bancários. Desta forma, a despesa total da Previdência, em 2006, atingiu R$ 191 bilhões, 16,3% mais que no ano anterior. Aqui já é possível perceber que o maior impacto no aumento dos gastos previdenciários está relacionado com o aumento nas despesas com pessoal e com o custeio. A arrecadação própria da previdência (especialmente a contribuição via bancária, o Simples e a receita de depósitos judiciais) atingiu, em 2006, um total de R$ 133 bilhões, 14,7% a mais que no ano anterior. O principal aumento se deu na arrecadação do Simples, que atingiu R$ 8,2 bilhões, aumentando 62,6%, fruto do aumento das adesões a este sistema pelas micro e pequenas empresas, mas que representa uma renúncia fiscal na arrecadação previdenciária. Em termos líquidos, descontados os R$ 9,5 bilhões que são transferências a terceiros (Senai, Senac, Senar, Salário Educação, entre outras), sobra para a Previdência R$ 123,5 bilhões.

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É exatamente a diferença entre a arrecadação líquida e o custo dos benefícios previdenciários que resulta no déficit que está sendo divulgado de R$ 42 bilhões. Se somarmos as despesas de pessoal e custeio, o déficit sobe para R$ 55 bilhões. Esse chamado déficit é todo ele coberto com recursos de transferências da União da própria seguridade social, que são arrecadados pela Receita Federal. A principal fonte é a Cofins que repassa R$ 42,8 bilhões, seguida da CPMF com R$ 8,6 bilhões, dos Recursos Ordinários com R$ 4 bilhões. Os benefícios assistenciais são totalmente cobertos com o repasse de mais R$ 12 bilhões da Cofins. Quadro 3 – Fluxo de Caixa do INSS – 2005/2006 (em R$ Mil)

DISCRIMINAÇÃO TOTAL 2005 TOTAL 2006 Var % SALDO INICIAL 5.354.274 6.275.320 17,2 RECEBIMENTOS 172.719.638 201.756.676 16,8 Próprios 115.955.568 133.015.292 14,7 - Arrecadação Bancária 109.014.594 122.917.740 12,8 - Arrecadação SIMPLES 5.057.101 8.225.275 62,6 - Depósitos Judiciais 1.197.461 1.152.381 (3,8) - Outras arrecadações 686.413 719.895 4,9 Antecipação da Receita (Tesouro Nacional) 10.326.539 -357.808 (103,5) Transferências da União 45.552.497 67.730.476 48,7 - COFINS 25.193.727 42.801.423 69,9 - Contribuição Provisória s/ Mov. Financeira 5.821.610 6.572.516 12,9 - Recursos Ordinários / COFINS - TRF 4.088.101 3.986.554 (2,5) - COFINS/LOAS 9.361.487 12.067.954 28,9 - Outras transferências 1.087.572 2.302.029 111,7 Outros 697.820 1.371.258 96,5 PAGAMENTOS 171.798.592 200.510.523 16,7 Pagamentos do INSS 164.277.121 191.015.427 16,3 Benefícios do RGPS 146.010.130 165.585.300 13,4 Benefícios não Previdenciários 9.999.462 12.332.623 23,3 Benefícios devolvidos -693.671 -877.380 26,5 Pessoal 4.540.515 5.872.874 29,3 Custeio 3.727.015 7.224.629 93,8 Transferências a Terceiros 7.521.471 9.495.096 26,2 Saldo Previdenciário (Arrec. Líquida – Benefícios do RGPS) -37.576.033 -42.065.104 11,9 Saldo Arrecadação Líquida – Total de Benefícios Pagos -47.575.495 -54.397.728 14,3 Saldo Operacional (Recebimento Total - Pagamento Total) 921.046 1.246.153 35,3 Saldo Final 6.275.320 7.521.472 19,9 FONTE: Divisão de Programação Financeira do INSS. Diante do exposto, podemos fazer as seguintes constatações: a) Não existe nenhuma anormalidade nas fontes de recursos que custeiam a Previdência

Social, pois praticamente a sua totalidade é do orçamento da Seguridade Social, que financia a Previdência, a Assistência e a Saúde. A Constituição de 1988 já previa essa lógica de financiamento da Seguridade Social. A CPMF, instituída posteriormente,

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prevê, no próprio texto constitucional, que parte da arrecadação seja destinada à Previdência Social. Ou seja, ao contrário do que foi afirmado na mídia, não estão sendo utilizados recursos fiscais para “cobrir o furo” da Previdência.

b) O aumento de 11,9% do déficit previdenciário entre 2005 e 2006 é inferior ao aumento no valor dos benefícios pagos (13,4%). Proporcionalmente, as receitas cresceram mais que as despesas, o que demonstra que as finanças da Previdência não estão fora de controle. E no geral, pesaram muito mais no aumento do déficit os crescimentos do custo de pessoal (29,3%) e das despesas de custeio (93,8%).

c) Outro aspecto que pouco se comenta é o impacto sobre a Previdência das renúncias

fiscais (em grande parte justas, por sinal) que têm por objetivo a redução da carga tributária. Entre essas renúncias, segundo o DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, estão o Simples que deixa de arrecadar R$ 5 bilhões para a Previdência e as Entidades Filantrópicas e o Prouni, cuja isenção previdenciária atinge aos R$ 2 bilhões.

d) A afirmação de que a culpa pelo chamado déficit previdenciário é do setor rural não

tem o menor fundamento. Se o custo anual dos benefícios rurais é de R$ 30,1 bilhões e a arrecadação rural é de R$ 1,8 bilhão (sem considerar os contribuintes individuais rurais), o déficit rural é de R$ 28 bilhões. Mas, desse total tem cerca de R$ 6 bilhões que são benefícios do antigo Funrural, estes sim eram benefícios assistenciais e, portanto, deveriam ser computados, para efeitos de fonte de recursos, juntamente com os benefícios da LOAS. Desta forma, o especulado déficit rural seria de R$ 22 bilhões. E, por outro lado, o setor urbano também tem contribuído com esse déficit, num montante de R$ 14 bilhões.

e) Finalmente, é preciso ressaltar o ridículo que é a arrecadação previdenciária no setor

rural. Não dá pra entender e aceitar que de todo valor comercializado na agricultura e do desconto dos salários dos empregados rurais, a Previdência arrecade apenas R$ 1,8 bilhão por ano e que, na região Sul, a arrecadação seja de apenas R$ 308 milhões.

Segundo o IBGE, o VBP – Valor Bruto da Produção do fumo, na região Sul, no ano de 2005, foi de R$ 3,5 bilhões. Considerando o percentual de 2,2% para o INSS, apenas esse produto deveria canalizar para o caixa da Previdência cerca de R$ 77 milhões (25% do total que a Previdência arrecada). No entanto, o fumo representa apenas 10% do VBP dos produtos agrícolas (sem contar os produtos pecuários, inclusive as carnes e o leite). O VBP da soja, em 2005, na região Sul, foi de R$ 12,5 bilhões, o quem deveria arrecadar cerca de R$ 275 milhões para a Previdência Social (89% da arrecadação real). Ou seja, apenas do fumo e da soja (dois produtos que são comercializados na sua totalidade) deveriam sozinhos arrecadar R$ 352 milhões. Mas, a Previdência arrecada apenas R$ 308 milhões. Desta forma, fica fácil jogar a culpa no setor rural pelo déficit previdenciário.

