Educação física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz - Valter Bracht

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BRACHT, Valter. Educação física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2003. 160 p.

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C o l e ç ã o E d u c a ç ã o F í s ic a

T e d i ç ã o

Editora UnijuíIjuí - Rio Grande do Sul - Brasil

2003

Cenas de um casamento (in)feliz 

uando falamos de teoriada Educação Física nãoinsistimos na sua a djetivaçãocomo teoria científica. Isso não

significa que tenhamos abandonadoa pretensão de racionalidade para essateoria,- muito mais, significa aler tar paraa necessidade de elucidar o conceitode racionalidade científica queé utilizado no discurso e na prática, bemcomo para as dificuldades de

tal empreendimento. O debateepistemologia) atual parece indicarmuito mais, por um lado, no sentidoda superação da racionalidade científicaclássica ou predominante (originada noplano da física e adotada pelas ciênciasnaturais e também pelo positivismocomo modelo para as ciências sociaise humanas), e, por outro, no sentidode certo relativismo que deslocaa racionalidade científica do pedestalda ra cionalidade enquanto tal e a colocano mesmo nível de outras "racionalidades" ou discursos acerca

da realidade. A s dificuldades e osmovimentos aludidos parecem indicarprudência no que diz respeitoà reivindicação de adjetivar uma teoria

da Educação Física de científica,embora indique também prudência

quanto à propensão de abandonarprecocemente a pretensão da funda

mentação racional da prática. Nemconsumar o casamento nem o divórcio.

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© 19 99 , Editora Unijuí Rua do Comércio, 1364Caixa Postal 560987 00- 000 - Ijuí - RS

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Responsabilidade Editorial e Administrativa:

Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroestedo Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Serviços Gráficos : Sedigraf 

Capa: Elias Ricardo Schüssler

Primeira edição: 1999Segunda edição: 2 0 0 3

Catalogação na FonteBiblioteca Central Unijuí 

B7 96e Bracht, Valter

Educação física & ciência : cenas de um casamento (in)feliz / Valte r Bracht. 2.e d. - Ijuí: Ed. Unijuí,20 03 .- 16 0 p. - (Coleção educação física).

ISBN 85-7429-102-1

1.Educação física 2.Ciência do esporte 3.Motricidade humana 4.Prática pedagógica 5.Epistemologia I.Título II.Série.

CDU: 7967 9 6 : 0 0 1

______________________________________001: 796____________ _

Editora Unijuí afiliada:

Associação Bras ileiradas Editoras Universitárias

 A cole ção Educaç ão Física é um proje to editorial da Editora

Unijuí, vinculado a um conselho editorial interinstitucional, que visadar publicidade a pesquisas que buscam um constante aprofundamento

da compreensão teórica desta área que vem constituindo sua reflexão

conceituai, bem como os trabalhos que garantam uma maior aproxi

mação entre a pesquisa acadêmica e os profissionais que encontram-

se nos espaços de intervenção. Promover este movimento é sem dúvi

da o maior desafio desta coleção.

Conselho EditorialCarmen Lucia Soares - Unicamp

Mauro Betti - Unesp/Bauru

Tarcisio Mauro V ago - UFMGLuis Osório Cruz Portela - UFS M

 Amauri Bassoli de Oliveira - UEM

Giovani De L orenzi Pires - UFSC Valter Bracht - UFESNelson Carvalho Marcellino - Unicamp

Paulo Evaldo Fensterseifer - Unijuí 

 Vicente Molina Neto - UFRG SElenor Kunz - UFSC

 Victor Andrade de Melo - UFRJSilvana Vilodre Goellner - UFRGS

Comitê de RedaçãoPaulo FensterseiferFernando GonzalezMaria Simone Vione SchwengberLeopoldo Schonardie FilhoJoel Corso

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SUMÁRIO 

INT RO DUÇÃ O.................................................................. 9

PARTE I - EDUCAÇÃO FÍSICA E CIÊNCIA 

 A CONS T IT UIÇÃ O DO CA MPO A CA DÊMICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ............................................... 15

 As características da teorização na Educação Fís ica.. 16

 As Ciências do Esporte e a despedagogização do teorizar em Educação Física................................. 18

Repedagogizando o discurso acadêmico no campo 

da Educação Física..................................................... 24

Considerações finais (perspectivas)............................ 25

 A EPIST EMOLOGIA DA EDUCAÇÃO FÍS ICA ............. 27

O campo acadêmico da Educação Física.................. 28

Considerações finais (problematizações) ................... 37

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 A PRÁ T ICA PE DA GÓGIC A DA EDUCA ÇÃ O FÍSICA:  CONHECIMENTO E ESPECIFICIDADE........................41

 As diferentes concepções do objetoda Educação Física..................................................... 42

 A especificidade pedagógica da cultura corporal de movimento .......... .................................................. 48

PARTE II - A(S) CIÊNCIA(S) DO ESPORTE,  A CIÊNC IA DA MOT RICIDADE HUMANA 

 AS CIÊNCIAS DO ESPORTE: QUE CIÊNCIA É ES SA ? . 57O conhecimento do conhecimento.............. .............. 61

 A questão da identidade epistemológica da áre a..... 63

O debate em tomo do “objeto” da Educação Física .. 65

Breves olhares sobre o caso da pedagogia ............. 68

 A Educação Física e a cie ntificidade...................... .70

 As Ciências do Esporte:fragmentação versus unidade ................................. 71

Considerações finais ................................................... 73

 A S CIÊNCIA S DO ES PORT E NO BRA SIL:UMA AV AL IAÇÃO CRÍT ICA ......................................... 75

Como se caracterizam as práticas científicas  no âmbito das Ciências do Esporte? .......................... 76

O esporte e as Ciências do Esporte: empreendimentos da modernidade........................... 85

Dimensões da interdisciplinaridade nas Ciências do Esporte................................................................... 91

 A Condição pós- moderna, a crise da razãocientífica e as Ciências do Esporte .............. .............. 95

 A TESE DA CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA,DE MANUEL SÉRGIO.................................................... 99

Kefren Calegari dos Santos

Sobre Manuel Sérgio e a tese da Ciência 

da Motricidade Humana..... ................. ................ .... 101

Levantando questõe s.. ............... ................. ............. 104

Discutindo questões ............ ................ ................. .... 105

Considerações finais .............. ................. ................ . 113

Quadro da evolução do pensamentode Manuel Sérgio em torno da CMH...................... 11 4

PARTE III - DIÁLOGOS (IM)PERTINENTES

 A EP IST EMOL OGIA DA EDUCA ÇÃ O FÍSICA:UM DIÁL OGO COM MAURO BE T T I......................... 117

Debatendo com M. Betti ......................................... 119

Considerações finais ................................................ 12 8

EPISTEMOLOGIA E POLÍTICA NA EDUCAÇÃOFÍSICA BRASILEIRA..................................................... 129

Delineando as posições presentes na Educação Física brasileira e no CBCE...................................... 132

Considerações finais ................................................ 13 9

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................... 14 3

BIBLIOGRAFIA  14 9

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INTRODUÇÃO 

O pior casamento é o que dá certo.

(Millôr Fernandes, 1994)

Os escritos aqui reunidos discutem uma relação que,guardadas as limitações de uma metáfora, apresenta algumas características presentes nas relações conjugais.

Não há aqui, obviamente, um julgamento de valor acercado próprio casamento, entendido no seu sentido tradicionalde união de dois seres humanos, embora o texto em epígrafeassim o sugira. Muito mais, pretende discutir a possibilidade

de que uma relação bem- sucedida, neste caso, pode trazerantes um resultado negativo do que positivo. Assim comopodemos questionar ser o casamento condição indispensávelpara a felicidade humana, também podemos colocar emdúvida a positividade da relação da Educação Física (EF)com a ciência, ou mesmo a transformação da Educação Física em ciência.

De qualquer forma é uma relação de risco (menos paraa ciência do que para a Educação Física). Eliminar a identidade de um dos pólos desta relação (do casamento), trans-

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formando um no outro, confundindo os dois, ou subordinando uma identidade à outra (no caso a EF à ciência), pode,assim como no casamento, ter resultados desastrosos.

Se ilidirmos o fato de que a EF é, em certo sentido,filha da ciência moderna (o que significaria em caso de casamento uma relação incestuosa), o casamento entre a EF e aciência sempre foi almejada, mesmo porque, até há bempouco tempo a ciência era um grande “partido”. Um talcasamento poderia trazer à EF (ao noivo ou à noiva, comose queira) prestígio e status social (o dote da ciência seria

enorme) e, por extensão, a todos que a sustentam e a fazem.

Embora hoje a ciência continue a ser um grande “partido”, ela perdeu muito de seu glamour; a imagem daracionalidade científica está muito mais arranhada hoje doque estava há vinte anos. Muitas vozes, em função destequestionamento, hoje falam na necessidade do divórcio ouno rompimento do noivado.

O esporte, a partir de sua crescente importância nocontexto da cultura corporal de movimento, entra em cena evai constituir com a EF e a ciência um “triângulo amoroso”. Ass umiu o lugar do noivo ou da noiva (EF); falou em seunome e ofereceu- se para contrair o matrimônio (ou patrimônio) com a ciência. A reivindicação por ciência pelo fenôme

no esportivo redundou na tentativa de se instituir as chamadas Ciências do Esporte e nestas a EF foi renomeada deárea pedagógica.

 A crise de identidade da EF foi entendida então comoresultado da incapacidade da EF concretizar o casamento.Hoje, ao contrário, alguns entendem que sua ligação com aciência já foi forte/longe demais e que seria preciso resgataroutros valores que lhe são próprios para que possa superar

sua crise de identidade. Nessa ótica, um tal casamento nãosó não superaria a crise da Educação Física, como desvirtuaria suas características mais importantes.

Outros, como é o nosso caso, advogam para a EF umarelação com a ciência que é ao mesmo tempo de proximidade e de distanciamento. Isto significa que as identidades dos“parceiros” não se confundem. Só com esta condição a relação parece ser produtiva. Isto significa refletir sobre as possibilidades, mas também, sobre as limitações da ciência,ex atamente par a não tomá- la como um dogma.

Os textos aqui reunidos foram escritos em diferentesmomentos da discussão que vem- se trav ando nos últimosanos, na nossa área. Assim, minhas posições aparecem noseu processo de desenvolvimento.

E sempre muito difícil organizar textos escritos de forma esparsa numa ordem lógica. A forma encontrada e quepareceu menos problemática foi a de organizá- los em trêspartes: “I - Educação Física e Ciência” , discute a constituição do campo acadêmico da EF, as questões epistemológicasque se colocam a partir da EF e a especificidade do conhecimento tratado pela EF; “II - A(s) Ciência(s) do Esporte, aCiência da Motricidade Humana”, reúne os textos queenfocam especificamente as tentativas de se constituirem asCiências do Esporte e a Ciência da Motricidade Humana,

bem como uma avaliação crítica da sua produção. Nesseponto tivemos a colaboração de um jovem e tale ato :o professor de Educação Física, Kefren Calegari dos Santos, quelevanta pontos importantes para a discussão da tese de Manuel Sérgio; “III - Diálogos (im)pertinentes”, r eúne os textosque debatem com posições expressas por outros pesquisadores da área que se ocupam com essa questão, num casoidentificando o interlocutor, Mauro Betti, e em outro dialogando com posições presentes na área.

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Cabe neste momento agradecer às várias instituições eaos colegas que foram fundamentais para o desenvolvimento destas reflexões; Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que por algum tempo colaborou mediante a concessão de uma bolsa de pesquisa; à UFES, que me acolheu como docente; aos colegas detrabalho do LESEF; aos colegas de diálogo que não nominopara não cometer injustiças esquecendo alguém.

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A CONSTITUIÇÃO  DO CAMPO ACADÊMICO  

DA EDUCAÇÃO FÍSICA1„stssss*'** v " ' ‘

Neste capítulo tomamos c omo foco de atenção a construção do campo acadêmico da EF no Brasil, com especialatenção para o período que vai do final da década de 60 aténossos dias.

E importante desde logo ressaltar que nossa atençãorecai sobre a produção acadêmica da “área”, vale dizer, ateorização que envolve e acompanha esta prática social queconvencionamos chamar de Educação Física, ou seja, é umestudo sobre o pensamento da EF brasileira e sobre comoela vem- se pensando. Especificamente, perseg uimos a questão de como foram pensados os limites/contornos deste campo, quem dele participa legitimamente, quais problemáticas

são privilegiadas e reconhecidas como pertencentes ao campo, ou seja, c omo a partir deste conjunto de práticas forja- seo próprio campo.

Outro aspecto que considero necessário aclarar desdelogo, dadas as posições que venho defendendo em relaçãoao uso do termo EF (Bracht, 1992 e 1995), é de que enten-

1 Este tex to foi inicialmente apres entado no IV Encontro Nacional de História doEsporte, Lazer e Educação Física (Belo Horizonte/MG, 1996).

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do esta, fundamentalmente, como uma prática que tematizacom a intenção pedagógica as manifestações da cultura corporal de movimento. Esse entendimento, sabemos, está longe de ser unanimidade. Ele convive com vários outros queestendem o significado do termo para, por exemplo, todasas manifestações da cultura corporal de movimento, ou então, como é mais comum, para todos os campos de atuaçãodo profissional de EF. E nítido que ao longo do desenvolvimento do campo acadêmico da “EF”2nem sempre foi esse oentendimento, muito ao contrário, os limites deste camposempre es tiveram difusos (e confusos). Ass im, e mbora partada posição acima aclarada, será preciso, para analisar aconstrução do campo acadêmico “EF”, adentrar e enfocar asproduções que se colocam como pertencentes ao campo,mas que partem de uma outra visão de quais são seus contornos.

As características da teorização na Educação Física

O surgimento ou a incorporação de práticas corporaisnos currículos escolares na Europa no século XV III e principalmente XIX foi precedida e portanto resultou de uma sériede mudanças e desenvolvimentos no âmbito da medicina eda própria pedagogia3. Na medicina, os avanços provoca

ram uma valorização da atividade física, como elementofomentador e garantidor de saúde, e, na pedagogia, a aceitação crescente de uma visão de homem calcada na ciência,

2 Coloco as pas ex atamente para chamar a atenção de que é uma denominaçãoprovisória, porque concorrente com denominações (e propostas) como as de Ciências do Esporte, Ciência do Movimento Humano ou Ciência da MotricidadeHumana.

3 Essas mudanças e stão ancoradas no complex o processo de mudanças societáriasmais amplas, mas que aqui não serão discutidas.

basicamente nas ciências naturais, levou a se fundamentar apropriedade das práticas corporais pertencerem ao currículoescolar (Cachay, 1988). O século XIX vai ser o século dasistematização dos chamados métodos ginásticos cujo discurso científico fundamentador era predominantemente derivado das ciências biológicas, sendo os intelectuais que construíram esse discurso do campo médico e também pedagógico, sendo, neste último caso, a fundamentação tambémfortemente marcada por pressupostos biológicos. Outra instituição importante e que foi cadinho da elaboração teóricada EF é a militar.

 Assim, as estruturas de pensamento, com seus pressupostos científicos e filosóficos, estavam ancoradas tanto nainstituição médica quanto na militar, mas também na própria pedagogia. Neste sentido é interessante a hipótese levantada por Ferreira Neto (1999), de que, no caso brasileiro,a instituição militar construiu, nas décadas de 30 e 40 desteséculo, um projeto de EF para o país, articulado com umprojeto para a educação brasileira como um todo.

Sem adentrar aos detalhes dessa produção de formadiferenciada, como aliás seria necessário, gostaria apenasde destacar uma sua característica que julgo ser possívelidentificar. Refiro- me ao fato de que a teorização da ginásti-

ca escolar era realizada a partir de um olhar pedagógico  (médico pedagógico, moral pedagógico), ou seja, as práti

cas corporais eram construídas e vistas como instrumentospara a educação para a saúde e para a educação moral.Te orizar4 era fundamentar uma prática pedagógica envolvendo práticas corporais, embora com base em um arcabouço

4 E importante ress alvar que os intelectuais ativos no âmbito da ginástica escolar ouEF trabalhavam mais na perspectiva da recepção dos métodos ginásticos do que naconstrução fundamentada destes. Quem sabe a única iniciativa neste sentido naépoca tenha sido o concurso promovido em 1942 para a elaboração de um métodonacional de EF (Ministério da Educação e da Saúde, 1952).

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teórico- metodológico marcadamente biológico. Outra característica é a de que essa teorização era realizada, necessariamente, por intelectuais de outros campos (medicina, forçasarmadas, pedagogia, ciências políticas), uma vez que o campoacadêmico “EF” (ou ginástica escolar) não havia ainda seconstituído. Isto passa a se realizar com a formação em nívelde terceiro grau, de profissionais civis de EF, bem como coma afirmação da EF enquanto curso de formação de professores, nas instituições superiores de ensino.

 As características da formação de instrutores de ginás

tica, inicialmente, e de professores de EF, mais recentemente, fortemente marcada pela idéia de treinamento atravésda execução de movimentos, fizeram retardar o aparecimento do intelectual da EF. Não me refiro aqui ao intelectualno singular, mas, sim, ao agente social pertencente a umcampo acadêmico capaz e instrumentalizado para construirteoria que fundamente a prática pedagógica em EF. Existem indicadores de que os intelectuais que pensaram a EFbrasileira, neste período, trouxeram/adquiriram o instrumentalpara tanto em outros campos, ou seja, o campo da “EF” nãodispunha dos meios para teorizar sua prática. De qualquerforma o discurso, a teorização neste campo emergente, era,até a década de 60, marcadamente de caráter pedagógico.

As Ciências do Esporte e a despedagogização do teorizar em Educação Física

Se nas suas origens, no Brasil, e até aproximadamentea década de 60 o discurso no âmbito da EF era marcadopelo viés pedagógico (de tom muitas vezes fortementenormativo), a partir de então passa a ganhar espaço um“teorizar ” cientificista. L ogo levantou-s e a questão se a EF

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era uma ciência ou uma disciplina acadêmica ou científica.Questão levantada muito em função de uma pressão externa para que a EF se legitimasse no campo científico, quetem nas universidades seu locus privilegiado.

Fator determinante para essa nova onda cientificistana EF, no entanto, foi o enorme desenvolvimento que sofreu, após a II Guerra Mundial, o fenômeno esportivo e comoele foi absorvido ou se impôs à EF.

 As décadas de 60 e 70 são cruciais para o ca mpo

acadêmico da EF e isto não somente no caso do Brasil. Aliás, no Brasil, esse movimento apres enta um atraso dequase uma década em relação aos países capitalistas desenvolvidos. Whitson e Macintosh (1990), retratam como, noCanadá, nas décadas de 60 e 70, o discurso humanista daEF foi substituído por um outro, de tipo cientificista, combase nas Ciências do Esporte (CE) ou Ciências do Movimento Humano, sob a influência dos EUA. Willimczik (1987),por outro lado, analisando o desenvolvimento da CiênciaDesportiva (Sportwissenschaft) na Alemanha, afirma que adiscussão teórico- científica naquele país sobre a questão doobjeto desta “área”, centrou- se no período de 1 93 5 a 19 70 ,na contraposição entre teoria da EF (Leibeserziehung ) e teoria dos exercícios corporais (Leibesübungen). Mas, em primeiro plano, o objeto era visto como um objeto pedagógico.

No final dos anos 60 se impôs a denominação CiênciaDesportiva e isso, segundo o autor, em função da tendênciainternacional nesse sentido, bem como do fato de que oesporte tornou-s e o fenômeno dominante nesta área. Dietr iche Landau (1987, p. 384s.) vão além, afirmando que o conceito de pedagogia desportiva (Sportpädagogik ) determinouo fim da época do conceito de teoria da EF (Leibeserziehung) com suas concepções orientadas nas teorias da educação.

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 A lém disso, também a pedag ogia desportiva, como outrassubdisciplinas da Ciência Desportiva, vão ser funcionalizadasa partir dos interesses da instituição desportiva.

Podemos perceber então pelas análises de Greendorfer(1987), Whitson e Macintosh (1990), Willimczik (1987) eDietrich e Landau (1987), que tanto na Alemanha como noCanadá e nos EUA, nas décadas de 60 e 70, a EF esteveorientada para a melhoria do desempenho esportivo no país5.O “Diagnóstico da EF/Desportos no Brasil” (Costa, 1971)apontou uma deficiência no âmbito da medicina desportiva,

considerada uma das razões da deficiência da área. A partirdaí investimentos foram orientados para melhorar o nível dedesenvolvimento científica da “área”, como o incentivo àpós- graduação e os investimentos em laboratórios de fisiologia do exercício. Nesse contexto é fundada, no final dosanos 70, uma nova entidade científica, o Colégio Brasileirode Ciências do Esporte (CBCE).

 A produção acadêmica volta- se para o fe nômeno esportivo. É a importância social e política desse fenômenoque faz parecer legítimo o investimento em ciência nestecampo. Por sua vez, aqueles que atuam no campo ou teminterfaces com ele privilegiam o tema do esporte porque éele que oferece as melhores possibilidades de acumulaçãode capital simbólico por via de seu tratamento científico.São pesquisas que dele se ocupam que têm maiores chancesde serem reconhecidas no campo e fora dele6. Ou seja, é aimportância política e social do fenômeno esportivo (ou do

5 Evidências disso podem ser encontradas nos documentos: Diagnóstico da EF e dosDesportos no Brasil (Costa, 1971); Plano Nacional de EF e Desportos 1976 - 1979(Brasil, 1976) e era Gonçalves, J. A. P. Subsídios para implantação de uma políticanacional de desportos. Brasília, 1971, entre outros.

6 Como lembra Bourdieu (198 3, p. 124), “é inútil distinguir entre deter minações'propriamente científicas e as determinações propriamente sociais das práticas essencialmente sobredeterminadas”.

desempenho esportivo do país em nível internacional) queconfere legitimidade ao próprio campo acadêmico da EF oudas Ciências do Es porte7 ou EF e Ciências do Esporte (EF &CE).

E nesse contexto que se permite afirmar a EF nasuniversidades, que se permite um discurso científico na área,com reiv indicação conseqüente de cursos de pós- graduação,simpósios científicos, entidades científicas, financiamento depesquisas científicas, estruturação de laboratórios de pesquisa, etc., que é forjado um “novo” agente social, o intelectual

da EF, ou seja, intelectual com formação original em EF eque agora almeja também a prática científica, isto é, reivindica e se lança à prática de teorizar (cientificamente) sobre... Bem, qual é o objeto deste teorizar? Em princípio oobjeto é construído ou ganho enfocando o fenômeno esportivo e a problemática central é a melhoria da performance esportiva.

 A partir de 197 0 a EF é coloc ada ex plicitamente eplanejadamente a serviço do sistema esportivo, desempenhando o papel de base da pirâmide, sistema esse que possuía como culminância a alta performance esportiva. Plane

 jou- se constituir a EF como ele mento do sistema esportivo.EF e esporte ou EF/esporte deveriam elevar o nível de aptidão física da população.

O campo da EF/CE é permeado, nas décadas de 70 e80, por profissionais de diferentes disciplinas. Ele épluridisciplinar: médicos, psicólogos, sociólogos, professoresde EF, etc. É.importante destacar, no entanto, que o teorizar

7 Se gundo Paiva (19 94), a iniciativa de “elevar” a profissão de EF à condição deCiências do Esporte tem seu ápice na publicação do editorial da RBCE 2(2), ondese lê: “o professor de EF não pode mais ser representado como um homem forte ede boa vontade [...]: em res umo, ele hoje não é mais o ‘professor de ginástica’, maso mestre em ciências do esporte”.

 — nr-

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de caráter cientificista vai-se dar fundamentalmente a partirdas ciências- mãe, c omo a fisiologia, a psicologia, etc. comoainda hoje diagnosticam Gaya (1994), Greendorfer (1987) e Willimczik (19 87 ), com tendências à especialização a partirde subdisciplinas. Ora, o profissional de EF, num primeiromomento, premido pela busca de reconhecimento no e parao campo, v incula- se a uma es pecialidade ou a umasubdisciplina das Ciências do Esporte (ou da EF ou ainda daCiência do Movimento Humano) e torna- se um “cientista”no âmbito da fisiologia do exercício, da biomecânica, dasociologia do esporte e não um cientista da EF. É fácil perce

ber que a EF enquanto prática pedagógica quase que desaparece do horizonte de preocupações deste teorizar, comexceção das preocupações como as que buscavam identificar o método mais eficiente para ensinar determinada des

treza (esportiva).

O discurso pedagógico que havia caracterizado estecampo em construção, até mais ou menos a década de 60,é deslocado para um plano secundário - só no final da década de 80 é que as pesquisas mostram que há um aumentocrescente das pesquisas na área que vai ser denominada, nointerior das Ciências do Esporte, de ‘pedag ógica (Matsudo,

1983; Gaya, 1994).

Isso acontece porque o sistema esportivo somente apelapara a categoria educação como forma de buscar legitimida

de social. Estando, no entanto, orientado por outros princípios, permanece a questão educacional apenas como recurso retórico. O que importa mesmo é a medalha! Isso nãosignifica que ele não tenha efeito educativo, ao contrário.Significa, isto sim, que a lógica que define as ações no campo esportivo (que determina o que está em jogo no campo)ignora e não é influenciada pelo resultado educativo —ocampo ou o sistema esportivo é indiferente ao resultado que

produz em termos educacionais. As ações no sistema esportivo não serão redefinidas em função de um melhor ou piorresultado educacional e, sim, em função de um melhor oupior resultado esportivo8.

 As sim, o es porte se impôs à EF, como conte údo ecomo sentido da própria EF (Bracht, 1 992 ). O es porte éque legitima a EF porque faz coincidir seu discurso com odaquela no que diz res peito ao seu papel nos planoseducativo e da saúde - o esporte se impôs também enquanto tema e orientador da teorização neste campo acadêmico

em construção. Em suma, o discurso pedagógico na EF foiquase que sufocado pelo discurso da performance esportiva;literalmente afogado pela importância sociopolítica das medalhas olímpicas, ou pelo “desejo”, tornado público, pormedalhas.

Chegou- se aqui a uma s ituação que, na este ira deBourdieu (1996), poderíamos denominar de subordinaçãoestrutural, com o campo acadêmico da “EF/CE” usufruindode quase nenhuma autonomia para determinar a problemática teórica a ser privilegiada no campo. Essa tendência àfuncionalização deste campo acadêmico a partir dos interesses da instituição esportiva também foi detectada por Whitsone Macintosh (1990) e Dietrich e Landau (1987) para os casos do Canadá e Alemanha, respectivamente.

8 Aos poucos o siste ma esportivo vai sentindo- se forte o suficiente para a bandonar odiscurso da promoção da educação e da saúde. O presidente da ConfederaçãoBrasileira de Natação, Coaracy Nunes Filho, afirmou, em entrevista à revista  Veja, que educação não tem nada a ver com esporte, mesmo que esporte também sejaeducação (Nunes Filho, 1995, p.8).

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Repedagogizando o discurso acadêmico no campo da Educação Física

No mesmo processo de busca de reconhecimento acadêmico da EF e dos seus profissionais no âmbito universitário, alguns destes fr eqüentaram cursos de pós- graduação(mestrado) em programas da área da Educação (filosofia daeducação, principalmente)9.

É a partir do contato, não com as Ciências do Esporte,e sim com o debate pedagógico brasileiro das décadas de 70e 80, que profissionais do campo da EF passam a construirobjetos de estudo a partir do viés pedagógico. Independentemente da matriz teórica que esses profissionais vão adotar, o que caracteriza suas reflexões é que estão orientadaspelas ciências humanas e sociais e isso por via do discursopedagógico10.

Essa vertente vai representar não só um pólo de resistência política no campo, de fendendo interesses não- domi-nantes, interesses aliás ligados aos do sistema esportivo, mas,também, resistência acadêmica ao cientificismo das Ciências do Esporte. Mais recentemente alguns autores (Coletivode Autores, 1992; Bracht, 1992; Betti, 1992) vêm reforçando a necessidade de construção de uma teoria da EF,entendida esta como uma prática pedagógica, ou seja, uma

repedagogização do teorizar na EF, uma vez que essa prática pedagógica foi quase que alijada do campo enquantoobjeto. A construção de um corpo teórico com base numdiscurso pedagógico, que possa filtrar e reconverter, à luz dalógica desse campo, a influência “externa” do sistema es

9 Alg uns dos mais influentes na área: V ítor Marinho de Oliveira, J oão P aulo SubiráMedina, Apolônio Abadio do Carmo, Lino Castellani Filho e Carmen Lúcia Soares.