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Do ponto de vista do setor rural, especialmente da agricultura familiar, é preciso olhar a Previdência Social para além dos resultados contábeis e financeiros do fluxo de caixa. Primeiramente, os benefícios previdenciários rurais representam muito mais que um salário mínimo por mês, ou R$ 4.550,00 por ano (o que, por si só já seria muito importante). Mas significa mais. Representa o reconhecimento social de uma categoria econômica estratégica para a sociedade, a afirmação da dignidade das pessoas e a afirmação da cidadania, especialmente para as mulheres agricultoras. Ao ser mais que a substituição da renda do trabalho (como normalmente ocorre no setor urbano), mas sendo um complemento de renda, os benefícios previdenciários potencializaram avanços significativos na qualidade de vida das famílias. Nos pequenos municípios, a Previdência Rural transformou-se num fator fundamental de dinamização das economias locais, produzindo efeitos de emprego e renda para muito além das famílias diretamente beneficiadas. Mas também, o gasto público com a Previdência Rural possibilitou economias nos gastos públicos, cuja mensuração exata é difícil verificar. Por exemplo:

• quanto de êxodo rural foi evitado em função da Previdência Social? E quanto de economia de recursos públicos foram evitados em segurança, infra-estrutura urbana, saúde etc.?

• quantos saques foram evitados no Nordeste em função do acréscimo de renda no setor rural com os benefícios previdenciários?

• quanto se deixou de economizar em crédito rural, pois grande parte do valor recebido das aposentadorias rurais é utilizada na própria produção agrícola?

• quanto está se deixando de gastar no Bolsa Família, pois milhões de famílias passaram a ter efetivamente renda com a Previdência?

Em síntese, os recursos destinados para a Previdência Social, especialmente no setor rural, têm que ser vistos muito mais sob a ótica do investimento do que do custo. Investimento em dignidade, em cidadania, em renda e na valorização das milhões de pessoas, mulheres e homens, que trabalharam uma vida toda, de forma invisível para a sociedade, mas produzindo o alimento que diariamente vai para a mesa de todos, subsidiando, com os baixos preços recebidos, a estabilidade econômica e o poder de compra dos salários, merecendo da sociedade e dos governos o reconhecimento, respeito e valorização, inclusive no acesso aos direito sagrado dos benefícios das Previdência Social.

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A AGROFLORESTA AGROECOLÓGICA: UM MOMENTO DE SÍNTESE DA AGROECOLOGIA, UMA AGRICULTURA QUE CUIDA DO MEIO AMBIENTE.

Alvori Cristo dos Santos

Há alguns anos atrás, um movimento social no campo iniciou uma nova construção. Agricultores, organizações, instituições, direcionaram suas práticas para construir uma agricultura alternativa. Passadas algumas décadas, no Brasil em torno de 25 anos, é possível afirmar que caminhos alternativos foram trilhados e construídos. Um destes caminhos é a Agrofloresta Agroecológica. As reflexões tratadas neste artigo têm como objetivo a defesa de uma idéia: a Agrofloresta Agroecológica como expressão de um momento de síntese agroecológica, e alternativa concreta de desenvolvimento para a agricultura familiar. No Brasil e no mundo, entre as complexas agriculturas praticadas, a agricultura da Agrofloresta Agroecológica já se destaca como processo produtivo adotado por muitas famílias agricultoras, passa a orientar estratégias de desenvolvimento em diversas comunidades regionais, e políticas públicas. E desta forma é possível afirmar que a idéia (o conceito) se tornou fato modificador das relações de produção e do desenvolvimento. Sua história de construção ainda se revela. São complexas trajetórias seguidas, e nem todas ainda compreendidas. No entanto, por estas trajetórias seguidas, dois caminhos percorridos já se tornam evidentes: a valorização dos conhecimentos de povos e comunidades tradicionais, e a contribuição estratégica do movimento agroecológico. Os dois caminhos citados expressam, a coerência de concepção e método do movimento agroecológico, e legitimam a agroecologia em suas amplas dimensões: a dimensão de ser alternativa tecnológica socialmente construída e apropriada com resultados de produtividade e renda, de ser ciência, e de contribuição paradigmática e ideológica formuladora para propostas de sociedade. Para a defesa desta idéia, a ferramenta metodológica utilizada é a reflexão sobre algumas práticas estratégicas de manejo, utilizadas pelas famílias agricultoras. A possibilidade de refletir sobre as práticas dos agricultores representa uma condição importante, e cujo significado, é de validação de processos experimentados, e talvez consolidados. A ação do plantio é um destes manejos estratégicos, e rompe com princípios básicos da agricultura convencional e hegemônica no planeta. Na terra é plantado no mesmo espaço, e no mesmo tempo-período, olerículas para colher em 45 dias, cereais para colher em 90 dias, raízes para colher em 180 dias, e frutíferas para colher em 1 ano, 3 anos, e mais de 7 anos. O plantio da terra na Agrofloresta Agroecológica, também instalam espécies adubadeiras para a produção de biomassa, e espécies produtoras de madeira, cuja produção é planejada para períodos superiores há 40 anos. Plantar no mesmo espaço, e no mesmo tempo-

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período na agrofloresta permite conduzir diversas espécies conjuntamente em sucessão complementar dos seus ciclos biológicos. A sucessão não exige o término do ciclo produtivo de uma espécie para que a outra inicie. Em muitas situações a diferença de colheita entre duas espécies diferentes é de dias. A família agricultora realiza no ato do cultivo o planejamento estratégico para as gerações futuras. O plantio realizado desta forma rompe com a idéia equivocada de que a agricultura da agrofloresta se restringe à produção de algumas espécies de árvores, e, portanto não garante possibilidades econômicas, e de auto consumo, no curto e médio prazo. Alguns elementos sobre a produção de olerículas e grãos na agrofloresta agroecológica podem demonstrar a capacidade de garantir autoconsumo forte assim como alternativas de comercialização. Estes dois grupos de espécies têm sua capacidade produtiva potencializada pelas condições de micro-ambiente criado. Um exemplo é a proteção necessária à produção de algumas espécies olerículas convencionais através da irrigação e sombreamento em determinadas regiões de condições mais restritas de clima. A complexidade de espécies presentes na Agrofloresta Agroecológica promove a proteção à insolação pelo sombreamento realizado pelos diferentes extratos (plantas em diferentes alturas), e garante a oferta de umidade necessária através da extração e armazenamento das próprias plantas. A partir destas condições criadas, muitas regiões restritivas ao cultivo destas espécies, passam a produzir no ambiente criado da agrofloresta. A bananeira é uma referência no cumprimento deste papel no sistema. A redução dos custos dos equipamentos necessários a estas duas condições de manejo, irrigação e sombreamento, qualificam ainda mais os resultados da Agrofloresta Agroecológica em relação à agricultura convencional e a produção orgânica especializada. Entre as comunidades Agroflorestais Agroecológicas no Brasil, muitas famílias manejam diretamente, mais de 200 espécies. Ao executar estes manejos as famílias realizam a ocupação da área de cultivo de forma complexa, e com eficiência superior. Os manejos de ocupação da área superam o cultivo de uma, duas, ou três colheitas no ano agrícola, são sucessões de colheitas realizadas também em diferentes andares da agrofloresta. As colheitas são realizadas abaixo de 2 metros de altura, entre 2 e 4 metros, entre 4 e 8 metros, e acima de 8 metros. O nível de complexidade agroecológica alcançada pelo sistema produtivo, talvez seja a característica de maior destaque da agricultura da Agrofloresta Agroecológica. Três elementos se diferenciam na qualificação do nível de complexidade agroecológica: a diversidade de cultivos no mesmo tempo-espaço, a diversidade de espécies, e o cultivo em diferentes andares. As colheitas de diferentes produtos da Agrofloresta Agroecológica se dinamizam de tal forma, a se tornarem praticamente semanais. Os objetivos da colheita das diferentes espécies e o destino da produção marcam outra grande diferença de complexidade. Em diferentes anos agrícolas, uma mesma espécie cultivada, pode produzir para o comércio, para o autoconsumo da família, e também para o ciclo de biomassa do sistema. No ano seguinte, o papel desta espécie pode se modificar, produzindo somente para o autoconsumo e para o ciclo de biomassa do sistema, e em outro ano exclusivamente

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para o ciclo de biomassa do sistema. A poda, realizada periodicamente para facilitar a entrada de luz e circulação do ar, é também o momento de tomada de decisão sobre a função de cada espécie no sistema, em determinado ano agrícola. E os resultados de produção desta agricultura que se mostra ecologicamente complexa, quais são? A avaliação crítica, sobre a capacidade das agriculturas alternativas apresentarem produtividade, faz parte da agenda de debate sobre o desenvolvimento e agricultura. Esta crítica considera que não existe capacidade das agriculturas alternativas produzirem alimento e matéria prima para atender as demandas da sociedade industrial e de consumo. No entanto, os resultados de produção e renda da Agrofloresta Agroecológica apresentam indicadores em condições ampliadas de superação da produtividade convencional. Produzir 10.000 kg de alimentos por hectare por ano são resultados obtidos por algumas famílias sistematizados pela Rede de Agricultores Familiares Gestores de Referências sob Coordenação do Deser. Este indicador de produtividade física, analisado em cenário, demonstra condições de crescimento potencialmente superior a 100%. Estes dois indicadores devem ser considerados estratégicos, para a análise dos resultados, e somados a um terceiro indicador dos custos de produção inferiores a 10% sobre os preços recebidos, destacam a capacidade de produção e renda da Agrofloresta Agroecológica. Os indicadores de produtividade da agricultura convencional, baseada no monocultivo de grãos, embora expressem resultados superiores a 7.000 kg por hectare por ano, não conseguem manter estas médias em cenário de médio prazo, e, necessitam de altos custos de investimento, para controlar situações do meio cultivado, como nos casos da reposição de fertilidade e controle de populações. No Brasil, as médias em cenário de médio prazo da agricultura convencional, têm extrema dificuldade em manter produtividades superiores a 4.000 kg por hectare. As dificuldades da agricultura convencional, diante da necessidade de superar permanentemente seus índices de produtividade, são agravadas por dois condicionantes restritivos: as condições ambientais, particularmente do aquecimento da temperatura do planeta, e a necessidade crescente de insumos para a reposição da fertilidade e controle de populações. A dependência destas práticas produtivas da matriz energética não renovável, a partir dos combustíveis fósseis, torna a crise da agricultura convencional estrutural. A orientação de produtividade crescente, a partir do controle e não da convivência com as condições ecológicas dos diferentes ecossistemas persiste como orientação, para a maioria dos projetos de desenvolvimento, incluindo projetos com orientações alternativas. A produtividade da Agrofloresta Agroecológica muda esta orientação, a qual passa a ser condicionada pelo equilíbrio do sistema. Os parâmetros normalmente utilizados na agricultura de grande escala, e da agricultura familiar qualificados como competitivos, quando comparados aos resultados da agrofloresta, são inferiores. A superioridade dos indicadores da agrofloresta se deve principalmente a complexidade do sistema, e a

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perenização dos resultados. O indicador de 10.000 kg por hectare de alimentos com taxas de crescimento futuro superiores a 100%, ainda possuem produções não incluídas por “plantas do futuro” (termo utilizado pelas famílias agrofloresteiras) conduzidas nos diferentes andares como as jaqueiras, o café, o coco, e a erva-mate, dependendo da especificidade dos diversos ecossistemas. A produção de madeira é um exemplo de planta do futuro, com indicadores de produtividade potencialmente superiores a 50 metros cúbicos por hectare por ano. Entre as características da Agrofloresta Agroecológica, algumas superam metas estratégicas da agroecologia, o que fundamenta a atribuição de síntese agroecológica. A garantia de autonomia dos sistemas, além dos níveis de complexidade atingidos, expressam outra meta agroecológica superada. A característica de autonomia do sistema de produção se verifica principalmente sobre a relação de dependência tecnológica de insumos para reprodução da fertilidade, e controle de população, necessários nos sistemas convencionais e orgânicos. A dependência existe nos dois sistemas, embora utilizem insumos com diferentes impactos ambientais. A ciclagem de biomassa na agrofloresta garante as necessidades de fertilidade sem importação de insumos. As relações equilibradas entre as populações presentes no sistema também se constituem em elemento central da autonomia. As chamadas plantas invasoras e as espécies da fauna e flora causadoras de doenças nos sistemas convencionais passam a exercer funções decompositoras na produção de matéria orgânica, e renovadoras na utilização de plantas em processos acelerados de degeneração e/ou fragilidades produtivas no sistema. Algumas plantas com baixa contribuição de biomassa no sistema ou de baixa produção de frutos são prioritariamente objeto da ação destas populações. Desta forma uma nova percepção de relação com a complexidade da natureza e do sistema produtivo é construída. O equilíbrio de funcionamento da Agrofloresta Agroecológica é explicado pela relação de integração com a natureza, um outro marco rompido definitivamente com a concepção da agricultura moderna convencional. Na agrofloresta as práticas produtivo-culturais são associadas à dinâmica da natureza, homem e natureza trabalham juntos. A Agroefloresta Agroecológica expressa capacidade de produtividade e de renda. Esta é uma condição importante, e meta estratégica da agroecologia. A alta capacidade de produtividade da agrofloresta combina-se de forma agregadora a condição de baixos custos produtivos, e, portanto, de renda. Os custos de produção da Agrofloresta Agroecologica são baixos, menores do que 10% sobre os preços recebidos pelos produtos comercializados, e tendem, quando analisados em cenário, a projetar esta taxa em queda. Estes indicadores se justificam pelo alto grau de autonomia tecnológica, incluindo a não dependência de insumos para repor a fertilidade, para controlar populações, e pela baixa necessidade de máquinas e equipamentos. A menor necessidade de máquinas e equipamentos é justificada pela independência em relação há utilização de adubos, agrotóxicos, e das operações de plantio motomecanizados. No entanto, é necessário