10 Isso também vai redundar numa certa fragilidade teórica dessa produção.

portivo, é elemento importante para a construção da autonomia (pedagógica) da EF. É claro que, no momento em quea educação e o magistério estão numa situação caótica emnosso país, só mesmo pensando na perspectiva da resistência é possível alimentar essa necessidade.

Considerações finais (perspectivas)

O campo acadêmico da EF ou da EF/CE11, como

convencionou- se chamá- la no interior do CBCE , é hoje cruzado e recortado por basicamente três perspectivas diferentes de caracterização ou de delimitação: a) tentativa de delimitação de um campo acadêmico que teorize a prática pedagógica que tematiza manifestações da cultura corporal demovimento, ou seja, o teorizar aí estaria voltado para a construção de uma teoria da EF, entendida enquanto uma prática pedagógica; b) tentativa de construir um campo interdis-ciplinar a partir das Ciências do Esporte, que, em algunscasos (Gaya, 1994), reivindica uma Ciência do Esporte voltada para as necessidades da prática esportiva; c) a tentativa de construção de uma nova ciência, a Ciência da Motricidade Humana (Sérgio, 1989; Tojal, 1994; Cavalcanti,1994). O que é importante e interessante ressaltar é quetodas essas perspectivas vão buscar a tradição e as instituições da original EF (ginástica escolar) - se colocam comoherdeiras desta.

Existe uma forte pressão, já que a total instrumentalização da EF não foi possível em função de uma resistênciainter na (com des dobramentos acadêmico- científicos e políti-

11 No CNP q a área é tratada como a subárea EF e f az parte das ciências da saúde. NaSociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) a área é denominada deCiências do Esporte/Motricidade Humana e faz parte das ciências aplicadas.

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cos), no sentido da construção de um campo acadêmico ligado/voltado ao esporte. Existem sinais de que se está construindo um discurso para justificar o surgimento de um campo acadêmico autônomo ligado ao esporte - que não estariasubordinado aos códigos da pedagogia como é o caso da EF.

 A reivindicação de uma ciência do esporte tem como base aimportância sociopolítica (e econômica) do esporte e a contribuição da ciência para o seu progresso.

Parece- nos claro, por ex emplo, que os cursos de bacharelado em esporte sejam já o resultado dessa pressão (domercado). Os dirigentes esportivos, cada vez mais claramen

te, reivindicam uma formação universitária específica paraos profissionais do campo esportivo, argumentando inclusiveque as atuais faculdades de EF não suprem as suas necessidades: “Quero uma universidade do esporte para formartécnicos, em vez das atuais faculdades de EF” (Nuzman,1996, p. 8).

Outro e lemento indicador é o de que o ex- ministroextradordinário dos Desportos, Edson Arantes do Nascimento (Pelé), reivindicou uma linha de financiamento de pesquisas específica para as Ciências do Esporte junto ao CNPq. A lém disso, o Instituto Bras ileiro do Des envolvimento doDesporto (INDESP) dispõe de dotação orçamentária parapesquisas e publicações das Ciências do Esporte.

Se, por um lado, isso indica uma autonomização docampo acadêmico da EF em relação ao sistema esportivo -

e indica no sentido do surgimento de um campo acadêmicoque estaria voltado para o teorizar especificamente destaprática social, se m ter como viés central o pedagógico - coloca questões para a EF como a de obter, urgentemente, legitimidade no interior do campo pedagógico, enquanto prática e disciplina acadêmicas, sob pena de ter sua própria existência ameaçada e isso não simplesmente no sentido da extinção, mas de simples substituição pelo esporte (na escola).

A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA1

Quando abordamos o tema da epistemologia da Educação Física (EF) assalta- nos uma série de questões que temaparecido muito frequentemente em nossas discussões nosúltimos anos, afetando, inclusive, a questão da (crise de)identidade da EF. Algumas dessas questões são:

- a EF é uma ciência ou uma disciplina científica?

- Deve a EF almejar/pretender ser uma ciência? E essa umareivindicação legítima? Essa pretensão é orginária do interior da própria EF ou de “fora” dela?

- Qual a epistéme predominante na EF? E a científica? A prática científica ligada à EF filia-se aos princípios das ciências naturais ou aos das ciências sociais e humanas? Ou

então, com qual concepção de ciência opera a EF?- Quais são as especificidades ou peculariedades da questão

epistemológica da EF?

- Quais são os limites e as possibilidades do paradigma científico para fundamentar a prática do profissional da EF?

1Este texto (Bracht, 1997) foi originalmente publicado no V. 5 de Ensaios: EducaçãoFísica e Esporte, de Carv alho & Maia (p. 5- 17).

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- É a interdisciplinaridade científica uma imposição à produção do conhecimento em EF?

É claro que o conjunto das questões acima listadas nãoesgota os questionamentos possíveis, mas pode dar umaidéia da complexidade da questão.

Quero iniciar com a pergunta sobre se a EF é umaciência. Essa questão assumiu importância no debate emtor no da crise de identidade da EF, porque levantou- se ahipótese (ou a tese) de que a superação dessa crise (que

seria de legitimidade também no plano acadêmico universitário) viria com a sua afirmação como ciência, ou seja, coma definição de objeto, método e linguagem próprios.

0 campo acadêmico da Educação Física

Para tratar dessa questão é preciso resgatar um poucoo processo de construção do campo acadêmico da EF. A chamada EF moderna é filha da modernidade. Isso significaque ela surge num quadro social em que a racionalidadecientífica se afirma como a forma correta de ler a realidade,em que o Estado burguês se afirma como forma legítima deorganização do poder e a economia capitalista baseada naindústria e merge e se consolida. A EF moderna sofre a influên

cia, desde seus primeiros passos, do pensamento científico. Vale o princípio: exercitar cientificamente o corpo, ou exercitar o corpo de acordo com o conhecimento científico ares peito. Ling e A moros esmeraram- se e m construir seusmétodos ginásticos em estreita consonância com os conhecimentos oriundos da fisiologia e da anatomia humana. Lingfalava inclusive, em movimento racional com economia deesforço. Ou seja, desde logo, esta prática, qual seja, esteconjunto sistematizado de exercitações corporais, buscou fun

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damentar- se no conhecimento das disciplinas científicas emergentes (como a física orgânica = fisiologia). Portanto, não égratuita a presença influente da instituição médica na EF(ver a respeito Cachay, 1988, e Soares, 1994).

Num primeiro momento, em função do papel atribuído à EF (na perspectiva higienista), o aporte de conhecimentos científicos vinha exatamente das ciências biológicas. Ocorpo e as atividades físicas eram estudados como fatos/fenômenos biológicos2. Por isso mesmo, falava-se menos emmovimento humano e mais em atividade física. O que é

importante ressaltar é que o campo da EF era marcado menos como um campo acadêmico de produção do conhecimento, e mais, como de aplicação do conhecimento (científico). Os métodos ginásticos er am construídos aplicando- seos conhecimentos da anatomia, da fisiologia e da medicinaao campo dos exercícios físicos.

Quando a EF passou a se afirmar no âmbito dos sistemas de ensino como componente curricular, ascendendo aoensino superior (em alguns casos universitário), para a formação de professores, já um número bastante grande dedisciplinas se ocupava do estudo do corpo/movimento humano ou de suas objetivações culturais como o esporte.

 Al iás, não es queçamos de que o esporte, como fe nômenosocial, teve papel importante no reconhecimento da necessidade de formação de profissionais em nível universitário e

da necessidade da produção do conhecimento científico nesse âmbito. Em grande parte foi sua importância sociopolíticaque determinou o surgimento de organizações científicas deCiências do Esporte.

2 Não es tou desc onhecendo ou ignorando a influência grega sobre alguns filantropos,que no final do século XV III e no início do XIX buscavam legitimar a ginástica ou aexercitação corporal nas suas escolas a partir do ideal da “harmonia entre corpo eespírito”. Apes ar dessa influência, vários estudos mostram (Cachay, 19 88 ; Krüger,1990) que as ciências naturais logo se impuseram como elemento fundamentador,como base legitimadora dessas práticas.

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O que observávamos naquele momento, e aqui estoufalando basicamente das décadas de 60 e 70 deste século(em alguns países mais cedo, em outros mais tarde), era,por um lado, o surgimento e, por outro, a consolidação deuma série de subdisciplinas ligadas epistemologicamente àstradicionais disciplinas científicas: fisiologia do esforço, abiomecânica (do esporte), a psicologia do esporte, a sociologia do esporte, etc.

Já aqui devo dizer que entendo a EF como aquela prática pedagógica que trata/tematiza as manifestações da nossa

cultura corporal e que essa prática busca fundamentar- se emconhecimentos científicos, oferecidos pelas abordagens dasdiferentes disciplinas. Ou seja, o campo acadêmico da EFvem se constituindo a partir da absorção e/ou incorporaçãode práticas científicas fortemente marcadas por abordagensmonodisciplinares do fenômeno do movimento humano ouda atividade física3.

Ora, o fato do campo acadêmico EF incorporar cadavez mais intensamente as práticas científicas, não só conhecimento científico (isso no Brasil se dá mais intensamente nadécada de 70), determinou a criação de entidades científicas próprias, realização de eventos científicos próprios, criação de cursos de pós- graduação, definição de prog ramas deapoio à pesquisa, etc. No entanto, na produção do conhecimento predomina o enfoque disciplinar ou monodisciplinar

determinado pela chamada disciplina mãe. Um pouco dacrise de identidade da EF vem daí, do desejo de tornar- seciência, e da constatação de sua dependência de outras disciplinas científicas (a EF é “colonizada” epistemologicamente

3 Existem indicadores de que lá onde a EF desde logo obteve o status universitário,a incorporaç ão das práticas científicas ao c ampo processou- se mais r ápida e intensamente. Em alguns países, como a Argentina, o fato da formação de professores deEF dar-se e m cursos não- universitários tem dificultado tal process o; por e xe mplo,naquele país não existem até hoje cursos de mestr ado na área da EF.

por outras disciplinas). Assim, no processo de sua constituição, o campo acadêmico EF fragmentou- se; as línguas científicas faladas são diferenciadas, específicas. No campo daEF, no que diz respeito à produção do conhecimento científico, surgiram os especialistas, não em EF, mas, sim, emfisiologia do exercício, em biomecânica, em psicologia doesporte, em aprendizagem motora, em sociologia do esporte, etc.4. Os professores de EF, enquanto “cientistas”, passaram a se identificar como especialistas em fisiologia, embiomecânica, etc. e não em EF. Em função do processo deespecialização não demorou a instalar-se no campo um “diálogo de surdos”. Dada a importância e o status que a ciênciagoza na sociedade e principalmente no meio acadêmico, aEF c oloca como meta tornar- se ela própria uma ciência.Passa então, a sofrer de certo tipo de complexo de édipo;quer ser mas não pode ser, não consegue ser (não podeconsumar o ato). Esse complexo é tão grande que algunsentenderam ter surgido, como que de dentro do campo daEF, uma nova ciência, a Ciência da Motricidade Humana,para alguns, ou a Ciência do Movimento Humano, para outros. Se essa se concretizasse, finalmente os professores deEF poderiam dizer-se “cientistas” , poderiam dizer- se perte ncentes a um campo científico, o da Ciência da MotricidadeHumana.

Por outro lado, uma forte pressão para a cientifização

da EF vem das chamadas Ciências do Esporte. E exatamente quando a EF deixa de se apresentar como ginástica (métodos ginásticos) e consolida- se o esporte enquanto seu conteúdo maior, que as chamadas Ciências do Esporte instalam- se no campo, inicialmente chamado de EF. Hoje , não épossível distinguir os campos de produção do conhecimento

4 E interessante notar que análises r ecentes feitas por importantes autores do c ampoda pedagog ia também identificam esse problema em seu campo (Arr oyo, 19 98 ;Brandão, 1998; Libâneo, 1996).

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da EF e das Ciências do Es porte. Publicam- se os mesmostrabalhos em revistas de EF e/ou de Ciências do Esporte,apresentam- se tr abalhos e m congres sos de um e de outro,se m qualquer disc riminação ou alteração. A EF, nesse âmbito, costuma ser tratada como pedagogia do esporte.

Portanto, embora sejam profissionais de EF e não maisapenas biólogos, médicos, fisiólogos, psicólogos e sociólogosque pesquisam em torno do movimento humano e suasobjetivações culturais, a situação concreta é que essas pesquisas têm sua identidade epistemológica ancorada nas ciên-

cias- mãe e não na EF, ou seja, a EF não é capaz de oferecer /fornece r uma identidade episte mológica5 própria a essas pesquisas. A pesquisa em fisiologia do exercício não éciência da EF e, s im, ciência fisiológica, assim como históriado esporte não é Ciência do Esporte e, sim, ciência histórica.

 Aqui, neste âmbito, ocorreu um equívoco que reputo àinfluência de uma concepção empirista ingênua de ciência.Refiro- me ao fato de confundirmos objeto científico com algum fato/fenômeno ou recorte da realidade: ou seja, o entendimento de que ter um objeto próprio seria o mesmo queidentificar um fenômeno do mundo concreto/empírico queseria propriedade dessa ciência ou disciplina. O movimentohumano por si só não é um objeto científico, são antes osproblemas que lhe são colocados sob uma nova perspectivaque podem configurar um novo campo do conhecimento.Objeto científico é algo construído a partir de determinadaabordagem.

Defendo a idéia de que a EF não é uma ciência. Noentanto, está interessada na ciência, ou nas explicações científicas. A EF é uma prática de intervenção e o que a carac

5 Identidade epistemológica significa a for ma própria c om que cada disciplina científica interroga e explica a realidade, o que é determinado pelo tipo de problema quelevanta, pelos métodos de investigação e pela linguagem que desenvolveu e utiliza.

teriza é a intenção pedagógica com que trata um conteúdoque é configurado/retirado do universo da cultura corporalde movimento. Ou seja, nós, da EF, interrogamos o movi-mentar-s e humano sob a ótica do pedagógico.

 Ac redito que, influenciados ex atamente pela press ãocientificista, sempre entendemos a definição de nosso objeto como a definição de um “objeto científico”. Ora, o objetode uma prática pedagógica não tem as mesmas características fundantes de um objeto de uma ciência. O objeto da EFenquanto prática pedagógica é retirado do mundo da cultura

corporal/movimento, ou seja, é selecionado a partir de critérios variáveis, ou seja, dependentes de uma teoria pedagógica, desse universo. Podemos chegar ao ponto de configurarnosso objeto de forma mais abstrata e aí diríamos ser acultura corporal de movimento.

 A EF está interes sada nas ex plicações, compree nsõese interpretações sobre as objetivações culturais do movimento humano fornecidas pela ciência, com o objetivo de fundamentar sua prática, e isso porque nós, da EF, estamos confrontados com a necessidade de constantemente tomar decisões sobre como agir. Por exemplo: decisões sobre o conteúdo dos meus planos de ensino; sobre a quantidade e a intensidade de exercícios; sobre õ método de ensino a adotarpara ensinar um esporte; sobre a forma de reagir de frente auma atitude agressiva de um aluno, etc. Com base em qual 

conhecimento eu tomo essas decisões? Como ter certeza de que as decisões que tomei são as corretas?

Bem, em princípio achamos que a ciência nos auxiliaria nessa tarefa. Há (ou houve) o entendimento de que aciência faria com que tivéssemos respostas mais seguras/verdadeiras para essas questões. Mas, o que é conhecer cientificamente a realidade? Por que ela nos ofereceria um conhecimento ou uma base mais segura?

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 A ciência moder na parte do pres suposto de que asexplicações da realidade estão contidas nela mesma, ou seja,rompendo com o pensamento mítico, entende que as explicações do que acontece na natureza não precisam apelarpara forças externas a ela (como a vontade divina). Existemleis internas que determinam o movimento das coisas. A descoberta dessas leis permite prever o comportamento doscorpos ou das coisas de forma universal. Ou seja, a realidadecontém regularidades e possui uma ordem. A ciência estáinteressada na regularidade, na rotina, no que é comum narealidade, par a controlá- la (desvelar, desvendar a realidade,

descobrir as leis que a regem).Por exemplo: eu posso prever o comportamento da

queda de um dardo, porque sobre qualquer corpo físico ageuma lei universal, que é a lei da gravidade. Posso prever,com relativa precisão, a repercussão de um treinamento decorridas contínuas em determinada intensidade sobre a condição aeróbica de uma pessoa, porque estou de posse deuma teoria (que expressa uma lei ou leis) construída no âmbito da fisiologia, que diz que, quando uma pessoa é submetida a uma atividade X, o organismo reage de forma Y.Teorias expressam leis que permitem prever o comportamento da realidade e assim nela intervir e/ou controlá- la.

Buscou- se aplicar esses mesmos princípios para o conhecimento “científico” da realidade social e do comportamento humano. Durkheim dizia que a realidade social devia

ser estudada como “coisa” e Comte chamava a atual sociologia de física social. No entanto, movimentos acadêmicoslogo questionaram a possibilidade e a validade da aplicaçãodesses princípios científicos ao estudo da realidade sociale humana. Dilthey, por exemplo, entendia que as humanidades (Geisteswissenschaften) devem operar com a categoria da compreensão, ao passo que as ciências naturais(Naturwissenschaften) operam com a categoria da explica

ção. Compreender (verstehen) é uma operação diferente dade explicar (erklären) e, para o caso das humanidades, oadequado é o primeiro: compreender o sentido/significadosubjetivo das condutas humanas.

Tem também leis (universais) capazes de explicar ocomportamento humano, regularidades sociais/históricas domesmo tipo das presentes na natureza? O debate em tornode um possível dualismo metodológico ou epistemológicoentre as ciências naturais e as ciências sociais e humanascontinua. Para nós interessa a pergunta: o estudo do movimento humano deve ser feito a partir dos princípios das

ciências naturais ou das ciências sociais e humanas, ou, ainda, de ambas?6

Parece que o mais importante é ter a capacidade deentender o tipo de conhecimento do movimentar- se humanoque uma e outra abordagem possibilita, as possibilidades elimitações de cada uma das abordagens. Toda abordagemcientífica é “pré- conceituosa”, portanto, oferece ex plicações/interpretações da realidade que são relativas (a um ponto devista) e, por conseqüência, limitadas pelo aparato teórico-metodológico próprio daquela disciplina. Por exemplo: quandofaço uso do instr umental teórico- metodológico da biomecânicapara estudar o movimento humano, o conhecimento produzido falará algo do movimento humano mas se “calará” emrelação a uma série de aspectos desse mesmo movimento.

 As sim, não farão parte desse conhecimento os aspectos ligados à afetividade do sujeito que se move, os aspectos

sociais ligados ao contexto em que se realiza o movimento eque o influenciam, etc. O mesmo acontece em relação àsoutras disciplinas científicas - não existe uma abordage mglobal que “esgote” a realidade.

6 Aliás, M. Sér gio coloca a Ciência da Motricidade Humana no âmbito das ciênciasdo homem, mas, em momento algum reporta-se ao que isso, epis temologicamente,significa; pelo menos não se refere ao aludido debate epistemológico e não tomaposição a respeito, de maneira que fica-se sem saber das conseqüências (metodológicas) que tal vinculação/classificação teria.

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Essa característica do saber científico - toda abordage m ser “pré- conceituosa” e relativa a um ponto de vista -impõe, para o caso da EF, a questão da interdisciplinaridade.Entendo que a questão da interdisciplinaridade se impõe aocampo acadêmico da EF. Para a EF (para fundamentar essaprática) não basta somar o conhecimento da biomecânica,com o da fisiologia do exercício, com o da psicologia. Há anecessidade de operar uma síntese ou sínteses, o que é diferente da soma das partes (ao mesmo tempo, mais que asoma das partes e menos que cada parte, como diria E.Morin, 1993); uma síntese operada a partir das necessida

des e dos interesses específicos da EF, da prática pedagógica em EF (descolonização científica). O que hoje predominasão as problemáticas/temáticas disciplinares.

Gostaria de dar um exemplo para demonstrar a necessidade de superar as perspectivas disciplinares. Partirei deuma pergunta: qual é o método que devo usar nas aulaspara ensinar um esporte, como o volibol? O método sintético ou o método analítico? Se escuto as pesquisas da aprendizagem motora posso ter a resposta, hipotética, de que é ométodo analítico. Se escuto as pesquisas da fisiologia doexercício, posso ter a resposta de que é o método sintético(que propicia maior movimentação). Se escuto a sociologiaou a psicologia social, seria, talvez, o método sintético pelamaior possibilidade de contato social. Se atento para a sociologia do currículo questionarei inclusive o próprio esporteenquanto fenômeno cultural que expressa relações de poder,

etc. Qual abordagem devo considerar para minhas decisõesde professor de EF? Como integrar essas distintas abordagens? E possível decidir com base no conhecimento disciplinar? E possível decidir sempre no plano da racionalidadecientífica?7

7 Interess ante é observar que, apes ar da flagrante necess idade de mediação entre ossaberes disciplinares presentes no campo da EF, os especialistas nas diferentessubdisciplinas do nosso campo não conseguem dialogar, ou seja, a partir de suaespecialidade interagir com outra, como ficou claro no IX Congresso Brasileiro deCiências do Esporte (Vitória/ES, Set. 95).

Considerações finais (problematizações)

Para finalizar este capítulo gostaria de pontuar algumas problemáticas que, considero, devem ser enfrentadaspela reflexão espistemológica do campo da EF.

Precisamos, por exemplo, analisar a tese da Ciênciada Motricidade Humana de M. Sérgio (1989), como possívelfornecedora do estatuto epistemológico da EF. Adianto minha posição, embora sem fazer aqui uma análise mais exaustiva dessa tese: ela não apresenta uma solução para os pro

blemas epistemológicos da EF. Aliás, em M. Sérgio, a EFaparece, em relação à Ciência da Motricidade Humana, comduas conotações: ora como a Pré Ciência da MotricidadeHumana, e ora como ramo pedagógico dessa ciência. A idéia ou tese de que a EF é a Pré- Ciência da MotricidadeHumana é sustentável apenas à medida que sob essa denominação esse campo acadêmico se constituir; resta no entanto, demonstrar que esse constitui- se hoje na for ma deuma nova disciplina científica ou de uma nova ciência. J á atese de que a E F8 seria o ramo pedagógico da Ciência daMotricidade Humana me parece altamente questionável. Emnenhum momento, aliás, os autores que referendam essatese explicam o que significa para a EF (ou Educação Motora)ser o r amo pedagógic o de uma tal ciência (partindo- se dopressuposto de que tal ciência existe). Significa que essa

prática pedagógica tematiza os conhecimento oriundos detal ciência? Significa que os fundamentos dessa prática pedagógica vêm dessa mesma ciência? As “outras ciências”

8 O autor da tese, M. Sér gio, prefer e denominar a EF de educação motora, Yio que éseguido por um grupo de professores brasileiros, principalmente atuantes na Faculdade de Educação Física da UNICAMP. No livro, que foi publicado como resultadode um simpósio sobre educação motora (De Marco, 1995 ), alguns autores, ao invésde falar em educação motora (ex-EF) como ramo pedagógico da Ciência daMotricidade Humana, falam em ramo pedagógico da teoria da motricidade humana, sem justificar, no entanto, o porquê dessa opção por teoria, em vez de ciência.

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também possuem um ramo pedagógico? Por acaso o ensinoda biologia constitui- se no r amo pedagógico da biologia? Oque se ensina na biologia é o conhecimento biológico. O quese ensinaria na EF ou educação motora? Seria o conhecimento da Ciência da Motricidade Humana? Essas são questões que estão a merecer uma resposta.

Continua me parecendo mais importante para nossocampo acadêmico interpretar a EF como prática pedagógica. Parlebas (1993) também entende que a EF não é umaciência e, sim, uma “pedagogia das condutas motrizes”. En

tende como objeto específico da EF as “ações motrizes”. Já,Gamboa (1994) situa a EF no âmbito do que chama de“novos campos epistemológicos”, pois, superando a perspectiva de “ciência aplicada”, tem como característica seruma ciência da e para a ação educativa ou uma ciência daação, como a pedagogia. O autor considera que o “eixo dasistematização científica” (p. 37) e o que lhe fornecer especificidade é o movimento/ação do corpo humano (motricidade).Entendo que as reflexões de Gamboa (1994) significam umavanço para a discussão da área sobre suas questõesepistemológicas e isso porque: primeiro, o autor afirma aespecificidade da EF no plano pedagógico e, com isso, sublinha a dimensão de intervenção imediata própria de nossocampo; segundo, aponta para novos elementos e a necessidade da interdisciplinaridade.

Mas, algumas questões precisam ser aprofundadas. Porexemplo, sabemos quase nada sobre como realizar ainterdisciplinaridade (não dispomos de uma epistemologiainterdisciplinar). Como comenta Parlebas (1993, p. 131),“se postula que a adição de conhecimentos que provém dedistintos horizontes v ão harmonizar- se numa unidade. T almilagre , porém, não pode produzir- se” . As sim, entendo queo teorizar específico da EF deveria concentrar- se e xatamen

te na integração das diferentes abordagens, seria um teorizarsintetizador de conhecimento à luz das necessidades específicas da prática pedagógica. Vale lembrar que isso ocorretambém com a pedagogia. O que complexifica a questão éa possível existência de um saber prático ou corporal queresiste à teorização, como diz Mauro Betti (1994) eminstigante artigo. Por outro lado, não é possível ignorar odebate em torno das limitações da racionalidade científica (esua crise) e da polêmica relação entre o saber fático e o éti-co- normativo, questões re- colocadas pelo pós- modernismo.

E preciso considerar os limites da própria racionalidadecientífica, quanto ao fornecimento dos fundamentos de nossa prática. Como sabemos, a prática pedagógica envolvesempre uma dimensão ética de caráter normativo, ou seja,se a ciência se atém ao fático, a prática pedagógica operatambém no plano do contrafático (do dever-ser). Outr a dimensão importante presente no âmbito pedagógico é a dimensão estética. Sem me alongar no assunto, diria que oteorizar na EF precisa ultrapassar as limitações da racionalidade científica, para integrar no seu teorizar/fazer a dimensão do ético e do estético.

 As sim, o apelo para a cientifização da EF é problemático porque a racionalidade científica (tradicional) é limitadaem relação às necessidades de fundamentação de sua prática - o que indica a superação do modelo tr adicional de ra

cionalidade científica (por exemplo, com o projeto da razãocomunicativa de J . Habermas) - e sofre, ao mes mo tempo,o abalo da nova filosofia da ciência que é relativista no sentido de não reconhecer superioridade na racionalidade científica de frente às outras formas de conhecer a realidade.

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A PRÁTICA PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONHECIMENTO  

E ESPECIFICIDADE1

Parece- me que o tema remete a uma ques tão quetornou- se fator de frustração e, em alguns casos, motivo depesadelos para o professor de Educação Física (EF): a tãopropalada crise de identidade da EF, que em muitos momentos foi entendida como resultado da falta de definiçãodo seu “objeto”, da falta de definição clara de sua especificidade (identidade no sentido de sua singularidade). Entendoque a temática colocada, em última instância, nos remete aessa questão.

Para adentrar ao tema e colocar minha posição desejofazer, inicialmente, uma demarcação.

Quando falo em objeto da EF me refiro ao “saber”específico de que trata essa prática pedagógica. Não estoume referindo, portanto, ao objeto de uma prática científicaespecífica - não coloco, para responder a essa questão, asexigências que são feitas para definir o objeto de uma ciência. Essa diferenciação é importante porque entendo que

1 Ar tigo originalmente publicado na Revista Paulista de Educação Física. Supl.2,1996, p. 23-8.

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parte das dificuldades na superação da “crise de identidade”advém do fato de se insistir em ver na EF uma disciplinacientífica e, mais, como uma disciplina com estatuto episte-mológico próprio. Entendo que a especificidade da EF nocampo acadêmico é a de que ela se caracteriza, fundamentalmente, como prática pedagógica2, no que concordamoscom Lovisolo (1995). A necessidade e a reivindicação defundamentar “cientificamente” a EF é que a levou a incorporar as prática cientificas ao seu campo acadêmico (o queé muito diferente de passar a ser uma ciência com estatutoepistemológico próprio). Então, quando nos referimos ao objetoda EF, pensamos num saber específico, numa tarefa pedagógica específica, cuja transmissão/tematização e/ou realização seria atribuição desse espaço pedagógico que chamamos EF.

As diferentes concepções do objeto da Educação Física

Feita essa demarcação, vejamos como se entendeu o“saber” próprio da EF ou a sua especificidade. As expres-sões- chave para tal identificação foram ou são:

a) “atividade física”; em alguns casos, “atividades físico-es-portivas e recreativas”;

b) “movimento humano” ou “movimento corporal humano”,“motricidade humana” ou, ainda, “movimento humanoconsciente”;

2 Gamboa (1994) e ntende que a EF, assim como a pedagogia, estariam situadas noque chama de “novos campos epistemológicos”, cuja característica específica seriaexatamente a dimensão da “ação” (que estou chamando de “intervenção"); paraesse autor, a EF é uma ciência da e para a ação.

c) “cultura corporal”, “cultura corporal de movimento” ou“cultura de movimento”.

Pretendo defender, aqui, a tese/idéia de que, para aconfiguração do saber específico da EF, devemos recorrer aoconceito de cultura corporal de movimento.

É importante termos claro que a definição do objeto daEF está relacionada com a função ou com o papel social aela atribuído e que define, em largos traços, o tipo de conhecimento buscado para sua fundamentação3. Os termos “atividade física”, e “exercícios físicos” são fortemente marca

dos pela idéia de que o papel da EF é contribuir para odesenvolvimento da aptidão física e pertencem claramente,no plano do conhecimento, ao arcabouço conceituai das disciplinas científicas do âmbito da biologia, das ciências biológicas4.

 A definição clássica de EF, nessa perspectiva, é a quea considera como disciplina que, por meio das atividadesfísicas, promove a educação integral do ser humano - mas,a conotação, na prática, é a do desenvolvimento físico- mo-tor ou da aptidão física, servindo a “educação integral do serhumano” para satisfazer/caracterizar o discurso pedagógico.

 A absorção na EF do discurso da aprendizagem motora,do desenvolvimento motor, da psicomotricidade e, mesmo,em certo sentido, da antropologia filosófica, resultou numa

mudança de denominação de nosso objeto (embora nem sem-3 Aqui e stamos de frente a uma via de mão dupla: a função atribuída à EF deter mina

o tipo de conhecimento buscado para fundamentá- la e o tipo de conhecimentopredominante sobre o corpo/movimento humano determina a função atribuída àEF. No entanto, nem um nem outro são auto-ex plicativos: eles precisam ser analisados integradamente como componentes de um movimento mais geral e complexoda sociedade.

4 Não é neces sário aqui resgatar o tipo de educação (física) que é postulado eacontece a partir desse entendimento. Basta lembrar que ela ficou conhecida comouma perspectiva biologicista de EF.

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pre numa mudança de paradigma ou de concepção). Passou- se a privilegiar os termos “movimento humano” (em alguns casos, “motricidade humana”). Destaca- se, a partir dessaperspectiva, a importância do movimento para o desenvolvimento integral da criança e esse é o papel atribuído à EF.

 A definição clássica, nesse caso, é a de que a EF é aeducação do e pelo movimento. Como exemplo paradigmático temos a abordagem desenvolvimentista de Tani,Manoel, Kokubun & Proença (1988), mas, também, comnuanças, a educação de corpo inteiro, de Freire (1992). A 

base teórica advém, fundamentalmente, da psicologia daaprendizagem e do desenvolvimento, uma com ênfase nodesenvolvimento motor e outra no desenvolvimento cognitivo.

Fala-se, nesses casos, e m repercussões do movimentosobre a cog nição e a afetividade ou o domínio afetivo- social;fala-se dos diversos arranjos e tarefas motoras para garantiro desenvolvimento das habilidades motoras básicas (Tani etalii, 1988), com repercussões sobre os domínios cognitivo eafetivo-social. Mas ambas as propostas não s uperam a perspectiva da psicologia, o que, para a questão pedagógica, éproblemático, como salienta Silva (1993a), em “Descons-truindo o Construtivismo”.

 A psicologização da educação implica, necessariamente, a sua despolitização. Não é suficiente afirmar, a título de

defesa - de forma simplista - , que deter minada psicologialeva em conta os fatores sociais. O que importa, ao contrário, é destacar a existência de um aparato social e político,como é a educação institucionalizada, e as implicações disso(Silva, 1993a, p.5).

 As duas definições, ou melhor, construções do objetoda EF, tratadas até aqui (biologia/psicologia do desenvolvimento), permitem ver o objeto não como construção social e

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histórica e, sim, como elemento natural5 e universal, portanto, não histórico, neutro politica e ideologicamente, características que marcam, também, a concepção de ciência ondevão sustentar suas propostas.

 A outra perspectiva presente é a de que o objeto da EFé a cultura corporal de movimento. É importante salientarque se, em princípio, fala-se neste caso das mes mas atividades humanas presentes nas concepções anteriores, as expressões usadas para denominá- las denunciam, além de umadiferença terminológica, diferenças e conseqüências subs

tanciais no plano pedagógico6, pois, o objeto de uma práticapedagógica é uma construção - e não uma dimensão inerteda realidade - para a qual pressupostos teóricos são fundantese/ou constitutivos. Não é possível dissociar o fenômeno dodiscurso da teoria que o constrói enquanto objeto (pedag ógico).

Nessa perspectiva, o movimentar- se é entendido comoforma de comunicação com o mundo que é constituinte econstrutora de cultura, mas, também, possibilitada por ela.E uma linguagem, com especificidade, é claro, mas que,enquanto cultura habita o mundo do simbólico7. A naturalização do objeto da EF, por outro lado, seja alocando- o noplano do biológico ou do psicológico, retira dele o caráterhistórico e com isso sua marca social. Ora, o que qualifica o

movimento enquanto humano é o sentido/significado domover- se, s entido/significado mediado s imbolicamente e queo coloca no plano da cultura.

5 E “naturalmente social”.

6 Como diria As smann (199 3): “não são apenas festejos diferentes de linguagem”.

7 Daí a importância do artigo de Mauro Betti (19 94) que r emete a novos horizontesdo estudo do movimento humano ou das manifestações da cultura corporal demovimento através da semiótica.

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No e ntanto, tr abalhar na E F com o movimentar-s e naperspectiva da cultura (cultura corporal de movimento) nãobasta para colocá- la no âmbito de uma concepção progressista de educação, mesmo porque, o conceito de culturapode ser definido e operacionalizado em termos social epoliticamente conservadores. É preciso portanto, articularum conceito de cultura que se coadune com os pressupostossociofilosóficos da educação crítica.

Para Geertz, citado por Thompson (1995, p. 176),

“cultura é o padrão de significados incorporados nas for

mas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e ob

 jet os sig nifica tivo s de vár ios tipo s, em vir tude dos quais os

indivíduos comunicam-s e entre si e partilham suas exper iên

cias, concepções e crenças”.

T hompson aponta a insuficiência dessa conce pção, dizendo que

“estas formas simbólicas estão também inseridas em contex

tos e proces sos sócio-históricos específicos dentro dos quais,

e por meio dos quais, são produzidas, transmitidas e recebi

das. Estes contextos e processos estão estruturados de várias

maneiras. Podem estar caracterizados, por exemplo, por rela

ções assimétricas de poder, por acesso diferenciado a recur

sos e oportunidades e por mecanismos institucionalizados deprodução, transmissão e recepção de formas simbólicas (1995,

p. 181).

Dessa forma, a análise cultural como o estudo de formas simbólicas deve considerar os “contextos e processosespecíficos e socialmente estruturados dentro dos quais, epor meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas,transmitidas e recebidas”. Portanto, o movimentar- se e mesmoo corpo humano precisam ser entendidos e estudados comouma complexa estrutura social de sentido e significado, emcontextos e process os sócio-históricos específicos.

Uma das razões para entendermos nosso objeto valendo- nos do conceito de cultura diz respeito ao fato de que elaé uma categoria- chave para o empree ndimento e ducativode maneira geral. A relação entre educação e cultura é orgânica. Como lembra Forquin (1993),

“o que justifica fundamentalmente o empreendimento educativo

é a responsabilidade de ter que transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura” (p. 13).

“A cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e

sua justific ação última” (p. 14).

Nas abordagens de EF baseadas no conceito (biológico)de atividade física e no conceito (psicológico) da abordagem

desenvolvimentista, o corpo e o movimentar- se humano apresentam- se desculturalizados8.

Duas observações ainda se fazem necessárias quanto àrelação cultura-e ducação:

a) “a educação ‘realiza’ a cultura como memória viva, rea tivação

incessante e sempre ameaçada, fio precário e promessa

necessária da continuidade humana” (Forquin, 1993, p.

14);

b) “Uma teoria cultural da educação, vê a educação, a peda

gogia e o currículo como campos de luta e conflito

simbólicos, como arenas contestadas na busca da imposi

ção de significados e de hegemonia cultural. (Silva, 1993b,

p. 122)

8 Desculturalizados não no se ntido de que os movimentos, os jogos e as brincadeirasutilizados nessas abordage ns não emanem do univer so cultural - por e xe mplo,Freire (19 92) e v aloriza sobremaneira a cultura infantif- mas, sim, no sentido deque os critérios a partir dos quais são sistematizados e tratados pedagogicamenteadvêm, exclusivamente, de análises do desenvolvimento infantil, descontextualizadassocial e historicamente.

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A especificidade pedagógica da cultura corporal de movimento

Para a construção de uma teoria da EF coloca-se aquiuma questão central: qual é a especificidade pedagógica dacultura corporal de movimento enquanto saber escolar?9

Os saberes tradicionalmente transmitidos pela escolaprovêm de disciplinas científicas ou então, de forma maisgeral, de saberes de caráter teórico- conceitual. Entendo que,

diferentemente do saber conceituai, o saber de que trata aEF (e a Educação Artística) encerra uma ambigüidade ou umduplo caráter: a) ser um saber que se traduz num saber-fazer, num realizar “corporal”; b) ser um saber sobre esserealizar corporal10.

No caso do entendimento de que o objeto da EF era aatividade física ou o movimento humano, a ambigüidade eraresolvida a favor da dimensão “prática” ou do fazer corporal.Esse fazer corporal é que repercutia sobre a “totalidade” (osdiferentes domínios do comportamento) do ser humano. Nessecaso, o debate se desenvolveu em torno da polarização: educação do ou pelo movimento, ou ambos.

Já, trabalhando a partir da idéia da cultura corporal demovimento como objeto da EF, a questão do saber sobre o

movimentar- se do homem passa a ser incorporado enquantosaber a ser transmitido (não é apenas instrumento do professor). Desenvolveu- se aqui, rapidamente, o “pré- conceito” de

9 Outras questões aderem a esta, como: o que é possível ensinar/aprender quandotrato pedagogicamente essa parcela da cultura? Quais são os critérios para selecionar e sistematizar essa dimensão da cultura?

10 Essa questão está magistralmente tratada no artigo mais instigante de nossa áreapublicado em 199 4. Refiro- me ao artigo de Mauro Betti, publicado na revistaDisco rpo: O que a Semiótica Inspira ao Ensino da EF.

que o que se estava propondo, nesse caso, era transformar aEF num discurso sobre o movimento, retirando o movimen-tar-se do centro da ação pedagógica em EF.

Betti, enfocando essa questão, observa:

“Não es tou propondo que a EF transforme- se num discursosobre a cultura corporal de movimento, mas numa ação pe-

dagógica com ela [grifo nossoj. E evidente que não estou

abrindo mão da capacidade de abstração e teorização da lin

guagem escrita e falada, o que seria desconsiderar o simbolis

mo que caracteriza o homem. Mas a ação pedagógica a que se

propõe a EF estará sempre impregnada da corporeidade dosentir e do relacionar-s e.” (199 5, p. 41)

Nos parece que, no fundo, está aqui presente a ambiguidade insuperável que radica-se no nosso estatuto corpóreo.Simultaneamente, somos e temos um corpo.

Um desdobramento ou uma vertente dessa ambigüidade refere-se à relação natureza- cultura, que é uma questãoque afeta o entendimento geral de ser humano e que seaguça sobremaneira quando falamos de corpo e movimento.

É interess ante colocar aqui o que Culle n11 chama deencruzilhada quando buscamos situar o lugar do corpo nacultura. Para esse filósofo argentino, o corpo, ou a existência corporal do homem, é f onte de certo mal- estar para acultura, pois seriam marcas do corpo a singularidade, aopasso que a cultura seria o reino do comum, o remeter

imediatamente ao desejo e à morte, necessitar de espaço emovimento e depender do meio ambiente. A cultura circunscreve o corpo, que parece querer negá-la, ao plano danatureza, impondo- o, assim, um vazio, ou então fá- lo reger-se por uma idéia ou modelo - é o simulacro. Por isso estamos,segundo o autor, numa encruzilhada: culturalizar o corpo e

11 Anotações pessoais da palestra proferida por C. C ullen durante o II Congre ss o Ar gentino de Educación Física y Ciência (La Plata, outubro/199 5).

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torná- lo s emelhante (reprimindo sua singularidade) ou descul-turalizar o corpo e reduzi-lo à diferença. O corpo naturalizado ou o corpo culturalizado? Ou, talvez o grande desafio doprojeto educativo: como culturalizar sem desnaturalizar?

Como isso se expressou na EF? A EF sempre fez umdiscurso, baseado nas ciências naturais, de controle do corpo, de “construção” de um corpo saudável e produtivo,treinável, capaz de grandes e belos desempenhos motores.Era o corpo “natural” submetido ao entendimento dominante de nossa corporeidade. Não há aqui espaço para considerar o corpo “sujeito” de cultura, produtor de cultura, ele ape

nas “sofre cultura”. E interessante notar que em alguns casosainda temos a denominação de órgãos públicos de Secretaria de Esportes e Cultura; cultura é o que retrata artisticamente o corpo, ou então, aquelas atividades corporais quesão realizadas sob o signo da cultura (ballet, por exemplo).Outra postura é aquela que enaltece o sensível (o lúdico),enquanto instância ainda não submetida às regras do mundoracional ou social, que busca e valoriza aquelas experiênciasque atestam a unidade homem- mundo, uma certa unidadeprimordial, experiências em que somos corpo e mundo. Umaterceira postura quase que elimina a primeira natureza emfavor da segunda natureza, a cultura, privilegiando nesta aracionalidade científica.

O movimento instalado na EF brasileira a partir dadécada de 80, ao menos em uma de suas vertentes (aquelaque vai buscar fundamentação pedagógica na pedagogia histórico- crítica), situa-se na terceira pers pectiva descrita, quetem pelo menos um aspecto em comum com a primeira:uma perspectiva racionalista do movimento humano. Ou seja,em vez de controlar o movimento apenas no sentido mecâ-nico-fisiológico, encarando- o agora como fe nômeno cultural, pretende dirigi- lo a partir da “consciência críticados determinantes sociopolítico- econômicos que sobre elerecaem”.

Ghiraldelli Júnior (1990) detectou essa questão e colocou frente a frente duas tendências no âmbito da chamadaEF progressista: a tendência racionalista e a tendência anti-racionalista. Segundo o autor, as tendências racionalistasbuscam uma saída pela janela:

“Detectando no movimento, na “prática corporal”, elemen

tos não desejáveis, acabam por tomá-los co mo a própria e exclusiva essência do movimento e, na sequência, concluem que

é preciso que ‘alguma coisa de for a’ ve nha acrescentar-lhe cri-

ticidade, ve nha libertá- lo, libertando seu praticante. Ess a coi

sa exterior é o discurso, que pode ter caráter sociológico, an

tropológic o, político, etc. [ ...] A aula de EF torna-se uma aulasobre o movimento e não mais uma aula com movimento.

Ou então, uma aula com o movimento nas condições da EF

‘tradicional’ agregada ao e studo e discurso crítico.” (p. 197- 8)

Por outro lado,

“as corre ntes anti-racionalistas ca ptam que o movimento cor

poral humano, por não ser algo que passe pela verbalização,

pode escapar da razão e, por essa via, se aproximar da intui

ção. Afinal, o movimento não é algo que pode ser descrito e

explicado (positivismo e afins) nos seus últimos detalhes, masé algo que pode ser compreendido (historicismo e afins), vivi

do, sentido; é algo do plano subjetivo e que esconde que este

plano foi construído subjetivamente.” (p. 198)12

Parece- me que aqui a EF é levada a uma encruzilhadaou mesmo um paradoxo: racionalizar algo que, ao ser racionalizado, se descaracteriza. Ou seja, existiria uma dimensão

das experiências/vivências humanas passíveis de serem propiciadas também pelo movimentar- se (nas mais difere ntesformas culturais) que “resiste às palavras”, ou, dito de outraforma, não é possíve l pedagogizá- las por via da sua descri

12 Ghiraldelli Júnior ( 199 0) e ntende que ambas as correntes ficam a meio ca minho epropõe uma visão alternativa baseada numa leitura dialética materialista. No nossoentendimento, a busca da contradição interna, por via da historicização, acaba secircunscrevendo na própria perspectiva racionalista, não superando, portanto, oimpasse identificado pelo autor.

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ção científica; fogem ao controle, à previsão (da ciência);são, de certa forma, únicas, singulares. Aliás, para Nietzsche,citado por Naffah Neto (1991, p. 23),

“Nossas experiências verdadeiramente fundamentais não são,

de forma alguma, tagarelas. Elas não saberiam se comunicar,

mesmo que quisessem. É que lhes falta a palavra. Aquilo para

que encontramos palavras, já ultrapassamos [ ...] A língua,

parece, foi inventada somente para as coisas medíocres, co

muns, comunicáveis. Pela linguagem, aquele que fala se vulgariza13.”

Como tratar na EF essas experiências? Nos subordinarao “desfrute lúdico”? Como construir uma prática pedagógica que, por definição, é uma intervenção racional/consciente sobre o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos,de maneira a contemplar essas dimensões do movimen-tar- se humano?

 A questão se complexifica porque sabemos que a educação da sensibilidade ou o afeto é tão importante quanto acognição na definição do comportamento social (político) dosindivíduos. Por isso retomo aqui uma pergunta que formuleiem um simpósio de nossa área14: é possível falar em “movimento crítico”? A criticidade ou a educação crítica em EFsomente pode acontecer através de um discurso crítico sobre o movimento? E preciso não incorrer no erro de entender criticidade, neste caso, apenas como um conceito daesfera da cog nição. E preciso alargá- lo abarcando a dimensão estética. Aliás, Carlos R. Brandão, no VIII CongressoBrasileiro de Ciências do Esporte (Recife/1987), afirmouque, para ele, crítico só poderia ser o sujeito amoroso, aquele que tem a capacidade de se sensibilizar com o drama domundo. É preciso, valendo- me de As smann (1993 ), ampliar

13 Há, nessa interpretação, uma re dução das possibilidades da linguagem, o que éreconhecido por Naffah Neto (1991), que vai, na seqüência discutir, essa questão apartir de Merleau-Ponty, com seu “uso criativo da linguagem”.

14 Precis amente em Goiânia, no ano de 19 91.

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o conceito de linguagem a todo tipo de ativações dacorporeidade15. Parafraseando Chauí (1994), poderíamosdizer que, na filosofia e nas ciências, falamos de “movimento e pensamento” (um discurso filosófico e científico sobre omovimento), mas que, na EF, deveríamos falar de movimen-to- pensamento.

Por alg um tempo pensei e falei (em círculos mais pr óximos) em uma “epistemologia do movimento”. A o contrário das conhecidas taxionomias do domínio psicomotor, tratava- se, pensav a eu, de identificar o tipo de conhecimento

da realidade que o movimentar- se humano pode propiciar,que tipo de leitura da realidade essa forma de comunicaçãocom o mundo pode propiciar e quais conhecimentos e leitura da realidade determinadas formas culturais do movimentar-se propiciariam. Estou inclinado a complementar essaproposta com uma “fenomenologia/hermenêutica do movimento”, uma vez que a expressão epistemologia está excessivamente comprometida com uma postura racionalista nosentido cognitivista, que não abre espaço para a ampliaçãodo conceito de verdade. Como pergunta Gadamer, citadopor Hekman (1 990 , p. 147):

“É correto reservar o conceito de verdade para o conheci

mento conceptual? Não devemos também admitir que a obra

de arte possui verdade? Veremos que o reconhecimento des

tes aspectos coloca não só o fenômeno da arte, mas também

o da história [e o do movimento, VB], sob uma nova luz”.

15 Lembro aqui das palavras de Benedito Nunes (19 94 , p. 4 03) , discorrendo sobre a“poética do pensamento”. Vale a pena ouvi-lo: “A poesia-canto desobjetifica alinguagem, retira-a do âmbito da visão prática, da aç ão e do intercurso cotidiano,a que serve de instrumento de comunicação, para o da abertura, temporal ehistórica. Do mesmo modo que na arte a terra se torna terra, e não é propriamenteusada, ao contrário do que sucede com o instrumento material, absorvido em seupróprio emprego, a poesia usa a palavra como palavra, sem gastá- la, librando o seupoder de nomear, de fundar o ser, de desencobri-lo no poema. E o que distingue opoeta do pensador é que a nomeação naquele alcança o que excede à compreensão do ser em torno do qual o último gravita: o sagrado, indizível, estranho aopensamento”.

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 As sim, uma educa ção crítica no âmbito da EF temigual preocupação com a educação estética, com a educação da sensibilidade, o que significa dizer, “incorporação”,não por via do discurso e, sim, por via das “práticas corporais”16 de normas e valores que orientam gostos, preferências, que junto com o entendimento racional, determinam arelação dos indivíduos com o mundo. Sem me alongar napolêmica da crise da razão (iluminista) ou da racionalidadecientífica, ente ndo que não se trata de subsumi- la à sensibilidade, mas, s im, de não pretender absolutizá- la.

O desafio parece- me ser: nem movimento sem pensamento, nem movimento e pensamento, mas, sim, mouimen  topensamento17.

16 Coloquei o termo entre aspas para demonstrar, por um lado, que reconheço a faltade um termo que supere o dualismo inevitavelmente presente na nossa linguagemquando usamos a palavra “corpo", mas, por outro lado, preciso reconhecer, também, que ele é fruto da possibilidade que temos de reconhecer nossa existênciacorporal.

17 Deixo a c argo dos prezados leitores a interpretação do porquê aglutinei a palavra“pensamento" à palavra “movimento” e não, por exe mplo, “se ntimento”. Talvez,ambigüamente, intuitiva- racionalmente, esteja me contr apondo às posturas relativistasque postulam uma pluralidade radical da razão, s em hierarquia de qualquer tipo.

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AS CIÊNCIAS DO ESPORTE:  QUE CIÊNCIA É ESSA?1

No ano em que o Colégio Brasileiro de Ciências doEsporte (CBCE) completou quinze anos de existência fizemos a pergunta: que ciência é essa que fizemos nestes anostodos?

Tomar essa questão como tema de congresso pareceurefletir uma necessidade do colegiado e da “área”. Essa orientação/necessidade estava já presente na temática do VIICongresso Brasileiro de Ciências do Esporte (CONBRACE),realizado em Uberlândia, em 1991, e, também, no livro doano editado pela Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Física2.

Entendemos que depois de uma certa euforia e “inge

nuidade” cientificista dos seus primeiros anos de existência,com conseqüente aversão à reflexão filosófica, a que se seguiu um predomínio ideológico com a sobreposição do político ao acadêmico, o CBCE chegou aos seus quinze anos

1 Ar tigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Ciências do Esporte , 13(1),1 9 9 3 .

2 Ex istem vários indicadores nesse sentido, como os recorrentes reclamos de pesquisadores da área como Tani (1988) e Carmo (1987) e de órgãos financiadorescomo o CNPq e a F1NEP.

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como que possuído pelo desejo de complementar o conhecimento das coisas com o conhecimento de si mesmo - dospressupostos epistemológicos com que opera.

O VIII CONBRACE foi então organizado e estruturadofundamentalmente para servir de palco para uma discussãoem torno dos pontos que ao longos destes anos apresentaram- se como problemáticos par a o dese nvolvimento científico da área da EF/CE (Educação Física/Ciências do Esporte).Pretendeu- se dar também um caráter deliberativo a essecongresso, para que a síntese dos debates nele desenvolvi

dos, bem como as perspectivas e as ações possíveis para asuperação dos problemas, sejam consubstanciadas em documento aprovado pelo colegiado em assembléia. Com isso, oCBCE, entidade da sociedade civil, busca a iniciativa e chama para si a responsabilidade de orientar o desenvolvimento científico da área da EF/CE.

E importante situar historicamente essa iniciativa e seusignificado sociopolítico. Es sa iniciativa constrói- se após umperíodo de institucionalização da pesquisa científica na “área”3(criação e implantação de cursos de pós- graduação, incentivo à capacitação docente, financiamento e fomento de pesquisa científica), em cujo âmbito as ações governamentaisforam se mpre as norteadoras e decisivas. Pode- se levantar ahipótese de que isso tenha significado que a pesquisa naárea tenha estado fortemente atrelada aos interesses dos

sucessivos governos do regime ditatorial vigente, principalmente na década de 70. Ou seja, estamos apontando, commais essa iniciativa do CBCE, para o aumento da possibilidade de construirmos uma prática científica mais afinadacom os interesses democráticos da sociedade brasileira. Issodependerá, é claro, do grau de legitimidade que alcançarmos com essa ação coletiva.

3 Uso a palavra área e ntre aspas por entender que um dos problemas é e xatamenteidentificar/explicitar os seus contornos.

Mas, a década de 70 parece ter sido realmente decisiva para a área da EF/CE. O Diagnóstico da Educação Físi-

ca e dos Desportos, realizado pelo MEC em 1969/1970,identificara a falta de pesquisa científica na área. Lembremos rapidamente, que a ciência (objetiva e neutra) faziaparte do credo e do discurso tecnocrático e era entendidacomo fundamental instrumento para garantir a eficiência dosprogramas de ação governamentais nas diferentes áreas (nocaso na EF/esportes). Datam dessa década uma série deiniciativas no setor:

- envio de grande número de profess ores para cursar pós-graduação no exterior, principalmente nos EUA;

- convênios e intercâmbios com centros de pesquisa no ex terior - por e xe mplo com a Escola Superior de Colônia, da Alemanha;

- criação e implantação de cursos de pós- graduação na áreada EF/CE;

- implantação de laboratórios de pesquisa, principalmentede fisiologia do esforço e cineantropometria, em algunscentros universitários - por exemplo, na UFRJ e UFRGS.

Não se deve esquecer que é nesse âmbito que vãosurgir o CELAFISCS e, posteriormente, o próprio CBCE.

 A partir da ref orma univer isitária, através da Lei ng5.5 40 , de 19 68 , que estabeleceu as regras para a pós- gra

duação, baseadas basicamente no modelo norte- americano,a Educação Física vai almejar/reivindicar o status acadêmico da pós- graduação. Isto é, as “práticas científicas” pass ama fazer parte, de maneira agora mais intensa, da atividadeacadêmica dos docentes dos cursos superiores de EducaçãoFísica.

Ora, já se instalara a relação de simbiose (parasitismo)entre o esporte e a Educação Física, já havia- se consolidadoa esportivização da Educação Física, com a instrumentalização

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desta última pelo primeiro, instrumentalização aprofundadapelos sucessivos planos governamentais da área que colocavam a Educação Física como base para o desporto nacional. As sim, pesquisa em esporte e em Educação Física podiam-se confundir. Faço essa digressão para a) explicar a razão douso privilegiado da expressão “Ciências do Esporte”, e b)evidenciar que apesar da pesquisa da época orientar- se,majoritariamente, por uma matriz teórico- científica que advoga a neutralidade da ciência, o fomento à pesquisa tinhacomo objetivo garantir a eficiência do sistema esportivo (e

da EF a ele atrelado).Neste contexto, a comunidade acadêmica da EF/CE

busca legitimidade no âmbito das organizações vinculadas àpesquisa científica. Ela reivindica cursos de pós- graduação,reivindica recursos para financiar pesquisa científica, etc.Mas, é preciso adentrar ao campo científico para solicitar/exigir esclarecimentos ou respostas a questões do tipo: Ef éciência, ou devemos falar em Ciências da EF ou do Esporte?Qual é o objeto desta ou destas ciências? E esse objeto oesporte, a atividade física ou o movimento humano? Le mbremos que os órgãos de fomento à pesquisa científica precisam e ex igem classificá- la para re conhecê- la4.

Embora sempre reclamadas, as respostas a essas questões nunca apresentaram grande consistência teórica e, porvezes, essas questões foram solenemente ignoradas5, permanecendo a área no plano do que o sociólogo francês P.Bourdieu chama de doxa (no plano do não- discutido).

4 Junto a o CNPq nossa classificação ss dá a partir do nome Educação Física e noâmbito das Ciências da Vida - C oordenação de Saúde. Na S BPC se dá com onome de Motricidade Humana/Esportes e como Ciência Aplicada.

5 Isso me faz lembrar a obser vação de M. S érgio (19 88 , p. 6): “A E ducação Físicanunca precisou autolegitimar- se e pistemologicamente, ou seja, de encontrar em sias formas e razões de sua própria cientificidade, precisamente porque o podersempre se serviu dela e nunca a serviu como instrumento insubstituível de conhecimento e transformação".