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considerar, que a geração de tecnologias socialmente apropriadas e adaptadas, particularmente de máquinas e equipamentos, podem ampliar os indicadores de produtividade do trabalho, e também, diminuir a penosidade de certas práticas de manejo. Ao manejar mais de 200 espécies, com mais de 50 produtos comercializáveis, e sucessivas colheitas no ano agrícola, a capacidade do agricultor familiar da agrofloresta ter autonomia em relação ao mercado é significativa. No manejo dos diferentes andares da agrofloresta, a poda realizada a facão, tem um papel importante que supera o objetivo de permitir a entrada de luz nos diferentes andares de cultivo. Ao realizá-la o agricultor pode beneficiar uma ou outra espécie para cumprir seu ciclo até a frutificação e produção, orientando as demais para a produção de biomassa. A escolha entre uma ou outra espécie, para produzir para o mercado, pode ser orientada pela melhor condição de preço no momento, e sem prejuízos ao equilíbrio do sistema. Esta condição demonstra a maior capacidade deste agricultor definir o preço de sua produção. Um agricultor dependente de um, dois ou três produtos, cultivados em diferentes momentos do ano agrícola, restringe sua capacidade de reorientar sua oferta de produtos em função das condições de mercado. Esta agricultura de síntese agroecológica permite ainda o inicio de uma nova reflexão sobre as relações de trabalho e a condição de felicidade e sonhos das famílias agricultoras. É relevante e verdadeiro afirmar que a maioria dos processos de trabalho e produção em que as pessoas constroem sua condição de sobrevivência e cidadania, não necessariamente as fazem felizes. Para a agricultura familiar, talvez esta afirmação seja ainda mais verdadeira. A agricultura familiar a que nos referimos conceitualmente representa uma complexidade de sujeitos sociais diferentes. Historicamente, possui uma origem conceitual de “agricultura camponesa”, e na atualidade, inúmeras famílias podem ser definidas como “agricultores familiares integrados” direta e indiretamente a complexos agroindustriais. Estas famílias cumprem o papel especializado de produção de matérias primas e/ou produtos parcialmente processados. Entre a histórica condição de “agricultor camponês”, e “agricultor familiar integrado”, uma relação de produção mudou substantivamente seu sistema produtivo e seu modo de vida: a especialização pela divisão técnica do trabalho. Para as famílias integradas, restou o papel de produzir parte das produções do que produziam no passado, reduzindo sua capacidade de autonomia na produção do autoconsumo, tornando-se consumidores, com reduzidas condições de realizar a industrialização final, e a comercialização. Desta forma, parte substantiva da riqueza gerada pelas famílias agricultoras, passa a outros setores da economia. O objetivo destas considerações é colocar em pauta o tema da felicidade no trabalho. Os instrumentos da especialização no processo de trabalho podem constituir parte fundamental das possíveis causas da insatisfação da família agricultora ao realizar o seu trabalho. O que acontece com esta família na atualidade, e acontecerá no futuro, se melhorou sua condição ou não, ainda é tema motivador de amplas reflexões e incertezas. Ao conhecer e refletir sobre a Agrofloresta Agroecológica é possível afirmar que as famílias ao

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realizarem a gestão de sistemas agroecológicos complexos, mantém ampliadas possibilidades de realizar o todo do processo de produção, transformação, distribuição, e da produção de autoconsumo. O domínio do processo de produção integra-se ao domínio do conhecimento de espécies na complexidade do ecossistema em equilíbrio. A família agricultora se mantém em processos de experimentação permanente, manejando relações de produção de sistemas complexos (consorciações e sucessões) que exigem a valorização dos conhecimentos tradicionais herdados. A democratização das relações de gênero e geração no trabalho se fortalece. A relação de convivência em parceria com a dinâmica e complexidade da natureza, complementa um conjunto de relações sociais, que talvez permita a família agricultora sonhar, e ser feliz ao realizar seu trabalho. E por fim, é necessário condicionar as reflexões sobre a agricultura e seu papel em sociedade, na dimensão dos impactos ambientais. O novo século é marcado também por diferentes formas de organização planetária, agregando em torno do tema inúmeros países preocupados com a saúde do planeta. A maioria dos países assinou protocolos se comprometendo a reduzir impactos ao meio ambiente. A agricultura convencional surge como uma das ações humanas de maior impacto ambiental negativo, seja pelo uso da água potável, pela ampliação de fronteiras agrícolas sobre áreas de florestas, e pela dependência de energias não renováveis. Para a agricultura, as sucessivas conferências mundiais sobre o clima, unificam consensos sobre cenários com inúmeros efeitos restritivos. A queda de produtividade, e novos zoneamentos agrícolas que reduzem as áreas hoje aptas à produção de inúmeras culturas encontram-se entre estes consensos. Estes novos cenários projetados, e amplamente divulgados pela imprensa, revelam a possibilidade do deslocamento de áreas de produção em grande escala. Países produtores de determinadas produtos agrícolas podem ter suas condições ambientais para este cultivo se tornado restritivas em função do aumento da temperatura do planeta e das conseqüências regionais específicas. A partir desta pauta ambiental planetária, a crítica a matriz tecnológica de produção utilizada pelas agriculturas, ganha maior dimensão, e juntamente com a matriz energética, e o padrão de consumo, formam um conjunto de elementos estruturais a serem rompidos. A Agrofloresta Agroecológica apresenta-se como alternativa real de um formato de agricultura com capacidade de cuidar do meio ambiente. Esta síntese agroecológica tem condições de produzir alimentos com produtividade, baixos custos, e ainda cuidar da terra, da água, do ar, e da biodiversidade. E, talvez, construir relações sociais de trabalho com cidadania e felicidade. Pela combinação destas variáveis, a agrofloresta assim concebida, se torna uma das poucas alternativas capazes de produzir alimentos e bens de consumo necessários, e ainda, reduzir os passivos ambientais históricos, e conservar os recursos naturais. Enfim, uma agricultura capaz de cuidar da saúde do planeta.

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CARNES Depois do problemático 2006, há ainda muitas dúvidas para 2007 Ano de 2006: oferta elevada e problemas com as exportações O ano de 2006 foi um ano certamente interessante para entendermos melhor o setor carnes no Brasil. De um lado, uma demanda considerada apenas normal e o problemas com o câmbio baixo, além da febre aftosa e os surtos de gripe aviárias nos principais mercados compradores, trouxe problemas para o setor. A exportação, que sem sombra de dúvida é o item do balanço de oferta e demanda que tem dado suporte ao crescimento do setor na última década, pelo menos, foi afetado, principalmente nos setores aves e suínos. No ano passado foram exportados apenas 504,2 mil toneladas de suínos, ante as 600 mil toneladas exportadas em 2005. Da mesma forma, no setor aves ganharam o mercado externo em 2006 2,7 milhões de toneladas de frango, frente as 2,76 milhões de toneladas de 2005. Neste sentido, o que salvou o setor como um todo em 2006 foi a bovinocultura de corte, que colocou no mercado mundial 2,3 milhões de toneladas, ante as 2 milhões de 2005. No total, entretanto, as exportações de carne foram de 5,58 milhões de toneladas, volume 2,2% acima do observado em 2006. Este comportamento, entretanto, foi conseguido devido ao segundo semestre, principalmente, quando os Estados do Mato Grosso do Sul e o Rio Grande do Sul, principalmente, puderam passar a exportar carne, quando as exportações destas origens passaram a ser consideradas livres de aftosa. Isto demonstra apenas que o Brasil é um dos locais mais bem dotados do mundo para a oferta de alimentos ao mercado mundial, mercado este onde quem o controla, as empresas agroalimentícias fazem seus investimentos para tomar o Brasil como plataforma exportadora.