Mas, antes de apontar mais precisamente os problemas que consideramos sejam os que mais obstaculizam odesenvolvimento científico da área, gostaríamos de rever rapidamente o conhecimento do conhecimento produzido.

0 conhecimento do conhecimento

Entendo que uma das possibilidades de fazer a avalia

ção da ciência que fizemos nestas últimas três décadas érecuperar as análises e os estudos já realizados sobre a produção do conhecimento em nossa área. Essas análises ou oconhecimento do conhecimento produzido é, a nosso ver,denunciador do próprio estágio de desenvolvimento científico da área no seu percurso histórico, ou seja, no próprioautoconhecimento é possível identificar as limitações científicas da área.

E possível caracterizar pelo menos dois momentos distintos nos estudos sobre a produção do conhecimento naárea. Num primeiro grupo pode ser alocada uma série detrabalhos produzidos na década de 80, como os de Matsudo(1983), Canfield (1988), Tubino (1984) e Faria Jr. (1987).Nesses estudos encontramos basicamente uma descrição e/ou identificação das “subáreas” onde mais se concentrava a

pesquisa, como também suas tendências de crescimento.Ou seja, os estudos consistiam em dividir a “área” em“subáreas” e verificar o percentual de pesquisas realizadas(apresentadas/publicadas) em cada uma dessas.

 A per gunta “Que ciência é es sa? ”, era na verdadetraduzida nas perguntas “Em quais subáreas mais se pesquisa?” Qual é a tendência em termos de crescimento da pesquisa nas diferentes subáreas?”

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Esses estudos constataram então que havia um predomínio das “subáreas” da medicina esportiva, da fisiologia eda cineantropometria, enfim, uma forte influência das ciências naturais, mas que, principalmente a partir de 1980,podia- se verificar um cres cimento das “s ubáreas” pedag ógica e sociocultural, essas sob a influência das ciências sociaise humanas. A discussão propriamente epistemológica estava na verdade ausente, mas o crescimento da influência dasciências sociais e humanas vai fazer aflorar esse debate necessário6.

Um segundo momento do conhecimento do conhecimento marca o início da discussão propriamente epistemológica. No início dos anos 90 aparecem os estudos que buscam não mais identificar em quais “subáreas ” mais se pesquisa, mas, sim, quais são as “matrizes teóricas”, ou seja, asconcepções de ciência, que orientam as pesquisas na área.O estudo central nesse caso é a dissertação de mestrado daprofessora Rossana Valéria S. e Silva (1990), que analisou asteses de mestrado produzidas na década de 80. Faria Jr.(1991), também baseado em Gamboa (1989), amplia seuestudo original (Faria Jr., 1987), incorporando a discussãoepistemológica. Mas, recentemente, Gaya (1993) publicouestudo que situa-se também nessa perspectiva de análise.

Que ciência é essa? Como se apresentava/apresentaa produção científica quando interrogada sua matriz teórica?

Os resultados encontrados “denunciam” que a produção do conhec imento na área baseia-se numa c oncepçãopositivista (Souza e Silva, 19 90) ou empírico- analítica (FariaJr., 1991 e Gaya, 1993) de ciência, identificando uma tendência (embora tímida) de crescimento das pesquisas funda

6 Mesmo porque muito do que se apre sentava como científico nas subáreas pe dagógica e sociocultural não era assim rec onhecido pelo segmento orientado nas ciências naturais.

mentadas na fenomenologia e no materialismo históricodialético, aliás, tendência encontrada também por Gamboa(1989) no âmbito da educação, o que nos leva a suspeitar deuma forte influência do pensamento pedagógico na Educação Física.

Lembrando rapidamente: Souza e Silva (1990) chegouà conclusão, em seu estudo

“que o entendimento dominante de ciência nas pesquisas está

atrelado aos princípios da quantificação e matematização dos

fenômenos, da análise e descrição dos mesmos segundo

parâmetros estatísticos, da descontextualização e isolamento

dos fenômenos ou fatos para sua experimentação e neutralidade dos pesquisador, entre outras características que apon

tam para uma visão de ciência voltada para a vertente positivista”. (p. 154)

 A o mesmo tempo propunha- se a adoção do materialismo histórico dialético ou a abordagem crítico- dialética (comona pedagogia), como o caminho para a superação dosreducionismos e equívocos da pesquisa da área.

Eu mesmo (Bracht, 1991) procurei avaliar a produçãodo conhecimento sobre o esporte com um referencial baseado na distinção habermasiana dos interesses norteadores doconhecimento, ressaltando que, no caso dos estudos enfocandoo esporte no Brasil, o interesse norteador é basicamente ointeresse técnico - o que explica a predominante adoção damatriz empírico- analítica - e, e m bem menor gr au, os inte

resses prático e emancipatório. A virtude desses estudos foi questionar os critérios de

cientificidade até então legítimos na área, preparando o caminho para uma possível superação do senso comum científico predominante.

E importante salientar que a incorporação dessa discussão, no âmbito da EF/CE, foi propiciada pelo amplo eradical debate que instalou- se no início da década de 8 0 e

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que consubstanciou- se na chamada “crise” (Medina, 1 983)da EF. Esse “movimento” teve conseqüências fundamentaisna história e construção do próprio CBCE, que a exigüidadedo espaço impede desenvolver aqui7.

A questão da identidade epistemoiógica da área

 A lém dos estudos que descreviam a incidência das pesquisas nas diferentes subáreas, apontando suas tendências,

e daqueles que buscavam identificar as matrizes teóricas comas quais se operava na área, alg uns autores preocuparam-secom o que poderíamos chamar de estatuto ou identidadeepistemoiógica da área da EF/CE. Destaco neste caso osestudos do filósofo português Manoel Sérgio, com sua teseda Ciência da Motricidade Humana (Sérgio, 1988), de GoTani (1988), de Apolônio A. do Carmo (1987), de SilvinoSantin (1992) e, mais recentemente, de Hugo Lovisolo (1993e 1995)8. A esses estudos gostaria de acrescentar minhamodesta contribuição, tomando como interlocutores principalmente os trabalhos de Tani et al.(1988) e Lovisolo (1993).

 Antes , porém, gostaria de ressaltar que os problemasno âmbito da produção e veiculação do conhecimento naárea da EF/CE não se restringem à questão da identidadeepistemoiógica. Além desse aspecto, mas também a ele vin

culado, o Departamento Científico do CBCE tem identificado outros, como o baixo grau de significação do conhecimento produzido no sentido de dar resposta aos problemascolocados pela prática a socialização restrita do conhecimen-

7 Remeto o leitor a esse respeito ã obra de Paiva (1994).

8 Observe- se que es tou me ate ndo aos estudos no âmbito da lingua portuguesa, nãoignorando os estudos a respeito no âmbito dos países de línguas inglesa, francesa,espanhola e alemã. Além dos citados anteriormente, outros dois autores da áreadesenvolveram estudos recentes. S ão eles A droaldo Gaya e Vítor M. de Oliveira.

to produzido decorrente da falta de publicações periódicas afalta de rigor científico do que é produzido e publicado e aexcessiva proliferação de eventos em detrimento das publicações.

 Atenho- me, assim, um pouco mais às questões da identidade ou estatuto epistemológico (estatuto científico) da EF/CE. Parece- me claro o quanto essa questão é também fundamental para os aspectos listados anteriormente, ou seja,para a es truturação dos cursos de pós- graduação, para osesforços de publicação, para a pesquisa e para a própriadiscussão curricular.

Um dos pontos sempre levantados para a construçãoda identidade epistemoiógica é a necessidade de esclarecero objeto9 da EF /CE.

0 debate em tomo do “objeto” da Educação Física 

Nem sempre, no entanto, na busca do objeto da EF(deixo de lado, por um instante, a expressão Ciências doEsporte), teve-se claro que ela é antes de tudo uma práticapedagógica, portanto uma prática de intervenção imediata10. Tani (1988) busca clareza nesse sentido, a partir dadistinção entre a EF enquanto profissão e enquanto disciplina acadêmica.

9 “Uma disciplina acadêmica se caracteriza pela e xistência de um objeto de e studo,de uma metodologia de estudo e de um paradigma próprios” (Tani, 1 98 8, p. 38 8).

10 Lovisolo (19 93, p. 39 ) de certa forma comunga desta idéia. Ele entende o “educador físico” como uma espécie de brícoleur “que a partir de fragmentos de antigosobjetos, guardados no porão, constrói um objeto novo no qual as marcas dos antigosnão desaparecem". Assim, o educador físico articula os diferentes conhecimentossobre as práticas corporais com vistas a uma intervenção social.

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Essa distinção é fundamental para a discussão epistemológica, como procurarei demonstrar a seguir. Quando perguntamos pelo objeto da EF, estamos perguntando por um“objeto” de uma prática de intervenção imediata que temseu “sentido não na compreensão, mas no aperfeiçoamentoda praxis” (Schmied- Kowarzik, 1 98 3, p. 23), ou por um“objeto científico”?

Tani (1988) reclama do fato de que sempre se privilegiou o entendimento da EF enquanto profissão negligencian-do-se o e ntendimento e nquanto disciplina acadêmica, suge

rindo algum tipo de antagonismo. Entendemos que não háantagonismo, mas, reconhecer a EF primeiro enquanto prática pedagógica é fundamental para o reconhecimento dotipo de conhecimento, de saber necessário para orientá- la epara o reconhecimento do tipo de relação possível/desejávelentre a Educação Física e o “saber científico”, ou as disciplinas científicas11.

Entendemos que enquanto área de estudo da realidadecom vistas ao aperfeiçoamento da prática pedagógica, a EFprecisa construir seu objeto a partir da intenção pedagógica.Essa é que deve nortear a construção da problemática teórica que vai orientar o estudo do seu objeto. Mas, por quefalar em “construção do objeto”? Ele já não está dado narealidade?

Como reconhecido por muitos autores o objeto da EFsitua-se no plano do movimento humano (Tani, 1 98 8, Santin,1992)12. Mas esse reconhecimento está longe de solucionar

11 Confundir os dois papéis, o do cientista e o do bricoleur ou “interventor", é oprimeiro e freqüente mal-entendido que encontramos entre os educadores físicos" (Lovisolo, 1993, p. 40).

12 Lovisolo (199 3) entende que “o campo dos fenômenos que ocupa a EF é o dasatividades corporais num sentido amplo” (p. 37). Nós temos denominado esse campo como o da cultura corporal (Coletivo de Autores, 1992, Bracht, 1992).

o problema de demarcação ou construção de um objeto científico. Parece- me que Tani (1988 ), de certa forma, é refémde uma postura empirista que busca delimitar o objeto apartir de um recorte da realidade empírica. Bourdieu et al.(1993), tratando dessa questão, citam Saussure: “o pontode vista cria o objeto” (p. 51). Isto é, uma ciência não poderdefinir- se por um setor do real que lhe corresponder. Continuam os autores, citando então Marx: “a totalidade concreta, como totalidade do pensamento é, de fato, um produtodo pensamento na concepção” (idem, p. 51).

Laplantine (1991) segue essa linha de raciocínio aoafirmar que

“uma disciplina científica (ou que pretende sê-lo) não deva ser

caracterizada por objetos empíricos já constituídos, mas, pelo

contrário, pela constituição de objetos formais. Ou seja, a

única coisa possível, a nosso ver, de definir uma disciplina(qualquer que seja), não é de forma alguma um campo de investigação dado (a tecnologia, o parentesco, a arte, a religião... o esporte V.B.), muito menos uma área geográfica ou umperíodo da história, e sim a especificidade da abordagem utili

zada que transforma esse campo, essa área, esse período em

objeto científico”, (p. 96)

 Volte mos para Bourdieu et al. (1993). Os autores entendem que Max Weber formulou um princípio epistemológicoque é instrumento de ruptura com o realismo ingênuo. Eles ocitam:

“Não são as relações reais entre ‘coisas’ o que constitui oprincípio de delimitação dos diferentes campos científicos, esim, as relações conceituais entre problemas. Somente assim,onde se aplica um método novo a novos problemas e onde,portanto, se descobrem novas perspectivas nasce uma ‘ciên

cia nova’.” (p. 51).

 As sim, a investigação científica se organiza de fato emtorno de objetos construídos que não têm nada em comumcom aquelas unidades delimitadas pela percepção ingênuaou imediata.

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Ora, não temos no âmbito da EF/CE uma construçãoúnica ou unívoca do objeto (científico) denominado de movimento humano. Ou seja, na biomecânica, na aprendizagemmotora, na sociologia do esporte, na fisiologia do esforço,etc., o movimento humano enquanto objeto científico não éo mesmo. Então não temos um objeto científico. Isso modifica a percepção do problema que se tem colocado como oda fragmentação do conhecimento em torno do movimentohumano. Isso explica por que as chamadas Ciências do Esporte cada vez menos mantêm diálogo entre si (mesmo ten

do como “objeto” o movimento humano ou o esporte) etendem ou a criar organizações específicas (na verdade, fórunsespecíficos de discussão; por exemplo a Sociedade Brasileira de Biomecânica), ou a buscarem o abrigo das disciplinas-mãe (psicologia, fisiologia, sociologia, etc.), onde a identidade epistemológica é determinada pela disciplina- mãe e nãopela especialidade, ou seja, sociologia do esporte ou fisiologia do esforço não é Ciência do Esporte e sim ciência sociológica ou fisiológica.

Breves olhares sobre o caso da Pedagogia 

Talvez seja produtivo lançar um olhar sobre a pedago

gia ou as “ciências da educação”, onde problemas semelhantes podem ser encontrados.

 Ve jamos o que diz o profess or M. O. Marques (1990 ):

“buscamos [...] justificar as pretensões de uma Pedagogia, ao

mesmo tempo como ciência e como a ciência do coletivo dos

educadores, em oposição tanto à separação entre o pensar/

decidir e o fazer [...], quanto às incursões atomizadoras das

chamadas ciências da educação, que operam com conceitos

gerados em outros contextos a respeito de outros temas. Os

esforços das interdisciplinaridades não conseguem, a nosso

ver, recuperar a unidade teórica necessária, a não ser que nas

distintas regionalidades do saber, como é a educação, haja

uma ciência articuladora do eixo interno dos saberes e práti

cas, a partir do qual possa a re flex ão inserir- se dinamicamente

no universo teórico mais amplo do saber, das ciências e daf i losof ia”, (p. 10)

O que é reivindicado aqui, e gostaria de analogamenteestendê- lo à Educação Física, é a construção de uma disci-plina- síntese (no caso ainda adjetiuada de científica) ouarticuladora que pudesse fornecer o saber nece ssário - ouque pudesse c onstruir esse saber - para orientar a prática

dos educadores. Uma ciência da e para a prática, comodiria S chmied- Kowarzik (1983 ).

Outro pensador da educação que tem tratado daespecificidade da pedagogia enquanto ciência é L. C. deFreitas (1995). Ele introduz o problema citando Ribes (1982),para quem

“a identidade de uma disciplina configura- se, em prime iro lu

gar, a partir de sua especificidade epistemológica como modo

de conhecime nto científico [...]. A ide ntidade da psicologia

educacional não pode ser encontrada como uma ciência da

educação, mas sim, como ciência psicológica” (p. 84- 5).

Para Ribes (1982) apud Freitas (1995, p. 27), “se umadisciplina não possui campo epistemológico próprio - comono caso da pedagog ia - o que a define é a sua responsabili

dade social13, ou seja, sua vinculação com a solução de problemas concretos sob o marco de uma instituição social”. Econclui Freitas (1995):

“A pedagogia [a Educação Física - V.B., portanto, opera emum nível qualitativo diferente daquele das ciências individuais

que lhe dão suporte epistemológico tais como a psicologia, a

sociologia e outras. Este nível qualitativamente diferente está

13 Lovisolo (1 993 ), t raçando um paralelo entre a EF e a medicina, te m um entendimento muito próximo ao de Ribes (1982).

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expresso na própria elaboração da teoria educacional e peda

gógica, em relação dialética com a prática educacionalmultifacetada. Este é o papel de uma ciência pedagógica”, (p.

87 )

A Educação Física e a cientificidade 

Mas, se reivindicamos para a EF (e a pedagogia) oestatuto de uma ciência especial (da e para a prática), o que

estamos reivindicando? Tornar a EF uma tal ciência significainstitucionalizar no seu âmbito as ditas práticas científicas etrabalhar com as categorias epistemológicas da “ciência”?Precisaríamos aclarar se a EF operaria a partir dos princípiosepistemológicos das ciências naturais14 ou das ciências sociais e humanas15? Se formos operar a partir dos princípiosda “ciência clássica” poderíamos introduzir reducionismos noestudo do movimento humano que precisariam ser evitados.Ou seja, o teorizar em EF precisa ultrapassar o próprio teorizarcientífico. A teorização permitida ou realizada com as categorias epistêmicas da ciência tradicional não atende às necessidades da EF que tem no objeto “movimento humano” ena intenção pedagógica suas características definidoras. Precisaríamos teorizar de forma a contemplar o biológico, opsicológico e o social, mas também o ético e o estético,

numa pers pectiva de globalidade - portanto numa nova construção de nosso objeto. Ora, o ético e o estético, como sabemos, sempre foram alijados do âmbito da “ciência” e remetidos ao decisionismo subjetivista ou a uma disciplina específica da filosofia e/ou para as expressões artísticas. Ao colo

14 É o que faz ver Santin (19 92) com ceticismo e como problemática a r eivindicaçãoda EF por cientificidade.

15 Estou partindo do dualismo epistemológico que é negado, por ex emplo, pelopositivismo e pelo racionalismo crítico popperiano.

car a questão ético- normativa16 como necess ariamente presente na teorização e m EF coloca- se (na pretensão decientificidade desse teorizar) a questão da separação clássicaentre o saber fático e o saber ético- normativo - e estamosentão no difícil terreno do debate em torno da dimensãoético- política da produção do conhecimento e da práticapedagógica em Educação Física.

Para que a EF se desse por satisfeita com o conhecimento científico precisamos ampliar o significado da ciência, ou fazê- la operar, co mo quere m K. O. A pel e J.

Habermas, com um novo conceito de razão, a razão comunicativa, que engloba a razão teórica, a razão prática e adimensão da subjetividade.

Entendo que há a necessidade de voltar a produção doconhecimento nas faculdades, institutos, departamentos ecentros de EF (e Desportos) para as necessidades da práticapedagógica em EF, ou seja, superar a fragmentação a partirdas necessidades da prática, que são globais.

As Ciências do Esporte: fragmentação versus unidade 

Quanto às Ciências do Esporte ou Ciências do Movimento Humano parece- me inevitável neste momento usar o

plural. A tendência parece ser ainda a da fragmentação.Não me parece ter sido construída na área urna problemática teórica que possa agrupar/reunir os esforços das discipli-

16 Lovisolo (19 93) parece ter captado esse problema com clareza ao dizer que “osvalores não s ão nem verdades científicas ne m questão de mer o gosto individual” (p.31) e enfatiza que “a velha solução de dialogar sobre os valores continua sendo umcaminho transitável se acre ditarmos na razoabilidade do homem” (p. 32). A esserespeito gostaria de remeter o leitor ainda ao interessante texto de Klafki (1992)que discute os limites do conhecimento produzido pelas “ciências da educação" noestabelecimento dos objetivos educacionais.

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nas que se ocupam cientificamente do esporte ou do movimento humano. Elas continuam operando, cada uma, comseu refere ncial teórico- metodológico, com problematizaçõespróprias/específicas, que são, como denuncia Sobral (1992)as das disciplinas- mãe.

E comum ouvir que o esporte ou o movimento humanosão tão complexos que exigem um tratamento interdiscplinarou “crossdisciplinar”. Ora, isso é permanecer no âmbito deuma visão empirista. O movimento humano ou o esportenão exigem por si só tratamento interdisciplinar, nós é que

podemos problematizá- lo de modo a exigir tratamentointerdisciplinar17, e isso está na dependência dos interessesnorteadores do conhecimento.

Então, as dificuldades no sentido da (re)unificação ousíntese do conhecimento, que hoje se assemelha às ofertasde um supermercado, são inúmeras. Talvez um caminho sejainterrogarmo- nos sobre a legitimidade do pesquisar em“Ciências do Esporte” . Tr adicionalmente essa legitimidadeadvinha do objetivo de (a) fornecer conhecimento para aprática pedagógica em EF, (b) fornecer conhecimento útilpara os órgãos públicos, para a indústria, etc. e (c) fornecerconhecimento para o crescimento e desenvolvimento do próprio sistema esportivo. Não se deve esquecer de que háaqueles que defendem a pesquisa em Ciências do Esporte apartir do simples objetivo de conhecer (desinteressadamente) essa dimensão da realidade.

 A pergunta que fica é se essas legitimações são suficientes e/ou ainda podem ser sustentadas e se elas podem ori-

ginar uma problemática teórica unificadora.

17Como lembram Bourdieu et al. (1993), “não há que se esquecer que o real não tema iniciativa, posto que só pode responder o que se lhe pergunta. Bachelard sustentava, em outros termos que o ‘vetor epistemológico [...] vai do racional para o real enão o inverso’.” (p. 55).

Considerações finais

Procurei demonstrar que estamos de frente a grandesdesafios, que, aliás, somente serão vencidos com um enorme esforço coletivo.

Por falar em coletivo, entendo que o CBCE, organiza-cionalmente, pode trilhar basicamente dois caminhos: a) apostar numa possível unidade do conhecimento produzido naárea, ou b) se curvar de frente à “fragmentação” (uma dastendências nesse sentido é a criação de comitês de, por

exemplo, sociologia, de fisiologia, etc.) e correr o risco de,em breve, ser palco de uma “diálogo de surdos”.

Por outro lado, para outro tipo de pluralidade o CBCEprecisa dar solução adequada. Refiro- me à diversidade deentendimento do que é e por que fazer ciência: o chamadopluralismo científico. Esse, como lembra Martins (1993, p.105),

“reflete o problema de que o caráter, o estatuto, o conceito e

os limites da própria ciência são controvertidos e de que o

conflito entre concepções de ciência, com suas pretensões

divergentes de verdade e relevância, não exclui (nem méto

dos, nem teorias, nem o cânon das disciplinas, nem ainda os

critérios de suas avaliação)”.

E preciso não incorrer no equívoco de reduzir a multipli

cidade, “nem a uma unidade inconstante, imune à controvérsia, dotada de critérios unívocos de cientificidade, nem auma mera diversidade, supostamente neutra”, pois, “o conceito de pluralismo científico abrange uma diversidade antagônica e não neutra” (Martins, 19 93 , p. 105). Para que nãose busque uma solução simplista e negativa como a de excluir o antag ônico, parece- nos só existir o lábil caminho dademocracia interna; a humildade democrática de não pos

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suir a verdade acabada e absoluta e ao mesmo tempo reconhecer e fazer valer os melhores argumentos. Unir a vigilância epistemológica à vigilância democrática.

Retomando o início de nossa intervenção relembro queo CBCE, a comunidade reunida sob essa entidade, está chamando para si a responsabilidade de orientar a prática científica na área, o que, como procurei colocar brevemente,nos coloca de frente a desafios de várias naturezas. Mas,gostaria de lembrar que o metadesafio continua a ser, a meuver, colocar mais essa prática a serviço da humanização do

homem.

AS CIÊNCIAS DO ESPORTE NO BRASIL:  " AVALIAÇÃO CRÍTICA1

“O saber não  é um lugar, é antes uma porta  que abrimos, sem saber ao certo 

ou previamente para onde vamos." (Fichtner, 1993)

Partindo de uma avaliação da produção do conhecimento nas Ciências do Esporte, buscamos mapear os principais problemas desta “área do conhecimento”, para entãoproblematizar em torno da legitimidade, do sentido das Ciências do Esporte, em torno das exigências e possibilidades (ounão) da interdisciplinaridade, e, brevemente, situar e discutiras Ciências do Esporte no âmbito do debate a respeito da

crise da razão científica.

Esperamos com esta abordagem ter êxito quanto aolevantar de questões que nos auxiliem no processo deautoconhecimento, fundamental para o desenvolvimento deuma área do conhecimento.

1 Ar tigo originalmente publicado na coletânea organizada por Goeltner, S., FerreiraNeto, A., Bracht, V.  As ciências do e sporte no B ras il. Campinas : Autores Associados, 1995.

...—

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 A opção por esta abordagem deveu- se ao nosso entendimento de que se faz necessário realizar uma crítica radicaldas Ciências do Esporte enquanto empreendimento científico, enquanto projeto que se coloca no plano de determinadaracionalidade, para chegarmos (expormos) à base, aos fundamentos, aos modelos (entendido num certo sentido comoparadigmas) que determinam nosso pensar, nosso teorizar.

Como se caracterizam as práticas científicas 

no âmbito das Ciências do Esporte?

“Nunca houve tantos cientistas- filósofos como atualmente [ ...].

Depois da euforia cientista do séc. XIX e da conseqüente aver

são à reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo,

chegamos a finais do séc. X X possuídos pelo desejo quase

desesperado de complementarmos o conhecimento das coisas com o conhecimento do conhecimento das coisas, isto é,

com o conhecimento de nós próprios”. (B. S. Santos, 1988)

Não serei propriamente original na tentativa de resposta a esta questão. Vou valer- me aqui de alguns estudosrecentes que considero fundamentais para conhecer criticamente o que vem sendo as Ciências do Esporte no âmbitodos países de língua portuguesa, ou, mais especificamente,no Brasil e em Portugal. Refiro- me à dissertação de mestradode Rossana V. e Souza e Silva (1990), à tese de doutorado

de Adroaldo Gaya (1994), à dissertação de mestrado deFernanda Paiva (1994) e aos estudos de Francisco Sobral(1992). Assim, neste ponto, procurarei apresentar as principais conclusões desses estudos e dialogar criticamente comeles, perspectiva de construir um ponto de partida para asproblematizações anunciadas.

Claro, logo de início somos confrontados com uma questão terminológica. Embora as definições de termos coloquemuma questão de vocabulário e, por conseguinte, de conve-

"76 “

niência (que não podem ser submetidas ao critério de verdade/falsidade, como lembra Japiassu, 1976), elas podem noscolocar algumas armadilhas e nos levar, no plano conceituai,a equívocos. Não raras vezes, é bom que se diga, o caosterminológico evidencia já dificuldades de ordem teórico-conceituais.

Refiro-me à necessidade de definição do âmbito, doobjeto a ser focalizado: as chamadas “Ciências do Esporte”.E possível distingui- las das “ciências da Educação Física”? oudas ciências ou “Ciência do Movimento Humano (ou da

Motricidade Humana)? ou, ainda, das “ciências da atividadefísica”2?

Referindo- se a esse problema, Sobral (199 2), observa,por exemplo, que os

“adeptos da Pedagogia do Des porto são ‘tão flexíveis’ ao ponto

de publicarem a mesma obra, num país, com o título de didá

tica das atividades físicas, em outro, Pedagogia da Educação

Física, em outro ainda, Pedagogia do Desporto. E tudo isto

sem alterarem uma linha do texto original.” (p.58)

Ora, os estudos que buscam analisar a produção doconhecimento nessa “área” se deparam com esse problema;alguns simplesmente o ignoram (Matsudo 1983, Tubino,1984), outros a tomaram como “área” indiferenciada, independentemente de sua denominação, enquanto que alguns

estudos mais cuidadosos problematizaram exatamente essaquestão, embora sem chegar a uma sugestão mais consistente. Tanto Paiva (1994), quanto Gaya (1994) e Sobral(1992) identificam esse problema. Sobral (1992) e Gaya(1994) advogam a necessidade de diferenciar claramente oscampos da Educação Física e das Ciências (ou Ciência, comopropõe Gaya) do Esporte; enquanto que Paiva (1994) colo

2 Quase que exclusivamente artigos de fisiologia do exercício.

S 77-N

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cando das dificuldades concretas de diferenciação, opta porusar a expressão “Educação Física/Ciências do Esporte (EF/CE)”, como, aliás, tornou-s e hábito no interior do próprioColégio Brasileiro de Ciências do Esporte, afirmando queessa “ambigüidade” acompanha o processo de construçãodesse campo, no sentido de Bourdieu.

Parece- me claro que, hoje, não é possível diferenciar aidentidade epistemológica de uma e de outra, nem sequeruma identidade própria. Daí, também, alguns autores proporem, como solução, uma “nova ciência”: a do movimento

humano ou a da motricidade humana3, ou, ainda, como foio caso da Alemanha, a Ciência (no singular) do Esporte. Issosignificaria concretizar uma identidade epistemológica novae própria.

Portanto, estaremos aqui fazendo uma análise da produção científica da “área” que envolve as “Ciências do Esporte” e a “Educação Física”, pela impossibilidade de dife-renciá-las concretamente.

 A quais conclusões básicas cheg aram os estudos queavaliaram nossa produção científica (no âmbito da EF/CE)?