O fato é que, ao lado destes problemas, a matriz de produção, programada para novos recordes de exportação, estava ajustada para aumento na oferta. Assim, houve aumento nas produções tanto no setor bovinos quanto de suínos. Em 2006 foram, respectivamente, 9,58 milhões e 2,71 milhões de toneladas, respectivamente 9,4% e 7,5% acima do produzido em 2005. Somente o setor de aves, mais fácil de se ajustar à nova condição de exportação, reduziu sua produção, mesmo assim em apenas 0,33%. No total, entretanto, pelos três setores foram produzidas 21,6 milhões de toneladas de carne, 4,7% acima do produzido em 2005. Nestas condições, os preços das carnes aos produtores mantiveram-se baixas em 2006, reduzindo em muitos casos a rentabilidade da atividade. A redução não foi maior em razão dos também baixos preços da alimentação, em especial o milho e a soja. Ano de 2007 ainda cheio de indefinições

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Passado 2006, o ano de 2007 ainda está cheio de indefinições, apesar de alguns sinais que podem trazer melhora nos preços aos produtores no mercado interno. Um primeiro elemento é que os problemas sanitários, com a gripe aviária e a aftosa não são da mesma intensidade daqueles observados em 2006. No caso da gripe os surtos, pelo menos até o momento, parecem ser mais localizados e, do lado da aftosa, já é possível exportar por alguns Estados. Desta forma as exportações não devem ter que enfrentar, pelo menos na mesma intensidade de 2006, estes problemas sanitários. Tanto isto é verdade que os agentes de mercado vêm estimando novos aumentos nas exportações dos três sub-setores que compõem os setor carnes. Estes aumentos seriam de 9%, 7% e 1,5%, respectivamente para a carne bovina, para a suína e a de frango, em 2007 em relação ao ano passado. Entretanto, ainda há problemas a serem sanados. De um lado o câmbio deve manter-se valorizado, o que dificulta um maior incremento no ritmo de exportação. Da mesma forma, as produções também devem aumentar. Isto deve ocorrer principalmente para o setor de aves, onde a produção de frango pode atingir até 9,9 milhões de toneladas, 6% acima do produzido em 2006. No total, podem ser produzidas até 22,3 milhões de toneladas de carnes nos três sub-setores, representando um aumento de 3,2% em relação ao ano passado. Com isto, ou há efetivamente uma retomada consistente das exportações, ou os problemas com os preços aos produtores podem continuar. Preços aumentam aos produtores no início de 2007 Conjunturalmente os preços das carnes aos produtores estão aumentando na Região Sul neste início de ano. No caso do bovino e do frango, estão em níveis até superiores àqueles de um ano atrás. No Paraná, o quilo do frango é negociado atualmente a R$ 1,39/kg vivo, contra R$ 1,18/kg vivo do final de fevereiro de 2005, enquanto a arroba do boi em pé é negociada a R$ 52,70, contra R$ 46,20 de um ano atrás.

Carne Bovina: Evolução dos preços aos agricultores no Paraná (jan/06 a fev/07)

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Fonte: Seab/Deral. Elaboração: Deser.

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Frango: Evolução dos preços recebidos pelos agricultores no Paraná (jan/06 a fev/07)

0,901,001,101,201,301,401,50

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07

R$/

kg v

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Fonte: Seab/Deral. Elaboração: Deser.

Apenas a carne de suíno continua com preços praticamente iguais àquelas do ano passado. No Paraná, por exemplo, os produtores negociam sua produção atualmente a R$ 1,59/kg vivo. A diferença deste ano é as cotações estão aumentando e não recuando, como no ano passado. A continuidade na recuperação nos preços vai depender, entretanto, da retomada das exportações, retomada esta que até o momento ainda não está confirmada. Custo tem aumentado Para os três sub-setores, entretanto, um problema que aparece como um fantasma para a rentabilidade são os preços dos cereais, especialmente milho e soja. Como estes estão aumentando, a possibilidade destes complicarem a rentabilidade dos agricultores é muito grande. Isto porque com a curva de preços das carnes é ascendente, no caso da relação entre as carnes e o milho é descendente. No início de 2006, conseguia-se adquirir mais de 8,5 quilos de milho com a venda de um quilo de suíno vivo. Atualmente, se consegue, com a venda do mesmo produto, adquirir somente 5,7 quilos, num recuo de 33% nesta quantidade. Para o frango ocorre o mesmo fenômeno, com o agricultor conseguindo adquirir na atualidade apenas 5 quilos de milho com a venda de um quilo de frango vivo, contra mais de 6,4 quilos no início do ano passado, num recuo de 22% num único ano. Supondo uma relação calculada pela Embrapa Aves e Suínos de 7 quilos de milho por quilo de carne como o ponto de equilíbrio para o produtor, verificam-se as

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dificuldades que estão e que podem ainda continuar enfrentando os produtores neste ano de 207.

Produto X Milho: Quantidade (kg) de milho adquirida com a venda de um quilo de carne no PR (jan/06 a fev/07)

3,8

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06

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07

Frango SuínoFonte: Seab/Deral. Elaboração: Deser.

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FEIJÃO

Feijão: Produtores no Sul perdem com preços e agora com o excesso de chuvas Safra deve ser maior total, mas o problema para os preços é a primeira safra.

Os preços do feijão vêm recuando nas últimas semanas no Brasil, mas em especial na região Sul, a principal região produtora na 1ª Safra. A boa expectativa para esta safra, que no Brasil será de 1,46 milhões de toneladas, 316 mil toneladas maior que a de 2005/06 e, na região Sul, que deve colher 826,3 mil toneladas, 202 mil toneladas a mais que o volume obtido em 2005/06, é o principal motivo para este comportamento dos preços. Além disso, deve-se destacar a continuidade dos históricos problemas com a demanda pelo produto, além do fator conjuntural advindo do período de férias escolares, onde a demanda por feijão recua. Deve-se lembrar, entretanto, que se as estimativas da Cohab e das Secretarias da Agricultura dos principais Estados produtores desta primeira safra (pela ordem: Paraná, Minas Gerais, São Paulo e Bahia) confirmam uma boa safra, apontando para uma safra total (1ª, 2ª e 3ª safras) de até 3,62 milhões de toneladas, volume mais de 300 mil toneladas acima do consumo total para este ano, segundo a Cohab, não há estimativas para aumento nos volumes da 2ª e 3ª safras. Haja vista o péssimo desempenho dos preços praticados no momento, a possibilidade de recuo nessas produções poderá indicar uma inflexão na pressão sobre os preços a partir do final da colheita da primeira safra. Essa possibilidade se acentua ainda mais quando se verifica as regiões, já na primeira safra, onde efetivamente deve ocorrer aumento significativo na produção. Além da região Sul (especialmente Paraná, que deve colher, segundo a Siba/Dedal, até 640 mil toneladas) a outra Região que pode colher uma safra significativamente maior que aquela de 2005/06 é a Bahia, especialmente na região de Eric. Deve-se mencionar que embora haja potencial para a colheita de 125,6 mil toneladas nesta primeira safra naquela região, quase 40 mil toneladas a mais que a de 2005/06, esta safra é responsável pelo abastecimento do mercado do Centro-Sul, especialmente São Paulo, a principal praça formadora de preços no Brasil, entre o final da colheita da primeira safra e a colheita da segunda safra. Assim, isto pode significar até alguma elevação nos preços ainda neste primeiro semestre do ano. Safras: chuvas prejudicam lavouras e trazem prejuízos aos agricultores O fator novo que pode alterar a situação acima é o comportamento climático. Infelizmente para os agricultores, a safra está sendo colhida num ano de “Eu Nino” que tem trazido chuvas excessivas para as regiões Centro-Sul do Brasil. Assim, no Paraná, os

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agricultores das regiões de Guarapuava, Evapora, Ponta Grossa, Ira ti, Prudentópolis e Curitiba, regiões que concentram aproximadamente 50% da produção estadual, estão com dificuldades em efetuar a colheita devido o excesso de umidade nas lavouras. Com isto, mesmo com a colheita já tendo avançado 60% em todo Estado, a expectativa ainda não oficial da Secretaria da Agricultura é de uma perda de até 25% na produção destas regiões. Outro problema para os agricultores é a perda de qualidade do produto obtido. Também afetado pelo excesso de chuvas foi o Estado de Minas Gerais, o segundo maior produtor desta primeira safra. As estimativas iniciais ainda não oficiais são de uma queda de até 20% nas produções da Zona da Mata, Sul e Norte do Estado, justamente aquelas onde a produção de feijão ocorre preponderantemente em estabelecimentos familiares. Em São Paulo as importantes regiões produtoras de Capão Bonito, Itapeva e Itaberá também tiveram problemas com a colheita. Mercado interno: preços recuam no Sul Nas condições descritas acima, nota-se um recuo substancial dos preços do feijão em praticamente todo o Brasil. Entretanto, os preços estão mais baixos na região Sul do país. No Paraná o feijão preto está comercializado pelos agricultores a R$ 34,00/sc, menos da metade daquele observado há um ano atrás, bem abaixo do preço mínimo de R$ 47,00/sc. No mesmo Estado, o feijão carioca também recua, sendo atualmente vendido pelos agricultores a R$ 42,46/sc, 30% abaixo daquele de um ano atrás. O feijão preto é o grande prejudicado em virtude deste Estado produzir, do volume total da primeira safra, pelo menos 80% deste tipo de feijão.

No Rio Grande do Sul os preços aos agricultores não passam atualmente dos R$ 35,00, 56% inferiores aos R$ 81,00/sc de um ano atrás. A mesma situação se verifica em Santa Catarina, onde em Chapecó o feijão preto é negociado atualmente a menos de R$ 34,00/sc, praticamente a metade do valor de um ano atrás. Os valores para o feijão carioca são um pouco superiores, mas não atingem os R$ 40,00/sc.

Os preços somente não estão abaixo do mínimo nas regiões fora da região Sul, onde a produção na primeira safra não deve ser muito maior em relação àquela do ano passado. Produzindo basicamente feijão carioca, os preços no interior mineiro estão próximos a R$ 50,00/sc, ficando em R$ 52,50/sc em Goiás e próximos aos R$ 57,00/sc no interior de São Paulo. Nas atuais condições, os problemas com os baixos preços, especialmente na região Sul, somente serão solucionados com um amplo movimento de compras por parte do governo. Os agricultores devem se organizar para exigir do governo uma intervenção. Esta poderia vir com a combinação de alguns mecanismos sendo o AGF (Aquisição do Governo Federal) ao preço mínimo de R$ 47,00/sc e ou com a alocação de recursos para dentro do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar) fazer-se aquisição acima do preço mínimo (ao preço de referência, atualmente em R$ 60,00/sc até o limite de R$ 3,5 mil/produtor) e outros instrumentos. No caso do Paraná, por exemplo, a Ocepar (Organização das Cooperativas o Estado do Paraná) está propondo ao Ministério da Agricultura a realização de leilões de PEP (Prêmio de Escoamento da Produção) para a exportação.

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A luta terá que ser grande, uma vez que para o governo atender estas reivindicações será necessário a existência, além dos recursos ainda não liberados para isto (somente para fazer AGF de 80 mil toneladas no Paraná reivindicados pela Ocepar seriam necessários R$ 63 milhões), de armazéns em quantidade suficiente para o volume necessário para alterar o mercado.

MILHO Milho: preços sobem no início da colheita da safra Mercado externo em ascensão Os preços do milho no mercado internacional estão em ascensão desde pelo menos o final do ano passado. Atualmente uma tonelada do cereal é negociada, na Bolsa de Chicago, a US$ 158, 30, contra apenas US$ 90,50 de um ano atrás. Na Argentina, os preços do cereal estão ao redor dos US$ 160/t, contra US$ 104/t de um ano atrás, numa evolução de 53,8% em apenas um ano. Esta situação é conseqüência das condições de oferta e demanda mundiais do cereal. No mundo, em 2006/07 serão produzidos 687,2 milhões de toneladas, 1,2% abaixo do produzido na safra passada. Entretanto, os estoques iniciais já baixos e o aumento no consumo trarão uma queda de mais de 30% nos estoques finais, devendo ser, em agosto deste ano, segundo o Usda, de apenas 86,4 milhões de toneladas.

O principal responsável por isto, além do desenvolvimento econômico acelerado das economias principalmente dos países asiáticos, é a situação nos Estados Unidos de queda de 5% na produção, para apenas 267,6 milhões de toneladas em 2006/07 e o aumento de 4,2% no consumo, que chegou a 241,6 milhões de toneladas. Como as exportações continuaram crescendo (mais 4,8%), os estoques finais em agosto de 2007 serão de apenas 19,1 milhões de toneladas, quase 62% abaixo dos observados em agosto do ano passado.

Com isto, começam os problemas naquele país com a safra 2007/08, que está sendo plantada agora. Como o aumento do consumo em 2006/07 já está ligado diretamente à crescente demanda do produto para a produção de álcool/etanol, dados os problemas oriundos dos elevados preços do petróleo e a necessidade da produção de biocombustíveis, a expectativa é de que naquele país ocorra o aumento na área plantada com milho na próxima safra. Ocorre que os problemas com os combustíveis devem continuar em 2007, fazendo com que os preços do milho dependam cada vez mais da demanda por biocombustíveis.

Esta situação cria um novo mercado para o milho, que a partir de agora passa a ser demandado em volumes ainda maiores. Assim, há uma tendência de aumento das

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exportações do outro grande produtor de milho para o mercado mundial, a Argentina, que em 2006/07 deverá exportar até 12 milhões de toneladas, 26,3% acima do que exportou em 2005/06, apesar do aumento no consumo.

Milho: Balanço de Oferta e Demanda Mundial (2005/06 e 2006/07) - Em milhões de t.

Mundo Estados Unidos Argentina Item 2005/06 2006/07 Var. % 2005/06 2006/07 Var. % 2005/06 2006/07 Var. %Estoque Inicial 130,8 125,0 -4,4 53,7 50,0 -6,9 1,0 1,1 10,4 Produção 695,6 687,2 -1,2 282,3 267,6 -5,2 15,8 19,0 20,3 Importação 79,2 80,2 1,2 0,2 0,3 8,7 - - - Exportação 80,7 83,5 3,4 54,6 57,2 4,8 9,5 12,0 26,3 Consumo 701,4 725,8 3,5 231,7 241,6 4,2 6,2 7,0 12,9 Estoque Final 125,0 86,4 -30,8 50,0 19,1 -61,8 1,1 1,1 0,0 Fonte: Usda. Elaboração: Deser. Safra brasileira começa a ser colhida A safra brasileira está estimada pela Conab em 47,92 milhões de toneladas, 12,7% acima do colhido em 2005/06. O bom comportamento climático na região Centro-Sul do país deve trazer um aumento 12% na primeira safra, que deve atingir 35,6 milhões de toneladas e de 14,9% na segunda safra, que deve atingir as 12,3 milhões de toneladas. Até o momento a colheita está apenas no início, com o Paraná tendo avançado mais, com aproximadamente 12% de suas lavouras colhidas. De qualquer forma, a colheita deve se intensificar apenas em março. Há, entretanto, motivos para preocupações, pois o comportamento climático do Centro-Sul com chuvas em excesso é decorrência neste ano do “El Nino”, que traz também seca para a região Nordeste. Como nesta Região há a expectativa da colheita de aproximadamente 3,6 milhões de toneladas na primeira safra, estes números podem ser um pouco inferiores. A segunda safra começa a ser plantada no Paraná, onde também aproximadamente 10% foi até o momento implantada. A expectativa é da colheita de até 4 milhões de toneladas no inverno, aumento de 17,8% em relação a 2005/06 principalmente devido aos preços mais elevados neste ano em relação ao ano passado. Suprimento interno: demanda anima, mas exportações terão que aumentar Em relação às condições para o abastecimento no mercado interno há indicações de possíveis dificuldades. Isto porque do lado da demanda deverá haver uma retomada do consumo. A Conab estima um consumo de até 39 milhões de toneladas, ante as 38,3 milhões consumidas em 2005/06.