É importante destacar que os primeiros estudos nessese ntido preocuparam- se mais c om a identificação de emquais subáreas mais se pesquisava, estudos esses, com características mais descritivas, por exemplo, Matsudo (1983),Canfield (1988), Tubino (1984) e Faria Jr (1987). Os estudos com preocupações mais acentuadamente epistemológicassão mais recentes. Poderíamos dizer, como já identificadopor Paiva (1994) para o caso do CBCE, que essa discussãoganha espaço no final dos anos 80 e início dos 90.

3 Neste caso, ao menos é a proposta de M. S érgio, a Educação Fisica seria “o ramopedagógico da Ciência da Motricidade Humana”.

■ o ^7 8 — —

Um dos primeiros estudos foi o de Rossana V. Souza eSilva (1990), que analisou as dissertações de mestrado doscursos existentes no Brasil. Nesse estudo, Souza e Silva (1990)buscou identificar as matrizes teóricas que orientavam essaspesquisas, concluindo que a concepção de ciência amplamente pre dominante é a de cariz positivista (empírico- analítica), com tímido crescimento, nos últimos anos da décadade 80, de pesquisas orientadas na fenomenologia hermenêutica e no materialismo histórico dialético.

Essa conclusão não é negada pelos estudos subsequentes(Gaya, Sobral e Paiva). De certa forma, ou de forma indireta, eles a reforçam. No entanto, outras foram acrescentadas.

 A. Gaya (19 94 ) chegou às seg uintes conclusões básicas ao analisar um amplo conjunto de pesquisas (teses,dissertações, artigos em periódicos), tanto brasileiras quantoportuguesas:

1. as investigações respondem predominantemente a questões das disciplinas de origem;

2. a própria delimitação das variáveis independentes de investigação, se bem que normalmente referenciadas ao desporto, encontram- se distanciadas das práticas desportivasconcretas;

3. os conhecimentos produzidos são, em grande parte, parcializados, fragmentados e desarticulados;

4. predominam as concepções empiristas e objetivistas;

5. há uma forte tendência para o aumento de investigaçõescom abordagem metodológica especulativa;

6. desenvolve-se pesquisas com interesses em temas de outras áreas específicas;

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7. os conteúdos não têm qualquer preocupação inicial comrefe renciais teóricos orientadores (definem- se variáveis,coletam- se dados, aplicam- se técnicas estatísticas, apre-sentam- se os resultados e publicam- se os trabalhos);

8. os conteúdos não tem o adequado cuidado com o conjunto de regras lógicas, o que determina falta de coerência,consistência e originalidade em muitos dos trabalhos publicados;

9. há uma evidente dificuldade de interações entre as di

vers as disciplinas que co- habitam o seu espaço (multidis-ciplinar);

10. nas ciências do des porto configura- se uma produção intelectual com pressupostos epistemológicos e metodológicos dicotômicos; como mostram nossas análises, demodo geral as investigações apresentam um caráter empi-rista e objetivista, ou assumem delineamentos discursivose subjetivistas.

 Analisando os problemas da investigação científica emciências do desporto, Sobral (1992) levanta três teses:

a) as ciências do desporto procuram compensar, através deum formalismo exacerbado, tomado de empréstimo a outros campos da iniciativa científica, as suas limitações próprias no domínio da Problematização (sofrem de um feu

dalismo epistemológico das ciências suseranas; falta autonomia científica às ciências do desporto);

b) as ciências do des porto têm- se imposto mais c omo umaoperação estratégica de alguns quadros acadêmicos oriundos da EF, em busca de influência num mercado apetecível, como é o desporto de rendimento, do que pelo tratamento sério dos problemas que emergem dos domínios dotreino e da competição.

c) como conseqüência, a investigação em ciências do desporto apresenta uma configuração heterogênea, sem umparadigma nítido, realçando a acumulação de fatos emprejuízo da construção da teoria.

Paiva (1994), analisando a história do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte e os trabalhos publicados no seuperiódico, identificou três fases diferenciáveis quanto ao entendimento de ciência: 197 8- 1985 , 1 985- 1989 e 1989-1993.

De 1978 a 1985:

- a ciência e a prática científica são neutras e “poss uem” averdade; fazer ciência é medir e comparar dados;

- as ciências do desporto são as diversas ciências instrumentalizando a “melhor” forma de fazer atividade física epraticar esportes.

De 1985 a 1989:

- A ciência e a prática científica são instâncias ideológicase devem trabalhar para a “transformação social”. Fazerciência é analisar um dado fenômeno de forma a possibilitar uma interf erê ncia nele, vis ando a conservá- lo outransformá- lo;

- as ciências do desporto são a E ducação Física transformada em ciência, tenha ela o predicativo “do movimento”,

“da motricidade humana”, “do esporte” (no singular) ou“da EF”.

De 1989 a 1993:

- a ciência deve discutir na sua dimensão epistemoiógica e asua dimensão ideológica; fazer ciência é analisar e teorizardado fenômeno buscando instrumentalizar uma possível enecessária intervenção no real;

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- as ciências do desporto são a assunção valorativa de que épossível e necessário tratar do ponto de vista científicofenômenos referentes á prática pedagógica, á prática deatividades esportivas, ao esporte, ao lazer, ao movimento,ao corpo, etc.

Fica claro no estudo de Paiva (1994) que a comunidade científica do CBCE, mais recentemente, passa a diferenciar os fenômenos da Educação Física (entendida como umadisciplina curricular que tematiza a cultura corporal ou física)e os do esporte (uma prática corporal específica que é

tematizada na EF).Num esforço de síntese, podemos resumir os resulta

dos desses estudos em alguns pontos básicos:

a) a investigação no âmbito das Ciências do Esporte se a-presenta extremamente heterogênea, tanto no que diz respeito à matriz teórica, quanto à orientação teórico-metodológica disciplinar, não sendo possível identificar, claramente, algum tipo de unidade (nem mesmo quanto aofenômeno estudado, que nem sempre é o esporte); istosignifica, na linguagem kuhniana, ausência de situaçãoparadigmática, ou ausência de paradigma;

b) predominam as investigações orientadas numa concepçãode ciência oriunda das ciências naturais, de cariz empírico-analítica, que privilegia técnicas quantitativas de pesquisa

(dentro do credo objetivista); nos últimos anos observa-seum incremento das investigações orientadas na fenome-nologia her menêutica e no mater ialismo histórico- dialético(que foram classificados por A. Gaya como orientaçãoespeculativa/discursiva e subjetivista).

c) as investigações estão atreladas aos interesses e aos procedimentos teórico- metodológicos das disciplinas científicas de origem, o que determina, primeiro, uma falta de

autonomia científica; segundo, que muito raramente osproblemas investigados revestem- se de importância parao destinatário em potencial, o próprio esporte; e terceiro, uma falta de interação entre as diferentes subdisciplinas(temos uma multidisciplinaridade e não interdisciplinaridade);

d) metodologicamente as investigações oscilam entre um ob- jetiv ismo empirista ingênuo (onde fazer ciência significamedir/quantificar, comparar e acumular dados, sem exercício propriamente teórico)4, e um discurso hiperpolitizado,que negando a neutralidade científica postulada pela ver

são objetivista, descuidou- se da autovigilância epistemológica; no afã da crítica à rigidez metodológica, descuidou- se do rigor metodológico5;

e) não existem critérios claros elaborados que permitam diferenciar as pesquisas classificáveis como pertencentes àsCiências do Esporte daquelas pertencentes à EducaçãoFísica; a partir da criação dos cursos de pós- graduaçãovinculados aos centros universitários de Educação Física eEsportes, têm crescido o númer o de professores de Educação Física que investigam o âmbito das Ciências doEsporte.

E claro que uma tal síntese peca, necessariamente,por insuficiência e por inevitáveis reducionismos. Mas, a partirdo quadro esboçado, já é possível levantar alguns

questionamentos que podem ser frutíferos no sentido de auxiliar no processo de nosso autoconhecimento.

4 Em editorial do periódico ale mão Sportwissenschaft   (Ciência Desportiua, 20(1),199 0), pode-se ler a r eclamação da dificuldade de se conseguirem bons artigos derevisão ou síntese.

5 O entendimento de ciência polarizou- se, como mostraram Gaya (19 94) , e Paiva(19 94) para o Brasil, entre uma visão “empirista ingênua” e uma visão “político-instrumentalista”, ambas com insuficiência crônica de debate epistemológico.

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Muitos dos problemas levantados podem nos levar àpergunta: como resolvê- los6? Par a muitos desses problemas,portanto, buscaríamos soluções como “aperfeiçoar os métodos de investigação” e “melhorar o nível de teorização”. Paraoutros, no entanto, entendo ser necessário radicalizar oquestionamento, perguntando se é possível dar outrodirecionamento às investigações ou à produção do conhecimento na área, mantendo- nos no interior do paradigma deciência hoje hegemônico. Seguindo essa trilha (radicalização),chegamos rapidamente à questão da própria legitimidade

das Ciências do Esporte7: por que e para que elas existem8?O que move ou moveu a ciência (as diferentes disciplinascientíficas) a objectualizar o esporte? Entendo também apropriado perguntar: até que ponto as Ciências do Esporte alcançaram o que se poderia chamar de “consciência de si”,no sentido de reconhecer com quais princípios (epistemoló-gicos) opera? Quais são as bases (teoria da ciência) sobre asquais assenta sua prática científica, sua produção do conhecimento?

6 Sobral (1 992 ) lançou- se nessa tarefa, pr opondo quatro conjuntos de atitudes parasuperar os problemas levantados e aqui já referidos: a) cultivar o pensamento divergente; b) problematizar a partir dos fenômenos e não dos quadros de interpretação; c) desenvolver a crítica e formular teorias; d) definir problemas mais amplos,utilizar metodologias mais abrangentes.

7 Te nho dúvidas se a comunidade científica das ciências do des porto mantém acapacidade de perguntar sobre o sentido das ciências do desporto. Parece- me queo mito moderno da c iência como que e liminou das mentes tal neces sidade. Ou,como lembra Santos (1988, p. 68), “a explicação científica dos fenômenos éautojustificação da ciência enquanto fenômeno central da nossa contempora-neidade".

8 Em tempos marcados pelo utilitarismo, conservador ou rev olucionário, parece- meque é muito bom manter viva a tradição de que conhecer é um bem em si mesmo,independentemente das utilidades imediatas ou mediatas que se derive m do conhecer. Essa posição “academicista” entendo ser uma posição unilateralizada comotambém o é a utilitarista. Precisamos é buscar um “compromisso” entre estas duasposturas.

84 L —

Pretendo, na seqüência, não propriamente respondera esses questionamentos, mas balizar caminhos que nos permitam uma reflexão frutífera a respeito.

0 esporte e as Ciências do Esporte: empreendimentos da modernidade

Para discutir o sentido das Ciências do Esporte, entendo necessário buscar, brevemente, a gênese do fenômeno

esportivo e a da própria ciência moder na, relacionando- as.

 Ainda que discutível, podemos entender o esporte (moderno) como um fenômeno que é gestado sob a influência doque se convencionou chamar de “modernidade”. Nas sociedades tradicionais, as práticas corporais, ass im como todasas atividades sociais, estiveram fortemente marcadas pelainfluência da rel igião. A re ligião constituía- se no primeir odiscurso, no centro, que totaliza o sentido das práticas sociais e culturais e as dota de significação (por exemplo o jogode pelota entre os maias)9. O esporte moderno, no seu processo de construção, sofre influência das transformações so-cioculturais e absorve uma série de características da sociedade industrial moderna. Guttmann (1979) sumarizou nosseguintes termos as características do esporte moderno: secu-larização; igualdade de chances; especialização; racionalização; burocratização, quantificação; busca do recorde10. Comomostrou Rigauer (1981), há um paralelismo entre o processode racionalização do treinamento esportivo e a racionalização do sistema produtivo na sociedade capitalista industrial.

9 Veja-se a respeito. La función dei juego de pelota entre los antiguos mapas.  (Weis, 1979).

10 Veja-se a res peito também Eichberg, H. Der Weg des Sportos in die industrielle Zivilisation e Sport und Arbeit (Rigauer, 1981).

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Para entendermos, portanto, a relação entre ciência eesporte, é importante situar um pouco melhor o advento damodernidade que viu e fez surgir o fenômeno esportivo.

Como sabemos, para Max Weber (cf. Rouanet, 1987)a modernidade é o produto do processo de racionalizaçãoque ocorreu no Ocidente, desde o final do século XVIII, eque implicou a modernização da sociedade e a modernização da cultura. Nesse contexto,

“a modernização cultural é o processo de racionalização das

visões de mundo e especialmente da religião. Em conseqüência desse processo, vão se diferenciando esferas axiológicas

(Wertsphãren) autônomas, até então embutidas na religião: a

ciência, a moral e a arte. A ciência moder na permite o au

mento cumulativo do saber empírico e da capacidade de prog-

nose, que podem ser postos a serviço do desenvolvimento

das forças produtivas. A moral, inicialmente derivada da religião,

se torna cada vez mais secular [...]. Enfim, surge a arte autônoma, destacando-se do s eu contex to tradicionalista (arte re

ligiosa) em direção a formas cada vez mais independentes,

como o mecenato secular e finalmente a produção para o

mercado”. (Rouanet, 1987 , p. 231-2)

Numa outra perspectiva sociológica é possível identificar o processo de diferenciação social abrangendo o desporto; es te vai- se constituir, aos poucos, em uma inst ituiçãodiferenciada das outras esferas.

Isso tudo levou a formulações, entre outras, do tipo: odesporto é a racionalização ou institucionalização do jogo, ouum crescente alijamento do lúdico, para falarmos com Huizinga

(1980).

Com isso quero argumentar que a racionalidade científica, característica da modernidade, cujo paradigma hegemônico estava voltado para a identificação das leis inerentes àscoisas ou fenômenos, com o objetivo de aumentar nossopoder/controle sobre esses (M. Weber apud Rouanet, 1987)

chamou de Zweckrationalitat, racionalidade com vistas-a-fins), foi co- produtora do esporte moderno; ou então, que odesenvolvimento do esporte moderno se dá no mesmo caldo

sociocultural em que se desenvolveu a ciência moderna.

 A ciê ncia entr a co mo co adjuv ante /aux ilia r para aconcretização de uma das características centrais do esportemoderno: a maximização do rendimento. A esse objetivoadapta-s e e xemplarmente a racionalidade científica heg emônica (denominada pelos frankfurtianos de razão instrumen

tal), porque está voltada exatamente para o aumento daeficiência dos meios, excluindo, por definição, a discussãoem torno dos fins dessa prática11.

Ora, o aumento da importância social do esporte, principalmente da importância sociopolítica (e mais recentementeeconômica), requisitou os serviços da ciência, para eliminaro acaso, o imprevisto, e, assim, “garantir” o sucesso. Bastaver o incremento das investigações em torno do esporte apartir da sua inserção nos movimentos da Guerra Fria e,mais recentemente, com a transformação do esporte numsegmento importantíssimo da economia mundial.

Dentro dessa perspectiva e de forma consequente, ointeresse norteador da produção do conhecimento, usandouma expressão de J. Habermas, é o interesse técnico e,

num plano muito secundário, os interesses prático e emanci

11 Um episódio da copa do mundo de futebol realizada nos EUA, em 19 94 , é, e mmeu entender, indicado para ex emplificar a “racionalização” do desporto. Os comentaristas da emissora de T V B andeirantes, indignados com a forma de jogar daequipe de Camarões, chamaram seus jogadores de irresponsáveis porque encaravam os jogos como brincadeiras; ao contrário, para os comentaristas, a Copa doMundo, o futebol, é coisa séria. Segundos eles, a equipe de Camarões praticavauma forma de jogar que era absurda, não voltada para a vitória e sim para oespetáculo.

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patório12. Isso, de certa forma, confirma- se nos es tudos anteriormente citados, que demonstram a predominância daabordagem empírico- analítica, que J . Habermas associa, justamente, ao interesse técnico.

 A razão instrumental impôs- se também nas Ciênciasdo Esporte. Hegemonizou- se de ter minada visão de ciênciaque inscreve- se no âmbito do “agir- racional- com- respeito-a-fins” (Zweckrationalitãt), o qual, estando os objetivos estabelecidos em situações preconcebidas, acaba extraindo daracionalidade o que ela tem de característico, que é refletirlevando em consideração os interesses globais da sociedade.

Interessantes são algumas consequências que Habermas(1988a) extrai para a comunidade científica. Segundo ele,

“a comunidade comunicativa dos pesquisadores, que toma

como sua tarefa a justificação de um auto-e ntendimento

cientificista da ciência, pode se auto-te matizar apenas a partir

dos conceitos de uma ciência objetiva. [...] Assim, a comuni

dade científica não pode se perceber enquanto sujeito; a sua

postura objetivista obriga- a a uma auto- objetivação” (p. 37 4).

Daí o porquê da minha observação de que a comunidade das Ciências do Desporto perdeu a capacidade derefletir sobre o seu sentido numa perspectiva que não sejafuncional- pragmática.

Não se trata aqui de fazer uma sociologia do esporte,

mas é necessário mostrar, na esteira da sociologia da ciência, como o processo de produção do conhecimento estáatrelado aos processos de desenvolvimento da sociedade comoum todo e da conseqüente necessidade de superar a visão

12 Habermas (1 988 a) ar gumenta que toda produção do conhecimento tem a norteá-la um interesse cognitivo. Ele classifica esses interesses em técnico, prático eemancipatório. O interesse cognitivo determina como o fenômeno seráobjectualizado. “As ciências estritamente empíricas estão sob as condiçõestranscendentais da ação instrumental, enquanto que as ciências hermenêuticasprocedem ao nível das ações comunicativas” (Habermas, 1988a, p. 236).

empírico- objetivista para poder discutir, ainda com re ivindicação racional para essa reflexão, o sentido da prática científica no âmbito das Ciências do Es porte. Trata-se, também,de mostrar que, apesar do postulado inerente à concepçãoempírico- objetivista de ciência pre dominante nas c iênciasdo desporto (de neutralidade política), essa prática estevesempre inserida num contexto (do desenvolvimento sociocultural, aí incluído o esporte), que confere uma determinadafinalidade ao conhecimento científico produzido, independentemente das vontades subjetivas de seus pesquisadores13.

Trata-se de alertar, mais uma vez, para o condicionamentosocial de todo conhecimento científico.

Nesse sentido vale aqui lembrar a advertência de Marques (1993, p. 88):

“As ciências empírico-analíticas não podem ignorar-se cons

tituídas por atos humanos, sustentadas por uma comunidade

científica e inseridas no processo cultural mais amplo da lin

guagem ordinária. Estão elas sujeitas ao processo de valida

ção de suas premissas, à prova da argumentação, não da ex

perimentação em si mesma, porque se voltam à interpreta

ção, não à simples produção de novas experiências ad  

infinitum. Não pode, por isso, o interesse técnico do conhe

cimento desvincular-se dos interesse s prát ico e emanci

patório.”

Gostaria de apenas citar, como indicadores da necessi

dade da superação da unilateralidade da ciência empírico-analítica, as repercussões das pesquisas nas Ciências do Es-

13 Lovisolo (199 5), defende a legitimidade da pesquisa pelo fato de que “conhecer ébom porque é bom conhece r”, o que não reduz nem amplia as conseqüênciassociais do conhecimento produzido, independentemente das satisfações pessoaisdo pesquisador.

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porte na questão do doping 14 e nas consultorias (por ex emplo, Matsudo, 1991, discutindo a pílula anticoncepcionalenquanto doping).

Temos como perspectiva dominante a posição de legitimar as Ciências do Esporte pela importância que têm parao sistema esportivo (deixando inquestionável sua função social, que é positiva). Nesse sentido, vale observar o que diz arespeito K. H. Bette (apud Rütten, 1990), que opera com ateoria dos sistemas de N. Luhmann. O autor, analisando a

relação de dois sistemas complexos (esporte e ciência), procura demonstrar como o sistema esportivo cria dificuldadespara as abordagens científicas que não trabalham com os

códigos dessa instituição, por exemplo, a maximização dorendimento na perspectiva do crescimento infinito, e, aocontrário, propõe uma relativização do conceito de rendimento a partir de razões pedagógicas, sociais ou de saúde.O sistema esportivo tende a funcionalizar para si, a partir deseus códigos, a ciência. Isso tem conseqüências importantíssimas para as discussões em torno das razões/necessidadesde uma Ciência do Esporte de caráter aplicado.

Para finalizar este ponto: o que estou a reivindicar éuma reflexão sobre a legitimidade das Ciências do Esporte,que ultrapasse uma legitimação funcional pela obviedade do

desporto busque ancorar- se num projeto emancipatório.

14 A Soc iedade Alemã de Ciência Desportiva, no Congres so de 19 92 (Oldenburg),tomou posição a respeito da pesquisa em torno de substâncias dopantes, dizendoque a comunidade científica precisa assumir a responsabilidade política que a elacabe nesses casos.

90 t — *-...-

Dimensões da interdisciplinaridade nas Ciências do Esporte

Falta unidade, o campo é excessivamente heterogêneo, dizem os estudos. Uma das possibilidades da superaçãodesse problema é o caminho da interdisciplinaridade? Mas oque é interdisciplinaridade?

Exis tem vários argumentos a favor da interdisciplinaridade. Um deles diz respeito ao fato de termos construídouma cultura de especialistas, o que tem- se mostrado, embora não necessariamente, antagónico a visões mais amplas,que são necessárias (tanto quanto o conhecimento disciplinar especializado) para a solução dos problemas e para evitar outros15.

Para Japiass u (19 76 , p. 40- 1), a exigência da interdisciplinaridade,

“longe de constituir progresso real, talvez seja mais o sintoma

da situação patológica em que se encontra hoje o saber [...], o

especialista converteu- se neste homem que, à força de co

nhecer cada vez mais sobre um objeto cada vez menos exten

so, acaba por saber tudo sobre o nada. Nesse ponto do

esmigalhamento do saber, a exigência interdisciplinar não passa

da manifestação, no domínio do conhecimento, de um esta

do de carência”.

E claro que podemos observar reivindicações por coo

peração (inter)disciplinar fundamentadas em interesses ainda disciplinares. Por exemplo, um biomecânico que buscaauxílio do estatístico, do matemático, do engenheiro eletrônico e do fisiologista para a solução de um problema, aindabiomecânico; o que na verdade não é interdisciplinaridade,mas sim, “intradisciplinariedade”.

15 O problema da ecologia é sempre citado como exe mplo da ação unilateral, s em oentendimento das repercussões s istêmicas sobre o meio ambiente das ações parciais, o que somente poderia ser alcançado com uma abordagem interdisciplinar.

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Para além dessa visão simplista e equivocada deinterdisciplinaridade, esta tem o objetivo de superar a fragmentação naquilo que ela dificulta colocar a ciência a serviçoda vida humana em geral. Nesse caso, estamos tambémfalando na mediação entre ciência e filosofia, ou da mediação entre ciência e arte, ou, em outros termos, entre osdiferentes saberes ou racionalidades.

Se observarmos o quadro das Ciências do Esporte,verificaremos que o movimento dominante ainda é o da fragmentação, que é crescente, com o aparecimento de sempre

novas especialidades e subespecialidades, inclusive com acriação de entidades específicas (Sociedade Brasileira deBiomecânica, Medicina Esportiva, etc.), e isso porque nãoexiste nada que sirva de elo de ligação entre as Ciências doEsporte absortas em seus problemas específicos. Não existeuma identidade epistemológica das Ciências do Esporte.Como demonstram os estudos de Gaya (1994), não é possível identificar, na atual produção do conhecimento na área,elementos que indiquem no sentido de uma unidade.

Mas, no caso das Ciências do Esporte, a reivindicaçãopor interdisciplinaridade está baseada nas necessidades daprática, que exige um conhecimento sintético (interdisciplinar).No entanto, pela subordinação, já referida por Sobral (1992)e Gaya (1994) às problemáticas das disciplinas de origem, aprodução do conhecimento é fragmentada disciplinarmente

e não tematicamente como reivindica Santos (1988). As Ciências do Esporte vivem num estágio pluridisci-

plinar16. Convenhamos, em nossos congressos cada um dáseu recado em meio à indiferença simpática dos demais, oque leva à pergunta: faz algum sentido ainda organizarmoscongressos multidisciplinares?

16 Essa é também a avaliação de Roberto P rohl (1991 ), que analisou exaustivamentea situação da Ciência do Esporte (Sportwissenschaft) na Alemanha, que havia secolocado como projeto explícito a construção, por via da interdisciplinaridade, deuma nova ciência (no singular).

Existem muitos obstáculos para a superação dessa fragmentação (outros nem a entendem necessária). Japiassu(1976) identifica três ordens de obstáculos: a) os de ordemepistemológica (já brevemente discutidos aqui); b) os de ordem institucional; c) os de ordem psicosociológica.

Também a partir do modelo de J. Habermas (dos diferentes interesses que norteiam a produção do conhecimento)é possível prever/identificar dificuldades.

Outra dificuldade é a idéia equivocada que se instalou

em nosso imaginário, de que temos um objeto científicocomum: o esporte (o que justificaria a existência de organizações que congreguem pesquisadores com um objetivo comum). Embora, sob a perspectiva da prática, exista realmente um objeto comum, o mesmo não acontece com aprodução do conhecimento. O esporte, enquanto objetoempírico, não é, necessariamente, um objeto científicounívoco. Um objeto científico é algo construído; construídopela abordagem específica de cada disciplina. “Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua emque é perguntada” (Santos, 1988, p. 66).

Um outro equívoco é o de ver as dificuldades dainterdisciplinaridade como um problema de simples falta decomunicação entre os pesquisadores (por isso deveríamos

continuar a realizar congressos pluridisciplinares e apelar paraa “vontade” dos cientistas de estabelecerem relações). Valelembrar, nesse sentido, o que dizem Bourdieu et al. (1993):

“Ver, como normalmente se faz, o princípio de todas as difi

culdades de comunicação entre as disciplinas na diversidade

das linguagens, é abster-se de descobrir que os interloc utores

se encerram em sua linguagem porque os sistemas de expres

são são ao mesmo tempo os esquemas de percepção e de

pensamento que fazem existir os objetos sobre os quais vale apena falar.

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São realmente objetos e não um objeto, no caso dasCiências do Esporte.

Gostaria de observar, sem poder desenvolver, já quenão é esse o tema aqui, que a questão da interdisciplinaridadeé particularmente importante para a Educação Física (entendida essa enquanto prática pedagógica).

 A interdisciplinaridade não pode ser tomada como pa-nacéia. A necessidade da interdisciplinaridade não é algoabstrato; está ligada ao interesse na realização de determi

nado projeto, para o qual é (ou não) necessária. Portanto, aunidade interdisciplinar só pode ser uma unidade ética. Assim, voltamos à questão discutida anteriormente, ou seja, osentido das Ciências do Esporte, como também, a questãoda mediação entre os diferentes saberes ou racionalidades.Os estudos sobre a interdisciplinaridade esbarram, por umlado, nas dificuldades da construção de uma epistemologiainterdisciplinar (não alcançada até hoje) e, por outro lado,nas fronteiras da própria epistemologia.

Um mini- res umo pontual:

- as Ciências do Esporte não poss uem objeto científico emcomum; operam a partir dos mais diferentes interesses;não possuem identidade epistemológica própria; reúnem-se em organizações em função de interesses corporativos

(as ciências, independentemente das organizações deciências ou Ciência do Esporte, continuam a estudar o

esporte);

—uma Ciência do Esporte, de cunho aplicado, está fortemente atrelada aos interesses da instituição esportiva; comisso, é subordinada aos seus códigos e interesses; assim,perderia s eu pontencia l crítico, tornando- se pragmático-funcional; legitima- se pela importância do fenômeno es

portivo;

■ ' - '' 9 4 I _____

- A Educação Física (ou pedagogia, onde o esporte é umdos temas) oferece uma problemática teórica que podeser tratada também cientificamente; essa problemáticaexige exercício/tratamento interdisciplinar, tanto entre diferentes disciplinas científicas, quanto entre as diferentesracionalidades.

A condição pós-moderna, a crise da razão científica e as Ciências do Esporte

“Nas questões fundamentais, o conhecimento científico desemboca em insondáveis incertezas”

(Morin, 1993)

 Alg uns desenvolvimentos recentes no plano da ciênciae da epistemologia deveriam fazer eco nas Ciências do Esporte e isso porque afetam as bases, os princípios do pensamento científico, que supõe-se serem seg uidos pelas Ciências do Esporte, isto é, sejam os fundamentos de nossaspráticas científicas.