Isto deve ocorrer principalmente devido à maior demanda tanto da avicultura quanto da suinocultura. Estes dois setores devem consumir, sozinhas, 32,46 milhões de toneladas de milho em 2007, 2,6% acima de 31,6 milhões consumidas em 2006. Além disso, deve aumentar também em 2007 o volume de milho destinado às exportações. Em 2005/06, este volume foi de 3,5 milhões de toneladas mas, a partir dos

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registros de exportação até o momento já efetuadas, e dados os problemas dos Estados Unidos, deve ficar próximo às 4 milhões de toneladas em 2006/07. Milho: Bal. de Oferta e Demanda no Brasil (2005/06 e 2006/07) - Em milhões de t.

Item 2005/06 2006/07 Var. % Estoque Inicial 3.235,4 3.417,6 5,6 Produção 41.682,3 47.920,0 15,0 Importação 300,0 400,0 33,3 Exportação 3.500,0 4.000,0 14,3 Consumo 38.300,0 39.000,0 1,8 Estoque Final 3.417,6 8.737,6 155,7 Fonte: Conab. Elaboração: Deser. Obs: Exportações de 2006/07 fonte do mercado. Nesta situação, entretanto, há necessidade de um aumento mais significativo dos volumes exportados para que ocorra um recuo maior nos estoques finais para que efetivamente se assegure um melhor nível de preços. Preços em evolução positiva no início da colheita Os preços do milho estão, neste ano, num nível bem superior aos observados há um ano e durante a comercialização da safra 2005/06. No Paraná, os agricultores recebem atualmente R$ 16,60/sc, 26% acima dos níveis de um ano atrás. No Rio Grande do Sul a média de preços é de R$ 17,20/sc, contra R$ 15,90/sc há exatamente um ano. Na região de Chapecó, os níveis atuais são de R$ 17,00/sc, contra apenas R$ 14,50/sc da mesma época do ano passado, numa evolução de 21% em um ano.

Milho: Evolução dos preços recebidos pelos agricultores no Paraná (2006 e 2007)

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Fonte: Seab/Deral. Elaboração: Deser.

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Nestas condições, parece claro que os níveis de preços manter-se-ão neste ano

acima daqueles observados há um ano. Entretanto, o avanço da colheita da primeira safra deve trazer um pequeno recuo nos preços. Para além da colheita, entretanto, há que considerar, para verificar o nível de novo aumento nos preços, as condições de desenvolvimento da safra de inverno, os níveis das exportações, além da confirmação dos volumes exportados.

SOJA

Soja: preços mais elevados na comercialização da safra 2006/07 Safra 2007/08 deve ser menor nos Estados Unidos Os números da safra mundial em 2006/07 estão praticamente confirmados com a colheita de 86,77 milhões de toneladas nos Estados Unidos, já no ano passado, e com as boas condições climáticas para o desenvolvimento das lavouras nos dois outros principais produtores mundiais: o Brasil e a Argentina. Juntos estes devem colher mais de 100 milhões de toneladas, sendo 56,3 milhões no Brasil e 44 milhões na Argentina. Em fevereiro, o Usda reestimou para cima as projeções da colheita nesses países que começa em março. Reestimou também o volume consumido em 2006/07, agora estimado em 222,78 milhões toneladas. Da mesma forma, continua estimando os estoques finais para cima em menos de 800 mil toneladas, em 57,43 milhões de toneladas. Com isto, fica claro que a safra 2006/07, a não ser por drásticos problemas climáticos não afetará mais o mercado. Só se espera um recuo de preços no mercado do Brasil e Argentina na época da colheita. De outro modo, entretanto, a safra 2007/08, que começa a ser plantada em abril nos Estados Unidos, já está interferindo no mercado mundial da soja. Isto porque os Estados Unidos, demandando maior produção de etanol para combustível, deverá destinar uma área maior para a produção de milho, o que obrigará a redução na área plantada com soja naquele país. Segundo fontes do mercado, a estimativa oficiosas do Usda dão conta de uma produção em 2007/08 de apenas 78,9 milhões de toneladas, quase 9% abaixo da obtida em 2006/07. Embora o Usda somente vá divulgar as primeiras intenções de plantio para aquele país em meados de março, a quase certa queda na área planta com soja deve trazer redução também na produção de soja.

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Isto, aliado ao fato de uma demanda ainda maior por soja para a ração animal em 2007, pode trazer problemas para o abastecimento mundial. Preços sobem no mercado mundial Com esta situação, os preços da oleaginosa no mercado mundial estão subindo. Na Bolsa de Chicago os preços estão atualmente em US$ 277,50/t, contra menos de US$ 215,00/t de um ano atrás, num aumento de 30% desde o ano passado. No Cif Rotterdam, os preços atuais estão próximos a US$ 315,00/t, contra apenas US$ 265/t de um ano atrás e na Argentina estes estão em US$ 262,30/t contra US$ 239,40/t. As cotações no mercado mundial devem ser ditadas de agora em diante em função das condições de plantio e logo após ao desenvolvimento das lavouras nos Estados Unidos. A partir de abril, principalmente, se viverá o “mercado de clima”, com as cotações na Bolsa de Chicago variando em função das condições climáticas. De qualquer forma, os preços da oleaginosa no mercado mundial permanecerão mais firmes neste ano em relação ao ano passado.

Soja-Grão: Preços em Chicago (jan/06 a fev/07)

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Fonte: CBoT. Elaboração: Deser. Conab reestima safra brasileira No Brasil, a Conab reestimou a safra de 2006/07 para 56,31 milhões de toneladas, 5,4% acima da safra 2005/06. A princípio isto pode significar uma folga no abastecimento do mercado interno. Entretanto, deve-se lembrar que neste ano deve haver uma retomada nas exportações de carne, retomada esta, que fatalmente trará uma maior demanda para ração.

Como, de outro lado, o Brasil deve exportar mais milho em virtude da demanda por etanol no mundo, milho este que antes compunha a ração para o setor carnes no mercado interno, a demanda por soja ficará ainda mais aquecida.

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Soja: Safra brasileira 2005/06 e 2006/07 - milhões de t. Estado/Região 2005/06 2006/07 Var. % Norte 1.283,2 1.256,1 -2,1 Nordeste 3.560,9 3.826,2 7,5 Centro-Oeste 26.795,5 26.457,9 -1,3 Mato Grosso 15.877,6 15.273,8 -3,8 M. G. do Sul 4.375,5 4.872,5 11,4 Goiás 6.396,7 6.154,7 -3,8 Distrito Federal 145,7 156,9 7,7 Sudeste 4.051,8 3.908,6 -3,5 Minas Gerais 2.482,5 2.558,6 3,1 São Paulo 1.569,3 1.350,0 -14,0 Sul 17.722,5 20.867,5 17,7 Paraná 9.389,1 11.863,7 26,4 Sta. Catarina 814,8 998,5 22,5 R. G. do Sul 7.518,6 8.005,3 6,5 Total 53.413,9 56.316,3 5,4 Fonte: Conab. Elaboração: Deser.