 Além do debate, não concluído no plano da epistemologia (e nem sequer iniciado ou percebido nas Ciências doEsporte), sobre a questão do possível dualismo metodológico/epistemológico entre ciências naturais e ciências sociais/hu

manas, o que hoje está em questão é o próprio paradigmada ciência moderna ou da racionalidade científica. SegundoMarques (1993), “de inquiridora a razão converter- se- á eminquirida”.

O des envolvimento da ciê ncia17, incluídos aí tanto osdesenvolvimentos da micro e da macrofísica, da química eda biologia, quanto os da hermenêutica e os da filosofia da

17 “O aprof undamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares emque se funda” (SANTOS, 1988, p. 54).

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linguagem e das por elas suscitadas e a elas ligadas discussões epistemológicas, chegamos ao que se poderia chamarde limites/fronteiras da epistemologia (que sempre procurouum ponto de vista privilegiado como garantia de certeza) eque coloca os epistemólogos em dois lados:

a) os fundacionalistas ou criterialistas;

b) os antifundacionalistas (ou relativistas) ou não- criterialistas.

 Alg uns autores associam a seg unda postura à condiçãoou ao pensamento pós- moderno que, no que diz respeito à

ques tão do saber científico, coloca- se c omo uma posturarelativista. Ou seja, critica/relativiza a posição absolutista darazão (científica). Advoga a pluralidade irredutível da razão;pleiteia o livre jogo das diferentes racionalidades (num livre

 jog o de linguagens), sem postular/almejar unidade, muitomenos hierarquia.

Isso não significa que a ciência, repentinamente, perdeu sua capacidade de prognose, de fornecer elementos quepermitam interferir na realidade. Significa muito mais, queela deve abdicar de sua condição/aspiração de conhecimento privilegiado da realidade e da aspiração de fornecer achave de todos os “mistérios” do mundo18. Nas questõesfundamentais, como afirma Morin (1993, p. 22), “o conhecimento científico desemboca em insondáveis incertezas”.

Essa crise, que, na opinião de B. Santos (1988, p. 54),não apenas é profunda, mas irreversível (ou indica um recomeço, como querem M. O. Marques e F. S. Rouanet), é oresultado de condições sociais e teóricas. As condições teóricas já foram rapidamente aludidas aqui. Quanto às condições sociais, entre tantos (como os que identificam na revo

18 “Ampliando- se os espaços do conhecimento, ampliam- se também as fronteiras dodesconhecido, na direção do infinitamente grande e do infinitamente pequeno,para além do alcance dos homens" (Marques, 1993, 57).

' 96

lução eletrônica a base das modificações socioeconômicas eculturais que ger aram a condição pós- moderna), ev oco aquia versão marxista, defendida por Frederic Jameson e MarilenaChauí, de que o pós- modernismo (e sua versão no plano dacultura e do saber) é fruto da nova fase do capitalismo, cujacaracterística central é a acumulação flexível do capital.

Malgrado a precariedade desses debates e o caráter detransição do momento que vivemos, parece- me importanteperguntar como as Ciências do Esporte estão a reagir oureagirão a essas questões. É interessante notar que, se porum lado, as Ciências do Esporte buscam satisfazer as exigências de rigor científico do paradigma dominante, por outro, são abalroadas nesse processo, pela crise desse mesmoparadigma.

Ciências do desporto! Pois bem, a qual cientificidadese ligam ou querem se ligar essas ciências? Abrir- se- ão asciências do desporto à possibilidade de ampliação do conceito de r azão, abarcando a racionalidade estético- expressiva ea prático- moral, para falar com Habermas?

Finalizando: ou as ciências do desporto dão respostas aessas questães, ou melhor, as enfrentam e assumem a responsabilidade das respostas, ou estaremos num barco aoqual nos compete imprimir velocidade, mas não determinar-lhe a direção. A direção.... Bem, esta será determinada pelo

 jogo das forças do merc ado (A própria racionalidade neoli-beral!), ou pelas forças do poder constituído e nós, das Ciências do Esporte, embora constituída de seres humanos comcapacidade para optar por determinados fins, nos restringiremos a mantê- lo em movimento (ao menos enquanto formos nutridos com capital financeiro e simbólico).

E preciso, portanto, fortalecer esse tipo de debate/reflexão no âmbito das organizações científicas da área, paraque possam assumir a condição de sujeito coletivo que assume posturas políticas e age de acordo com elas.

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Para concluir quero enfatizar a importância doreconhecimento do “envolvimento” (no duplo sentido) do cientista (do esporte), vale ndo- me das palavras da filósof a M.Chauí (1994, p. 481), comentando a obra de M. Ponty:

O artista, como o filósofo, [e eu diria um cientista], nunca

está no centro de si mesmo, estão sempre fora de si, rodea

dos pela miséria empírica do mundo e pelo mundo que devemrealizar e revelar pela obra [...]. Por isso interrogam o mundo,

a si mesmos, seu próprio trabalho, não podendo parar depintar, compor, dançar, escrever. Sua obra é interminável por

que nunca abandonamos nossa vida e o mundo, nunca vemos

a idéia, o sentido e a liberdade cara a cara".

A TESE DA CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA, 

DE MANUEL SÉRGIO1

Kefren Calegari dos Santos2

Está caracterizado, por meio de diversas publicações arespeito, que as décadas de 7 0/80 apresentam- se c omo umperíodo de “crise” para a Educação Física. Sérgio (1988,p. 12) citado por Bracht, por ex emplo, afirma que “o discurso da Educação Física é, desde a década de 60,declaradamente de crise”. Mas é Medina (1983) que, noinício da década de 80, denuncia publicamente a “crise” daEducação Física no cenário brasileiro, momento este de umintenso e proveitoso debate na área. Entretanto o(s) motivo(s)

desta denominada crise não está(ão) totalmente claro(s). Bracht(1992) relata que diferentes causas são aludidas, “uma delas, por exemplo, parte do argumento de que não existeuma profissão de professor de Educação Física” enquanto

1 Este texto é um resumo da monografia apresentada ao CEF D/UFES como requisitoparcial ã conclusão do curso de graduação em Educação Física (97/1), sob orientação de Valter Bracht.

2 Especialista em Fisiologia do Exercício pelo C BM/UFES ; professor de E ducaçãoFísica no Centro Educacional Gênesis/Cooperativa Educacional (CEG/COOPEDUC) e de natação na Associação Esportiva Siderúrgica Tubarão (AEST).

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outros “entendem que a crise é de cunho epistemologia”(p. 36). Para esse autor a crise de identidade da EducaçãoFísica está relacionada com a sua possível falta de legitimidade e lembra que esta não pode ser confundida com legalidade.

Para alguns a legitimação desejada somente seriaalcançada quando a Educação Física fosse reconhecida comociência. Para tanto, propostas de “cientifização” dessa áreasurgem, apresentando- se como Ciências do Es porte, Ciên

cia da Motricidade Humana (ambas de raiz européia) eCiência do Movimento Humano (esta de origem americana),entre as mais conhecidas atualmente. Devemos lembrar,entretanto, que para a aceitação de alguma, ou mesmo algumas dessas teses/teorias pela comunidade “científica” daárea, questões devem ser respondidas, principalmente nummomento em que a própria racionalidade científica encontra-se em crise, como defendem alguns filósofos da ciência.Dessa forma a crise da Educação Física não é apenas decunho epistemológico como uns afirmam, mas diante daspropostas apresentadas a busca de sua legitimação não podeprescindir do debate epistemológico.

Em nosso estudo abordamos a tese da Ciência daMotricidade Humana (CMH), do filósofo português ManuelSérgio Vieira e Cunha, que afirma estarmos de frente a uma

nova ciência. A esc olha da Ciência da Motricidade Humana justifica- se pela considerável penetraç ão que essa tese alcançou na comunidade acadêmica da Educação Física (digamos que de forma um pouco passiva), ao mesmo tempo emque identificamos algumas questões preliminares não respondidas e/ou não bem compreendidas em sua tese, pormeio das quais pudemos visualizar a abertura para um possível debate com o autor, a fim de buscarmos soluções coerentes para o problema (da crise) ora levantado. Objetivamos,

então, analisar a evolução do pensamento de Manuel Sérgioem torno da tese da Ciência da Motricidade Humana, destacando o referencial teórico utilizado pelo autor e buscandoidentificar a necessidade e as possibilidades de uma tal ciência. Com isso, esperamos estar contribuindo no sentido deoferecer alguns elementos para o debate epistemológico acerca da (crise de) identidade da Educação Física. Este estudocaracteriza- se c omo uma pesquisa de cunho teórico atravésda reflexão hermenêutica de textos do autor acerca de suatese. Para construção deste trabalho foram seguidos algunspassos, a saber:

I - levantamento da produção de Manuel Sérgio que diz respeito à tese da Ciência da Motricidade Humana (CMH);

II - levantamento da produção acadêmica que se baseia natese da CMH, de Manuel Sérgio;

III - levantamento das referências na bibliografia da área àtese da CMH3;

IV - análise da evolução do pensamento de Manuel Sérgioem torno da tese da CMH, destacando o referencialteórico utilizado pelo autor;

 V - identificação dos autores que ser vem como pilares datese da CMH; leitura e análise desses autores, com vistas a avaliar a adequação do seu uso por Manuel Sérgio.

Sobre Manuel Sérgio e a tese da Ciência da Motricidade Humana

Manuel Sérgio é um filósofo português que há muitotem contribuído para a reflexão a respeito da Educação Física. Podemos dizer que a sua contribuição através de ensaios

3 Na monografia, disponível na biblioteca do CEFD/UFE S, encontram- se em anexoos levantamentos I, II e III.

 — ^J101

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iniciou- se no ano de 19 74 quando publicou o livro Para uma Nova Dimensão do Desporto. Antes, porém, já havia publicado obras literárias, como crônicas e poesias, e posteriormente escreveu também narrativas de cunho jornalístico.Entre a sua extensa obra (considerando seus livros e artigostemos mais de trinta publicações), interessa- nos a bibliografia referente à tese da CMH. Nesse sentido, a publicaçãoque inaugura o seu pensamento acerca daquela tese, aparenta ser Prolegómenos a uma Ciência do Homem, publicado pela primeira vez na revista Ludens, em 1979, e pos

teriormente num livro intitulado Filosofia das Atividades  Corporais, em 1981. Como o próprio título sugere a intenção do autor é apresentar de forma ainda sincrética a novaciência que futuramente denominaria de CMH. Naquelemomento Manuel Sérgio oscilava na dúvida sobre a sua melhor denominação: Ciência do Movimento Humano ouQuinantropologia? Entretanto, é interessante ressaltar que,em 1974, Manuel Sérgio já perguntara pela existência deuma Ciência do Movimento Humano (Quinantropologia?).Trata-se de uma rápida pass age m, num pequeno capítulointitulado “Educação pelo Desporto”, do livro Para uma Nova Dimensão do Desporto, de sua própria autoria. Nesse livro,dizia Sérgio (1975), que, se confirmada a existência da Ciência do Movimento Humano (Quinantropologia?), faria partedela a “iniciação desportiva”, tendo, aí, o pedagogo lugar

privilegiado e função imprescindível. Sua grande preocupação centrava- se na “humanizaç ão” do des porto, possibilitada, segundo ele, somente pela adequada orientação pedagógica - diga- se científica4.

4 Nesse texto Sérgio (1975) considera a pedagogia uma ciência e por isso reclamasua inserção na educação desportiva. A fir ma ele que “no campo da ‘iniciaçãodesportiva’ [...] a atualização científica mais se torna necessária, já que a pedagogiaé uma ciência e não é possível orientar uma criança (seja no que for) à base daintuição, esquece ndo as exigências hodiernas da pedagog ia” (p. 82).

Daí em diante, Manuel Sérgio assumiu com determinação o seu maior projeto - a tese da CMH - e com isso deupross eg uimento à sua elaboração teórica, concentrando- sequase que exclusivamente nesse intento. Isso fica bem evidente na vasta publicação a respeito - em média um livro ouartigo por ano. Entre elas, podemos destacar: Filosofia das 

 A tividade s Cor porais (1981); Uma Nova Ciência do Ho-

mem a Quinantropologia (1983); A  Investigação Epistemo-

iógica na Ciência da Motricidade Humana (1985); Motri-

cidade humana: uma nova ciência do Homem (1986); Edu-

cação Física ou Ciência da Motricidade Humana?(1991);

Para uma Epistemologia da Motricidade Humana (1994);Motricidade Humana: um Paradigma Emergente (1995).Entretanto, é no decorrer das leituras que percebemos variações no trato c om a sua tese, apres entando- a de formasdiferentes, bem como fundamentando- a a partir de ref erenciais diversos.

Com o objetivo de levantar essas diferenças, discutimo-as em torno das seguintes categorias: motricidade humana;homem; Ciência da Motricidade Humana; e corte epistemológico.

Cabe ressaltar que essas são apenas categorias centrais, escolhidas por aparecerem constantemente em sua obrae porque, no decorrer do estudo, evidenciaram variações aolongo do pensamento do autor - ocorrendo inclusive mudanças nas suas denominações. Contudo, devido à limitação de

espaço, dada pelo caráter deste livro, não foi possível apresentar essa evolução de forma resumida sem esvaziar seuconteúdo e/ou prescindir das relações possíveis e reflexõesnecessárias. Desse modo, ao final deste capítulo encontra- seum quadro resumo da evolução do pensamento de ManuelSérgio em torno da CMH, que pretende apenas situar o leitor, ilustrando suas tendências ao longo da sua obra. Paramaiores esclarecimentos, remetemos à leitura do capítulo IIda monografia em questão.

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Levantando questões

Partindo do que foi evidenciado na obra de ManuelSérgio acerca da tese da CMH, recuperamos, abaixo, algumas dúvidas/contradições levantadas por nós e, em seguidaestabelecemos um debate com autores que nos serviram deauxílio nesta discussão. Acreditamos que nesses momentosestaremos também contribuindo para aclarar um pouco aquelas variações que citamos anteriormente.

- Qual é a concepção de ideologia defendida por Sérgio emsua relação com a ciência?

- Quais implicações surgem ao considerar- se a motricidadehumana como objeto de estudo e a ciência que dela seocupa pertencente às ciências do homem, como defendeManuel Sérgio?

- Está claro qual é a especificidade dessa nova ciência?

- O que significa a educação motora ser considerada umramo pedagógico da CMH? Como se daria a relação daquela com esta?

- O que sig nificam algumas mudanças conceituais, de fundamentação teórica e/ou de termos, identificadas na teseda CMH?

- Qual é a possibilidade de conjugare m se dois autores, considerados pela discussão epistemológica atual como representantes legítimos de tendências opostas, para fundamentara existência da CMH? Tais autores são Popper e Kuhn.

- Nesse texto Sérgio (19 75) considera a pedagogia umaciência e por isso reclama sua inserção na educação desportiva. Afirma ele que “no campo da ‘iniciação desportiva’[...] a atualização científica mais se torna necessária, jáque a pedagogia é uma ciência e não é possível orientar

uma criança (seja no que for) à base da intuição, esquecendo as exigências hodiernas da pedag ogia” (p. 82). Em quese baseia a necessidade de afirmar a E. F. como ciência?Ela realmente possibilita um acesso superior ao conhecimento do homem, como quer Manuel Sérgio? No planopedagógico, quais são suas limitações?

Discutindo questões

Ciência e ideologia 

Podemos dizer que, com base no pensamentoalthusseriano, categorias como corte epistemológico e problemática dão início à fundamentação teórica do surgimentoda nova ciência proclamada por Manuel Sérgio. No texto,“Louis Althusser ou uma Certa Maneira de Ler o Desporto”,Sérgio (1984) faz uma leitura do desporto à luz do pensamento epistemológico de Althusser. Para ele “o Desportointegra uma nova ciência do Homem (a Cinantropologia)” e“o Desporto é ciência e filosofia” (p. 140). Sintetizando,Sérgio (1984) apresenta as idéias de Althusser a respeito darelação entre ciência, filosofia e política:

“Em meia dúzia de palavras podemos afirmar que a prática

filosófica se recorta no labor da produção de teses respeitantesà rotura entre ciência e ideologia. Fazer filosofia equivale a 

uma expressão intensa de vitalidade intelectual ao traçar  

linhas de demarcação entre o científico e o ideológico [grifo

nosso], entre o idealismo e o materialismo [neste segundo

caso, a filosofia intervém na prática social, fornecendo tesesa uma das classes em luta], (p.137)

Diante disso ocorrem- nos duas questões refe rentes àdicotomia estabelecida entre ciência e ideologia e o papelatribuído à filosofia:

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a) Entendendo a realidade como um campo de luta de classes (Althusser é de filiação marxista), se está realmentegarantindo uma prática científica isenta de ideologia aoproclamar- se que a filosofia deve optar por uma das classes em luta e fornecer- lhe teses? Para “des ideologizar” aciência, basta vinculá-la a uma das classes? A verdade,nomeadamente científica, pertence a esta ou àquela classe social?

Entender a ciência como campo permeado por relaçõesde poder, onde os cientistas ficam submetidos a instâncias

burocráticas que nada ou pouco têm relação com a atividade propriamente racional, é facilmente compreensível;mas propor sua “desideologização” e seu “preenchimento” com a ideologia de uma das classes em luta é desconsiderar o avanço do conhecimento científico alcançado atéos nossos dias.

b) Na leitura apresentada por Manuel Sérgio, a filosofia aparece como orientadora dos rumos que a ciência deve seguir. Antes vejamos de que f orma isso se daria. A partirda distinção althusseriana entre leitura literal e leiturasintomal, S érgio (1 984) relaciona- as com o aparecimentodas categorias de problemática e corte epistemológico. A leitura literal aparece como descrição aparente, enquantoa leitura sintomal é responsável pelos questionamentos,através de uma contextualização histórico-política. Apressadamente podemos dizer que neste segundo tipo de lei

tura é possível buscar uma problemática, ou seja, explicitarquestões que a ciência coloca ao seu objeto, possibilitandoum corte epistemológico, que consagra “a linha de separação entre a ciência e a ideologia” (p. 136). Nesse sentido, a filosofia cumpre o papel de vigilância epistemoiógicaoperando com teses/teorias que garante aquela ruptura.Podemos adentrar agora na segunda questão; perguntamos, então, pelo ponto de vista onde reside a superioridade da filosofia.

Evangelista (1990) nos lembra que, para Althusser,

“a principal palavra de ordem era reduzir oposições, como

por exemplo as propostas por Kuhn entre os paradigmas a

uma única e absoluta oposição, à oposição entre A ciência e A ideo log ia” , (p. 22 2)

E prossegue ele:

“quem decretava a cientificidade da ciência era uma filosofia científica, o Marxismo enquanto filosofia científica”(p. 222).

Entretanto, Evangelista (1990) ressalta que Althusser,

diante da

“demonstração de Dominique Lecourt será forçado [...] a fa

zer uma auto- crítica”. (p. 222).

Nas palavras de Althusser (1966) citado por Evangelista(1990):

“necessário [...] reconhecer a ilusão e a impostura de seu pro

 jet o [ou sej a de uma epis temologia ] . É pre cis o (... ) ele re nun

ciar e criticar o idealismo ou os mofos idealistas de toda

epistemologia”, (p. 222)

Parece que, assim como Althusser, Manuel Sérg io também reviu algumas de suas colocações anteriores sobre categorias utilizadas, bem como a relação entre ciência e ideologia. Em “Carta Aberta à Presidente do CBCE”, à época, aprofessora Celi Taffarel, Sérgio (1989), depois de quase dois

anos de permanência no Brasil, despede- se do CBCE. Nessa carta, além dos gentis agradecimentos a todos que o receberam neste país, Manuel Sérgio reflete rapidamente arespeito de alguns pontos que a Educação Física brasileiraprecisa observar, defendendo, obviamente, a tese da CMH.Num desses pontos, Sérgio (1989) afirma que “a EducaçãoFísica brasileira precisa de criar uma teoria, que nasça dodiálogo com a sua prática específica” (p. 74). Contudo, lembra que não defende atualmente, “um corte epistemológico

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(grifo do autor) ao jeito althusseriano” (p. 74). Ainda, segundo ele, “a ideologia não é o simples reverso das Ciências”(p. 74). Entretanto, aí reside uma dúvida: Manuel Sérgionão explicita em nenhum momento (nesse e nos seus outrosescritos) os motivos que o levaram a pensar diferentemente,bem ao contrário do que fez anteriormente, quando preferiua categoria de problemática (da linha Bachelard- Althusser) àde paradigma (formulada por Kuhn).

Pensamos não ser possível demarcar claramente o queé ideológico daquilo que é científico. Não existe uma linha

clara que pode consagrar essa separação, nem tampoucouma disciplina pode ser responsável por isso. Essa tentativapoderia ser (talvez seja realmente) inócua. Uma alternativaque achamos viável é aquela trilhada pela “epistemologiacrítica”, que, segundo Japiassu (1991), surge da interrogação sobre a significação real da ciência, de uma reflexãohistórica feita pelos cientistas sobre os resultados, o lugar, oalcance, os limites e as significações socioculturais da atividade científica, interrogando- se portanto sobre a responsabilidade social dos cientistas. Japiassu constata que aracionalidade científica transformou- se e m ideologia, quando prete ndeu impor- se c omo a única forma de racionalidadepossível, criando, assim, a ideologia do cientificismo, emque o homem alienado deposita toda a sua confiança naciência, como se ela fosse uma nova religião. E a fé cega na

ciência e nos seus resultados: o domínio da natureza, a riqueza material, a organização eficaz da vida social, etc.

Objeto de estudo, especificidade e filiação epistemológica 

É bastante evidente, desde o início dos escritos deManuel Sérgio, a consideração da/do Motricidade Humana/Movimento Humano como objeto de estudo da CMH, bem

como sua filiação epistemológica às ciências do homem5.Sérgio (1981, p. 126), afirma, por exemplo, que “a Ciênciado Movimento Humano tem portanto o seu lugar asseguradoentre as Ciências do homem, como uma região da realidadebem específica: o movimento humano” (p. 126). Diante disso perguntamos se de fato podemos afirmar o objeto deestudo de uma ciência a partir da delimitação de uma “região da realidade”, como defende Manuel Sérgio.

Bracht (1993), partindo de uma breve contextualizaçãohistórica acerca da incorporação das “práticas científicas”no interior da EF/CE, bem como da reivindicação desta porum “status científico”, indaga que ciência é essa (EF/CE),apresentando- nos nesse s entido algumas questões que nasua opinião devem necessariamente acompanhar essa reivindicação. Entre elas, uma pode- nos ser útil na discussão doobjeto de estudo da CMH: o objeto de estudo desta(s)ciência(s)6 é o es porte, a atividade física ou o movimentohumano? Especificamente nesta última, a tentativa de sefazer do movimento humano o objeto de estudo de umaciência7 é criticada por Bracht (1993). Ele entende que oobjeto de estudo não é um simples recorte da realidadeempírica, caracterizando essa visão como uma concepçãoempirista ingênua de ciência. No entanto, sabendo- se que oobjeto de estudo não está dado na realidade, a construçãodesse objeto de es tudo8 se dá pela maneira c omo essa reali

dade é abordada (p. 114). Dessa for ma o movimento humano, como bem- lembram Ferreira e Bracht (1995), pode ser

5 Muitas vezes a C MH é c onfundida mes mo com a própria ciência do homem.

6 Bracht indaga se a melhor denominação não é ciências da Educação Física ou doesporte (no plural)

7 Aí incluímos a CMH.

8 Para Br acht (1993) a EF “é antes de tudo uma prática pedagógica, e portanto umaprática de intervenção imediata” (p. 114). Neste caso a construção de seu objeto deestudo deve partir da intenção pedagógica.

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abordado de diversas maneiras ou pontos de vista, cada quala partir d& condição epistemológica de cada disciplina quedele se ocupa (p. 57). Essa fragmentação do conhecimentoobservada e m torno do movimento humano apresenta- seentão como um obstáculo a qualquer ciência que intenteconstruir seu objeto de estudo tendo o movimento humano

como objeto de estudo9.Nesse sentido ainda, sabemos que as diferentes disci

plinas que se ocupam do estudo do movimento humano se

orientam por matrizes epistemológicas específicas1^ ou seja,pautam- se por princípios episte mológicos das ciências danatureza ou das ciências sociais e humanas11. Enquanto, porexemplo, a fisiologia e a biomecânica (CN) estão interessadas em explicar os aspectos fisiológicos ou biomecânicos domovimento humano, a sociologia e a filosofia (CSH) ínteres-sam- se pela compreensão do movimento humano nos seusaspectos sociológicos ou filosóficos. Constatado isso, umainterrogação surge: como defender a inserção da supostaCMH no interior das ciências do homem (CSH), inclusivecom o mesmo status das demais, se a ela não pode prescindir dos conhecimentos acerca do movimento humano oriundos das ciências da natureza? Ao mesmo tempo, contraditoriamente, Manuel Sérgio afirma que os princípios da explicação e da compreensão cabem inteiramente na CMH

como foi evidenciado no capítulo II da monografia em questão. As contradições se ampliam aprofundando a incoerência da sua tese, quando ele, Manuel Sérgio, começa areferenciar o filósofo português Boaventura Souza Santos.Esse autor defende que, na transição para uma ciência pós-

9 A res peito da fragmentação do conhecimento, bem como dos limites e das possibilidades da interdisciplinaridade, consultar Veiga Neto (1996).

>o Essa é uma discussão bastante complexa e polêmica que neste momento deixare-

mos suspensa.

11Esta última Manuel Sérgio prefere nominar de ciências do homem.

moderna, “começa deixar de fazer sentido a distinção entreciências naturais e ciências sociais” (1998, p. 48). Aindasegundo este, o paradigma emergente que se anuncia nohorizonte fundamenta- se na s uperaç ão daquela dicotomiaentre Ciências Naturais e Ciências Sociais, cuja “distinçãoassenta numa concepção mecanicista de matéria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta evidência, os conceitos de ser humano, cultura e sociedade” (p. 60). Sabendo-seda insistente tentativa de Manuel Sérgio de entender o homem através da sua tese, que se daria pela superação das

dicotomias inauguradas com a modernidade, torna- se difícilaceitar que ele ao longo de toda a sua obra, defenda a CMHenquanto ciência do homem, principalmente quando buscasustentação em Souza Santos. Ademais, essa sua consideração vem carregada de todo tipo de problema epistemológicodetectado acima. Ele não deveria, na verdade, caminharpara essa superação? Ou será que está-se apoiando na teseda curvatura da vara12?

Parece que Manuel Sérgio é capturado também poruma armadilha que afeta a própria ciência: a fragmentaçãodo conhecimento. Veiga Neto (1996) ressalta que o conhecimento disciplinar (fragmentado) é fruto da própria modernidade, ou seja, “a disciplinariedade é a maneira pela qualnão só o conhecimento se organizou como, ainda e principalmente, organizou o próprio mundo contemporâneo” (p.132). Além dessa perspectiva foucaultiana de entender aconstituição das ciências13, ele lembra que a causa dessa

12 Obser vação feita, em tom de brincadeira, pelo professor Francisco Caparroz, emconversa particular. Grosso modo, essa tese afirma que para alcançarmos um pontode chegada a partir de um extremo devemos buscar o outro extremo, como natentativa de endireitar uma vara torta. Analogamente, será que defendendo a CMHenquanto ciência do homem, Manuel Sérgio busca um ponto de superação a partirda negação da ciências da natureza? Pensamos ser essa uma hipótese improvável.

13Segundo Japiassu (1991) a constituição das ciências, numa perspectiva foucaultiana,está alicerçada no importante conceito de epistéme, ou seja, c omo a infra-estruturacultural do saber propriamente dito , caracterizado como representação, comoregistro epistemológico específico de todo um período do pensamento e da cultura.

^JTÍT*N

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suposta doença do conhec imento científico14 pode ser buscada mais na “separação entre a res cogitans e a res exten-

sas [grifos do autor], ou seja, no nosso afastamento, enquanto pensantes, do resto do mundo” (p. 136). Lembra ainda ascontribuições recentes da filosofia que apontam no sentidode ser impossível “o estabelecimento de um campoepistemológico único” (p. 132). Kuhn ressalta que

“os paradigmas, nos quais se circunscrevem áreas do conhe

cimento (e seus praticantes), são partilhados por comunida

des de linguagem. Isso significa que cada paradigma tem não

só seu próprio discurso e sua própria maneira de colocar suas

questões e de determinar o que é e o que não é relevante eproblemático. Tal especificidade paradigmática faz com que

aquilo que é visto como um problema e/ou objeto de pesquisa

numa comunidade possa até nem ser visto ou notado por

outra comunidade.” (p. 132).

Com as considerações acima, tentamos evidenciar quea constituição de uma ciência que tenha o movimento humano como objeto de estudo encontra obstáculos erguidospela própria maneira como o conhecimento se organizou, oque leva a diferentes possibilidades de abordar o movimentohumano, cada qual a partir da sua especificidade (paradigma?). Dessa forma a proposição de uma CMH que tentaabarcar todo o conhecimento (científico) em torno do movimento esbarra nos mesmos obstáculos observados anteriormente, pois, como bem- lembra Veiga Neto (19 96 ), “o co

nhecimento disciplinar [no caso do movimento humano, fragmentado por disciplinas como a fisiologia, a biomecânica, asociologia e a filosofia] não pode ser extinto por atos devontade e por decretos e pistemológicos” (p. 132).

É notável a boa vontade e o otimismo impregnados noespírito de Manuel Sérgio, todavia, um projeto dessa envergadura é fruto nada menos do que de muita audácia. Pode-

14 Para V eiga Neto a fr agmentação do conhecimento não pode ser considerada umadoença. Já Japiassu a vê assim, inclusive publicou um livro intituladoInterdisciplinariedade e Patologia do Saber.

mos, no entanto, até especular se ele não está mais interessado em reconstruir as próprias ciências do homem, que pormuito tempo estiveram pautadas por princípios positivistasque ele tanto condena. Com isso afastou- se de uma abordagem nova que vem anunciando, a qual pode conferir especificidade e, portanto, uma identidade epistemoiógica15 à umaárea (EF) que, como ele tão bem observa/denuncia, semprefoi usada a serviço das mais variadas formas de poder. Resta, para Manuel Sérgio, explicitar a especificidade da CMH,que traduz uma maneira própria de abordar o movimentohumano. Entendemos que o primeiro passo é apresentar um

conjunto de questões que configura uma problemática própria a essa “ciência”.

Considerações finais

Para a aceitação da tese da Ciência da MotricidadeHumana tornam- se neces sários esclare cimentos e /ou respostas a questões respeitantes, por exemplo, à suaespecificidade, à sua filiação epistemoiógica, à sua relaçãocom outras “ciências” e com a prática pedagógica de Educação Física e às suas necessidades e possibilidades. Essasquestões foram levantadas durante o decorrer do trabalho eacreditamos que são questões geradoras de dúvidas eimpasses que comprometem o/a surgimento/afirmação da

CMH. Entretanto, uma autocrítica também nos cabe: nãofoi possível discorrer sobre todas as questões levantadas, bemcomo aprofundar as exposições desenvolvidas. Dessa forma,na revisitação de alguns pontos e na exploração dos outros,estamos abertos e esperamos, críticas e sugestões para aconcretização deste trabalho.

Brac ht (1996 ) lembra-nos que identidade epistemoiógica “significa a forma pró-pria com que cada disciplina científica interroga e explica a realidade, o que édeterminado pelo tipo de problema que levanta, pelos métodos de investigação elinguagem que desenvolveu e utiliza” (p. 6).

J 1Í 3

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    Q    U    A    D    R    O

    D    A

    E    V    O    L    U    Ç    Ã    O

    D    O

    P    E    N    S    A    M    E    N    T    O

    D    E

    M    A    N    U    E    L

    S     É    R    G    I    O

    E    M

    T    O    R    N    O

    D    A

    C    M    H

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A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: UM DIÁLOGO  

COM MAURO BETTI1

 Avoluma- se e cresce em qualidade a discussão em torno da caracterização científica da área da Educação Física(Ciências do Esporte; Ciência do Movimento Humano; Ciência da Motricidade Humana)2. A preocupação com tal caracter ização tem- se concentrado em três aspectos distintos ecomplementares: a) a identificação da distribuição da produção do conhecimento nas diferentes “subáreas” (biológica,sociológica, psicológica, pedagógica, etc.); b) a identificaçãodas concepções de ciência (positivismo, neopositivismo,fenomenologia- hermenêutica, materialis mo histórico dialético)que têm orientado as pesquisas na área; e c) a tentativa dedelimitar e caracterizar epistemologicamente a área ou o

campo, ou seja, caracterizar a identidade da área no que dizrespeito à sua relação com a ciência.

Em estudos anteriores (Bracht, 1992, 1993, 1995,1996 e 1997) enfocamos esses três aspectos. Uma teserecorrente nesses nossos estudos, entre outras, é a da não1 Trabalho apresentado no GTT de Epistemologia do X CONBR AC E (Goiânia/GO,

1997).

2 A denominação da área se dá de for ma diferenciada. No entanto, qualquer que sejaa denominação, sempre está-se referindo a uma tradição que teve como denominação comum o termo Educação Física (e anteriormente a esta, ginástica). Ou seja,todas se colocam como herdeiras do campo da Educação Física.

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existência de um elemento norteador da produção do conhecimento na área que permite vislumbrar a construção deuma unidade (seja disciplinar, seja interdisciplinar), ou seja, aprodução do conhecimento é disciplinar e caminha na direção de sua crescente fragmentação e especialização. Colocam- se aí pelo menos duas questões: a) quais são as razõesdessa tendência à fragmentação? b) Qual pode ser o elemento orientador a conferir uma unidade que permita falarde uma área do conhecimento?

Mais recentemente (Bracht, 1996, 1997), recuperan

do o processo histórico de construção do campo acadêmico(ou da área) da Educação Física (EF), viemos construindo atese de que existe a possibilidade de construir um campoacadêmico a partir de um elemento integrador do esforçoteórico na área da “EF”. Para tanto temos de superar oente ndimento e mpirista- ingênuo de que o esporte, a atividade física, o movimento ou a motricidade humana podemser entendidos como um objeto científico (de uma ou demais ciências). Assim, um pressuposto inicial é o de que talelemento integrador, ou o nosso objeto, é uma problemáticateórica compartilhada.

 A nalisando a história da EF, ente ndo ser possíve lcaracterizá- la como uma prática pedagóg ica (com suaespecificidade) e que, como tal, requereu e requer um corpode conhecimentos que a sustente. Esse corpo de conheci

mentos (que muitos, entre eles, Betti [1996], entendem deveser adjetivado de científico), se o entendermos vinculado aessa prática, precisa ser construído a partir da problemáticaque identifico como o movimentar se huma no e suas objetivações culturais na perspectiva de sua participação/ contribuição para a educação do homem3. Portanto, ele-

3 Desde logo, para preve nir possíveis mal- entendidos, es clareço que es sa é umacaracterização meramente descritiva. Educação do homem, objetivações culturaise outros conceitos nela prese ntes precisam receber tratamento teórico para adquirirem concretude.

mento caracterizador indispensável dessa proposta de problemática é a intenção pedagógica, ou seja, o olhar queorientará a reflexão (na busca de explicações e compreen-sões), sobre o movimentar- se humano e suas objetivaçõesculturais (cultura corporal de movimento), é o pedagógico.

Betti (1996)4, em recente trabalho, analisa criticamente essa tese e os elementos que a sustentam e levanta umasérie de perguntas e questionamentos. Na seqüência nosocuparemos, então, em acompanhar o raciocínio do autorbuscando refletir sobre os questionamentos levantados, naperspectiva de melhor fundamentar nossas posições.

Debatendo com M. Betti

Betti (1996) intitulou seu trabalho de forma sugestiva:Por uma Teoria da Prática. O título já indica uma opção euma direção: a sua preocupação com a prática, em oferecer uma teoria da prática; é ao longo do texto que ele caracteriza, então, seu entendimento do que é prática no âmbitoda EF.

O autor se propôs no texto a estabelecer um debatecom autores que, nos últimos anos, no seu julgamento, “contribuíram significativamente para a constituição de uma teo

ria da EF de matizes brasileiras”. Os autores tomados paratal interlocução foram: Tani (1988, 1989), Lovisolo (1994),Kolyniak Filho (1994, 1995a, 1995b) e Bracht (1993). Trata-se em nosso entender de um dos mais brilhantes esforços

 já empree ndidos para analisar sis tematicamente o pensamento epistemológico da EF brasileira.

4 Estamos nos valendo aqui do texto na ver são a nós enviada pessoalmente pelo autor,pelo que agradecemos de público. O texto foi publicado, não sabemos se commodificações, na revista Motus Corporis (v. 3, n. 2, dez. 1996).

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Uma tônica presente ao longo do texto é o combateaos diversos dualismos/dicotomias (EF versus Esporte; esporte versus jogo; EF como área do conhecimento uersus EFcomo prática pedagógica, etc.) que o autor entende existirem na nossa área. Aliás, para o autor é possível identificaruma “nova macro dicotomia” na divisão dos discursos atuaissobre a teoria da EF: uma, que vê a EF como área do conhecimento científico; outra, que a vê como prática pedagógica. Situa os diferentes autores nessas duas “matrizes”,alocando- nos na segunda, ou seja, na matriz pedag ógica5.

Inicialmente Betti observa que os defensores da matrizpedagógica,

“desesperados com o desaparecimento da EF, buscam

res guardá-la no interior da Escola, res tringindo o seu alcance

conceituai, quando deveriam buscar ampliálo. Perdem igual

mente a EF quando a encontram. Antagonizam com o espor

te, hostilizam as academias, criticam as bases epistemológicas

das ciências da natureza e associam a si próprios com as ciên

cias humanas [e instalam aí uma nova dicotomia...] ”6.

É claro que o autor está trabalhando, necessariamente,com generalizações. Cada um dos “atingidos” pode sentir-senão- contemplado ou “injustiçado”. Particularmente, para onosso caso, entendemos que a caracterização acima não éadequada, como procuraremos argumentar na seqüência.

 Antes, porém, é importante colocar melhor a rece pção, porparte de Betti, do nosso pensamento.

5 Observe- se aqui que não será possível, neste momento, debater ta mbém com oconjunto de autores re visados/criticados por Be tti (1996 ). Limitar-nos- emos a umdiálogo com as interpretações de Betti de nossas posições, embora tangencie posturas de outros autores.

6 Uma observação rápida: os termos dualismo e dicotomia são utilizadosalternadamente, s em que nos dois casos aconteça o seu tratamento conceituai.Como observare i adiante esses termos estão longe de serem auto-e xplicativos ounão-problemáticos.

Betti faz menção ao nosso entendimento de que, paraa busca do objeto da EF, devemos ter claro que ela é antesde tudo uma prática pedagógica e que reconhecer a EFprimeiro como prática pedagógica é fundamental para reconhecer o tipo de conhecimento, de saber necessário paraorientá- la, e para o reconhecimento do tipo de relação possível/desejável entre a EF e o “saber científico”, ou as disciplinas científicas. Refere-se, também, ao nosso e ntendimento de que o movimento humano enquanto fenômeno não é

 já um objeto científico e que sua objectualização pelas dife

rentes disciplinas redunda, na verdade, em diferentes obje-tos. Apresenta nossa idéia de que a EF tem de assumir ocaráter de uma ciência da e para a prática. Betti diz entusiasmar- se, até esse ponto, c om nossas conclusões. Mas, entende que, ao aprofundarmos nosso entendimento sobre tal ciência, incorremos e m uma nova dicotomia. Refere- se Betti anossa observação de que “precisaríamos aclarar se a EF operaria a partir dos princípios epistemológicos das ciências naturais ou das ciências sociais e humanas”. Coloca ainda que,em nosso entendimento, a “ciência clássica” introduz, inevitavelmente, reducionismos no estudo do movimento humano, e que sugerimos então que o teorizar em EF precisaultrapassar o próprio teorizar científico, contemplando obiopsicossocial, o ético e o estético, numa perspectiva deglobalidade, portanto uma nova construção do nosso objeto.

 Af irma Betti, ainda, que nós não acreditamos na interdisciplinaridade, já que entendemos predominar a tendência àfragmentação e não existir uma problemática teórica quepossa integrar as disciplinas que se ocupam cientificamentedo movimento humano.

Nesse ponto Betti (1996) diz ter, em relação às nossasposições, muitas objeções: 1) se a ciência “clássica” ou “tradicional” a que nos referimos são as ciências naturais ou o positivismo e se a alternativa são as ciências humanas/sociais;

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nos imputa, nesse caso, uma assimilação entre positivismo eempirismo e certa confusão entre positivismo e quantificação;2) argumenta que, se o ético e o estético são remetidos paraa filosofia, isso não é pouco, pois Apel e Habermas sãofilósofos; faltou, no seu entender, estabelecer relações maisexplícitas entre a filosofia e as demandas da pesquisa emEF; 3) por que temos de escolher primeiro a prática pedagógica e depois o conhecimento científico

“Se B racht reconhece que a ‘chave’ está na relação entre as

duas instâncias, o que interes sa então é a inter- relação. Ter

que optar por um primeiro, é como ter que'optar entre oindivíduo e a sociedade, o sujeito e o objeto, a teoria e a

prática, minimizando a possibilidade da mediação” . (Betti,1996).

Por fim, o autor concorda ser preciso haver um princípio integrador, que nós entendemos ser a prática pedagógica; nesse sentido Betti entende ser necessário que esta última abarque todas as manifestações da motricidade socialmente institucionalizadas.

 Algumas das questões que Betti nos coloca são passíveis de respostas razoavelmente imediatas e simples; outras,,no entanto, e estas são as realmente substanciais, são extremamente complexas e dificilmente respondíveis, devido àsnossas limitações pessoais e à própria indefinição e polêmica existente no plano do pensamento científico- filosófico maisavançado. Ma;, vamos às questões!

 As duas primeiras questões situam- se no plano geralda teoria do conhecimento e/ou teoria da ciência.

Quando nos referimos à ciência “clássica” ou “tradicional”, estamos nos referindo não às ciências naturais enquanto tais, mas às ciências que fazem seus os princípios daquelas. É importante frisar que é esse o modelo ou a concepçãode ciência que torna- se hegemônico, inclusive no interior das

ciências sociais e humanas. O positivismo é apenas um exemplo. Assim sendo, é claro que a alternativa para fundamentar a EF não é simplesmente as ciências sociais e humanas.É, no entanto, no interior dessas que temos um movimentocontestador dos princípios da ciência tradicional ou hegemônica, que traz à luz as limitações (conseqüências) dessa paraa explicação/compreensão das ações humanas. Se existemdiferentes entendimentos do que é a racionalidade científica, se temos no seu interior um debate em torno do monismoou dualismo metodológico, quando falamos em dar funda

mentos científicos para a EF, o que se exige, no mínimo, éque nos posicionemos a esse respeito7. Não é possível falarde ciência como se esta fosse um mar de unanimidades. Epreciso tomar posição e com fundamento racional, diga- sede passagem, porque o que campeia são posições assumidas com base em vinculações meramente emocionais, políti-co- partidárias, ou então que se situam no plano da doxa ou

do senso comum.

 A questão dois, vinculada a essa, diz respeito ao pressuposto básico daquela ciência tradicional da qual falávamos. Trata- se da distinção entre o saber fático e o ético-normativo. A ciência sempre se pr opôs a se pronunciar sobre o que é a realidade e não sobre o que ela deveria ser. Ou seja, a racionalidade científica não está em condições dese pronunciar acerca do que deveríamos ou não ser; ela estáem condições de auxiliar as decisões éticas com conheci-

7 É interess ante a crítica de incorrer no dualismo (ciências naturais versus ciênciassociais e humanas) que Betti nos endereça, porque ele mesmo trabalha com adistinção entre essas ciências para criticar Kolyniak Filho: “Para mim [M. Betti], alimitação do positivismo não é tanto a fragmentação em áreas e subáreas cada vezmais especializadas (que atingiu tanto as Ciências da Natureza quanto as CiênciasHumanas), mas na indistinção entre as metodologias das Ciências Naturais e Ciências Humanas. Exige-s e para estas últimas os mesmos cr itérios de cientificidadeconsagrados nas primeiras, não considerando a possibilidade de que a objetividadedas Ciências Humanas seja de outra ordem e esteja em construção, em adequaçãocrescente aos seus objetos (Ladrière, 1982)” (Betti, 1996).

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mento seguro do que somos ou do que a realidade é, oumelhor, de como a realidade funciona (quais as leis que aregem). De sentenças sobre o que a realidade é não é possível deduzir lógica e necessariamente (ou cientificamente, sequiserem) o que ela deve ser. Como a EF, enquanto práticapedagógica, necessariamente envolve a dimensão do ético-normativo, para que a ciência (ou a racionalidade científica)possa lhe fornecer a fundamentação necessária, é preciso,ou complementar o conhecimento científico com a filosofia

(que me parece a opção de Betti porque fala por diversasvezes (p. 33) em conhecimentos “científicos e filosóficos” eem “ciências/filosofia”8, ou, trabalhar com um novo conceito de racionalidade (que talvez não precise ser adjetivada decientífica se nos livrarmos do fetiche da ciência moderna),que consiga estabelecer a ponte entre o fático e normativosem abdicar da pretensão à racionalidade para suas assertivas.Esse é o projeto conhecido de J. Habermas, o da razãocomunicativa. Mas, base para tal empreendimento é a superação do paradigma científico centrado na relação sujeito-objeto, a favor do paradigma da linguagem (a partir da virada linguística operada pela filosofia analítica e pelahermenêutica), que se constitui em base do conceito de razão comunicativa. Nessa, a linguagem não é mais mera forma de repres entação e sim uma forma de ação.

“Desloca-s e o foco da investig ação da racionalidade cognitivo-insirumental para a racionalidade comunicativa. Não mais se

embasa o conhe cimento na relação sujeito- objeto, mas na

relação intersubjetiva que assumem atores sociais capazes de

fala-ação ao se entenderem entre si sobre algo no mundo” .(Marques, 1993, p. 86).

8 Devolvo aqui a crítica de incorrer numa dicotomia. Betti, quase ao f inal de s eu texto,afirma: “o princípio integrador possível neste processo advém de um processo devaloração; portanto, só a filosofia pode propiciar esta integração". Porque só afilosofia? A filosofia não estaria contemplada no plano da racionalidade científica?Que tipo de verdade seria produzida por uma e por outra?

Não se trata de considerar supérfluo o conhecimentoproduzido a partir do interesse técnico (pelas ciênciasempírico- analíticas), nem absolutizar o conhecimento produzido a partir do interesse prático pelas ciências histórico-hermenêuticas. Trata-se, isto sim, de reconhecer seus limites e possibilidades e r einterpretá- los, submetê- los a outrocritério, a uma racionalidade comunicativa. “Entrelaçam- sena unidade da razão comunicativa o interesse prático dasciências histórico- hermenêuticas e o interesse emancipatóriodas ciências crítico- reflexivas” (Marques, 19 93 , p. 89).

Buscando superar o dualismo entre a racionalidade técnica e a racionalidade normativa, a teoria da ação comunicativa busca uma racionalidade prática de ação comum àprocura dos melhores objetivos através do diálogo.

Betti (1996) fez uma tentativa de pensar uma possívelteoria da prática para a EF, a partir da teoria da prática (daação) de P. Bourdieu. E uma tentativa interessante, masque, se não incorro em erro, exclui ou não contempla exatamente o dualismo acima discutido (conhecimento fático uersus conhecimento normativo), aspecto fundamental para uma

'teoria da prática, entendida como ação ética, normativa,caracteristicamente humana. As sim, parece-me interes sante, também, pensar uma teoria da EF a partir da propostade Habermas (num certo sentido E. Kunz e colaboradores na

UFSC estão engajados nesse projeto). A nós parece, e esseé um julgamento preliminar e parcial, que a teoria da açãocomunicativa é mais produtiva para o caso de uma práticapedagógica. Se pensarmos junto com Habermas (tomarmosa sua posição), diríamos, provavelmente, que Bourdieu, comsua tentativa de superar o impasse objetivismo uersus subjetivismo, presente na sociologia, em favor de uma teoriada prática, permanece no paradigma da filosofia da consciência e recai, ora no objetivismo, ora no subjetivismo (por isso

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ele é criticado por alguns autores como estruturalista e reclama- se dele algo propositivo). Mas esse debate não pode ser

levado a termo aqui.

 A terceira ques tão foi colocada por Betti da seg uinteforma: por que temos de primeiro escolher a prática pedagógica e depois o conhecimento científico? Recoloquemos aquestão: postulamos que a EF deve ser entendida primeirocomo prática pedagógica, ou seja, definidor de sua identidade, como prática social, é a sua característica de ser umaprática de intervenção imediata, no caso, uma prática pedagógica. Portanto, nossa ques tão não é colocá- la aqui ou ali:ou ciência, ou prática pedagógica. Esses não são termosantagônicos, embora diferentes. Alguns autores, como Tani,em alguns momentos, e M. Sérgio, a quem as minhas afirmações estavam endereçadas, parecem só ver uma possibilidade da EF alcançar legitimidade: afirmando- se c omo ciência. Por que para nós a questão não se apresenta comoalternativa? Porque toda prática social, principalmente aquelacom características de prática pedagógica, exige um suporte teórico que não pode prescindir do saber científico parafundamentar as decisões com as quais está constantementeconfrontada. Constituir um campo acadêmico é, portanto,necessário complemento/acompanhamento dessa prática.Quais são as características e os contornos desse campo,com quais outros interage e como, com qual concepção deracionalidade (científica) vai ou deve operar? Bem, essa é aquestão! Mas, tentar afirmar a identidade da EF somente ouprimeiramente como ciência é, em nosso entendimento, umainversão, mesmo porque a EF (sua tradição), nessa perspec

tiva, se perde.

Talvez este seja o momento de fazer algumas considerações acerca da proposta de uma Ciência do MovimentoHumano ou Cinesiologia (Tani, 1996) ou Ciência da Motri-

cidade Humana (CMH) (Sérgio, 1994). Tani (1996), comobem- observa Be tti (19 96) , te m a virtude de se pre ocuparcom a Educação Física, entendendo- a como ciência aplicada, enquanto Sérgio (1994) considera a EF (Educação Motora)como ramo pedagógico da CMH. Já apresentamos nossosargumentos que, no nosso entendimento, demonstram a impossibilidade de tal ciência (no singular). De certa forma,após duas décadas de experiência, uma boa parte dos estudiosos alemães da área também concluiu que a ciênciadesportiva continua e continuará sendo Ciências do Esporte

(no plural)9. No entanto, é claro que as Ciências do Movimento Humano ou as Ciências da Motricidade Humana podem se organizar “debaixo de um mesmo teto”, propiciandoum ambiente no qual cada um faz suas pesquisas em meio àindiferença simpática dos demais. Parece- me inclusive haver demanda, nos mais diversos setores sociais, para tal conhecimento (disciplinar, pluridisciplinar). Se então elas devem ocupar nas universidades um espaço específico, organizarem- se num instituto, centro, etc. , é uma decis ão política.

 A decisão pode ser inclusive, a de transformar os hoje centros/departamentos/escolas de Educação Física e Desportosem centros/departamentos/institutos de Cinesiologia. Noentanto, qualquer que seja a decisão, esses não irão substituir a prática social EF. Isto é, não devemos confundir areorganização dos saberes nas instâncias de sua produção e

de formação profissional com determinada prática social.Particularmente, e esta é uma posição política, entendemose colocamos nossos esforços na perspectiva da EF entendidacomo prática pedagógica.

9 Ver a respeito Prohl (1991).

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Considerações finais

Betti (1996) propõe corrigir nossa posição ampliandoo conceito por nós utilizado de “prática pedagógica” para

“prática social das atividades corporais de movimento, con

cebida como campo de dinamismo social, onde se dá a con

frontação e a disputa de modelos de prática e no qual atuam

diversas forças sociais (inclusive a c omunidade acadêmico-pro-

fissional da EF). Uma prática social assim concebida é quase

sinônimo do conceito de ‘cultura corporal de movimento’.”

(Betti, 1996, p.31).

O problema que vejo aqui é que, assim definida, a EFnão é quase sinônimo de cultura corporal de movimento; elaé sinônimo propriamente dito dessa expressão! Uma teoria(geral) da EF é então uma teoria geral da cultura corporal demovimento. Assim formulada, fica muito difícil identificaruma problemática teórica que delimite os esforços teóricosespecíficos deste campo. Entendemos que nossa formulaçãopermite identificar tal problemática quando centra/organizatal teorizar na perspectiva do pedagógico. Assim, repetindo,a teoria da EF tem como problemática a participação/contribuição do movimentar- se humano e suas objetivações culturais na/para a educação do homem. A teoria daí decorrente poder orientar/fundamentar os sujeitos da ação naquelas instâncias sociais em que a intenção pedagógica con

fere o sentido (fosse o leitmotiu) dessas ações. Toda vez queum profissional (da EF, do esporte...) pretendesse, em qualquer instância social, tematizar qualquer elemento da culturacorporal de movimento, a partir da intenção pedagógica, eleencontraria fundamentos nessa teoria. Vale dizer, que a instituição educacional possui especificidades que tornam necessárias reflexões para adequar- lhe a teoria.

EPISTEMOLOGIA E POLÍTICA NA EDUCAÇÃO 

“El discurso metafísico de Occidente está llegando a su fin y la filosofia, en su atardecer, nos há hecho, através de losgrandes nombres dei siglo, un ultimo servido: deconstruir suproprio terreno y crear las condiciones de su propiaimposibilidad. Pensemos, por ejemplo, en los indecidibles deDerrida. Una vez que la indecidibilidad há alcanzado al propiofundamento, una vez que la organización de un cierto campoes gobernada por una decisión hegemónica - hege mónicaporque ella no es determinada objetivamente, porque decisiones

diferentes s on también posibles - el reino de la filosofia llega

a su fin y comienza el reino de la política.” (Laclau, 1996)

Os desenvolvimentos científicos das últimas décadasnos levaram a uma maior consciência dos limites da racio

nalidade científica. Acirrou-se o debate em torno dos fundamentos da ciência, sobre as possibilidades/impossibilidadesde encontrar/construir fundamentos seguros para a atividade de conhecer cientificamente a realidade. Esse debateparece ter resultado num grande não à possibilidade de umfundamento último a partir do qual o edifício científico pudesse ser construído. Afirma- se cada vez mais o caráter pro-

1 Texto enviado para o GTT E pistemologia do XI CONBR AC E (F lorianópolis/SC,1999).

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cessual da verdade. Acentuou- se também, muito e m funçãoda ameaça ecológica, a consciência de que a produção científica (traduzida em tecnologia) não é inocente, que a produção científica não pode ser reduzida a uma operação lógica,ela é sempre intrinsecamente política, não sendo possívelisolar hermeticamente em pólos distintos o papel do cidadãoe o do cientista. As ciências naturais, outrora tão zelosas (earrogantes) quanto à propalada objetividade do conhecimento que produzem, precisaram aos poucos admitir, a partir deseus próprios desenvolvimentos, que o objeto não permane

ce indiferente ao observador ou ao sujeito do conhecimento.Nas ciências sociais e humanas ouvem- se, em volume crescente, vozes que admitem a necessidade de rever o antagonismo natureza- cultura que per meou e permeia essas ciências. A pretensão da racionalidade científica de eleger-secomo a própria racionalidade é acusada de ser coadjuvantede reducionismos e totalitarismos, ao mesmo tempo em quese busca e se propala a importância de outras racionalidades,numa perspectiva psicologizante, outras inteligências, comoa emocional. Intervir a partir do conhecimento científico passaa ser problemático porque o otimismo, a visão positiva daracionalidade científica, como forma privilegiada de conhecer a re alidade está sob forte suspeita: abalou- se a “cre nça”no poder da razão científica, o que tem levado, por um lado,à sua negação simplista, justificando um mergulho no

esoterismo e, por outro, a tentativas de redefinição/reconstrução do modelo de racionalidade, tomando- a comofenômeno também histórico e portanto contingente. Da crítica à opos ição cultura- natureza emerge a revalorizaçãoda nossa (primeira) natureza, ou do corpóreo no homem,não mais entendido como mero mecanis mo de umaestrutura superior, a mental, mas como uma estrutura complexa que ao mesmo tempo contém aquela (ou na qual aquelaradica), mas a transcende. Desenvolvimentos da filosofia da

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linguagem mostram como somos seres imersos na linguagem, como as apreensões que fazemos do real são dependentes e préfiguradas pelos conceitos dos quais nos valemos,isto é, a linguagem não é um instrumento/meio neutro naação do conhecimento. A superação paulatina do euro-centrismo permite considerar outras culturas não como “inferiores” mas como diferentes e dignas. A complexificaçãodo mundo pela interpenetração ou crescente intercâmbio devárias ordens (econômico- financeiro, político e cultural) parece- nos colocar de frente a uma “nova intransparência” (J.Habermas).

Todos esses desdobramentos, internos e externos aofazer científico propriamente dito, afetam nossa vida e nossa produção acadêmica talvez mais do que num primeiromomento possamos perceber, ou mesmo estejamos dispostos a admitir. Estamos confrontados com problemas que parecem desafiar nossos modelos de pensamento ou o modelomoderno do conhecimento (cf. Marques, 1993). Entre asinúmeras questões que nos desafiam a partir do quadro esboçado acima, selecionei algumas que entendo afetam avida do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte)como comunidade que reúne pessoas interessadas no avanço do conhecimento e na intervenção social qualificada paraa qual esse conhecimento pode contribuir.