Com isto, na realidade, o abastecimento interno da oleaginosa ficará bem ajustado

à oferta. Mercado interno em alta Em virtude da situação acima descrita, os preços da soja no mercado interno estão num patamar bem superior ao do ano passado. No Paraná atualmente os produtores recebem R$ 29,90/sc, 15% acima dos preços de um ano atrás. Da mesma forma, no Rio Grande do Sul os preços atuais aos agricultores estão em aproximadamente R$ 27,70/sc, nível 25% acima dos R$ 22,10/sc de meados de fevereiro de 2006. A expectativa de agora em diante é que os preços continuem elevados, apesar de poder ocorrer uma leve queda no momento da colheita, principalmente entre abril e maio. Entretanto, o nível desta queda dependerá muito da área plantada nos Estados Unidos.

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Soja: Preços recebidos pelos agricultores no Paraná (jna/06 a fev/07)

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Fonte: Seab/Deral. Elaboração: Deser.

De qualquer maneira, com uma menor safra nos Estados Unidos e a retomada nas exportações de carnes, dificilmente os preços não subirão significativamente na entressafra, a partir de maio. Isto deve trazer vantagens para quem segurar a comercialização da produção para este período.

TRIGO

Trigo: Preços recuam no Brasil em função dos preços externos Usda prevê pequena melhora nas condições do abastecimento em 2006/07 Em fevereiro, o Usda reestimou as condições de abastecimento mundial do trigo para 2006/07. Apesar deste continuar de certa forma apertado, confirmando-se as últimas estimativas do Usda, deve melhorar um pouco.

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A produção mundial em 2006/07 deve ser de 292,03 milhões de toneladas, 4,5% abaixo do volume de 2005/06, mas mais de 2 milhões de toneladas acima da estimativa do órgão até janeiro deste ano. Da mesma forma, o consumo e as exportações mundiais devem recuar 1% e 6,6%, respectivamente. Com isto, os estoques finais de 2006/07 devem ser de 120,8 milhões de toneladas, 17,7% abaixo dos estoques de 2005/06, mas praticamente o mesmo nível estimado até janeiro. Os principais responsáveis por isto são as quedas nas produções dos Estados Unidos e União Européia de 13,9% e 16,2%, respectivamente. Com isto, as exportações destes também recuam, mas a dos Estados Unidos deve ser em 2006/07, de apenas 23,81 milhões de toneladas, 13% abaixo das exportações de 2005/06. Na Argentina, também houve um recuo na produção e nas exportações, mas estas últimas devem ser muito parecidas com aquelas do ano passado. Trigo: Balanço de Oferta e Demanda em 2005/06 e 2006/07 - Em milhões de t.

Mundo Estados Unidos Argentina Item 2005/06 2006/07 Var. % 2005/06 2006/07 Var. % 2005/06 2006/07 Var. %

Estoque Inicial 151,22 146,93 -2,84 14,70 15,55 5,78 0,55 0,50 -9,09 Produção 620,13 592,03 -4,53 57,28 49,32 -13,90 14,50 14,20 -2,07 Importação 110,29 109,78 -0,46 2,22 3,13 40,99 0,01 0,01 0,00 Exportação 116,86 109,04 -6,69 27,47 23,81 -13,32 9,56 9,50 -0,63 Consumo 624,42 618,16 -1,00 31,19 31,33 0,45 5,00 4,90 -2,00 Estoque Final 146,93 120,80 -17,78 15,55 12,85 -17,36 0,50 0,31 -38,00 Fonte: Usda. Elaboração: Deser. Preços continuam elevados no mercado mundial, apesar de leve queda Nas condições acima, os preços do trigo no mercado mundial apresentaram-se em elevação desde pelo menos meados do ano passado, atingindo seu pico em novembro último.

Atualmente, as cotações do cereal estão bem elevadas em relação a igual período de 2006, ou seja, US$ 168,76//t contra apenas US$ 131,80/t, numa evolução de 33% em apenas um ano. Estes preços, entretanto, já chegaram a patamares superiores a US$ 200,00/t, tendo recuado desde o início do ano. Isto é decorrente da relativa melhora nas estimativas para a produção mundial neste momento. Acompanhando esta tendência, os preços na Argentina, principal fornecedor de trigo ao Brasil, estão atualmente também bem acima daqueles observados há um ano. Nos portos daquele país atualmente as cotações são de US$ 176,00/t, 30% acima dos US$ 136,00/t de igual período de 2006. Entretanto, os preços também recuaram desde o início do ano, quando atingiram US$ 190,00/t.

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Trigo: Evolução dos preços na Bolsa de Chicago (jan/06 a fev/07)

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Fonte: CBoT. Elaboração: Deser.

De agora em diante, as tendências para os preços do trigo no mercado mundial devem depender do plantio e desenvolvimento das lavouras de verão nos Estados Unidos, condições estas que somente serão divulgadas a partir de abril pelo Usda. De qualquer forma, devem ainda continuar elevados enquanto não se confirmar um firme aumento na safra mundial 2007/08. Safra brasileira em 2007 pode crescer Ainda não há dados oficiais sobre a próxima safra de trigo no Brasil, que está sendo plantada. No Paraná, o principal Estado produtor, uma primeira estimativa deve ser divulgada somente no final de março e, no Rio Grande do Sul, a estimativa para a sua safra somente deve ser divulgada a partir de abril. Há, evidentemente, no Paraná a competição do trigo com o milho safrinha. Como os preços do milho neste ano estão mais elevados que no ano passado, devendo voltar a subir logo após o término da colheita da segunda safra, a safrinha no Paraná vai ganhar área em relação ao ano passado.

Entretanto os preços do trigo nesta safra estão também bem acima daqueles observados em 2006. Desta forma, se o trigo tem maiores dificuldades de aumento de área plantada no Paraná, o mesmo não acontece em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Assim, ainda acreditamos numa pequena evolução na área plantada com trigo no Brasil. Esta expectativa se atém também a outro fator: a área com feijão na segunda safra. Mesmo sendo uma cultura que não representa muito em termos de área, os baixos preços deste na comercialização da safra das águas deve fazer muitos agricultores trocarem o plantio de feijão por trigo. Os agricultores devem lembrar, entretanto, que uma área um pouco superior nesta safra deve trazer um aumento de mais de 100% na safra de 2007 em relação à de 2006 que, castigada pela seca e depois por geadas em julho, que trouxeram a produção

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brasileira para apenas 2,44 milhões de toneladas, contra uma expectativa de 4,87 milhões de toneladas.

Assim, os agricultores têm que trabalhar com uma expectativa de uma safra de aproximadamente 5 milhões de toneladas neste ano. Preços recuam levemente ao produtor No mercado interno, como o Brasil é um importador líquido do produto, os preços vêem acompanhamento o mercado mundial em seu movimento de recuo. Assim, os agricultores que ainda têm produto para a venda no Paraná estão recebendo apenas R$ 25,55/sc, contra até R$ 27,00/sc do início do ano.

Trigo: Evolução dos preços recebidos pelos agricultores no Paraná (jan/06 a fev/07)

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Fonte: Seab/Deral. Elaboração: Deser.

As expectativas para o restante do ano vão depender do comportamento das lavouras, a serem plantadas a partir de março. Com uma safra maior, os níveis de preços deverão recuar principalmente na época da colheita. Isto deve ocorrer apesar do aumento da demanda por trigo em decorrência da maior utilização de milho para a produção de combustível.