 As questões a que me refiro estão ligadas a um conjunto de conceitos que albergam polêmi;as e visões, ao menosaparentemente, conflitantes: pluralismo, diversidade, diferença, particularismo, fragmentação, antifundacionalismo,irracionalismo, acaso/caos, de um lado, e unidade, totalidade, universalidade, ordem e racionalismo de outro2. A polêmica em torno destes temas marca as posições e as ações

2 A polarização que fiz é meramente didática. Ela em verdade é precária, comodiscutirei no texto.

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em torno da relação epistemologia e política ou entre conhecimento e intervenção. Buscarei demonstrar como estas questões não só afetam nossas noções de conhecimento, ciênciae verdade, c omo as de democracia e política. Destacam- seneste sentido as discussões em torno do pluralismo e dorelativismo, temáticas caras ao antifundacionalismo e queafetam mais diretamente nossas noções de democracia.

Delineando as posições presentes na Educação Física brasileira e no CBCE3

Na Educação Física brasileira e particularmente noCBCE, depois de um debate entre os que advogavam umaciência neutra e aqueles que defendiam uma ciência engajada(década de 80, principalmente), o debate que se impõe hojeparece ser de outra ordem. Não mais o debate entre, de umlado, o isolamento e, de outro, o engajamento da ciência,mas sobre possibilidades, características, limitações, enfim,sobre o que pode ou deve significar ciência engajada. Comolembra Demo (1 998 ), modernamente avolumou- se o interesse em caracterizar a relação entre ciência e política comointrínseca, em que pese a fácil banalização que isso podeacarretar.

Dentro desse novo quadro algumas posições se delineiam. Podemos observar, no campo, uma visão da relaçãoepistemologia e política que entende que no plano da produção do conhecimento reflete-se a contradição, ou melhor, o

3 Neste tex to opto por não identificar autores com as posições aqui delineadas pordois motivos. O primeiro deles é que, ao caracterizar posições, esta é feitaesquematicamente, ressaltando pontos e empobrecendo possíveis nuanças internasà própria posição. O segundo é que, dada a pouca discussão acumulada na área,em EF tendemos a transformar essas caracterizações/aproximações imediatamente em rótulos valorativos.

' 132C v v w < - ^ wv

antagonismo social, o que leva a uma necessária dicotomiaque é determinada pela opção política a favor dos interessesdominantes (capital) ou a favor dos interesses dominados(trabalho). A opção pelo interesse (político) histórico da maioria (classe trabalhadora/proletariado) conferiria a condiçãode um acesso privilegiado, em termos de conhecimento (verdadeiro), à realidade. A outra posição (opção) seria ideológica, no sentido da falsa consciência. Essa posição desembocaem contradições e está sustentada em bases hoje dificilmente defensáveis e muitas vezes é alvo de banalização. A mais

comum é

“o abandono apressado da lógica, como se democracia a subs

tituísse. Em vez do argumento cuidadoso, logicamente funda

do, prefere-s e o discurso ex acerbado, agress ivo, demolidor,

sem dispor de nada mais sólido para colocar no lugár. No

ex tremo, pretende-se submeter lógica à democraciâ, fazendo

o erro oposto do positivismo, que submete democracia à lógi

ca. Falta apenas exigir que se vote, para decidir se lógica

ainda vale”. (Demo, 199 8, p. 238)

Numa versão vulgar, essa posição advoga a possibilidade da identificação de leis históricas (à semelhança das leisda natureza) que indicam o proletariado como a classe responsável pelo projeto de emancipação humana; a reconciliação do homem com ele mesmo. Não há maiores problemas,em princípio, em identificar um grupo, uma classe social

como responsável por um tal projeto. O problema se colocaquando se o faz com a pretensão de que essa é uma necessidade histórica inelutável e portanto, “cientificamentecomprovável”. Entendo ser essa necessidade argumentável,mas não pelo seu caráter inevitável e sim por razões políticas e éticas.

 A idéia da prática como critério de ver dade, muitasvezes citada para indicar o entendimento de ciência adotado, leva a um círculo vicioso. A vida concreta dos homens , é

..

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claro, é nossa referência última. No entanto, essa práticaadquire significado humano quando por ele refletida. Portanto, é a prática interpretada que é o critério de verdade. Paratal interpretação concorrem (pré)conceitos que demandamopções. Ou seja, estamos no plano de um círculo hermenêutico.

Não obstante é preciso advertir:

“A negação que haja um fundamento a partir do qual os con

teúdos sociais obteriam um sentido preciso, pode ser facil

mente transformada na afirmação de que a sociedade carece

inteiramente de sentido; questionar a universalidade dos agen

tes da transformação histórica conduz, com freqüência, à pro

posição de que toda intervenção histórica é igualmente limita

da e sem esperança; e mostrar a opacidade dos processos de

representação é com frequência considerado como equivalen

te a negar que a representação seja em absoluto possível.”

(Laclau, 1996, p. 153)

 A posição acima ex posta adota a perspectiva da unidade metodológica no sentido de que determinada via permite um acesso privilegiado (verdadeiro) à realidade, negando assim, o relativismo e o pluralismo metodológico.

Outra posiç ão vem- se delineando mais recentementeno plano filosófico, científico e político-social e vai adquirindo proeminência nos últimos anos, inclusive na EducaçãoFísica. Trata-se de posições identificadas pelo jarg ão “pós-

moderno”; posições que parecem poder ser identificadas pelaidéia de superação do projeto e das crenças característicasda modernidade, muitas delas já apresentadas no início dotexto.

Como mostrou Welsch (198 8), o termo “pós- moderno”tem significações muito distintas nos diferentes campos doconhecimento e setores sociais: na arte, na filosofia, na sociologia, na política, etc. Sem a possibilidade de perseguir oprocesso de construção simbólica que envolve o tema da

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pós- modernidade nesses diferentes campos, vou ater- me aidentificar alguns pontos que dizem diretamente respeito aosobjetivos da presente discussão.

Um deles é o antifundacionalismo que traz consigo adiscussão do relativismo e do pluralismo. Na Educação e naEducação Física essa discussão acontece mais com base naobra de M. Foucault, tendo como pano de fundo Nietzsche,a partir dos quais a ciência é expressão da vontade de poder, sendo que não há a possibilidade de qualquer discursosituar-se fora de seu domínio.

O antifundacionalismo e o desconstrucionismo entendem que a pretensão da razão científica moderna é desmesurada e expressa a aspiração à totalidade que leva intrinsecamente a totalitarismos que massacram o particular e adiferença, que pecam contra o pluralismo necessário paraque exista res peito a posições minoritárias e não- hege-mônicas. Vários são os movimentos intelectuais que dão sustentação à posição antifundacionalista, entre eles situamosos desenvolvimentos da lingüística e filosofia da linguagem(virada lingüística) e as discussões no plano da filosofia daciência nas suas tentativas, frustradas, de encontrar um fundamento último (não- metafísico) para a própria razão científica.

Colocada essa posição em termos genéricos, vou to

mar como referência a posição de um autor antifundacionalista importante, que é R. Rorty, com base na recepçãofeita por E. Laclau (1996). Isso porque Rorty é um dos rarosantifundacionalistas que buscam pensar as conseqüênciasdessa posição no plano da política. Isso adquire relevânciaporque, conforme Laclau (1996), a adoção da posição queadvoga a indecidibilidade está afetando o sentido da açãocoletiva, está lev ando a um isolamento ge neralizado dopolítico.

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Rorty se autodefine como liberal irônico (ironista liberal). Para Rorty, segundo Laclau (1996), liberais são aquelesque pensam que a crueldade é o pior que se pode fazer. Eirônico é o tipo de pessoa que é capaz de assumir a contingência de suas crenças e desejos mais centrais - alguém tãohistoricista e nominalista a ponto de haver abandonado aidéia de que essas crenças e desejos centrais remetam a algoalém do tempo e da oportunidade. Os liberais irônicos sãogente que inclui, entre os desejos impossíveis de fundamentar, sua própria esperança de que o sofrimento diminuirá, deque a humilhação dos seres humanos por outros seres humanos poderá cessar. Como podemos perceber, uma posiçãofrancamente antifundacionalista.

 Af irmar que a ordem social ou uma comunidade sãoigualmente contingentes carece de fundamento último, nainterpretação de Laclau. Rorty se manobraria numa dificuldade, porque o vocabulário no qual a democracia liberal havia inicialmente se apresentado é o do racionalismo iluminista.Ele precisa, então, fazer um esforço para reformular o idealdemocrático de um modo não-racionalista e não- universalista.

Um dos pontos a ser enfrentado é o do relativismo,que é questionado com uma pergunta de Michael Sandel,citado por Laclau (1996): se as convicções próprias são apenas re lativamente válidas, por que defendê- las re solutamen

te? Rorty tenta responder, buscando demonstrar que o problema do relativismo é um falso problema. Descarta as noções de validade absoluta ou universal e diz que a únicaalternativa é restringir a oposição entre formas racionais eirracionais de persuasão aos confins de um jogo de linguagem dentro do qual é possível distinguir entre razões de umacrença e causas de uma crença que não são racionais.

 A posição de Rorty leva a questionar a própria noçãode irracionalidade ou irracionalismo. A conseqüência é que aquestão da validade é essencialmente aberta e conversacional.

Mas, se, segundo Rorty, uma sociedade liberal é aquela quese contenta em chamar verdadeiro ao resultado desses encontros, qualquer que seja, como compatibilizá- la com umasituação em que uma sociedade aceita um sistema de tabuse a imposição de uma ordem social? Segundo Laclau (1996,p. 191), o poeta e o revolucionário utópico, que são osatores centrais na narrativa de Rorty, desempenham o papelde protestar em nome da própria sociedade contra aquelesaspectos da sociedade que são infiéis à sua própria imagem.

Laclau (1996) mesmo se incumbe de colocar duas ob-

 jeções à utopia liberal de Rorty: a primeira é que o abandono de uma fundamentação metafísica das sociedades liberais as privará de um cimento social indispensável para acontinuidade das instituições livres e a segunda é que não épossível, desde um ponto de vista psicológico, ser um liberalirônico sem se ter, ao mesmo tempo, algumas crençasmetafísicas acerca da natureza dos seres humanos (p. 193).

 Além dessas objeções, gostaria de colocar que a posição do liberal irônico parece conduzir para uma aporia semelhante a identificada por Habermas (1988a, O discurso filosófico da modernidade) na teoria do poder de M. Foucault;a de que o sofrimento imposto pelo poder não pode serpercebido como tal (sofrimento) porque não há nada exteriorao próprio poder que possa servir de referência (tudo é discurso). Como julgar o caráter revolucionário e utópico de

uma ação, se todas são contingentes, se não há fundamentonão- questionável, não- contingente, ou melhor, se não se devebuscar um fundamento universal para as diferentes posições?Como lembrou Luchi (1999) em recente palestra, afirmar adiferença pura e simplesmente é canonizar o fraco, é canonizar o forte e, acrescentaríamos, o tolerante e o intolerante,o democrático e o autoritário, ou, com diz Brayner (1999), oproblema é que existem certos “diferentes” que, uma vez nopoder, gostariam de suprimir a própria diferença que os per

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mitiu se manifestar. A tolerância deve tolerar o intolerante?Parece também que Rorty não consegue evitar a contradição performativa como colocada por Apel (1988): argumentar resolutamente a favor de uma posição relativista é (implicitamente) reivindicar validade para sua posição em detrimento de outras - eu não posso arg umentar se m pretendervalidade para minha posição.

De qualquer forma, a posição acima discutida tem- seapresentado como uma denúncia do caráter conservador ede .suas vinculações com o poder de princípios e idéias como

as de universalidade, unidade e totalidade, contrapondo aessas as de diversidade, diferença, particularidade e contingência; uma postura que nega qualquer possibilidade dehierarquizar o conhecimento em mais ou menos verdadeiro(portanto, rejeita a idéia de ideologia), propugnando umpluralismo radical, com base no relativismo, e que de formaconseqüente declara como inimiga a idéia de unidade/totalidade, erigindo como princípio a diferença.

Uma terceira posição presente na educação física brasileira (e no CBCE) é aquela estribada na teoria da razãocomunicativa de J. Habermas. Algumas idéias centrais aquisão: (a) faz sentido e é necessário diferenciar racionalismode irracionalismo; (b) a verdade (científica) não deve ser entendida como correspondência entre conceito e fenômeno,mas sim como a validade de uma tese proveniente de um

consenso obtido num diálogo discursivo isento de coerção(verdade é uma pretensão de validade); (c) a discutibilidaderadical das asserções sobre o real como princípio básico; (d)não há como prescindir de um fundamento universal (naciência/na razão e na política); e (e) a conjugação da qualidade formal e política do conhecimento, trazendo para acena da cientificidade, além do compromisso lógico sistemático, a democracia dos consensos possíveis e bem- discutidos(Demo, 1998).

^Í38t_

Demo (1998), de quem passo a me valer para apresentar a posição habermasiana, discutindo o caráter intrínseco do questionamento crítico e autocrítico, observa que essefenômeno é também intrinsecamente político, identificandotrês marcas políticas nesse processo:

“A  primeira marca política está na necessidade de diálogo,

pois uma crítica solitária não acarreta resposta, destruindo

desde logo a complementariedade dialogai advinda da

contracrítica. A ciência sem diálogo é um aborto. S eria apenas um narcisismo lógico. A  segunda marca política está na

pretensão de validade, revelando que implica ambiência hu

mana questionadora. Strito sensu uma posição só pode seraceita por consenso, para não ser coação ou artimanha. A 

terceira marca política encontra- se na c omunicação intersub-

 jetiv a, impr imindo ao co nhec iment o a fra quez a e a gr ande za

dos fenômenos históricos humanos. O consenso, de si, não

garante necessariamente nada. Basta relembrar a condenação

consensual de Galileu. Entretanto, para algo valer, o consen

so aceitável é aquele discutido abertamente, nunca o imposto

ou cabalado. A abertura irrestrita do ques tionamento continua

sendo a arma lógica e política mais decisiva para se obter,

rever, superar consensos”. (Demo, 19 98, p. 235)

Os defensores dessa posição não abdicam da idéia deuma unidade possível ou de um consenso possível, que está,porém, submetido ao princípio do permanente questionamento e autoquestionamento. A idéia aqui é de que os acordos em torno das regras que regem o campo devem serresultado de um processo comunicativo que busca os melho

res argumentos, mas que os entende como necessariamenteprovisórios (comunidade ilimitada de comunicação).

Considerações finais

Como podemos perceber, superada a questão da neutralidade do conhecimento científico, advogada pelas posturas positivistas, a relação do conhecimento com a política

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(com a questão da democracia) passa a ser intrínseca. Noentanto, admitir isso não é o fim da jornada, é antes colocar-se de frente a uma série ainda maior de dificuldades, se nãoquisermos banalizar o problema. Inúmeras são as armadilhasque precisam ser superadas, algumas das quais procuramosdebater aqui.

No nosso entender, para uma comunidade como oCB CE , essa discussão é plena de conseqüências. Colo-cam- se questões c omo: em que bases essa comunidade se

sustenta, qual é o cimento dessa organização? Quais são asbases de sua intervenção e quais as crenças compartilhadas4? Por que a pluralidade e as diferenças nela presentesnão determinam sua desintegração? Qual é a base de suaunidade (unidade da diversidade, é claro!)? E mais: comodeve essa comunidade tratar do diferente, a partir de quaisprincípios tratar a diversidade? Qual vinculação entre conhecimento e política defender e como chegar a essa decisão?Como manter coerência entre os princípios (as regras) queorientam a produção do conhecimento e os que estruturamas relações sociais na sua comunidade? Como evitar a contradição entre a forma (os princípios que orientam) de construção do conhecimento (a verdade científica) e a intervenção social (a verdade política)?

Podemos perceber que as diferentes posições esboçadasaqui dariam, quanto a alguns aspectos, respostas diferentesa essas perguntas. Não vou- me alongar nesse aspecto, apenas delineá- las re sumidamente (com riscos de simplificação):a) uma posição é a de que essa comunidade deve-se orientarna idéia de que há uma verdade cujo acesso está franqueadoaos que fazem a opção política a favor de determinada classe social; (b) outra posição entende poder prescindir de uma

4 Uma res posta a essa questão com base na teoria de P. Bourdieu pode ser observadano estudo de Paiva (1994).

idéia fundamentadora, que confira unidade e oriente a comunidade; a base é contingente e o mais importante é conviver com a diferença e a indecidibilidade sobre a verdade; e(c) uma posição que vai-se orientar pela idéia colocada nohorizonte de que deve valer o melhor argumento, que sópode ser identificado, só terá validade, se construído poruma comunidade ilimitada de comunicação.

Mas nossas reflexões aqui têm como alvo central astrês últimas questões, as que envolvem diretamente a rela

ção epistemologia e política. Minha posição pessoal a respeito se aproxima dos caminhos apontados por Habermas,embora concorde com uma série de críticas a ele endereçadase perceba seus impasses.

 A questão central está nas conseqüências do relativismoda verdade para a construção da democracia, da necessidade do universal (ou não) para fundamentar a democracia.Junto com Laclau (1996) entendo que o abandono total dequalquer tipo de universalismo abala os fundamentos de umasociedade democrática. A proposta habermasiana (e de Apel)é a pragmática universal que está radicada na linguagem -na visão de uma comunicação livre de coerção. Mas, paraLaclau (1996), a própria idéia de universalidade é continge nte/histórica . E preciso abraçá- la como base para a democracia, mas sem abdicar da idéia de que o próprio univer

salismo é contingente. Na perspectiva habermasiana, a própria comunidade, a partir desse princípio, define por consenso as normar às quais se submeteria para decidir sobre osdiscursos válidos (verdadeiros) e sobre como intervir. No entanto, as normas definidas por consenso, na perspectiva adotada, são provisórias e podem por exemplo, não respeitar odiferente. Estaria esta posição, a habermasiana, subestimandoo elemento de coerção, de força (o poder) nas relações comunicativas? Uma resposta seria a de que as normas mu

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dam, mas não muda o respeito à democracia. Mas se ela étambém contingente, também histórica, porque devemosrespeitá- la? Não há critério externo ao process o de sua construção. Para Habermas o que a fundamenta é a pragmáticauniversal, a contradição performativa. Estamos num círculoou tratando com a auto- referencialidade. E o que apareceem Laclau, quando diz:

“Toda teoria acerca do poder em uma sociedade democrática

tem que ser uma teoria acerca das formas de poder que são

compatíveis com a democracia, não uma teoria da eliminaçãodo poder”. (1996, p. 200)

 A conce pção de democracia que emana dessas reflexões é a que tem por base a auto- referência. Para Maturana(1998), a tarefa da democracia é criar um domínio de convivência no qual a pretensão de acesso privilegiado a umaverdade absoluta desvanece. Ou, como afirma Laclau (1996):

“A condição de uma sociedade democrática é seu caráter

constitutivamente incompleto - o que implica, desde logo, a

impossibilidade de um fundamento racional último. Como

podemos ver, esta des- fundação escapa à perver sa dicotomia

modernidade - nihilismo: ela nos enfrenta, não co m a alter

nativa prese nça-ausência de um fundamento, e s im, com a

busca sem fim de algo que deve dar um valor positivo à sua

própria impossibilidade”, (p. 177)

Mas, esse não é um fundamento com pretensão universal?

Bem, com qual concepção da relação entre conhecimento e democracia queremos (devemos) operar? E precisoconstruir uma unidade (ética) como comunidade? Ou essa éuma questão irrelevante e é ainda uma aspiração metafísica?Com a palavra a comunidade (ilimitada) de comunicação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Concordamos com Betti (19 96), que as posições sobre a identidade epistemológica da Educação Física, na discussão brasileira, podem ser resumidas e classificadas emdois grandes grupos: a) aqueles que entendem que a própriaEducação Física é uma ciência ou que no seu âmbito seconstruiu/constituiu uma nova ciência, denominada às vezesde Ciência da Motricidade Humana e outras de Ciência doMovimento Humano, ou ainda Cinesiologia e também Ciência do Esporte; e b) aqueles que a entendem como umaprática pedagógica, como uma prática social de intervençãoimediata e que enquanto prática humana necessita ser teoricamente elaborada. Como aquele autor já indica, situamo-nos no segundo grupo. Entendemos ter demonstrado quesob o prisma epistemológico não existe a possibilidade defundamentar a existência de uma nova ciência nesse campo, ou, ainda, que não existe um novo objeto científico. Noentanto, existe também um forte movimento na área, que,como estratégia de alcançar legitimidade no campo acadêmico, c omeça a denominá- la de ciência e a org anizar es paços de produção e veiculação do conhecimento a partir dessa idéia. Como a Educação Física pode ficar órfã nesse processo e também por razões epistemológicas expostas, defendemos a posição política de envidar esforços para cons

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truir teoria da Educação Física, tomando- a como prática pedagógica, ou seja, o debate/embate é inextricavelmenteepistemológico e político.

Quando falamos em teoria da Educação Física não insistimos na sua adjetivação como uma teoria científica. Issonão significa que tenhamos abandonado a pretensão deracionalidade para essa teoria; muito mais, significa alertarpara a necessidade de elucidar o conceito de racionalidadecientífica que é utilizado no discurso e na prática, bem como,

para as dificuldades de tal empreendimento. O debateepistemológico atual parece indicar muito mais, por um lado,no sentido da superação da racionalidade científica clássicaou predominante (originada no plano da física e adotadapelas ciências naturais e também pelo positivismo comomodelo para as ciências sociais e humanas) e, por outro, nosentido de certo relativismo que desloca a racionalidade científica do pedestal da racionalidade enquanto tal e a colocano mesmo nível de outras “racionalidades” ou discursos acerca da realidade. As dificuldades e os movimentos aludidosparecem indicar prudência no que diz respeito à reivindicação de adjetivar uma teoria da Educação Física de científica,embora indique também prudência quanto à propensão deabandonar precocemente a pretensão da fundamentação

racional da prática. Ne m consumar o casamento nem odivórcio. Indicamos nos diferentes capítulos, mas apenas indicamos, a tentativa de J. Habermas de superar alguns desses impasses com sua teoria da razão comunicativa, comoalternativa para orientar uma possível teoria da prática, mesmo porque, uma das questões que tal teoria necessita enfrentar é a relação entre o fático e o normativo, questão queé central no pensamento habermasiano.

Para Chauí (1995, p. 251), uma teoria científica

144'!

“é um sistema ordenado e coerente de proposições ou enun

ciados baseados em um pequeno número de princípios, cujafinalidade é descrever, explicar e prever do modo mais com

pleto possível um conjunto de fenômenos. A teoria científicapermite que uma multiplicidade empírica de fatos aparente

mente muito diferentes sejam compreendidos como semelhan

tes e submetidos às mesmas leis; e vice-versa, permite com

preender por que fatos aparentemente semelhantes são diferentes e submetidos a leis diferentes”.

Podemos observar nessa definição de teoria científicao seu caráter “descritivo” e não prescritivo. Não ignoro o

fato de que as descrições podem assumir caráter prescritivoe normativo, como também não ignoro o quanto as descrições são condicionadas histórica e ideologicamente. No entanto, apesar disso, nos parece que, de uma descrição decomo a realidade é não deriva, necessária e logicamente,nenhuma norma de ação, embora essas possam ou devamser definidas a partir de uma análise atenta da realidade.Construir uma “ponte” entre essas duas dimensões faz partedo projeto habermasiano. Esse aspecto é importante porque, enquanto teoria de uma prática de intervenção, a teoria da Educação Física é necessariamente prescritiva ounormativa.

Tomado nessa perspectiva o teorizar em Educação Física está de frente a vários desafios. Entre eles destacamos anecessidade de articular organicamente os conhecimentos

produzidos acer ca do movimentar- se humano pelas diferentes disciplinas científicas; articular o conhecimento da realidade com uma visão prospectiva da realidade, portanto, comuma visão de homem, mundo e sociedade - articular descrição com prescrição; articular o saber conceituai com o saberprático.

Mas, é bom desde logo refletir sobre as possibilidadese as limitações de uma teoria da e para a prática. Nãovamos retomar a discussão dos limites da racionalidade cien

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tífica para tal intento. Muito mais, para finalizar, gostaríamos de abordar os limites da teoria, num sentido lato, enquanto organizadora e orientadora da prática pedagógicaem Educação Física.

 As teorias científicas, no âmbito das ciências da natureza (e muitas vezes também nas ciências sociais e humanas), à medida que retratam o funcionamento da realidade,das leis que regem o seu movimento, permitem prever o seucomportamento e, conseqüentemente, fornecem elementosque or ientam uma intervenção eficiente - o dese nvolvimento de uma tecnologia. A ciência é, aí, um instrumento depoder; amplia nossa capacidade de intervir na realidade.São teorias desse tipo as teorias da aprendizagem, da fisiologia do esforço, etc. Aliás, uma certa vertente educacionalpretendeu orientar-se por esses princípios (pedagogia tecni-cista). Entender uma teoria da educação nessa perspectiva éum reducionismo com conseqüências políticas bem-conheci-das de todos nós. Assim, é preciso considerar que uma teoria de uma prática pedagógica não pode se resumir à discussão dos meios eficientes para sua ação, mas, sobretudo,precisa refletir sobre os fins, s obre o sentido dessa ação - osmeios lhe são subordinados.

Por outro lado, é comum perceber no âmbito da Educação Física o entendimento de que a teoria deve ter como

tarefa primordial oferecer um conjunto de prescrições, ouseja, ofer ecer uma tecnologia (ações eficientes) - aquilo queconvencionou-se chamar de “rece itas”. Entendo ser essa umaexpectativa equivocada por várias razões, entre essas as deque as receitas (dos outros) desobrigam os seus utilizadoresda tarefa de pensar, de criar. Não obstante, toda teoria quenão se apresenta na forma de uma tecnologia imediatamente consumível, tende a ser rotulada de “filosófica” (em sentido pejorativo, distante da realidade). Ora, qualquer teoria,

no plano pedagógico, por mais que forneça indicadores paraa prática, não poderá nunca apresentar um conjunto de prescrições de como agir do mesmo modo como um prospectoindica os passos da montagem de uma mesa ou de umamáquina. Uma teoria pedagógica não deve ser uma tecnologia(Como dito anteriormente, isso aconteceu e acontece aindahoje). A relação pedagógica é (deve ser!) uma relação entresujeitos; deve ser uma relação criativa e criadora, não podeser reduzida a uma téchne, ela deve ser sempre tambémpoíesis. A teoria não s ubstitui a prática e vice-versa; cada

qual tem sua lógica, lógicas essas que precisam fecundar-semutuamente, para uma teoria da prática e para uma práti

ca teorizada.

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alter Bracht nasceu em Toledo(PR) em 1957. Realizou seucurso de graduação em

Educação Física na UniversidadeFederal do Paraná. Na mesmau n i v e r s i d a d e r e a l i z o u c u r s ode especialização em treinamentodesportivo. Obteve o grau de mestre emEducação Física na UniversidadeFederal de San ta Maria ( R S)

e doutorou-se na Univers idadede Oldenburg (Alemanha). Foi docenteda Univers idade Estadual de Mar ingá eda Universidade Federal de SantaMar ia e atualmente é professor doCentro de Educação Física e Desportosda Universidade Federal do EspíritoSanto onde íntegra, também,o Laboratório de Estudos em EducaçãoFísica (LESEF).

É autor dos livros Educação Físicae aprendizagem social (Magister, 1992)e Sociologia crítica do esporte; uma

introdução (CEFD/UFES, 1997) e co-autor de Metodologia do ensinoda educação física (Cortez, 1992). Foipresidente do Colégio Brasileiro

de Ciências do Esporte por duas gestões(1991/93 e 1993/95).

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Educação Física deve tornar- se uma ciêncía!(!)

 A esta, propõem- se os nomes de: Cines iolog ia,

Cíência(s) do Movimento Humano, Ciência

da Motricidade Humana e Ciência(s) do Esporte.

Este "casamento" foi indicado, por algum tempo, para que

a Educação Física lograsse legitimidade enquanto área

do conhecimento, e, ao mesmo tempo, superasse sua crise

de identidade. Embora tivesse chegado a soar a marcha

nupcial, para o bem ou para o mal, o "casamento" não

concretizou- se. N ão que faltasse torcida. N o entanto, parece

que mais recentemente, também para a área da Educação

Física a ciência deixou de ser um "partido" inquestionável.

O objeto de disc ussão deste livro são os detalhes

e as conseqüências que este namoro trouxe e vem trazendoi

para a Educação Física.